DIVA NO DIVÃ: ABORDAGEM PSICANALÍTICA DO CONCEITO DE AMOR, PAIXÃO E AMADURECIMENTO PSICOAFETIVO DA PERSONAGEM EMÍLIA, DE JOSÉ DE ALENCAR

May 28, 2017 | Autor: Rayssa Amorim | Categoria: Brazilian Studies and José de Alencar, Brazilian Literature Studies, José de Alencar
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DIVA NO DIVÃ: ABORDAGEM PSICANALÍTICA DO CONCEITO DE AMOR, PAIXÃO E
AMADURECIMENTO PSICOAFETIVO DA PERSONAGEM EMÍLIA, DE JOSÉ DE ALENCAR.






Rayssa Pereira Amorim*




















RESUMO

Este trabalho apresenta a análise do processo de amadurecimento
psicoafetivo da personagem Emília Duarte, protagonista no romance Diva, de
José de Alencar. Baseado na abordagem psicanalítica de Aberastury sobre o
perfil afetivo dos adolescentes; estudos do arquétipo social feminino do
século XIX, definições de amor e paixão por Altini, esse estudo busca
comprovar se houve um amadurecimento psicoafetivo da personagem e como esse
objeto seria visto pela ótica do século XXI.




Palavras-chave: Diva. Romantismo. Adolescência. Arquétipo social.
Amadurecimento psicoafetivo.



















INTRODUÇÃO
Diva é um romance urbano de José de Alencar, publicado em 1864. Nele,
Emília Duarte, uma jovem linda, perspicaz e rica, salva quando pré-
adolescente pelo Dr. Augusto Amaral, lhe desperta a paixão e atrai os
olhares dos salões da alta sociedade do Rio de Janeiro. A heroína, dona de
uma personalidade extremamente caprichosa, domina Augusto através de
caprichos (ora de amizade, ora de indiferença) e confidencia-lhe os
confusos sentimentos de amor e paixão.
Após a declaração apaixonada de Augusto, Emília pede-lhe que espere a
definição de seus sentimentos por ele e prossegue no jogo de atração e
desprezo até que Augusto, enraivecido pelos constantes desprezos que recebe
lhe dá um ultimato para que se afaste dele causando sobre a protagonista
uma espécie de "insight apaixonado" que, por fim, leva ao matrimônio do
par.
No presente estudo usa-se o método indutivo, psicanalítico, embasado
em informações históricas e definições de autores contemporâneos para
descrever o amor-romântico, enraizado na cultura brasileira.
Precisamente, as ferramentas de fundamentação deste trabalho são: o
enfoque psicanalítico de Arminda Aberastury (1981), informações históricas
do artigo de Ana Carolina Soares (2010) e a teoria do amor triangular
(Sternberg, 1986) apresentada por Dorival Altini (2005) e artigos
referentes à análise sócio-literária de vários autores contemporâneos.
No imaginário social do século XXI ainda predominam fortemente as
características do amor-romântico. As antigas definições de amor, paixão e
maturidade psicoafetiva (transição do afeto infantil para o adulto) ainda
circulam nas atuais conversas íntimas, literaturas, novelas e meios de
comunicação, por exemplo. Mesmo assim, sabe-se que tais definições tem sido
modificadas pelas novas configurações dos relacionamentos na era pós-
moderna, como se mostram nestes mesmos instrumentos exemplificados acima.
Ao analisar esse fato, fez-se a retomada do processo de maturação
psicoafetiva de Emília em relação a Augusto e no interior dessa abordagem
estão presentes indagações como: Como o afeto amor/paixão da fase
adolescente amadurece e passa a ser adulto? Emília realmente experimentou
um amadurecimento psicoafetivo ou é fruto do arquétipo feminino de
maturidade da sociedade brasileira no século XIX? Qual a definição de
amor/paixão de Emília? Como seu conceito de amor/paixão seria visto no
século XXI?
O objetivo, portanto é estabelecer a relação entre os conceitos de
afeto e maturidade psicossocial do século XIX com as atuais concepções de
maturidade psicossocial do século XXI.
1. Perfil Físico e Psicoafetivo de Emília


No romance Diva, 1864, a narrativa que compreende a personagem Emília
Duarte está escrita engenhosamente na forma epistolar. Desta forma, Paulo
(abreviado como P.) envia a G.M (senhora e avó cujo nome não é apresentado)
um relato da experiência amorosa de seu amigo Dr. Augusto Amaral com
Emília.
É importante entender que o narrador da carta (voz do Dr. Augusto
Amaral) descreve suas impressões da personalidade e caráter de Emília,
usando trechos do diálogo entre eles para comprovar a natureza da
protagonista.
Partindo desse esclarecimento, Emília é primeiramente apresentada como
uma menina de catorze anos (1854), feia, excessivamente tímida, de família
burguesa e fruto de uma educação severa pela mãe. Após dois anos, em 1857,
Augusto, recém-formado médico, encontra-lhe com dezessete anos, em plena
fase de vigor e beleza puberscente.


Não é possível idear nada mais puro e harmonioso
do que o perfil dessa estatua de moça.
Era alta e esbelta. Tinha um desses talhes flexíveis
elançados, que são hastes de delírio para o rosto gentil:
porém na mesma delicadeza do porte esculpiam-se os
contornos mais graciosos com firme nitidez das linhas
de uma deliciosa suavidade nos relevos.
(ALENCAR. Diva, 1990, p. 252).




Neste período, Augusto, que anos atrás lhe salvara a vida, reconhece-
a fisicamente como uma mulher: alta, esbelta, porte delicado, morena clara,
olhos negros e em resumo, de beleza tão superior às demais moças de sua
época, elevada à figura de um casto anjo.
Uma altivez de rainha cingia-lhe a
fronte, como diadema cintilando na cabeça de um anjo.
Havia em toda a sua pessoa um quer que fosse (! e sublime
e excelso que a abstraía da terra. Contemplando-a naquele
instante de enlevo, dir-se-ia que ela se preparava para a
sua celeste ascensão. (ALENCAR. Idem, 1990, p. 250).
Emocionalmente, Emília é descrita como: calma, caprichosa, impassível
diante à dor, indiferente a quem e quando queria recatada ao extremo e
dominadora em todos os relacionamentos afetivos. Tal conjunto emocional se
reflete em sua vida social como pessoa ao mesmo tempo tímida e desafiadora
das normas sociais da alta sociedade do Rio de Janeiro. "O império dessa
menina era tal, que não impunha unicamente obediência às pessoas que a
cercavam: obrigava-as a se identificarem corn a sua vontade, anulando-se."
(ALENCAR. Idem. 1990 p. 311).
A personagem também é dotada de muitas prendas que lhe conferem um
estimado valor social:


Essa moça tinha desde tenros anos o espírito mais
cultivado, do que faria supor o seu natural acanhamento.
Lia muito, e já de longe penetrava o mundo com olhar
perspicaz, embora através das ilusões douradas. Sua
imaginação fora á tempo educada: ela desenhava bem, sabia
musica e a executava com maestria; excedia-se em todos os
mimosos lavores de agulha, que são prendas da mulher.
(ALENCAR. Idem, 1990, p. 254)


A personalidade de Emília revela seu momento psicoafetivo como parte
integrante de sua natureza adolescente. Aberastury (1981), ao fazer uma
análise psicanalítica da adolescência declara:


Quando o adolescente se inclui no mundo com este corpo já
maduro, a imagem que tem do seu corpo mudou também sua
identidade, e precisa então adquirir uma ideologia que lhe
permita sua adaptação ao mundo. (ABERASTURY. Adolescência
normal, 1981, p. 13).


No primeiro momento de encontro com Augusto, Emília age com
indiferença e desprezo propositais que despertam nele a vontade de estudar-
lhe o caráter. Pode-se inferir aí que, Augusto seja o símbolo do mundo
adulto, capaz de provocar receio na natureza adolescente da jovem.
Quando Emília permite a aproximação de Augusto passa a confidenciar-
lhe seus sentimentos, revelando a fragilidade, insegurança, que experimenta
no processo de transição da infância para a idade adulta. Suas dificuldades
em concluir os enunciados, quando fala de seus sentimentos, e de definição
do que sente são expressos assim:


—Do senhor, eu tinha medo, quando o via. Tinha medo que me
arrancasse também do espírito mais essa doce ilusão.
Desculpe-me: eu não o conhecia então. Duvidava...
—Mas porque motivo? Percebeu alguma vez em mim a menor
intenção de abusar?.
—Nunca! Era uma coisa que não estava em mim! Um temor vago
e indefinível. - Parecia-me que o hálito da sua primeira
palavra vinha murchai em minha alma a única flor de
sentimento que brotara nela... E eu defendia-me; afastando-
o. Naquela noite... não o entendi.. Disse aquelas más
palavras. . Perdoe-me! Eu também sofri.. Sofri mais porque
elas não eram vingança, não. Gemidos, sim, de quem tanto
perdia!.
(ALENCAR, Idem, 1990, p. 282-283).


A busca pela identidade leva a personagem a defender seu conforto
perante o mundo desconhecido (alta sociedade do Rio de Janeiro). Provoca em
seu ser tanto o medo das exigências sociais desta nova fase (a preparação
para o casamento) quanto à vontade de obter o status de mulher de sucesso
perante si e dos demais.
A reação de recato excessivo da protagonista em não ser abordada de
qualquer maneira exprime o mecanismo de defesa do adolescente.


Isto o leva como defesa, a reter suas conquistas infantis,
ainda que também coexista o prazer e a ânsia de alcançar
seu novo status. Também o conduz a um refúgio em seu mundo
interno, para poder ligar-se novamente com seu passado e,
a partir daí, enfrentar o futuro. (ABERASTURY.
Adolescência normal, 1981, p. 63)


O amadurecimento psicoafetivo do adulto é o estado após o qual, o
adolescente conciliou o corpo amadurecido, as normas sociais adultas e suas
responsabilidades para com elas e sua ideologia, com a qual será capaz de
posicionar-se no mundo ao aceitar suas convenções e ao rejeitá-las.
Visto que na infância e início da meninice seguia a educação severa do
lar, transmitida pela mãe e, após a morte da genitora segue os ensinos de
Dona Matilde. Através das prendas que lhe ocupam a mente, a adolescente
estava preparando-se para experimentar mudanças ocasionadas pela fase
adulta.


Não te falo desta casa somente por ter sido uma cena no
drama de minha vida. Foi também, como soube depois; uma
escola para Emilia.
Essa moça tinha desde tenros anos o espírito mais
cultivado, do que faria supor o seu natural acanhamento.
Lia muito, e já de longe penetrava o mundo com olhar
perspicaz, embora através das ilusões douradas. (ALENCAR,
Idem. 1990 p.254)


Ao procurar a amizade e intimidade de Augusto, a heroína abre uma nova
fonte de pesquisa da realidade que a cerca. Também representa o confronto,
ora amigável, ora detestável de sua sexualidade ante o sexo oposto, como
pode ser vista abaixo:
Uma circunstancia unicamente me parecia obscura, depois da
confidência de Emilia. Era a maneira porque me tinha
recebido a primeira vez depois da minha volta. Era,
sobretudo aquele olhar fulgurante de cólera, de tão
soberba cólera! Não houvera nos seus olhos despeito só ou
repulsão; houvera mais que ódio, profundo rancor.
Uma vez pedi-lhe a explicação, desse olhar; e ela
enrubesceu: — Não me pergunte isso!.. . Não lho direi
nunca! (ALENCAR, Idem. 1990 p.283-284)


Outra característica da fase de maturação psicoafetiva de Emília é a
flutuação que o tempo exerce sobre sua transição. O paradoxo que o tempo
lhe submete se reflete em seu dizer: acha-se velha para amar sendo ainda
nova, como mostra um trecho de seu diálogo com Augusto:


—Não acredito no amor!.. . Alguma coisa me diz que não
amarei nunca!.. Entretanto o coração sente... tem
necessidade de uma afeição criada por ele só, e que não
venha do sangue, uma porção d'alma que pertence a família
e vive nela, como as raízes desta planta, no seio da terra
que a produz. . .
Mas a outra porção, essa é nossa unicamente e também
precisa de sentir e viver! Não é assim? (ALENCAR. Idem.
1990 p. 282)


Segundo Aberastury, isso ocorre porque "neste período existe uma
polaridade entre o sentir-se extremamente jovem e extremamente velho sem
tempo para viver." (ABERASTURY. Adolescência, 1981, p. 77)
A incapacidade de amar alguém do sexo oposto registrada no trecho
acima indica que a passagem do afeto infantil (amor aos pais e
supervalorização do ego) para o afeto adulto (amor ao sexo oposto e
valorização narcísica no outro) ainda não havia se concretizado na mente de
Emília nesta conversa com Augusto:


[...] E desde então interrogo minha alma; escuto-me viver
interiormente... Lembrei-me até de escrever o que eu
sentia. Seria a historia do meu coração. No dia em que ele
me dissesse que eu o amava, sem que o senhor me
perguntasse, sem o menor acanhamento, lhe confessaria.
Acredite!...
— E seu coração até agora nada lhe disse ainda, D. Emilia?
. .
— Meu coração diz-me que eu o estimo tanto como o meu pai;
que o senhor ocupa uma grande parte da minha vida; que sua
lembrança gravou-se e não se apagará mais nunca em meu
pensamento. (ALENCAR. Idem. 1990 p. 295)


Ao concluir sua fala, Emília explica a Augusto a diferenciação que já
assimilou entre o amor que sente pelos e por ele, o qual, não era ainda seu
objeto de apego:


Eis o que me diz o meu coração; mas ele não diz que pelo
senhor eu sacrificaria tudo, as considerações do mundo,
minha família, as minhas afeições e os meus sentimentos;
ele não diz que o senhor bastaria á minha vida, e a
encheria tanto, que não houvesse mais lugar nela para
outro pensamento e outro desejo. Não diz isto; logo eu não
o amo! (ALENCAR. Idem. 1990 p. 295)


Nesse estágio de confrontamento com a possibilidade de vir a amar
alguém há uma idealização do amor pela personagem, o qual será analisado
com detalhes ao tratar dos conceitos de amor e paixão, de Altini (2005) no
terceiro capítulo.


2. Arquétipo feminino no século XIX
Mostrar o aspecto verossímil de Emília.


O arquétipo é o conjunto de características do imaginário social que
escondem problemas paradoxais assimilados facilmente pelo indivíduo.


[...] significa antes de mais, compreender que estamos
diante de
uma descrição do Brasil da segunda metade do século XIX,
onde se segue muitas vezes o padrão do típico romance de
folhetim, retratando a alta sociedade carioca com todas as
suas belas fantasias de amor.
O romancista, no entanto, vai além da abordagem do amor
como tema central: "aborda a situação social e familiar da
mulher, em face do casamento e do amor" segundo Heron de
Alencar. E é esse o caráter que verdadeiramente interessa
para daí extrair a figuração feminina romanesca da
literatura que Alencar assumia, e verificar até onde foi
ele fiel, na criação artística, aos ideais abraçados sobre
a representação. (CAMPELO. Os salões e a vida social na
literatura de José de Alencar, 2011, p. 135)


O arquétipo é o conjunto de características do imaginário social que
escondem problemas paradoxais assimilados facilmente pelo indivíduo. O
casamento, no romance, a concepção de amor rumo ao casamento mostra que o
escritor modelou Emília ao ideal de realização da mulher.


Os romances representavam as mulheres urbanas da boa
sociedade de uma maneira idealizada, e forjaram uma
realidade fictícia, instruindo as leitoras através de
modelos exemplares. Em outras palavras, José de Alencar
escreveu romances femininos voltados para um público-alvo
também feminino, buscando dentro das estórias ensinar as
leitoras às maneiras de pensar e se comportar adequadas
para a nova conjuntura social e política vivida em meados
do século XIX. Seus romances representavam mulheres
compreendendo o mundo e a si mesmas a partir das sensações
e sentimentos, classificando suas atitudes e
comportamentos dentro de uma escala quantitativa de
felicidade. O risco da inadequação seria sempre a
infelicidade do personagem. (SOARES. Literatura, história
e gênero, 2010, p. 3-4)


A ideologia presente no discurso Alencariano pode ser vista pela
frágil estrutura do antagonismo presente entre Emília e Augusto: a
indefinição dos sentimentos dos sentimentos da heroína que a impede de amá-
lo e aderir a uma união estável.


Ora, Alencar ao preocupar-se com o uso das palavras
adequadas e com a elaboração de sentenças bem
estruturadas, para que se tenha a ilusão de veracidade,
volta-se para as exigências de um público letrado e
seleto, pelo destaque à expressão elaborada e não
espontânea esta última mais próxima das classes populares.
Alencar escreve para a classe burguesa em ascensão no Rio
de Janeiro do Segundo Reinado, retratando e denunciando
seus hábitos e costumes mascarados, por diversas vezes, de
hipocrisia. (CORLINOS e QUELHAS. Perfis femininos em José
de Alencar, 2011, p.3)


3. Conceituação psicanalítica de amor, paixão e maturidade


Para iniciar este capítulo é necessário entender o aspecto básico de
distinção entre emoção e sentimento. A emoção é um "estado agudo e
transitório enquanto o sentimento é um estado mais atenuado e durável."
(BOCK, Psicologia, 2002, p. 191)
O amor então está alocado na categoria de sentimento ao passo que, a
paixão é uma emoção, movida por estímulos internos e externos de satisfação
e prazer.
A paixão é o extremo do investimento libidinal no outro,
ou seja, o indivíduo investe tanta libido (objeto de
desejo), que seu eu fica empobrecido e enfraquecido, a
ponto de seguir e fazer tudo o que o outro desejar. É a
entrega total ao outro. (PAPALLIA. Desenvolvimento humano.
2006, p. 235).


O conceito de maturação psicoafetivo de Altini é aquele em que o
indivíduo é capaz de contribuir para o bem-estar do parceiro sem perder o
amor-próprio. Já que é a partir da auto-conservação (presente desde a
infância) que o indivíduo consegue promover a liberdade do sentir do seu
par.
Emília expressa uma atitude que confunde Augusto quando o trata ora
com gentileza, ora com desprezo. Isso pode ser explicado pela existência
dos dois afetos humanos básicos: amor e ódio. "Estão sempre presentes na
vida psíquica – de modo mais ou menos integrado – associado aos
pensamentos, fantasias, aos sonhos e se expressam de diferentes modos na
conduta de cada um." (BOCK, Psicologia, 2002, p. 192)
Na teoria da sexualidade, de Freud, é normal a manifestação e a
oposição entre "um amor fundamentado e um ódio não menos justificado, ambos
dirigidos à mesma pessoa." (FREUD; BOCK 2002 apud. Teoria da sexualidade)
Os afetos servem como avaliadores das situações, ou seja, servem de
critérios para a reação de uma pessoa ao meio. Estão ligados à consciência,
o que permite um indivíduo expressar-se através da linguagem e das emoções,
mas também assumem-se como enigmas até para a própria pessoa que os
experimenta.
Os afetos podem ser produzidos fora do
indivíduo, isto é, a partir de um estímulo externo – do
meio físico ou social – ao se atribui um significado com
tonalidade afetiva: agradável ou desagradável, por
exemplo. A origem dos afetos pode também nascer surgir do
interior do indivíduo. (BOCK. Psicologia. 2002 p. 200).
A natureza enigmática do afeto envolve a personagem Emília em sua
relação com Augusto, o que a leva a teorizar o amor-romântico, assim o
caracteriza:


[...] Amor! Amor!
Não peço eu a Deus todos os dias que me encha dele esta
alma? Tivesse-o eu, que lhe dera sem hesitar toda a minha
vida, sem guardar para mim nem um instante dela!


[...] Quero o meu, bem vivo, para dá-lo todo á quem for
dele senhor. Talvez aquele á quem o der o dilacere.
Embora! Devem de haver delícias inefáveis nesse mesmo
suplício I Depois que supremo consolo! . . Sentir o
orgulho de só ter amado uma vez na vida! . Sentir que não
restam do primeiro e único amor senão cinzas do coração
extinto! (ALENCAR. Idem. 1990 p. 294)


A personagem pensa e almeja um amor em que seu ego desapareça para que
esteja sobre o poder de decisão do amor, ou seja, dependente de outra
pessoa. E isso se concretiza no final do livro, quando passa por um insight
apaixonante, ou seja, subitamente reconhece que não conseguirá viver e agir
sem a presença de Augusto:




[...] "Naquele momento, de joelhos, á teus pés, essa
grande luz encheu o meu coração. Acabava de ultrajar-te
cruelmente; detestava-te com todas as forças de minha
alma; e de repente todo aquele ódio violento e profundo
fez-se amor! Mas que amor!"


[...]
— Mas reflita Emilia. A que nos levará esse amor?
— Não sei! Respondeu-me com indefinível candura. Ó que sei
é que te amo! Tu não és só o arbitro supremo de minha
alma, és o motor da minha vida, meu pensamento e minha
vontade. És tu que deves pensar e querer por mim. Eu? Eu
te pertenço; sou uma coisa tua. Podes conservá-la ou
destruí-la; podes fazer dela tua mulher ou tua escrava! .
. É o teu direito e o meu destino. Só o que tu não podes
em mim é fazer que não te ame! (ALENCAR. Idem, 1990, p.
324-325)


Segundo Altini (2005), este modo de amor, o amor-romântico é um
paradoxo mítico que apresenta vários desencadeadores de amor doentio, como
o amor-posse, por exemplo.
Desde o início do romance, Augusto apresenta características do amor-
dependente, as quais são assim definidas por Altini:


A pessoa é dominada por uma tendência incontrolada
(compulsiva) de entrega emocional e de coligação total com
uma pessoa mais forte, competente, eficiente, eficaz e
influente. Enfim, em troca de cuidado amor, aceita
submissa, a destruição de sua autonomia, ou seja,
aniquilamento de sua identidade. (ALTINI. O amor no século
XXI, 2005, p. 39)


Esse tipo de amor está relacionado ao recato de Emília, ou seja, a
"adoção e prática de código de comportamento ético-moral exigente ou busca
de conhecimentos intelectuais" (ALTINI. O amor no século XXI, 2005, p. 40).
E ao seu desejo de amar, conforme abaixo:


O termo "posse" significa um estado de quem usufrui uma
coisa e é caracterizado tanto na infância como na vida
adulta por: necessidade de segurança, cuidado e sentimento
de pertença; insatisfação consigo mesmo e com a vida,
vazio interior, frustração e desânimo. (ALTINI. Idem,
2005, p. 39).


Conclui-se que em Diva, inicialmente, há um sentimento de dependência
de Augusto por Emília, ao submeter-se aos seus caprichos e o dela,
sentimento de posse por reconhecer sua força sobre ele. E por último ocorre
a troca de dependência entre o casal: Augusto assume a liderança de Emília
e leva consigo o brilho que lhe declarou durante toda a narrativa enquanto
a heroína submete-se ao sentimento de dependência dele.






4. Confronto das realidades psicossociais: século XIX versus século
XXI


Para Altini, as conseqüências deste tipo de amor encontrado no século
XIX são: insatisfação com suas próprias vidas frustradas com o amante.
Todos estes efeitos ocorrem porque a pessoa alimentava fantasias sobre como
gostariam de ser, o que desejariam ter e a pessoa que poderia suprir todas
as suas necessidades, desembocando assim no desaparecimento de sua auto-
estima.
Como solução para essa relação doentia dependência-posse, o autor
indica o tratamento psicológico de reconstrução da independência
psicoafetiva e está relacionada à retomada do equilíbrio relacional entre
os amantes.


[...] É preciso que o indivíduo, num movimento de defesa
de seu eu, volte a investir libido em si próprio, o que
pode significar um amadurecimento do sentimento, que de
paixão (entrega total), tranforme-se em amor (investimento
libidinal com enriquecimento do eu). (BOCK. Idem, 2002, p.
235)


Lembrando que Augusto é o narrador e, portanto, mentor da visão
idealizada de Emília (pois é ele quem afirma várias vezes a maturidade
afetiva dela) é de se esperar que o arquétipo social feminino de Alencar,
fale mais alto sobre um processo de amadurecimento, que na realidade, não
ocorreu.
Emília não progrediu psicoafetivamente só porque passou a amar
Augusto, o que ela conseguiu foi o título de amadurecimento conforme o
imaginário de maturação feminino do século XIX.


"Logo, uma vez estabilizada a relação, esta deixa de ser
atraente para o escritor; as mulheres casadas, nesta
concepção, é uma espécie de epílogo do feminino moço",
pois atingem a plenitude, pela experiência de terem
colocado na rotina a paixão do casamento com o objeto
desejado. Libertas da ansiedade dedicam-se aos chás, à
música, à literatura, ocupam na narrativa lugar
secundário, configurando, assim, o "feminino moço. (PENA
1988 apud. WESCLEI. Entrelaces 2008, p. 54)


A obra Alencariana desfecha Diva como um eclipse ordenado: a
personalidade forte, despótica de Emília desaparece sobre a declaração de
seu amor por Augusto escrito em uma carta e a sentença: "Enfim, Paulo, ela
é minha mulher!"


Devemos ter em mente que a mulher do século XIX não tinha
ainda muitas perspectivas em relação à sua vida
particular. Seus interesses se voltavam quase que
exclusivamente para a família. Devemos, no entanto,
admitir que houve, no período, uma grande evolução em
relação à forma como se via a mulher no papel de mãe e
esposa. Sua importância dentro da família era cada vez
maior e o casamento para ela não era mais resultado da
imposição dos pais. O casamento passou a se basear no
afeto, mas, isso não significa que tenha deixado de ser,
para a mulher, uma imposição, só que agora por parte da
mentalidade burguesa: casar-se continuava sendo o seu
principal objetivo. (BRASIL. Romances de Alencar, Contos
de fadas e a educação da mulher para o casamento, 2007, p.
281)

REFERÊNCIAS




ABERASTURY, Arminda. Adolescência normal: um enfoque psicanalítico. Trad.
de Suzana Maria Garagoray Ballve. Porto Alegre: Artes Médicas, 1981.

ALENCAR, José de. Literatura Luso-brasileira: Senhora e Diva. São Paulo:
Dicopel, 1990.


ALTINI, Dorival. O amor no século XXI: novas estratégias. Porto Alegre:
Evangraf, 2005.

BOCK, Ana Mercês Bahia; FURTADO, Odair; TEIXEIRA, Maria de Lourdes Trassi.
Psicologia: uma introdução ao estudo de psicologia. 13. ed. Reform. e ampl.
São Paulo: Saraiva 2002.

BRASIL, Francisca Patrícia Pompeu. Romances de Alencar, Contos de fadas e a
educação da mulher para o casamento. Caderno Espaço Feminino, v.18, n.2,
Ago./Dez. 2007. Disponível em:

Acesso em: 18 mar. 2011.

CAMPELO, Ana Clara da Silva. Atas da V JORNADA NACIONAL DE LINGUÍSTICA E
FILOLOGIA. Os salões e a vida social na literatura de José de Alencar.
Suplemento da Revista Philologus, Ano 17, Nº 49, 2011.
Disponível em: < http://www.filologia.org.br/v_jnlflp/12.pdf> Acesso em: 18
mar. 2011.

CORLINOS, Lucia Carine Rocha; QUELHAS, Iza. Perfis femininos em José de
Alencar: um enfoque estilístico.
Disponível em:
Acesso em: 18 mar. 2011.

FURLAN, Silvana Avesani Cavotto. Perfis femininos das personagens de José
de Alencar: uma análise psicológica e social das personagens femininas de
suas obras. Disponível em:
Acesso em: 18 mar. 2011.
PAPALIA, Diana E; OLDS, Sally Wendkos; FELDMAN, Ruth Duskin.
Desenvolvimento humano. 8. Ed. Porto Alegre: Artmed, 2006.

SOARES, Ana Carolina Eiras Coelho. Literatura, história e gênero: José de
Alencar e seus romances. I Congresso Internacional do curso de História da
UFG/Jataí (2010). Anais eletrônicos... Goiás: UFG.
Disponível em:
< http://www.congressohistoriajatai.org/2010/anais2010/doc%20(6). pdf>
Acesso em: 18 mar. 2011.

RIBEIRO, Wesclei. José de Alencar no sistema literário brasileiro: um
divisor de águas. Entrelaces. UFC (2008). Disponível em:<
http://www.entrelaces.ufc.br/> Acesso em 18 mar. 2011.
* Acadêmica de Letras
Universidade do Estado do Amapá – UEAP
E-mail: [email protected]
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