DO MODO DE APROPRIAÇÃO DA NATUREZA AO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

July 4, 2017 | Autor: Jaime Gomes | Categoria: United Nations, Primary Production, Food and Agriculture Organization
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DO MODO DE APROPRIAÇÃO DA NATUREZA AO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL Jaime Quintanilha Gomes1

Abstract

Available statistics in FAO (Food and Agricultural Organization of the United Nations, 1991) they show us that even beginnings of the decade of ninety more of the human beings' of the planet half they had some involvement with the primary production and consequently a relationship with the way with which they appropriated and they interacted with the environment. After two centuries of industrialization, the humanity seems to be looking for a new development model. Model this with bases environmentalists, with considerations fairer and better social respect to the distribution of the incomes. Keywords Maintainable development, sharing, modernization, place and endogenous development.

Resumo

Estatísticas disponíveis na FAO (Food and Agricultural Organization of the United Nations, 1991) nos mostram que até princípios da década de noventa mais da metade dos seres humanos do planeta tinham algum envolvimento com a produção primária e consequentemente uma relação com a maneira com a qual se apropriavam e interagiam com o meio ambiente. Depois de dois séculos de industrialização, a humanidade parece estar buscando um novo modelo de desenvolvimento. Modelo este com bases ambientalistas, com considerações sociais mais justa e melhor respeito à distribuição das rendas. Palavras-chaves Desenvolvimento sustentável, desenvolvimento endógeno.

compartilhamento,

modernização,

localidade

e

1- Introdução

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Administrador de Empresas (URCAMP/BRASIL), Especialista em Administração de Empresas (URCAMP/BRASIL), Mestre em Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável para a América Latina e Espanha (Universidade Internacional da Andaluzía/ESPANHA), Doutorando em Agroecologia, Sociologia e Desenvolvimento Rural Sustentável (Universidade de Córdoba/ESPANHA).

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Com grande veemência, acreditamos que para se combater os problemas que enfrentamos, temos de considerar a liberdade individual um comprometimento social e a expansão desta liberdade é que é vista por nós como o principal fim e o principal meio de alguma forma de desenvolvimento. Porém, é preciso abstrair e/ou expandir o pensamento no sentido de conectar a liberdade ao desenvolvimento e seu processo, ou seja, precisamos ir além das considerações básicas, restritas e convencionais adotadas pela sociedade. Por exemplo, se torna difícil de compreender o processo evolutivo e participar do mesmo processo interagindo e propondo alternativas aos seus equívocos considerando visões que identificam o desenvolvimento com o crescimento do Produto Nacional Bruto (PNB), aumento de rendas pessoais, industrialização, avanço tecnológico ou modernização social mesmo sabendo que o fator econômico influencia e também tem suas dependências junto ao fator social na consecução da liberdade necessária para se atingir o desenvolvimento na sua possibilidade mais abrangente. Se a liberdade é o que o desenvolvimento promove2, então existe um argumento fundamental em favor da concentração nesse objetivo abrangente, e não em algum meio específico ou em alguma lista de instrumentos especialmente escolhida (Sen, 2002). Nesta lógica, “o desenvolvimento requer que se removam as principais fontes de privação de liberdade: pobreza e tirania, carência de oportunidades e destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência excessiva dos Estados repressivos3”. Existe um sistema dominante que é passível de algumas críticas construtivas e isto se deve a sua ineficaz performance ao longo de sua existência sobre o seu próprio modelo proposto por desenvolvimento a ser desenvolvido. Este modelo está conforme com bases (pré)estabelecidas até o presente momento e, principalmente, com propostas extremamente débeis nas quais mantém priorizados apenas aspectos econômicos que seguem por uma via com lógicas de aumentos incessantes; e também por se basearem, seguindo a mesma lógica capitalista, na busca de níveis de produções e na busca de níveis de produtividades que são utilizados como subsídios para argumentos que expliquem as práticas ainda utilizadas e que determinam assim as faces e os aspectos intoleráveis sentidos e demonstrados pelas 2

Dentro de nossa perspectiva em relação ao empoderamento, este argumento é dos que se aproxima ao máximo do centro de nossa intenção em dar um sentido maior, melhor e mais ajustado ao real significado do termo empoderamento. 3 Ibidem.

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seqüelas e pelos danos incomensuráveis causados na natureza até então. Desta forma, é que temos também claramente adotada uma postura alternativa que se opõe a este modelo dominante praticado e que, por outro lado, propõe inclusive a uma consideração mais abrangente sempre buscando uma maior e melhor integração ambiental e, não menos importante, que busque também uma maior e melhor integração social servindo-se deste recurso último como sujeito e/ou agente transformador para facilitar e viabilizar a já vislumbrada transição agroecológica4. Normalmente e principalmente após a Revolução Industrial, é que podemos observar num comportamento quase generalizado, que existe uma afirmação em associar-se desenvolvimento ao crescimento econômico e também estes a um tipo de progresso como o caminho único e consistente para a humanidade e seus problemas. Problemas estes, diga-se de passagem, causados pelo próprio modelo dominante em questão e determinados por uma ciência convencional que atualmente é a grande matriz responsável pelo paradigma mundial. Ou seja, uma grande parcela da humanidade atualmente segue um modelo de comportamento em sentido amplo, baseado em critérios fixados por uma ciência moderna com ações convencionalmente aceitas por formulações rigorosas de conceitos precisos e com resultados extremamente verificados. Este cientismo ou cientificismo5 está vinculado as cinco teses de Comte (1857), a saber: 1) O saber científico técnico é a base do progresso indefinido da humanidade; 2) A ciência nos oferece uma representação isomórfica da realidade (tal qual é: leis da natureza); 3) A ciência é a única forma de conhecimento confiável, ou ao menos a mais rigorosa; 4) A ciência aportará a felicidade para a humanidade e solução aos problemas sociais e políticos, e; 5) Os científicos devem tomar parte ativa na solução de tais problemas (governos tecnocráticos). Este caso com estas características comportamentais e ideológicas também se pode verificar mui facilmente na Região da Campanha, mais especificamente em Bagé, cidade que é cortada pelo Arroio Bagé e um dos focos deste nosso estudo. Neste caso também aparece um aspecto muito interessante nesta região por ser constituído de dois pontos considerados significativos e determinantes para a formação deste perfil comportamental, que são: o aspecto cultural da região com características peculiares ainda registradas no 4 5

Costabeber, J. A. (1998). Adota-se uma posição científica quando se sustenta uma ou várias destas teses.

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comportamento diário do cidadão comum, como por exemplo, a irredutibilidade à mudança baseada na acepção de novos modos alternativos com bases ambientalistas sob (e isto é o mais interessante) o argumento confuso e tradicional de uma manutenção de uma dita ordem e de um dito progresso que os leva e os mantém exatamente com modelos de produção e de desenvolvimento muito ajustado ao formato convencional e dominante, e; o outro ponto estaria na presença desta moderna consciência de caráter científico que embasa e molda as perspectivas dos antigos pensamentos com estilos rurais e seus conhecimentos locais, onde praticamente liquida a possibilidade de um resgate e de uma transição agroecológica baseada simplesmente na suposição de salvaguardar elementos teoricamentechaves para a transmissão de um conhecimento essencial por meio de gerações vivas como o uso, por exemplo, dos contos históricos e outras fontes similares. Dito de outra forma, uma modernização influenciada por meios de comunicação em massa que forçam uma nova linguagem e interpretação de fatos privilegiando estórias fragmentadas e rápidas ao invés da verdadeira história e suas formas tradicionais de transmissão. Isto se torna ainda mais evidente quando se toma conhecimento de que a “localidade” tem sido um conceito desprezado em muitas discussões acadêmicas e políticas a partir dos anos 60 e 70, por que foi entendida como contrário ao progresso (Remmers, 1998). Por outro lado, hoje em dia já aparece como forma de tendência – modernidade reflexiva6, projeto civilizatório alternativo7, modernidade alternativa8 – e com boas chances de se alcançar ao menos a proximidade do consenso sobre esta questão problemática originada por este sistema dominante, uma outra classe de sociedade que aponta para uma linha oposta a este tipo de desenvolvimento convencional. Baseada em argumentos mais sensíveis e noutros valores para lidar com os problemas causados pelo modelo capitalista, esta “tendência social” mostra aqui apenas alguns de seus motivos para investigar uma alternativa e que dentre os quais destacamos: crise ecológica; incremento do desemprego que segundo Remmers (1998) dificilmente será solucionado, já que é guiado pela noção de modernidade onde a eficácia é medida somente em termos econômicos, e; desperdícios de recursos valiosos, sobre tudo daqueles que desde uma perspectiva dominante é considerado marginal, supérfluo ou redundante. 6 7

Beck, (1998) apud Victor Toledo (2000): pág. 34. Bonfil, (1987) apud Victor Toledo (2000): pág. 34.

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Por tudo isso é que compartilhamos com Remmers (1998) a idéia de que nos interessa sobremaneira, principalmente nesta investigação, em reconstruir a ‘localidade’ como princípio de ordenação, não como salvação contra todos os males, senão como uma oportunidade muito relevante para forjar um mundo que atua respeitosamente e sensivelmente com seus recursos naturais e humanos. Em um escrito sobre “modelos de desenvolvimento rural”, Tomás Martinez Saldaña (2000) esmiuça o pensamento e trabalho de Angel Palerm e destaca magistralmente seu enfoque em alguns pontos de vista sobre a questão do desenvolvimento e seus estilos cabíveis e/ou necessários para a humanidade. Em certo ponto, Saldaña comenta que o desenvolvimento deve ser um compromisso entre o necessário, o possível e o desejável e encerra esta parte de seu ensinamento dizendo que: a maquinaria que planifica o desenvolvimento não deve ser imposta sobre a população, senão que deve surgir desde suas capas mais profundas; o conteúdo do desenvolvimento não deve ser decidido por um grupo de técnicos, qualquer que seja sua estatura intelectual e profissional, senão que deve ser elaborado com quem vai realizar e com quem vai se beneficiar; as finalidades do desenvolvimento não devem ser fixadas desde fora e desde cima dos diversos grupos sociais, políticos e econômicos de um país, senão que devem ser estabelecidas, compartidas e apoiadas por eles. Dentro destas linhas, se pode perceber uma nova perspectiva sugerida para o desenvolvimento, pois aonde anteriormente este vinha como um pacote imposto à comunidade sem o seu conhecimento e baseado em premissas preestabelecidas pelos idealizadores do desenvolvimento, agora e dentro deste pensamento de Palerm se verifica, que os maiores interessados diretos de um processo de desenvolvimento devem tomar parte desde a concepção de um plano de desenvolvimento, passando pelo seu acompanhamento até sua nova reestruturação e adequação no que diz respeito à atualização do mesmo. Para Saldaña, Palerm estaria dentro de uma linha dos pensadores utópicos com estas visualizações sobre o processo de um possível desenvolvimento que percebe com clareza o processo de desenvolvimento que pretendiam o bem estar das sociedades em vista de seus próprios direitos, e cuja busca do bem comum estava baseado na natureza e nos princípios da convivência social. Interessante ressaltar aqui, é o sentido acadêmico de “utopia” dado para os pensamentos de Palerm e salientado pelo próprio Saldaña. A nosso ver, esta 8

Toledo, V. (2000).

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concepção acadêmica colocada quase que como uma forma pejorativa e com caráter deturpador sobre o pensamento de Palerm, estaria carregada de valores discriminadores e tendenciosos que ainda perturbam a compreensão social e que consequentemente a “posteriori” comprometem a aceitação de novas idéias com novos valores por parte da sociedade mais interessada e atingida ao longo da cadeia. Por exemplo, Palerm em meio as suas explanações é muito claro e justo a nosso ver, quando sustenta que no desenvolvimento existe uma multiplicidade de inter relações e que nem todas possuem o mesmo valor no espaço e no tempo. Diz ainda que o grande problema do desenvolvimento, e corrobora com o que afirmamos anteriormente, é que tem estado em mãos de técnicos que o medem, fundamentalmente, desde o ângulo econômico, o que gera um monismo econômico; por tanto, continua Palerm, se há passado por alto dos problemas sociais, políticos e humanos9, que se contrapõem a um simples desenvolvimento econômico. Noutra análise de Palerm, este se refere a uma implicação de que a toda ação de desenvolvimento se embasa na cultura da gente que está em processo de mudança e isto implicaria ainda que não existem sociedades inferiores a outras e que o único que existe são limitações técnicas para o bem estar material da população. E continua sua análise dizendo que a ausência de materialidade do desenvolvimento econômica não é sinônima de subdesenvolvimento, pois esta carência pode ser suprida, coberta ou promovida e a natureza da cultura não se vê modificada pela falta de materialidade dos instrumentos de produção. E por último, mas não em ordem de importância, Palerm assinala que o desenvolvimento não deve buscar chegar a uma instância industrializada, senão que a opção de desenvolvimento sairia da natureza da mesma sociedade em estudo, ou seja, isto quer dizer para a questão do nosso estudo que frente a uma sociedade rural e urbana como no caso do Arroio Bagé o modelo de mudança deveria encaixar-se dentro desta escala rururbana10 respeitando e adequando-se culturalmente a este ambiente e as suas limitações produtivas.

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Aqui cremos que o texto e o contexto permitiriam a introdução da consideração também da problemática ambiental que abarcaria uma gama considerável de situações passadas desapercebidas. 10 Charles J. Galpin, Rural Life (New York, 1931) onde se desenvolve o conceito de “Rururban Community” apud Sevilla Guzmán, Los marcos teoricos del pensamiento social agrario: 1997, pág. 09.

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Outra consideração, feita agora por Mende11, diz muito claramente que para romper com o círculo vicioso e para recuperar a dignidade e a identidade perdida, há de ser modificada a própria orientação do modelo econômico. Aqui consideramos este argumento como um passo inserido, mas necessário numa das facetas da transição agroecológica, ou seja, devido a um alto índice de degradação ambiental, social e econômica do ambiente em foco12 deve-se começar a mudança por meio de uma redução do antigo estilo de organização dos fatores clássicos de produção em seu entorno. E, em vez de se olhar para o exterior deve-se orientar para o interior e preocupar-se mais pela solução dos problemas locais que pelo delineamento dos criados pelo contato com o mundo industrial. A degradante relação de ajuda que é muito freqüente traçando um paralelo para a Região da Campanha, segundo captamos abstratamente do pensamento de Mende13, deve ser liquidada. Mende14 vai mais além quando diz que a integração no mercado mundial, a dependência do capital estrangeiro, toda a fixação Norte-Sul do pensamento econômico, deve tocar seu fim. Em seu lugar, continua Mende15, cada país deve encontrar sua própria via de desenvolvimento, e deve experimentar com métodos autóctones e com confiança nos meios locais. Mudanças estruturais devem preparar a base para a participação popular em tarefas construtivas, para maiores esforços de economia e para prioridades de inversão mais racionais e finalmente escancarando sua aversão ao sistema Mende16 diz que “se necessário, não se deve vacilar em aceitar o preço do isolamento”. De dois estilos colocados em “Con cojones y maestria”17 nos sugere um procedimento semelhante, pois que também nos propusemos em indagar na natureza das atividades possíveis ao longo do Arroio Bagé, para reconsiderar e revalorizar seu potencial por meio do desenvolvimento local (aqui, o desenvolvimento local aparece como sinônimo de desenvolvimento endógeno). Por tanto, também jogamos com duas noções. Um, que ainda devem existir ao longo do Arroio, certos tipos de atividades que seriam os depósitos da 11

Mende, T. op. Cit., pp. 122-123. in K.B. Griffin y J.L. Enos, Foreing Assistance: Objectives and Consecuences, Economic Development and Cultural Change, núm. 18, abril de 1970. 12 Arroio Bagé. 13 Ibidem. 14 Ibidem. 15 Ibidem. 16 Ibidem. 17 Remmers, G. (1998), fazendo um exercício, traça logo no início de sua obra um paralelo entre dois textos na qual propõe apenas a sutil troca de algumas das palavras para que este se transforme e se adapte perfeitamente a outra circunstância desejada.

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cultura local e que provavelmente poderiam contribuir para o levantamento de certas funções proeminentes ao desenvolvimento nas suas margens (mesmo que estas atividades já não venham funcionando há muito tempo devido ao estágio avançado principalmente da degradação ambiental e social), e por tanto do conhecimento local, e foram atividades que contribuíram a perfilar muitos comportamentos culturais para a colaboração local, distribuição de poder, a relação com a administração, etc. Dois, que são atividades que se relacionam diretamente com a natureza. 2- Algumas interferências da modernização no desenvolvimento A modernização e a mundialização agro-industrial modificaram profundamente as relações de produção técnicas e sociais. Para entendermos melhor a modernização, e partindo de nosso ponto de vista, é preciso levar em consideração algumas das causas e conseqüências proporcionadas pela mesma. Dentre as quais destacamos resumidamente: perda da biodiversidade, ruptura do habitat local, polarização de riqueza, maior dependência do mercado, êxodo rural e desemprego rural. Mesmo assim, cabe ressaltar algo importante levando-se em consideração, mantendo-se claro e também ventilando constantemente para eliminações prévias das possíveis más interpretações e das discussões estéreis que por ventura surjam, que o conhecimento do contexto é sempre parcial. Também para entendermos melhor a existência das dúvidas que ocorrem e que inspiram atualmente o processo de desenvolvimento é preciso compreender que isto é uma resultante do derrubamento de uma teoria e da ausência que vive até o presente momento de uma alternativa intelectual e prática bem articulada. Pois, mais além do interesse por um modelo de desenvolvimento e por uma modernização está (ou deveria estar) a fundamental questão da igualdade humana. Para tanto, antes de competir, é preciso compartir para se alcançar este objetivo. Tendo-se como palavra-chave dentro deste contexto o compartilhamento, é que segundo Remmers (1998), para que se possa executá-lo se requer algumas condições mínimas que facilitem a comunicação. Dentre as quais esta a disposição de ambos atores em aceitar que o conhecimento do outro é valioso, em definitivo, que este conhecimento lhes supõe um contexto relevante. Somente na medida em que ditas questões forem discutidas em todas as suas ramificações, e que as alternativas políticas se formularem com

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conciliação e coordenação ao citado acima, é que se farão factíveis as políticas práticas e efetivas para um desenvolvimento local consistente. A explicação para o que foi dito antes começa pela justificativa de que uma visão do contexto é sempre parcial (já mencionado anteriormente) por mais abrangente que se tente fazê-la, e não raro esta visão é divergente. Exemplificando este fenômeno utilizaremos uma perspectiva apontada por Cristóbal Kay (1995) onde o mesmo afirma que na década de 1990, o sistema anteriormente dominante de fazendas ou grande latifúndio já havia desaparecido quase por completo. Continua dizendo Kay que em seu lugar o espaço rural latino-americano aparece dominado por modernas explorações agrícolas capitalistas e complexos agro-industriais, donde muitos deles estariam vinculados a sociedades multinacionais ou propriedades destas. Do nosso ponto de vista, a base dos recursos agrários está cada vez mais orientada para a satisfação das demandas dos consumidores urbanos locais com altos níveis de ingressos. Este parece ser um ponto em comum nas discussões. Mas, também existe neste processo de modernização, o que foi qualificado de “via do proprietário de terras” para um capitalismo agrário pelos próprios proprietários de terras que transformam seus latifúndios em explorações agrícolas comerciais e orientadas para a rentabilidade (Kay, 1974 apud Kay 1995: pág. 38). Pode-se falar também de “modernização conservadora”, como na literatura brasileira (Leite, 1994 apud Kay, 1995: pág. 38). Mas efetivamente, ainda existe o latifúndio. O que ocorreu, desde nossa perspectiva, foi uma disseminação de novas políticas governamentais que incentivaram o aumento da produção e escamoteou o cerne da problemática rural, base da alimentação urbana. Por exemplo: a “conexão da hamburguesa” e a rápida expansão de outras comidas rápidas nos países desenvolvidos significou que o terreno anteriormente dedicado a cultivos alimentares se converteu em pastos para gado ou para a alimentação animal (Barkin e cols., 1991, Edelman, 1992 apud Kay, 1995: pág. 32). Também as terras recentemente colonizadas mediante a expansão da fronteira agrícola18 se está dedicando a cria de gado (Goodman e Hall, 1990 apud Kay, 1995: pág. 32). Estas pautas de produção, apoiadas por organismos internacionais como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) são reforçadas ademais por governos latino-americanos no marco do impulso exportador para pagar a dívida (Reynolds e cols., 1993 apud Kay, 1995: pág. 32). Tais 18

Principalmente mediante a destruição do bosque tropical.

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prioridades são prejudiciais para a produção de alimentos primários e afetaram negativamente, em especial a economia de campesinos que foram e são importantes produtores de cultivos alimentares. As políticas neoliberais implantadas com crescente vigor e freqüência desde os anos 8019 supõem uma retirada significativa de apoio aos menos favorecidos na pirâmide social. A liberalização da terra, o trabalho, os mercados financeiros, a maior exposição à competição internacional e o impulso exportador tem beneficiado aqueles que tem acesso aos recursos econômicos20. Os que não tem acesso ou tem acesso difícil a estes recursos se vem forçados a integrar-se de forma cada vez mais subordinada ou marginalizada21. Noutra relação, agora entre a produção, a tecnologia e a modernização, mas ainda seguindo com o intuito de explicar melhor o desenvolvimento, está o caráter intensivo do capital em tecnologias inapropriadas para as economias latinas americanas sob uma inadequação qualificativa da mão de obra; o que veio a encarecer ainda mais o próprio capital gerando aumento de dívidas e uma insustentabilidade generalizada ao longo do processo devido ao insucesso desta via. Mas, sem dúvida alguma, a maior interferência da modernização rumo ao desenvolvimento convencional e dominado pelo modelo em voga vem associada à concepção de uma ‘falsa necessidade’ onde o sistema tem a capacidade especial para introduzir na psique de seus sujeitos as necessidades que requer deles para que o mesmo sistema sobreviva. Mais especificamente, a modernização agrária teve sem dúvida sua justificativa no medo e na insegurança alimentaria que veio acompanhada de uma grande esperança de que a tecnologia constituísse a melhor e talvez a única saída para esta possível crise por advir. Este raciocínio esteve acompanhado também pela idéia de que tal tecnologia teria que se desenhar necessariamente em centros de investigação para sua posterior entrega a população rural mediante extensão (Rogers, 1983; Lele, 1975; Mellor et.al., 1968 apud Remmers, 1998; pág.: 312). Formava-se e ampliava-se desta maneira o grande enigma da sociedade moderna: resolver dois problemas em direções opostas, ou seja, desenvolvimento de tecnologias e soluções cotidianas.

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Período crítico da Revolução Verde. Caporal, 1998: 120. 21 Kay. C. (1995) 20

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