XII Congresso Internacional de Reabilitação do Patrimônio Arquitetônico e Edificado A DIMENSÃO COTIDIANA DO PATRIMÔNIO E DESAFIOS PARA SUA PRESERVAÇÃO 21 a 24 de outubro de 2014 Bauru (SP), Brasil
DO ECLÉTICO AO CONTEMPORÂNEO: AS TRANSFORMAÇÕES DOS BAIRROS DESENVOLVIDOS PELA CIA. CITY NARRADOS PELA ARQUITETURA.
REGINO, Aline Nassaralla1, SANTOS, Ademir Pereira dos2, LEITE, Denivaldo Pereira3
1: Professora do curso de A rquitetura e U rbanismo do Centro U niversitário B elas A rtes de São Paulo, Brasil e-‐mail:
[email protected] 2: Professor do curso de A rquitetura e U rbanismo do Centro U niversitário B elas A rtes de São Paulo, Brasil e-‐mail:
[email protected] 3: Professor do curso de A rquitetura e U rbanismo do Centro U niversitário B elas A rtes de São Paulo, Brasil e-‐mail:
[email protected]
RESUMO O objetivo deste trabalho é compreender as inter-‐relações entre a Arquitetura e o Urbanismo nos bairros-‐jardins implantados em São Paulo pela City of São Paulo Improvements and Freehold Land Company, que se instalou na cidade em 1912. Até a década de 1870, com exceção das chácaras periféricas que compunham o cinturão verde da cidade, quase não se podia notar diferenças funcionais entre os bairros. Anos depois, destacam-‐se a criação e ocupação do Higienópolis (1898) e Avenida Paulista (1891). A Cia. City interveio e atuou neste contexto de forma incisiva como urbanizadora, introduziu um novo padrão urbanístico e arquitetônico, baseado na experiência das cidades-‐jardins inglesas e nos subúrbios-‐jardins anglo-‐americanos. O primeiro bairro-‐jardim loteado e comercializado pela Cia. City foi o Jardim América (1913). O projeto foi idealizado pelos ingleses Barry Parker (1867-‐ 1941) e Raymond Unwin (1863-‐1940), arquitetos que atuaram com Ebenezer Howard nas primeiras experiências britânicas. Outro bairro da companhia e projetado também por Barry Parker foi o Pacaembu (1923). Como parte das estratégias da companhia, a linguagem arquitetônica desses bairros deveria ser um elemento de distinção. A City controlava desde o perfil dos moradores e sua capacidade orçamentária, até a confiabilidade do arquiteto e construtor de sua escolha, tanto do ponto de vista de sua capacitação técnica, quanto financeira. Constatou-‐se que foi de suma importância o papel desempenhado pela arquitetura para a concretização dos ideais da empresa. A pesquisa mostrou uma série de questões para as reflexões sobre história da arquitetura e do urbanismo modernos. Foram nesses bairros que teve início a trajetória, muitas vezes eclética, de alguns profissionais importantes. Destacam-‐se Eduardo Kneese de Mello, Oswaldo Bratke, Vilanova Artigas, Rino Levi, Gregori Warchavchik. Outro resultado é relativo às questões preservacionistas, tendo em vista que o Jardim América e o Pacaembu foram tombados pelo Condephaat há décadas (1986 e 1991). PALAVRAS CHAVE: Bairro-‐Jardim; Cia. City; Modos de morar; Arquitetura Eclética; Movimento Moderno.
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INTRODUÇÃO O presente artigo busca compreender as inter-‐relações existentes entre a Arquitetura e o Urbanismo nos bairros-‐jardins implantados em São Paulo. A City of São Paulo Improvements and Freehold Land Company instalou-‐se na cidade no início do século XX, época em que seus bairros passaram a se configurar, distintamente, por classes sociais. Até a década de 1870, com exceção das chácaras periféricas que compunham o cinturão verde que circundava a cidade, quase não se podia notar diferenças funcionais entre os bairros. Notadamente, após 1890, a classe média e a elite paulistanas passaram a valorizar bairros próximos ao núcleo histórico, porém distantes o suficiente da aglomeração, porém com a mescla de funções existentes nas cercanias imediatas da região. Buscaram terrenos localizados em zonas altas, arejadas e limpas, preocupação proveniente dos novos conhecimentos científicos sobre saúde e higiene. Por essa razão, bairros como Higienópolis (1898) e a Avenida Paulista (1891) foram abertos nesse momento. Campos Elísios foi o primeiro bairro em que se buscou traçar um plano de ruas regulares, o que contribuiu para identificá-‐lo como o primeiro endereço aristocrático da cidade. Ainda permitindo a mistura de classes, porém próximo ao centro e às ferrovias, foi substituído na preferencia dos abastados pelas regiões de Higienópolis, situado em terrenos altos, arejados, e posteriormente, pela avenida Paulista. Foi no rumo indicado por esses empreendimentos que se definiram as zonas de expansão das classes médias e abastadas no início do século XX. Será nesse eixo oeste-‐sudoeste indicado pelas regiões mais claramente habitadas pelas elites que a Cia. City comprará seus terrenos e, posteriormente, implantará seus empreendimentos a partir da segunda década do século XX. (WOLFF, 2001, p. 56).
A partir do segundo decênio do século XX, o projeto e a implantação de bairros residenciais destinados às camadas abastadas da sociedade paulistana não eram mais considerados uma novidade. Entretanto, o papel desempenhado pela Cia. City não esteve atrelado, somente, à sua importância como urbanizadora, mas, especialmente, pela implementação de um novo padrão urbanístico e arquitetônico, até então inédito na cidade: as cidades-‐jardins inglesas e os subúrbios-‐jardins anglo-‐americanos. O primeiro bairro-‐jardim loteado e comercializado pela Cia. City foi o Jardim América (1913). O projeto para esse novo bairro paulistano foi idealizado e concretizado pelos arquitetos ingleses Barry Parker (1867-‐1941) e Raymond Unwin (1863-‐1940). Outro bairro loteado por essa companhia e projetado, também, por Barry Parker foi o Pacaembu (1923). Como parte das estratégias da companhia, a arquitetura desses bairros deveria ser utilizada como elemento de distinção, a partir da definição dos padrões e modelos que seriam construídos. A City controlava desde o perfil dos moradores e sua capacidade orçamentária, até a confiabilidade do arquiteto e do construtor de sua escolha, tanto do ponto de vista de sua capacitação técnica, quanto financeira. Foi de suma importância o papel desempenhado pela arquitetura para a concretização dos ideais importados e implementados por essa empresa. Foram nesses bairros que a trajetória de muitos profissionais importantes para a história da arquitetura brasileira, especialmente paulista, teve início ou ganhou destaque, entre os quais podemos citar: Eduardo Kneese de Mello, Oswaldo Bratke, Vilanova Artigas, Rino Levi e Gregori Warchavchik. Grande parte das residências construídas por esses arquitetos vinculam-‐se à linguagem do Ecletismo tardio das décadas de 1930 e 1940.
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1. PROCEDIMENTOS E MÉTODOS A metodologia utilizada nesta pesquisa é de caráter exploratório. Teve início à partir da realização de levantamento bibliográfico e documental, baseando-‐se em trabalhos existentes sobre a Cia. City. Buscou, no entanto, compreender e analisar um objeto específico: os projetos arquitetônicos para fins residenciais, abrangendo as condicionantes, teorias e métodos que propiciaram esta arquitetura. Os projetos arquitetônicos estão disponíveis para consulta no acervo da Cia. City, fonte primária para este estudo. O acervo citado, encontra-‐se, atualmente, dividido em duas partes: a maior localiza-‐se em Pirituba, onde tem-‐se acesso à toda a documentação referente à arquitetura, proprietários, funcionários, etc. Os mapas e fotografias encontram-‐se na sede da empresa, localizada nas proximidades da avenida Luís Carlos Berrini. No levantamento bibliográfico realizado, constatou-‐se que as pesquisas de Zuleide C. De Paula (2008), Silvia Wolff (1998), Carlos Roberto Monteiro de Andrade (1998), Claudia Pereira Souza (1988) e Roney Bacelli (1982) são os trabalhos monográficos que contém conceitos fundamentais para a elaboração deste trabalho. Retratam a presença da Cia. City na cidade de São Paulo, o desenvolvimento dos bairros-‐ jardins e assinalam as diferenças conceituais existentes entre a teoria de Ebenezer Howard (Cidade-‐ Jardim – Londres, 1898) e o que foi realmente implantado pela companhia citada na cidade em estudo. Autores que estudaram e analisaram, exaustivamente, a Arquitetura Brasileira tais como: Alberto Xavier, Carlos Lemos, Hugo Segawa, Júlio Katinsky, Marlene Acayaba, Nestor Goulart Reis Filho, entre outros, são fonte indispensável, juntamente com os periódicos especializados, dos quais citamos: Acrópole, Record, A Casa, entre outros. 2. CIA. CITY E AS TRANSFORMAÇÕES URBANAS NA CIDADE DE SÃO PAULO Nas primeiras décadas do século XX, em São Paulo, o planejamento e a abertura de bairros residenciais destinados à elite e à burguesia cafeeira não poderiam ser mais considerados como inovação. A novidade, entretanto, encontra-‐se no papel desempenhado pela Cia. City na cidade, pois além de sua importância como urbanizadora, destaca-‐se a importação e implantação de um novo modelo urbanístico, até então incomum, muito diferente das transformações propostas de renovação urbana realizadas. Os arquitetos vinculados à Cia. City, especialmente Barry Parker e Raymond Unwin, buscaram referências teóricas existentes e reconhecidas. Tentaram aplicar na concepção dos bairros projetados para a cidade de São Paulo, parte da teoria de Ebenezer Howard para as cidades-‐jardins. Apropriaram-‐se do discurso europeu e norte-‐americano sobre os subúrbios ajardinados e os bairros-‐jardins. O conceito de cidade-‐jardim foi desenvolvido por Ebenezer Howard (1850-‐1928), teórico inglês que sistematizou sua teoria e modelo urbanístico em 1898 no livro Tomorrow: a peaceful path to real reform. Essa publicação foi reeditada em 1903 sob o título Garden Cities of Tomorrow, pelo qual ficou mais conhecida. Em 1899, Howard fundou a Garden City Association que construiu as cidades de Lechtworth (1909) e Welwyn (1920). Peter Hall ao fazer uma análise detalhada sobre a expansão do conceito de cidade-‐jardim, entre os anos de 1900 e 1940 na Europa e nos Estados Unidos, expõe o caráter criador de Ebenezer Howard e os principais equívocos que foram cometidos com relação à sua teoria. Para Howard, a cidade sustentava-‐
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se, sobretudo, no alicerce de uma proposta social, não apenas urbanística (PAULA, 2008, p. 39). E de acordo com Hall é algo que Irrita, mas precisa ser dito: a despeito do denodo dos demais competidores, Ebenezer Howard (1850-‐1928) leva a palma como a mais importante e singular personalidade de toda esta história. Pois então tratemo-‐lo com justiça; já que quase todos fizeram exatamente o oposto. Muitos dos que se declaram seus críticos têm julgado, vez por outra erradamente, quase todas as suas bandeiras de luta. Chamavam-‐no de “planejador” com intuito de depreciá-‐lo, e, no entanto, ele ganhava a vida como taquígrafo. Diziam que advogava o planejamento-‐pradaria de baixa densidade; na verdade, sua Cidade-‐Jardim deveria comportar densidades semelhantes às da própria cidade de Londres, que – segundo iriam reconhecer urbanistas posteriores – exigiriam a edificação de altos prédios para se tornarem viáveis. Confundiam essa Cidade-‐Jardim com o subúrbio-‐jardim que se podia ver em Hampstead e imitações sem conta. (HALL, 2013, p. 103).
Antes mesmo de chegar ao Brasil em 1915, por meio das propostas urbanísticas da Cia. City, o conceito de cidade-‐jardim percorreu um longo caminho. Foram anos de trocas entre engenheiros e arquitetos europeus e norte-‐americanos, experiências relatadas em congressos internacionais, ideias que circulavam pelos continentes, profissionais que observavam obras e planos realizados em diversos países, muitos, preocupados com a solução para o problema da falta de habitação. O planejamento da cidade-‐jardim concentrava-‐se na ideia de uma convivência harmônica entre o homem e a natureza, no convívio de ambos nos mesmos espaços. No entanto, para Maria Irene Szmrecsányi, a proposta de Howard para a cidade-‐jardim vai muito além apresenta toda uma política para a manutenção do equilíbrio social, ameaçado pelas sórdidas condições de urbanização das camadas populares inglesas durante o século XIX. Planeja não só as formas, as funções, os meios financeiros e administrativos de uma cidade ideal, sadia e bela, mas, principalmente, um processo para satisfazer as massas e controlar sua concentração nos centros metropolitanos. (in: HOWARD, 1996).
Nas cidades de São Paulo e, principalmente, na capital brasileira -‐ Rio de Janeiro, entre o final do século XIX e início do século XX, as influências sobre as remodelações ocorridas basearam-‐se em uma concepção de cidade oposta à da cidade-‐jardim. Paris era o centro irradiador da concepção moderna de mundo, portanto o modelo amplamente seguido e reproduzido foram as reformas promovidas por Georges-‐Eugène Haussmann, no centro daquela cidade. As intervenções urbanas ocorridas na cidade de São Paulo diferem daquelas executadas no Rio de Janeiro, especialmente durante a reforma urbanística do prefeito Pereira Passos (1902-‐1906). As reformas paulistanas tiveram um caráter mais brando e lento. As mudanças na cidade de São de Paulo e no próprio estado ocorreram não apenas em seus aspectos físicos, mas também nos âmbitos social, político e cultural. Não tardou para que paulistas reivindicassem para si um projeto nacional, com o objetivo de levar ao resto da nação sua identidade que, no entendimento das elites culturais e políticas, era também como deveria proceder o brasileiro. (LUCA, 1999 apud PAULA, 2008, p. 42).
A modernização manifestava-‐se por meio de outros elementos. Nessa mesma época o crescimento acelerado transformou rapidamente a cidade de São Paulo, cujos limites tinham se modificado muito pouco desde a sua fundação em 1554. Até então o comércio, as habitações e igrejas localizavam-‐se no triângulo formado pelas ruas São Bento, Direita e XV de Novembro. Esse núcleo central era rodeado por
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alguns povoados afastados e um cinturão verde que, por sua vez, era composto por várias chácaras responsáveis não só por seu sustento, como pelo abastecimento e funcionamento da vida urbana no triângulo central. A monocultura do café, última das três aristocracias brasileiras, foi responsável por transformações e vantagens benéficas à burguesia, mas trouxe consigo, também, para a capital paulista, problemas decorrentes de inesperados adensamentos populacionais motivados pela imigração descontrolada, incentivada pela elite e governo locais. Durante o processo de cosmopolitização dos costumes, adensamento demográfico e crescimento urbano, ocorridos nas primeiras décadas da cidade republicana, os limites da antiga São Paulo foram rompidos. A urbe expandiu-‐se por meio de ruas e viadutos em continuidade ao traçado existente, mas desenvolveu-‐se, também, na direção de outras regiões, descontinuadas da trama urbana inicial. Maria Cecília Naclério Homem aponta em seu livro O Palacete Paulistano e outras formas urbanas de morar da Elite Cafeeira: 1867-‐1918 a existência de diversas cidades dentro de São Paulo, e as caracteriza do seguinte modo: Uma, acanhada e pacata, onde predominavam as construções e os transportes tradicionais, com pouco conforto, e se levava vida provinciana. Outra, bastante movimentada e alegre, atada ao centro, onde se concentravam o comércio, a administração pública, o lazer, os jornais, os hotéis, os escritórios, etc. Animavam esta cidade comerciantes, ambulantes, operários, artesãos, funcionários públicos, empregadores de mercadorias, jornaleiros e uma infinidade de outros trabalhadores. Uma terceira cidade emergia além ferrovias, de difícil acesso. Dispersa no sentido norte, leste e sul, era ocupada por fábricas, chaminés, casas populares e cortiços, construídos nas terras mais baixas e molhadas das várzeas. Servia de contraponto à cidade rica, em franco processo de urbanização, voltada para oeste, composta do centro, Viaduto do chá, Vale do Anhangabaú, atados aos bairros médios e elegantes. (HOMEM, 1996, p. 199-‐201).
Foi justamente nessa época, que a ciência e a técnica conjugaram-‐se para um mesmo fim, o embelezamento do espaço urbano. 3. JARDIM AMÉRICA: ESTUDO DE CASO O primeiro bairro-‐jardim loteado e comercializado pela Cia. City em São Paulo foi o Jardim América. O projeto para esse novo bairro paulistano foi idealizado e concretizado pelos arquitetos ingleses Barry Parker (1867-‐1941) e Raymond Unwin (1863-‐1940), seguindo os preceitos dos subúrbios ajardinados. Os subúrbios ou bairros-‐jardins, contrariando os princípios de Howard, relacionavam-‐se com as cidades existentes e com a morfologia derivada da trajetória do subúrbio anglo-‐saxão. Proliferaram-‐se pelo mundo todo, sobretudo na primeira metade do século XX. Suas principais características eram: as ruas sinuosas e arborizadas, integração entre edificações e áreas ajardinadas e a variedade de modelos de casas. Os primeiros trabalhos para implantação do Jardim América ocorreram em 1913 (movimentação e drenagem dos terrenos) e sua ocupação continuou até 1958, data na qual ocorreu a última aprovação de um projeto residencial pela companhia.
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Ao longo desse período, modificações foram realizadas no projeto original realizado por Parker e Unwin, sempre em busca do maior número de lotes possível para a comercialização. Das funções não-‐ residenciais, presentes desde o primeiro projeto, permaneceram apenas a igreja, o clube e algumas atividades comerciais no limite do bairro, especificamente na rua Estados Unidos – via que era a divisa entre o bairro planejado e a área urbanizada existente.
Figura 1. Loteamento do Jardim América. Comparativo entre os planos elaborados para o loteamento. No mapa superior, nota-‐se a grande quantidade de área dos espaços ajardinados – projeto realizado por Barry Parker em São Paulo e que foi efetivamente implantado em 1919. No mapa inferior, podem-‐se notar as ampliação realizada após aquisição de mais terras e projeto de novos lotes. As residências que aparecem demarcadas estavam em obras ou prontas no ano de 1923. (WOLFF, 1998, p. 131).
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O planejamento urbanístico do Jardim América, elaborado por Barry Parker, foi efetivamente implantado. No entanto, o próprio arquiteto realizou mudanças nos desenhos das quadras como se pode notar na Figura 1, acima. Nesta alteração ampliou-‐se o número de pequenas praças, interrompendo ruas muito longas; diminui-‐se a quantidade de cruzamentos, enfatizando a distinção entre as vias (ruas de passagem e ruas locais); e, por fim, aumentou-‐se a dimensão e o número dos jardins do interior das quadras. Segundo Silvia Wolff, A alteração que mais modificou o espírito original do projeto e que ampliou o estoque de terrenos à venda no Jardim América foi a erradicação dos jardins internos das quadras e posterior venda dessas áreas. (...). O fato é que o loteamento do Jardim América, iniciado em 1919 com 396 lotes à venda, devido às ampliações ou subdivisões internas de sua área, encerrou a comercialização com 672 terrenos. (WOLFF, 2001, p. 141-‐3, grifo nosso).
Figura 2. Mapa Jardim América, 1954. (Acervo Cia. City.)
Ao analisarmos o processo de elaboração do projeto de parcelamento do solo do Jardim América e o que realmente foi implantado, pode-‐se concluir que as versões que antecederam as alterações elaboradas por Barry Parker em São Paulo configuram-‐se como rascunhos, apenas esboços. As modificações seguintes, nas décadas de 1930 e 1940, foram adequações produzidas pelo uso do espaço urbano e foram determinadas pelo modo de vida de seus moradores, respaldadas pelos interesses dos loteadores.
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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Apesar de existir uma diferença marcante entre cidade imperial de meados do século XIX, construída em taipa de pilão, e a capital paulista republicana, o modo de vida e as formas de morar começaram a sofrer mudanças que apontariam para o surgimento do palacete. Naquele momento iniciava-‐se a passagem da economia mercantil-‐escravista para a economia agroexportadora capitalista, baseada na cafeicultura e no transporte ferroviário. A cultura do café e a implantação da ferrovia, inicialmente financiada pelo capital inglês no final do século XIX, foram os maiores responsáveis pelo surgimento de uma industrialização voltada para o mercado interno. Com a indústria nascente vieram mais imigrantes, aumentando progressivamente a população da cidade – população esta que continuaria a chegar até o início da Primeira Guerra Mundial, em 1914. Os imigrantes europeus trouxeram consigo novas técnicas, um novo “saber fazer”. Entre os paulistas o Ecletismo foi entendido como uma manifestação civilizada adotada graças ao café, cujo dinheiro aos poucos foi mostrando à classe alta as novidades próprias dos povos cultos. Com o advento da Revolução Industrial e as ferrovias que ligavam São Paulo ao porto de Santos, o novo gosto chegou antes por intermédio de objetos e equipamentos começando a modernização das residências por seu interior. As novas residências projetadas para elite e classe média paulistanas deveriam, portanto, possuir uma nova aparência exterior, compatível com os objetos e equipamentos recém adquiridos. Para tanto, optou-‐se por ostentar, em suas fachadas, estilos apurados, ligados às ideias classicizantes, ou, ainda, aos outros estilos historicistas pertencentes ao Ecletismo. Essas moradias deveriam, ainda, proporcionar maior conforto e salubridade do que as antecedentes. A arquitetura residencial paulistana, naquela época, passou a representar, de maneira evidente, o êxito financeiro e profissional, o gosto, as preferências culturais e o cosmopolitismo de seus proprietários, dissipando qualquer vestígio do que poderia ser considerado como caipirismo. As residências transformaram-‐se, portanto, no cartão de visitas de seus moradores, para os quais a Europa, sobretudo Paris, simbolizava a origem da civilização e da cultura. Todo esse refinamento manifestou-‐se, também, nas concepções arquitetônicas da casa. Nas plantas é possível notar essa alteração por meio da distribuição dos cômodos e em sua disposição espacial no terreno. Nas fachadas, por sua vez, observamos as modificações nos materiais empregados e na escolha, mais apurada e refinada, do estilo empregado. Em suma, o partido arquitetônico adotado nas residências do Ecletismo distanciou-‐se completamente da tradição lusitana até então existente. Enfim, percebeu-‐se que todas as estratégias e políticas adotadas pela Cia. City funcionaram, pois até os dias de hoje os bairros supracitados são extremamente valorizados, mesmo recebendo cargas sucessivas de renovação. Ao longo deste processo, que persiste há anos, sua arquitetura foi e continua sendo descaracterizada. Acredita-‐se que é necessário criar uma política para valorização do patrimônio arquitetônico existente e, por meio desta, evitar a descaracterização da cidade, sobretudo, sem reprimir a construção de novos exemplares da arquitetura residencial contemporânea. Pretende-‐se, portanto, instigar debates sobre temas atuais e preservacionistas, tendo em vista que o Jardim América e Pacaembu foram tombados pelo Condephaat há algumas décadas (1986 e 1991).
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REFERÊNCIAS ANDRADE, Carlos Roberto Monteiro de. Barry Parker: um arquiteto inglês na cidade de São Paulo. 1998. 486 f. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo. BACELLI, Ronei. A presença da Cia. City em São Paulo e a implantação do primeiro Bairro-‐Jardim, 1915-‐ 1940. 1982. 190 f. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. CAMPOS, Eudes. São Paulo: desenvolvimento urbano e arquitetura sob o Império. In: PORTA, Paula (org.). História da Cidade de São Paulo, v. 2: a cidade no Império. São Paulo: Paz e Terra, 2004. p. 187-‐ 249. HALL, Peter. Cidades do amanhã: uma história intelectual do planejamento e do projeto urbanos no século XX. São Paulo: Perspectiva, 2013. HOWARD, Ebenezer. Cidades-‐jardins de amanhã. São Paulo: Hucitec, 1996. LEMOS, Carlos A. C. História da casa brasileira. São Paulo: Contexto, 1996. ___. Casa paulista: história das moradias anteriores ao ecletismo trazido pelo café. São Paulo: Edusp, 1999. PAULA, Zuleide Casagrande. A cidade e os Jardins: Jardim América, de projeto urbano a monumento patrimonial (1915-‐1986). São Paulo: Editora UNESP, 2008. SOUZA, M. Claudia Pereira. O capital imobiliário e a produção do espaço urbano: o caso da Cia. City. 1988. Dissertação (Mestrado em Administração de Empresas) – Fundação Getúlio Vargas, Escola de Administração de Empresas de São Paulo, São Paulo. WOLFF, Silvia Ferreira Santos. Jardim América: o primeiro bairro-‐jardim de São Paulo e sua arquitetura. São Paulo: Edusp: Fapesp: Imprensa Oficial do Estado, 2001.
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