Do Pão e da Paz - Ensaio sobre Novos e Velhos Movimentos Sociais Pacifistas - Coleccção Agitanç@s

June 5, 2017 | Autor: Teresa Cunha | Categoria: Globalization, Pacifism, New social movements, Fórum Social Mundial
Share Embed


Descrição do Produto

Número: 42 Título: Do Pão e da Paz - Ensaio sobre Novos e Velhos Movimentos Sociais Pacifistas Autor@: Teresa Cunha Data: 2007 Palavras-Chave: Novos Movimentos Sociais, Pacifismo, Globalização, Fórum Social Mundial Referência(s): www.ajpaz.org.pt/agitancos.htm

Acção para a Justiça e Paz (AJPaz) Rua São João - 3130-080 Granja do Ulmeiro – Portugal [email protected] - www.ajpaz.org.pt (T) 239642815 - (F) 239642816 - (TMV) 96 2477031

Do Pão e da Paz

Teresa Cunha 2007

2

Do Pão e da Paz

Índice

Introdução..........................................................................................5 1- A crise do contrato social moderno .......................................................6 2- Movimentos Sociais: um espaço público não-estatal como afirmação do princípio da comunidade ...................................................................... 10 3- Uma genealogia breve do debate em torno dos Novos e Velhos Movimentos Sociais ............................................................................................. 12 4- Os caminhos dos movimentos pacifistas: novos e velhos. .......................... 20 5- As agendas pacifistas no Fórum Social Mundial ....................................... 26 Conclusão......................................................................................... 33

Teresa Cunha 2007

3

Do Pão e da Paz

Do Pão e da Paz Ensaio sobre Novos e Velhos Movimentos Sociais Pacifistas

Teresa Cunha 2007

Teresa Cunha 2007

4

Do Pão e da Paz

Introdução Nos discursos realistas não cabem as utopias. As utopias são sempre coisas marcadas por impossibilidades metodológicas, pela sua dimensão ou pela sua intangibilidade no presente. Nelas se encerra uma maneira visionária de olhar o mundo que não se compatibiliza com a necessidade de o reduzir a uma qualquer totalidade controlável ou pelo menos previsível e transparente. De uma forma sobressaltada de viver e pensar, que tende a negar permanências, lealdades, acções generosas, porque não se alimentam apenas de resultados imediatos, a utopia, pode-se aparecer como mola mestra que permite fortalecer as acções sociais, a defesa da autonomia e a crítica ao status quo (Gohn, 1997). O objectivo a que se propõe este ensaio é contribuir para uma discussão sobre novos e velhos movimentos sociais, que resgate do pano de fundo o contexto contemporâneo a sua emergência e problematize o que os caracteriza. Este não é, de forma alguma, uma problemática consensual ou fácil. A discussão sobre os novos e os velhos movimentos sociais encontra-se povoada de nuances e abordagens, conferindo diferentes valores à acção societal por eles protagonizada, usando diferentes interpretações e categorias analíticas. É do meu interesse também desenvolver uma reflexão sobre o lugar dos movimentos pacifistas e das suas agendas, dentro da discussão sobre novos e velhos movimentos sociais. Por um lado, esta discussão sobre os movimentos pacifistas parece-me interessante na medida em que, no contexto da alterglobalização contemporânea, lugar privilegiado da acção dos Novos Movimentos Sociais, estes parecem ter vindo a ter e a assumir uma presença significativa. Porém, historicamente, estes movimentos são velhos, existindo enquanto tal, desde os finais do século XIX (DPA; s/d) na Europa e no norte do continente americano. Estes movi-

Teresa Cunha 2007

5

Do Pão e da Paz

mentos sociais, cuja reivindicação central é a paz, nas suas diferentes acepções, são contemporâneos, na sua génese, dos movimentos operários, sindicatos e partidos políticos tradicionais. Podemos questionar então se há alguma singularidade ou novidade na emergência transnacional dos movimentos ‘contra a guerra’, dos movimentos pela paz que têm marcado a agenda das lutas contra o neoliberalismo e o chamado ‘pensamento único’ que o sustenta. Este ensaio está estruturado em torno de três assuntos que procuram proceder a uma hermenêutica compreensiva do tema geral. O primeiro tema de reflexão é o contrato social moderno, a emergência da sociedade civil para intentar uma compreensão mais geral do contexto onde se inscreve a discussão sobre os Novos e os Velhos Movimentos Sociais. Em segundo lugar, e a partir de uma breve genealogia teórica, discuto aquilo que são algumas das questões consideradas centrais no debate sociológico sobre o tema. Em seguida procuro resgatar através de algumas das linhas de análise características de movimentos pacifistas e identificar continuidades e descontinuidades entre Velhos e Novos pacifismos. Neste âmbito faço uma análise documental sobre a importância que as agendas pacifistas têm vindo a ter no contexto do Fórum Social Mundial para, a partir dela, retirar alguns eixos de reflexão. Concluo com algumas considerações sobre a problemática do ensaio vista através do percurso realizado. 1- A crise do contrato social moderno O espaço-tempo moderno criou-se na imaginação de uma comunidade identitária de sentido total, vinculada a um espaço-território, culturalmente homogéneo, herdeiro de uma história-tempo comum e partilhada por todos os elementos que se constituem como uma colectividade, marcada por fronteiras adversarias a outros espaço-tempo com os quais só a confrontação conflitual ou defensiva é possível. Nesta narrativa moderna vestefaliana, o Estado é o garante dos bens públicos, vistos como modos da interpretação legítima da vonta-

Teresa Cunha 2007

6

Do Pão e da Paz

de geral e garantia do bem-estar colectivo. Segundo Boaventura de Sousa Santos (Santos, 2002: 11)1, os bens públicos que o Estado moderno se propôs garantir e fornecer são: a legitimidade da governação, o bem-estar económico e social, a segurança e a identidade nacional. Este contrato porém, não está isento de relações antinómicas porque a ‘vontade comum’ não é percebida de igual forma por todos os indivíduos, nem por todos os segmentos sociais, classes ou grupos, de um mesmo espaço-tempo nacional, por muito ‘homogeneizado’ que tenha sido pela ideologia constitutiva do contrato estatal. A tensão entre a justiça social e a irredutibilidade do indivíduo ao grupo, trouxe para dentro deste contrato lutas e resistências que produziram instituições e corpos normativos que determinam os modos e as condições de inclusão e exclusão. Estes processos de regulação estatal são mais ou menos poderosos, submetem ou articulam-se com os outros dois princípios do contrato social moderno: a comunidade e o mercado. A socialização da economia, a nacionalização da identidade e a politização do Estado são as formas institucionais que estas tensões foram produzindo. O Estado-Providência nos países centrais e o Estado-Desenvolvimentista na periferia e na semiperiferia são talvez, as concretudes mais explícitas dessa institucionalidade e normatividade nascida no seio do conflito dos diferentes interesses e tensões, dentro do Estado-Nação moderno (Santos, 2002: 11-12). Nos últimos vinte anos, o neoliberalismo protagonizou a transnacionalização dos mercados e das finanças, acompanhada de uma capacidade fantástica de fazer ‘viajar’ uma epistemologia que encurta as distâncias, pondo em contacto antípodas em tempo real e, em consequência, encurtando de modo simbólico e real as lealdades, as capacidades de resistência e de auto-determinação em diferentes escalas. O mesmo neo-liberalismo logra perseguir, ‘localizar’, fixar no anonimato e eliminar, tudo e todas/os que não podem e ou não querem 1

A este propósito ver também Offe, 1985:4.

Teresa Cunha 2007

7

Do Pão e da Paz

acompanhar o seu impulso radicalmente predatório produzindo aquilo a que chamamos hoje, os processos da globalização hegemónica (Santos, 2001: 34). Nos países centrais do sistema-mundo, o formato do contrato social proporcionado pelo Estado-Providência sustentava um conjunto de benefícios sociais, associados à noção de direitos de cidadania, que incluíam o rendimento através do trabalho e a sua protecção (como forma de exercício da dignidade individual e, por outro lado, a prestação de um serviço para a colectividade), a educação para todas/os, a saúde para todas/os, o apoio a grupos cuja vulnerabilidade individual e social é maior, como idosas/os, crianças, deficientes, entre outras/os. Neste contrato social moderno de que o Estado-Providência é a forma de maior sucesso, criaram-se e sustentaram-se expectativas sociais de progressiva inclusão num determinado bem-estar pessoal e social e que hoje se argumenta não poderem ser mantidas face às novas exigências do capitalismo globalizado. O contrato começa assim a ser denunciado pelo Estado e algumas das suas mais importantes cláusulas deixaram de ser cumpridas. Esta ‘incapacidade’ de o Estado prover e garantir certos direitos, nomeadamente os sociais e económicos, atinge cada vez mais importantes sectores das sociedades contemporâneas: mulheres, desempregadas/os de longa duração, deficientes, jovens sem qualificação, migrantes. Nos países da periferia e da semi-periferia o processo de globalização neo-liberal desemboca

numa

situação

diferente

quanto

ao

modelo

de

Estado.

O

Estado-

Desenvolvimentista é a realização menos bem sucedida da ideia do progresso iluminista e parece ter sido reservada aos países do sul, aos países colonizados ou não detentores de capital tecnológico suficiente que lhes permitisse atingir a inclusão no grupo dos países centrais no tempo imposto pelo crescimento capitalista liberal. Este Estado-Desenvolvimentista, inscrito desde sempre numa ideia de futuro permanentemente em fuga para um lugar inatingível, nunca se tornou capaz de providenciar os bens sociais que a ideia de progresso perfi-

Teresa Cunha 2007

8

Do Pão e da Paz

lhada, prometia. Neste planeta da globalização hegemónica o aprofundamento das desigualdades sociais, as populações que nunca foram no passado beneficiárias, tornaram-se já excluídas do seu próprio ‘sonho’ de desenvolvimento e bem-estar, antes de alguma vez o terem sequer tocado. Esta turbulência provocada pelo efeito paradoxal da acumulação crescente de riqueza por alguns face à acumulação da pobreza por muitos, conduz ao sentimento generalizado de impotência que por sua vez gera passividade e conformismo. Finalmente, a visão de que o Estado é essencialmente uma entidade parasitária, incapaz, absorvente ineficaz de recursos, corrupto no limite, tende a esconder que a desregulação do Estado moderno, pressupõe um outro Estado forte, de outra maneira, capaz de enunciar os seus novos objectivos e de promover as suas novas institucionalidades e novas sociabilidades, segundo uma aparência da sua própria desregulação. O primeiro problema que estas questões levantam, prende-se sobretudo com a impossibilidade de agir para mudar, de reivindicar um espaço de resistência, de luta, de alternativa e de diferença. A fragmentação supõe a apologia do individual sobre todas as coisas, da hierarquia sobre a responsabilidade recíproca. É muitas vezes mesmo, a ausência de qualquer comunicabilidade entre fragmentos e por isso, de qualquer possibilidade de diálogo. O solipsismo subjacente à lógica da máxima acumulação, em que todas as partes (fragmentos) são concorrentes entre si, inimigos entre si é, no limite, estruturalmente excludente. Deste modo a mercantilização neo-liberal do Mundo pode atingir de forma dramática, o ethos vital da humanidade numa convocação à inimizade à/ao Outra/o. Esta pulverização de interesses particulares, de ‘localismos’ exarcebados, parece ser capaz muitas vezes de eliminar do horizonte societal agendas de intervenção baseadas em interesses mútuos, em consentimentos mútuos e de capacitação recíproca. Numa transição, novos e velhos elementos estão em contacto e em tensão permanente e isto pode fazer jul-

Teresa Cunha 2007

9

Do Pão e da Paz

gar, erradamente, que a ausência de sentido político do espaço público estatal esvazia, necessariamente, o espaço público não-estatal e a sua acção transformadora e emancipatória. É nas tensões produzidas por este debate, que pretendo olhar para a ‘sociedade civil’ onde os Movimentos Sociais, Novos podem aparecer como terreno fértil das contradições próprias do nosso tempo de transição mas, também, como fortes possibilidades de fazer avançar um novo contrato social contra-hegemónico, emancipatório e libertário.

2- Movimentos Sociais: um espaço público não-estatal como afirmação do princípio da comunidade Nascido de uma lógica de confrontação com o Estado, para assegurar direitos ou mais direitos (por exemplo, as lutas protagonizadas pelos movimentos operários e os movimentos feministas ao longo do século XX) ou pela lógica da compensação, fornecendo uma rede social de apoio quando o Estado estava e permanecia ausente, a ‘sociedade civil’ fez emergir um largo conjunto de organizações sociais, de natureza e acção diversificadas e que se fundam na ideia originária de autonomia positiva da comunidade, face ao Estado e ao mercado. Como diz Alain Touraine,

A ideia de ‘sociedade civil’ é indispensável. Ela designa o lugar das acções colectivas realizadas para a libertação dos actores sociais e contra o funcionamento da economia dominada pelo lucro e pela vontade política da dominação (1999, 121).

Desde o século XIX que grupos organizados fora do espaço estatal e do mercado, com uma lógica não lucrativa, de associação voluntária e privada segundo um princípio de governabilidade horizontal e solidária (Santos, 1999: 17), surgem e desenvolvem experiências

Teresa Cunha 2007

10

Do Pão e da Paz

mutualistas de auto-governo e de intervenção social. Este espaço não-estatal de participação pública, é pois, a afirmação do princípio da comunidade face ao mercado e ao Estado. É a acção intencionalizada por interesses e responsabilidades colectivos, de modo a eliminar ou a superar os malefícios, ou pelo menos, os problemas provocados pelo carácter predatório ou injusto do mercado e a ineficácia do Estado. A acção colectiva, horizontal e potencialmente reguladora do Estado e do mercado é realizada através da participação activa e organizada da comunidade. Esta é constitutiva da história da própria modernidade e configurou, ao longo do século vinte através dos movimentos sociais, as enormes lutas de operários, mulheres, minorias étnicas, pela auto-determinação nacional, entre outras. A crise do Estado-providência no norte, o colapso do modelo socialista do leste europeu, o desapontamento sucessivo das sociedades do sul, há décadas em vias de desenvolvimento e que nunca viram chegar o bem-estar e a riqueza prometida, a crise ecológicoambiental, os conflitos disseminados à escala global, com o seu cortejo de insegurança, vulnerabilidade e destruição, são razões necessárias e suficientes para que muitas/os autoras/es expliquem a re-emergência, nos finais do século vinte e com uma pujança especial, dos movimentos sociais. Estes representam-se e aparecem como principais protagonistas da esperança de poder agir sobre este nosso mundo, sobre os erros do mercado, da ciência e do Estado e sobre as suas consequências. Ao mesmo tempo, fenómenos como a urbanização, a transformação profunda da economia mundial e o desenvolvimento dos mass media, tornaram-se condições estruturantes para a definição do perfil e do modo de acção dos movimentos sociais (Cohen, Jean L. And Arato, A., 1994). O aparecimento de um número enorme de movimentos sociais, durante as últimas duas décadas está, com certeza, vinculado ao questionamento das funções atribuídas ao Estado e à mercantilização crescente da sociedade. No entanto, esse ressurgimento não é fruto nem está ligado apenas a uma luta generalizada contra o Estado ou contra o mercado,

Teresa Cunha 2007

11

Do Pão e da Paz

como se assistiu com a criação dos movimentos internacionais operários ou os movimentos internacionais pelos direitos civis e políticos feministas. Estes movimentos sociais têm estado à procura, sobretudo, de responder aos problemas, trazidos pelo enfraquecimento das funções redistributivas e sociais do Estado-providência e, ainda menos, do Estadodesenvolmentista pós-colonial, às fragmentações e instrumentalização das identidades e também às novas preocupações fundadas num mundo pós-industrial (Cohen, Jean L. And Arato, A., 1994; Gohn, 1997). Porém, a sua acção e a sua confrontação com o mundo real das desigualdades e da exclusão tem vindo a constituir-se como um outro discurso e a realização concreta de alternativas aos epifenómenos do neoliberalismo mundial. A diferenciação, em termos de gramática discursiva, metodologias de acção, escala e finalidades políticas, entre os movimentos sociais do início do século XX e aqueles que surgem e mobilizam as sociedades à escala planetária nos finais do mesmo século, têm suscitado uma reflexão teórica sobre, o que se tem vindo a chamar, Novos e Velhos Movimentos Sociais.

3- Uma genealogia breve do debate em torno dos Novos e Velhos Movimentos Sociais Para Rodrigues (1995), é o movimento de ‘Maio de 68’ que inaugura uma nova forma de participação pública e política, ficando assim aberto o caminho para a emergência dos chamados Novos Movimentos Sociais2, constituídos pelo movimento ecologista, feminista, pacifista e os movimentos de participação alternativa. Estes contarão com um conjunto novo de instrumentos, de oportunidades, constrangimentos políticos e de abordagens. Muitos destes Movimentos Sociais privilegiam a identidade e os valores pós-materialistas numa era em que a globalização acelerou o seu passo e, com ela, algumas virtualidades e perigos que dela advêm como a revolução tecnológica, a transnacionalização das sociedades, a urbanização, a 2

A partir deste ponto do texto utilizarei o acrónimo NMS.

Teresa Cunha 2007

12

Do Pão e da Paz

homogeneização dos padrões culturais, entre outras. Porém, convém sublinhar que o crescente aprofundamento das desigualdades sociais à escala planetária, o recurso à guerra como regulação das relações entre Povos, Nações e Estados, a ausência de sistemas redistributivos da riqueza que envolvam a maioria das pessoas, as catástrofes ecológicas, mantêm na agenda dos Movimentos Sociais contemporâneos preocupações de acesso e inclusão, novas formas de redistribuição da riqueza assim como a procura de alternativas políticas concretas ao sistema capitalista tardio neoliberal que se instalou à escala mundial nas últimas duas décadas e meia3. A sociologia dos Movimentos Sociais produziu dois grandes paradigmas analíticos, a saber: a tradição americana, que atenta sobretudo às oportunidades e constrangimentos políticos e à capacidade de mobilização de recursos, tendo por isso uma abordagem mais conjuntural4; a tradição europeia, da qual surge a ‘Teoria dos Novos Movimentos Sociais’ que atende mais ao novo lugar e valor dos discursos e à agência individual apoiada numa identidade colectiva e inter-subjectivamente construída e negociada. Dentro deste complexo teórico podem ser distinguidas duas grandes linhas analíticas que não são incompatíveis. Por um lado, uma abordagem mais estrutural na qual Claus Offe se destaca. A abordagem estrutural, entende os movimentos sociais como reflexos das mudanças estruturais e das crises que estamos vivendo, sob a globalização e o capitalismo e que estão a dar lugar a uma sociedade pós-industrial (Drago, 2004). Claus Offe (1985) nesta linha dá prioridade à análise politica articulando o campus do político e do cultural. Aludido

3

Tal como os Movimentos de Consumidoras/es, dos Contribuintes, os Okupas, Catadoras/es do Lixo, Movimentos de

Libertação Nacional, Movimentos contra Acordos Regionais como a ALCA, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, entre outros, que têm por objectivo a defesa de benefícios imediatos e concretos, e não apenas valores identitários e pós-materialistas (Dalton, 1998). Ver a este propósito, Cohen, Jean L., Arato Andrew (1994), Civil Society and Political Theory. Cambridge: MIT Press. 4

Teresa Cunha 2007

13

Do Pão e da Paz

por Gohn, Offe defende que os NMS são uma resposta à falta estrutural de respostas, tecendo respostas racionais e directamente relacionadas com as condições de privação, a evolução societal e as crises das instituições tradicionais (como os partidos políticos). Ele considera assim, que a acção dos NMS é fundamentalmente política, problematizando novos temas e fazendo ruir as fronteiras entre privado e público sobretudo quando os NMS abordam questões como orientação sexual, os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, entre outros (Gohn, 1997; Offe, 1985). Por outro lado, a abordagem identitária-construtivista na qual destaco o trabalho de Alain Touraine e Alberto Melucci. A abordagem identitária-construtivista, recusa a definição dos movimentos sociais como meros reflexos das transformações estruturais. Dá importância às condições estruturais, enquanto factores fundamentais na definição da acção, das contradições e dos conflitos de cada sociedade, em cada momento, mas procura outras variáveis. Para estes, os movimentos são sujeitos activos e propositivos de novos valores estruturantes da sua identidade individual e colectiva, que constroem e definem colectivamente. Segundo Touraine os movimentos sociais são fundamentais para a sociedade, são o seu ‘coração e são lugares de criação e transformação social a partir dos conflitos criados e protagonizados pelas/os actrizes e actores sociais.

A noção de movimento social só é útil se permitir pôr em evidência a existência dum tipo muito particular de acção colectiva, aquele tipo pelo qual uma categoria social, sempre particular, questiona uma forma de dominação social, simultaneamente particular e geral, invocando contra ela valores e orientações gerais da sociedade, que ela partilha com o seu adversário, para privar este de legitimidade. (...) O

Teresa Cunha 2007

14

Do Pão e da Paz

movimento social é muito mais do que um grupo de interesses ou um instrumento de pressão política. Ele questiona o modo de utilização social de recursos e de modelos culturais (1999, 113).

Para Touraine, os movimentos sociais querem ‘mudar a vida’ e para isso mobilizam não apenas racionalidades mas também sentimentos, emoções e valores que associam aos projectos de transformação que querem levar a cabo (Touraine, 1999:119). Na mesma linha de pensamento, Alberto Melucci

argumenta que os movimentos

sociais são um

élan vital that generates change in the heart of the order (Melucci, 1996: 381).

Dando muito importância a uma reflexão micro, ou seja, psicossocial, dos movimentos sociais, Melucci distingue neles a agência individual como central na construção da identidade colectiva. Ele tem em consideração as biografias e nelas identifica as condições de possibilidade da participação individual, a construção das lideranças e a construção de solidariedades e lealdades entre grupos e entre lutas. Ele atribui uma enorme relevância ao carácter antecipatório e simbólico dos movimentos sociais na contemporaneidade chegando a denominar a sua acção de ‘profética’.

Teresa Cunha 2007

15

Do Pão e da Paz

Like the prophets, the movments ‘speak before’: they announce what is taking shape even before its direction and content hás become clear (Melucci, 1996: 1).

A abordagem construtivista de Melucci é sublinhada pelo seu conceito de ‘identidade colectiva’ que é vista como algo construído inter-activamente, através de negociações múltiplas entre indivíduos e contextos de inter-relação, mobilizando trocas emocionais e afectivas, tecendo a coesão e os sentimentos de pertença (Melucci, 1996: 70). Enquanto os estruturalistas entendem que os NMS podem ser portadores de alternativas e soluções para problemas que se adivinham ou já existem, os identitários-construtivistas entendem que há transformações e fenómenos em curso que levam a novos conflitos e a novos problemas e é neste processo dialéctico que se encontra a acção dos movimentos sociais. Porém, é nas interacções quotidianas que são criadas identidades de recusa e de mobilização por novos valores e novos princípios, também eles criados colectivamente, a partir de uma leitura particular e seleccionada dos elementos da realidade. Como foi dito acima, os Movimentos Sociais nascem e agem através e na conjugação de oportunidades políticas, da percepção diferenciada dos problemas, da mobilização de recursos e competências, procuram construir novas identidades, lutam por novos referentes civilizacionais e através disso lutam por novas formas de inclusão e acesso ao bem-estar e à felicidade. Procurando responder, de forma complexa e por vezes ambivalente a problemas como a massificação do consumo, que se estende cada vez mais a produtos simbólicos, culturais e identitários, à crise económica mundial que parece ter-se instalado e com consequências a longo prazo, à alteração do controlo e da regulação social pelos Estados e pelo mercado

Teresa Cunha 2007

16

Do Pão e da Paz

sobre todas as dimensões das nossas vidas, à cada vez maior centralidade dos meios de comunicação de massas, à re-erupção e o alastramento dos conflitos violentos, ao progressivo e preocupante esgotamento da Natureza, os movimentos sociais já contam com uma história de protesto e luta que claramente se transnacionalizou nos últimos anos. Entre outras, podemos destacar as seguintes: a mobilização de extensos, indefinidos e heterogéneos grupos sociais nas manifestações de Seattle contra a OMC (1999), a Campanha Internacional de Anulação da Dívida (2000), as manifestações de 15 de Fevereiro de 2003 contra a guerra no Iraque e, também, a realização de cinco Fóruns Sociais Mundiais e mais umas dezenas de Fóruns continentais e temáticos. Estes Movimentos Sociais da transição do século XX para o século XXI intervêm enquanto forças de solidariedade que e que não evitam, se necessário, a via do conflito, através de formas não institucionalizadas de intervenção pública e política. As/os actrizes/actores que se comprometem e agem dentro destes novos movimentos sociais, são protagonistas diversos e divergentes na história da acção colectiva e não buscam o sujeito universal e unitário libertador do capitalismo. As pessoas que constituem os NMS não estão imbuídas de um sentido de pertença única com um destino único e comum. Estes Movimentos Sociais são, em muitas circunstâncias, como que a cristalização do encontro de margens nãodominantes das sociedades, excluídas da linguagem dos poderes políticos tradicionais, que se unem com as/os suas/seus aliadas/os. Sendo tudo isto, são muito mais do que a soma das suas partes: são uma nova classe média urbana, trabalhadoras/es marginalizadas/os (desempregadas/os, trabalhadoras/es precárias/os, indocumentadas/os, ilegais), estudantes, mulheres, minorias auto-definidas. Muitos dos membros dos NMS são bem instruídos e costumam ter uma história de militância prévia em algum momento da sua vida (Adler, 2004; Gohn, 1997; Santos, 2005). De algum modo, todas/os partilham um não-lugar na sociedade (Drago, 2004: 43), e têm alguns recursos (materiais e simbólicos), que usam como instrumentos de análise e re-interpretação da realidade, não só à luz do que é dado pelo presente,

Teresa Cunha 2007

17

Do Pão e da Paz

como à luz do que é necessário e desejável. Perante pertenças tão diversas, os NMS não adoptam uma visão classista da sociedade, típica da esquerda tradicional e dos movimentos sindicais. Estes movimentos, transportam consigo a reivindicação da liberdade, da justiça social, da inclusão e da expressão das suas identidades, sobre as quais exigem ter controlo e a partir das quais querem participar e influenciar a cultura, a política e a economia. A procura de uma nova identidade cultural, social e pessoal significam igualmente a exigência de uma cidadania transversal, o esbatimento das fronteiras entre espaços e níveis da realidade e, finalmente, um amplo alargamento dos limites da política. Através do conflito e confrontação com as lógicas de dominação, estes Movimentos Sociais, em geral, optam por quebrar alguns dos limites estabelecidos para a intervenção social, ocupando espaços públicos, nomeadamente, as ruas e privilegiando a acção directa. Fazem recurso da criatividade para interferir em espaços não institucionais, como comunidades locais e as relações sociais de proximidade, através do convívio, festa e imaginação. Ao mesmo tempo, mais do que nunca, os Movimentos Sociais usam as novas tecnologias como a internet, os telemóveis e os meios de comunicação de massas para formar e se dirigir aos seus públicos (Downing, 2001). Para além de tudo isto, cada vez mais, os NMS engrossam as suas fileiras com as/os ‘movement intelectuals’ (Drago, 2004:46) que são pessoas com uma forte capacidade de propôr identidades, vínculos e compromissos, bem como de rearranjar a realidade e obter dela um novo entendimento que ajuda na concepção e realização de propostas alternativas para o futuro. Tendo em consideração todos estes enfoques estratégicos e ideológicos, os Movimentos Sociais contemporâneos parecem privilegiar formas de organização mais horizontais. Acabam por promover, até um certo ponto e pelo menos no que toca às práticas, uma democracia mais participativa, dialogada e negociada (Duran, 2004; Gohn, 1997). A par da horizonta-

Teresa Cunha 2007

18

Do Pão e da Paz

lidade está a flexibilidade e o tamanho reduzido do seu núcleo burocrático que pretende evitar as hierarquias e a inactividade detectadas quer no Estado, quer nos grandes e/ou antigos movimentos. Esta opção é justificada por responder melhor e mais rapidamente às complexas e sistemáticas exigências da realidade globalizada. Por outro lado, existem questões de organização e de relacionamento com o exterior e com as parecerias cujas inovações importa considerar. Estes Novos Movimentos Sociais actuam muito através da articulação de agendas, sempre resguardando a sua autonomia (Gohn, 1997), procurando vínculos locais e concretos. A falta de uma ideologia única resulta em acções que se definem como redes de troca de informações e cooperação em eventos e campanhas (Ibidem, 126) que assume aqui uma valoração positiva e indispensável, quer na comunicação com um público amplo, quer na ampliação das lutas de cada movimento. Este trânsito entre escalas é, efectivamente, uma das características mais interessantes da acção dos Movimentos Sociais que actuam hoje no campo político, económico e social. Tendo vir a assumir um importante lugar nas discursividades dos movimentos o seu carácter anti-globalização neoliberal, o seu carácter de conflito com o capitalismo selvagem/desorganizado, o seu carácter contra a homogeneização dos seres humanos e a recusa de mercantilização total da natureza (Santos, 2005) podemos discernir na acção dos Movimentos Sociais de hoje, uma componente disruptiva que não deve ser iludida. Quer estejam a discutir quantos sexos existem realmente, se é o machismo, o sexismo ou o colonialismo que motiva os conflitos violentos ou espolia as mulheres da sua participação sem barreiras no mundo de hoje, Estes Movimentos Sociais estão sujeitos a uma dinâmica de globalização e a uma disputa por um espaço público e político que lhes permite imaginar reconfigurações societais locais, regionais e globais da maior importância no presente e também para o futuro.

Teresa Cunha 2007

19

Do Pão e da Paz

4- Os caminhos dos movimentos pacifistas: novos e velhos. Pode-se dizer que os movimentos pacifistas surgem, como expressão organizada de cidadãs e cidadãos, nos finais do século XIX prosseguindo as suas lutas ao longo do século XX e expandindo-se por todo o planeta até aos dias de hoje. Apesar de serem, em larga medida, contemporâneos dos velhos movimentos sindicais, raramente é referenciada a sua longa e velha história de lutas políticas, sociais e de mentalidades. Estamos perante um fenómeno singular ou a sociologia contemporânea dos Movimentos Sociais não capta o desenvolvimento específico destes movimentos? Outra hipótese de trabalho pode ser formulada da seguinte maneira: apesar de se poder enumerar uma grande quantidade e diversidade de movimentos pacifistas,5 que têm estado activos no mundo ao longo dos últimos cem anos, a sua eficácia tem sido diminuta pelo que o seu interesse epistemológico e social aparece como pouco significativo. Estou convencida que os movimentos pacifistas6, tendo uma longa tradição no panorama associativo Europeu e da América do norte, sofreram ao longo dos anos uma permanente actualização quer nas formas de organização, reivindicações, públicos e agendas. Apesar da reivindicação central ser aparentemente a mesma, de facto, ao longo de todo este tempo, a conceptualização epistemológica e sociológica da paz fez desenvolver novas perspectivas organizativas e associativas e foi coagida por elas. Pode-se dizer que existem (des)continuidades nos movimentos pacifistas e algumas diferenças cruciais com os movimentos sindicais, os movimentos de trabalhadores e os velhos partidos políticos. Pode-se também dizer que se experienciou em relação aos movimentos pacifistas uma certa forma ilusão de óptica que é causada pelo que se chamou a ‘soneca dos

A este propósito ver, entre outros, os materiais publicados pela ‘Danish Peace Academy’. A minha análise restringe-se aos movimentos pacifistas do ‘norte’ nas suas versões mais antigas e mais contemporâneas. 5 6

Teresa Cunha 2007

20

Do Pão e da Paz

anos 90’ (Vilela, 2004), que fez com que os movimentos pacifistas fossem representados como ‘acabados’, sem novos sentidos ou como sendo movimentos dos velhos e ultrapassados hippies, de oposição à guerra do Vietname ou à emergência da energia nuclear e a sua militarização massiva. Ou seja, parece que o imaginário contemporâneo sobre destes movimentos pacifistas é o de que fizeram o Woodstock e, pronto (Ibid). De facto, a aparente prosperidade que o capitalismo parecia ter trazido nos finais da década de 80, a descolonização e o fim da Guerra Fria, são capazes de te originado ‘gerações’ menos preocupadas com os conflitos violentos e todas as suas dramáticas consequências sociais e humanas. Nesse sentido, as agendas pacifistas pareciam ter perdido a sua importância societal e política e perderam o protagonismo que, ao longo da primeira metade do século XX, tinham tido no campo da contestação, protesto, resistência e busca de alternativas para a resolução dos conflitos através de vias pacíficas e negociadas. Só mais tarde, nos finais da década de 90 começa a emergir uma ‘geração’ que problematiza a paz em outros termos e se apercebe de que não tem uma vida plena de sentido, porque, embora tenha muito ou mais do que o suficiente para viver com dignidade, isso continua a ser insuficiente. Por outro lado, a explosão de novos e significativos conflitos violentos em todos os continentes, com consequências a uma escala desconhecida fizeram perceber que a paz jamais tinha sido alcançada e que novas guerras estavam a acontecer e a explicar uma parte dos acontecimentos mundiais. De facto, o mundo do pós Guerra Fria mostra que a paz, na sua acepção mais restrita, ou seja, a ausência de guerra, estava longe de se ter concretizado. Os conflitos armados não pararam, instalando-se sobretudo dentro das fronteiras nacionais disseminando terror e insegurança, sobretudo nos países periféricos e empobrecidos. Por isso, em 1992, 82% das operações de Manutenção da Paz das Nações Unidas eram intra-estatais, segundo os dados apresentados no ponto 11 do Suplemento à Agenda

Teresa Cunha 2007

21

Do Pão e da Paz

para a Paz de 1995, elaborada por Boutros Boutros Gahli. As deslocações em massa de pessoas atingiram níveis jamais imaginados, provocando mais de 17 milhões de refugiadas/os e 20 milhões de deslocadas/os (Report of the Secretary-General, 1992: ponto 13). Ainda segundo estes documentos, cada vez mais civis são envolvidas/os nas guerras e conflitos violentos, contra sua vontade e sem qualquer possibilidade de lhes resistirem. Um terço do negócio de armas respeita a armas ligeiras (Report of the Secretary-General, 1995: ponto 61), que podem ser usadas em qualquer lugar, e por qualquer pessoa ou grupo, elevando o nível de insegurança pessoal a limites inimagináveis. A pobreza, as doenças, a fome, a opressão e o desespero são cada vez maiores. A ausência estrutural de redistribuição equitativa do bem-estar e dos recursos tornou-se numa condição permanente de conflitos graves (Report of the Secretary-General, 1995: ponto 13). As estratégias genocidas acontecidas, em Timor Leste, no Ruanda ou nos Balcãs, a violação sexual em massa de mulheres e raparigas usada como arma de guerra, permitem-nos ter uma ideia da enorme e dramática conflitualidade presente no mundo atingindo a maioria das regiões do planeta7. As disputas violentas por recursos no Próximo Oriente e Ásia Central, na África ou na América Central, as guerras urbanas pelo controlo de tráfico de armas ou estupefacientes, mostram a gravidade, em termos concretos e brutais, da situação de violência em que vive a maioria da população mundial no final do século. O desespero é uma constante do dia-a-dia de uma maioria de pessoas que vive em países cujos Estados falharam no controlo da violência, na aplicação da justiça, na implementação de modelos de desenvolvimento adequados e na promoção da democracia e dos direitos de cidadania (Aguirre, 2001: 21). Perante estas clivagens tão profundas, a Agenda para a Paz de 1992 e o Suplemento que lhe seguiu em 1995, elaborados pelo então Secretário-Geral da ONU, Boutros Boutros A este propósito ver, Rehn, E., Sirleaf, E.J., (2002), “Women, War and Peace: The Independent Expert’s Assessment on the Impact of Armed Conflict on Women and Women’s Role in Peace-building”. New York: UNIFEM.

7

Teresa Cunha 2007

22

Do Pão e da Paz

Gahli, são uma tentativa de revitalizar a agenda institucional e transnacional da paz. A evolução no discurso, conteúdos e propostas de acção são notórios. Terá sido esta geração, atenta e/ou vítima deste estado de coisas que deu origem aos Novos Movimentos Pacifistas que parecem ter renascido com mais força do que nunca a partir de meados da década de 90 (Kaplan, 2002; Burde, 2002; Vilela, 2004; Verdeguer, 1993). Apesar de um passado povoado de poucos sucessos, pois nenhum dos conflitos violentos do século XX parece ter sido impedido por estes movimentos, na verdade eles surgem com novas hermenêuticas sobre o sentido da paz e sobre os propósitos da guerra (Aguirre, 2001; Moita, 2001). Segundo alguns autores, são igualmente inovações dos novos movimentos pacifistas as, assinaladas por Vilela (2004) e que se prendem, nomeadamente, com o tom dos discursos. Os velhos movimentos pacifistas usavam uma linguagem marcadamente judaico-cristão com imagens apocalípticas e de temor pelo fim do mundo, da destruição, morte e sofrimento. Hoje, os novos movimentos pacifistas apresentam-se com uma discursividade fundada numa racionalidade mais cidadã e política. Por outro lado, têm demonstrado que a paz não é uma condição de emancipação a jusante, mas sim a montante, ou seja, enraizada na resistência ao capitalismo neoliberal que vai mercantilizando, comunidades, habitats, culturas e inclusivamente a humanidade. Esta autora assinala igualmente o retorno às ruas e ao confronto como algo novo, pela raridade em que isso se tornou, no princípio dos anos 90 (Ibid). Tentando olhar mais de perto as formas de organização e os instrumentos usados pelos movimentos pacifistas, os novos movimentos pacifistas usam mais do que nunca os meios de comunicação de massas e as novas tecnologias – as newsletter, os sites, o envio de informação organizada, a contra-informação, a aliança com os media independentes, as acções que forçam os meios de comunicação conservadores a parar para ver – a partir de estru-

Teresa Cunha 2007

23

Do Pão e da Paz

turas pequenas, voluntárias, flexíveis, para assim organizar, em conjunto, poucas mas grandes intervenções públicas, que inscrevam definitivamente a paz na agenda política (Ibidem). Um dos exemplos de ‘re-organização’ que se pode citar e, que ilustra o percurso que aqui se desenhou é ,o caso da ‘European Network for Peace and Human Rights’. Esta é uma rede constituída por muitos velhos movimentos pacifistas, cujos representantes nas Assembleias Europeias e Mundiais têm, em média de idades acima dos 50 anos, e por muitos e diversos novos movimentos sociais, cujos representantes têm idades que rondam os 30 anos. Esta rede surge com o objectivo central de ser uma plataforma que articula e facilita informação e comunicação sobre as questões da paz mundial em termos de regulação das relações internacionais. Pontualmente, promove encontros e assembleia e organiza alguns eventos, como o Tribunal dos Povos sobre o Iraque. No entanto, esta rede, como outras, surge também da angústia das mudanças entretanto ocorridas no Mundo. Parece haver uma consciência de que a soneca de 90 (dos movimentos, não das pessoas) lhes trouxe um desafio que não sabem ainda como vencer. A complexidade dos tempos, dos espaços e dos lugares, a diversidade de informação e possibilidades de acção, a transnacionalidade e a instantaneidade dos eventos, a adaptação de discursos e conceitos, a comunicação com a sociedade, entre outras, são questões com que militantes pacifistas tentam lidar todos os dias e para as quais procuram respostas e formas imaginativas de resolução. As/os novas/os militantes procuram entender como lidar com a condição de um sistema normativo internacional ineficaz que não previne nem sustém a emergência de conflitos de uma enorme violência, cujos interlocutores institucionais estão sujeitos a uma complexa teia burocrática cuja retórica nada diz sobre o mundo real e concreto contemporâneo. Ou seja, a Agenda para a Paz, que Boutros Boutros Gahli escreve, discute e publica, não consegue mobilizar os poderes políticos mundiais para a efectiva pacificação das

Teresa Cunha 2007

24

Do Pão e da Paz

relações internacionais. Esta divergência entre discurso e prática politica tem aberto as portas a inúmeras situações de uma extraordinária possibilidade violenta. Veja-se o caso do Iraque, Palestina, Afeganistão, Paquistão Irão, Coreia do Norte, República Democrática do Congo, Ruanda, Burundi, apenas para citar os casos mais graves. Os Movimentos Sociais pacifistas, ou que se preocupam com as questões da paz e da guerra, enfrentam hoje a reconfiguração da sua causa, a paz, e a forma como lutam por ela. Os novos internacionalismos suscitados e possibilitados pelas assembleias mundiais, pelas redes de articulação entre movimentos e pelas tecnologias, adquirem uma complexidade desconhecida e com a qual nem sempre é fácil de inter-agir de forma eficaz e positiva. Perante a diversidade das prioridades sentidas localmente e transportas para as discussões e disputas no terreno político, estas, entre muitas outras coisas, têm sido causas de falha de eficácia na mobilização das pessoas e de difícil cooperação e trabalho em rede, e também a causa de conflitos nas relações entre movimentos pacifistas e com movimentos que não são, especificamente, pacifistas. Não apenas o mundo mudou mas também mudaram as formas e os meios para o interpretar e organizar o colectivo. Talvez todas estas razões estejam a empurrar velhos e novos movimentos pacifistas para o diálogo e para a reciclagem da sua acção pela paz. Um dos laboratórios mais interessantes da re-invenção da luta pela paz nos nossos dias é o Fórum Social Mundial8. Para além da escala mundial em que se apresenta e pela diversidade de agendas com que procura trabalhar, ele tem vindo a colocar a guerra no centro da análise do neoliberalismo e a paz como a expectativa mais radical das utopias contemporâneas. Por estes motivos torna-se bastante interessante fazer uma curta análise sobre

8

A partir deste ponto do texto utilizarei o acrónimo FSM.

Teresa Cunha 2007

25

Do Pão e da Paz

a agenda pacifista no contexto do FSM, sendo este definido como o movimento dos movimentos, ou seja, o habitat, por excelência, de muitos dos NMS contemporâneos.

5- As agendas pacifistas no Fórum Social Mundial Na lógica do FSM a paz aparece desde o início como um pré-requisito, de uma mudança substancial no estado actual das coisas públicas humanas. A paz é expressa enquanto recusa de um mundo militarizado predisposto a tornar cada coisa, material-imaterialsimbólia num objecto privatizável, num alvo militar para o obter ou para assegurar a protecção à continuidade da sua exploração. A paz, tal como aparece na retórica oficial do FSM é sobretudo a ausência de guerra ou de conflito bélico, em consequência de uma política global assente na extrema competição, apropriação e exploração. As agendas pacifistas, neste sentido, surgem através do discurso e das actividades do Fórum como um conceito que abrange o planeta mas acentuam o carácter belicista do sistema económico e politico neoliberal deixando de fora outras dimensões da paz tais como as comunitárias ou subjectivas. No entanto, é interessante notar que nem sempre o discurso ‘oficial’ do FSM, que aparece nos textos de abertura, encerramento ou das grandes conferências, coincide com as cambiantes plasmadas nas actividades de base levadas a cabo através das iniciativas dos Movimentos Sociais. A análise dos programas de 2002, 2003, 2004 e 2005 permite perceber melhor como o conjunto do Fórum (cidadãs/aos e movimentos que o constituem) percebe, evolui e age acerca da paz e da guerra. Em primeiro lugar e no que diz respeito às iniciativas da responsabilidade das organizações presentes, percebe-se que existe uma preocupação muito generalizada e diversificada acerca da paz e da análise das causas e consequências dos conflitos violentos. A centralidade da paz com um valor concreto para a vida das pessoas, aparece disseminada pelo conjunto

Teresa Cunha 2007

26

Do Pão e da Paz

de propostas de seminários, oficinas, mesas de diálogo e controvérsia, painéis e conferências propostas e realizadas em cada um dos passados três FSM. Estas iniciativas mostram que não é apenas a militarização do planeta e a guerra como uma arma da expansão neoliberal que preocupa as pessoas e os movimentos participantes no FSM, como veremos a seguir. No Fórum de 2002 não se encontram muitas oficinas e actividades autopropostas e geridas que tratem explicitamente do problema de paz e da guerra, mas muitos dos assuntos abordados são claramente conectáveis com elas. De entre todos podem-se destacar os seguintes: as práticas da não-violência; as organizações internacionais e a regulação das relações internacionais; imperialismo e violência; crise capitalista e a guerra; paz e justiça social; globalização de baixo para cima desafiando a globalização desde cima e a guerra; a construção da paz nos países afectados pelas guerras ou regimes políticos militaristas e genocidas; a cultura da paz; nova ordem geopolítica internacional e as suas implicações; paz e trabalho. Estas actividades surgem quase todas organizadas no âmbito do Eixo Temático IV que se designava Poder Político e Ética na Nova Sociedade. No FSM de 2003 a conjuntura mundial faz precipitar as preocupações pela paz e pela guerra e assim, aumentam e amplificam-se as acções e as iniciativas das organizações, redes e movimentos, em torno deste problema. A organização do Fórum define um quinto Eixo Temático, Ordem Mundial Democrática, Luta contra a Militarização e promoção da Paz, cujo nome traduz o interesse e a urgência crescentes, em torno da paz e da guerra. Durante este Fórum as oficinas e outras actividades auto-organizadas sobre estes assuntos ascendem a uma centena, analisam e abordam problemáticas tais como: a não-violência; acção directa pela paz; relações internacionais, paz e governação mundial; arte e paz; educação e paz; paz interior; paz interna para uma paz mundial; a análise dos processos de conflito e construção da paz vinculadas a casos nacionais – Colômbia, Palestina, Afeganistão, Congo, Paquistão, etc; transformação positiva e criativa dos conflitos; diálogo inter-cultural e resolução de con-

Teresa Cunha 2007

27

Do Pão e da Paz

flitos; guerra e terror; mulheres e paz; feministas e paz; paz e democracia; paz e autodeterminação dos povos; paz e segurança; religiões e paz. Em Mumbai, 2004, o número deste tipo de actividades decresce situando-se em cerca de meia centena mas as propostas de análise densificam o conceito de paz que se desenvolve no seio do FSM através das actividades e soluções trazidas pelos movimentos e redes. Ao longo dos quatro dias do FSM trataram-se assuntos como os seguintes: armas ligeiras; armas nucleares; guerra e autodeterminação; cultura da paz; guerra e pobreza; media e militarismo; educação e paz; construção da paz – Afeganistão, Iraque, Libéria, Colômbia, Palestina, Tibete, etc; paz e justiça global; prevenção e resolução de conflitos; paz e segurança humana; desmilitarização e desarmamento para a paz; género e guerra; religiões e paz; reconstrução pós-bélica; as crianças nos processos de paz; água e guerra; ocupações imperiais bélicas; a militarização da ajuda humanitária; guerra e saúde pública; paz e direito; paz e ética; sociedade civil na construção da paz; controlo de armas; o militarismo. O FSM é realizado de novo em Porto Alegre, Brasil em 2005 com uma importante reorganização metodológica. O Comité Organizador Internacional abre a publicação do programa oficial com as seguintes palavras:

Um Fórum mais descentralizado e democrático. Mais dinâmico. Mais propositivo. Cerca de duas mil actividades propostas pelas organizações de todo o mundo estão aglutinadas em 11 Espaços Temáticos, definidos a partir de ampla consulta às entidades que participaram das edições mundiais, regionais e temáticas. Os eventos programados seguem o princípio da autogestão: a entidade proponente cuida da dinâmica do encontro (FSM, 2005).

Teresa Cunha 2007

28

Do Pão e da Paz

Esta nova metodologia que implica a não existência de Conferências ou grandes eventos organizados centralmente, faz disparar o número de actividades que em cada Espaço Temático são levadas a cabo pelos movimentos sociais participantes. Depois da consulta é definido um espaço com a designação: ‘Paz e desmilitarização – luta contra a guerra, o livre comércio e a dívida’. A articulação destas matérias dentro do Espaço Temático é significativa. Por um lado corresponde à amplitude conceptual das agendas pacifistas e, por outro lado, reflecte a interpretação da realidade, acerca da paz e da guerra, que os movimentos sociais fazem do mundo contemporâneo. Também não é de excluir a hipótese que este enunciado seja fruto das discussões internas e que ‘acomode’ as tensões existentes entre o que é considerado causa e consequência do actual estado das coisas. De todo o modo, a ligação entre paz, liberalização dos mercados e a dívida mostra o quanto FSM interpreta a paz e a guerra vinculando estes conceitos ao modelo sócio-económico neoliberal em curso Neste FSM também existe uma inflexão assinalável presente neste enunciado. Se, anteriormente, as questões da guerra e da paz estavam sobretudo ligadas à democracia e à ordem democrática ou não do mundo, aqui, o mercado prevalece sobre o político. Nesta prevalência pode-se notar um ajuste ideológico que, por um lado, faz subsumir o debate sobre a democracia no âmbito da paz e da guerra e, que, por outro lado, dá o primado às condições económicas macro-estruturais. Esta nova formulação, pode pois, indiciar que o centro das discussões exclui, aquilo que do meu ponto de vista é primordial, e que está expresso na ideia de que lutar pela paz tem que assentar numa ordem mundial construída sobre princípios democráticos cosmopolitas e participativos. A ausência de democracia cosmopolita e de alta intensidade é causa da ausência de paz e não o contrário. Para mim, apesar de enorme

Teresa Cunha 2007

29

Do Pão e da Paz

presença de movimentos neste Espaço Temático, o enunciado representa um empobrecimento do conceito de paz tratado no FSM. Convém, contudo, analisar com mais detalhe o que aconteceu, por obra dos Movimentos Sociais neste Fórum. Neste espaço temático, ao longo de todo o FSM foram realizadas cento e cinquenta e cinco actividades (oficinas, seminários e grandes conferências), todas propostas e organizadas pelos movimentos sociais e que trataram temas como os seguintes: desarmamento; desmilitarização; mulheres e paz; a dívida; os tratados de comércio livre; cultura da paz e nãoviolência; conflitos regionais no Médio Oriente, Ásia e África; justiça global e paz; relações internacionais; reconstrução post-bélica; império neoliberal e guerra; direitos civis e políticos e guerra; conflitos urbanos; movimentos de paz; direitos humanos e paz; migrações; economia, desenvolvimento e segurança; direito internacional; investigação para a paz; paz em áreas de conflito; fé, mística e paz. Não cabe neste ensaio mas seria bastante interessante estudar os termos/discursos em que as oficinas, seminários, conferências e assembleias são anunciadas. O discurso que se refere aos conteúdos é ele mesmo muito significativo e merece uma atenção epistemológica especial para aprofundar o que está, de facto, inscrito nestas agendas pacifistas no FSM. A minha hipótese é que na, realidade, além de um grande ecletismo, existem lado a lado preocupações tão divergentes como a ‘paz interior e a fé’ e a ‘paz na Palestina ou na Libéria’. Isto pode querer dizer que na base o Movimento do FSM não apresenta uma só agenda mas múltiplas preocupações e prioridades ainda mal articuladas e com zonas de subalternidade de umas em relação a outras. Outra análise a fazer e que nos ajuda a compreender melhor como os movimentos pela paz/pacifistas se estão a reorganizar é a hermenêutica das organizações proponentes e como elas se articulam (ou não) entre si, como articulam (ou não) no seu interior diversas agendas e como as conectam com as questões da paz. Uma primeira leitura conduz-nos a

Teresa Cunha 2007

30

Do Pão e da Paz

uma ideia primeira: não são apenas os movimentos pacifistas que querem e tratam das questões da paz. São muitos e diversos os movimentos sociais que interpretam a sua luta, o seu protesto e a sua acção como sendo potencializadores de um mundo mais pacífico, tal como sindicatos, grupos de mulheres, movimentos educativos e outros (FSM, 2005). No entanto, a paz tem sido, efectivamente, um assunto incontornável na politica do FSM. De baixo para cima as agendas apresentam-se mais particularísticas, mais pulverizadas por espaços temáticos de acentuada diversidade e com poucas articulações. De cima para baixo, o discurso sobre a paz está continuadamente presente, apresenta-se como uma das meta-narrativas do FSM e está para além das inflexões que aparecem através de textos e enunciados orientadores como uma agenda global, tarefa e aspiração planetária. Desta pequena análise se destaca que, FSM após FSM, não só as agendas ‘pela paz e contra a guerra’ ocupam um espaço importante nas discussões das organizações e do Fórum em geral, como se amplificam os paradigmas interpretativos do conceito. De facto, desde 2002 que a paz aparece sempre referida e sempre como um horizonte das múltiplas utopias que o Movimento anuncia. É relevante o facto que, no Fórum em Mumbai (2004), o discurso de abertura de Arundhati Roy dedique uma parte importante à guerra e à paz e estabeleça uma relação directa entre o novo imperialismo neoliberal e a guerra, lembre a eficácia da estratégia de Gandhi na resistência não-violenta ao império britânico e afirme que as manifestações ocorridas por todo o mundo no dia 15 de Fevereiro de 2003 foram uma demonstração de public morality (Roy, 2004). Ao lugar central que a guerra tem no projecto imperial neoliberal, corresponde a um lugar primordial da paz na construção da resistência, alternativas e respostas contra esta ordem que se impõe à custa da justiça e a esta disciplina que se instala à custa da dignidade (Ibidem) dos Povos e da Natureza do Mundo. Em 2005, no Discurso de Encerramento a paz reaparece entre os principais valores que o FSM anuncia e pelos quais dirige a sua acção colectiva:

Teresa Cunha 2007

31

Do Pão e da Paz

Esta quinta edição do Fórum Social Mundial começou como expressão da diversidade planetária, polifonia de vozes que se encontram em desejos universais da tolerância, da justiça, da paz, da igualdade. E se encerra dentro desse mesmo espírito (2005).

Para os Movimentos Sociais Pacifistas, a experiência do FSM tem obrigado a discutir as prioridades, a rever as conexões, causas e efeitos das guerras e a entender que as novas militâncias pela paz têm um momento prévio que é a guerra à guerra. Do ponto de vista dos movimentos pacifistas lutar contra a guerra não é exactamente a mesma coisa do que lutar pela paz. Contudo o FSM tem revelado que para que a paz não se reduza a um conjunto de critérios de qualidade de vida interior e faça subsumir o debate sobre as injustiças sociais, o modelo de desenvolvimento, a democracia, o sexismo ou, ainda, os novos colonialismos, os Movimentos Pacifistas têm que procurar estender a sua acção a outros campos de acção política e sócio-económica. O FSM tem esta enorme virtualidade de ampliar a visão do Mundo e, com ela, a nossa hermenêutica crítica. No entanto, é bom lembrar que o FSM produz espaços de subalternidade que importa combater e que importa conhecer para combater. A paz que anuncia é ainda uma paz que nem sempre tem no seu cerne uma visão de justiça para todas/os e de harmonia com natureza.

Fórum Social Mundial Painéis e Conferências Mundiais9

2002 $Globalização e militarismo

2003 $Marcha da diversidade con-

2004 $Militarismo, guerra e paz

Não estão disponíveis os dados relativamente a 2001 e em 2005, como foi explicado acima não houve iniciativas centralizadas. 9

Teresa Cunha 2007

32

Do Pão e da Paz

$Geopolítica e geocultura: visões de uma nova ordem imperial $Guerra e paz: os instrumentos do direito internacional na regulação entre os países $A luta contra a guerra imperialista: desafio na construção do internacionalismo no início do século $Paz e trabalho

tra a guerra $Tambores e vozes pela paz

$Guerras contra as mulheres e mulheres contra as guerras

$Ordem mundial: soberania e o papel dos governos e da ONU $Estratégias democráticas para resolver conflitos internacionais

$A luta contra o neoliberalismo e a guerra; o seu significado para o FSM $A ocupação pelos USA do Iraque e o problema da Palestina e do Afeganistão

$Império, guerra e unilateralismo

$ Tribunal Mundial das Mulheres sobre os crimes de Guerra dos EUA $ Os instrumentos do imperialismo: Guerra, comércio e finanças $Dívida, livre comércio e militarização: a estratégia imperialista nas Américas e a resistência a ela $Combatendo o unilateralismo e reformando as Nações Unidas

$Terror de Estado

$Resistência à militarização

$Fórum um mundo sem guerras é possível

$Governação económica global e instituições internacionais

$Uma polícia democrática e cidadã para a construção da paz

$Cooperação democrática: integração, multilateralismo e paz $Contra a militarização e a guerra $Paz e valores $Como enfrentar o império $Globalização e militarização: obstáculos para desenvolver os países em desenvolvimento com foco específico na região árabe $Guerra contra o Iraque: estratégias de solidariedade internacional $Guerra contra o Iraque: impacto social, político e económico $Rede da Europa contra a guerra no Iraque $Em oposição às guerras do século XXI, como construir a paz entre os povos

Conclusão Ao longo do ensaio procurei contextualizar a discussão sobre os velhos e novos movimentos sociais no âmbito de uma análise sobre a ruptura do contrato social moderno em curso. Esta ruptura ocorre em pleno processo de globalização provocando uma alteração pro-

Teresa Cunha 2007

33

Do Pão e da Paz

funda das relações sociais a diferentes escalas e níveis. A ‘sociedade civil’ que emerge desta transição reorganiza-se e procura novas respostas para novos problemas e, pode-se dizer, a partir da literatura analisada que os Movimentos Sociais contemporâneos são uma das expressões mais interessantes da afirmação do princípio da comunidade na busca de novos paradigmas de reflexão e acção. Os movimentos pacifistas ou os movimentos pela paz são, em meu entender, um bom exemplo de reinterpretação do que é ou deve ser a acção colectiva, a discursividade como construção de identidades, a articulação entre as escala micro e macro, e até, entre uma abordagem mais político-estrutural e uma abordagem subjectivo-existencial da sociedade. Como fica demonstrado, as agendas pacifistas, no macro espaço que é FSM e que tem sido descrito como o espaço da globalização contra-hegemónica (Santos, 2005), as agendas pacifistas são múltiplas e conjugam preocupações que se centram na procura da obtenção de direitos positivos como o fim dos conflitos regionais, a anulação da dívida, a alteração dos tratados de livre comércio, o alargamento e respeito pelos direitos cívicos e políticos, entre outros, com preocupações pós-materialistas como a não-violência, a cultura de paz, a fé e a espiritualidade. Esta diversidade e até um certo sincretismo é sinal de uma realidade que, como diz Touraine, ‘quer mudar a vida’ e, como diz Melucci, é o ‘élan vital’ da sociedade. É claro que as distinções entre Novos e Velhos Movimentos Sociais só são úteis se elas nos ajudarem a compreender o que está a acontecer no nosso mundo. O caso dos movimentos pacifistas é paradigmático. Eles explicam-nos que não apenas o conceito de paz se alterou, de uma ideia de paz negativa, ou seja, ausência de conflito violento evoluiu-se para um conceito de paz estrutural e cultural na qual estão incluídas a cultura, a ética, a estética e as espiritualidades para além da justiça à escala global. Por outro lado, eles são um sinal da profunda alteração de modus operandi dos movimentos, da construção de outras relações de

Teresa Cunha 2007

34

Do Pão e da Paz

poder e de intervenção e mostram ainda as zonas cinzentas que ninguém sabe muito bem como tratar. Por estes motivos os movimentos pacifistas transformaram o seu discurso, reorganizaram-se e fizeram alianças. Hoje, falamos mais de movimentos pela paz, como se autodesignam no âmbito do FSM, do que em movimentos pacifistas. Isto, por si só, é muito significativo e revela a complexidade e, ao mesmo tempo, as ambiguidades inscritas nesta problemática. Tendo em consideração o mundo violento em que vivemos, povoado e vigiado por guerreiros, os movimentos sociais pela paz, têm, com certeza, dentro e fora do FSM, uma agenda intensa de luta pela frente e do passado não devem esquecer o seu forte internacionalismo e a compaixão humana. No presente devem continuar a testar a sua capacidade de lutar com todas/os, pôr em causa não apenas o militarismo e a militarização mas aquilo que os sustenta: uma outra era colonial, intensamente sexista e excludente apoiada na ausência de demo-democracias substantivas capazes de colocar em contacto pacífico e justo, Pessoas, Povos, Nações, Estados e a Terra.

Teresa Cunha Setembro de 2007

REFERÊNCIAS Adler, Glen, James H. Mittelman (2004), ‘Reconstituing ‘Common sense’ Knowledge: representations of Global protests’, International Relations, Vol. 18 (2), pp. 51-76. Aguirre, Mariano (2001), “Investigación para la Paz: un cambio de paradigma”, José Manuel Pureza (org.), Para uma Cultura de Paz. Coimbra: Quarteto, pp. 19-28.

Teresa Cunha 2007

35

Do Pão e da Paz

Cohen, Jean L. and Andrew Arato (1994), ‘Social Movements and Civil Society’, in Cohen, jean L. and Andrew Arato, Civil Society and political Theory. Cambridge: MIT Press, pp. 492-563. Dalton e Kuechler (1998), Los Nuevos Movimientos Sociales (recensão crítica de Antonio Algaba) www.ub.es/geocrit/b3w-73.htm (07-06-05). Downing, John (2001). Radical media: rebellious communication and social movements. London: Sage Publication. DPA - Danish Peace Academy; s/d; The History of Peace www.fredsakademiet.dk/library/paxbib/pax.htm (07-06-05). Drago, Ana (2004), Agitar antes de ousar: o movimento estudantil «antipropinas» – Colecção Saber Imaginar o Social. Porto: Edições Afrontamento. Fórum Social Mundial (2002), Um Outro Mundo é Possível - Programa Oficial, Porto Alegre: Comité Organizador. Fórum Social Mundial (2003), Um Outro Mundo é Possível – Programação 1, Porto Alegre: Comité Organizador & Conselho Internacional. Fórum Social Mundial (2003), Um Outro Mundo é Possível – Programação 2, Porto Alegre: Comité Organizador & Conselho Internacional. Fórum Social Mundial (2004), Programação http://www.forumsocialmundial.org.br/dinamic.php?pagina=programa_fsm2004_por (08-06-05) Fórum Social Mundial (2005), Um Outro Mundo é Possível – Programação 26, 27, 28. Porto Alegre: Comité Organizador. Fórum Social Mundial (2005), Um Outro Mundo é Possível – Programação 29, 30 31. Porto Alegre: Comité Organizador. Fórum Social Mundial (2005), Discurso de Encerramento http://www.forumsocialmundial.org.br/dinamic.php?pagina=encerra2005_por (09-06-05) Foweraker, Joe e UNRISD (2001), Grassroots Movements, Political Activism and Social Devel-

opment In Latin America - A Comparison Of Chile And Brazil

http://www.unrisd.org/80256B3C005BCCF9/httpNetITFramePDF?ReadForm&parentunid=DC22 E12D3F6AB4EB80256B5E004D27A8&parentdoctype=paper&netitpath=80256B3C005BCCF9/(ht tpAuxPages)/DC22E12D3F6AB4EB80256B5E004D27A8/$file/fowerake.pdf (07-06-05). Gianuca, Renato (2003), Começa o fórum 2004 http://midiaindependente.org/pt/blue/2003/03/249529.shtml (07-06-05). Gohn, Maria da Glória (1997), ‘Paradigma dos novos movimentos sociais’. In Teorias dos Movimentos Sociais. São Paulo: Edições Loyola, pp- 121-170. Grzybowski, C. (2003), Todos os mundos do FSM www.cidadania.org.br/editorias.asp?secao_id=104 (07-06-05). Kaplan, Esther (2002), A Hundred Peace Movements Bloom www.thenation.com/doc.mhtml%3Fi=20030106&s=kaplan (07-06-05).

Teresa Cunha 2007

36

Do Pão e da Paz

Melucci, Alberto (1996), Challenging codes: Collective action in the information age. Cambridge: Cambridge University Press. Mcadam D. (1999), Movimientos Sociales: Perspectivas Comparadas http://www.usc.es/econo/RGE/Vol.9_2/Galego/Movimientos%20Sociales.%20Perspectivas%20 Comparadas.pdf (07-06-05). Mendes, José Manuel (2004), ‘ Media, públicos e cidadania: algumas notas breves’, Revista Crítica de Ciências Socais, 70, 147-158. Moita, Luís (2001), “O que é o Pacifismo no nosso Tempo”, José Manuel Pureza (org.), Para

uma Cultura de Paz. Quarteto, pp. 20-39.

Offe, Claus; s/d. Challenging the Boundaries of Institutional Politics http:\\ssr1.uchicago.edu/NEWPRE/POLSOC98/Offe.html (07-06-05). Offe, Claus (1985), Disorganized Capitalism. Oxford: Polity Press. Rehn, E., Sirleaf, E.J., (2002), “Women, War and Peace: The Independent Expert’s Assessment on the Impact of Armed Conflict on Women and Women’s Role in Peace-building”. New York: UNIFEM. Rodrigues, Eugénia (1995), Os novos movimentos sociais e o associativismo ambientalista em Portugal, Oficina do CES, 60, Coimbra: CES-FEUC. Santos, Boaventura de Sousa (1999), A Reinvenção Solidária e Participativa do Estado, Oficina do CES, Coimbra: CES-FEUC. Santos, Boaventura de Sousa (2001), Tensões da Modernidade. Biblioteca das Alternativas. Porto Alegre: Fórum Social Mundial. Santos, Boaventura de Sousa (2002), Reinventar a Democracia. Lisboa: Gradiva. Santos, Boaventura de S. (2005), O Fórum Social Mundial: manual de uso. Porto: Afrontamento. Roy, Arundhati (2004), Do turkey’s enjoy thanksgiving? http://www.outlookindia.com/full.asp?fodname=20040124&fname=arundhati&sid=1 (07-0605) Siqueira, Sandra (2001), O Papel Dos Movimentos Sociais Na Construção De Uma Outra Sociabilidade http://www.anped.org.br/25/excedentes25/sandramariamarinhosiqueirat03.rtf (07-06-05). Touraine, Alain (1999), Iguais e Diferentes – Poderemos Viver Juntos?. Petrópolis: Editora Vozes. Verdaguer, Carlos (1993), Los Movimientos Sociales, De La Esperanza Al Desconcierto http://habitat.aq.upm.es/boletin/n3/acver.html (07-06-05). Vilela, Soraia (2004), A Nova Cara Do Pacifismo http://www.dw-world.de/brazil/0,3367,7176_A_789129,00.html (07-06-05).

Teresa Cunha 2007

37

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.