Discurso para os formandos em Arquitetura e Urbanismo, UFG, 2014

September 9, 2017 | Autor: Camilo Amaral | Categoria: Arquitetura e Urbanismo
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Discurso para os formandos em Arquitetura e Urbanismo, UFG, 2014, Camilo Amaral Eu gostaria de cumprimentar a todos presentes, na pessoa do reitor Orlando Afonso Valle do Amaral. Gostaria de agradecer em especial ao ex-reitor Edward Madureira Brasil, que tornou o sonho deste curso possível. E gostaria de agradecer ao convite da turma, lembrando que aqui sou apenas um representante dos demais professores do curso. Essa formatura é apenas um momento de consagração, e não será capaz de representar todo empenho de vocês: seu espírito pulsante, crítico e criativo, que nunca se amedrontou diante dos enormes desafios que a Arquitetura e o Urbanismo enfrentam. As palavras deste discurso são muito curtas para expressar toda a profundidade desse percurso, onde, tantas vezes, nossos papéis de alunos e professores se inverteram. Então, que elas sejam apenas ancoras para captar, por um instante, toda esta riqueza. Devemos, inicialmente, estar agradecidos a todos que dedicaram suas vidas, construindo esta instituição tão respeitada, a UFG. Por isso, gostaria de começar minhas palavras, lembrando a nossa missão: “gerar, sistematizar e socializar o conhecimento e o saber, formando profissionais e indivíduos capazes de promover a transformação e o desenvolvimento da sociedade” Eu estou certo de que estamos aqui diante de profissionais preparados para essa missão, que nos deixam um enorme legado. Mas, devemos estar cientes de que esta é uma jornada sem fim, formada de muitos recomeços. E o caminho de vocês, recomeça agora.

Eu gostaria, concluindo este primeiro argumento, dizer que: assim como a UFG, a arquitetura somente cumpre seu papel, na medida em que transforma o espaço existente em algo melhor. Ser arquiteto é esse jogo de se indagar por novas possibilidades. De saber que as coisas, como estão, não são um fato pronto e acabado, mas um ‘estado’, um momento pequeno num processo maior da humanidade, e que pode ser sempre confrontado e alterado pela ação consciente do homem. Muitas vezes, mudamos um fato urbano, mesmo ao preservá-lo: agimos também com a consciência, numa estética da polis: ver o mundo com novos olhos pode ser a mais transformadora das atitudes.

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E gostaria também, num segundo argumento, falar de permanência e do papel de suas escolhas (na arquitetura e em suas vidas, que agora têm um destino em comum). Para ilustrar essa dialética entre a força de transformação e o poder de permanência, eu gostaria de usar as palavras de Carlos Drummond de Andrade, num poema em que ele demonstrava que de tudo fica um pouco: mesmo das rosas, das folhas, do medo e dos gritos gagos. Ele dizia que fica um pouco de luz captada no chapéu, um pouco da ponte bombardeada (fica oscilando no rio), e um pouco de teu queixo no queixo de tua filha (neste vidro de relógio partido em mil esperanças). E fica “um Pouco deste pó, de que teu branco sapato se cobriu”. E ele conclui: “Mas de tudo, terrível, fica um pouco, e sob as ondas ritmadas e sob as nuvens e os ventos e sob as labaredas e sob o sarcasmo e sob o soluço, o cárcere, o esquecido

e sob as bibliotecas, os asilos, as igrejas [triunfantes e sob tu mesmo e sob teus pés já duros fica sempre um pouco de tudo. Às vezes um botão. Às vezes um rato.”

É certo que tudo que fazemos, às vezes fica um botão, uma flor por desabrochar, uma semente por germinar, sonhos ainda por realizar. Mas, às vezes também deixa-se um “rato”. E por este motivo, é tão importante sermos sempre reflexivos e termos um olhar atento e crítico. É preciso julgar nossa posição no mundo. Nós bem sabemos que não há arquitetura sem esperança. Porque, se não acreditarmos que é possível mudar as coisas para melhor, então, não há porque projetar, repensar, intervir: ser arquitetos.

Isto tudo pode parecer óbvio. Mas, ser arquiteto é uma forma complexa de ser esperançoso. É uma esperança angustiada, que nos move pela própria melancolia de ser um processo de transformação. A Arquitetura transforma, mas, também é feita para permanecer, sobreviver ao tempo. Neste processo, constroem-se jaulas ou abrem-se portas. Separa-se com muros ou ligam-se caminhos. E não é fácil identificar os botões de rosa a deixar, e os ratos a se evitar. A esperança angustiada do arquiteto é aquela que não espera. Ela enfrenta o peso de suas escolhas.

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O arquiteto talvez seja o último dos humanistas. Aqui vocês estudaram matemática, geometria, filosofia, teoria, história, sociologia. Estudaram os detalhes, o corpo, a cidade, a região, o mundo em cada nó construído pelas redes de relações sociais. Estudaram computação e suas relações com a sociedade; estudaram tecnologia, engenharia, e também arte e cultura contemporânea. Estudaram até astrologia, nas diferentes posições do sol ao nascer e se por. Mas, depois de estudar cada problema arquitetônico, foi sempre cobrado de vocês uma atitude: o que deve ser feito agora? E o que deve ser feito, não é apenas uma escolha entre 7 cores de uma suíte, azul cintilante, verde limão, ou a máscara de um vermelho escarlate. É, sempre, uma escolha de quem você será: As suas escolhas, enquanto arquitetos, serão aquilo que ficará de vocês neste mundo. Eu não digo que estas escolhas serão fáceis. Haverá sempre uma enorme pressão sobre vocês. Pois, nós carregamos não só a responsabilidade de fazer as nossas escolhas para as gerações futuras, mas, carregamos, sobre as costas, todo o peso das escolhas erradas tomadas pelas gerações passadas. Por isso é preciso lutar contra toda poeira que ficou de ruim, levantada em tantas guerras, tanta atrocidade, exploração, desigualdade, fome e miséria.

Por outro lado, o passado não é feito só de escolhas ruins. O mundo está cheio de sonhos, utopias, esperanças. Todos em ruínas. Mas, terrível felicidade, fica sempre um pouco de tudo. Por isto desejo que possam se libertar de todo peso, e escalar suas próprias ruínas oníricas. Que toda ruína de pedra, sejam blocos de bondade; que todo concreto encardido, revele as marcas do passado; que todo sonho dilapidado, te faça ter pesadelos; que toda estrutura em colapso, seja uma abertura de liberdade; que toda ordem desconstruída, seja um caos criador. Ruínas como uma malha fina: sopro de inspiração: sempre incompleto, como todos nós. Por fim, eu parabenizo esta grande conquista de vocês, na esperança angustiada de que muitas outras conquistas estejam por vir: que todos os sonhos que nós construímos juntos, aqui nesta escola, toda vontade de “promover a transformação e o desenvolvimento da sociedade”, possam ser as ruínas cravadas pra sempre nas suas ações. Como pó sob teus sapatos. Muito obrigado.

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