Do átomo à célula: Contribuições da noção de indivíduo para a democracia

May 28, 2017 | Autor: Vinicius de Melo | Categoria: Political Participation, Liberalism, Democracy, Individualism
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Universidade Federal de Alfenas - MG
Ciências Sociais
Ciência Política IV



Vinícius Oliveira de Melo




Do átomo à célula:
Contribuições da noção de indivíduo para a democracia








Alfenas
21 de setembro de 2016
Vinícius Oliveira de Melo









Do átomo à célula:
Contribuições da noção de indivíduo para a democracia
Artigo de opinião sobre as influências, qualidades e propriedades da noção de indivíduo e individualismo na democracia real e atual, com finalidade de ser síntese parcial apresentada na disciplina de Ciência Política IV, ministrada por Profº Antônio Carlos Andrade Ribeiro do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal de Alfenas.





Alfenas
2016







Resumo
O presente trabalho tem por objetivo ser uma síntese das aulas ministradas sobre democracia e ideal democrático em articulação com opinião e revisão bibliográfica acerca das contribuições da noção de indivíduo e do individualismo na constituição do homem ideal à democracia em suas qualidades e propriedades.
Palavras-chave: Indivíduo, Individualismo, Democracia, Liberalismo, Participação política.















Introdução
Muito se é falado sobre a democracia liberal. No dia a dia, chegamos a presenciar acusações, elogios, adjetivações e valorizações que hora se encontram, hora se desencontram do assunto. Enquanto são ressaltados defeitos e virtudes do modelo, pouco se fala sobre como e de que modo esta é constituída.
Enquanto questões intrinsicamente relacionadas, liberalismo e individualismo também compartilham do fato de serem comumente lidos enquanto termos guarda-chuva, abarcando uma quantidade de significados que muitas vezes fogem de mão e que seriam muito melhor aproveitados caso, com o devido cuidado, fossem dispostos em especificações. Liberalismo político, liberalismo econômico, individualismo metodológico, individualismo moral, etc.
Foram notadas, durante o desenrolar dos estudos, questões que perpassam esses temas e que fazem necessário a ordenação dos mesmos para melhor apreensão. Neste artigo, serão trabalhadas as importâncias da noção de indivíduo e individualismos para a constituição do homem ideal para a democracia; quanto aos atributos, qualidades e valores que constituem o indivíduo para a operacionalização e realização do projeto democrático, este também, enquanto ideal e real materialização de um ambiente sócio-político propício onde se realiza o indivíduo e suas potencialidades, vindo a evidenciar a interdependência entre o Estado liberal e democrático notada por Bobbio.
Conceituação
Durante o artigo serão mobilizados principalmente os conceitos de democracia, individualismo e liberdade. Como o artigo se propõe a analisar aspectos específicos de cada termo, é necessário uma explicação dos mesmos para iniciar a discussão.
A concepção de democracia aqui utilizada se refere àquele procedimento que se respalda no poder do povo enquanto maioria limitada, que inclui não só a maioria no demos, mas também a minoria, assegurando-lhes direitos e liberdades para terem e exporem posições diferentes e opostas às hegemônicas e possibilitem que tais posições possam mudar, se alternar mas, principalmente, salvaguardar seus direitos à expressão política, de acordo com Sartori.
Tal definição está ligada, para além da questão operacional, ao individualismo pela concepção de respeito às liberdades individuais e entendimento dos direitos do indivíduo enquanto inalienáveis, pois tal é munido de moral, dignidade e vontades distintas, este é único e parte de uma concepção atomista de sociedade (BOBBIO, 2000), que parte do indivíduo para o todo, e se justifica no direito natural (jus naturalismo).
A liberdade aqui trabalhada se demonstra muito mais enquanto uma liberdade negativa que positiva. Negativa no sentido de não prezar inicialmente pela atribuição de direitos que garantam uma série de qualidades anteriormente pleiteadas, mas sim uma garantia do direito de ser e fazer, uma garantia de não ser podado, basicamente, uma não-intervenção (ou o quanto possível menor) da esfera pública na vida privada. Desde a liberdade de participar da política, como a liberdade de negar-lhe o interesse. Liberdade enquanto possibilidade aberta e não objetivação, norma prescrita ou meta-concepção.
Do átomo à célula
Partindo do pressuposto que a democracia real se torna mais democrática (avança rumo ao ideal democrático) com o aumento da participação e sua expansão para diversos momentos e setores da sociedade civil, vemos que a noção do indivíduo tem muito a contribuir com esta em suas qualidades e valores.
Inicialmente, a mudança na concepção, de organicista (aqui falando de uma faceta moral do individualismo) para atomista representa um grande passo para a democracia. Ver a sociedade enquanto criação e convenção de indivíduos e não como dado natural e massa homogênea faz com que a atenção seja voltada à capacitação do indivíduo e sua preponderância ante o Estado. A arte da política, que antes era exercida e ensinada a poucos, se expande, aumentando a participação. Consequentemente, aumenta-se o sentimento de pertencimento e maior facilidade em acatar decisões, pois estas são não só decididas, mas discutidas e refletidas por todos.
A educação para a democracia (ou para a cidadania) não supõe somente um ensino por parte do Estado ou o exercício do voto (ainda que este último seja de sumária importância); mais que isso, é necessário liberdade para o estudo e discussão, e onde, senão em uma democracia liberal, tais direitos estariam garantidos? É notável que, enquanto dentro do fascismo havia subversão da ciência para fins alienantes, ideológicos e não compatíveis com os ideais e princípios democráticos, nos governos socialistas o livre-pensar é vigiado e subjugado hora ao marxismo, hora ao seu "realismo socialista". Quando a vigilância parte, não do indivíduo para com o Estado, e sim de uma elite burocrata, resta-nos perguntar se ainda falamos em uma democracia.
Muita confusão com o individualismo é feita em relação à uma promoção de pensamentos e atitudes egoístas, mas, ao contrário, o percurso do raciocínio nos mostra que, e assim o é idealizado por Mill e ressaltado por Paterman, o envolvimento do homem na esfera pública faz com que este pense para além da esfera privada no processo de tomada de decisão. E que, através desse processo educacional forçado pela participação, se incorporam valores liberal-democráticos (a tolerância, a sensibilidade aos problemas alheios, a pluralidade, etc.) que extrapolam a pólis, vindo a serem reproduzidas em outros ambientes.
Reforço que, mesmo que o indivíduo negue seu interesse pela política (o que pode vir a ser difícil, imaginando as proporções que tal atividade tende a ganhar), ainda assim seus direitos são garantidos, pois ainda este faz parte do demos por estar em comunhão, mesmo que não assídua, com o resto.
É de se imaginar que tamanha participação, e aí podemos não só tratar da democracia participativa mas também da representativa (quando são chamados plebiscitos, entre outras ferramentas participativas), possa ser um problema. Enquanto uma boa quantidade de autocracias se detém a fazer plebiscitos constantemente representando uma alegoria à democracia, outros Estados, realmente democráticos, cada vez mais tornam-se mais participativos por própria demanda do povo, através de iniciativas populares de lei, referendos, entre outras tecnologias desenvolvidas que são utilizadas neste e em outros espaços.
Advogada hoje pela mudança nas estruturas econômicas, geográficas (demográficas), políticas, a democracia que se traduz, principalmente nas eleições, enquanto momento de exercício da participação, necessitam também dos valores individualistas. Enquanto uma vontade de Rousseau era a da não interferência dos grupos organizados para garantir a liberdade de escolha do indivíduo, o mesmo parcialmente se cumpre em seu oposto. A pluralidade de grupos faz com que a lógica que se pretende obter e é fruto do funcionamento do indivíduo na política, retorne a este. E mesmo que interesses de grupos específicos tenham ganho eleições, ainda existe a possibilidade da mudança de opinião, a mobilidade entre grupos e classes proporcionadas pelo sistema atual e, mais além, a questão de que os interesses da nação devam ser preservados acima do grupo que o elegeu, e é de interesse da nação não desagregar os seus e proteger tanto o indivíduo quanto sua propriedade (a si e a suas coisas).
O liberalismo enquanto expressão política e econômica do individualismo (e há quem os queira separar) tem mérito por conseguir proporcionar uma pluralidade de serviços e produtos que estão à disposição dos indivíduos, oferecendo alternativas hora mais barata, hora cara. Não pode ser diferente quando se trata de eleições. Para além da liberdade de se informar, deve haver pluralidade de opções representativas para que se faça real a liberdade de escolha obtida pela reflexão, sejam de representantes, sejam de grupos que representem interesses.
Olhando de baixo pra cima, é preciso que haja publicidade dos grupos e dos eleitos. A publicidade garante tanto a transparência de ações que possam ser nocivas às vontades e liberdades individuais, quanto o controle por parte dos indivíduos ante o Estado. Tido como um grande inimigo do interesse da elite política, a publicidade nas tomadas de decisão pressupõe que o sigilo era necessário pela incapacidade dos representados de entenderem as motivações das leis, ou da capacidade dos mesmos e da interferência deles por tal motivo. Não é preciso muito para enxergar a aristocratização contida no primeiro momento e o quanto é nociva aos indivíduos, sua igualdade e sua liberdade de agir e pensar.
É, de fato, menos nocivo ter conhecimento das associações numa sociedade democrática. Esse mesmo movimento protege os indivíduos de um poder oculto que pode vir a se tornar uma tirania também oculta. Muitos tecem críticas à informatização pelo amontoado de informação dos indivíduos nas mãos do governo e de corporações, mas nunca antes se teve tanto acesso e publicidade aos atos legais e ilegais dos burocratas por meio de pessoas comuns, muitas vezes por iniciativas voluntárias.
Por fim, vale a pena analisar o quanto o crescimento da democracia se traduziu também em burocracia. Com um início marcado por funções básicas, pois cumpria uma demanda de poucos, com o tempo e com os pleitos populares, a democracia começou a ter de dar conta de uma quantidade cada vez maior de inputs e tratar de conceder outputs. Visto que para tal o Estado começou a se desenvolver de maneira centrípeta, houve um aumento de suas responsabilidades e competências, o que hoje em dia representa um afogamento do indivíduo em seus mecanismos. A absorção de competências que necessitam de conhecimento técnico, sem os devidos técnicos, acabou por gerar uma monstruosidade administrativa que constantemente "comete" legislações que nem o maior inimigo da democracia direta imaginaria que o povo fosse capaz de criar.
4.Conclusão
Mas nem tudo são pétalas nem somente espinhos. E o indivíduo, tão ameaçado, compartilha dessa máxima.
Apesar das dificuldades e problemáticas que na atualidade sufocam o indivíduo em meio a burocratas, associações ocultas, dentre outros, é difícil de se imaginar que a realização desta noção conseguisse se desenvolver nem que minimamente num Estado autocrático ou que a democracia conseguisse se desenvolver num Estado que não cultivasse apreço pelas liberdades e garantias de direitos individuais.
Para além dos ideais democráticos mais difíceis de alcançar, se fez um bom trabalho até o momento com as conquistas presentes, desde o sufrágio universal, conquista de direitos civis sem conflitos bélicos, liberdade de associação, livre-pensar, concepção de isogonia até a conservação de valores tipicamente individualistas (e liberais) como a tolerância, fraternidade e não-violência.
Vemos que, apesar dos entraves burocráticos que dificultam a participação do indivíduo e de suas associações voluntárias, os princípios democráticos conseguiram ampla aceitação e muitas vezes são reproduzidos em meios alternativos, é notável o crescimento de empresas que utilizam de maior participação, de escolas experimentais "democráticas", e, porque não, a internet possui um papel sem igual, pois consegue ser um grande meio de compartilhamento de informação, discussão, formação de opinião e que se utiliza constantemente de votações e outros mecanismos democráticos.
Tanto a democracia quanto o individualismo liberal compartilham da máxima da tolerância e não-violência, e, como cita Augusto de Franco, não é com o embate esquerda e direta que tem a ver a autocracia, mas sim com contraposição entre elas. O ideal de consenso de fato é menos importante que a tolerância e não fomentação de inimigos, que por si fomenta a guerra.
A democracia é radical e propulsora de revoluções silenciosas, calçadora de terrenos para que se passe a liberdade, e não uma liberdade concedida por um tirano qualquer, mas a liberdade que caminha nos pés de cada um dos indivíduos que constroem consonantemente uma sociedade livre, tolerante, e que se vê de baixo para cima, do átomo para a célula.
5. Bibliografia
PATEMAN, Carole. Rousseau, John Stuart Mill e G.D.H. Cole: uma teoria participativa da democracia. In: Participação e Teoria Democrática. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. "O povo não sabe votar". In: A Cidadania Ativa. São Paulo: Editora Ática S.A., 1991.
FRANCO, Augusto de. A conversão à democracia. 2016. In:
BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. In: O futuro da democracia. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1997.
BOBBIO, Norberto. Democracia: Os fundamentos. In: Teoria Geral da Política. Rio de Janeiro: Elsevier, 2000
SARTORI, Giovanni. A democracia etimológica. In: Teoria da Democracia Revisitada. São Paulo: Editora Ática S.A.,1994.

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