Dissertação acerca da produção teórica de Horkheimer nas décadas de 30 e 40 e suas nuances.

June 1, 2017 | Autor: Luiz Junior | Categoria: Critical Theory, Max Horkheimer
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Dissertação acerca da produção teórica de Horkheimer nas décadas de 30 e 40 e suas nuances.

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A presente dissertação tem o intuito de expor parte da trajetória intelectual do filosofo social alemão Max Horkheimer. A ênfase recairá sobre a produção teórica do autor nos períodos relativos à década de 30 e ao pós guerra. Estes períodos merecem atenção especial por representarem dois momentos distintos no que concerne a orientação filosófica de Horkheimer, o primeiro , a grosso modo , norteado por Marx e o materialismo, e o segundo , de modo geral, pelo pessimismo de Schopenhauer. Para entender esta mudança de direcionamento no pensamento do autor faz-se necessária a apresentação de elementos da conjuntura da época tal em que esta se deu , algo que se buscará realizar também nesta dissertação. Nos anos 30, Horkheimer , enquanto filosofo social e diretor do Institut fuer Sozialforschung , tem como objetivo dar nova vida a teoria marxista , a qual à época se encontrava engessada , envolta pelo dogmatismo , ortodoxismo , pela crença em verdades absolutas universais e a-históricas e por uma abordagem positivista da realidade social . Apenas nos anos 20 com Karl Korsch, Georg Lucacks e outros intelectuais engajados politicamente, conhecidos como marxistas ocidentais, é retomado o viés Hegeliano, no sentido dialético e não idealista, da obra de Marx, no qual se abandona aquele marxismo do tipo mecanicista, alicerçado em teses imutáveis e desvinculado com o presente. Como afirma Martin Jay em a Imaginação dialética: ‘’ No século XIX tardio, a teoria social em geral havia deixado de ser crítica e negativa ‘’. A empreitada dos teóricos críticos liderados por Horkheimer pode ser considerada uma renascença dos esforços dos Hegelianos de esquerda, devido ao interesse de ambos em integrar filosofia e análise social, pela preferência pelo método dialético e principalmente pelo interesse em explorar as possibilidades de transformação da ordem social pela práxis humana. Tal interesse em aliar teoria e prática representou a marca distintiva do movimento liderado por Horkheimer conhecido como teoria crítica, tendo suas diretrizes sido apresentadas no texto de 1937 ‘’ Teoria Tradicional e Teoria crítica ‘‘, no qual é feita uma diferenciação entre dois métodos gnosiológicos , um fundamentado no ‘’ Discurso do método’’ de Descartes e o outro na’’ Crítica da economia política’’ de Marx. Segundo Horkheimer , em ‘’ Filosofia e Teoria Crítica ‘’ : a teoria no sentido tradicional , cartesiano , como a que e encontra em vigor em todas as ciências especializadas , organiza a experiência à base da formulação de 2

questões que surgem em conexão com a reprodução da vida dentro da sociedade atual... (cont.)... A teoria crítica da sociedade , ao contrário, tem como objeto os homens como produtores de todas suas formas históricas de vida. ’’. No entendimento de Horkheimer, o sentido de uma teoria crítica da sociedade se desenvolve não a partir de uma mera descrição passiva do estado de coisas, que tende a concordar com as injustiças do modo de vida burguês, mas sim por uma análise que busque identificar neste estado de coisas as fissuras e contradições que impedem seu pleno desenvolvimento. Para Horkheimer o materialismo seria capaz de compreender as tendências sociais da época e conseqüentemente realizar um diagnóstico correto somente através da apropriação do método dialético. É fundamental para o autor a noção extraída de Marx de que : ‘’As relações sociais são inteiramente interligadas às forças produtivas. Adquirindo novas forças produtivas, os homens modificam o seu modo de produção, a maneira de ganhar a vida, modificam todas as relações sociais ‘‘, ou seja, a organização política, a produção científica, artística, religiosa e etc. tem seu desenvolvimento vinculado ao modo de produção de cada época, numa relação que Marx denominou como super e infra-estrutura respectivamente.

No entanto, como já fora ressaltado,

Horkheimer não é um marxista ortodoxo e adotando o método dialético buscou aplicar aquilo que considerou mais elementar na teoria marxista, o materialismo, à realidade observável em seu tempo, de modo que certos prognósticos não realizados contidos na teoria marxista foram rejeitados enquanto novas circunstancias não previstas por Marx vieram à tona. Utilizando o materialismo como princípio, ponto de partida, para toda e qualquer tentativa de análise do real e reunindo, enquanto diretor do Institut fuer Sozialforschung, pesquisadores de diferentes especialidades em um regime de trabalho interdisciplinar , tendo como referencia comum a tradição marxista ,Horkheimer lança mão do projeto que caracterizou a produção do Institut de 30 a 37 , o materialismo interdisciplinar , caracterizado fundamentalmente pela integração da pesquisa empírica com a reflexão teórica. O materialismo nos moldes de Horkheimer, com sua íntima ligação com a prática, representou, sobretudo uma negação do idealismo, nos textos reunidos na coletânea ‘’ Teoria Crítica I: uma documentação, busca fazer analises da filosofia à luz do materialismo, como em ‘’Materialismo e 3

Metafísica’’, indicando que princípios universais de certas teorias presentes na metafísica expressariam na verdade interesses particulares de grupos em determinados momentos históricos. Este mesmo processo ocorreria no âmbito da moral e em ‘’ Materialismo e Moral ‘’ o autor observa que a busca por uma moral universal de um homem abstrato, como o imperativo categórico Kantiano, representa na verdade a imposição da moral burguesa. A teoria crítica se apresenta a Horkheimer, portanto, como único modo capaz de levar a filosofia à diante. No texto ‘’ Teoria Tradicional e Teoria Crítica’’ Horkheimer apresenta alguns fundamentos de seu diagnóstico do tempo presente derivados direta ou indiretamente de trabalhos realizados no Institut na década de 30. Um deles tem origem nas análises econômicas de Pollock , o qual observou que as tendências autodestrutivas do capitalismo não se encontravam acirradas apesar da Revolução Russa de 1917 e da crise de 1929 e que a transformação do capitalismo concorrencial em um capitalismo monopolista, com intervenções profundas do Estado na economia , desarticulara o prognóstico original de Marx de que uma intervenção permanente do estado na economia levaria a um colapso da lógica de valorização do capital. Outro elemento do diagnóstico de Horkheimer provém dos estudos empíricos sobre a classe trabalhadora alemã , a partir dos quais concluiu que , ao contrário da previsão , havia ocorrido uma melhora nas condições de vida de parte do operariado. Além destes fatores, a ascensão do nazi-facismo na Europa mostrou que a capacidade de resistência da classe trabalhadora à dominação capitalista havia sido superestimada. O operariado era para Marx a única força política interna ao próprio sistema capaz de destruir o capitalismo e instaurar o socialismo. Diante deste panorama Horkheimer chega à conclusão de que naquele momento os potenciais de emancipação da dominação capitalista estavam bloqueados, isto é, não havia espaço naquele momento para que as contradições internas do sistema pudessem ser exploradas, mas permanecia ainda no horizonte a idéia de que as possibilidades de intervenção transformadora do mundo poderiam se reabrir com a derrota do nazismo. Todavia, o pós-guerra e a conseqüente vitória das tropas aliadas não trouxe , como se esperava , a restauração das possibilidades revolucionárias, pelo contrário , passou-se de uma situação de bloqueio momentâneo para uma de 4

bloqueio estrutural da prática transformadora de acordo com o diagnóstico desenvolvido por Horkheimer na ‘’ Dialética do Esclarecimento ‘’ . Segundo tal diagnóstico, baseado em análises econômicas de Pollock, no pós-guerra o capitalismo adquiriu o caráter de verdadeiro planejamento com a intervenção do Estado na organização da produção, da distribuição e do consumo, o que veio a alterar radicalmente os termos em que Marx estabelecera suas analises. Esta nova forma de capitalismo foi denominada por Pollock de ‘’ capitalismo de Estado’’e por Adorno e Horkheimer de ‘’capitalismo administrado’’ ou ‘’ capitalismo tardio’’. Nesta nova forma assumida pelo capitalismo a economia deixa de ter primazia, em favor da política , na determinação das estruturas sociais fundamentais e diferentemente dos outros períodos, nos quais o sistema deixava entrever em si mesmo o campo de ação capaz de abolir o capital e instaurar uma sociedade justa, o capitalismo administrado

é um

sistema que se fecha sobre si mesmo, bloqueando estruturalmente qualquer possibilidade de superação virtuosa e paralisa a ação genuinamente transformadora . Com o fechamento total dos meios de intervenção e transformação da realidade social não resta alternativa à Horkheimer se não procurar entender o que levou a humanidade a este estado de coisas. Juntamente com Adorno empreende uma investigação de amplo espectro sobre a razão humana, na qual busca compreender porque esta ao invés de levar a instauração de uma sociedade livre e igualitária acabou por produzir um sistema social imobilizado e transformou os indivíduos em engrenagens de um mecanismo, sem nenhuma autonomia. Em outras palavras, o Horkheimer do pós-guerra diante de um mundo estático se pergunta como os homens, enquanto seres racionais, passaram de senhores do próprio destino responsáveis pela escrita de sua história, como afirma a perspectiva materialista, à escravos de um sistema social que forjaram para si mesmos. Ao investigar a razão na ‘’Dialética do esclarecimento’’, mito e esclarecimento, termos antagônicos que protagonizam o grande projeto de emancipação da razão do período Iluminista, ligada a idéia de progresso são submetidos ao método dialético e passam a significar uma mesma vontade de compreender a natureza. O autor nascido em Stuttgart observa que esta, não é autônoma, ou seja, não é capaz de determinar para si mesma os seus rumos restringindo-se à sua função instrumental, de cálculo e 5

ajuste dos melhores meios a fins dados exteriormente ao agente. Para este, segundo Horkheimer , do pós-guerra , a razão, do modo como se dá no mundo administrado , não se desenvolve em benefício da humanidade e sim como uma manifestação do cego instinto de autoconservação , como havia afirmado Schopenhauer. Ocorre uma massificação e homogeneização generalizada que impede qualquer tipo de crítica e transformação da realidade social. Em favor da clara exposição desta passagem cito o livro ‘’ Dás lágrimas das coisas ‘‘, onde se afirma: ‘’ Afinal, a totalidade administrada sem liberdade e sem sentido é como a espécie animal em que os indivíduos não passam de meio para sua perpetuação,

sacrificando-se

por

ela

justamente

quando

perseguem

obstinadamente seu próprios interesses;..(cont.) Convertido em espécime da natureza, o individuo encontra-se completamente subsumido pelo coletivo ‘’. Ao compreender o progresso da civilização como manifestação inconsciente Horkheimer se aproxima de Schopenhauer, e seu pessimismo metafísico, como ‘’alternativa teórica perante a resignação diante da temerosa corrida rumo

ao

mundo

administrado’’.

Horkheimer

afirma

a

atualidade

de

Schopenhauer por ter já no século XVIII não ter se deixado enganar por esse progresso aparente e por não ter tentado , como seus contemporâneos , racionalizar o horror e a injustiça em favor de interesses materiais. De forma breve e resumida pode-se nesta dissertação ter uma idéia do percurso teórico não-linear percorrido por Max Horkheimer em sua carreira, mais especificamente no que concerne à produção dos anos 30 e a do pósguerra. Em ambos períodos constata-se sobretudo grande preocupação com os rumos da humanidade no século XX.

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REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS



Jay, Martin, La imaginación dialéctica: historia de la escuela de Frankfurt y el Instituto de Investigacion Social (1923-1950). Madrid: Taurus, 1989.

 Horkheimer, Max; Adorno, Theodor. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985 

Nobre, Marcos. Introdução. In Marcos Nobre (org.) Curso livre de teoria crítica . Campinas: Papirus, 2008.

 Nobre, Marcos. A teoria crítica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2008 (Coleção Passo a passo, 47)



Chiarello, Mauricio Garcia, Das lágrimas das coisas. Estudo sobre o conceito de natureza em Max Horkheimer. São Paulo: Unicamp, 2001.



Horkheimer, Max, Teoria tradicional e teoria crítica. In Benjamin, Walter; Horkheimer, Max; Habermas, Jürgen; Adorno, Theodor. Textos escolhidos. São Paulo: Abril Cultural, 1980 (Os Pensadores). Teoria crítica: uma documentação. Trad. Hilde Cohn. São Paulo: Perspectiva/Edusp, 1990.

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