DISSOLUÇÃO PARCIAL DA SOCIEDADE: QUESTÕES DE DIREITO EMPRESARIAL NO ANTEPROJETO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E A ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO

October 12, 2017 | Autor: Rodrigo Marinho | Categoria: Direito, Direito Processual Civil
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DISSOLUÇÃO PARCIAL DA SOCIEDADE: QUESTÕES DE DIREITO EMPRESARIAL NO ANTEPROJETO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E A ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO PARTIAL DISSOLUTION OF COMPANIES: BUSINESS LAW ISSUES IN THE DRAFT OF THE NEW CODE OF CIVIL PROCEDURE AND THE ECONOMIC ANALYSIS OF LAW Rodrigo Saraiva Marinho1 Resumo A Dissolução Parcial de Sociedade é um instituto do direito empresarial que não possui regramento processual no nosso ordenamento jurídico, tendo que ser feito uso da disposição legislativa do Código de Processo Civil de 1939, a qual trata da dissolução total de sociedade. O anteprojeto do Novo Código de Processo Civil apresenta previsões legais que tratam desse instituto, com a finalidade de trazer segurança jurídica para os sócios das sociedades empresárias. Palavras-chave: Direito Empresarial; Direito Processual Civil; Dissolução Parcial da Sociedade; Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil.

Abstract The Partial Dissolution of Society is an institute of business law which lacks procedural in our legal and there is no device in the current Code of Civil Procedure that addresses the topic, having to be used the law of the Code of Civil Procedure of 1939, which is the total dissolution of society. The draft of the new Code of Civil Procedure provides legal provisions that deal with this institute, in order to bring legal safety for shareholders of entrepreneurs. Keywords: Business Law, Civil Litigation; Partial Dissolution of the Company; Draft of New Code of Civil Procedure.

1 Introdução O presente ensaio é apresentado em razão das prováveis mudanças que ocorrerão no processo civil com relação a inclusão do procedimento especial da dissolução parcial da sociedade, tema relacionado ao direito empresarial, que passará a ter previsão legal no Código

                                                                                                                        1   Advogado. Mestrando pela Universidade de Fortaleza - UNIFOR. Especialista pela FESAC/UECE em Direito Processual Civil. Professor das disciplinas de Processo Civil e Direito Empresarial da graduação e pós-graduação da Faculdade Christus, da Pós Graduação da Faculdade Ateneu, Professor convidado da Fundação Escola Superior de Advocacia do Estado do Ceará – FESAC.  

   

de Processo Civil, caso o anteprojeto, conforme relatório enviado para a câmara dos deputados2, seja aprovado pelo Congresso Nacional. O Código de Processo Civil de 1939 trata do tema com relação a ação de dissolução e liquidação de sociedades, em seus artigos 655 a 729, disposições que permanecem ainda hoje em vigor, conforme ressalva contida no artigo 1.218, VII, do atual código de ritos. Ou seja, normas de mais de setenta anos tratam do desfazimento dos vínculos societários. A dissolução parcial da sociedade foi uma criação da jurisprudência e da doutrina brasileira no decorrer do século passado, visto que não havia qualquer previsão que tratasse do tema, sendo o Código Civil de 2002, em seu artigo 1.028, o primeiro a tratar do assunto com a designação de "resolução da sociedade em relação a um sócio". No presente ensaio serão demonstrados os aspectos materiais da dissolução parcial de sociedade, bem como o direito adjetivo, no qual serão aplicados os citados institutos, de forma a tornar claro como e quando os sócios das empresas poderão deixar de ser sócios de uma pessoa jurídica, permitindo que a mesma continue o seu funcionamento, gerando lucro para os seus sócios e mantendo o feixe de negócios que é gerado pela sociedade empresária. O artigo tem por objeto uma análise sobre a dissolução parcial da sociedade e a necessidade da positivação da matéria no nosso código de ritos. O presente trabalho é dividido em seis partes, sendo a próxima parte numerada, que é a segunda, sobre os aspectos gerais da dissolução parcial da sociedade. A terceira parte irá destacar como é tratado o assunto nos dias de hoje pela lei processual e na quarta parte será apresentada da previsão do procedimento especial de dissolução parcial da sociedade no anteprojeto do Novo Código de Processo Civil. Já na quinta parte será abordada a análise econômica sobre a necessidade do tema no anteprojeto e a consequência de o mesmo não ter previsão no atual código de ritos. A sexta parte é destinada a conclusão. Dessa forma, será amplamente demonstrada a necessidade de positivação do regramento processual para a dissolução parcial da sociedade, tema amplamente debatido pelo Direito Empresarial, porém ainda não pacificado o procedimento como tal situação deve ocorrer, trazendo insegurança jurídica para o mercado e para os sócios das sociedades empresárias.  

                                                                                                                        2

http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=490267, acessado em 16.11.2012.

   

2 Da Dissolução Parcial da Sociedade Empresária  

A sociedade empresária pode ter sua situação alterada de algumas formas, por exemplo, morte de um dos sócios, direito de recesso e de forma definitiva, apurando os haveres e os deveres da mesma e distribuindo os ônus e os bônus entre os seus sócios, o que não é interessante para o mercado, pois a empresa vai muito além de somente ser uma aferidora de lucro. A empresa é uma reunião de vários direitos de propriedade, sejam eles materiais e/ou imateriais, de acordo com Rachel Stztain, Décio Zylbersztajbn e Bernardo Mueller (2005, p. 85), "o Direito de Propriedade é como um feixe que engloba os direitos de uso usufruto e abuso, e que confere o exercício da exclusão sobre a coisa, que permite afastar terceros que dela pretendam se apropriar, usar ou gozar." Segundo os mesmos autores (2005, p. 90), definem ainda que "(...) os resultados das empresas dependerão não só da estrutura externa de direitos de propriedade (empresas estatais, empresas corporativas, empresas abertas, sociedades limitadas), como também da estrutura de direitos de propriedade interna à organização caracterizada pelas regras internas e pela estrutura organizacional. Ou seja, regras que definem a alocação dos direitos sobre o resíduo gerado pela firma e as regras que definem direitos de tomada de decisão dentro das firmas."

Tais situações abalam o mercado, porém em virtude do dinamismo da vida e de suas relações, um dos sócios poderá sair voluntariamente de uma sociedade, pelo direito de recesso, que somente poderá ser exercido “quando houver uma das seguintes hipóteses: modificação do contrato social, fusão, cisão ou incorporação. Nesses casos o legislador entende que houve alteração de ordem tal na estrutura da sociedade que o sócio dissidente da deliberação que aprovou uma dessas modificações tem o direito de pedir o recesso (CAMINHA, 2007).” A sociedade ainda poderá ter o seu fim parcial em caso da morte ou no caso da exclusão de um sócio, razão do presente artigo. (COELHO, 2011) Um dos sócios pode ser retirado da sociedade, entretanto os sócios remanescentes podem querer manter a sociedade, mas sem a presença do outro em razão da quebra da confiança. A sociedade empresária de pessoas somente terá o seu funcionamento se ocorrer o affectio societatis entre os sócios, ou seja, o espírito empreendedor que une os sócios em

   

busca de desenvolvimento e crescimento para que uma sociedade possa gerar lucro, empregos e o progresso de um país. Segundo Alexandre Antônio Bruno da Silva (2003, p. 187), este afirma que: Por dissolução parcial de sociedade considera-se não só o processo que leva à extinção da pessoa jurídica, mas também, àquele que promove o fim dos vínculos sociais em relação a apenas alguns dos sócios. No primeiro caso, ter-se-á a dissolução total, no segundo, a dissolução parcial da sociedade. Neste trabalho, temse como tema este segundo processo dissolutório em relação as sociedades limitadas.

Todavia, em muitos casos esse ideal esvanece-se com o tempo, não permitindo que um sociedade empresarial sobreviva, haja vista que ela é a base que solidifica e que faz expandir qualquer negócio, fato citado por Uinie Caminha: “ […] não se pode forçar alguém a permanecer associado quando não mais prevalece a afectio societatis […]”. (CAMINHA, 1999, p. 177) Tal circunstância é apreciada por Uinie Caminha (1999, p. 177), a qual defende que "a dissolução parcial de sociedade é uma solução encontrada pelos tribunais para equacionar dois princípios constitucionalmente reconhecidos que por vezes se tornam incompatíveis, o da liberdade de associação e o da função social da propriedade". Assim, não havendo fidúcia, não há por que perdurar a sociedade com relação aos sócios, ainda que sejam administradores, pois quebraram a relação de confiança, a qual sem ela não sobreviveria uma sociedade empresária de pessoas. Se não é possível a manutenção da relação entre os sócios, nada impede que a pessoa jurídica continue existindo, mesmo porque a permanência da mesma é de interesse de um universo muito maior, devendo ser resguardada tal situação pelo direito, em virtude de tudo aquilo que uma empresa pode proporcionar. Tal solução é "inspirada no princípio da preservação da empresa" (CAMINHA, 1999, p. 178), sendo uma forma de equilibrar os interesses da sociedade em razão do feixe de contratos e obrigações que envolvem uma empresa. Com a relação de confiança quebrada em razão de um dos sócios considerar que o outro cometeu falta grave, não existe nada mais a fazer do que buscar a dissolução parcial da sociedade, podendo esta dissolução ser extrajudicial de acordo com o art. 1.085 ou judicial, conforme o disposto no caput do art. 1.030 do Código Civil: Art. 1.085. Ressalvado o disposto no art. 1.030, quando a maioria dos sócios, representativa de mais da metade do capital social, entender que um ou mais

   

sócios estão pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade, poderá excluí-los da sociedade, mediante alteração do contrato social, desde que prevista neste a exclusão por justa causa. […] Art. 1030. Ressalvado o disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, pode o sócio ser excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios, por falta grave no cumprimento de suas obrigações, ou, ainda, por incapacidade superveniente. [...]

Assim, sócios desidiosos deverão ser afastados, definitivamente, não só da gestão da sociedade, mas, também, da própria sociedade, por total irresponsabilidade na condução das atividades gerenciais, em razão das faltas graves por eles cometidas na gestão da sociedade. Como bem lembra o Professor Doutor Gladston Mamede, do Curso de Mestrado em Direito da Universidade FUMEC, em Minas Gerais (MAMEDE, 2008): A expressão falta grave é – e deve ser – ampla. Embora tenha sido estabelecida por meio de lei, seu plano é o do direito disciplinar, no qual não se fazem necessárias situações tipificadas, mas comportamentos que, não importa qual seja sua configuração, caracterizem grave desrespeito aos deveres que podem ser tidos como inerentes à manutenção de uma sociedade. [...] Para além das previsões estatutárias, um amplo leque de possibilidades se define, como atos que caracterizem desrespeito à affectio societatis (designadamente a concorrência desleal com a sociedade), prática – ou tentativa – de crimes dolosos que tenham a sociedade ou qualquer dos sócios como vítima, improbidade (mesmo sem caracterização de ato ilícito), etc.

Entretanto, existe a hipótese de o sócio se retirar da sociedade em virtude de simplesmente não querer mais ser sócio, sem haver qualquer motivação, seja com relação a quebra da confiança, o direito de recesso e muito menos a morte de um dos sócios, visto que ninguém é obrigado a manter-se associado, conforme o direito fundamental esculpido no art. 5o., XX, da Constituição da República de 1988. Apesar de ninguém ser obrigado a manter-se a associado a uma sociedade empresária, isso não deverá necessariamente levar ao fim da pessoa jurídica, podendo e devendo a sociedade empresária sobreviver aos seus sócios, com a devida preservação da empresa, com a finalidade de cumprir a função social da propriedade, de acordo com o art. 5o, XXII e XXIII, da Constituição Federal de 1988. Corroborando com esse entendimento, Cristiano Gomes de Brito (2001, p. 149), afirma o seguinte: "Assim, tendo em vista o princípio da preservação da empresa, a dissolução parcial de sociedade foi concebida pela jurisprudência, que passou a considerar a sociedade pela sua função social; ao invés de dissolvê-la totalmente, passou-se a admitir sua dissolução parcial, equacionando, com isso, os interesses tanto da empresa como dos sócios retirantes e dos remanescentes."

   

O citado autor também destaca a possibilidade de preservação da empresa, permitindo que ela prossiga com todos os seus contratos, definindo a função da dissolução parcial que seria "impedir a dissolução total da empresa, ou seja, sua extinção, quando se torna incabível o direito de recesso."(BRITO, 2011, p. 150) A dissolução parcial da sociedade está em harmonia com os princípios do direito societário e a função social da empresa, devendo ser preservado o interesse de todos os envolvidos com a pessoa jurídica, sejam eles trabalhadores, empresários, credores e devedores da sociedade empresária. Com isso, apesar de até hoje não existir qualquer previsão legal que informe como deverá ser processada a dissolução, a jurisprudência tem julgado no sentido de autorizar a dissolução, retirando da sociedade o sócio dissidente e preservando-a com os sócios remanescentes, em regra, apurando os haveres e ofertando uma indenização para o sócio dissidente. Com isso mantém a estrutura da sociedade gerando riquezas, emprego e receita, conservando o desenvolvimento da comunidade local. Corroborando com tal entendimento, Modesto Carvalhosa (1998, p. 20) , afirma o seguinte: "(...) Não obstante esse requisito processual (pedido alternativo), tem os tribunais julgado extra petita no sentido de que cabe dissolução parcial a favor do requerente mesmo quando haja pedido único pela dissolução total. Essa orientação do judiciário tem sido adotada tanto nas sociedades anônimas quanto nas por quota de responsabilidade limitada."

Igual pensamento adota o colendo Superior Tribunal de Justiça, que, em recente julgado, firmou seu entendimento sobre a necessidade de exclusão de sócio que pratica falta grave: [...] É bem de ver que a dissolução parcial e a exclusão de sócio são fenômenos diversos, cabendo destacar, no caso vertente, o seguinte aspecto: na primeira, pretende o sócio dissidente a sua retirada da sociedade, bastando-lhe a comprovação da quebra da "affectio societatis"; na segunda, a pretensão é de excluir outros sócios, em decorrência de grave inadimplemento dos deveres essenciais, colocando em risco a continuidade da própria atividade social. 3. Em outras palavras, a exclusão é medida extrema que visa à eficiência da atividade empresarial, para o que se torna necessário expurgar o sócio que gera prejuízo ou a possibilidade de prejuízo grave ao exercício da empresa, sendo imprescindível a comprovação do justo motivo. [...] (RESP 917.531/RS. 4ª. Turma. Rel. Min. L. F. Salomão. DJe 01 fev. 2012.)

   

Destaque-se que, caso haja a dissolução, que como já dito, está prevista no Código Civil, porém não existe qualquer previsão procedimental, terá como principal efeito a "retirada do sócio mediante apuração de seus haveres, em valor real atualizado, na forma de liquidação que se aproxime da dissolução total, não se sujeitando ao pagamento parcelado dos haveres." (BRITO, 2011, p. 450) E a dissolução parcial da sociedade também caberá com relação as sociedades anônimas? O que primeiro tem que ser discutido é a diferença entre as sociedades anônimas e as limitadas. A sociedade limitada é uma sociedade contratual, em que suas relações são fundadas no contrato social da pessoa jurídica, já a sociedade anônima é institucional, com obrigações instituídas em lei, tendo bem menos margem para inovar no seu estatuto social. Além disso, a sociedade limitada tem forte vinculação entre os seus sócios, sendo, como já dito, o affectio societatis extremamente importante para os seus sócios, com grande dificuldade de um sócio vender as suas quotas sem autorização do outro sócio. A sociedade anônima é uma sociedade de capital, ou seja, a relação interpessoal tem bem menos força, sendo importante para a sociedade o valor investido nas ações, podendo essas ações circularem livremente entre os sócios e os não sócios que quiserem adquirir as ações das sociedades anônimas. Resta clara, portanto, a desnecessidade da dissolução parcial da sociedade com relação as sociedades anônimas, principalmente daquelas que têm capital aberto e muitos sócios. Entretanto, as sociedades com poucos sócios e um elevado grau de iliquidez das ações, dificultando a circulação dessas ações, com capital fechado, sem affectio societatis e falta de poder deliberativo das ações, autoriza a possibilidade da dissolução parcial da sociedade. Apesar de haver entendimentos em contrário, Uinie Caminha (1999, p.180) defende que "deve-se evitar a presunção errônea de que a sociedade anônima é sempre alheia ao intuitu personae e à affectio societatis." Corroborando com esse entendimento, o Superior Tribunal de Justiça autoriza a dissolução parcial da sociedade anônima: COMERCIAL. SOCIEDADE ANÔNIMA FECHADA. CUNHO FAMILIAR. QUEBRA DA AFFECTIO SOCIETATIS. DISSOLUÇÃO PARCIAL. POSSIBILIDADE. PEDIDO FORMULADO POR ACIONISTAS MAJORITÁRIOS. POSSIBILIDADE. 1. Admite-se dissolução parcial de sociedade anônima fechada de cunho familiar quando houver a quebra da affectio societatis, com a retirada dos sócios dissidentes, após a apuração de seus haveres em função do valor real do ativo e do passivo. Precedentes. 2. Se o legislador autorizou os acionistas majoritários a pleitearem a dissolução total da sociedade - hipótese que leva à liquidação da empresa, com a saída de todos os sócios, inclusive os

   

minoritários - está admitida também a sua dissolução parcial. Não há sentido em impedir que os acionistas majoritários busquem permanecer no controle da empresa, até porque representam a maioria do capital social e, a rigor, a vontade dominante no que se refere aos interesses convergentes que, desde o início, caracterizaram a affectio societatis e a forma de exploração do objeto social. 3. Nada impede os acionistas minoritários de apresentarem, em sede de defesa, reconvenção, caso concordem com a dissolução parcial mas entendam que os acionistas majoritários é que devem se afastar. Todavia, o que não se pode admitir é que, numa sociedade intuito personae com ruptura da affectio societatis, os sócios minoritários se postem contrários à dissolução parcial mas não demonstrem interesse em assumir o controle da empresa. 4. Recurso Especial não provido. (STJ; REsp 1.128.431; Proc. 2009/0048836-8; SP; Terceira Turma; Relª Minª Nancy Andrighi; Julg. 11/10/2011; DJE 25/10/2011)

Apesar da previsão no código civil, bem como diversas decisões dos tribunais pátrios, não temos um procedimento claro de como deverá ocorrer a dissolução parcial da sociedade, visto que somente temos a previsão sobre a dissolução e liquidação das sociedades no art. 1218, V, Código de Processo Civil de 1973, o qual faz remissão em seu caput ao Decreto-Lei No. 1608, de 18 de setembro de 1939, o que será abordado no próximo capítulo. 3 Da Previsão Do Instituto No Ordenamento Jurídico Brasileiro O Código de Código de Processo Civil de 1939, em seus artigos 655 a 674, trata tão somente da dissolução e liquidação total das sociedades, devendo a mesma ser dissolvida após a devida apuração de haveres e deveres, sendo esta a lei utilizada até hoje, mais de setenta anos após a edição do citado código. Pontes de Miranda destaca que a citada ação do CPC/39 “abrange quaisquer sociedades personificadas, ou não, exceto as sociedades cujo processo de dissolução e liquidação seja regulado pelo direito constitucional ou administrativo” (1959, tomo 17). O citado autor ainda defende que a lei vai além, afirmando que "a lei chama liquidação da sociedade o que é mais do que liquidação: é liquidação e partilha. A liquidação serve à partilha entre os sócios; naturalmente pondo-se de parte, para ser devolvido, o que o sócio entregou à sociedade somente para uso, salvo, no período da liquidação, se ainda é necessário. (PONTES DE MIRANDA, 1959, tomo 17) Até a presente data, não sem críticas (BUECHELE, 1989, p. 63), a única lei processual que trata da dissolução de sociedade é essa. Os operadores do direito fazem uso dessa legislação do longínquo ano de 1939 para dissolver totalmente uma sociedade empresária, seja ela uma sociedade por quotas limitadas ou uma sociedade anônima fechada.

   

Segundo Paulo Hermínio Tavares Buechele, nos casos de “abuso, prevaricação, violação, falta de cumprimento das obrigações sociais, exclusão do sócio, não é causa de dissolução total da sociedade, mas justo motivo para exclusão do sócio, apurando-se seus haveres. Não deve a empresa ser sacrificada pela má conduta de um dos seus membros. (BUECHELE, 1989, p. 63)" O mesmo autor defende que nesse caso estão “abrangidas todas as situações em que se justifica a dissolução parcial da sociedade, cujo objetivo primordial é a continuidade da empresa, com o rompimento do vínculo apenas em relação ao sócio que falece, se retira ou é excluído.” (BUECHELE, 1989, p. 63) Pontua ainda que “o modo pelo qual se apuram os haveres” (BUECHELE, 1989, p. 63) será por meio da ação de dissolução e liquidação da sociedade. Porém, surge uma dificuldade, uma vez que a previsão legal rege a liquidação total, não se preocupando como se dará a liquidação parcial. No longínquo ano de 1959, o autor alagoano já defendia, sem o afirmar e sem qualquer previsão no Código de Processo Civil de 1939, o princípio da preservação da empresa, destacando a possibilidade da dissolução parcial da sociedade, podendo haver continuidade da sociedade empresário, senão veja-se: "se cabe a retirada de algum sócio, sem dissolução da sociedade (denúncia), e a sociedade, por outro motivo, se dissolve, a retirada do sócio trata-se em primeiro lugar, ainda que no mesmo processo. Os negócios pendentes não se calculam para o caso da retirada, mas, concluídos e apurados lucros e perdas, assume-os o denunciante. Essa regra também se aplica ao caso da morte do sócio sem dissolução da sociedade. (PONTES DE MIRANDA, 1959, tomo 17)

O Código de Processo Civil atual estabelece no art. 993, parágrafo único, II, "a apuração de haveres, se o autor da herança era sócio de sociedade que não anônima." Porém, o citado código até hoje não prevê a forma de dissolução parcial de sociedade inter vivos, explicando qual a ritualística que deverá ser seguida. Diante disso, o anteprojeto do Novo Código de Processo Civil apresenta as possibilidades, atualizando a legislação quando se fala em liquidação definitiva e criando o procedimento especial da liquidação parcial de sociedade empresária, pacificando as relações jurídicas e tornando para o mercado a dissolução parcial da sociedade previsível.  

   

4 A disciplina no anteprojeto do Novo CPC O Projeto do Novo Código de Processo Civil disciplina a matéria no Capítulo V, em seus arts. 585 a 595, atualizando ao nosso tempo, a dissolução parcial de sociedade, porém sem mencionar a dissolução total de sociedade, já que a previsão legal que trata do tema data há mais de 70 (setenta) anos. O capítulo V cuida da dissolução parcial de sociedade, a qual está inclusa no título III, que trata dos procedimentos especiais, o que será um grande avanço para o meio empresarial, uma vez que torna a matéria com consequências claras e previstas em lei, trazendo segurança ao sistema. Como já demonstrado, a jurisprudência e a doutrina construíram o instituto de dissolução parcial da sociedade, “partindo do princípio da preservação da empresa.” (COELHO, 2011, p. 143) De acordo com o anteprojeto do Novo CPC, a ação de dissolução total de sociedade seguirá no procedimento comum, conforme determina o art. 1.068, parágrafo terceiro, do citado, o qual afirma que “os procedimentos mencionado no art. 1.218 do Código revogado e ainda não incorporados por lei submetem-se ao procedimento comum previsto neste Código.” Tal assunto será discutido quando for abordada a análise econômica sobre a dissolução de sociedade empresária, seja ela total ou parcial. O procedimento de dissolução parcial de sociedade seguirá o rito especial. Cabe destacar que uma ação somente segue o rito especial “quando se reveste de tais particularidades que não se acomoda perfeitamente no procedimento comum.” (COELHO, 2011, p. 148) As inovações do anteprojeto do CPC iniciam destacando que as “sociedades contratuais ou simples”, conforme o art. 624, I, poderão ser dissolvidas parcialmente. O parágrafo segundo do citado artigo afirma ainda que "a ação de dissolução parcial de sociedade pode ter também por objeto a sociedade anônima de capital fechado quando demonstrado, por acionista ou acionistas que representem cinco por cento ou mais do capital social, que não pode preencher o seu fim." Como regra geral, descabe a dissolução parcial da sociedade anônima e a comandita por ações, apesar da professora Uinie Caminha em artigo intitulado A Dissolução Parcial de S/A ter se pronunciado no sentido contrário, desde que cumpridos alguns requisitos,    

principalmente no que tange quando a sociedade institucional possui, de fato, afecto societattis entre os sócios. (CAMINHA, 1999) Conforme o artigo 624, parágrafo segundo, a dissolução parcial de sociedade anônima foi confirmada pelo anteprojeto, ratificando portanto o pensamento afirmado por Uinie Caminha no artigo apresentado. A ação poderá ter os seguintes objetos, conforme o artigo 624 e seus incisos: I – a resolução da sociedade empresária contratual ou simples em relação ao sócio falecido, excluído ou que exerceu o direito de retirada ou recesso; e II – a apuração dos haveres do sócio falecido, excluído ou que exerceu o direito de retirada; ou III – somente a resolução ou a apuração de haveres. A lei ainda lista quem poderá ser o legitimado ativo para propor a ação, em seu artigo 586: I – pelo espólio do sócio falecido, quando a totalidade dos sucessores não ingressar na sociedade; II – pelos sucessores, após concluída a partilha do sócio falecido; III – pelos sócios sobreviventes, se não admitirem o ingresso do espólio ou dos sucessores do falecido na sociedade, quando esse direito decorrer do contrato social; IV – pelo sócio que exerceu o direito de retirada ou recesso, se não tiver sido providenciada, pelos demais sócios, a alteração contratual formalizando o desliga- mento, depois de transcorridos dez dias do exercício do direito; V – pela sociedade, nos casos em que a lei não autoriza a exclusão extrajudicial; ou VI – pelo sócio excluído. Ainda permite que “o cônjuge ou companheiro do sócio cujo casamento, união estável ou convivência terminou, requeira a apuração de seus haveres na sociedade. Os haveres assim apurados serão pagos à conta da quota social titulada por este sócio”, conforme o parágrafo único do artigo 586. O texto apresentado traz vários avanços buscando o ideal necessário de segurança jurídica que as empresas necessitam para continuarem desenvolvendo as suas atividades, já que o objetivo da dissolução parcial da sociedade é a permanência da pessoa jurídica no mercado. 5. Da Analise Econômica da Dissolução Parcial de Sociedade Como a dissolução parcial de sociedade é um tema ligado ao direito empresarial, não pode se perder de vista a questão econômica, os motivos que levaram a inclusão do procedimento especial no anteprojeto do Código de Processo Civil.    

O presente ensaio tem como objetivo final entender a motivação dessa situação, sendo efetuada a devida análise econômica do direito, para que seja demonstrado a razão que o mercado exige para que fosse criado um procedimento especial de dissolução parcial de sociedade, tema já a muito discutido na doutrina e utilizado na nossa jurisprudência. Conforme já destacado, a empresa é muito além do que somente o lucro, apesar desse ser o pressuposto de qualquer empresa, a teoria que foi apresentada, foi a teoria dos feixes, ou seja, a empresa tem diversas relações e contratos a ser cumpridos, caso essa empresa deixe de existir uma série de relações serão prejudicadas, deixando diversas obrigações em aberto, prejudicando o mercado. A discussão da dissolução parcial de sociedade é centrada em dois princípios constitucionais, conforme já destacado, "o da liberdade de associação e o da função social da propriedade" (CAMINHA, 1999, p. 177), que por vezes não vão se coadunar no exercício da atividade econômica. No presente caso, o mais importante é a preservação da empresa causando o menor dano possível aos sócios da sociedade empresária, preservando a propriedade em todos os seus termos, seja ela material e/ou imaterial. Décio Zylbersztain, Raquel Sztajn e Bernardo Mueller (2005, p. 86) defendem que o "bens móveis, divisíveis ou indivisíveis, singulares ou

coletivos, públicos e particulares, corpóreos e incorpóreos, fungíveis ou infungíveis, disponíveis ou indisponíveis e coisas fora do comércio" são considerados propriedade. De acordo com Afonso de Paula Pinheiro Rocha (2010, p. 85), "há um consenso na seara econômica de uma um sistema de propriedade forma a base de uma estrutura de economia de mercado e que a propriedade é um instituto indispensável para a compreensão e da organização jurídica da maioria dos povos." Essas relações de propriedade podem ser estabelecidas por contrato, em que pessoas naturarais se associam para criar uma pessoa jurídica, distinta das pessoas físicas, preservando o princípio da autonomia. Armando Castelar e Jairo Saddi (2005, p. 13) defendem que "os contratos desempenham um papel igualmente central da atividade econômica, uma vez que são base de sustentação de muitas transações realizadas no mercado, em especial aquelas de maior complexidade". Ora, se uma empresa tem uma série de feixes, se esses feixes decorrem de obrigações contratadas, seria extremamente prejudicial para o mercado e para a sociedade que sempre que um sócio quisesse sair da sociedade empresária, a pessoa jurídica chegasse ao seu fim.    

Tal situação é tão preservada que a Constituição Federal de 1988 "torna a propriedade como garantia e imediatamente determina que a mesma atenda a sua função social - Art. 5l., XXII e XXIII." (ROCHA, 2010, p. 90). A função social da empresa é dar lucro aos seus sócios, sem isso, todas as decorrências desse ato não ocorrerão. Caso o sócio quiser sair da sociedade, sem qualquer motivo, mas somente pelo fato de não querer estar associado a outro, seria um enorme prejuízo aos sócios da sociedade empresária deixarem de receber lucro, o que iria ferir de morte o direito à propriedade. Diante disso, a forma ideal é que seja apurado os haveres e os deveres e o sócio dissidente deverá ser pago, essa é a melhor saída econômica, pois como já dito, conseguirá coadunar dois princípios que em regra são opostos, o da associação e o da preservação da empresa. A preservação da empresa, destacando que essa empresa engloba uma séria de direitos de propriedade, é essencial para a nossa organização jurídica, sendo este o principal motivo da jurisprudência acatar o uso desse instituto independentemente da previsão processual legal, que até hoje não existe. A aprovação da proposta legislativa prevista no anteprojeto do Código de Processo Civil é extremamente necessária, visto que cria a dissolução parcial e põe fim a uma série de questionamentos elaborados no decorrer dos últimos setenta anos em que até hoje é usado o vestuto Código de Processo Civil de 1939. Entretanto, no mesmo diploma legal o legislador, de forma equivocada, extingue a liquidação total da sociedade como o rito especial, passando esse procedimento especial que está em vigor até hoje, ter a sua ritualística conforme o rito ordinário, sendo essa a principal crítica da mudança legislativa, mesmo porque passará a se fazer uso do rito da dissolução parcial da sociedade para resolver esse tipo de conflito. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS A dissolução parcial da sociedade foi discutida face a grande relação que existe entre o Direito Empresarial e o Processo Civil, tanto é que este tema, há muito é discutido na doutrina e na jurisprudência, finalmente passará a ser regulamentados em lei.

   

No presente artigo foi demonstrado como é tratado na doutrina e na jurisprudência o instituto de dissolução parcial da sociedade, sendo usada a vestuta legislação do Código de Processo Civil de 1939, o qual regula a liquidação de sociedades, apurando os haveres e deveres da sociedade e dividindo direitos e obrigações entre os sócios. Resta clara a necessidade de atualização da legislação, visto que o Código Civil de 2002 trouxe a possibilidade de resolução da sociedade com relação a um de seus membros, porém até a presente data não foi criado qualquer procedimento para tornar clara a aplicação dessa dissolução parcial da sociedade. Tal situação permite que o sócio saia e a sociedade continue atuando, cumprindo sua função social que é gerar lucro aos seus sócios remanescentes, além da função decorrente dessa que é gerar emprego, renda e a partir dessa sociedade empresária emitir diversos feixes que servirão para o mercado e toda a economia do país e do mundo se movimentar. A necessidade da previsão legal do instituto de dissolução parcial da sociedade é iminente, já que o tema, pacífico na jurisprudência, porém sem a devida previsão legal, prejudica o mercado, visto que o comércio e a indústria reclamam, a todo momento, da insegurança jurídica. O instituto apresentado, tendo o seu procedimento amparado em lei, trará maior segurança ao ambiente empresarial, evitando surpresas quando ocorrerem problemas no âmbito da sociedade empresária. A principal crítica ao anteprojeto é que ele não atualiza e traz para os procedimentos especiais a liquidação de sociedade, informando, conforme citado no artigo, que o procedimento de liquidação de sociedade será ordinário. Ora, um procedimento que a mais de 70 (setenta) anos está em vigor no Código de Ritos, visto que o CPC atual remete ao Código de 1939 e que tem toda uma especialidade, deveria ser mantido no anteprojeto, trazendo ainda as devidas atualização ao nosso tempo, seguindo mutatis mutandi a mesma idéia da dissolução parcial de sociedade. A impressão passada pelo anteprojeto é que este resolve um problema e cria outro, visto que, quando ocorrer a liquidação da sociedade, será utilizada subsidiariamente a dissolução parcial da sociedade, ou seja, como dito no Ceará: "cobre um santo e descobre outro". Somente para demonstrar esse problema, (SILVA, 2003, p. 197) afirma que "a apuração dos haveres do sócio retirante não consiste em uma tarefa simples", se não for incluída a dissolução total no anteprojeto, o juiz terá toda discricionariedade para determinar o valor que cabe aos sócios sem todo o rigor técnico exigido por um procedimento especial.    

No que tange a dissolução parcial da sociedade, o avanço é vindo em muito boa hora já que o país passa por todo um ideal de melhoramento da indústria e do comércio, sem o qual não poderia desenvolver-se. No presente momento, a referida proposta legislativa encontra-se em trâmite na Câmara dos Deputados Federais, visto que o anteprojeto do Novo Código de Processo Civil já foi aprovado em primeiro turno pelo Senado Federal. Diante do exposto, somente resta aos jurisdicionados aguardarem a aprovação da citada lei e, enquanto isso não ocorre, fazer uso dos dispositivos legais, da doutrina e da jurisprudência que se manifestam sobre a matéria discutida neste artigo. REFERÊNCIAS BRITO, Cristiano Gomes. Dissolução parcial de sociedade Anônima. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, v. 123, p. 147-159, 2001. BUECHELE, Paulo Hermínio Tavares. Ação de Dissolução e Liquidação de Sociedade. São Paulo: Saraiva, 1989. CAMINHA, Uinie ; LIMA NETO, Luis Bezerra. A resolução do vínculo societário por iniciativa do sócio: direito de recesso e função social da empresa. Pensar (UNIFOR), v. 12, p. 120-127, 2007. CAMINHA, Uinie. Dissolução Parcial de S/A. Quebra da "affectio socetatis." Apuração de Haveres. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, v. 114, p. 175-182, 1999. COELHO, Fábio Ulhôa. A Ação de Dissolução Parcial de Sociedade. Revista de Informação Legislativa, Novo Código de Processo Civil, Organizador: Bruno Dantas, Brasília, ano 48, n. 190, t. 1., Abr./Jun. 2011. MAMEDE, Gladston. Direito societário: sociedades simples e empresariais. 3. ed. São Paulo: Atlas, v. 2, 2008. PONTES DE MIRANDA, F.C, Comentários ao Código de Processo Civil, 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, t. 8, 1959. PINHEIRO, Armando Castelar e SADDI, Jairo. Direito, Economia e Mercados. São Paulo: Editora Campus, 2005 ROCHA, Afonso de Paula Pinheiro. Propriedade intelectual e suas implicações constitucionais - Análise do perfil constitucional da propriedade intelectual e suas interrelações com valores constitucionais e direitos fundamentais. Fortaleza: Editora DIM-CE, 2010.

   

SILVA, Alexandre Antônio Bruno da. A Dissolução Parcial das Sociedades no Novo Código Civil. Revista Opinião Jurídica, n. 2, ano 1, p. 187-199, 2003. ZYLBERSZTAIN, Décio e SZTAJN, Raquel. Economia dos Direitos de Propriedade in Direito e Economia. 2 ed. Rio de Janeiro, 2005.

   

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