Do Nordeste à Vila Olímpia: a sociabilidade do migrante nordestino em uma centralidade paulistana

September 11, 2017 | Autor: A. Revista Interd... | Categoria: Arquitectura, Ciências Sociais, Arquitetura, Arquitetura e Urbanismo, Ciencias Sociales, Arquitectura y urbanismo
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Do Nordeste à Vila Olímpia: a sociabilidade do migrante nordestino em uma centralidade paulistana Dan Rodrigues Levy1 Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra/ Centro de Estudos Sociais (Portugal)

Isaac Vitório Correia Ferraz2 Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP (Brasil)

A Vila Olímpia, bairro localizado no distrito do Itaim Bibi, na zona oeste da cidade de São Paulo, marcada pela grande concentração de empresas multinacionais, por uma arquitetura de megaprojetos imobiliários para fins comerciais e edifícios corporativos, caracterizando o mais recente eixo de negócios da cidade (Fix, 2007), é hoje considerada uma das mais novas centralidades urbanas da metrópole paulistana (Frúgoli Jr., 2000), apresentando contrastes exuberantes, sobretudo, no espaço urbano construído (Harvey, 2009), o que influencia na sociabilidade e na interação social dos atores que utilizam o mesmo. Nesse cenário ainda observamos personagens peculiares como o jovem migrante nordestino que vem à metrópole em busca de trabalho e de melhores condições de vida. O objetivo deste artigo é analisar a relação do migrante nordestino com o espaço urbano da Vila Olímpia para compreender a sua sociabilidade. Como método de estudo, focalizamos os moradores de algumas pensões de nordestinos existentes no bairro e, através da técnica de pesquisa exploratória (Queiroz, 1995), realizamos entrevistas e visitas para uma maior compreensão do terreno em estudo. Acreditamos que o migrante nordestino não se relaciona de fato com o espaço urbano construído, a não ser para trabalhar, produzindo uma intensa segregação espacial urbana (Bógus, 2009), uma das consequências mais latentes desse processo, além da perda da noção de identidade e de pertinência (Bauman, 1998, 2000), pois são considerados estranhos na metrópole. Palavras-chave: Centralidade; espaço urbano construído; migrante nordestino; sociabilidade, Vila Olímpia.

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Doutorando pelo programa Cidades e Culturas Urbanas da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e do Centro de Estudos Sociais, bolsista FCT. 2 Mestrando pelo programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 5, nov 2013

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1. ENTRE O ESPAÇO SOCIAL E O AMBIENTE CONSTRUÍDO Como ponto de partida neste trabalho, pretendemos abordar uma breve relação entre o espaço social e o ambiente construído sem, contudo, esgotar o assunto. Em seguida, partiremos para uma análise mais objetiva das centralidades urbanas e seus efeitos, determinando como e por que estas são criadas. Por fim, ilustraremos o trabalho com o estudo realizado na Vila Olímpia, na cidade de São Paulo, demonstrando a sociabilidade do migrante nordestino que ali reside. Para falarmos de espaço construído, não podemos deixar de abordar o tema do espaço social, tendo em vista que o meio ambiente construído é nele e com ele produzido. Logo, partilhamos da ideia de que o espaço social não pode ser compreendido somente como receptáculo (ou palco) das atividades humanas, pois esta noção o reduz a mera localização, representando unicamente o local onde ocorrem as relações sociais e, assim, algo estático. A natureza do espaço social é multifacetada e dinâmica, pois ao mesmo tempo em que é suporte das atividades humanas, é também um produto social e histórico, em ininterrupto processo de reprodução, além de ser, ainda, condição e meio da reprodução das atividades humanas (CARLOS, 1994). Produto de relações ligadas intrinsecamente à produção de riqueza e à circulação do capital, o espaço social é produzido para dar condições necessárias à reprodução ampliada do capital e é, desta forma, produzido como mercadoria, onde o espaço de consumo e o consumo do espaço apresentam uma relação dialética. Já em relação ao ambiente construído, Santos (1997) ressalta que os objetos fixados no espaço social são influenciados pela dinâmica da produção e reprodução social. Portanto, a máxima de que nós somos determinados pelo ambiente construído (HARVEY, 2009) fundamenta a discussão aqui travada. Conforme Gottdiener (1993: 133) “(...) exatamente como outras mercadorias, [o espaço] representa ao mesmo tempo um objeto material e um processo que envolve relações sociais. Ao contrário de outras mercadorias, ele recria continuamente relações sociais ou ajuda a reproduzi-las”. AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 5, nov 2013

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Neste sentido, o espaço social, assim como, o ambiente construído sofrem interferências da atuação do Estado, do capital e da sociedade. Tem-se, no espaço, a ação do poder público, as necessidades de reprodução ampliada do capital e a própria realização da vida humana embutida neste processo de produção e consumo do espaço. É, sobretudo, nas cidades (e principalmente nas metrópoles) onde ocorrem concretamente as metamorfoses visíveis deste processo. Sobre esta questão, aponta Carlos (2001: 28): Mudanças espaciais na metrópole sempre ocorrem de forma violenta, em ritmo acelerado, como a tendência à mudança constante das direções de fluxos, do traçado ou do alargamento de ruas e avenidas, necessidade imposta pelo escoamento do trânsito, das tendências do mercado imobiliário, das mudanças da lei de zoneamento, notadamente em decorrência das mudanças dos usos e funções dos lugares. Com isso, redefinem-se constantemente os lugares dentro da metrópole.

Metrópoles como São Paulo são palco de velozes e efêmeras relações sociais no espaço, caracterizadas pelas transformações do ambiente construído, oriundas, sobretudo, da força do capital. Sobre esta discussão Massey (2000: 179) compreende que “(...) a aceleração atual talvez esteja fortemente determinada pelas forças econômicas, mas não é só a economia que determina nossa experiência de espaço e lugar. Em outras palavras e dito de forma simples, há muito mais coisas determinando nossa vivência do espaço do que o ‘capital’”. O espaço como realização da vida humana (CARLOS, 2001), é apropriado pelos seus diferentes atores sociais de forma heterogênea e desigual, tendo em vista que a capacidade de dominá-lo depende do capital que possuímos. Sobre o assunto, Bourdieu (1999: 163-164) afirma que: O capital permite manter à distância as pessoas e as coisas indesejáveis, ao mesmo tempo que aproximar-se de pessoas e coisas desejáveis (por causa, entre outras coisas, de sua riqueza em capital), minimizando, assim, o gasto necessário (principalmente em tempo) para apropriar-se deles (...). Inversamente, os que não possuem capital são mantidos à distância, seja física, seja simbolicamente, dos bens socialmente mais raros e condenados a estar ao lado das pessoas ou dos bens mais indesejáveis e menos raros. A falta de capital intensifica a experiência da finitude: ela prende a um lugar.

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Observamos, portanto, que a força do capital é decisiva na apropriação do espaço e de seus diferentes bens. Uma apropriação heterogênea e desnivelada do espaço é reflexo da intensa desigualdade sócio-econômica entre os atores que vivenciam a cidade, a metrópole. Nesta mesma linha de raciocínio, concordamos com Harvey (2009) ao afirmar que o meio ambiente construído tem íntima relação com o espaço físico e a economia, sendo aquele um sistema de recursos dotado de valor e criado pelo homem, assumindo uma forma de mercadoria. De acordo com este geógrafo: O ambiente construído funciona como um vasto sistema de recursos criados pelos seres humanos, que compreende valores de uso cristalizados na paisagem física, que se podem utilizar para a produção, o intercâmbio e o consumo. Do ponto de vista da produção, esses valores de uso podem considerar-se como precondições gerais da produção e como forças diretas dentro dela (...) em uma palavra, (constitui) toda forma [material] em que o produto da indústria tenha que se unir solidamente à superfície. O ambiente construído para o consumo e para o intercâmbio não é menos heterogêneo (HARVEY, 1990: 238).

Portanto, assim como o espaço social, o ambiente construído também é social e historicamente determinado. Vivemos num mundo capitalista em que o valor é agregado aos recursos que produzimos e construímos no meio físico. O capital volátil modifica de forma definitiva o espaço urbano, transformando atributos em mercadoria. A noção de cidade mercadoria (VAINER, 2000) se impera, tendo em vista que aquela é para quem pode pagar. A respeito do assunto, Mariana Fix (2007: 9) fala muito bem sobre as “formas específicas que assumem a produção e o consumo do espaço urbano

em São Paulo, investigando como a financeirização e a

internacionalização aparecem no processo de circulação do capital na promoção imobiliária paulistana voltada para a atual face ‘globalizada’ da cidade”. Nesta dinâmica, visualizamos que a produção está intimamente ligada com a noção de espaço, pois no momento em que as relações sociais se tornam contraditórias em um sistema capitalista, estas acabam moldando o ambiente construído.

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2. A CENTRALIDADE URBANA E SEUS EFEITOS Após a breve análise a respeito da relação entre o espaço social e o ambiente construído, passaremos a abordar o tema das centralidades urbanas, sobretudo, na cidade de São Paulo, ressaltando alguns efeitos oriundos deste processo. Quanto à formação das centralidades urbanas3 na cidade de São Paulo, Frúgoli Jr. (2000) traz uma interessante análise para esta discussão, informando que o centro principal da cidade exerceu uma imagem positiva até os anos de 1960, quando, a partir deste período, começa a sua deterioração. Segundo o autor, a Avenida Paulista, durante os anos de 1940 a 1970, passa por um começo de verticalização com edifícios modernistas como o Conjunto Nacional inaugurado em 1958, e o Museu de Artes de São Paulo – MASP, inaugurado em 1968. A partir dos anos de 1970, configura uma nova centralidade: a Nova Paulista, onde se localizam as principais empresas multinacionais e instituições financeiras, sendo um dos mais importantes centros financeiros e de negócios do país. Ao mesmo tempo, a região é também usada pelos diferentes atores e sujeitos como palco de manifestações sociais. Já na década de 1990, mais uma centralidade ascende, a Avenida Brigadeiro Faria Lima, (principalmente após a operação urbana realizada), juntamente com o complexo da Avenida Engenheiro Luís Carlos Berrini, agregando características outras, senão, inóspitas em termos de moradia, de espaço público, e de interações sociais. Nestas áreas, com exceção do Centro, verificamos uma padronização para encontrar o belo: a idéia de estética das áreas centrais. A arquitetura aparece aí funcionando como uma linguagem do espaço. Seria, portanto, a ideia de que não vivemos na cidade, mas sim nos fragmentos da cidade. Paralelamente a esta nova configuração, surgem expressões como “vou à cidade”, que é na verdade o não reconhecimento do seu lugar como pertencente. Essa “cidade” é o 3

Adotamos como conceito de centralidade urbana o entendimento de Tourinho (2006: 291), o qual compreende que “embora a centralidade não seja uma característica física, sua manifestação se dá no território de forma física, a partir da inter-relação que cada uma das partes do território tem, por um lado, com o padrão referencial, ou seja, com o Centro, e, por outro, a relação que esse Centro e os outros centros possuem com o território. Essas relações não apenas fazem parte da centralidade, são a própria centralidade.” AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 5, nov 2013

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lugar das possibilidades: vimos, mas não nos sentimos fazendo parte. Para a juventude há um “despertencimento” ainda maior, o que faz com que para muitos deles não se sintam como parte de seu ciclo. À cada nova centralidade a cidade se reproduz de certa maneira. Como uma das consequências perversas das centralidades urbanas, Sassen (1998: 12) aponta que “(...) o impacto dos processos globais transforma radicalmente a estrutura social das próprias cidades, alterando a organização do trabalho, a distribuição dos ganhos, a estrutura de consumo, os quais, por sua vez, criam novos padrões de desigualdade social urbana”. Nesta mesma linha, Sposito (1991: 17) afirma que: (...) as atividades tradicionalmente centrais, ao se “descentralizarem”, ao se (re) localizarem em novas centralidades, ao mesmo tempo em que se revelam repercussões espaciais dos processos de concentração e centralização econômica, que requerem a expansão de meios de consumo individual, provocam e permitem a separação socioespacial no interior da cidade.

Assim, entendemos que a produção de novas áreas de centralidade é uma expressão da fragmentação do espaço urbano e do ambiente construído, fragmentando-se em parcelas menores,

apresentando

funções

diferenciadas,

tornando-se,

portanto,

áreas

especializadas sob a forma de um verdadeiro mosaico urbano (CORRÊA, 2005). A metrópole, assim, passa a ser formada por diferentes formas urbanas: centro, periferia, áreas industriais, subcentros terciários, áreas residenciais, áreas de lazer, pólo financeiro, dentre outras. É comum pensarmos o espaço urbano enquanto planejamento, segregação/fragmentação e conflitos. As mudanças espaciais na metrópole, como reflexo das novas centralidades, acabam contribuindo para a violência e o medo, ocasionando significativas transformações na sociedade urbana, passando assim a reinventar a vida nas cidades. A questão da segregação segue aqui com um enfoque especial, pois, as novas formas de centralidades são produtos dela. Sobre este aspecto, Carlos (2001: 15) entende que:

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A ação do Estado – por intermédio do poder local – ao intervir no processo de produção da cidade reforça a hierarquia dos lugares, criando novas centralidades e expulsando para a periferia os antigos habitantes, criando um espaço de dominação. Com isso, impõe sua presença em todos os lugares, agora sob controle e vigilância (seja direta ou indireta). Nesse nível de realidade o espaço produzido assume a característica de fragmentado (em decorrência da ação dos empreendedores imobiliários e da generalização do processo de mercantilização do espaço), homogêneo (pela dominação imposta pelo Estado ao espaço) e hierarquizado (pela divisão espacial do trabalho).

Ao lado das novas centralidades4, destacamos a fragmentação do espaço urbano, uma vez que esses novos e específicos ambientes construídos, sobretudo residenciais e de serviços, são produzidos em função de interesses do capital imobiliário, tendo em vista que a sociedade urbana é fundada nas relações de propriedade (SEABRA, 1997). A questão da violência, como uma das consequências da fragmentação, orienta o discurso sobre a cidade e sufoca outros temas importantes, mascarando-os. Pobreza, crime, falta de planejamento urbano são tratados como consequências da violência em uma metrópole como São Paulo. Atualmente, o tema toma força e lugar central no discurso das centralidades urbanas, inclusive nos comportamentos e atitudes da população que, em nome da proteção contra a violência, utiliza métodos e técnicas de segurança privada, tornando a segurança pública, individual. Como resultado disto, observamos uma grande formação de enclaves fortificados (CALDEIRA, 2000), áreas em que a homogeneização de classes é a regra, tendo em vista que as classes altas não convivem com as baixas, uma vez que aquelas vivem e trabalham em áreas “muradas” e “protegidas” como: shoppings, condomínios verticais e horizontais,

etc.

Assim,

os

espaços

de

sociabilidades

são

privatizados,

“mercadolojizados” e segregados.

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Sposito (2001: 91) compreende como novas centralidades “novas áreas de concentração de equipamentos comerciais e de serviços [que] podem ser analisadas como uma produção deliberada de novas centralidades no interior das grandes áreas urbanas, de sorte a reforçar a tendência de polinucleação já definida pelas estratégias locacionais dos equipamentos produtivos e das novas formas de habitat”. AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 5, nov 2013

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Problemas de ordem econômica, urbana, social e cultural gravitam e são resumidos pela população na ordem da segurança, violência e medo. Há uma legitimação da violência e segurança privada pela própria sociedade, o que a caracteriza como segregacionista. Dito tudo isto, cabe questionar: como e por que as centralidades são criadas? Acreditamos que elas são sim construídas, instituídas enquanto centralidades, em decorrência da força do capital financeiro e do mercado imobiliário, como é o caso da região da Avenida Engenheiro Luís Carlos Berrini, em São Paulo, sendo uma centralidade funcional, estratégica e institucional. Entretanto, não são em todos os lugares da metrópole que se institucionalizam as características de uma centralidade. Em alguns casos pode parecer, em outros não. O que existe na verdade dentro de uma mesma cidade é a contradição. No caso do centro de São Paulo, por exemplo, a formação de uma centralidade em meados do século XX, não foi institucional, mas sim consequência de um processo histórico, sendo, portanto, representativa.5 Neste sentido, as novas centralidades são produto do Estado, o qual age como estrategista na transformação do espaço, em plena cumplicidade com o capital, através do interesse econômico. Como consequência, observamos o interesse de uma minoria em detrimento da grande massa, quase sempre desprestigiada em face das novas centralidades. Assim, o Estado não está para o cidadão e nem com o cidadão, ele é na verdade um representante de determinados grupos. Como reflexo desta dinâmica, grande parte da população se vê negada às novas centralidades, como os sem-teto que vivem no centro de São Paulo, repleto de pobreza e violência. Instalam-se aí todas as limitações que este ator social tem para não viver o global. Há, na verdade, uma valorização de outras áreas em detrimento do Centro, mostrando que torná-las bonita é torná-las moderna: uma criação de espaços específicos para a modernidade.

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Conforme Tourinho (2006: 287): “A centralidade do Centro não é apenas uma ‘centralidade operativa’, funcional, referida às atividades que nele se desenvolvem. Trata-se, também, de uma centralidade representativa”.

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Na mesma situação, encontramos o jovem nordestino que vem tentar a vida na cidade grande, estabelecendo-se, dentre outros lugares, na Vila Olímpia por ser uma nova centralidade na metrópole, a qual, em tese, possui maiores ofertas de emprego. Entretanto, este migrante se depara com precárias condições de vida e de trabalho, tendo que se submeter à situações degradantes para vender sua força de trabalho em troca de um mísero salário, vivenciando dificuldades concretas oriundas de um processo de exploração. Desencadeia-se assim um gerar do diferente, levando a uma relação desproporcional e nunca harmônica: instala-se o embate. A presença desses atores menos favorecidos na cena pública causa o medo: uma sociabilidade não tolerante. Esse diferente é encontrado no passeio público e não mais no espaço público. O espaço público segue hoje uma linha segregacionista, fugindo da ótica para o qual foi criado. A modernidade torna escasso o espaço público, com a questão da individualidade, e os seus mecanismos produzem espaços não democráticos.6 Quanto à dinâmica entre o centro antigo da cidade e as novas centralidades, entende-se que estas ainda se relacionam com aquele. O centro é o espaço da diversidade (postura de olhar; questões de comportamento), não é um lugar de negação do indivíduo, mas sim de afirmação (reconhecimento do centro de fato). Logo, as novas centralidades são um atributo do centro, porém não podem ser chamadas de centro porque não têm essa diversidade.7 As novas centralidades, como reflexo da mundialização da sociedade urbana, repercutem na fragmentação do espaço, assim como também, na fragmentação do

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Conforme Carlos (2001: 37), são “(...) espaços vigiados, normatizados, privatizados ou privados. Esse fato é conseqüência da tendência que se esboça no mundo moderno, que transforma o espaço em mercadoria ou área de circulação, o que, tendencialmente, limitaria seu uso às formas de apropriação privada”. 7 Tourinho (2006: 280) caracteriza o centro como: “(...) um espaço qualificado, não só do ponto de vista funcional, mas principalmente por seus aspectos simbólicos e formais que têm, na força de sua continuidade temporal e na permanência de seus espaços coletivos, a capacidade de evocar uma imagem que o identifica, por autonomásia, com a ‘Cidade’. (...) O Centro é o espaço da diversidade em vários sentidos, não só por envolver lugares onde diversos setores da sociedade (econômicos, políticos e sociais) atuam; mas também onde diversos agentes sociais interagem (no sentido da diversidade cultural e racional dos usuários e dos moradores)”. AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 5, nov 2013

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próprio indivíduo (Carlos, 2001), das relações mais íntimas de sociabilidade e interação social na cidade. Por fim, ainda quanto aos efeitos destas novas centralidades, a exacerbação da individualidade, a solidão, o isolamento passam a ser sentimentos de orgulho e não mais constrangimento. Questões como memória, identidade e companheirismo não são mais colocadas como atributos humanos. É como se o outro não importasse mais, e sim, apenas o eu, o indivíduo, suficiente a si próprio.

3. A SOCIABILIDADE DOS MIGRANTES NORDESTINOS EM UMA NOVA CENTRALIDADE PAULISTANA Por tudo que já foi dito até aqui, entendemos que a centralidade urbana, produto das forças do capital financeiro e do mercado imobiliário, modifica profundamente o meio ambiente construído, alterando as formas de produção e consumo do espaço social. Ainda assim, como consequência desta dinâmica, destacamos a fragmentação do espaço urbano e a segregação dos atores sociais, o que repercute de forma direta na fragilidade das relações sociais que passam a se concretizar nessas novas centralidades. Vislumbramos, portanto, diferentes sociabilidades em diferentes espaços cada vez mais segregados, não coesos, pois assim como surgem novas centralidades, os atores sociais que utilizam ou que têm acesso a esses espaços, também produzem novas formas de sociabilidade. Muitas vezes, essas novas sociabilidades são marcadas por intensa discriminação, segregação social, e exacerbação da violência em todas as suas formas. Por este e outros motivos que analisamos a Vila Olímpia, bairro situada no distrito do Itaim Bibi, na cidade de São Paulo, como sendo um espaço urbano que atravessa acentuada crise decorrente da fragilização do regime dual de bem-estar. Os problemas da vida moderna, como a individualidade e a independência perante os poderes supremos da sociedade se intensificam diante desta fragmentação urbana e da disputa na cidade e pela cidade. Os reflexos desses problemas repercutem na densidade

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das relações sociais, produzindo diferentes desafios práticos, políticos e teóricos para a sociedade. Cabe mencionarmos, inicialmente, que a área objeto de estudo foi escolhida para análise, tendo em vista representar uma nova centralidade em São Paulo, centralidade que é em verdade, não um fato, mas um processo social, uma imposição espacial do poder econômico e político (FIX, 2007), caracterizada por uma intensa intervenção do capital privado associada aos investimentos públicos de infraestrutura, nos últimos anos, como, por exemplo, as operações urbanas em seu entorno.8 A metodologia da pesquisa, através de uma abordagem sociológica, e da observação in locu da Vila Olímpia, ajudou a desvendar as contradições e as complexidades instauradas nesta nova centralidade paulistana, compreendendo os novos ritmos que a temporalidade urbana tem adquirido e seus consequentes impactos sobre a luta no e pelo espaço (TELLES, 2006). A Vila Olímpia9, localizada no distrito do Itaim Bibi, pertencente a subprefeitura de Pinheiros, situada na região sudoeste, a mais desenvolvida da capital paulista, durante a maior parte do século XX foi uma área predominantemente residencial, e surgiu como um aglomerado de chácaras formadas em sua maioria por imigrantes portugueses e seus descendentes. A partir da década 1960, começaram as construções e edificações no bairro. As ruas de terra batida foram substituídas por asfalto, a energia elétrica se instalou de vez, a primeira igreja foi construída, mas o comércio (padaria, mercearia, vendinha) ainda surgia de acordo com as necessidades dos seus moradores. Nesta época as chácaras já estavam sendo loteadas e os córregos em volta da região canalizados (CONCEIÇÃO, 2003). Na década de 1990, devido às operações urbanas implementadas em seu entorno, a Vila Olímpia, começou a ser alvo de intensa valorização imobiliária, o que impulsionou a

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As intervenções urbanas mais expressivas na década de 1990 e 2000 que atingiram diretamente a região estudada foram os projetos da Nova Faria Lima, Água Espraiada e Berrini. Sobre o assunto ver: BÓGUS, 2008; FIX, 2001, 2007. 9 Definimos como Vila Olímpia a área formada pela Avenida dos Bandeirantes, Av. Santo Amaro, Av. Juscelino Kubitschek e Av. Nações Unidas. AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 5, nov 2013

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atual dinâmica do espaço urbano na região, qual seja, a expulsão das antigas construções, e dos antigos moradores, para dar lugar aos novos e moderníssimos megaprojetos imobiliários residenciais e comerciais, modificando intensamente o ambiente construído. Caminhando pelas ruas da Vila Olímpia hoje em dia, facilmente observamos que as antigas casas e sobrados que ainda restam, se não são utilizados para fins comerciais, foram e estão sendo substituídas por edifícios verticais luxuosos, por uma arquitetura de megaprojetos imobiliários para fins comerciais e edifícios corporativos, caracterizando o mais recente eixo de negócios da cidade.10 Conforme Fix (2007) “a transformação de uma região pantanosa na área mais valorizada da cidade é, na verdade, um exemplo de criação da máquina imobiliária de crescimento”. Além disso, poucas ruas ainda têm casas antigas com moradores, algumas abandonadas, outras com placa de “aluga-se para fins comerciais”, outras reformadas que resistem até hoje. Foi ao longo deste cenário que encontramos, durante o estudo exploratório, algumas pensões de nordestinos existentes no bairro, o que nos despertou o interesse para a confecção do presente trabalho. Sendo assim, na rua Cavazzola, uma pequena e estreita rua, contendo apenas casas antigas residenciais térreas no coração da Vila Olímpia, encontramos duas pensões com a maioria de seus habitantes nordestinos. O primeiro contato que tivemos, coincidentemente, foi com o próprio dono do negócio, isto é, com o seu Antônio, proprietário das pensões que visitamos. Ao encontrarmos, no lado de fora da casa, varrendo a rua numa tarde ensolarada do mês de abril, pedimos informação a respeito das pensões que ali existiam.

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Atualmente, a Vila Olímpia comporta, dentre outros empreendimentos: a Villa Daslu, o shopping Vila Olímpia, o shopping JK (ainda em construção), a casa de shows Via Funchal, a Faculdade Anhembi Morumbi, mais de cinco hotéis de luxo, mais de 120 restaurantes de diversas especialidades e nacionalidades, mais de 10 grandes imobiliárias, incorporadoras e construtoras, mais de 45 pubs e discotecas, mais de 40 bares, sede de inúmeros bancos como Santander, empresas de diversos ramos, o ETower (quinto edifício mais alta da cidade). É também conhecida como o Vale do Silício brasileiro, pois abriga empresas multinacionais como Unilever, Google, Yahoo, Buscapé, Intel, Symantec, Microsoft, e muitas outras (disponível em: http://www.encontravilaolimpia.com.br. Acesso em: 12.04.2011). AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 5, nov 2013

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Apresentamo-nos como estudantes interessados em alugar um quarto, e ao perceber nosso “interesse”, seu Antônio nos mostrou as pensões que gerenciava e, portanto, nossa visita de fato começava naquele momento. Eram quatro horas da tarde quando adentramos na primeira pensão, uma área construída de forma improvisada no terreno da casa (antiga) que sediava a pensão maior. A construção, muito rudimentar, de tijolo aparente, demonstrava de fora a precariedade do local, mas não imaginávamos o que iríamos presenciar em seu interior. Quando entramos de fato nesta pensão, seu Antônio nos mostrou os aposentos. A mesma possuía dois pequenos quartos, cada um com quatro beliches, onde moravam seis jovens trabalhadores do sexo masculino (esta pensão era só para homens), todos migrantes nordestinos, oriundos, principalmente, do interior do Estado do Ceará. Os quartos eram muito apertados, abafados, escuros, sem ventilação ou luminosidade suficiente, sujos, com forte odor, sem a mínima manutenção de higiene, e totalmente desarrumados. Havia apenas um banheiro comunitário fora da casa para os seis rapazes, e uma estreita cozinha com uma pia, um fogão de uma boca, e uma máquina de lavar. A segunda pensão localizada no mesmo terreno que a primeira, era uma casa aparentemente antiga e não conservada, em que devia ter sediado alguma família de moradores antiga do bairro, em um tempo remoto. Nesta pensão, um pouco maior que a primeira, havia dois quartos, uma sala improvisada em quarto, uma cozinha, e um banheiro localizado fora da casa. Nesta pensão moravam quinze pessoas, entre homens e mulheres, todos nordestinos. As condições de moradia e higiene também eram muito precárias, e todos trabalhavam na própria Vila Olímpia, próximo à pensão, em estabelecimentos comerciais, assumindo cargos, em sua maioria de garçom. Em ambas pensões, o valor mensal do quarto para cada morador é de R$ 260,00 (duzentos e sessenta reais). No momento de nossa visita, um dos pensionistas estava no local, razão pela qual pudemos ter contato direto com um migrante nordestino que ali residia. Em geral, esses nordestinos são jovens de 18 a 25 anos, sem ensino médio ou superior completo, que motivados pelo sonho da cidade grande, migram do interior do nordeste para a maior metrópole brasileira, com o intuito de conquistar melhores condições de vida e de AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 5, nov 2013

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trabalho, muitas vezes tendo que se manter sozinho, e ainda ajudar a família que ficou para trás. Quando chegam à cidade grande, esses jovens submetem-se a condições precárias de vida, como é o caso dessas pensões que abrigam nordestino na Vila Olímpia. Somado a isso, as condições de trabalho são as piores, pois em sua maioria, trabalham em média doze horas por dia com apenas uma folga durante a semana, recebendo um valor em torno de R$ 2,00 (dois reais) por hora trabalhada. Questionamos a respeito da necessidade de estudar e os jovens alegaram não ter tempo para isso, tendo em vista que precisam trabalhar para se alimentar, pagar seus gastos e ainda enviar dinheiro para família que ficou no nordeste, o que demonstra a forte exploração em que esses jovens são submetidos ao chegar na metrópole. Neste sentido, o migrante que chega em São Paulo com pouca ou nenhuma escolaridade; chega para, na maior parte das vezes, trabalhar na construção civil ou no serviço doméstico, e vai morar em pensões, cortiços ou favelas, enfrentando as dificuldades de andar na grande cidade, sentindo saudades do local de origem (GOMES, 2006). Quanto à este aspecto, vale ressaltar a idéia de Jannuzzi (2000: 217) a respeito da migração nordestina, senão vejamos: Migrantes provenientes do Nordeste sujeitaram-se a taxas mais elevadas de desocupação, pelo fato de reunirem um conjunto de fatores de risco a essa situação, como atributos sociodemográficos, ocupacionais e relacionados a trajetória espacial. Afinal eles eram, em média, mais jovens, com nível de escolaridade mais baixo, egressos de ocupações de baixa qualificação na agropecuária e em outros setores tradicionais (...). Com esse ‘portifólio pessoal’ iniciaram o seu histórico ocupacional no mercado metropolitano nos postos de trabalho típicos de baixa qualificação, nos serviços domésticos, prestação de serviços, construção civil e na própria indústria. Para aqueles que conseguiram “sobreviver” ao contexto adverso, abriram-se oportunidades de mobilidade ocupacional para outros setores, para ocupações de nível intermediário na escala socioocupacional. Mesmo para aqueles que não ascenderam socioocupacionalmente na escala – como um trabalhador rural que viesse a se tornar um servente de pedreiro da Região Metropolitana de São Paulo – a possibilidade da conquista de um emprego com carteira poderia ter um significado simbólico – e material – importante.

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Desta forma são perceptíveis as condições em que ainda se encontram os jovens nordestinos que chegam à São Paulo, não havendo escolha, a não ser morar em pensões como as da Vila Olímpia. A maioria é vítima de um mercado neoliberal globalizado, em que situações de exploração ainda existem para aqueles que não têm outra opção senão, vender sua força de trabalho, em condições precárias, sem carteira assinada, com uma jornada de trabalho extensiva, e sem qualquer direito trabalhista garantido. Os migrantes nordestinos aparecem no plano do visível e do invisível, ocupam os poros da metrópole. Eles não estão somente nos espaços de aglutinação, concentração, mas aparecem na forma de trabalho e não trabalho no processo de formação da metrópole. Ainda assim, perguntamos por que a escolha de morar em um bairro como a Vila Olímpia, e a maioria, senão todos, justificaram com base nas ofertas de emprego que o bairro fornece, tendo em vista ser, atualmente, um bairro muito mais comercial e de serviços do que residencial. No mais, questionados a respeito do lazer e sociabilidade que praticam no bairro, a maioria também afirmou não ter tempo para isso devido à intensa jornada de trabalho a que são submetidos, o que fortalece a condição de explorado. Além disso, a justificativa de que tudo é caro no bairro, devido ao elevado padrão de vida de uma nova centralidade urbana em São Paulo, demonstra que esses jovens não utilizam o espaço apropriadamente, tendo em vista estarem segregados e serem excluídos da dinâmica urbana. Ainda quanto ao lazer, muitos afirmaram que no único dia de folga que possuem ao longo da semana, aproveitam para descansar do trabalho árduo, e muitas vezes sentam na porta da pensão, em cadeiras de plástico que colocam na beira da calçada para conversar “um dedinho de prosa” como costumam dizer. Observamos, portanto, que esta é uma prática ainda muito utilizada em cidades do interior, principalmente do nordeste, em que representa uma verdadeira forma de sociabilidade entre a vizinhança local. E por estarem fora de sua cidade natal, por serem estranhos na metrópole (VÉRAS, 2002), os jovens acabam reproduzindo aquilo que já experimentaram em sua cidade, como forma de sustentar uma noção de pertencimento a um lugar que não é seu, que não lhe pertence. AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 5, nov 2013

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Entretanto, percebemos que há certa interação entre eles, visto que se identificam com as condições de vida que são submetidos ao chegar na metrópole. Porém, entre eles e os moradores da região, não há qualquer forma de sociabilidade, uma vez que não fazem parte de fato da vizinhança, da cultura de bairro e do espaço urbano. Observamos, assim, um conflito indireto entre relações de interação social mediada pelo capital. Seria mais ou menos a lógica das relações intergrupais entre os estabelecidos e os outsiders de Norbert Elias (2000). A metrópole é o lugar do estrangeiro. Não só devido ao indivíduo ser de fato estrangeiro e viver como tal na cidade, mas, principalmente, pela razão de sentir-se estrangeiro num espaço que não lhe pertence, que não lhe é familiar, e que não identifica ou reconhece como seu. Não é de se estranhar que muitos paulistas também se sentem assim na própria metrópole. Quanto à noção de identidade, Carlos (2001: 18) afirma que “(...) a reprodução da vida na metrópole se realiza na relação contraditória entre necessidade e desejo, uso e troca, identidade e não-identidade, estranhamento e reconhecimento, que permeiam a prática socioespacial”. Assim, o lugar condiciona à constituição de uma identidade local garantindo uma coesão social. A questão de como se pensar os espaços da cidade deve estar diretamente relacionada à importância do resgate da memória. Daí a importância de se conhecer o diferente, o migrante, o outro, o estranho. Sabemos que, dentre outras, o que caracteriza as metrópoles contemporâneas são as rupturas sociais e o mal-estar da (pós) modernidade, conforme entende Bauman (1998), onde a pobreza e a exclusão são latentes. Neste sentido, as diferentes formas de solidariedade parecem ter desaparecido, sobretudo, nas novas centralidades urbanas das metrópoles. Uma das razões está no processo de individualização fazendo dos sujeitos sociais seres autônomos, seres urbanos, prevalecendo o distanciamento social. Simmel (1979) assim entendia a metrópole moderna desde o início do século XX, ao afirmar que seus habitantes apresentavam características mais anônimas e mais egoístas,

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fundamentadas em uma profunda impessoalidade. Esta seria mais uma forma de socialização das grandes cidades. Portanto, compreendemos que estes nordestinos da Vila Olímpia sofrem um processo de isolamento, tornando-se individualmente estrangeiros no próprio bairro, o que pode contribuir para uma desorganização social ainda maior. Como consequência, além das dificuldades objetivas já mencionadas ao longo deste trabalho, observamos problemas de cunho subjetivo, como o sofrimento psicológico, o mal-estar urbano repercutindo em relações fragilizadas, efêmeras e passageiras. Acreditamos que a grande riqueza das cidades está em sua diversidade. Na área historicamente conhecida como centro é onde ainda encontramos uma certa diversidade, cultura, tendo em vista que a cidade perdeu a capacidade de criar vida urbana diversificada, sendo as centralidades urbanas exemplo deste processo. Por fim, a metrópole de São Paulo ainda não é pensada a partir da necessidade de seus habitantes, pois não considera o significado de espaço social. A forma de olhar a cidade ainda tende a um sistema fechado, não democrático, em que a disputa da e na cidade produz um espaço segregado, fragmentado e desigual.

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