Do quarto de dormir para o mundo. Jovens e media em Portugal (draft livro). Gustavo Cardoso, Rita Espanha e Tiago Lapa

June 4, 2017 | Autor: Gustavo Cardoso | Categoria: Sociology, Media Studies, New Media, Youth Studies, Internet Studies
Share Embed


Descrição do Produto

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:01

Page 1

1

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:01

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

© Gustavo Cardoso, Rita Espanha, Tiago Lapa Direitos reservados por Âncora Editora Avenida Infante Santo 52 3.º Esq. 1350-179 Lisboa www.ancora-editora.pt [email protected] Capa:0000000000 Motivo da capa: 0000000000000 Edição n.º 000000 1.ª edição: 000000000000 Depósito legal n.º000000000000 Impressão e acabamento 000000000000000000000000 ISBN 0000000000000000000

2

Page 2

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:01

Page 3

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL 3

do quarto de dormir:do quarto de dormir

4

05-06-2009

18:01

Page 4

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:01

Page 5

GUSTAVO CARDOSO RITA ESPANHA TIAGO LAPA

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

5

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:01

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

6

Page 6

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:01

Page 7

CAPÍTULO 1 A CULTURA DO QUARTO DE DORMIR OS MEDIA NA VIDA QUATIDIANA DOS JOVENS

Nos dias de hoje, muitos pais poderão pensar que pouco conhecem dos seus filhos, o seu quotidiano poderá parecer estranho, e penetrar no seu mundo ou pelo menos entendê-lo poderá parecer uma tarefa hercúlea. Por exemplo, os jovens parecem tratar a linguagem quase como uma tecnologia que vai sofrendo actualizações constantes. A esta clivagem linguística junta-se a forma como os mais jovens alteram e brincam com a linguagem escrita nos telemóveis e nas conversas através da internet. As gerações mais novas têm crescido no meio de mudanças no domínio da interactividade da comunicação e no meio de um sistema de múltiplos produtores e distribuidores. Ademais, novas competências parecem estar a ser adquiridas intuitivamente pelos mais novos como a forma de explorar a interligação entre as várias realidades mediáticas e a forma de operar vários expedientes mediáticos simultaneamente. Longe parecem os tempos das longas brincadeiras na rua com brinquedos rudimentares, muitos feitos pelas próprias crianças. O que preenche a vida dos jovens de hoje parecem ser “engenhocas” electrónicas e as suas vidas parecem pulsar ao ritmo dos ecrãs da televisão, dos telemóveis ou dos computadores. As próprias conversas (offline) entre pares são muitas vezes guiadas por esses ecrãs, discutindo-se a telenovela da moda, as conversas do Messenger ou as mensagens de telemóvel enviadas. Deste modo, muitos pais poderão perguntar-se como poderão penetrar no mundo dos seus filhos. Quais serão os pontos de contacto, os interesses comuns que se poderão estabelecer entre pais e filhos? 7

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:01

Page 8

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

Em algumas gerações verificou-se uma mudança do público para o privado na vida e nas práticas das crianças e dos adolescentes. Tal mudança relaciona-se com dois processos: por um lado, com o declínio da “cultura de rua” e a retirada para a casa ou o apartamento, em especial, em contextos urbanos; por outro lado, com o declínio do convívio familiar em torno da televisão e dos media tradicionais, em geral, e a emergência da “cultura do quarto de dormir” (Livingstone 2002). Todavia, a televisão ligada às horas do jantar ou o visionamento do futebol em conjunto poderão ainda constituir pontos de convivialidade que persistem. Os pais mais jovens, também eles já socializados em ecrãs como a televisão ou computador, ou os mais receptivos à cultura mediática emergente poderão estabelecer outros pontos de contacto com a cultura mediática dos filhos. A ideia a reter aqui é que as práticas de convivialidade entre pais e filhos poderão no futuro passar da TV para os jogos de computador, por exemplo. Ademais, a internet também pode servir de ponto de contacto quando se ensina aos mais velhos os procedimentos quando eles precisam de algo. É num ambiente mediaticamente saturado que crescem os jovens, onde as escolhas sobre o que fazer e o que experimentar parecem crescer exponencialmente. A penetração dos media no quotidiano pode traduzir-se em novas formas de organizar práticas de tempos livres e de estudo. A utilização de vários media como a televisão, o telemóvel ou a internet, poderá de certa forma traduzir o dia-a-dia dos jovens nos seus espaços (casa, escola, outros). A organização, no tempo e no espaço, do uso dos media traduz ainda maiores ou menores graus de liberdade dos jovens, é um foco de negociação e de possível conflito com pais e educadores. Com o intuito de percebermos como os jovens utilizam os media no seu dia-a-dia vamos servirmo-nos de um jovem português chamado Afonso e da sua família, como exemplo do que será a utilização e organização dos media na vida quotidiana de uma família portuguesa comum. Contudo, o Afonso não é um jovem qualquer, como ele é uma personagem fictícia não podemos dizer que vê televisão tantas horas ou que navega na internet à noite. Antes, o Afonso terá uma certa probabilidade de ver televisão, de navegar na internet ou de ouvir música num leitor mp3. Por outras palavras, vamos tentar transformar o Afonso no reflexo do que serão as práticas mediáticas de um jovem típico português. Os media pertencem ao que se denominam de grupos de referência, por oposição aos grupos de pertença como a família, o grupo de amigos 8

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

A CULTURA DO QUARTO DE DORMIR

18:01

Page 9

- OS MEDIA NA VIDA QUATIDIANA DOS JOVENS

ou a escola. Portanto, os media, dadas as suas características e a sua poderosa rede de influência, constituem agentes socializadores de referência capazes de contrastar, complementar, potenciar ou anular a influência dos agentes socializadores de pertença como a família. Tanto os agentes de pertença como de referência cumprem funções muito importantes mas que poderão nem sempre coincidir. Deste modo, os jovens, em especial, aqueles mais socializados nas novas tecnologias, poderão constituir o pelotão da frente de uma nova cultura tecnossocial (Loader 2007). Este processo de deslocação cultural das crianças e adolescentes, pressupõe a socialização num contexto mediático marcado pela presença da internet e das comunicações móveis, e por espaços comunicacionais como o MySpace, o MSN Messenger, o hi5 ou as mensagens de telemóvel, que celebram a diversidade de estilos de vida, a divulgação ou a expressão pessoal. O conceito de deslocação sublinha os desencontros que se poderão desenhar entre grupos de pertença e agentes de referência. Por outras palavras, poderão verificar-se deslocações entre pais, educadores e jovens como o Afonso tanto transmissão de conhecimentos e valores como na partilha de culturas mediáticas e comunicacionais. Ademais, esse deslocamento poderá exacerbar algumas contradições na condição de ser “jovem”. Uma primeira contradição brota da situação transitiva dos jovens entre o estatuto de criança e o estatuto de jovem adulto, o “homenzinho”, senhor de si. Uma segunda contradição advém do usufruto de novos campos de liberdade num contexto de dependência financeira face aos pais. Muitos jovens vivem hoje ao abrigo de um verdadeiro sistema de protecção familiar, uma welfare family como nota Machado Pais: “economicamente dependentes dos pais, usufruem, porém, de autonomia existencial. Decoram o quarto a seu gosto, escolhem as suas roupas, decidem sobre os usos do tempo e sobre as companhias com quem andam”1. A natureza própria dos novos media, poderá trazer mudanças substanciais nas possibilidades e formas de mediação educativas por parte de pais e mães. A entrada dos novos media nos agregados familiares supõe um novo cenário nas relações de autoridade entre pais e filhos (Meyrowitz 1985). A experiência de mediação frente aos media tradi-

1Público,

5 de Março de 2007.

9

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:01

Page 10

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

cionais como a rádio ou a televisão baseia-se na experiência dos próprios pais como membros desde a sua infância da designada Geração TV. Porém, dá-se o paradoxo de que, frente a novos ecrãs como a internet, os jogos de vídeo, os telemóveis, etc., os jovens vão à frente no seu conhecimento e uso, facto que pode situar os progenitores em clara desvantagem. Inclusive, podemos questionar a sua autoridade para exercer qualquer mediação em certas situações (Sala and Blanco 2005). Muitas crianças e jovens descobrem e usam as inovações digitais antes dos seus pais; são elementos que formam parte quotidiana da sua vida e das suas actividades. Além disso, o Afonso e outros jovens podem diferenciar-se dos seus pais em relação às suas disposições e atitudes face aos media. As crianças e adolescentes, muitas vezes, percepcionam a internet e os computadores como algum lúdico, divertido, enquanto que os pais podem considerar esses meios de comunicação como realidades complexas, vinculadas ao status social, etc. Os pais do Afonso como muitos outros pais tendem a ter representações cuja dimensão comum é o uso mais instrumental da internet: meio de informação, comunicação e conhecimento, ferramenta de trabalho (Rivoltella 2006). A falta de conhecimentos dos novos media constitui, portanto, um primeiro condicionante da mediação familiar em relação às actividades mediáticas dos jovens. A utilização dos novos media como mais um palco de expressão da autonomia dos jovens poderá chamar ao de cima as contradições da condição juvenil na estipulação de ditos e interditos, de regras e controlos parentais. Através da utilização dos media, jovens como o Afonso poderão reclamar para si o direito à sua autonomia existencial, enquanto que os seus pais e educadores poderão reconhecer aspectos preocupantes no seu uso e recolocar os jovens na sua posição de dependentes. Ademais, as diferentes culturas mediáticas de pais e filhos poderão provocar elementos de incerteza na aplicação de regras. Como regrar aquilo que não se conhece ou se conhece pouco? Como discutir democraticamente ou fazer valer no seio familiar regras e prescrições quando se desconhece a cultura dos filhos? Neste contexto muitas regras poderão ser vistas como injustas pelos jovens e serem potenciadoras do conflito. É de sublinhar igualmente que estes fenómenos têm como pano de fundo, o processo mais global de questionamento dos valores, símbolos e autoridade que a família tradicional representa (Beck, Adam et al. 2000). Outro processo a ter em conta é a individualização e privatização 10

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

A CULTURA DO QUARTO DE DORMIR

18:01

Page 11

- OS MEDIA NA VIDA QUATIDIANA DOS JOVENS

dos tempos livres e dos espaços de lazer. O quarto dos jovens é uma arena onde é visível essa privatização dos tempos de lazer e onde se joga uma parte importante da conquista de liberdade e autonomia por parte das crianças e adolescentes. Apesar desta situação não ser propriamente nova, o quarto de dormir é um conclave privado onde se realiza cada vez mais todo um conjunto de práticas individualizadas ligadas aos media. Não podemos, todavia, dizer que a sala se tornou irrelevante enquanto espaço familiar comum na utilização dos media. A sala de estar continua a ser bastante relevante como espaço de lazer e de uso de vários media, porém, tem sofrido a concorrência de outros espaços domésticos mais privados. Na modernidade, a escola é a instituição que maior contribuição tem para a estruturação do tempo e das actividades no espaço dos jovens. Mas com a proliferação de novos media que possibilitam várias possibilidades de escolha e de utilização, a estruturação do tempo e do espaço do quotidiano juvenil tem sofrido alterações. Em casa e na escola a utilização e presença dos media é cada vez mais notada. Olhando para os espaços e os tempos de utilização dos media podemos assim perceber um pouco como os jovens organizam a sua vida quotidiana em torno dos media. Contudo, não podemos olhar para a utilização de vários media como algo claramente compartimentado. Para muitos adolescentes, não se trata de escolher o que “vou fazer agora”: ver televisão, ouvir música, falar no Messenger ou navegar na internet? Pelo contrário, muitos jovens, como o Afonso, utilizam vários media como a televisão, a rádio e a internet ao mesmo tempo. Além disso, é prática cada vez mais comum a integração de várias actividades. Por exemplo, o Afonso, enquanto vê uma telenovela juvenil, poderá comentar no Messenger, em tempo real, os acontecimentos da novela com a sua amiga Ana. A seguir, a Ana poderá perguntar ao Afonso se está a ouvir música, ao que o Afonso responde que sim e envia à Ana a música em mp3 que está a ouvir no momento. Por enquanto, a televisão apesar da crescente importância de outros media continua a ser o grande ecrã, que estrutura uma parte substancial do quotidiano dos jovens. O visionamento de televisão (que ocupa, em média, cerca de 15 horas semanais aos jovens) é ainda a principal actividade mediática dos jovens. Além disso, apesar da proliferação de leitores de mp3 ou do acto de ouvir música no computador, ouvir rádio continua a ser uma actividade relevante para os jovens portugueses (onde 11

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:01

Page 12

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

os jovens gastam cerca de 5 horas por semana). Durante a semana, o final da tarde, das 18 às 21 horas, é o horário habitual para ver televisão para 68,8 por cento dos jovens. Já a noite, das 21 às 24 horas, existe uma probabilidade de 47,1 por cento de o Afonso, como representante dos jovens portugueses, estar a ver televisão. Das 16 às 18 horas, a probabilidade de o Afonso estar a ver televisão é de 18,8 por cento e apenas 10 por cento de manhã, das 7 às 10 horas antes de ir para a escola. Poucos são os jovens que habitualmente veêm televisão no meio da manhã (das 10 às 13 horas) e durante a madrugada (das 24 às 7 horas da manhã). É durante o fim-de-semana que o Afonso mais vê televisão, contudo, neste período há uma ligeira diminuição da percentagem de jovens telespectadores que assistem televisão ao final da tarde e uma subida da percentagem daqueles que veêm televisão à noite. Os horários do meio do dia e da tarde assumem substancial importância durante o fim-desemana, visto que, respectivamente, 33,7 por cento e 46,8 por cento dos jovens declaram ver habitualmente televisão nesses horários durante os dias de descanso semanal. O período das 7 às 10 horas da manhã é ainda visto habitualmente por 23,2 por cento dos jovens como o irmão mais novo do Afonso, período onde habitualmente passam programas de teor infantil e juvenil. É de assinalar ainda que existe uma probabilidade de 9,8 por cento de o Afonso estar a assistir televisão de madrugada durante o fim-de-semana. Para parte das crianças e adolescentes, a televisão poderá tornar-se uma espécie de companhia ou de “ama” electrónica, em especial num contexto social onde é usual ambos os progenitores trabalharem. É durante o final da tarde e a tarde que há uma maior percentagem de jovens que veêm televisão sozinhos (25,3 por cento e 21,4 por cento respectivamente), sendo porventura estes os períodos onde muitas crianças já não têm aulas mas em que muitos dos pais e das mães continuam a trabalhar. No entanto, é de notar que entre o meio do dia e a noite verifica-se um aumento substancial da percentagem de crianças e adolescentes que veêm televisão acompanhados: durante o final da tarde chega mesmo aos 58,6 por cento dos casos e durante a noite aos 50 por cento dos casos. A importância do controlo da televisão por parte dos jovens está bem patente no facto de 60 por cento dos jovens inquiridos online declararem que têm televisão no quarto. De facto, 51,1 por cento dos jovens costuma ver televisão no quarto, mas a sala de estar continua a ser o sítio por excelência do visionamento de televisão visto que 81 por cento dos jovens 12

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

A CULTURA DO QUARTO DE DORMIR

18:01

Page 13

- OS MEDIA NA VIDA QUATIDIANA DOS JOVENS

declaram que aí veêm televisão. A cozinha é outro dos locais onde há uma percentagem algo expressiva de inquiridos (34,1 por cento) a ver TV. O facto de se verificar ainda que 59,2 por cento dos jovens inquiridos afirmam que têm televisão na cozinha e 56,7 por cento declara que os pais têm televisão no seu quarto, demonstra uma tendência para um uso independente dos aparelhos de televisão que se afasta do paradigma do seu uso familiar apesar da presença da televisão na sala de estar ser quase universal (92,9 por cento dos casos). Como seria de esperar há uma maior percentagem de jovens dos 16 aos 18 anos a ter televisão no quarto (62 por cento), o que é coerente com a sua maior autonomia, contudo não deixa de ser assinalável que 51,7 por cento dos jovens dos 9 aos 12 anos declarem ter o aparelho de TV no seu quarto. É ainda de notar que a percentagem de inquiridos que vê televisão na sala tende a diminuir um pouco com o aumento da idade o que poderá significar uma retirada do espaço familiar mais amplo em alguns casos. Inversamente, há uma maior percentagem de inquiridos dos 9 aos 12 anos a ver televisão no quarto dos pais. Mas apesar da persistente continuidade da presença da televisão no quotidiano dos jovens, a imagem da convivência em família em torno da “lareira electrónica” parece, hoje em dia, dar lugar à rede convivial, real e virtual permitida pela emergência dos novos media e das novas tecnologias da informação e comunicação (Espanha, Soares et al. 2006). Um dos exemplos dessa tendência é a utilização do computador e da internet, a par do telemóvel. Ainda que a televisão continue a ser o grande ecrã dos mais novos, muitos vivem e crescem rodeados de uma rede digital composta por vários ecrãs daí que Rivoltella (2006) designe a presente geração de jovens com a “geração dos ecrãs” em oposição a uma geração mais anterior cuja cultura mediática era dominada pelo grande ecrã da televisão. Um dos sinais da cultura do quarto de dormir onde centram vários ecrãs e media é ilustrado pelos seguintes dados: 39,3 por cento dos jovens afirmam que têm o computador no seu quarto, 31,5 por cento que o computador está no escritório e 13,5 por cento que está na sala de estar. Apenas 7,9 por cento afirma que o computador é portátil. É de assinalar que se verifica uma maior percentagem de rapazes com computador no quarto (43,8 por cento) do que raparigas (33,4 por cento), o que poderá demonstrar uma maior pressão por parte dos jovens do sexo masculino em ter um computador no quarto. Além disso, a percentagem de inquiridos com computador no quarto aumenta entre os es13

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:01

Page 14

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

calões etários mais velhos. Mais de metade dos internautas utiliza o computador mais de 2 horas por dia, durante a semana. Há uma maior propensão por parte dos internautas do sexo masculino e mais velhos para usar o computador mais horas. Sem surpresas, verifica-se ainda a tendência para haver uma maior utilização do computador ao fim-desemana. Jovens como o Afonso passam cerca de oito horas por semana, muito por força da utilização em casa. Há uma maior propensão por parte dos internautas do sexo masculino e mais velhos para usar o computador mais horas. Além disso, completando o panorama com dados do inquérito online, é de notar que 86 por cento dos jovens utilizadores referem que utilizam a internet preferencialmente em casa. Durante a semana 42,5 por cento dos jovens navega mais de duas horas por dia enquanto durante o fim-de-semana essa percentagem ascende para perto de 60 por cento dos inquiridos, portanto, a utilização da internet é maior durante o fim-de-semana. Sem surpresas constata-se que os rapazes tendem a ficar mais tempo na internet visto que 45 por cento dos inquiridos do sexo masculino ficam online mais de duas horas por dia em comparação com 39,5 por cento das raparigas. Este dado é coerente com o facto já descrito atrás de que também são os rapazes desta amostra que ficam mais tempo em frente ao computador. Claramente, há medida que os inquiridos são mais velhos, tendem a despender mais tempo por dia a navegar na internet. Durante a semana, quase 50 por cento dos inquiridos mais velhos passam mais de duas horas por dia ligados na internet, enquanto apenas 26,7 por cento dos inquiridos dos 9 aos 12 anos passam mais de duas horas online. Mais uma vez chamamos a atenção para o maior controlo e vigilância parental no que respeita à utilização quotidiana dos media. Durante o fim-de-semana confirma-se a tendência para serem os rapazes e os jovens mais velhos os que tendem a passar mais tempo online. A seguir vem a escola enquanto espaço de utilização habitual da internet, podendo constituir um meio essencial para uma maior democratização do acesso e difusão das novas tecnologias, em especial, da internet. De facto, 47,9 por cento dos jovens referem serem utilizadores da internet no espaço escolar. É ainda de referir a importância das redes familiares e de pares que 20,3 por cento refere que costuma entrar online a partir da casa de um amigo ou de um familiar. Ademais, os jovens internautas passam cerca de duas horas e meia noutros locais como a 14

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

A CULTURA DO QUARTO DE DORMIR

18:01

Page 15

- OS MEDIA NA VIDA QUATIDIANA DOS JOVENS

casa de familiares ou amigos ou em cibercafés. Apenas uma minoria dos jovens (8,3 por cento) utiliza ainda os serviços dos cibercafés. Os inquiridos mais velhos dos 13 aos 15 anos e dos 16 aos 18, com a sua maior autonomia, também costumam utilizar mais a internet nos cibercafés do que os inquiridos mais novos. Durante a semana, o período de utilização da internet mais popular é a tarde até às 20 horas com metade dos internautas (50 por cento) a declararem que costumam estar online durante esse período. Entre as 20 e as 22 horas a percentagem de jovens utilizadores decresce um pouco para os 43,5 por cento. É depois das 22 horas que se verifica uma quebra acentuada de utilizadores. Entre as 22 horas e a meia-noite a percentagem de utilizadores é ainda assim apreciável (21,8 por cento), mas apenas uma pequena percentagem costuma navegar na internet depois da meia noite (4,8 por cento). 12,6 por cento dos jovens declara que utiliza a internet durante todo o dia. A percentagem de inquiridos que utiliza a internet todo o dia cresce nos escalões etários mais velhos chegando aos 16,2 por cento entre os inquiridos dos 16 aos 18 anos. Sem surpresas, a utilização das 22 horas à meia-noite regista uma acentuada subida de utilizadores nos escalões etários mais velhos. 29,3 por cento dos inquiridos dos 16 aos 18 anos costumam utilizar a internet nesse período enquanto que apenas 2,5 por cento dos inquiridos mais novos utilizam a internet nesse período. Durante o fim-de-semana, é de ressaltar a subida da percentagem de jovens internautas que utilizam a internet durante todo o dia: de facto essa percentagem duplica, passando de 12,6 por cento durante a semana para 26 por cento durante o fim-de-semana. As actividades pela internet onde os jovens portugueses despendem mais tempo em casa, são as actividades lúdicas de jogar jogos, ouvir música e ver vídeos (pouco menos de três horas por semana). A pesquisa de informação na internet para a escola é igualmente uma actividade recorrente que ocupa aos jovens, em média, mais de duas horas por semana. Uma outra actividade de relevo é a participação em chats ou grupos de discussão via internet onde os jovens despendem, em média, mais de duas horas semanais. No seu espaço caseiro, os jovens gastam ainda, em média, quase uma hora e meia por semana a enviar e a receber e-mails. O Afonso também gosta de videojogos onde gasta, em média, cerca de uma hora por dia e cerca de sete horas semanais a jogar. Mas jogar não é necessariamente uma actividade isolada. Partindo do princípio que o Afonso é um jogador habitual, ele joga preferencialmente 15

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:01

Page 16

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

em casa, contudo, verifica-se uma probabilidade de 25 por cento de o Afonso dirigir-se habitualmente para casa de amigos para jogar. Muitos pais preocupam-se com questões como o isolamento social dos filhos. Porém, os jovens portugueses declaram que estão, em média, 15 horas semanais com a família. Além disso, os jovens reservam cerca de 12 horas semanais para estar com os seus amigos/colegas fora da escola. Quanto a actividades fora do sistema dos media, fazer exercício ou participar em actividades desportivas ocupa, em média, cerca de duas horas semanais, aos jovens. Para uma parte das crianças e adolescentes portugueses isto poderá significar que o desporto que praticam faz parte do currículo escolar. O Afonso como a grande maioria dos jovens portugueses (85,6 por cento) estuda no seu quarto. Cerca de metade dos jovens declara que tem um horário definido para fazer os trabalhos de casa e 42,2 por cento declaram que têm um horário estipulado para praticar desporto, passatempos e hobbies. Porém, o horário de sono é aquele que está definido pelos pais ou educadores para uma maior percentagem de crianças e jovens (61 por cento). O sono, a escola e os seus deveres e prática de desporto, de passatempos e hobbies são as actividades que mais contribuem para a estruturação do tempo dos jovens. Ainda assim um número apreciável de jovens declara ter um horário definido para estar com os amigos, ver televisão e estar com a família (38,2 por cento, 37,9 por cento e 33,5 por cento respectivamente). Mas importa também perceber as próprias percepções das crianças e dos jovens como agentes que reflectem sobre as suas próprias actividades. Perto de metade dos inquiridos (46,8 por cento) refere que retirou tempo à televisão para utilizar a internet, sendo aquela a principal “perdedora” para a internet. Contudo, não nos podemos esquecer que muitos jovens utilizam vários media em regime de multitarefa, isto é, veêm televisão ou estudam enquanto navegam na internet. O que se passa muitas vezes é que a televisão deixa de ser o principal foco de atenção para se tornar um “pano de fundo”. Cerca de um quarto dos inquiridos afirmam que retiraram tempo ao estudo para utilizar a internet e cerca de um quinto que retiraram tempo à família. Este último dado pode dar azo a alguns receios sobre o isolamento de alguns jovens que se “viciam” no uso da internet, contudo, a internet pode também significar um alargamento e aprofundamento das relações sociais que se estabelecem fora do seio familiar. Além disso, 21,1 por cento dos jovens referem ainda que retiraram tempo à consola de jogos, porém, menos do que 20 por cento 16

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

A CULTURA DO QUARTO DE DORMIR

18:01

Page 17

- OS MEDIA NA VIDA QUATIDIANA DOS JOVENS

afirmaram que retiraram tempo aos amigos, à leitura, ao lazer e tempos livres e ao desporto. É ainda curioso constatar que apenas uma pequena minoria (3,4 por cento) afirma ter retirado tempo ao namorado ou à namorada. Perto de um terço dos inquiridos afirma, contudo, que não retirou tempo a nada para usar a internet. Verifica-se uma ligeira tendência para as raparigas se afastarem menos daqueles com quem mantêm relações afectivas (família, amigos) em comparação com os rapazes, assim como há uma menor tendência das raparigas para retirarem tempo a actividades de lazer e tempos livres e ao desporto para utilizarem a internet. No cômputo geral, há uma percentagem superior de raparigas que declaram que não retiraram tempo a nada para usar a internet (35,1 por cento), do que de rapazes (30,1 por cento). Uma maior percentagem de inquiridos mais velhos revela que retiraram tempo à família (23,2 por cento), ao estudo (25,8 por cento) e à televisão (50 por cento). Por seu turno uma maior percentagem de inquiridos mais novos (25,8 por cento) retiraram tempo ao jogos, porém, é também entre os mais novos que há uma maior percentagem de inquiridos que declaram que não retiraram tempo a nada para utilizar a internet (39,2 por cento). A estruturação do tempo de estudo é um exemplo do controlo parental sobre os horários quotidianos e o uso dos media das crianças e dos adolescentes. Por exemplo, no inquérito realizado online, verificouse que mais de metade dos jovens inquiridos declara que tem um horário para estudar e que procura cumpri-lo. A maioria dos jovens inquiridos passa uma hora, ou entre uma a duas horas, a estudar e a fazer os trabalhos de casa. É entre os mais novos que há uma maior percentagem de jovens em que se faz mais sentir um controlo externo mais apertado de pais e educadores. Tal reflecte-se na própria organização espacial dos tempos de estudo. Por um lado, os mais velhos ganham uma autonomia existencial cada vez maior na organização do seu quotidiano e, em particular, na organização do seu tempo de estudo. Por outro lado, a importância do reduto do quarto enquanto local de estudo aumenta à medida que os jovens se vão tornando mais velhos. Nos mais novos, o estudo tende a ser mais acompanhado por pais e educadores, por vezes em espaços como a sala de estudo na escola ou o escritório, a cozinha ou a sala de estar em casa. Perto de 15 por cento passa mais tempo nos deveres escolares e apenas 8 por cento se furta a esses mesmos deveres. São claramente as raparigas quem mais se dedicam aos afazeres escola17

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:01

Page 18

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

res, pois não só há uma menor percentagem de raparigas que se furta a esses deveres (4,5 por cento em comparação com 10,7 por cento dos rapazes) como há uma maior percentagem de raparigas que dedicam mais tempo que os rapazes ao estudo. Mais de 50 por cento das raparigas dedica-se mais do que uma hora aos estudos. Há igualmente uma maior percentagem de inquiridos mais velhos que se furtam aos deveres escolares (11,7 por cento dos inquiridos dos 16 aos 18 anos em comparação com 1,7 por cento dos inquiridos dos 9 aos 12 anos). Esta clara diferença poderá advir-se ao já referido controlo por parte de pais e de educadores e de uma expectativa de que os mais velhos sejam capazes de ter a responsabilidade e a autonomia suficientes para organizar o seu próprio tempo de estudo. Contudo, é também entre os mais velhos, com maiores responsabilidades escolares que há uma maior percentagem de jovens a dedicar mais tempo de estudo. Como aponta Livingstone (2002), se os media mudaram nas últimas décadas, mudaram igualmente os contextos da infância e adolescência. Esta afirmação implica uma associação entre mudança tecnológica nos media e mudança no contexto social da infância que só começou a ser patente nas últimas décadas do século XX. Hoje em dia é difícil imaginar a nossa vida sem os vários media e tecnologias de comunicação que nos rodeiam. Para os mais velhos existe uma compartimentação entre o antes e o depois marcada pela expansão dos media e das novas tecnologias no nosso quotidiano. Mas para os mais jovens não existe o antes, é no depois que têm crescido. Chegados da escola, estudar e fazer os trabalhos de casa são actividades que têm uma evidente relevância para uma parte significativa dos jovens. Contudo, jovens como o Afonso têm ainda uma tendência geral para realizar um conjunto de actividades ligadas à utilização dos media antes do jantar: além de estudar e fazer os trabalhos de casa, ver televisão, enviar mensagens por SMS, usar o computador são as principais actividades que estruturam os tempos livres dos jovens antes de jantar, independentemente de ser uma actividade a que dedicam grande atenção ou uma actividade de fundo, como o ir espreitando o que se passa no ecrã da televisão. Não são actividades que se sobrepõe, mas que convivem essencialmente umas com as outras. O período depois do jantar é muitas vezes um tempo um pouco mais morto e de preparação para deitar. A actividade mais habitual, antes e depois do jantar, continua a ser, sem sombra de dúvida, ver televisão (97,1 por cento e 93,5 por cento respectivamente). Estudar ou fazer os trabalhos 18

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

A CULTURA DO QUARTO DE DORMIR

18:01

Page 19

- OS MEDIA NA VIDA QUATIDIANA DOS JOVENS

de casa é a segunda actividade mais recorrente, em especial, antes do jantar. Ouvir música é outra actividade bastante popular entre os jovens, antes e depois do jantar, assim como a utilização do computador. Pelo menos parte desse tempo passado à frente do computador é dedicado aos jogos. A leitura (de livros, revistas e banda desenhada) é mais frequente antes do jantar mas apenas para uma minoria de jovens (18,8 por cento, 17,1 por cento e 13,1 por cento, respectivamente). O Afonso faz parte de uma geração que habituou a utilizar o telemóvel, em especial, para enviar mensagens. Assim, é mais provável que no período antes e depois do jantar que o Afonso esteja a enviar uma mensagem para um amigo ou amiga do que a falar ao telefone. Estes resultados demonstram práticas mediáticas enraizadas e que muitas vezes se sobrepõem umas às outras. Tendo em conta os resultados do inquérito realizado online, são de assinalar diferenças de género. Supondo que o Afonso tem uma irmã chamada Carolina, que representa parte das jovens portugueses, ela tem maior probabilidade de gostar de ver televisão depois do jantar (34,5 por cento) que o seu irmão Afonso (24,5 por cento). Além disso, jovens raparigas como a Carolina têm uma maior probabilidade de preferir ouvir música (13,4 por cento), enviar SMS’s (5,6 por cento) e conversar com os pais e irmãos (2,6 por cento) do que os rapazes (8,6 por cento, 1,9 por cento e 1,8 por cento respectivamente). Por outro lado, o Afonso, como representante dos rapazes tem uma maior probabilidade de preferir os jogos de vídeo ou de computador (19,6 por cento) do que a sua irmã Carolina (3,9 por cento). Acrescente-se que a preferência pela televisão vai decrescendo nos escalões etários mais velhos (recolhe 36,1 por cento das preferências nos internautas dos 9 aos 12 anos e apenas 26 por cento dos jovens dos 16 aos 18 anos), enquanto que a preferência por ligar-se à internet aumenta entre os mais velhos (40,3 por cento entre os jovens dos 16 aos 18 anos e 37,7 por cento entre os internautas dos 13 aos 15 anos em comparação com 29,2 por cento dos rapazes e raparigas dos 9 aos 12 anos). Entre os adolescentes inquiridos online, a internet sobrepõe-se assim à televisão no campo das preferências. Jogar é outra actividade cuja preferência decresce à medida que aumenta a idade, enquanto que a percentagem de jovens que prefere ouvir música depois do jantar aumenta entre os mais velhos. Verifica-se uma centralidade do quarto dos jovens enquanto local privilegiado onde se realizam diversas actividades o que justifica a designação de 19

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:01

Page 20

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

“cultura do quarto de dormir” no que respeita ao usufruto dos tempos livres. Os jovens realizam um conjunto de práticas com os media, em simultâneo ou em exclusivo, utilizam o computador, estudam, veêm televisão, ouvem música entre outras actividades tudo no mesmo espaço físico do quarto. Isto também é sinal de novas formas de organização familiar e, em particular, da organização geográfica das actividades familiares. É de assinalar uma utilização cada vez mais privatizada de vários aparelhos, cada membro em potência poderá ter direito a ter o seu próprio telemóvel ou telefone, aparelho de televisão, computador, etc. O quarto torna-se assim cada vez menos um espaço onde apenas se dorme mas onde se realiza todo um conjunto de práticas ligadas aos media. Podemos mesmo dizer os sistemas dos media visíveis no espaço público têm invadido o espaço privado do quarto de dormir, em especial, nas novas gerações, projectando o quarto de dormir para um espaço público de informação e comunicação. Porém, se existe uma ligação entre mudanças no panorama mediático e mudanças na vida das crianças não podemos ver as primeiras como causas das segundas, sob pena de enveredar-mos por aquilo que se designa de determinismo tecnológico. Os contextos sociais da infância e da adolescência têm sofrido múltiplas influências desde mudanças no seio familiar como o declínio da sua estrutura patriarcal e a democratização das relações familiares, nos padrões de consumo, nos valores e nas identidades pessoais. As mudanças no panorama mediático e na infância devem ser vistos em paralelo como adverte Livingstone (2002). Além disso, o que está em causa é a forma como crianças e jovens efectivamente apropriam os medias e as tecnologias da comunicação e não o potencial impacto das mudanças tecnológicas. Outro risco que cabe aqui apontar é a tendência de traçar comparações abusivas entre o antes e o depois. Por exemplo, a convivialidade em torno dos jogos de computador poderá ter o seu paralelo na convivialidade em torno dos jogos de tabuleiro. Será mais útil percepcionar a introdução dos vários media e tecnologias da comunicação como parte de um processo mais longo e contínuo de inovação, difusão e apropriação dos vários media ao nosso dispor. Além disso, as próprias imagens e discursos e a imagem pública do que deve ser a vida e organização familiar que perpassam nos media recebem influências múltiplas que vão desde o discurso político, até às relações de género e às aspirações pessoais tanto dos adultos como dos jovens. Assim sendo, podemos imaginar uma “dupla hermenêutica”, isto 20

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

A CULTURA DO QUARTO DE DORMIR

18:01

Page 21

- OS MEDIA NA VIDA QUATIDIANA DOS JOVENS

é, uma comunicação ou diálogo de duplo sentido entre os media, por um lado, e as formas de convivência familiar, os estilos de vida e as aspirações de cada um, por outro. Uma forma de organização familiar que nos parecia natural como o modelo da família nuclear com o esposo/pai como chefe de família, a introdução de aspirações de consumo e a convivialidade em torno da televisão foi ela própria insinuada por essa “lareira electrónica” colocada no centro do lar. Nostalgicamente, podemos estranhar as mudanças que veêm alterar as formas “naturalizadas” de viver o quotidiano. Ou pura e simplesmente as mudanças não se encaixam nas nossas idealizações, que poderão não passar disso mesmo, do que deverá ser a organização da vida familiar. Resta saber se as formas emergentes de vida familiar irão elas próprias cristalizar e formar novas idealizações do que deverá ser a vida familiar no tempo em que o Afonso se tornar adulto.

21

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:01

Page 22

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:01

Page 23

CAPÍTULO 2 DA TECNOLOGIA À WEB 2.0 – CRESCER NA ERA DIGITAL

Na série de ficção científica Star Trek maravilhavam-se com as possibilidades permitidas pela tecnologias incorporadas na nave Enterprise. Entre as principais tecnologias imaginárias apresentadas pela série estão a capacidade de viajar para além da velocidade da luz, a teleportação e a capacidade de aceder a todo o tipo de informações, como que por magia, a partir do computador de bordo da nave. Todas estas tecnologias estão relacionadas com a conquista do espaço e consequente compressão do tempo. Volvidas mais de três décadas desde a estreia da série, ainda não podemos viajar pelo espaço sideral e visitar novos planetas ou teleportarmo-nos para o Japão numa fracção de segundos, mas podemos, hoje em dia, aceder, em qualquer computador ligado à internet, a um conjunto imensamente vasto de informações. Se para os indivíduos mais velhos esta tecnologia pode ainda parecer algo miraculoso como as tecnologias da série Star Trek, para jovens como o Afonso é algo com que podem contar naturalmente no seu quotidiano. A infraestrutura tecnológica da internet enquanto meio de troca de informações, de comunicação, remete para um projecto militar norteamericano. Quando a internet explodiu como meio de comunicação nos anos 90, qual supernova comunicativa, a sua infraestrutura, embora restrita, já existia e tinha sido pensada há pelo menos vinte anos. Para além dos avanços tecnológicos como a digitalização e o aparecimento da fibra óptica foi o imaginário de escritores de ficção científica como William Gibson, que cunhou o termo Ciberespaço, de informáticos, que delinearam 23

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:01

Page 24

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

protocolos de comunicação, e de produtores de conteúdos que mostraram as potencialidades da internet. Actualmente, a internet é muito mais que um mero repositório de todo o tipo de informações, é um espaço constantemente moldado por um imaginário colectivo, é um ciberespaço onde muitos comunicam com muitos, moldado por todos aqueles que queiram deixar algo de si naquele espaço imaterial e sem tempo, o espaço dos fluxos como lhe chama Manuel Castells (1996). É uma tecnologia de exploração de mundos, interiores e sociais, um espaço onde se confrontam identidades pessoais, onde se criam e reforçam comunidades, onde se exploram as fronteiras do “eu”, da apresentação da imagem pessoal. É igualmente uma tecnologia que, a par da digitalização, permitiu a confluência em rede de uma panóplia de conteúdos multimédia - texto, áudio, fotografia, vídeo. Deste forma, podemos vislumbrar um sistema dos media em rede (Cardoso, 2006), onde se articulam vários media que comunicam entre si. em torno de, baseada na internet. A internet, uma das redes mais influentes no sistema dos media contemporâneo, a par da televisão, tem criado nós com outras tecnologias de comunicação e informação como a rádio, a imprensa e o telefone. Ademais, os jovens têm crescido num modelo de comunicação que tem alterado, porventura, o modo como as pessoas se encaram umas às outras. (Livingstone 2002: 212) identifica ainda outras características chave que tornam os novos media, em particular a internet, algo distinto no sistema dos media. Identifica a hipertextualidade, que se distingue do fluxo comunicativo dos media tradicionais por possibilitar uma utilização dos conteúdos e uma leitura não linear ao sabor das hiperligações que captam a atenção dos usuários. Desta forma o fluxo comunicativo é aberto e plural, podendo seguir múltiplos caminhos que estão em constante mudança e actualização na rede. A rede é igualmente um ambiente anárquico deliberadamente baseado num princípio organizacional não-organizativo, passe a contradição, que desincentiva a formação de gatekeepers ou de formas de autoridade no fluxo comunicativo do emissor para o receptor. Além disso, a internet caracteriza-se por formas de comunicação diacrónicas mas cada vez mais por uma comunicação sincrónica, envolvida na compressão espacio-temporal da modernidade (Giddens, 1995). A comunicação nunca foi tão rápida, o que tem consequências para a noção de espaço e para a constituição de um espaço dos fluxos pós-geográfico. O actual modelo comunicativo tem removido o sentido de lugar ao discurso corrente, uma vez que a localização física 24

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:01

DA TECNOLOGIA À WEB

Page 25

2.0 – CRESCER NA ERA DIGITAL

se torna imaterial. Isso torna-se patente na redefinição dos conceitos de comunidade ou de interacção social num espaço pós-geográfico. O desenvolvimento actual da internet com que o Afonso tem crescido pauta-se, também, pela presença de múltiplos produtores, onde os jovens socializados nas TIC se veêm envolvidos na própria produção de conteúdos. O desenvolvimento de novas ferramentas com interfaces elaboradas e funcionais, que podem consideradas como desktops ou ambientes de trabalho online, têm permitido que utilizadores comuns, que até então não possuíam conhecimentos necessários para publicar conteúdo na Internet, disponham de ferramentas de uso simplificado para publicar ou aceder a informação de modo rápido e eficaz. O desenvolvimento de uma segunda geração de utilizadores, que tomam a internet como um dado adquirido no seu quotidiano, e de novos serviços baseados na plataforma Web, que permitem a publicação de conteúdos gerados pelos utilizadores, levou à cunhagem do termo Web 2.0 pela empresa norte-americana O’Reilly Media2. Os exemplos de aplicativos Web 2.0 incluem portais com conteúdo informativo, editorial e noticioso como a wikipédia, assim como aplicativos que visam gerar comunidades, seja através de portais de redes sociais como o hi5 ou o Facebook, seja através de comentários em páginas da internet e blogues. A noção de Web 2.0 reconhece as limitações do determinismo tecnológico nas transformações sociais recentes e que evidencia o papel dos utilizadores na apropriação das novas tecnologias da informação e comunicação. Não basta esperar que as novas ferramentas tecnológicas

2

O conceito de Web 2.0 não se impôs sem críticas. Especialistas como Tim Berners-Lee, o inventor da World Wide Web, discordam do termo Web 2.0, alegando que é demasiado extenso, subjetivo, abrangente e vago. Nomeadamente, é consideram que não existe uma segunda geração de aplicativos Web, mas somente uma evolução natural de componentes tecnológicos previamente desenvolvidos, promovida pela expansão da banda larga e pelo grande aumento no número de utilizadores da internet. Para esses críticos o termo Web 2.0 de um conceito de marketing (buzzword) dos agentes envolvidos na nova vaga de negócios e investimentos de alto risco na internet. Porém, estas criticas baseiam, largamente, na dimensão tecnológica do termo. Julgamos que o termo faz sentido se nos focarmos nas novas formas de apropriação social da internet, isto é, atendendo à forma como os utilizadores, em particular os jovens, encaram, hoje em dia, as possibilidades dos aplicativos presentes na internet e como incorporam essas possibilidades nas suas experiências pessoais.

25

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:01

Page 26

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

sejam apropriadas de forma mais ou menos passiva pelos utilizadores. A indústria que se gerou em torno da internet e os developers (desenvolvedores) de aplicativos Web está hoje ciente que é necessário levar em linha de conta os diversos modos como a internet é encarada pelos utilizadores e tornar a sua utilização numa experiência mais pessoal, onde cada um poderá contribuir para o seu crescimento e desenvolvimento. Do ponto de vista do desenvolvimento de aplicativos, a estratégia essencial é desenvolver serviços que aproveitem a chamada “inteligência colectiva” e os efeitos da rede para serem constantemente melhorados à medida que forem cada vez mais utilizados. Esta estratégia engloba o princípio do aplicativo em beta perpétuo, ou seja, o software não é encarado como um artefacto digital acabado mas como um processo que chama a si o comprometimento e o envolvimento constante dos utilizadores para o seu melhoramento através de sugestões ou de chamadas de atenção relativas a erros. As recentes tecnologias presentes na internet têm contribuído para aumentar a velocidade e a facilidade de uso de aplicativos, e estão por base do aumento significativo nos conteúdos existentes, quer sejam colaborativos ou meramente expositivos, respondendo às procuras sociais dos usuários. Mesmo quando o conteúdo não é gerado pelos utilizadores, existe a possibilidade de interactividade e de enriquecimento por parte dos usuários através, por exemplo, da personalização de páginas e dos conteúdos que chegam aos utilizadores ou da filtragem de informação que um dado usuário considera relevante. Os aplicativos Web podem igualmente ser encarados como uma espécie de pequenas peças de lego, frouxamente unidas entre si e que podem ser reutilizadas por qualquer pessoa, inclusive para se fazer outro programa. Utilizadores como o Afonso podem ser o elemento que une essas peças, por exemplo, adicionando na sua página pessoal no portal hi5, aplicativos que passam música, fotos ou videoclipes. A emergência da Web 2.0 tem, portanto, fomentado, através de aplicativos desenvolvidos para o efeito, a produção de conteúdos gerada pelo consumidor (Consumer-Generated Media ou CGM), seja através da publicação de experiências pessoais, opiniões, textos criativos e comentários a notícias ou através da publicação de vídeos e fotos captados pelo telemóvel ou pela câmara fotográfica digital. Os conteúdos gerados pelo consumidor estão presentes na Internet em comentários, fóruns, lista de discussões, blogues e fotologs, comunidades ou sites participativos como o YouTube ou a própria Wikipédia. Com a difusão desses 26

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:01

DA TECNOLOGIA À WEB

Page 27

2.0 – CRESCER NA ERA DIGITALL

conteúdos, a vox populi ou as opiniões que passam de boca em boca podem ganhar assim uma nova dimensão, com um poder de influência que poderá ser tendencialmente maior que a influência dos media tradicionais (TV, rádio, jornais impressos) na formação da opinião e discussão públicas. No entanto, mesmo esses media tradicionais têm incorporado com mais veemência essas lógicas de participação, quer nos seus espaços de difusão tradicionais quer na sua presença online. Jornais com presença na internet como o Público, o Expresso ou o Correio da Manhã têm chamado a si o envolvimento de cidadãos comuns no desenvolvimento de práticas de Jornalismo Participativo ou Jornalismo Cidadão, através de comentários, de fóruns de discussão, da publicação de fotografias e outros conteúdos ou da hiperligação a blogues dos leitores3. A participação dos usuários comuns é efectuada até na forma como são classificados os conteúdos presentes na internet através de marcadores (ou tags, no original em inglês). Desta forma surgiu aquilo que se poderá designar de folksonomia, expressão sugerida pelo arquitecto da informação Thomas Vander Wal. Esta expressão é uma junção do termo taxonomia com a palavra folk, a palavra da língua inglesa que remete para aquilo que é popular, que vem da pessoa comum. A folksnomia é, portanto, um método de classificação construído a partir das classificações feitas pelos próprios utilizadores. Isto promove uma construção social alargada e constante das classificações a partir da linguagem própria das comunidades online. Sítios como o del.icio.us, o flickr ou o youtube são reconhecidos casos de sucesso na utilização dessa forma de classificação popular. Igualmente, a rede social last.fm, que disponibiliza música online, usa a folksonomia para classificar faixas, artistas ou bandas musicais. A par destas inovações, a internet era e é, desde a sua popularização, um espaço onde os jovens brincam com a linguagem textual, incorporando anglicismos e inovações ortográficas, à margem dos formalismos da língua portuguesa. Para pais e educadores esta é uma linguagem críptica, uma novilíngua, para usar o termo de Orwell, presente nos chats e nos serviços de mensagens instantâneas, que poderá consti-

3

A evolução destas práticas poderá dar lugar a um Jornalismo de Fonte-Aberta (Open-Source), com a publicação e edição de conteúdos jornalísticos por parte dos utilizadores comuns, que poderá tornar-se cada vez mais comum na internet.

27

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:01

Page 28

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

tuir uma ameaça ao uso correcto da língua. Mas para os jovens os usos personalizados, distintivos e originais da linguagem no espaço dos fluxos são uma forma de partilhada entre os pares, um meio de separar o nós dos outros, reforçando a coesão de um grupo, transmitem uma certa imagem pessoal e são incorporados nos modos de construção da identidade juvenil na rede. No que respeita à utilização da internet pelos jovens podemos distinguir várias dimensões de análise presentes ao longo deste capítulo: os perfis e as práticas individuais e geracionais da fruição da internet; a conectividade na comunicação mediada por computador e as redes de relações sociais online; a dimensão simbólica e a construção da identidade na rede; as emoções, a personalização e as experiências pessoais; e as percepções sobre as potencialidades e os riscos envolvidos na utilização da internet. Estas dimensões não deverão ser vistas como estanques, são antes instrumentos analíticos com várias intersecções entre si.

A socialização na internet – perfis quanto às práticas mediáticas no que respeita à utilização da internet pelos jovens portugueses Cardoso (2006) distingue diferentes gerações consoante as suas representações face aos media e as concomitantes práticas ou dietas mediáticas. Neste âmbito, a utilização da internet é dos factores que mais contribui para essa diferenciação geracional. A valorização da internet aumenta nas gerações que conviveram com a internet na sua infância e adolescência. A primeira geração informacional corresponde aos indivíduos nascido entre a segunda metade dos anos 60 e o final dos anos 70, que conheceram os primeiros computadores pessoais. A geração do Afonso, que engloba os jovens nascidos nos anos 80 ou posteriormente, é designada por Cardoso de segunda geração informacional, que cresceu e tem crescido desde a sua infância com os computadores em rede e com a massificação do acesso à internet. Neste âmbito, os respondentes online começaram a utilizar a internet a partir dos 10 ou 11 anos e será de prever que a idade média com que as crianças começam a utilizar a internet diminua ainda mais no futuro. É para esta geração que a internet tem tendencialmente maior significado nas suas vidas quotidianas. 28

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:01

DA TECNOLOGIA À WEB

Page 29

2.0 – CRESCER NA ERA DIGITAL

Os jovens da segunda geração informacional, em particular as crianças e jovens que ainda se encontram no sistema de ensino, caracterizam-se também por partilharem a casa com a escola ou a universidade como pontos complementares de acesso à internet. De facto, entre os respondentes do inquérito presencial, cerca de 35 por cento começou a utilizam a internet em casa, mas metade começou a utilizar na escola. Este dado reforça a ideia de que a escola tem um papel muito importante no combate à info-exclusão dos jovens portugueses, dando a oportunidade de estes se familiarizarem com as novas tecnologias ou servindo como complemento ao acesso em casa. Entre os inquiridos online, verifica-se que a maior parte (86 por cento) costuma utilizar a internet em casa e quase metade (47,9 por cento) usa a internet na escola. Olhando para os dados do inquérito presencial, aufere-se a importância da escola na aprendizagem e socialização dos jovens nas novas tecnologias visto que 51,4 por cento dos jovens afirmam que tiveram o seu primeiro contacto com a internet na escola. Já 35,8 por cento começaram a utilizar a internet em casa. Uma minoria de 7 por cento dos jovens afirmam ainda que começaram a ter contacto com a internet na casa de outras pessoas e 2,3 por cento dizem que foi num cibercafé que começaram a navegar na rede. Pouco mais de 1 por cento dizem que começaram a ter contacto com a internet numa biblioteca pública. Não se verificam grandes clivagens entre os sexos, apenas é de registar uma maior percentagem de raparigas que começaram a utilizar a internet na escola (56,2 por cento) do que de rapazes (47,3 por cento). Por seu turno, perto de 10 por cento de rapazes começou a utilizar a internet em casa de outras pessoas em comparação com 3,7 por cento de raparigas. Os jovens dos 16 aos 18 anos registam a menor fracção daqueles que começaram a utilizar a internet na escola (46,1 por cento), enquanto que nos outros escalões etários essa percentagem situa-se à volta dos 55 por cento. Mas observa-se igualmente uma maior percentagem de inquiridos os mais velhos que começaram a utilizar a internet em casa de outras pessoas (9,3 por cento), porventura, por explorarem a sua rede de contactos ou de relações íntimas para se iniciarem na internet. Cardoso chama também a atenção para o facto de a internet poder servir de canal de aproximação entre gerações, embora cada geração possa ter os seus próprios motivos. Deste modo, para a segunda ge29

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:01

Page 30

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

ração informacional em que o Afonso se insere, a internet pode conferir um poder simbólico ao inverter as relações de poder no seio familiar. Isto passa-se quando o Afonso ensina os pais a utilizar as novas tecnologias, invertendo assim a relação tradicional entre pais (educadores) e filhos (receptores). As crianças e adolescentes inquiridos online tendem a considerar-se os peritos da internet em casa (em 73,8 por cento dos casos), embora a fracção de inquiridos que afirma ser quem mais sabe de internet em casa decresça bastante entre os mais novos, situando-se nos 41,7 por cento. Mesmo entre os utilizadores que responderam ao inquérito realizado presencialmente, mais de 90 por cento consideram que as suas capacidades de utilizar a internet são pelo menos razoáveis e perto de 60 por cento afirma que são os próprios quem utiliza mais frequentemente a internet. A discrepância de conhecimentos pode acarretar tensões nas relações familiares e inverter um pouco as relações de autoridade e de domínio do conhecimento em casa. A motivação da gerações mais velhas, não informatizadas durante a sua adolescência, prende em penetrar numa realidade de que pouco conhecem, perceber o que fazem os seus filhos ou netos na internet, e procuram funções essencialmente instrumentais nas novas tecnologias da informação e comunicação. No entanto, apesar de a internet poder ter essa função de aproximação entre gerações nalguns lares portugueses, a realidade dos dados mostra-nos que a sua utilização é uma prática essencialmente individualizada. A maior parte dos jovens navega na internet sem companhia e quando a utilizam acompanhados é mais provável que estejam com amigos ou amigas. A presença da família, em termos gerais, não se faz sentir tanto. Porém, em comparação com os respondentes do inquérito presencial, fracções bastante apreciáveis de jovens internautas inquiridos online declaram que partilham a ligação da internet com os irmãos e com os pais. Ou seja, pertencem a lares onde a utilização da internet é comum entre vários membros do agregado familiar. Assim sendo, nesses lares podemos falar de um elevado capital cultural no que respeita à utilização das novas tecnologias. Nalguns lares também poderemos suspeitar que a iniciativa da instalação da internet poderá ter partido dos pais, em especial, nos lares dos inquiridos mais novos. Todavia, em termos gerais, a aprendizagem da utilização da internet efectuou-se em re30

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:01

DA TECNOLOGIA À WEB

Page 31

2.0 – CRESCER NA ERA DIGITAL

gime autodidacta para a maioria dos jovens. Por outras palavras, a presente geração de adolescentes teve de explorar por sua iniciativa própria como utilizar as novas tecnologias. Para além de diferenças geracionais importantes, é de assinalar diferenças entre os próprios jovens inquiridos que não se mostram como um grupo homogéneo. Entre os jovens inquiridos há dois tipos de perfis quanto às práticas mediáticas, em particular, no que respeita à internet. Os jovens demonstram diferentes info-literacias, o que espelha diferenças de recursos nos lares portugueses, quer em termo de capital económico como em termos de capital cultural e, podemos acrescentar, capital informacional. Enquanto que o capital económico refere-se ao recursos financeiros disponíveis na família e ao lugar que ocupam no mercado de trabalho, o capital cultural refere-se às credenciais escolares dos pais. Podemos caracterizar o capital informacional numa família considerando duas dimensões interligadas: uma mais cultural, referente à info-literacia e às práticas mediáticas dos pais ou da família de origem, em geral; e outra mais material, referente ao ambiente mediático presente em casa. Quanto ao ambiente mediático no lar, podemos distinguir, seguindo a tipologia de Livingstone (2002), três tipos de lares: 1) casas pobres em média, onde a presença dos media em casa é escassa (por exemplo, resumindo-se à presença da televisão e/ou da rádio), quer seja por razões económicas quer seja por opção; 2) casas tradicionais, onde estão presentes todos ou a maior parte dos media tradicionais como a televisão, a rádio, a aparelhagem estéreo ou o vídeo; 3) casas ricas em media, onde estão presentes uma panóplia variada de dispositivos desde os media tradicionais aos novos media como a consola de jogos, o computador com acesso à internet, o leitor mp3, a TV por cabo e multimédia, etc Os adolescentes inquiridos online são, sem dúvida, os que demonstram um maior arcaboiço no que respeita à familiarização e utilização de computadores e da internet. Um segmento significativo de jovens respondentes a nível nacional evidencia muito menos competências e conhecimentos no que respeita à utilização da internet. No inquérito nacional, apura-se que cerca de 70 por cento 31

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:01

Page 32

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

dos jovens são utilizadores da internet, mas entre estes, pouco mais de metade têm acesso à internet em casa. O que é um claro contraste com os dados apurados no inquérito online, onde perto de 90 por cento dos respondentes possuem ligação à internet em casa, que é o local privilegiado de utilização da rede. Entre os usuários da internet 53,2 por cento tem acesso à internet em casa, mas, no total da amostra, a fracção de jovens inquiridos com acesso à internet em casa é de apenas 39,9 por cento. Recorde-se que a percentagem de inquiridos no inquérito online que possuem ligação à internet em casa é mais de duas vezes maior que aquela. Portanto, temos aqui uma clara clivagem entre os inquiridos no inquérito face-a-face, que reflectem uma realidade próxima daquilo que acontece a nível nacional e os inquiridos online, largamente socializados nas TIC. 51,2 por cento dos inquiridos no inquérito nacional dizem ter acesso na escola, o que é uma percentagem bem mais próxima daquela verifica entre os jovens inquiridos online (47,4 por cento). Entre os utilizadores da internet, a percentagem de inquiridos que usa a internet na escola ascende aos 73,9 por cento. A percentagem de usuários na escola é assim cerca de 20 por cento superior à fracção de utilizadores em casa. No geral, a escola tornou-se num espaço muito importante de integração e socialização dos jovens nas novas tecnologias da informação e comunicação, sendo portanto, um meio essencial de combate à info-exclusão de parte da população jovem. Entre os sexos não há grandes clivagens a registar, apenas que há uma percentagem maior de inquiridos do sexo masculino que utiliza a internet noutros locais sem ser a casa, a escola ou o trabalho (27,5 por cento) em comparação com 15,8 por cento das jovens usuárias. Também entre as faixas etárias não há diferenças muito discrepantes. Contudo, verifica-se entre os jovens mais velhos 56,4 por cento de usuários em casa, a maior fracção registada, enquanto que a menor fracção está entre os inquiridos dos 13 aos 15 anos (49,3 por cento). Também é entre os inquiridos nesta faixa etária, a menor fracção de usuários da internet noutros locais (15,9 por cento) , porém, é onde se verifica a maior percentagem de utilizadores na escola (78,9 por cento). A dimensão da info-exclusão por parte daqueles que não têm acesso à internet em casa é melhor avaliada com os seguintes dados: entre esses jovens, apenas 18,5 por cento afirmam que têm hipótese de ter acesso à internet em casa, os restantes 81,5 por cento negam essa possibilidade. 32

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:01

DA TECNOLOGIA À WEB

Page 33

2.0 – CRESCER NA ERA DIGITAL

TABELA 21 EM QUE LOCAIS TEM ACESSO À INTERNET

(INQUÉRITO PRESENCIAL) N

%

Em casa No trabalho Na escola Noutros locais

104 1 145 43

53,2 0,5 73,9 22,0

Total de utilizadores

196

100,0

Entre os jovens não utilizadores, a grande maioria, que corresponde quase a 80 por cento, sabe o que é a internet. A principal razão adiantada para a não utilização da internet é a falta de um computador pessoal. Apenas uma pequena minoria jovens que não usam a internet declaram que os motivos se prendem com a falta interesse na sua utilização ou porque não lhe reconhecem utilidade. São igualmente bastante minoritários os jovens que acham que não irão utilizar a internet no futuro. A nível nacional, os dados demonstram que a escola é um local com uma importância estratégica quanto ao desenvolvimento e promoção da infoliteracia de vastos sectores da população juvenil que não têm acesso à internet em casa, nem têm hipótese de o obter. A grande maioria dos jovens usuários da internet, inquiridos face-a-face, são utilizadores regulares da internet: um pouco mais de metade utiliza a internet pelo menos 3 vezes por semana e cerca de 85 por cento utiliza-a pelo menos uma vez por semana. Além disso, metade dos utilizadores já usam a internet há mais de dois anos. Para aqueles que têm internet em casa as principais formas de ligação são por cabo ou por ligação ADSL. As actividades mais populares na rede entre os jovens portugueses inquiridos são receber mensagens de correio electrónico, consultar bibliotecas, enciclopédias, dicionários e atlas na rede ou procurar informação relacionada com os estudos. As actividades mais lúdicas são praticadas por percentagens bem menores de jovens e, de um modo geral, verifica-se uma heterogeneidade de interesses e de formas de utilizar da internet jovens. Navegar pela internet sem objectivos concretos e jogar online são outras actividades bastante relevantes entre os jovens. Outras actividades que se prendem com as relações sociais dos jovens como participar em chats, comunidades virtuais ou newsgroups, com33

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:01

Page 34

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

binar ou marcar saídas com os amigos ou contactar os amigos na rede quando estão desanimados são também assinaláveis. De facto, ao contrário do medo que pais e educadores poderão sentir em relação a um possível isolamento social dos adolescentes que poderá advir da utilização da internet, uma das principais utilizações sociais da rede é a interacção e comunicação, ainda que mediada, com os pares que os jovens conhecem da escola e de outros contextos. E a internet faculta ainda novas possibilidades de partilha e novas formas de interacção que são exploradas pelos jovens em actividades como enviar ficheiros e fotografias, ou em sítios na internet que criam uma rede essencialmente de amigos, mas também de colegas, desconhecidos ou de grupos de interesse. Na rede criou-se assim um mundo social em rede, paralelo ao existente offline, um mundo social auto-regulado, que emergiu pela própria iniciativa dos usuários, muitas vezes, sem regras formais mas com modos de conduta e normas próprias, mesmo que implícitas. Ouvir rádio através da internet ou consultar blogues são também práticas mencionas por percentagens relevantes de jovens. Quanto a ouvir rádio na internet prevê-se que seja uma actividade cada vez mais comum, remetendo para as questões da integração dos media e de novas formas de difusão de médias tradicionais. Os blogues representam de facto novas possibilidades de expressão e também de interacção sendo que um dos principais temas de consulta, para além do entretenimento, é a vida pessoal de um círculo restrito de pessoas e a principal forma de chegar a um blogue é através de avisos de amigos. Contudo, apenas 40 por cento dos inquiridos a nível nacional sabem o que é um blogue e dentro dos que sabem da sua existência apenas 20 por cento mantêm um, o que é um indicador que os distancia claramente dos respondentes online, entre os quais mais de metade já fez um blogue. Claramente, os inquiridos face-a-face a nível nacional tendem menos do que respondentes online a navegar ou interagir na blogosfera. Os dois públicos diferenciam quanto à utilização internet e quanto ao próprio conhecimento das possibilidades que a internet proporciona. Outra forma bastante importante de comunicar com os pares através da rede é a utilização de serviços de mensagens instantâneas como o Messenger. Normalmente, os seus usuários recorrem a esses serviços diariamente ou com bastante regularidade e comunicam essencialmente com os seus amigos ou pares que conheceram em contextos fora da rede. A comunicação com familiares também é relevante, embora, muito 34

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:01

DA TECNOLOGIA À WEB

Page 35

2.0 – CRESCER NA ERA DIGITAL

menos do que a com os amigos. São utilizados por uma fracção relevante de inquiridos para combinar encontros, o que revela formas de interacção entre o que se passa online e o que se passa offline. A comunicação pelo Messenger constitui também uma forma de apresentação da identidade juvenil, que é feita através de personalizações. Essas personalizações servem na maior parte dos casos para demonstrar o estado de alma ou uma causa ou ideia, para os jovens se exprimirem através de fotos ou imagens, de mensagens com citações favoritas, frases pessoais ou pensamentos ou pela partilha das músicas que estão a ouvir. Serviços como o Voice over IP (VoIP), que poderão constituir uma alternativa ao telefone, são apenas utilizados por uma minoria dos internautas que ronda os 20 por cento. A utilização de outros serviços como a compra de produtos, pagar contas através da internet ou a utilização de serviços de home-banking ainda é muito rara entre os jovens portugueses e é alvo de vigilância e controlo dos pais. Como foi dito os jovens que responderam ao inquérito online, constituem, na generalidade, um público com mais competências informáticas e mais familiarizado com a internet. Praticamente todos estes jovens têm computador em casa e verifica-se mesmo uma fracção bastante apreciável de inquiridos, que corresponde a 40 por cento, que declaram ter dois ou mais computadores em casa. Pode-se presumir que em parte destes jovens o computador já permeia o seu ambiente mediático da mesma forma como acontece com outros media, nomeadamente, a televisão e o telemóvel, que são reclamados pelos vários membros do agregado familiar. Em alguns sectores profissionais, em que o computador é uma ferramenta de trabalho, os pais utilizam os seus próprios aparelhos, enquanto que os filhos reclamam para si o seu próprio computador. Mas no panorama nacional, olhando para os dados do inquérito presencial verifica-se que na grande parte dos lares dos respondentes com computador, que correspondem a uma percentagem de 87 por cento, o mesmo computador é partilhado com outros membros do agregado familiar. Portanto, ainda estamos longe de um cenário em que cada membro do agregado familiar tem o seu próprio computador, ao contrário do que já acontece com o telemóvel. A utilização de novas ferramentas pedagógicas, como enciclopédias multimédia, software de processamento de texto, busca de informação útil em páginas na rede é uma realidade bastante presente entre os respondentes online e que permeia as suas tarefas escolares. Quase a tota35

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:01

Page 36

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

lidade dos inquiridos afirmam que usam um processador de texto para fazerem os seus trabalhos da escola e quase três quartos apresentam trabalhos através do PowerPoint ou de páginas Web, uma realidade que é diferente comparada com outros segmentos juvenis e com aquilo que acontecia há mais de 10 anos atrás. São um tipo de utilizadores que tiram mais partido de novos expedientes de aprendizagem como a resolução de problemas, questionários ou teste presentes online, que tendem a usar mais o computador para fazer exercícios com um CD- ou DVD-ROM ou para praticar e aprender uma língua estrangeira. Mas o computador também é uma forma de comunicação para falar sobre os estudos: cerca de 80 por cento dos jovens internautas comunicam e pedem ajuda aos colegas em chats ou noutras formas de comunicação online e perto de um quarto contactam os professores. Se perguntarmos a um jovem o que está a fazer na internet, a grande probabilidade é que esteja a visitar páginas Web, a comunicar num chat ou no Messenger ou a ler o seu correio electrónico. Contudo, jogar online ou efectuar descarregamentos de música, software ou filmes são também práticas relevantes para uma fracção superior a 40 por cento dos jovens inquiridos online. Quanto aos conteúdos que procuram na rede, a música surge à cabeça, seguido dos jogos, das informações desportivas e relacionadas com software e informática. Os conteúdos noticiosos, educativos, culturais e referentes a hobbies são os menos populares. Jogar online, descarregar música, software ou filmes e participar em fóruns ou grupos de discussão são actividades mais populares entre os jovens do sexo masculino do que entre as internautas. São também os rapazes, os que mais procuram informação na rede sobre desporto, jogos, software e informática, enquanto que as jovens internautas tendem a procurar conteúdos culturais, educativos e relacionados com música. As práticas e preferências também se diferenciam quanto às idades: há uma maior fracção de jovens mais velhos que privilegiam a comunicação media da por computador, seja por chat ou Messenger, correio electrónico ou através de fóruns ou grupos de discussão, que visitam páginas na Web, fazem compras online e descarregam música, software e filmes da rede; os mais novos inclinam-se mais os jogos online e isso reflectese no tipo de conteúdos que procuram na internet. Já os respondentes dos 16 aos 18 anos mostram um maior interesse por conteúdos sobre música, software e informática, hobbies, noticiosos e culturais. 36

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:01

DA TECNOLOGIA À WEB

Page 37

2.0 – CRESCER NA ERA DIGITAL

Os respondentes online tiram também mais proveito de novas possibilidades de comunicação como criar o seu próprio blogue ou a sua página na rede, práticas que requerem algumas competências técnicas. São também respondentes que têm em geral várias contas de correio electrónico, que utilizam mais os chats ou programas tipo Messenger. Podiase dizer que são jovens respondentes que levam uma vida mais virtualizada, todavia, a internet é na maior parte das vezes uma forma de aprofundar as relações já existentes fora da rede. De facto, para mais de 80 por cento destes jovens verifica-se a clara preferência em comunicar com pessoas que conhecem de outros locais e, em especial, da escola. A comunicação com pessoas desconhecidas acontece e a formação de novas amizades com amigos virtuais acontecem mas são menos comuns. Também não é comum para a generalidade dos jovens encontrarem-se pessoalmente com amigos virtuais. A maioria destes internautas afirmam que se mostram como são nos chats e estão em minoria aqueles que admitem fingir por vezes e não excedem os 10 por cento aqueles que confessam fingir sempre o que não são nos chats.

As percepções dos jovens das possibilidades e dos riscos na internet Com a internet e as possibilidades das comunicações em rede, os jovens estão expostos a uma séries de oportunidades mas também a actividades de risco. No que respeita aos jovens e às crianças é necessário tem em conta especiais precauções no que respeita à protecção dos dados, a uma possível viciação na exposição à internet, na exposição a mensagens abusivas ou obscenas. Deste modo é necessário dotar os jovens de determinadas competências para evitar todo um conjunto de riscos e saber tirar proveito das oportunidades que a internet poderá oferecer, sendo fundamental o papel de educadores, familiares e dos próprios pares. Contudo, é certo que não vivemos em condições ideais e mesmo o papel de pais e educadores poderá ser inapropriado por defeito devido à sua falta de socialização e conhecimento do funcionamento das novas tecnologias. Neste contexto, não será contudo de menosprezar o espírito crítico e o desenvolvimento de competências pela iniciativa própria dos mais novos que se vão socializando nas novas tecnologias da comunicação. 37

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:01

Page 38

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

As percepções do risco em contextos tecnológicos podem ser tipificadas com respostas gerais aos riscos, como o fatalismo, moldado por contextos sociais e culturais em que estão inseridos. Katz e Rice adiantam que as pessoas com maior confiança em geral são mais propensas a confiar na internet. Ora, os dados do Inquérito Social Europeu mostram que os portugueses, tendo como referente o contexto europeu, têm baixos níveis de confiança social o que poderá constituir um entrave para haver uma confiança alargada em Portugal em torno da utilização dos vários serviços disponíveis online. A ameaça mais comum, que 23,7 por cento dos inquiridos a nível nacional que utilizam a internet já sofreram, é receber vírus no computador. Outra ameaça a que os jovens, e não só, estão sujeitos é receber mensagens de correio electrónico abusivas ou obscenas mas apenas 6,4 por cento dos jovens internautas declara que já receberam mensagens com tais conteúdos. É uma percentagem pequena mas que chama a atenção para práticas dúbias por parte de determinados agentes que actuam na internet e que exploram processos como o spamming, tentando desta forma e sem consentimento dos visados reencaminhar os mais incautos a outros sítios na internet potencialmente perigosos ou que vendem um determinado produto. Além disso, 4,4 por cento dos jovens internautas já foi contactado por alguém de um país estrangeiro longínquo através da internet o que coloca um desafio ao conselho paternal de “Nunca fales com estranhos”. Esta situação poderá não constituir propriamente um risco, pode aliás ser uma oportunidade para alargar as redes sociais, contudo é um desafio ao controlo paternal das sociabilidades dos jovens e pode causar algum transtorno e desconfiança. Uma pequena minoria de jovens afirma ainda que já comprou algo que estava mal apresentado num sítio da internet (2 por cento) e que já foi contactado por alguém através da internet pedindo-lhe informações sobre a sua conta bancária (1,3 por cento). Sendo estas situações, provavelmente pontuais e raras, devem, no entanto, fazer parte de uma educação para a utilização da internet. A larga maioria dos jovens inquiridos online (89,8 por cento) tem sistemas de protecção instalados no computador. Pertence, portanto, ao senso comum a utilização destes sistemas para uma melhor protecção dos dados do computador e para a protecção dos próprios jovens, 38

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:01

DA TECNOLOGIA À WEB

Page 39

2.0 – CRESCER NA ERA DIGITAL

através de filtros de conteúdos4. Quanto à confiança e fiabilidade que os jovens internautas atribuem a diversas páginas publicadas na internet, verifica-se uma percentagem significativa de não respostas em torno dos 30 e dos 40 por cento. As não respostas têm um significado, podendo expressar uma genuína não opinião ou simplesmente o facto do os jovens não terem pensado antes sobre a fiabilidade de determinadas páginas na internet ou talvez também porque a consulta de determinadas páginas não faça parte do leque de práticas de muitos jovens. Quanto às páginas de notícias publicadas por empresas ou agências, verifica-se há uma tendência por parte dos inquiridos para confiarem, pelo menos em cerca de metade, na informação vinculada. Contudo, 26,8 por cento declara que deposita toda ou a maior da sua confiança nessa informação. Quando a informação é publicada por simples pessoas a percentagem de inquiridos a confiar, totalmente ou na maior parte, sofre um decréscimo significativo para os 17,1 por cento e 25,8 por cento apenas não confia ou confia apenas numa pequena parte dessa informação. Curiosamente é na informação governamental vinculada através da internet que há um maior número de não respostas (44 por cento), o que vindo de uma população jovem é compreensível dada, talvez, a sua pouca apetência e o pouco incentivo prático para navegar em páginas governamentais. Contudo, também não deixa de ser curioso que apenas 16,4 por cento dos jovens acham que a informação vinculada pelo governo merece toda ou quase toda a confiança. Inversamente, 23,1 por cento é da opinião que essa informação não é fidedigna ou que apenas uma pequena parte merece confiança. Nota-se aqui a cultura de uma desconfiança perante as informações governamentais. A informação proveniente de motores de pesquisa é a que a inspira confiança (total ou em parte) para uma maior percentagem de inquiridos (45,3 por cento). É neste contexto, que vale a pena chamar a atenção para a dinâmica social da ciber-confiança, que é influenciada pela experiência. De facto, a internet pode ser entendida como uma tecnologia de “experiência” que requer a sua utilização por parte dos indivíduos de modo a estes entenderem como funciona. A confiança no ciberespaço pode em larga medida

4 Neste âmbito, uma linha de investigação futura será perceber como, no que respeita

aos filtros de conteúdos, se processa a negociação entre jovens e os seus pais e educadores, nos ditos e interditos no que respeita ao acesso de determinados conteúdos online.

39

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:01

Page 40

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

influenciar as decisões de um indivíduo sobre o que fazer online, como por exemplo comprar ou utilizar o banco electrónico, ou comunicar em chats ou fóruns entre outras actividades. É de salientar a importância da adolescência para criar disposições, muitas vezes mais ou menos fixadas na entrada para a vida de adulta, e a importância das experiências que se vivem na adolescência na formação de disposições, muitas vezes mais ou menos fixadas na entrada para a vida de adulta. Deste modo, a socialização e a utilização dos novos media na adolescência têm efeitos duradouros na confiança e na percepção da sua utilidade. A socialização nas novas tecnologias tem um impacto na confiança e na percepção da sua utilidade, em especial, num contexto onde proliferam múltiplas fontes de informação e informação cruzada. Dutton e Shepherd (2006) chamam a atenção para a dinâmica social da ciber-confiança. Apesar do impacto de experiências negativas com o junk e-mail, o spam e o fenómeno do correio electrónico não solicitado, a confiança na internet mantém-se num grupo alargado de utilizadores tendo em conta o seu papel cada vez mais relevante de meio de comunicação. Contudo, a confiança neste novo ciberespaço online pode em larga medida influenciar as decisões de um indivíduo de sobre o que fazer online, como por exemplo comprar ou utilizar o banco electrónico, ou comunicar em chats ou fóruns entre outras actividades. Dutton e Shepherd sugerem que a ciber-confiança é mais influenciada pela ‘experiência’. A internet pode ser vista como uma tecnologia de ‘experiência’ visto que é difícil as pessoas entenderem como a internet funciona até que comecem a utilizar a tecnologia e esta noção pode dar uma melhor interpretação ao estudo da dinâmica social da ciber-confiança, em especial, numa geração que tem crescido e tem sido socializada nas novas tecnologias da comunicação. Deste modo, os não utilizadores são geralmente mais desconfiados em relação à internet e têm menos confiança em relação à informação, às pessoas online e às instituições presentes na internet. Os jovens ao usarem mais a internet ganham experiência e competências para aceder aos recursos da internet, e vão crescendo e aprendendo, muitas vezes sem acompanhamento, sobre as oportunidades e riscos associados a essa utilização. Ademais, a dinâmica da ciber-confiança não se cinge só ao que acontece online. Um elevado grau de confiança social presente na sociedade em geral, offline ou online, também tem um impacto bastante importante nos indivíduos. E estes podem tipificar-se segundo as suas formas 40

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:01

DA TECNOLOGIA À WEB

Page 41

2.0 – CRESCER NA ERA DIGITAL

próprias de percepcionarem ou de lidarem com os riscos. As percepções do risco em contextos tecnológicos fazem parte de respostas mais genéricas aos riscos presentes na sociedade. Em Portugal, um clima geral de fatalismo, moldado por contextos sociais e culturais próprios, poderá não ajudar muito a que os portugueses tenham um elevado grau de confiança nas novas tecnologias, em especial na população mais velha. Se os jovens portugueses alterarem essa situação, se os adolescentes de hoje apresentarem um maior grau confiança social em geral, então estarão mais propensos a confiar na internet e nas novas tecnologias. Por outro lado, os não utilizadores, menos cientes das possibilidades de uma tecnologia como a internet, são em geral mais desconfiados e cépticos e poderão demonstrar menores índices de confiança em relação à informação, às pessoas e instituições presentes na internet. Quanto à opinião juvenil da utilidade da internet, verifica-se um largo consenso de que a internet é algo muito útil (para 87,2 por cento dos respondentes online) e um mais de um terço dos respondentes online acham mesmo que é algo imprescindível. Verifica-se ainda uma ligeira tendência para os rapazes acharem que a internet é algo imprescindível, embora as diferenças entre os sexos não seja muito marcadas, mas observa-se também a tendência para haver uma maior percentagem de inquiridos mais velhos a acharem que a internet é algo de muito útil ou mesmo imprescindível. Apenas uma minoria de pouco mais de um quarto dos jovens internautas é da opinião de que a internet é algo que pode provocar habituação e é ainda menor a fracção de respondentes que acham que é algo que pode provocar isolamento. Todavia, mais de metade dos jovens declaram que conhecem alguém que esteja totalmente viciado na internet. Neste âmbito, a utilização da internet por parte dos jovens tem provocado um certo desassossego em parte dos pais e educadores que receiam a viciação e o isolamento social dos adolescentes. Todavia, de um modo geral, uma das principais utilizações sociais da rede é a interacção e comunicação, ainda que mediada, com os pares da escola ou de outros contextos sociais, seja através de serviços de mensagens instantâneas como o Messenger, chats, fóruns, grupos de interesse ou da utilização de sítios na internet onde é possível criar uma rede de amigos. Através da comunicação mediada por computador combinam-se encontros, fala-se da escola, do dia-a-dia, ou seja, essa comunicação media da não deixa de revelar formas de interacção entre o que se passa online e offline. 41

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:01

Page 42

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

Também são de assinalar críticas feitas à sociedade de consumo e à forma como o mercado leva os consumidores a criarem novas necessidades. Contudo, os jovens reconhecem a utilidade das novas tecnologias, embora, como vimos mais de um terço ache que a internet é imprescindível. Muitas vezes os jovens têm de contar com o seu espírito crítico e com o desenvolvimento de competências por sua iniciativa própria enquanto vão socializando nas novas tecnologias da comunicação. Os jovens não são elementos passivos, antes são agentes em desenvolvimento enquanto indivíduos, e esse desenvolvimento inclui elementos de reflexividade quanto às suas próprias práticas e às práticas dos outros. No que respeita à utilização da internet, essa condição é tão verdadeira quanto ao resto das suas actividades quotidianas e que por vezes é um pouco negligenciada nas perspectivas sobre as relações geracionais. A info-literacia envolve também o desenvolvimento de determinadas competências para evitar todo um conjunto de riscos e saber tirar proveito das oportunidades que a internet poderá oferecer, sendo fundamental o papel de educadores, familiares e dos próprios pares. Porém, o papel de muitos pais e educadores poderá ser inapropriado por defeito devido também à sua pouca info-literacia. É ainda de acrescentar que a visão do que é uma utilização adequada ou não da internet parte de uma construção social entre agentes - jovens, pais e educadores – que negociam, ou entram em conflito sobre as fronteiras de uma utilização “saudável” das novas tecnologias.

A Web narcisista? Conta a parábola grega que Narciso descobriu e apaixonou-se com o seu reflexo na lagoa de Eco. Com as novas ferramentas, a internet tornou-se, hoje em dia, numa espécie de lagoa de Eco, onde os jovens como o Afonso poderão ver o seu reflexo, o reflexo dos seus interesses, das suas redes sociais, das suas amizades, da imagem que transmitem e que gostariam de transmitir, da sua identidade pessoal, ainda em processo de experimentação e desenvolvimento. No entanto, não queremos aqui transmitir a ideia de que a internet pode constituir simplesmente uma forma de expressão de impulsos narcísicos de vaidade. Para além desta noção, a nossa ideia de narcisismo surge aqui próxima da noção de 42

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:01

DA TECNOLOGIA À WEB

Page 43

2.0 – CRESCER NA ERA DIGITAL

Lasch (1979) de que os actos narcísicos contemporâneos envolvem dirigirmo-nos para os outros de forma a validar o nosso próprio sentido de identidade pessoal (self). É uma forma de os jovens consolidarem a sua rede de relações íntima entre pares, de testar a sua popularidade, de chamar a si a necessidade de se sentirem socialmente reconhecidos por atributos, muitas vezes passeiros, como a sua beleza, charme ou pelas suas ideias ou interesses ou pelos conteúdos que disponibilizam na rede. Denota-se muitas vezes na rede uma preocupação hedonista com o presente, com a conversa no Messenger ou a entrada no blogue passageira que remete para os acontecimentos presentes, sem considerações de futuro. De facto, podemos ver na rede sinais de narcisismo quando um ou uma jovem publica o seu diário num blogue ou o diário de um inter-rail pela Europa, ou as suas fotos no portal flickr ou no seu perfil do hi5 ou que descreve os seus estados de alma no cabeçalho do seu perfil ou no seu blogue. Um blogue está também associado à necessidade de expressão individual, ao registo de informações e à partilha de ideias, actuando como uma espécie de confessionário. Neste âmbito, refira-se também a análise levada a cabo pela Pew Internet (2006), onde se conclui que 52 por cento dos inquiridos afirmou ter desenvolvido um blogue para se expressar, e 50 por cento para documentar as suas experiências pessoais. Se podemos distinguir na rede sinais de um narcisismo típico, caracterizado pelo sentido auto-centrado do “eu” dos jovens, podemos, no entanto, incorrer em generalizações abusivas. De facto, podemos provavelmente descortinar diferentes perfis socio-psicológicos entre jovens utilizadores da internet: uns mais auto-centrados outros mais socialmente orientados. Em Portugal, Batista (2004) conclui que os utilizadores de blogues são maioritariamente professores, jornalistas e estudantes, apesar de também existir uma forte presença de gestores, advogados, políticos e arquitectos. As suas idades médias rondam os 25-39 anos, e são na sua maioria do sexo masculino. Ou seja, o autor conclui que os utilizadores de blogues são maioritariamente jovens adultos, com um elevado grau de educação. No entanto, a pesquisa de Batista desenvolveu-se em 2004. Como vimos, a blogosfera aumenta de tamanho a cada segundo. Até que ponto estarão estas conclusões ainda válidas? Será ainda o fenómeno dos blogues em Portugal uma realidade restrita a determinadas elites, 43

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:01

Page 44

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

ou é já um meio integrado no quotidiano dos jovens portugueses? E qual o seu impacto em termos da crescente estruturação da sociedade em torno de redes e comunidades virtuais? Dentro dos respondentes online mais socializados na internet, um pouco mais de metade dos jovens inquiridos (52,6 por cento) já fez um blogue, enquanto que apenas 36,5 por cento já fizeram alguma página na Web, o que requer mais conhecimentos técnicos. Os rapazes estão mais inclinados para a construção de páginas Web (42,8 por cento) do que as raparigas (28,2 por cento) que são porém mais adeptas dos blogues. 56,3 por cento já criaram um blogue em comparação com 49,9 por cento dos rapazes. Observa-se ainda que há uma percentagem muito maior de inquiridos mais velhos, dos 16 aos 18 anos que já fizeram alguma página Web (41,8 por cento), em comparação com os mais novos (13,3 por cento). É entre os jovens dos 13 aos 15 anos que se verifica a maior percentagem daqueles que já fizeram algum blogue (57,1 por cento), contudo é uma percentagem que não é muito díspar com a verificada entre os mais novos (45 por cento). Entre os respondentes do inquérito face-a-face, publicar fotografias na rede, escrever num blogue ou website, são actividades realizadas por menos de 10 por cento dos jovens inquiridos. Verifica-se uma percentagem ligeiramente superior de rapazes que publicam fotografias na rede do que de raparigas. Inversamente, uma fracção ligeiramente superior de inquiridas do que de rapazes escrevem num blogue ou website. Verificase também fracções maiores de inquiridos mais velhos do que de jovens mais novos que publicam fotografias online. Não deixa de ser relevante, no que respeita à juventude portuguesa, o facto de apenas 40 por cento saberem o que é um blogue. Note-se que entre os inquiridos online mais de metade já fez um blogue e depreendese que uma percentagem maior de inquiridos sabe que o é um blogue e que já visitou blogues. Tal situação marca um contraste entre aqueles familiarizados e socializados na internet e a população juvenil em geral. As conclusões para o território nacional assemelham-se às observações tecidas pela Ipsos (2006) acerca de alguns países europeus (Reino Unido, Itália, Espanha): o envolvimento da sociedade no fenómeno dos blogues é mais elevado para determinados grupos, nomeadamente no caso dos internautas em geral, e em especial junto dos que possuem maiores graus de interacção com a Internet e as novas tecnologias. Verifica-se ainda que há percentagem maior de jovens do sexo masculino que pelo menos sabem que os blogues existem (45,5 por cento) do que 44

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:01

DA TECNOLOGIA À WEB

Page 45

2.0 – CRESCER NA ERA DIGITAL

de raparigas (34,8 por cento). Como seria de esperar há uma maior percentagem de jovens inquiridos entre os mais velhos, a partir dos 13 anos, que sabe o que é um blogue. Cerca de metade dos inquiridos mais velhos sabe da existência da blogosfera em comparação com apenas 25,1 por cento dos inquiridos dos 8 aos 12 anos. Saber o que é um blogue, no entanto, não implica que todos esses indivíduos sejam parte das audiências dos mesmos. Quais são os grupos mais propensos à consulta de blogues? Para quem é que os bloguers estão efectivamente a escrever? Quais as duplicações em termos de consulta de blogues e media tradicionais? Poderemos falar de “audiências de blogues”, enquanto um grupo específico com características próprias, ou será que os leitores de blogues constituem apenas um reflexo da fragmentação proporcionada pela própria blogosfera? Dentro daqueles que sabem da existência dos blogues, apenas 20 por cento mantém algum blogue. No entanto, é curioso notar que entre estes inquiridos, há uma percentagem ligeiramente mais elevada de jovens do sexo feminino que mantêm um blogue (22,1 por cento) em comparação com os rapazes (18,3 por cento). Estes dados são assim coerentes com a informação obtida online, o que permite concluir uma tendência para haver mais raparigas a manter um blogue dentro do contexto português. Mais uma vez, dentro daqueles que sabe da existência dos blogues, apenas uma minoria (21 por cento) costuma navegar pela blogosfera. A percentagem daqueles que têm por hábito navegar na blogosfera e daqueles que mantêm um blogue é praticamente idêntica, com um diferença de apenas 1 por cento. Isto quer dizer que, tendencialmente, aqueles jovens que navegam na blogosfera são os mesmo que mantêm um blogue. De facto o blogue é um forma de interacção entre utilizadores da internet com as suas características próprias. O processo passa em colocar textos, impressões ou descrições da vida quotidiana que são expostos online e passíveis de serem comentados por outros utilizadores. Pouco mais de um quarto dos jovens costuma interagir com blogues. Mais uma vez, verificam-se percentagens semelhantes entre aqueles que têm por hábito interagir com blogues, aqueles que costumam navegar na blogosfera e aqueles que mantêm um blogue, o que indicia que estas actividades estão todas correlacionadas. Observa-se ainda uma percentagem ligeiramente superior de raparigas que interagem com blogues (28,5 por cento), embora não seja muito discrepante da verificada entre 45

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:01

Page 46

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

os rapazes (25,7 por cento). Além disso, verifica-se que há uma maior percentagem de jovens dos 13 aos 15 anos que interage com blogues (34,1 por cento), em comparação com 26,1 por cento de jovens dos 16 aos 18 anos e com 19,4 por cento de inquiridos dos 8 aos 12 anos. Num esforço de conceptualização de um fenómeno tão abrangente como é o dos blogues, Ò Baoill (2004) refere três níveis de análise: a) por um lado, existem as linhas de pensamento baseadas na visão dos blogues enquanto um formato específico de uma aplicação Web, caracterizados pela sua ordem cronológica inversa, onde o mais recente é o que parece primeiro ao leitor, e a sua elevada potencialidade em termos de interactividade; b) por outro lado, há quem valorize mais a questão sociológica, encarando os blogues enquanto partes de uma comunidade, fazendo a distinção entre o carácter pessoal e intimo de alguns blogues e os que se situam preferencialmente no seio da esfera pública; c) por fim, uma terceira orientação considera o ponto de vista humanista do próprio bloguer, e das suas motivações para criar e manter um blogue, distinguindo entre “bloguers amadores”, em que este é apenas um hobby, e “bloguers profissionais”, para quem os blogues são ferramentas de trabalho ou meios de geração de receitas. Estes três níveis de análise, considerados em conjunto, permitem-nos aferir de forma mais precisa a natureza dos blogues: consistem num formato específico, na base da criação de comunidades virtuais, que é devolvido por empresas ou indivíduos de forma a concretizar determinados objectivos específicos, que vão desde manter os amigos informados acerca do que se passa no quotidiano do bloguer (Rodrigues, : “Para muitos um blogue não é mais que um “confessionário” onde se contam “estórias” do dia a dia e onde se expõe uma determinada identidade que pode ser individual ou colectiva.”) , até à criação de valor económico. Partindo deste enquadramento conceptual, podemos falar de blogues enquanto a manifestação mais marcada na actualidade da era dos selfmedia. Os self-media caracterizam-se um fluxo de comunicação biunívoco: o emissor perde a sua omnipotência em favor do receptor, que tem agora um papel activo. Surge a interacção, a participação toma o lugar da representação 46

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

DA TECNOLOGIA À WEB

Page 47

2.0 – CRESCER NA ERA DIGITAL

Perto de 30 por cento dos jovens utilizadores de blogues, actualiza o seu blogue diariamente ou várias vezes por semana, mas a maioria actualiza o blogue uma vez por semana ou uma vez por mês. Observa-se também que 38,3 por cento dos jovens consulta outros blogues diariamente ou várias vezes por semana. Contudo, a maioria apenas o faz uma vez por semana ou com ainda menos frequência. Entre os jovens que consultam blogues, o entretenimento aparece como o tema mais relevante para 48,4 por cento dos jovens na primeira opção e para 13,9 por cento dos jovens na segunda opção. O segundo tema mais popular é a vida pessoal de um círculo de pessoas restrito, o preferido de 22,8 por cento dos jovens na primeira opção e de 13,4 por cento na segunda opção. Entre as terceiras opções, torna-se mesmo o tema mais relevante, recolhendo 11,5 por cento das preferências. Os temas polémicos da actualidade são apenas relevantes uma minoria dos jovens na primeira opção (2,9 por cento), ganhando depois maior relevância como segunda opção (8,8 por cento) e em especial como terceira opção (10,4 por cento) Os temas relativos a cultura e comunicação também aparecem como pouco relevantes na primeira e na segunda opções mas ganha maior relevância entre como terceira opção, chamando a atenção de 10,9 por cento dos jovens. Ademais, 60,5 por cento destes jovens declara que se informa habitualmente sobre os blogues a consultar através de avisos de amigos, o que demonstra a importância dos círculos de amigos e das relações pessoais fora da internet. Apenas 16,4 por cento dos jovens chega a determinados blogues através de pesquisas em motores de busca e uma percentagem ainda menor (11,3 por cento) pelos outros blogues que consultam. Uma percentagem significativa dos inquiridos (46 por cento) que navegam na blogosfera, consulta alguns blogues sobre opinião e não de notícias e 41,1 por cento afirma que consultam blogues relacionados com os mesmos temas. É relevante ainda a percentagem de inquiridos que alguns blogues sobre informação repetida relativamente ao noticiado através dos jornais, da rádio ou da televisão (31,7 por cento) e de jovens que procuram nos blogues mais uma tertúlia do que um local de notícias (29,9 por cento). Perto de 20 por cento dos jovens internautas utiliza também alguns blogues para discutir o que se noticia na TV, rádio e jornais. A consulta de blogues escritos por pessoas que já escrevem em jornais ou falam em televisões, mantidos por professores do ensino secundário e universitários ou por pessoas que já fazem política activamente na sua vida diária são menos frequentes. 47

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 48

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

Acrescente-se que 30 por cento dos jovens inquiridos acham ainda que alguns blogues são quase sempre pouco credíveis. Contudo, apenas 27,2 por cento dos jovens têm uma postura crítica perante a informação que obtêm na blogosfera e têm o cuidado de cruzar a com outras fontes de informação. Ainda no que respeita à consulta dos blogues, a necessidade de procurar informação sobre um determinado tema é o motivo mais citado pelos jovens, nomeadamente, por 36,9 por cento dos jovens inquiridos. Em segundo lugar, aparece a curiosidade sobre uma matéria que surgiu na actualidade, e que é um motivo adiantado por 15,1 por cento. Apenas uma pequena minoria, 5,1 por cento dos jovens inquiridos, declara que o principal motivo porque consultam um blogue é porque necessitam de mais informação sobre uma personalidade. Entre aqueles que usam serviço de mensagens instantâneas, 37 por cento utiliza ainda sítios na internet onde é possível criar uma rede de amigos, colegas ou grupos de interesses. Verifica-se a tendência de haver uma maior fracção de internautas do sexo masculino que procuram esses sítios. Na nossa amostra essa fracção atinge os 47 por cento entre os rapazes e é de apenas 26,7 por cento entre as raparigas. É ainda curioso constatar que se verifica uma maior percentagem de inquiridos mais novos que procuram esses sítios (54,1 por cento), em comparação com 35,5 por cento dos inquiridos dos 16 aos 18 anos e 29,5 por cento dos inquiridos dos 13 aos 15 anos. Nos últimos anos, os meios de comunicação tradicionais têm evoluído no sentido de explorar determinados segmentos de público, havendo cada vez mais suportes dirigidos a um público específico, até porque a sociedade é um mosaico composto por grupos diferentes. Assistimos assim a uma fragmentação crescente dos media visível, por exemplo, no desenvolvimento de canais temáticos ou no aparecimento de um número cada vez maior de publicações especializadas. A mediatização generalizada em que vive a sociedade modificou a relação estabelecida entre os indivíduos e a visão que eles têm do mundo. Os meios de comunicação suportam conteúdos que contribuem para uma representação social da realidade e têm evoluído no sentido de explorar uma audiência segmentada, fomentando a diversidade, a qual se tornou ainda mais evidente com o aparecimento e crescente utilização da Internet que constituiu mais um forte contributo para a fragmentação social e cultural. A este fenómeno associa-se, por exemplo, um decréscimo no número de pessoas que sintonizam os canais generalistas e um aumento 48

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

DA TECNOLOGIA À WEB

Page 49

2.0 – CRESCER NA ERA DIGITAL

das pessoas que aderem à blogosfera, aspectos em que importa pensar. De facto, com o fenómeno dos blogues tornou-se evidente a fragmentação do espaço público e das formas de acesso à construção de uma opinião pública. Por um lado, através do próprio conteúdo destas ferramentas que são constituídas por fragmentos de texto, correspondendo a cada um deles um link permanente, o que possibilita que a referência a um determinado texto seja feita individualmente. Por outro lado, a audiência de um blogue é também fragmentada, sendo os leitores atraídos por assuntos em que tenham interesse ou sobre os quais possam partilhar ideias, o que possibilita o aparecimento de novas e diversificadas dinâmicas comunicacionais. A influência e impacto social dos blogues é já notória, tanto que são muitas as personalidades do mundo da política, das artes ou do jornalismo que resolveram criar um. Perante estes números e factos consideráveis podemos questionar-nos sobre o que é de facto um blogue, e quais os motivos que levam alguém a consultar ou escrever e manter um. Na acepção de autores mais irreverentes, serão os blogues os “graffitis do século XXI”, uma forma tecnológica de marcar presença, um “estive aqui” digital? Ou serão os blogues o cocktail party da era actual, onde um conta algo a alguém, que depois vai contar a outro, e a outro, e assim sucessivamente, criando verdadeiras comunidades virtuais? Para além de determinados aplicativos da Web 2.0 fomentarem a exposição pessoal apelam essencialmente a uma utilização da internet guiada por interesses e por relações pessoais e amizades. Além disso, a utilização de portais de redes sociais e de blogues responde a necessidades sociais básicas: são ferramentas que podem contribuir para a definição original da sua identidade pessoal, para se afirmarem perante os seus amigos, conhecidos ou por quem visite anonimamente os seus conteúdos e constituem-se como formas de comunicação que podem proporcionar aos jovens o sentimento de estarem inseridos num grupo ou comunidade. A utilização de blogues, de portais de redes sociais, assim como a utilização de chats e de serviços de mensagens instantâneas como o Messenger, possibilita a criação, por parte das crianças e dos adolescentes, de espaços de interacção longe da monitorização dos adultos. Entre os jovens que procuram sítios onde criam uma rede de amigos, colegas ou de grupos de interesse, cerca de metade acedem-nos com frequência, isto é, diariamente ou duas a três vezes por semana. A fracção 49

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 50

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

de jovens que afirmam utilizar esses sítios uma vez por semana é de 14,1 por cento, e 35,6 por cento utiliza esses sítios de uma forma mais esporádica, isto é, uma vez por mês ou menos. Os amigos são o principal motivo e o principal contacto para 95,2 por cento dos jovens, no que respeita a sítios onde os jovens criam uma rede de amigos, colegas ou de grupos de interesse. É interessante verificar que 26,3 por cento dos jovens internautas declara ainda que interage com desconhecidos nesses sítios, uma fracção maior do que a de jovens que interagem com colegas (21,7 por cento) e significativamente mais elevada do que a de jovens que interagem com familiares (6,5 por cento).

Duas lógicas na utilização da internet: a guiada por interesses e a guiada por amizades A comunicação mediada por computador pode constituir uma forma de apresentação da identidade juvenil, que é feita muitas vezes através de personalizações. Essas personalizações servem na maior parte dos casos para demonstrar o estado de alma, uma causa ou ideia, que os jovens exprimem através de fotos ou imagens, de mensagens com citações favoritas, frases pessoais, pensamentos ou pela indicação da músicas que estão a ouvir no momento. Tem-se assistido à emergência de novas possibilidades de expressão e também de interacção através da criação de páginas Web ou de blogues. Essas personalizações servem na maior parte dos casos para demonstrar o estado de alma, uma causa ou ideia, que os jovens exprimem através de fotos ou imagens, de mensagens com citações favoritas, frases pessoais, pensamentos ou pela indicação da músicas que estão a ouvir no momento. Tem-se assistido à emergência de novas possibilidades de expressão e também de interacção através da criação de páginas Web ou de blogues. No que respeita à utilização da rede guiada por interesses, os jogos online, os fóruns ou grupos de discussão e o download de música, software ou filmes são utilizações da Web mais populares entre os internautas do sexo masculino. Além disso, estes procuram mais do que as raparigas conteúdos relacionados com desporto, jogos, software e informática. Por seu turno, as internautas procuram mais conteúdos culturais, educativos e relacionados com música. Verifica-se também, uma 50

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

DA TECNOLOGIA À WEB

Page 51

2.0 – CRESCER NA ERA DIGITAL

maior percentagem de inquiridos mais velhos a privilegiar a comunicação por chat ou Messenger, por correio electrónico ou através de fóruns ou grupos de discussão. Também se verifica uma maior percentagem de jovens mais velhos a visitar páginas na Web, a fazer compras online e, em especial, a descarregar música, software e filmes. Por seu turno, há uma maior percentagem de inquiridos mais novos a jogarem online. No que respeita a conteúdos consultados na internet, os mais populares são os conteúdos referentes a música (consultados por 76,1 por cento dos jovens), seguidos por conteúdos que se ocupam dos jogos (consultados por 58,6 por cento dos inquiridos). Mais de metade dos jovens inquiridos (51,2 por cento) consultam ainda conteúdos sobre assuntos desportivos e 42,8 por cento consulta informação sobre software e informática. Um pouco menos populares são os conteúdos noticiosos, educativos, culturais e referentes a hobbies. Os inquiridos mais novos privilegiam conteúdos educativos e sobre jogos. Entre os mais velhos verificam-se maiores percentagens de inquiridos que prestam atenção aos conteúdos sobre música, software e informática, hobbies, noticiosos e culturais. Quanto às actividades que os utilizadores da internet realizam na rede, mais de metade dos inquiridos transmitem e recebem mensagens de correio electrónico e consultam bibliotecas, enciclopédias, dicionários e atlas na rede. Além disso, 41,4 por cento dos inquiridos afirmam que navegam pela internet sem objectivos concretos e a mesma fracção de jovens joga videojogos online. Comparando entre os sexos verifica-se uma maior fracção de rapazes que transmitem e recebem mensagens de correio electrónico (64 por cento), que navegam pela internet sem objectivos concretos (47,7 por cento) e que jogam videojogos online (48,5 por cento), enquanto que entre as inquiridas essas percentagens são de 52,3 por cento, 34,2 por cento e 33,3 por cento respectivamente. Quanto às diferenças etárias, observa-se uma maior percentagem de jovens entre os mais velhos que transmitem e recebem mensagens de correio electrónico (75,7 por cento), percentagem essa que decresce nos escalões etários mais novos atingindo um mínimo entre os inquiridos dos 8 aos 12 anos (42,8 por cento). Também se verifica uma maior tendência para os mais velhos navegarem na internet sem objectivos concretos. Mas é entre os inquiridos dos 13 aos 15 anos que há uma maior percentagem de jogadores que jogam online (48,9 por cento), enquanto que essa percentagem entre os mais velhos é de 31,7 por cento. 51

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 52

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

Ademais, entre 15 por cento a 20 por cento dos jovens descarregam músicas da rede, inteiram-se de notícias desportivas, pesquisam informação sobre espectáculos programados, transmitem fotografias suas ou da sua família ou cartões de felicitações electrónicos. Quanto a diferenças relevantes entre os sexos, há uma maior fracção de jovens do sexo masculino que descarregam música da rede (25,7 por cento), que se inteiram de notícias desportivas (20,1 por cento) e que pesquisam informação sobre espectáculos programados (20,2 por cento) do que de inquiridas, cujas fracções daquelas que utilizam a internet para estes fins são 11 por cento, 13 por cento e 12,2 por cento, respectivamente. Quanto às diferenças entre faixas etárias, verifica-se uma maior percentagem de inquiridos mais velhos que descarregam música da rede (28 por cento), que se inteiram das notícias desportivas (29,1 por cento), que transmitem fotografias ou felicitações electrónicas (20,9 por cento e 20,8 por cento, respectivamente) e que pesquisam informação sobre espectáculos programadas. De um modo geral, as percentagens de jovens que usam a rede para estes fins diminuem nos restantes escalões etários, em alguns casos, para menos de metade das fracções verificadas entre os mais velhos. Outras actividades como pesquisar informação sobre a própria cidade, inteirar-se de notícias na imprensa geral, pesquisar informação sobre cursos de formação ou descarregar software da rede são realizados por percentagens de jovens entre os 10 por cento e os 15 por cento. Há visivelmente, maiores percentagens de rapazes que usam a rede para inteirarem-se de notícias na imprensa geral (15,8 por cento), pesquisarem informação sobre cursos de formação (14,9 por cento) e descarregarem software da rede (16,1 por cento), enquanto que entre as raparigas, essas fracções decrescem para os 8,8 por cento, 8,4 por cento e 5,3 por cento respectivamente. No que respeita às diferenças etárias, são os jovens dos 16 aos 18 anos os que mais utilizam a internet para, igualmente, inteirarem-se de notícias na imprensa geral (17,4 por cento), pesquisarem informação sobre cursos de formação (20,9 por cento) e descarregarem software da rede (15,5 por cento). Nos restantes escalões etários, as fracções de jovens que usam a rede para os fins mencionados chega a ser menos de metade das verificadas entre os internautas mais velhos. Curiosamente, verifica-se uma maior percentagem de jovens dos 8 aos 12 anos que pesquisam na rede informação sobre a sua cidade (20,6 por cento), em comparação com apenas 8,5 por cento de internautas dos 13 aos 15 anos. 52

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

DA TECNOLOGIA À WEB

Page 53

2.0 – CRESCER NA ERA DIGITAL

Observa-se ainda que fracções de jovens inquiridos entre os 5 por cento e os 10 por cento produzem conteúdos para blogues, pesquisam informações sobre viagens, trabalham a partir de casa, telefonam através da internet, participam em cursos online, pesquisam informação sobre serviços públicos, procuram trabalho ou efectuam compras diversas ou pesquisam informações sobre a sua saúde ou de pessoas próximas. Menos de 5 por cento dos jovens enviam mensagens de correio electrónico para programas de rádio ou de televisão, pesquisam receitas na internet, organizam actividades com crianças, pesquisam informação política ou sindical, compram ou reservam entradas para espectáculos, compram livros ou música online, fazem reservas de viagens, alojamento ou alugam um automóvel, procuram apartamento, compram produtos informáticos realizam operações com o seu banco ou admitem consultar ou descarregar pornografia. Além disso, menos de 1 por cento dos internautas inquiridos pesquisam informação sobre gays e lésbicas, participam ou compram num leilão ou compram produtos alimentícios e de limpeza online. A utilização que uma percentagem substancialmente maior de jovens internautas fazem da internet ou do correio electrónico é procurar informação relacionada com os estudos (em 86,5 por cento) dos casos. Comparando entre os sexos, verifica-se uma maior percentagem de inquiridas (93,8 por cento) que procuram informação para os seus estudos do que de internautas do sexo masculino (80,2 por cento). Curiosamente, verifica-se uma percentagem um pouco superior de adolescentes que procuram informações sobre os seus estudos online entre os inquiridos dos 8 aos 12 anos (91 por cento) do que entre os inquiridos dos outros escalões etários (um pouco acima dos 84 por cento nos escalões mais velhos). As actividades mais lúdicas são praticadas por percentagens bem menores de jovens. Estas percentagens indicam uma heterogeneidade de interesses entre os jovens. Jogar jogos online é uma actividade que 35,3 por cento dos jovens dizem fazer. Os jogos online são mais populares entre os internautas do sexo masculino visto que 40,2 por cento destes inquiridos jogam online enquanto que entre as jovens a percentagem de jogadoras é de 29,6 por cento. Os jogos online são também mais populares entre os mais novos onde se verifica uma percentagem de 41,9 por cento de jogadores. O interesse vai decrescendo nos escalões etários mais velhos e entre os inquiridos dos 16 aos 18 anos a percentagem de jogadores decresce para os 26,8 por cento 53

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 54

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

Actividades como enviar ficheiros ou fotografias, entrar em chats ou comunidades virtuais ou ouvir rádio através da internet são práticas por entre 20 por cento a sensivelmente 25 por cento dos jovens internautas. Entre os sexos, as maiores diferenças verificam-se quanto a entrar em chats ou comunidades virtuais ou ouvir rádio através da internet com 25,8 por cento e 24,5 por cento dos rapazes a realizarem essas actividades, respectivamente, em comparação com 18 por cento e 15,7 por cento das raparigas, respectivamente. Quanto às diferenças entre os escalões etários observa-se que a prática de enviar ficheiros e fotografias vai aumentando com a idade visto que apenas 10,6 por cento e 10,4 por cento dos internautas mais novos afirmam que enviam ficheiros e fotografias, respectivamente, enquanto que entre os mais velhos essas fracções são de 36,7 por cento e 31,7 por cento, respectivamente. Entrar em chats ou em comunidades virtuais é também mais comum entre os mais velhos onde 33,6 por cento o fazem, sendo uma actividade menos comum entre os mais novos onde 15,3 por cento têm esse hábito. Entre 10 por cento e 20 por cento dos internautas inquiridos utilizam a rede para procurarem informações sobre actividades na sua localidade, descarregarem músicas ou filmes da rede, lerem opiniões de outras pessoas nas suas páginas na internet ou blogues, ver televisão ou filmes disponíveis na internet ou entrarem numa página da internet relacionada com um programa de televisão. Observa-se uma maior percentagem de inquiridas que procuram informação sobre actividades da sua localidade (23,9 por cento) do que de rapazes (16,4 por cento). Por seu turno, há uma maior percentagem de internautas do sexo masculino que descarregam músicas ou filmes da internet (22,2 por cento), lêem opiniões de outras pessoas nas suas páginas online (16 por cento), vêem televisão ou filmes disponíveis na internet (19,9 por cento) ou que entram numa página relacionada com um programa televisivo (14,2 por cento), em comparação com 12,8 por cento, 11 por cento, 6,1 por cento e 10,1 por cento das jovens inquiridas, respectivamente. Comparando as faixas etárias, é curioso verificar uma percentagem maior de inquiridos dos 8 aos 12 que procuram informações sobre actividades na sua localidade (25,4 por cento) do que entre os mais velhos (19 por cento), visto que os jovens mais velhos supostamente gozam de mais liberdade e mais autonomia para sair e portanto estariam, em princípio, mais interessados em saber o que se passa na sua localidade em termos de actividades. Todavia, as diferenças percentuais não são suficientemente discrepantes para po54

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

DA TECNOLOGIA À WEB

Page 55

2.0 – CRESCER NA ERA DIGITAL

dermos tirar grandes conclusões. Quanto a descarregar filmes é claramente uma actividade mais realizada pelos inquiridos dos escalões etários mais velhos, em especial pelos inquiridos dos 13 aos 15 anos (24,3 por cento) do que pelos internautas mais novos (6,6 por cento). Também se verificam percentagens maiores de inquiridos entre os 13 e os 18 anos que lêem opiniões de outras pessoas nas suas páginas online (cerca de 15 por cento) do que entre os mais novos (10,8 por cento). Quanto a ver televisão ou filmes disponíveis na internet a maior percentagem de inquiridos que o fazem verifica-se entre os 16 e os 18 anos (18,9 por cento) e a menor entre os inquiridos dos 13 aos 15 anos (7,5 por cento). No que concerne a utilização da internet guiada pelas amizades e pelas redes de relações, uma percentagem um pouco inferior a 40 por cento de jovens participam em chats ou newsgroups e entre 20 e 30 por cento dos jovens combinam ou marcam saídas com os amigos, contactam os amigos na rede quando estão desanimados ou consultam blogues. Quanto à participação em chats ou newsgroups, é patente uma clivagem entre rapazes e raparigas, sendo entre aqueles que há uma maior fracção de jovens, nomeadamente de 47 por cento, que participam em chats ou newsgroups, enquanto que a percentagem de raparigas que fazem o mesmo decresce para os 29,1 por cento. Metade dos jovens internautas dos 16 aos 18 anos participa em chats ou newsgroups enquanto que apenas 26,4 por cento dos mais novos fazem a mesma coisa. Quanto a combinar ou marcar saídas com os amigos, as diferenças entre os sexos não são muito marcadas. É entre os diferentes escalões etários que se verificam as maiores diferenças, em especial, se compararmos os inquiridos mais novos com os mais velhos. Como seria de esperar, é entre estes que se verifica a maior percentagem de inquiridos, totalizando 38,4 por cento, que marcam ou combinam encontros com os amigos através da internet, visto serem mais velhos e gozarem de maior autonomia e liberdade. Os mais velhos utilizam assim a internet como um meio de aprofundar as suas relações offline. Entre os mais novos apenas 18,4 por cento afirmam usar a internet para combinarem ou marcarem saídas. Verifica-se ainda uma percentagem um pouco maior de rapazes do que de raparigas que contactam com os amigos na rede quando estão desanimados. Mas mais uma vez é na comparação entre as faixas etárias que se observam as maiores diferenças. 34 por cento dos inquiridos dos 16 aos 18 anos afirmam que contactam os amigos na rede quando estão desanimados enquanto que nos restantes escalões etários a percentagem de jovens que 55

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 56

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

admitem fazê-lo decresce para os 18,8 por cento. No que respeita à consulta de blogues, mais uma vez as diferenças mais relevantes verificam-se comparando os inquiridos de diferentes idades. É entre os jovens dos 13 aos 15 anos que há maior percentagem de inquiridos que consultam blogues na internet (27,3 por cento) e é entre os mais novos que se verifica a maior percentagem de inquiridos que o fazem (16,7 por cento). Um pouco contra os medos de que a internet pode fomentar o isolamento social, 43,3 por cento é da opinião que a internet não influenciou os seus contactos com os amigos e uma percentagem ligeiramente superior de jovens (44,8 por cento) comunga da opinião de que os contactos com os amigos aumentaram ou aumentaram fortemente. 27,2 por cento dos jovens acham que os contactos com pessoas com quem partilham hobbies e outras actividades recreativas aumentaram, em contraste com 12 por cento que declaram terem diminuído os contactos. Entre os poucos jovens que trabalham, também mais jovens a declararem que aumentara ou aumentaram fortemente os contactos com pessoas da mesma profissão 21,8 por cento e apenas 3,8 por cento afirma que esses contactos diminuíram. Verifica-se também que há uma maior percentagem de jovens inquiridos a dizerem que os contactos com familiares aumentaram (19,5 por cento), do que a fracção de jovens que afirmam que os contactos familiares diminuíram (12,4 por cento). Inversamente, 24,8 por cento dos jovens adianta que os contactos com pessoas com quem partilham interesses políticos diminuíram ou diminuíram fortemente e apenas 3,9 por cento afirma que esses contactos aumentaram. Também se verifica uma maior percentagem de jovens a afirmarem que os contactos com pessoas com interesses totalmente diferentes dos seus diminuíram ou diminuíram fortemente (19,9 por cento) do que de jovens que declaram que esses contactos aumentaram (9,7 por cento). Por fim, 18,3 por cento dos jovens afirmam ainda que o contacto com pessoas com quem partilham a mesma religião diminuiu ou diminuiu fortemente, sendo que apenas 6,7 por cento dos jovens dizem que esse tipo de contactos aumentou. É, no entanto, de sublinhar que a grande tendência é para os jovens acharem que os vários tipos de contactos nem aumentaram nem diminuíram. Dentro daqueles que têm acesso à internet, 31,5 por cento dos jovens utiliza algum serviço de mensagens instantâneas (MSN Messenger, Yahoo Messenger, Sapo, etc.). Não se verificam grandes discrepâncias entre os sexos, por outro lado, observa-se claramente que os inquiridos 56

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

DA TECNOLOGIA À WEB

Page 57

2.0 – CRESCER NA ERA DIGITAL

mais velhos são os maiores utilizadores e a sua utilização decresce entre os inquiridos mais novos. Apenas 18,3 por cento dos inquiridos dos 8 aos 12 anos declara que utiliza serviços de mensagens instantâneas, entre os inquiridos dos 13 aos 15 anos essa percentagem sobe para os 33,1 por cento e entre os mais velhos chega aos 41,1 por cento. Entre os utilizadores de serviços de mensagens instantâneas, 71,3 por cento usa esses serviços com frequência, isto é, diariamente ou duas a três vezes por semana, estando em minoria os utilizadores esporádicos. Há mais utilizadores frequentes do sexo masculino do que do sexo feminino, e entre aqueles 52,8 por cento declara que utiliza IMP’s diariamente em compara com 31,2 por cento das raparigas. Como se verificou há uma menor percentagem de inquiridos mais novos a utilizar IMP’s, mas estes poucos utilizadores mais novos são utilizadores bastante frequentes desses serviços: 64,5 por cento utiliza esses serviços diariamente e os restantes utilizam duas a três vezes por semana. Ao contrário do que acontece com a utilização simples dos serviços de mensagens instantâneas, a frequência de utilização decresce entre os escalões mais velhos. Entre os inquiridos dos 13 aos 15 anos, 56,6 por cento utiliza esses serviços diariamente e 17,5 por cento utiliza-os duas a três vezes por semana. Entre os inquiridos mais velhos essas percentagens decrescem para 24,9 por cento e 34,1 por cento respectivamente. Há, portanto, mais utilizadores entre os mais velhos mas são utilizadores mais esporádicos, seguindo outros interesses e outras actividades. Praticamente todos os inquiridos falam com amigos (98,8 por cento) e 30,7 por cento fala com familiares. É curioso constatar que nenhum dos inquiridos declarou falar com outras pessoas. 71,4 por cento dos jovens declara ainda que personaliza os seus IMP’s com fotos ou imagens, sendo menos frequente a utilização de frases pessoais ou pensamentos (34,3 por cento) e a ainda menos colocar num mostrador do serviço as músicas em audição (10,6 por cento). Apenas uma pequena minoria (3,6 por cento) declara não usar qualquer tipo de personalização. 54,2 por cento dos jovens afirma que as personalizações servem para demonstrar o seu estado de alma e 32,1 por cento declaram que serve para afirmar uma causa ou uma ideia, sendo estes os dois principais motivos das personalizações. 10,6 por cento afirma ainda que as suas personalizações servem para partilhar o estilo de música de que gostam e para 7,2 por cento para exibir um símbolo, um herói ou um role model. 57

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 58

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

Dos utilizadores de IMP’s, 89,1 por cento têm principalmente pessoas pertencentes ao grupo de amigos nos seus contactos e apenas uma minoria possui principalmente contactos de familiares, de colegas de trabalho ou da escola, ou grupos de amigos ou de familiares. 55,6 por cento dos inquiridos gere os sinais de presença/ausência com frequência ou muita frequência e apenas 14,9 por cento não faz essa gestão. Sem dúvida o principal motivo para a utilização dos IMP’s, adiantado por 74,1 por cento dos jovens internautas, é conversar com os amigos, colegas e conhecidos, sendo que os outros motivos são adiantados sempre por uma minoria dos inquiridos. 31 por cento dos jovens utiliza ainda os IMP’s para combinar encontros e 23,5 por cento dos jovens confessam mesmo que utilizam esse serviço para passar o tempo ocupado a falar de coisas fúteis e sem interesse. 17 por cento dos jovens internautas aproveitam esses serviços para discutir temas ou assuntos da actualidade e 16,1 por cento para saber como está um amigo(a) que não veêm há muito tempo. Pouco mais de um décimo dos jovens aproveita os IMP’s para trabalhar ou estudar, combinar encontros com familiares, namorar ou estabelecer contactos afectivos ou amorosos. 7,9 por cento combina ainda encontros com o/a namorado/a.

58

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 59

CAPÍTULO 3 TV – A CAIXA QUE OS JOVENS MUDARAM

A televisão que o Afonso conhece é diferente dessa “lareira electrónica” que invadia a casa dos portugueses há umas décadas. As ofertas, os canais de produção e distribuição diversificaram-se e alteraram-se acompanhando a fragmentação de interesses e a individualização na relação com os media. A própria relação dos espectadores/consumidores com a televisão tem vindo a mudar. Como observou Cardoso (2006: 213), a comunicação é um produto de três condições: a organização económica dos media que se reporta à forma como se relacionam os diferentes media em termos de transmissão e produção de conteúdos; as diferentes matrizes de media que se reportam às nossas representações ou atitudes face aos media e às formas de classificação dos media em função das nossas necessidades e objectivos; e as nossas dietas mediáticas, ou práticas com os media. Esta conjugação de dimensões veio produzir um modelo comunicacional em afirmação nas sociedades contemporâneas, articulado em rede e caracterizado por uma síntese de diferentes dimensões de comunicação, como a comunicação interpessoal ou a comunicação em massa (Eco, 2004), aliada à convivência entre media de difusão (televisão, rádio ou jornais) e novos media como a internet (Colombo, 2000). Cardoso avança a hipótese que o sistema dos media se articula cada vez mais em torno de duas redes principais, que por sua vez comunicam entre si. Essas redes constituem-se respectivamente em torno da televisão e da internet, criando nós com outras tecnologias de comunicação e informação como o telefone, a rádio ou a imprensa. 59

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 60

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

Para perceber a relação do Afonso com a televisão convém perceber o papel da televisão na dita sociedade informacional e organizada em rede. Os dados dos nossos inquéritos apontam que no início do século XXI, o uso da televisão por parte do público juvenil continua a ser a actividade quotidiana mais realizada. A televisão não deixa de ser vista pela larga maioria da televisão, muitos jovens ainda passam muitas horas em frente ao ecrã da TV e parte dos jovens têm a percepção que são eles quem mais vêem televisão em casa (perto de um terço dos inquiridos online têm essa percepção), em especial, as jovens do sexo feminino e as crianças mais novas. Os dados do inquérito nacional demonstram ainda outros indicadores sobre a relevância da televisão no quotidiano de crianças e adolescentes. Segundo dados apurados, cerca de metade dos jovens declaram que os conteúdos televisivos são assunto de conversa entre os pares às vezes e 15,3 por cento afirmam que o são frequentemente ou muito frequentemente. Porém, assistimos a uma diminuição do tempo de visionamento de televisão por parte de quem utiliza a internet. Concomitantemente, a importância subjectiva que os adolescentes atribuem à televisão tem decrescido, em particular, face a outros media como a internet ou o telemóvel, o que leva vários autores a interrogarem-se sobre se será ainda a televisão o elemento central quer do sistema dos media quer da cultura dominante nas nossas sociedades contemporâneas (Cardoso, 2006, Castells, 2002, Ortoleva, 2004).

Da televisão paleolítica à televisão interactiva e em rede A televisão é hoje em dia (com excepção dos canais noticiosos) essencialmente uma fonte de entretenimento em termos de programação, embora nem sempre tenha sido entendida como tal (Colombo, 2003). Muitos dos conteúdos televisivos apelam especificamente aos jovens, considerando-os um público-alvo privilegiado. São muitas vezes conteúdos que passam um tom de informalidade na relação com o espectador, apelam à participação e à interactividade. Esforçam-se por agarrar a atenção dos espectadores mais novos, cientes de que sofrem a concorrência de outros meios de comunicação inserida num sistema mediático em rede. A relação dos jovens com a televisão parte, a jusante, dos desenvolvimentos no panorama televisivo no que respeita à organização económica dos media, ao desenvolvimento tec60

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

TV

18:02

Page 61

– A CAIXA QUE OS JOVENS MUDARAM

nológico e às formas de produção e difusão de conteúdos e, a montante, das matrizes de media e das formas específicas de apropriação desse meio de comunicação por parte do público juvenil. Podemos pensar a história da televisão em diferentes momentos cronológicos (Cardoso, 2006). Podemos identificar uma primeira fase em Portugal que começou em 1957 com o início de emissões da RTP e que se estendeu pelos anos 80 (sendo que até 1974 as emissões decorrem num modelo de governo ditatorial). É a fase de monopólio, onde ocorre uma identificação de serviço público com o próprio meio televisão. Nesta fase, que pode ser descrita como paleo-televisão, predominavam as lógicas institucionalizadas do Estado e a comunicação pedagógica com o espectador onde transparece uma ideia de cultura como um conjunto de reportório definido pela própria programação televisiva. A partir sensivelmente da década de noventa, em Portugal, o panorama audiovisual começou a alterar-se. Passou-se assim a uma segunda fase correspondendo à formação de um sistema misto de televisão pública e privada. Este sistema misto é assente numa ideia de separação de objectivos entre público e privado, que tem servido para legitimar a existência de serviços públicos de televisão. São atribuídas funções manifestas ao serviço público como informar no sentido literal da palavra, não misturando informação com entretenimento ou com notícias de teor sensacionalista ou democratizar a cultura, vista como circulação espontânea de ideias, e não como um reportório definido fixo. Nesta fase, o acesso à televisão por satélite tornou-se mais comum e começaram a ser introduzidos servisses pagos de televisão, nomeadamente, a TV por cabo que distribui conteúdos e programas televisivos direccionados a públicos mais específicos. Os serviços de televisão como a TV por cabo tiveram uma grande expansão nas últimas décadas e em ambos os inquéritos verifica-se que mais de metade usufruem desses serviços, na maior parte das vezes pagos. Baseados em dados de ambos os inquéritos, podemos afirmar que a probabilidade de o Afonso ter televisão paga (TV cabo, satélite, etc.) em casa é superior a 50 por cento. Entre os jovens que usufruem de serviços de televisão, para pouco mais de três quartos dos inquiridos, a TV Cabo é o fornecedor principal, com a Cabovisão a surgir em segundo lugar a grande distância e com a TV Tel e a Bragatel a servir pequenas minorias dos respondentes. Na primeira década do século XXI assistimos à afirmação de um duopólio privado e de um operador público. Verificamos ainda a afirmação 61

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 62

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

da neo-televisão caracterizada pelo aumento do número de operadores, expansão dos horários de emissão e por mudanças na natureza e estrutura das emissões, mas sobretudo, pela alteração dos modelos de produção de programas e modalidades de consumo. No que respeita à difusão, um sinal importante da mudança da televisão em Portugal foi a introdução da televisão por cabo em 1994, quando a Bragatel foi a primeira empresa a ser licenciada ICP - Instituto das Comunicações de Portugal, assim como foi a primeira a operar. Só após a criação da Bragatel e estar a operar foi constituída a empresa TV Cabo Portugal detida a 100 por cento pelo grupo Portugal Telecom, com a intenção de prestar serviços de distribuição de canais televisivos generalistas e temáticos no território de Portugal continental. No ano de 1995 a Cabovisão começa a operar em Portugal com o intuito de prestar serviços de televisão por cabo, internet de banda larga e telefone fixo por cabo. A nível nacional, entre aqueles que usufruem de serviços de televisão, pouco mais de três quartos dos inquiridos usam a TV Cabo como fornecedor principal. A Cabovisão surge em segundo lugar com 14,8 por cento de clientes entre os jovens portugueses inquiridos e 5,6 por cento dizem ter outro operador como a TV Tel ou a Bragatel. Contudo, o maior desafio agora é transição do modo analógico de difusão para o modo digital. De acordo com a Anacom, “a passagem do modo analógico para o modo digital na difusão da televisão é, em certa medida, uma nova etapa, provavelmente, a última e de importância crucial neste longo processo de aplicação progressiva das tecnologias digitais ao conjunto dos canais audiovisuais. É certo que a rede digital não vai revolucionar a curto prazo toda a paisagem audiovisual. A passagem para o digital torna possível uma gestão mais económica do espectro das frequências, sendo possível utilizar as frequências – uma vez acabado o serviço analógico – quer para aumentar o espectro atribuído à televisão digital, quer para novos usos.”5 Em 1993 começou o projecto Digital Vídeo Broadcasting, com o objectivo de criar as condições técnicas necessárias à implementação da televisão digital na Europa, ao qual Portugal se associou. A partir da difusão digital, a televisão interactiva começa então a dar os primeiros passos, associada à explosão dos computadores pessoais e da internet. O processo de difusão da televisão digital emprega diversos meios de transmissão, entre eles: cabo,

5

62

http://www.anacom.pt/template12.jsp?categoryId=2336 (Acesso em Julho 2008).

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

TV

18:02

Page 63

– A CAIXA QUE OS JOVENS MUDARAM

satélite, difusão terrestre e internet. À data de 2006, ainda não existiam canais digitais a serem emitidos em frequências terrestres quer em Portugal Continental, quer nas regiões autónomas (Madeira e Açores). Mas no final de 2006, é concedida ao grupo Media Capital uma autorização temporária com dispensa de licenciamento para utilização de canais específicos, com vista à realização de ensaios técnicos relativos às tecnologias de televisão digital. O início de 2012 é o prazo limite, estabelecido pela Comissão Europeia, para o encerramento das emissões analógicas em todos os Estados Membros da UE. Para que Portugal possa atingir esse objectivo, o Governo tem de aprovar a Lei da Televisão e abrir concurso para operadores da TDT. Entretanto, em 2007 surgem propostas de visualizar televisão sobre IP (IPTV - internet Protocol Television), que ainda se encontra actualmente numa fase embrionária. A PT comunicou em Fevereiro deste ano o facto de se encontrar a lançar uma oferta triple-play (internet, voz e televisão num só produto) sobre ADSL, enquanto no mercado existe apenas a SmarTV lançada pela Clix. Entretanto começam a estabelecer-se canais cujo meio exclusivo de difusão é a internet. Neste âmbito, a TVNET é a primeira televisão portuguesa da internet. Podemos ver aqui o embrião de uma integração cada vez mais profunda de diferentes media no computador, onde conteúdos cinematográficos são descarregados da internet a pedido do usuário. Em canais de televisão como a ABC ou a FOX é possível visionar em streaming séries de televisão com bastante qualidade. A televisão parece estar a evoluir para uma forma ou meio de entretenimento e informação, onde o consumidor é um simples espectador. Têm crescido as formas de interacção com o público que podem assumir várias formas. Verificam formas mais simples de interacção como as mensagens SMS ou por e-mail para os vários programas televisivos, a participação em concursos, em fóruns de opinião, etc. Mas com o advento da televisão digital as formas de interactividade prometem ser de outra ordem: por exemplo, parar uma emissão em directo e retomá-la no ponto onde ficou ou organizar uma grelha de programação actualizada de todos os canais. As possibilidades poderão passar em criar um canal próprio, partilhá-lo com um círculo de amigos ou família, carregar dados, assistir aos conteúdos carregados por outros, fazer vídeo-conferência ao mesmo tempo que envia emoticons ou winks6 aos

6

Imagens ou animações que expressam estados emocionais.

63

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 64

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

membros de uma comunidade online. Há aqui portanto a promessa de que o consumidor deixe de ser um espectador passivo e passe a estar no centro da emissão, activamente responsável pelos conteúdos que são disponibilizados no seu próprio canal, e não no seu destino final. A flexibilidade e a interactividade, parecem ser as novas palavras de ordem. As novas formas de difusão da televisão veêm aproveitar as potencialidades da comunicação em rede, entre a qual os jovens estão a crescer. Irá ser mais um acrescento num ambiente mediático de ofertas múltiplas o qual obriga, em muitas situações, os futuros consumidores, em especial, os jovens a escolherem aquilo que querem ver e em que doses. Mas se a interactividade é uma palavra de ordem nas práticas das empresas e do pensamento estratégico das mesmas no que respeita a televisão digital, ao nível da relação dos jovens com a televisão ainda não tem uma presença significativa. Os suportes tecnológicos já existem, mas a televisão interactiva e a integração da televisão em rede com outros media ainda é uma realidade a ser apropriada pela maior parte dos jovens portugueses, embora possam constituir um público especialmente susceptível à sua adopção. Ademais, o desenvolvimento da televisão digital em Portugal e na Europa assenta essencialmente num processo político associado a imperativos económicos (Papathanassopoulos, 2002) e não na exigência do telespectador comum de suprir uma necessidade social através da inovação tecnológica (Winston, 1999). Richieri (2002) acrescenta ainda que a TV digital não alterou, até agora, os formatos televisivos, quer no que diz respeito aos conteúdos acessíveis, quer na forma como os programas são conduzidos pelos apresentadores, intervenientes e jornalistas, obedecendo aos modelos tradicionais de distribuição de poder de controlo sobre a emissão e sobre os conteúdos. Quanto à integração de conteúdos na internet, hoje em dia, os canais de televisão disponibilizam informação variada sobre os conteúdos dos programas televisivos e sobre as grelhas de programação. Porém, apenas uma minoria de 12,5 por cento de jovens respondentes já se ligaram à internet para verem páginas relacionada com um programa de televisão. Ainda entre os que já consultaram páginas na internet sobre programas televisivos, o tipo de programas referenciado por perto de metade são as telenovelas e só uma minoria muito 64

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

TV

18:02

Page 65

– A CAIXA QUE OS JOVENS MUDARAM

circunscrita de adolescentes já participaram em algum fórum online sobre programas televisivos. Entre esses jovens telespectadores, um terço navegam nessas páginas raramente, mas 41,7 por cento fazem-no às vezes. Os que o fazem frequentemente ou muito frequentemente correspondem a cerca de um quarto. Ainda entre os que já consultaram páginas na internet sobre programas televisivos, o tipo de programas referenciado por uma maior percentagem de jovens, nomeadamente 48,8 por cento, são as telenovelas. As páginas sobre concursos foram consultadas por 6,5 por cento dos inquiridos, 3,1 por cento consultaram páginas sobre filmes ou séries e 35,6 por cento referenciam ainda outro tipo de programas entre os quais o Curto Circuito, o Gato Fedorento, o Circo das Celebridades, programas de luta livre, entre outros. Alguns inquiridos referem ainda que visitam as páginas não especificamente de programas mas de estações de televisão. Só uma minoria circunscrita a 1,6 por cento de jovens telespectadores participou em algum fórum online sobre um programa de televisão e fizeram-no apenas raramente. O principal tipo de programas sobre o qual participaram em fóruns refere-se a telenovelas (em 73,9 por cento dos casos). O programa Curto Circuito é também referenciado, assim como os fóruns sobre filmes e séries.

“Quero uma televisão no meu quarto!”: a geografia da televisão nos lares portugueses A geografia da televisão também se alterou: verifica-se uma migração, na generalidade dos lares, para a cozinha, o quarto dos pais e o próprio quarto dos adolescentes. Entre os jovens inquiridos online, 60,6 por cento diz ter um aparelho de TV no quarto. Quanto às televisões que existem em casa, mais de 70 por cento dos internautas tem três ou mais televisões. A nível nacional, apenas uma pequena minoria de 2,7 por cento dos inquiridos têm uma televisão em casa. Uma parte bastante significativa dos jovens inquiridos declaram que têm duas ou três televisões em casa (70,1 por cento) e 22,4 por cento dos inquiridos têm entre 4 a 7 televisões em casa. O que significa que para a esmagadora maioria dos lares a sala de estar não detém 65

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 66

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

o monopólio da televisão, ela expandiu para outras divisões da casa e em muitos lares estará presente em quase todas as divisões como o quarto dos pais, dos filhos ou a cozinha. Fracções bastante significativas de jovens, em especial, entre os respondentes online, declaram que têm um aparelho de TV no quarto. Esta diáspora da televisão foi simultaneamente devida a factores económicos, como o maior poder de compra que as famílias começaram a sentir nas últimas décadas, assim como devida a factores sociais. A expansão do ecrã televisão pela casa poderá significar uma fragmentação dos interesses dos membros do agregado familiar e ter mais do que uma televisão em casa é solução para os interesses divergentes dos membros do grupo doméstico. Estas transformações foram igualmente acompanhadas pela introdução de novas formas de difusão, em especial, a TV por cabo. Com a introdução da TDT e da IPTV, poderemos talvez esperar uma relação cada vez mais individualizada com a televisão. De facto, os jovens parecem manter uma relação mais individualizada com a televisão em comparação com o que acontecia nas gerações anteriores, embora o visionamento de programas junto da família ainda se verifique. Entre os jovens inquiridos pela internet, 80,9 por cento declaram que veêm televisão sozinhos mas, ainda assim, uma percentagem apreciável de jovens diz ver habitualmente televisão com o pai ou com a mãe, 60,5 por cento e 68,7 por cento respectivamente. Vislumbra-se portanto a tendência para haver uma maior percentagem de inquiridos que veêm televisão com a mãe do que de inquiridos que veêm televisão acompanhados pelo pai. Ver televisão com os irmãos, também é um hábito para 56,6 por cento dos inquiridos. Menos frequente é ver televisão com um amigo ou amiga (21,9 por cento), com outro familiar (18 por cento) ou com outras pessoas (11 por cento). Quanto às diferenças entre os escalões etários, verifica-se que há, sem surpresas, uma menor fracção de internautas dos 8 aos 12 anos que veêm televisão sozinhos. Ainda assim, essa fracção atinge quase três quartos dos inquiridos. A maior fracção de inquiridos que veêm televisão sem estarem acompanhados é registada entre os inquiridos dos 13 aos 15 anos (82,5 por cento). Regra geral, os inquiridos mais velhos são os que menos veêm televisão acompanhados dos pais, irmãos ou outros familiares. Inversamente, há uma maior percentagem de inquiridos mais novos que veêm televisão com a mãe (75,8 por 66

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

TV

18:02

Page 67

– A CAIXA QUE OS JOVENS MUDARAM

cento) ou com pai (65,8 por cento), enquanto que entre os mais velhos essa percentagem decresce para os 67,3 por cento e 57,5 por cento, respectivamente. São também os mais novos que estão mais acompanhados pelos irmãos ou outros familiares. Mas é entre os jovens dos 13 aos 15 anos que se verifica a maior percentagem de inquiridos que veêm televisão com um amigo ou amiga e, pelo contrário, são os jovens dos 16 aos 18 anos que registam a menor percentagem (19,2 por cento). Além disso, a televisão tem-se integrado no sistema dos media em rede, servindo, muitas vezes, apenas como um pano de fundo omnipresente, partilhado em regime de multi-tarefa com várias actividades quotidianas e mediáticas, ao qual ligamos e desligamos a nossa atenção. A esmagadora maioria dos jovens inquiridos a nível nacional (91,1 por cento) afirmam que a televisão em casa está ligada às horas das refeições e cerca de metade (51,5 por cento) confessam que a televisão fica ligada mesmo quando ninguém está a ver.

As preferências televisivas dos jovens portugueses Entre os canais de televisão mais populares entre os jovens, a TVI surge claramente como o canal mais visto pelo público juvenil. Pouco mais de metade escolheram este canal como o principal canal que veêm. A SIC surge em segundo lugar com 21,2 por cento de jovens telespectadores a afirmarem que é esse o canal que mais veêm. A RTP1 apenas obtém 4,5 por cento das preferências dos jovens, uma percentagem pouco acima daqueles que escolheram a SIC Radical (4,3 por cento). O canal Panda, o Disney Channel, o canal Fox e a MTV, que são canais difundidos por cabo ou por satélite, conseguem obter entre 2,4 por cento e 2,8 por cento das preferências. A SIC Comédia, a AXN e a GNT, também com difusão por cabo ou por satélite, atraem mais de 1 por cento das preferências, assim como a RTP2. Canais de televisão como o Discovery, Lusomundo Premium, Odisseia, Sport TV ou Cartoon Network, obtêm menos de 1 por cento das preferências. Portanto, apesar da maior fragmentação de gostos, os canais generalistas continuam nos lugares cimeiros em termos de preferências. A TVI é ainda a estação escolhida pela maior 67

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 68

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

fracção de jovens para assistir a séries televisivas de humor e de ficção, seja de produção nacional ou estrangeira, aparecendo a SIC, mais uma vez, em segundo lugar. Como assinalou Cardoso (2006), no início do século XXI, a relação média entre informação e entretenimento nos canais públicos e privados da televisão generalista hertziana era de cerca de um quarto contra mais de 50 por cento, respectivamente. Nas televisões comerciais privadas essa relação era ainda mais desigual a favor do entretenimento. Interessa aqui perceber como se caracterizam os modelos de entretenimento e informação actual, em especial, no que respeita o público juvenil. Por outro lado, interessa também perceber como valorizam os jovens, como agentes activos, a informação e o entretenimento que lhes é oferecido. As telenovelas têm uma posição central no tipo de programas visionados pelos jovens. No que concerne os programas favoritos dos jovens, 81,7 por cento declaram que preferem assistir a filmes e uma percentagem igualmente expressiva de jovens (78,7 por cento) preferem assistir a telenovelas portuguesas. O cinema, mesmo não sendo comparável ao papel principal desempenhado pela televisão, através do seu visionamento televisivo mantém o contacto com as massas, em particular com uma parte bastante significativa do público juvenil. No panorama televisivo o importante papel dos filmes na televisão fica a dever-se à própria evolução da relação entre ficção e televisão e à expansão de oferta quer no cabo quer no satélite. O terceiro tipo de programa mais escolhido pelos jovens, são os programas de humor que recolheram 71 por cento das respostas, e uma fracção muito próxima de inquiridos (70,6 por cento) escolheram os desenhos animados. Os programas de desporto são ainda do agrado de 57,9 por cento dos jovens inquiridos e 56,3 por cento declaram gostar de concursos. As séries nacionais também são do agrado de mais de metade dos inquiridos (53,8 por cento), assim como as séries internacionais (51,8 por cento) e as telenovelas brasileiras (51,1 por cento). Os restantes programas são escolhidos por menos de metade dos jovens telespectadores, entre eles os documentários (com 42,5 por cento das preferências), os reality shows (com 35,3 por cento das escolhas), as notícias (34,8 por cento) e por último os talk shows (com apenas 18 por cento das preferências). Estes dados espelham portanto a oferta televisiva em termos da relação entre informação e entretenimento. 68

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

TV

18:02

Page 69

– A CAIXA QUE OS JOVENS MUDARAM

TABELA 3.1 PROGRAMAS PREFERIDOS PELOS JOVENS PORTUGUESES

Desporto Reality shows Concursos Telenovelas portuguesas Telenovelas brasileiras Programas de humor Séries nacionais Séries internacionais Filmes Talk shows Desenhos animados Notícias Documentários

N

%

160 97 155 217 141 196 148 143 225 50 195 96 117

57,9 35,3 56,3 78,7 51,1 71,0 53,8 51,8 81,7 18,0 70,6 34,8 42,5

Fonte: Inquérito realizado a nível nacional

Em termos de géneros televisivos, a ficção assume claramente um lugar central na “dieta” televisiva dos jovens, apesar de sucessos televisivos no campo dos reality shows como o programa Big Brother. Este programa atingiu de facto audiências muito significativas em diferentes mercados, entrou na cultura popular e foi alvo de muitas conversas e debates. Contudo, programas desse tipo, encontram-se hoje, em todos os mercados, em declínio. No campo das preferências dos jovens, os reality shows não fazem parte dos programas favoritos do público juvenil. Para aqueles que receavam uma televisão transformada e dominada pelos reality shows e as suas consequências para a cultura popular, a “realidade” demonstra que constituem normalmente sucessos de curto prazo. Daí que faz todo o sentido a hipótese avançada por Cardoso (2006: 239) de “que concursos e reality shows correspondem a armas tácticas de curto prazo geridas pelas estações televisivas muitas vezes como forma de substituir um programa que falhou (seja ele uma série cómica ou uma novela).” Apesar de as telenovelas não estarem em primeiro lugar nos programas favoritos – embora numa posição muito próxima aos filmes no que respeita às preferências - são o principal tipo de programas a que os jovens assistem (em 53,1 por cento dos casos), em especial, as direccio-

69

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 70

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

nadas para os jovens como a novela Morangos com Açúcar. Por seu turno, embora os filmes tenham sido escolhidos por uma maior fracção de jovens como os programas favoritos, apenas 11,7 por cento dos inquiridos declaram que os filmes e séries são os principais programas televisivos a que assistem. A seguir encontram-se os desenhos animados como o principal tipo de programa a que os jovens assistem habitualmente (com 10,3 por cento das escolhas). Os programas de desporto são referidos, em primeiro lugar, por 7 por cento dos jovens inquiridos, os concursos por apenas 3,4 por cento e ainda menos jovens telespectadores (3 por cento) escolhem os programas de informação. As crianças e os adolescentes fazem a sua própria valorização, como agentes activos, do tipo de programas que lhes é oferecido. Cerca de metade dos jovens inquiridos portugueses são da opinião de que a oferta de programas para a sua idade é regular, mas 13,8 por cento dos jovens acham que a programação é má. Um terço dos jovens estão mais satisfeitos e acham que a programação é boa mas apenas 2,2 por cento acham que é muito boa. Quanto aos horários dos programas que interessam aos jovens, 20,7 por cento expressam a sua insatisfação e 43,9 por cento acham que os horários são regulares. Ainda assim 31,8 por cento dos jovens inquiridos consideram que os horários televisivos são bons mas só uma pequena minoria de 3,6 por cento de jovens consideram os horários muito bons. Outros dados podem servir de crítica à ideia de público juvenil como um público amorfo, sem visão crítica, que “papa” tudo o que lhe põem à frente. Apenas 5,3 por cento dos jovens telespectadores consideram que a qualidade da televisão que veêm é má mas 52,5 por cento são da opinião que é apenas regular. Perto de 40 por cento são da opinião que a qualidade daquilo que assistem na televisão é boa porém uma minoria circunscrita de 2,3 por cento de jovens consideram que é muito boa. É quanto à quantidade de publicidade durante os programas que se regista claramente a maior fracção de jovens inquiridos insatisfeitos, que ascende aos 52,3 por cento. A fracção de jovens telespectadores que consideram a quantidade de publicidade regular decresce para os 27,5 por cento e desce ainda mais para os jovens que são da opinião que é boa (18,1 por cento) e apenas 2,2 por cento acham que é muito boa. Os dados apresentados destroem igualmente as generalizações sobre as crianças, que as veêm como um grupo essencialmente homogéneo quanto à forma com apropriação e como veêm e valorizam a televisão. Esta noção 70

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

TV

18:02

Page 71

– A CAIXA QUE OS JOVENS MUDARAM

prende-se também com a questão de saber se as crianças e os adolescentes são ou não suficientemente competentes para julgarem criticamente o que veêm e para exercerem os seus direitos de telespectadores (Buckingham, 2000). Como assinala Buckingham, as crianças podem ser mais competentes do que é julgado pelos adultos, porém é preciso atender ao facto de que elas obtêm competências gradualmente. Além disso, é preciso dar espaço e voz às crianças e adolescentes para que possam ter a possibilidade de se pronunciarem sobre o que lhes é oferecido, de exercerem as suas competências próprias e poderem reivindicar para si alguns direitos enquanto espectadores.

A identidade dos jovens e a televisão: o caso das telenovelas É preciso ter em mente que quando os jovens interpretam um programa televisivo, negociações culturais e processos de formação de identidade tomam lugar. Liebes e Katz (1990) assinalam que um jovem pertencente a uma dada classe ou grupo social avalia um dado programa à sua maneira, ao comparar e medir o seu conhecimento e cultura face às estórias e personagens do programa. Barker (1999) argumenta que vários tipos de identidades, que se cruzam com diferenças de classe, de género, de sexualidade e moralidade, entram em jogo na interpretação de telenovelas e outros tipos de programas de ficção. As identidades que prevalecem num dado momento dependem do tipo de personagem que os jovens falam sobre. Os estudos como os de Liebes e Katz e de Barker focam-se no papel que a televisão tem nos processos de construção e reconstrução da identidade dos adolescentes. A ideia que transmitem é que quando os jovens comparam o comportamento e as identidades dos personagens na televisão com as suas próprias experiências quotidianas, eles estão a moldar activamente as suas identidades – ou talvez a cruzar barreiras culturais. Como assinala Gillespie (1995: 24), falar sobre telenovelas e outras séries de ficção é um fórum para contestar e debater ‘velhas’ e ‘novas’ identidades. No caso particular das telenovelas, nos últimos anos assistiu-se a um impulso e a um crescimento da produção nacional que veio, simultaneamente, criar novos públicos e satisfazer a crescente procura por essa produção. De facto, verifica-se que mais de metade dos jovens respon71

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 72

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

dentes do inquérito presencial aplicado a nível nacional preferem telenovelas com produção portuguesa e apenas 9,6 por cento preferem a produção brasileira. Sem margem para dúvidas, a novela mais mencionada pelos jovens como a favorita é a Morangos com açúcar, sendo que as preferências por outras telenovelas são mais heterogéneas. O que pode explicar, em primeiro lugar, a preferência de um jovem como o Afonso por esta novela é uma identificação cultural mais forte dada a intenção da novela de transmitir uma imagem da cultura juvenil portuguesa. O visionamento de novelas brasileiras poderá significar, por parte do Afonso, duas formas de ler essas novelas: uma implica a decisão do Afonso de se focar nos valores da sua “própria” cultura, tendo como ponto de referência as normas da novela brasileira ou do filme americano; a outra implica fazer “traduções” entre a sua cultura e a da série de ficção estrangeira. As crianças e os adolescentes não são receptores passivos dos conteúdos televisivos e das telenovelas, em particular. Buckingham (1987) sublinha que o que o público juvenil procura activamente construir a sua relação com o programa televisivo nos seus próprios termos. Isso poderá implicar processos de identificação, mas também de abstracção ou sentimentos de desdém, ironia, etc., face aos conteúdos. Buckingham também aponta que falar sobre uma dada telenovela ou programa televisivo é um aspecto importante no processo de dar significado a esse programa. Na sua pesquisa que efectuou, verificou jovens que viam uma dada telenovela porque toda a gente na escola falava sobre ela. Era um tópico regular de discussão entre os pares e, em menor escala, entre a família, tornando-se numa parte importante da vida quotidiana desses jovens. As conversas juvenis em torno das novelas são constitutivas da identidade no sentido de que os jovens negoceiam através de entendimentos comuns sobre como viver em sociedade como pessoas no meio de relações sociais (Barker, 1999). Entre os jovens telespectadores, 56,8 por cento preferem assistir a telenovelas que se baseiam numa história de amor. Esta preferência poderá estar ligada à forma como são activamente comparados e discutidos os valores transmitidos na novela e as relações entre os personagens com relações sociais quotidianas. As novelas jogam um papel na formulação de desejos e ideias no que respeita às relações amorosas e sociais, em especial num período de formação da identidade pessoal e social. Em segundo lugar nas preferências estão as histórias cujas personagens centrais são cómicas, reunindo as escolhas de 17,1 por cento 72

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

TV

18:02

Page 73

– A CAIXA QUE OS JOVENS MUDARAM

dos inquiridos. As novelas baseadas em histórias passadas num contexto urbano são as preferidas de 12,7 por cento dos jovens inquiridos e 9,6 por cento elegem novelas baseadas numa história de traição, ódio ou vingança. As telenovelas cujas personagens centrais são vilãos ou vilãs, de época ou baseadas num contexto rural acolhem menos de 5 por cento das escolhas dos jovens telespectadores. Quantos aos temas que as novelas devem retratar as opiniões aparecem muito dividas visto que há percentagens muito similares de jovens que consideram que as telenovelas devem abordar temas polémicos e actuais da sociedade (61,1 por cento), retratar a realidade portuguesa (59,6 por cento) e educar a população para intervir em determinadas situações (59 por cento). Pelo contrário, uma minoria de 27,2 por cento dos jovens acham que as telenovelas devem tratar apenas de temas que não retrate situações problemáticas. As novelas não impõem um regime moral em jovens telespectadores passivos, antes, devido ao número apreciável de personagens nucleares e ao entrelaçamento das suas relações, as novelas apresentam normalmente um leque de posições morais que os espectadores podem adoptar. Isto dota os jovens telespectadores de um considerável grau de liberdade na interpretação da novela e de retirar da novela os elementos para a construção activa da sua própria identidade. De acordo com Buckingham (1987: 174), as novelas em geral convidam as crianças e adolescentes a envolverem-se em debates morais. Os debates sobre as novelas assim permitem uma apresentação das posições morais e da identidade perante os outros.

A informação televisiva na dieta mediática juvenil O hábito de ver noticiários televisivos é verificado em pouco menos de metade dos jovens e entre os jovens telespectadores: a percentagem de jovens que costumam ver algum noticiário televisivo (45,8 por cento) reparte-se um pouco com a dos que não costumam (53,5 por cento), embora o pendor seja um pouco mais para os que não têm aquele hábito. O noticiário apresenta-se como o tipo de programa que ainda é partilhado em família e que resiste aos ímpetos da relação individualizada com a televisão. Quase todos os jovens, isto é, 93,1 por cento veêm o noticiário em família e apenas 4,6 por cento afirmam que o veêm sozinho. É ainda 73

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 74

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

de assinalar que 72,9 por cento dos jovens telespectadores têm por hábito trocar opiniões sobre o veêm no noticiário. Estes últimos dados demonstram a capacidade de apropriação dos mais novos sobre o que veêm. Há portanto aqui a possibilidade dos telejornais poderem igualmente provocar debates morais e de poderem ser apropriados para a própria construção e reconstrução das identidades de jovens e crianças, trocando opiniões sobre o que veêm com os pais ou com os pares. Tradicionalmente, o espaço das notícias é organizado no fluxo televisivo sobre a forma de telejornais, os quais podem ser distinguidos em função dos seus conteúdos e também da sua dimensão enunciativa e performativa. Estas dimensões que podem ser pensadas de modo estruturado são também apreendidas de forma implícita pelos jovens telespectadores. Os jovens pensam sobre o seu noticiário, apresentador ou comunicador favorito. Reflectem sobre as características de um determinado bloco noticioso e dos seus apresentadores na televisão, sobre quem é o mais credível ou divertido. Neste sentido, o canal de informação mencionado por uma maior percentagem de jovens (em 60 por cento dos casos) como o mais credível é a SIC Notícias. Na segunda posição encontra-se a BBC World escolhida por 17 por cento dos inquiridos como a estação mais credível, em terceiro está a RTP N (escolhida por 9,8 por cento), que suplanta a CNN (mencionada por 8,9 por cento dos jovens) e a Sky News (com 6,1 por cento das escolhas). Entre os jovens telespectadores que veêm regularmente o noticiário, há claramente uma maior percentagem a assistir ao da TVI, que corresponde a 60 por cento dos jovens. Esta distinção da TVI como o canal para o visionamento das notícias por parte do público juvenil corresponde com um modelo enunciativo do conteúdo noticioso próprio dessa estação. É um modelo que poderá ser designado de interpretativo-explicativo (Simonelli, 2001) que privilegia o directo e o pivot como peças-chave na transmissão de informação. Além disso, o alinhamento do telejornal não obedece a uma hierarquia clara entre as notícias mais ou menos importantes. A imagem de marca na apresentação do Jornal Nacional da TVI é a jornalista Manuela Moura Guedes, que é também a responsável pela informação do canal. Os nossos dados confirmam isso mesmo: entre os apresentadores de noticiários, a Manuela Moura Guedes e o Rodrigo Guedes de Carvalho são os que recolhem a preferência de uma maior fracção de jovens e entre os comentadores da actualidade, o Marcelo Rebelo de Sousa, aparece como a maior referência 74

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

TV

18:02

Page 75

– A CAIXA QUE OS JOVENS MUDARAM

para os jovens. De facto a Manuela Moura Guedes é um caso curioso de notoriedade pública entre os jovens e, provavelmente, entre a população portuguesa em geral. Embora, a jornalista da TVI seja mencionada por percentagens relativamente pequenas de jovens aparece com a mais referenciada em várias dimensões. Verificam-se maiores fracções de jovens que consideram a Manuela Moura Guedes como a mais credível (8,6 por cento), divertida (12,3 por cento), em comparação com outros apresentadores. Ao mesmo tempo é a mais referenciada como a pivot de noticiários menos interessante (12,3 por cento) e a mais mencionada (em 4,8 por cento dos casos) quanto ao apresentador que os jovens dizem não conseguirem suportar. Nas várias vertentes há um reconhecimento público da jornalista que advém provavelmente da sua forma de condução do telejornal caracterizado pela introdução de comentários e de adjectivações constantes no início e no final das peças jornalísticas, onde abundam as “frases feitas” ou provérbios facilmente reconhecíveis, muitas vezes, acompanhados de um tom de indignação face aos temas apresentados. Em segundo lugar nas preferências dos jovens inquiridos encontrase a SIC, escolhida por 36 por cento como o canal onde assistem habitualmente o noticiário. A RTP1 aparece em terceiro lugar com uma audiência que corresponde a 20 por cento dos jovens inquiridos. O Jornal da Noite da SIC e o Telejornal da RTP1 são os serviços noticiosos que mais se assemelham entre si. Ambos privilegiam a imagem e o objecto jornalístico deixando para segundo plano a interpretação, aproximando-se mais do que se poderá designar de modelo generalista-objectivo, que segundo os dados aparece como o mesmo apelativo para os jovens. Outra forma de estabelecer quadros interpretativos dos acontecimentos nacionais e internacionais é a utilização de comentadores. Contudo, uma maioria expressiva de jovens, que representa 67,4 por cento das respostas, não assiste aos tempos de antena dos habituais comentadores da actualidade. Porém, o mais visto pelos jovens, embora apenas por 11,4 por cento dos inquiridos, é o Marcelo Rebelo de Sousa, e uma percentagem não muito distante de jovens, nomeadamente, 9,4 por cento dos inquiridos, assistem aos comentários de Miguel Sousa Tavares. Apenas 1,2 por cento ouvem o que António Vitorino tem para dizer e o António Peres Metelo não cativa mais do que uma pequeníssima minoria de 0,2 por cento. A grande maioria dos jovens (80,9 por cento) veêm canais portugueses para saber notícias em 75

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 76

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

geral e apenas uma pequena minoria vê canais estrangeiros (1,7 por cento). Todavia, 14,4 por cento afirmam que veêm ambos. Para se informarem sobre acontecimentos nacionais importantes, 78,2 por cento veêm canais portugueses, 3,2 por cento preferem canais estrangeiros e 10,5 por cento veêm ambos. Verifica-se uma menor percentagem, em relação à anterior, de inquiridos que veêm canais portugueses para se informarem sobre acontecimentos internacionais importantes. Inversamente, a fracção de jovens respondentes que veêm canais estrangeiros (6,9 por cento) aumenta quando estão em causa acontecimentos internacionais. Aqui denota-se uma apropriação activa e uma capacidade crítica de alguns jovens de procurar perspectivas diferentes para as mesmas notícias noutros canais alternativos. Independentemente do tipo de modelo enunciativo, o telejornal é também um espaço de espectacularização da notícia, um espaço performativo onde se transforma informação em representação. A isto alia-se o atenuamento de fronteiras entre informação e entretenimento num contexto televisivo que privilegia o último. Contudo, não se fala aqui em espectacularização num tom necessariamente pejorativo, visto que é nela que assenta a mais valia da televisão. Quando um jovem olha para um telejornal espera visualizar uma conjugação entre texto, som e imagem, que nenhum dos outros media, antes do advento da internet nos podia oferecer. O principal objectivo do telejornal é ser visto por um público vasto, daí o recurso a várias formas de captar a atenção dos espectadores desde o primeiro momento de transmissão como o cenário, o modo de sentar, de vestir, de gesticular, de falar, o enquadramento escolhido pelos jornalistas para o seu stand-up ou para as ligações com o exterior, o modo como o apresentador interpreta o seu papel ou o alinhamento. É toda uma linguagem própria que é vinculada num telejornal no qual são socializados os jovens de hoje. São socializados em telejornais onde passam notícias em scroll no rodapé e que poderão corresponder aos títulos das notícias disponíveis no site da Internet da estação televisiva. Onde se institui uma lógica associada à mediação e à proximidade que se estabelece entre quem transmite e quem faz a recepção da notícia, como é exemplo o directo televisivo. A função do scroll no rodapé é dupla: tenta emular a lógica de “última hora” das notícias nas páginas de internet e estabelecer as redes de comunicação escrita necessárias para possibilitar a interacção da televisão com a internet e os telemóveis. Deste modo a gestão e apresentação da informação aproxima-se dos mo76

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

TV

18:02

Page 77

– A CAIXA QUE OS JOVENS MUDARAM

delos de canais de entretenimento direccionadas para um público mais juvenil como a MTV. Segundo Frith et al (1993) canais como a MTV também combinam dimensões de entretenimento e informação e apresentam um modelo alternativo de gestão da informação num contexto televisivo, procurando deliberadamente criar uma rede de comunicação entre textos, imagens, sons, etc., nos seus programas e alinhamentos. Podemos mesmo dizer que este modo de fazer televisão partiu de formas televisivas direccionadas para os jovens. Como assinalou o jornalista José Alberto Carvalho (citado em Cardoso e Santos, 2003): “(…) a MTV foi o primeiro contributo interessante para desconstruir este tipo de leituras tão compartimentadas das coisas. A MTV conquistou milhões de espectadores, de jovens espectadores utilizando técnicas que os manuais de televisão até essa altura diziam que não se deviam seguir, que eram anti-televisivas como a duração média de um plano, como os enquadramentos, como as cores, tal como uma série de coisas”.

O prazer de navegar entre canais Com a diversificação da oferta televisiva, o zapping tornou-se uma prática cada vez mais comum, isto é, mudar de canal frequentemente em curtos intervalos de tempo. Este fenómeno tem merecido a atenção de analistas de mercado e dos próprios produtores de conteúdos televisivos. É uma preocupação não só manter fiel a audiência como captar a atenção dos espectadores nos períodos de publicidade, que são a maior fonte de receitas das estações de televisão, em especial, as privadas. De facto, o zapping é um acto recorrente para a maior parte dos jovens e apenas uma minoria de 28,4 por cento declara que nunca o fazem. Entre aqueles que o fazem, 27,4 por cento fazem zapping uma ou duas vezes, 8,8 por cento declaram que o fazem mais de duas e menos de cinco vezes e 12,4 por cento fazem-no mais de 5 vezes. Para 14,7 por cento fazer zapping é uma constante. No que respeita as razões porque o fazem, 36,5 por cento dos jovens confessam que a razão prende-se com a curiosidade ou o prazer de navegar entre canais e 29,5 por cento dizem que o fazem para evitar a publicidade. Outra razão, adiantada por 23,6 por cento, prende-se com o desagrado ou o cansaço em relação ao que estão a ver. Outras razões mencionadas relacionam-se com a vontade 77

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 78

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

de ver determinado programa ou notícia (referida por 6,7 por cento dos jovens telespectadores) ou para saber mais sobre determinada informação (mencionada por 2,2 por cento dos jovens). Quanto a fazer zapping durante o mesmo programa, 42,7 por cento dos jovens inquiridos afirmam que o fazem uma ou duas vezes. Porém a percentagem de inquiridos que faz zapping com maior frequência diminui: 7,9 por cento dizem que o fazem mais de duas e menos de cinco vezes, 5,6 por cento fazemno mais de 5 vezes e 9,8 por cento estão sempre a fazer zapping durante o mesmo programa. Podemos ver no fenómeno do zapping a exaltação de uma certa cultura da velocidade e a desvalorização da longa duração nas experiências quotidianas (Salmon, 2000), fruto de um contexto social onde as ofertas sobre o que fazer a cada momento são múltiplas. Também podemos falar de uma certa desregulamentação do tempo televisivo no que respeita à relação dos jovens espectadores com a televisão. A televisão poderá já não ser vista como essencialmente um meio de transmissão de conteúdos sequenciais mas como meio de transmissão de conteúdos episódicos ou pontuais. Mesmo a própria lógica de programas como as telenovelas e os próprios telejornais permitem mais ou menos o seguimento dos acontecimentos olhando pontualmente para o ecrã, seguindo apenas alguns acontecimentos mais interessantes para o espectador. De facto, as telenovelas estão em segundo lugar no que respeita à percentagem de jovens (29,4 por cento) que tendem a fazer zapping durante o seu visionamento. Embora esta percentagem poderá também explicar-se pelo facto de as telenovelas serem o tipo de programas que os jovens mais assistem. Com uma grande oferta televisiva ao dispor dos jovens e com a instituição da prática do zapping, a experiência televisiva poderá ser constituída de uma justaposição de imagens e sons dos quais será difícil descortinar um nexo sequenciador e onde o “aborrecimento” está sempre à espreita. A principal razão pela qual os jovens portugueses fazem zapping é para evitar os espaços publicitários, o que dá razão às preocupações de agentes publicitários e de operadores televisivos. Estas preocupações são prementes, do ponto de vista das agências publicitárias, num contexto onde as crianças são tidas como um importante público-alvo. Se é certo que as crianças e os adolescentes são economicamente dependentes dos pais e têm um poder de compra limitado, eles possuem uma forma poder, o “poder de chagar”, como é amplamente reconhecido 78

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

TV

18:02

Page 79

– A CAIXA QUE OS JOVENS MUDARAM

pelos agentes publicitários, podendo ter uma influência significativa nas decisões de compras de outros membros do agregado familiar. Todavia, durante os intervalos dos programas favoritos dos jovens, 36,7 por cento aproveitam para realizarem alguma coisa ou alguma tarefa que necessitam de fazer em casa. Por seu turno, 34 por cento simplesmente fazem zapping pelos outros canais e apenas minoria dos respondentes ficam a ver a publicidade e seguem-na com atenção. Entre os jovens telespectadores, 33,2 por cento afirmam mesmo que retirariam automaticamente a publicidade das emissões gravadas se tivessem um aparelho de gravação digital de vídeo. Quanto aos filmes, 27,4 por cento dos inquiridos fazem zapping durante o seu visionamento e 25,1 por cento declara que fazem zapping durante programas de entrevista. Pouco mais de 23 por cento fazem zapping durante os telejornais ou quando estão a ver espectáculos de entretenimento. Uma percentagem de jovens ligeiramente superior a 20 por cento fazem zapping durante os concursos de televisão e menos de 20 por cento dos jovens telespectadores fazem-no durante emissões desportivas e durante documentários.

Os jovens e os filmes na era digital Se o cinema foi durante o início do século XX o motor das indústrias culturais, o surgimento da televisão como visionamento de massas veio tirar ao cinema esse seu papel. Debruçando-se sobre a história contemporânea da cultura de massas, Edgar Morin (1962) delineia três períodos: do início do século XX até aos anos 30 vive o período popular urbano, do triunfo do cinema mudo e das primeiras experimentações sonoras, onde predomina o entretenimento como elemento central; entre 1930 e 1955 triunfo do cinema falado conduz à mitologia da felicidade individual e, no período pós-guerra, à mitologia do happy-end; depois de 1955, em plena guerra-fria, vive-se a época da crise da felicidade e da problematização da vida. Ademais, o cinema cessa de ser exemplo máximo da cultura de massas para dar lugar à televisão. Porém, o cinema continua a ser um dos elementos centrais na cultura juvenil. Podemos assim dizer que o Afonso cultiva um gosto por ver cinema a par da grande maioria dos jovens portugueses. Dos jovens inquiridos a nível nacional, 85,1 por cento, portanto uma larga maioria, 79

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 80

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

costuma assistir habitualmente a filmes. A diferença entre inquiridos mais velhos e mais novos é bastante clara. Verifica-se uma percentagem substancialmente superior de inquiridos mais velhos (92,1 por cento) que assistem habitualmente a filmes, enquanto que entre os mais novos essa percentagem desce para os 74,8 por cento. Seja como for, em larga medida, ver filmes é uma prática recorrente para os jovens portugueses, independentemente do sexo e da idade. Perto de 60 por cento dos jovens inquiridos a nível nacional vão habitualmente às salas de cinema. São os jovens mais velhos os que mais vão ao cinema: 68,6 por cento dos inquiridos dos 16 aos 18 anos declaram que vão ao cinema em comparação com apenas 43 por cento dos inquiridos mais novos. Outro indicador que reforça a relevância do cinema, é o seguinte: entre os inquiridos que declararam ir habitualmente ao cinema, mais de 60 por cento foi pelo menos uma vez ao cinema no mês anterior. A ida ao cinema constitui ainda uma importante situação social para os jovens, pelas sociabilidades que proporciona. Mesmo num cenário de popularização dos sistemas de home-cinema ou da distribuição de conteúdos via internet, essas práticas serão talvez complementares à ida ao cinema, visto serem, em princípio, mais individualizadas. Na nossa amostra, verifica-se ainda que os inquiridos do sexo masculino vão mais vezes do que as raparigas ao cinema visto que entre os rapazes 37,5 por cento declaram que foram duas vezes ou mais ao cinema no mês anterior à entrevista, em comparação com 26 por cento das raparigas. Em consonância com o observado atrás, são os inquiridos mais velhos os que mais vezes vão ao cinema. Entre os inquiridos mais novos 42,5 por cento declaram que não foram ao cinema no mês anterior, enquanto que entre os jovens dos 16 aos 18 anos essa percentagem é de apenas 18,7 por cento. Ademais, entre os mais novos não há nenhum inquirido que tenha ido ao cinema quatro vezes ou mais e apenas 20,5 por cento foram duas ou três vezes ao cinema, enquanto que entre os mais velhos, 43,2 por cento foram duas ou mais vezes ao cinema no mês anterior. Estes números poderão reflectir uma menor liberdade de movimentos e capacidade financeira por parte dos inquiridos mais novos. É de relembrar que ir ao cinema é muitas vezes uma actividade social para os jovens e que os mais velhos gozam, nesse aspecto, de mais liberdade. Os mais novos tendem a ir mais vezes acompanhados dos pais ou familiares e têm, regra geral, menos liberdade para saírem com os seus pares. 80

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

TV

18:02

Page 81

– A CAIXA QUE OS JOVENS MUDARAM

O panorama audiovisual tem sofrido novas mudanças nas últimas décadas. Nos anos oitenta temeu-se o declínio do cinema com a introdução das cassetes de vídeo. Mais recentemente assistimos à grande emergência dos DVD’s que têm estado acessíveis com preços relativamente baixos e que vieram substituir as cassetes de vídeo. De facto, verifica-se uma grande penetração dos leitores de DVD’s nos lares dos jovens portugueses, visto que 78,3 por cento dos inquiridos declaram ter pelo menos um leitor em casa. Este tipo de aparelhos tem vindo a baixar de preço no mercado pelo que tem vindo a popularizar-se. É entre os escalões etários que se verificam diferenças que não deixam margem para grandes dúvidas. Há medida que os jovens vão ficando mais velhos, maior a probabilidade de terem um leitor de DVD’s em casa. De facto, entre os inquiridos dos 16 aos 18 anos verifica-se que 86,5 por cento, isto é, a grande maioria, possui pelo menos um leitor de DVD’s, enquanto que entre os mais novos essa percentagem desce para os 68,3 por cento. A quebra dos códigos e da protecção anticópia dos DVD’s e a possibilidade de descarregar filmes na internet veio criar receios de uma pirataria de larga escala à indústria cinematográfica. Novos formatos digitais como o DivX permitem comprimir um filme num CD e permitem a sua difusão mais rápida. Se por um lado este tipo de formato poderá ser um aliado da pirataria, por outro lado, poderá ser a semente de um novo conceito de televisão ou de clube de vídeo, assente na distribuição de conteúdos na internet a pedido do cliente. É neste contexto mediático emergente em que os jovens se movem hoje em dia. No entanto, nos dias de hoje o cinema tem um amplo contacto com as massas e a cultura popular através do seu visionamento televisivo. Dentro daqueles que veêm filmes habitualmente, quase todos (94,4 por cento) assistem a esses filmes em casa (própria, de amigos ou de familiares). Pelo menos parte dos filmes a que praticamente 80 por cento dos jovens assistem em casa dão na televisão. Ademais, a importância da televisão fica reforçada no facto de que, quando estreia um filme, 39,4 por cento dos inquiridos esperam, muitas vezes ou sempre, que o filme passe na televisão, enquanto que 32,4 por cento o faz às vezes. Todavia, há uma percentagem menor mas apreciável de jovens que preferem ir ver um filme novo ao cinema, sem esperas: 19,7 por cento vão, muitas vezes ou sempre, ir ver uma estreia ao cinema, contudo, uma fracção expressiva de jovens (38,1 por cento) afirma que vai às vezes ver uma estreia ao cinema. 81

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 82

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

Na era da digitalização dos conteúdos e mesmo com a maior disseminação dos conteúdos cinematográficos por vários meios, desde a internet aos DVD’s, a ida ao cinema continua a ser uma prática enraizada entre crianças e adolescentes. Somente uma minoria de 12,7 por cento espera que saia o DVD de um filme novo para alugá-lo mas 30,9 por cento declara que o faz às vezes. Entre os jovens, 6,6 por cento procuram, muitas vezes ou sempre, descarregar um novo filme na internet, contudo a grande maioria dos inquiridos (75,7 por cento) afirma que nunca ou quase nunca o faz. O recurso recorrente a uma cópia pirata comprada na rua é admitido por 6,1 por cento, mais uma vez a grande maioria (75,8 por cento) declara que nunca ou quase nunca o faz. Uma minoria de 4,8 por cento afirma que espera, muitas vezes ou sempre, que saia o DVD para comprar uma cópia oficial contudo 65,7 por cento dos jovens dizem que nunca ou quase nunca esperam para comprar o DVD original. Os nossos dados mostram ainda que 48,2 por cento afirmam que assistem a filmes alugados. Uma percentagem bem menor (26,4 por cento) de jovens assistem a filmes comprados e 23,4 por cento assistem a filmes originais emprestados por amigos, familiares ou colegas. 12,9 por cento admitem ainda que visionam cópias a partir de DVD’s originais e 9 por cento confessam que veêm filmes descarregados da internet. Curiosamente, verifica-se uma maior percentagem de raparigas que alugam filmes (55,4 por cento), em comparação com 41,9 por cento dos rapazes. Por seu turno, observa-se uma maior percentagem de rapazes (12,4 por cento) que veêm filmes descarregados na internet, enquanto que nas raparigas essa fracção é de apenas 5,1 por cento. Os inquiridos mais velhos são os que mais alugam filmes (60,8 por cento), os que mais visionam filmes descarregados da internet (12,8 por cento) e os que mais veêm filmes emprestados (28,3 por cento), depreendendo-se que são os que mais trocam filmes entre si. Entre os mais novos, essas percentagens decrescem para os 35 por cento, 7,1 por cento e 16,8 por cento, respectivamente. Os inquiridos dos 13 aos 15 anos são os que mais veêm filmes comprados (35,7 por cento) e os que mais visionam cópias (16,8 por cento) dos originais em comparação com os jovens das outras idades, em especial os mais novos. Por sua vez, entre os mais novos verifica-se a maior fracção de inquiridos que assiste aos filmes que passam na televisão (84,6 por cento), enquanto que entre os jovens dos 16 aos 18 anos essa percentagem desce para os 70,8 por cento. 82

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

TV

18:02

Page 83

– A CAIXA QUE OS JOVENS MUDARAM

A média de DVD’s visionados em casa no mês anterior à entrevista é de 4,2. Verifica-se que a média de filmes visionados é maior entre os jovens do sexo masculino (5) em comparação com 3,4 filmes para as jovens. E observa-se ainda que são os mais velhos os que veêm, em média, mais DVD’s em casa (5,9) em comparação com uma média de 2,9 para os jovens dos 13 aos 15 anos e com 3 para os inquiridos dos 8 aos 12 anos. Dos jovens respondentes, 31,2 por cento afirmam que o seu leitor de DVD’s tem a capacidade de ler filmes descarregados na internet, contudo mais de um terço dos jovens (35,2 por cento) não responde ou não sabe a respeito dessa funcionalidade. Verifica-se que há uma maior percentagem de rapazes que afirmam que o seu leitor lê filmes descarregados na internet (40,1 por cento) em comparação com 22 por cento das raparigas. Contudo, em larga medida, esta diferença poderá ter a ver com o maior desconhecimento das raparigas sobre a funcionalidade em causa visto que 48 por cento das raparigas não respondem à pergunta ou afirma não saber se o seu leitor apresenta essa funcionalidade, em comparação com apenas 22,7 por cento dos rapazes. Por outro lado, também poderá acontecer o caso de que uma fracção dos rapazes procurar comprar leitores que apresentem essa funcionalidade específica. O desconhecimento dessa funcionalidade é também maior entre os inquiridos mais novos. Para parte dos jovens já existe uma integração do computador com os conteúdos cinematográficos. Entre os que possuem computador, 32,4 por cento costuma ver filmes no computador. Uma fracção de 34,6 por cento dos jovens declaram que esses filmes são na sua maioria comprados, contudo 31,7 por cento confessam que esses filmes são descarregados da internet. Entre os inquiridos, 20,4 por cento afirmam ainda que os filmes são na sua maioria alugas e apenas uma minoria de jovens declara que os filmes são emprestados (6,1 por cento) e 2,6 por cento declaram ainda que os filmes que visionam no computador são um misto de filmes comprados, alugados e descarregados da internet. Em termos gerais, visionar filmes descarregados na internet ou obter cópias de filmes são práticas ainda pouco habituais para um segmento largamente maioritário do público juvenil. Contudo, 45,2 por cento dos inquiridos acham que não se deveria pagar para poder fazer descarregar da internet todo e qualquer filme que quisesse ver. Verifica-se também uma percentagem de inquiridos que não têm opinião ou que não responderam à questão (34,4 por cento). Apenas 11,6 por cento dos jovens estariam dis83

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 84

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

postos a pagar até 5 € e só uma minoria de 8,8 por cento aceitariam pagar mais de 5 €. Estes resultados poderão estar relacionados, pelo menos em parte, com percepção dos jovens de que é possível obter filmes na internet a custo zero sem que haja represálias. Uma maioria significativa de jovens de inquiridos (64,4 por cento) discorda ou discorda totalmente que os filmes que veêm no computador são essencialmente filmes que não conseguem encontrar nas salas de cinema, em aluguer ou à venda. Portanto, fica aqui claro que para a maioria dos jovens, os filmes que veêm no computador, muitas vezes descarregados da internet não são muitas vezes filmes de difícil acesso mas antes de mais uma forma de evitar gastar dinheiro ou visionar um filme sem pagar nada. Além disso, 64,2 por cento dos jovens discordam ou discordam totalmente que os filmes que veêm no computador são filmes que não pagariam para ir ver ao cinema. Inversamente, 62,2 por cento dos jovens concordam ou concordam totalmente que os filmes que visionam no computador são os seus favoritos. Verifica-se ainda que os jovens estão bastante divididos entre a concordância e a discordância no que respeita à opção de escolher o computador como meio de ver filmes para adultos. Aqui a opção por utilizar o computador poderá prender-se com a questão de garantir alguma privacidade no visionamento. Apesar das mudanças atrás enunciadas no panorama audiovisual, há uma componente que se mantém constante: a origem os filmes mais vistos e difundidos pela televisão. Cardoso (2006) assinala que, na Europa, os filmes de produção norte-americana (EUA), representaram sempre mais de 50 por cento dos filmes mais vistos, estando na maioria dos casos em sete dos dez filmes mais vistos. Um dos factores explicativos do sucesso do cinema de origem americana face ao cinema europeu na cultura popular e juvenil poderá prender-se com as próprias características dos filmes. Enquanto que o cinema de origem americana procura uma síntese entre a problematização da vida privada e o entretenimento, o cinema europeu foca-se muitas vezes numa das dimensões e quando o faz limita a amplitude do seu alcance cultural do global para o nacional. Embora ir ao cinema seja uma prática comum entre os jovens, o leitor de DVD é sempre o mais escolhido como primeira opção para ver filmes de origem portuguesa, americana, europeia ou de outras nacionalidades. Só depois surge o cinema como local privilegiado para ver cinema de todas as origens. 84

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

TV

18:02

Page 85

– A CAIXA QUE OS JOVENS MUDARAM

A relação dos jovens com o cinema é, hoje em dia, a par da televisão e outros media, uma relação cada vez mais individualizada seja através do seu visionamento no ecrã da televisão ou computador. Mas o cinema continua a ser bastante importante e não se vislumbra um declínio acentuado da ida ao cinema face a outras formas de ver filmes. Pouco mais de metade dos jovens (54,4 por cento) discorda ou discorda totalmente que os filmes que veêm no leitor de DVD são filmes que normalmente não iriam ver ao cinema. Ir ao cinema continuará, porventura, a ser uma situação social importante para os jovens, pelo convívio que proporciona com os seus pares, talvez mesmo num cenário de popularização dos sistemas de cinema em casa. O cinema pertence assim a uma rede de mediática onde participam meios de difusão complementares desde a televisão, ao cinema e aos suportes de DVD, comprados ou alugados. No que respeita à sua relação com conteúdos cinematográficos, os inquiridos online apresentam traços próprios: entre estes respondentes, grande parte (76,6 por cento) efectuam pesquisas sobre filmes na internet, colocando assim o cinema e a internet numa relação de complementaridade no sistema dos media em rede. Para além disso, 57,2 por cento desses jovens internautas assistem a filmes no computador, embora este não seja o principal meio de difusão. Poderá estar aqui patente uma tendência emergente de utilização integrada de diferentes media no computador, em especial, numa altura onde se torna possível descarregar da internet conteúdos cinematográficos ou televisivos a pedido do usuário. Todavia, entre estes jovens, a maior utilização do computador para visionar filmes não se sobrepôs à ida ao cinema visto que a maioria dos inquiridos online (66,3 por cento) vai habitualmente ver uma estreia ao cinema. No que respeita ao impacto da internet e da digitalização dos conteúdos, visionar filmes descarregados é uma prática que ainda tem pouca expressão e está longe de ser o principal meio de obtenção de filmes, assim como as cópias. É possível mas é ainda pouco provável que a maior parte dos filmes a que o Afonso assiste sejam filmes descarregados ou pirateados. Nem a televisão nem o cinema se anulam e provavelmente não será a médio prazo que serão substituídos pela internet ou por outra tecnologia, nem parecem ter sofrido tecnologicamente uma mudança radical. Precisamente porque continuam a desempenhar papéis sociais e económicos diferentes entre si. Em particular, a televisão, através da abertura a outras tecnologias manteve-se no centro de uma das dimensões sociais 85

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 86

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

dos media, a caracterizada por uma baixa interactividade na relação com o entretenimento e a informação. Esta é uma função social que geralmente é activada quando o Afonso chega a casa após um dia na escola para assistir a telenovelas, filmes ou séries, e que acompanha as suas refeições diárias enquanto compete com outras tecnologias pelo seu tempo livre, quando não se encontra a falar com a família ou amigos.

86

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 87

CAPÍTULO 4 O MEU TELEMÓVEL E “EU”

A penetração dos telemóveis na sociedade portuguesa O telemóvel tem invadido o nosso dia-a-dia. Nenhuma outra tecnologia foi tão bem sucedida na sua apropriação social. Provavelmente, houve, no surgimento dos telemóveis, uma confluência, algo inédita, entre inovação tecnológica e procura social de algo capaz de ser utilizado, em movimento, em várias tarefas mundanas do dia-a-dia. O telemóvel transformou-se numa ferramenta ao mesmo tempo de trabalho e de ócio, de coordenação da vida profissional e privada. A sua utilização veio criar novas necessidades mas sobrepôs-se também a outras tarefas já estabelecidas como ouvir música no espaço público ou, no caso específico dos jovens, veio permitir que as mensagens enviadas em papelinhos nas salas de aula fossem transformadas em mensagens SMS cheias de uma linguagem críptica. O telemóvel pode ser visto como uma extensão do corpo mas também como uma extensão nevrálgica do próprio “eu” pessoal e social, servindo de intermediário na relação dos jovens com os outros e com o mundo social. O telemóvel incorporou-se numa estrutura social que se assemelha cada vez mais à estrutura em rede. Veio permitir a conexão do “eu”, de um modo mais ou menos contínuo, numa rede global de relações sociais. Estar hoje desconectado dessa rede é cada vez mais a excepção. As tecnologias móveis transformaram os cidadãos em nódulos numa rede quase sempre conectáveis. Veio, igualmente, trazer ansiedades e frustrações, tornou-se algo mais 87

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 88

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

que uma ferramenta para se tornar nos jovens num objecto pessoal com carga emocional. No momento de sair de casa temos usualmente um conjunto de acções rotineiras no pensamento, e se não tivermos a certeza de as ter realizado sentimo-nos inquietos, “será que desliguei todas as luzes? levo as chaves de casa? A carteira? O telemóvel?”. Ter o telemóvel por perto, sentirmo-nos conectados e comunicáveis onde quer que estejamos poderá dar uma sensação de segurança psicológica, não vá aparecer uma chamada ou mensagem importante. O sucesso da penetração dos telemóveis na sociedade portuguesa, talvez seja um pouco inesperada ou surpreendente, em particular, a apropriação por parte dos jovens como o Afonso das tecnologias móveis. Os jovens apropriaram-se da utilização dos telemóveis à sua maneira e atribuíram-lhe significados próprios. Para entender este sucesso é pertinente analisar e perceber a conexão entre a oferta tecnológica e a procura social que tem ocorrido. Não é descabido entender a adopção dos telemóveis em Portugal, e noutros países, nos termos de um contágio epidemiológico. É nestes termos que podemos falar de uma “febre” dos telemóveis sem com isso imputar à utilização dos telemóveis por parte dos adolescentes uma característica inerentemente patológica. Num trabalho de sistematização, Dias (2008) identificou várias dimensões que podem guiar a nossa investigação sobre a relação entre os jovens e o telemóvel: (1) as práticas individuais de utilização do telemóvel; (2) a conectividade e as redes de relações sociais; (3) a coordenação do quotidiano; (4) o atenuamento de fronteiras e o surgir de novas regras sociais; (5) a dimensão simbólica ou os significados atribuídos ao telemóvel; (6) o estímulo aos sentidos humanos e a personalização do telemóvel; (7) o telemóvel e a sua influência sobre as emoções; e (8) a dependência dos indivíduos face ao telemóvel. A nossa investigação sobre a forma como jovens como o Afonso apropriam essa tecnologia móvel toca várias dessas dimensões. Essas dimensões espelham formas não intencionais e não previstas de utilização da tecnologia. Podemos mesmo dizer que a engenharia do telemóvel não acaba no produto físico. Os jovens nas formas como utilizam o telemóvel, produzem eles próprios uma engenharia social, que vem da base, utilizando o telemóvel de formas que não foram pensadas, formas 88

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 89

O MEU TELEMÓVEL E

«EU»

essas que são muitas vezes depois apropriadas pelas empresas que os fabricam e os comercializam ou pelas próprias operadoras para que possam corresponder a possíveis procuras sociais.

A apropriação do telemóvel pelos jovens portugueses A Autoridade Nacional de Comunicações (ANACOM) apresenta alguns dados impressionantes relativos à realidade portuguesa. De acordo com um relatório da ANACOM, no final de Setembro de 2004 existiam em Portugal 9,636 milhões de utilizadores de telemóveis, segundo dados entregues pelos operadores móveis, e no final do 3º trimestre de 2007 existiam em Portugal 12,9 milhões de assinantes do Serviço Telefónico Móvel. Ora o número de assinaturas em 2007 excede a população total portuguesa e traduz o enorme crescimento que a utilização do telemóvel teve em Portugal desde meados dos anos 90. No final de Setembro de 2007, a taxa de penetração do serviço ascendia a 122,1 por 100 habitantes, o que significa que uma percentagem apreciável de utilizadores dispõe de mais do que um cartão. De acordo com um inquérito ao consumo de comunicações electrónicas realizado pela ANACOM, cerca de 14,9 por cento dos utilizadores possuem 2 cartões activos, enquanto que 2,5 por cento dos utilizadores dispõem de 3 ou mais cartões. Em Setembro de 2004, a taxa de penetração do serviço estava nos 92 por cento, o que coloca Portugal acima da média comunitária que no mesmo período era de 84,4 por cento. Em 2007, os detentores de cartões pré-pagos, 10,116 milhões, representavam 78,2 por cento do total de assinantes, e cresceram 4,2 por cento neste trimestre, o que significa, em termos absolutos, mais 412 mil assinantes. Os planos de assinaturas/pós-pagos, que totalizam 2,825 milhões, registaram um aumento de 4,8 por cento, correspondente a cerca de 130 mil novos assinantes. Outra informação é que entre Julho e Setembro de 2007 foram originadas cerca de 1,83 mil milhões de chamadas, um crescimento de 5,7 por cento face ao trimestre anterior e mais 7,8 por cento que no período homólogo. Realizaram, em média, cerca de 47 chamadas mensais por assinante, sendo que 31 delas foram realizadas para a 89

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 90

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

rede do operador de origem. Isto traduziu-se em 3,5 mil milhões de minutos de conversação originados nas redes móveis TMN, Vodafone e Optimus. O tempo médio de conversação por assinante tem vindo a aumentar, atingindo cerca de 92 minutos por mês, no mesmo período. Os assinantes falam, em média, 63 minutos com assinantes da própria rede, 18 minutos com assinantes de outras redes móveis, 6 minutos com clientes da rede fixa e 5 minutos para destinos internacionais. Também é relevante o facto de que durante o mesmo período foram enviadas 5,1 mil milhões de mensagens. Em média, cada utilizador enviou cerca de 132 mensagens por mês, isto é, mais de 4 mensagens por dia, em termos médios. Verifica-se, portanto, que toda uma realidade de comunicações móveis emergiu em Portugal, comunica-se mais e das mais variadas formas. E é nesta realidade que as novas gerações se vão socializando e crescendo, uma realidade que se instalou nos seus quotidianos e nas suas práticas diárias. O telemóvel tornou-se num acessório quase obrigatório e é transportado para uma série de situações diárias, desde as aulas, aos tempos lúdicos e aos tempos passados com a família ou com os amigos. Mas não é só nos adultos que o telemóvel se tornou um acessório indispensável, pese o paradoxo. Uma grande maioria dos jovens portugueses inquiridos a nível nacional (72,8 por cento) afirma que tem telemóvel, sendo que a maior parte usa carregamentos e apenas uma pequena minoria tem telemóvel com assinatura. Entre os inquiridos online, a percentagem de jovens com telemóvel ascende, no total, aos 96,6 por cento. Em ambos os inquéritos, observa-se que há uma fracção ligeiramente superior de raparigas que possui telemóvel. Este resultado é coerente com a maior importância subjectiva e relativa a outros media que as raparigas atribuem ao telemóvel. Entre os jovens dos 16 aos 18 anos, a posse de telemóvel é quase universal no panorama nacional, visto que 98,2 por cento declaram ter um. O mesmo já não se verifica entre os mais pequenos, dos 8 aos 12 anos, entre os quais 45,9 por cento afirmam ter telemóvel. Quanto a tarifários especiais, apenas 26,9 por cento dos jovens inquiridos afirmam que têm algum tarifário especial para telefonar ou mandar mensagens para determinados números, enquanto que 59,7 por cento dizem que não têm qualquer tipo de tarifário especial. É na adolescência, um período de aprofundamento das relações íntimas e de definição da identidade, que poderá fazer mais sentido para os 90

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 91

O MEU TELEMÓVEL E

«EU»

indivíduos usarem o telemóvel como forma de se manterem contactados e organizar as suas redes sociais. Contudo, entre os inquiridos online com idade compreendida entre os 9 e os 12 anos, 84,2 por cento declara ter telemóvel. Há, portanto, uma clara tendência para uma utilização praticamente universal do telemóvel entre os adolescentes e mesmo entre os mais novos quase metade já tem o seu próprio aparelho. TABELA 4.1 TEM TELEMÓVEL

(INQUÉRITO NACIONAL)

Sim Não

8 - 12 anos N % 49 45,9 58 54,1

Idade 13 - 15 anos N % 55 78,8 15 21,2

16 - 18 anos N % 96 96,2 2 1,6

TABELA 4.2 TENS TELEMÓVEL?

(INQUÉRITO ONLINE)

Idade 9 aos 12 anos

13 aos 15 anos

16 aos 18 anos

N

N

N

%

%

%

Sim, com carregamentos Sim, com assinatura Não Não sei/Não respondo

90 11 16 3

75,0 9,2 13,3 2,5

312 37 11 1

86,4 10,2 3,0 0,3

559 35 4 2

93,2 5,8 0,7 0,3

Total

120

100,0

361

100,0

600

100,0

Perante estes dados, espera-se que os telemóveis sejam cada vez mais utilizados pelos mais novos. Esta tendência é corroborada pelo facto de que a idade média em que os inquiridos a nível nacional obtiveram o seu primeiro telemóvel é de 11,8 anos. Considerando a amostra dos jovens internautas inquiridos online, 72,1 por cento teve o seu primeiro telemóvel com 13 anos ou menos. De facto a socialização e democratização do acesso ao telemóvel deu-se não só entre as pessoas em idade 91

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 92

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

adulta das várias classes sociais, mas penetrou também maciçamente no quotidiano dos jovens, com o conluio dos pais, mesmo entre aqueles que ainda frequentam o 1.º ciclo do ensino básico. A grande preferência por cartões pré-pagos ou por carregamentos permite às crianças e adolescentes, dependentes financeiramente dos pais, utilizar o telemóvel distanciando-se do controlo parental. Podem assim gerir os carregamentos do telemóvel com maior frequência e maior flexibilidade, tendo em conta o seu parco orçamento. O conluio dos pais na penetração dos telemóveis entre os jovens deveu-se à conjugação de uma pressão social que as crianças trazem do exterior para exigir um aparelho, e de uma racionalização dos pais veêm nos telemóveis uma forma de controlo parental à distância e de coordenação da vida familiar. Desta forma o telemóvel da criança confere um sentimento de segurança tanto aos pais como aos filhos. Ao mesmo tempo, o telemóvel significa também um ganho de autonomia face à monitorização adulta para adolescentes e pré-adolescentes. Ansiosos para ganharem autonomia, mas financeiramente dependentes, os filhos viram-se para os pais para obterem um aparelho de telemóvel, podendo usar argumentos instrumentais, como o facto de se tornarem muito mais facilmente contactáveis. Apenas uma pequena minoria dos jovens inquiridos online (7,8 por cento) comprou o seu primeiro telemóvel a expensas próprias, 50,5 por cento declaram que foi o pai a comprar e 22 por cento que foi a mãe. Portanto, para uma maioria significativa dos jovens a iniciativa de comprar o telemóvel foi tomada em conjunto com os pais ou tomada pelos próprios pais. Para muitos jovens, a obtenção do telemóvel poderá fazer parte de parte de uma estratégia familiar e o grande crescimento da utilização do telemóvel entre os mais novos aconteceu com o apoio de muitos pais que têm a percepção de que a utilização do telemóvel traz vantagens para si. Observa-se ainda que a percentagem de inquiridos que comprou a expensas próprias o seu primeiro telemóvel cresce há medida que os inquiridos se vão tornando mais velhos, com maior autonomia financeira. Contudo, a iniciativa dos pais em comprar o telemóvel parece sofrer poucas alterações ao longo da adolescência. O telemóvel pode constituir na vida do Afonso um espaço de liberdade. Muitas das chamadas e das mensagens que envia podem não ser necessárias de um ponto de vista prático e instrumental, mas muitas vezes não é o conteúdo da comunicação em si que importa mas o acto de comunicar de manter os laços da sua comunidade intima. Porém esse 92

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 93

O MEU TELEMÓVEL E

«EU»

uso da autonomia e a comunicação constante têm um custo. É através desse custo que poderá vir ao de cima a condição contraditória do Afonso entre a sua crescente autonomia existencial e a sua dependência financeira face aos pais. E é por causa desta contradição que podem surgir tensões ou conflitos entre o Afonso e os pais em torno dos gastos com o telemóvel. Averigua-se no inquérito online que na maioria dos casos (70 por cento), quem comporta com a despesa dos telemóveis dos jovens são os pais. Só um quarto dos internautas paga directamente essa despesa. À medida que os inquiridos se vão tornando mais velhos, há uma tendência para haver uma transferência dos custos com o telemóvel dos pais para os filhos. Entre os mais novos, apenas 10,8 por cento comporta as suas próprias despesas com o telemóvel enquanto que entre os inquiridos dos 16 aos 18 anos essa fracção ascende aos 35,2 por cento. O ganho em autonomia pode, assim, significar um custo, que poderá vir da própria mesada dos adolescentes. Os custos com o telemóvel poderão estar envolvidos numa racionalização do parco orçamento disponível dos jovens que terão de tomar decisões sobre como gastar o seu dinheiro. Parte dos adolescentes poderão ter de cortar despesas em algumas coisas como ir ao cinema ou comprar música gravada para conseguir comportar os custos de contactarem frequentemente com a sua rede de relações íntimas. O controlo de custos devido à posição dependente dos jovens face aos pais é demonstrado pelos carregamentos de telemóvel feitos durante o mês. Uma maioria de 61,9 por cento carrega o telemóvel apenas uma vez por mês, 14,2 por cento tem por hábito carregar duas vezes e uma pequena minoria de 6,7 por cento carrega três ou mais vezes por mês. Muito poucos são também aqueles que carregam o telemóvel em intervalos de tempo bastante espaçados como de 2 em 2 meses (4,2 por cento) ou de 3 em 3 meses (0,9 por cento). Em média, os jovens gastam 18,69 euros por mês no seu telemóvel. Em ambos os inquéritos efectuados, é curioso verificar que são as jovens inquiridas, as mais gastadoras. Deste modo, é mais provável que o Afonso passe menos tempo ao telemóvel que a sua irmã, fazendo assim valer o estereótipo de que as raparigas comunicam mais ao telefone ou ao telemóvel do que os rapazes. No inquérito nacional apurou-se que as raparigas gastam, em média, 21,6 euros por mês, em comparação com os rapazes que despendem 15,58 euros, em termos médios, Ademais, comparando entre escalões etários, como também seria de prever, observa-se que os jovens dos 16 aos 18 93

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 94

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

anos são os que mais gastam (23,3 euros, em média). Nos escalões etários mais baixos os custos vão diminuindo: os inquiridos dos 13 aos 15 anos gastam, em termos médios, 16,72 euros e os jovens dos 8 aos 12 anos gastam 14,57 euros, em média. Os mais novos são os que tendem a gastar menos, provavelmente por serem alvos de um controlo mais rigoroso por parte dos pais dos pais e por terem uma menor autonomia financeira e uma rede social mais reduzida. Os jovens no seu conjunto, apesar do seu limitado poder de compra, constituem, no entanto, um público que define modas e é constituído por potenciais consumidores de longa duração. Um dado que confirma a penetração praticamente universal dos telemóveis nos lares dos portugueses é de que apenas 3,2 por cento dos inquiridos afirmam não haver um único telemóvel no agregado familiar. Uma grande maioria dos inquiridos (88,4 por cento) afirma que há pelo menos dois telemóveis em casa e em 67,9 por cento dos casos há três ou mais telemóveis por agregado. No inquérito online, pouco menos de 90 por cento dos inquiridos afirma que existem três ou mais telemóveis em casa. Este dados confirmam a tendência de que em muitos lares portugueses existe um telemóvel por cada membro do agregado familiar. O que parece ser mais diminuta é a penetração dos aparelhos de terceira geração nos lares portugueses, que é de apenas 11,4 por cento entre os lares dos jovens inquiridos. Uma maioria de 70 por cento dos jovens afirma que os telemóveis utilizados no agregado não são da última geração. Os números apresentados fazem que pensar e levantam algumas questões sobre a necessidade ou legitimidade de uma criança préadolescente adoptar a utilização do telemóvel. Estas questões poderão ser respondidas no âmbito de uma estratégia educacional por parte dos pais e educadores. No entanto o uso cada vez mais comum do uso do telemóvel por pré-adolescentes é bem ilustrativo da penetração das tecnologias móveis no quotidiano das crianças. Por enquanto, ainda temos a percepção de que a utilização é um fenómeno novo. Mesmo para um jovem de vinte anos a utilização do telemóvel por parte de uma criança poderá parecer estranha visto que há dez anos atrás essa utilização parecia inconcebível. Provavelmente num futuro próximo a posse e utilização do telemóvel por pré-adolescentes poderá parecer menos estranha à medida que se vai tornando ‘natural’ aos olhos dos indivíduos mais velhos. 94

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 95

O MEU TELEMÓVEL E

«EU»

Enquanto que nos adolescentes a penetração do telemóvel é quase universal, entre os pré-adolescentes poderá existir uma divisão entre crianças com e sem telemóvel. As crianças poderão estar sujeitas a pressões sociais, estando cientes que não ter telemóvel significa estar excluído do contacto permanente com as redes sociais mais próximas. Deste modo, a posse de um telemóvel pessoal tornou-se uma exigência nos agregados familiares. O telemóvel foi também incorporado como acessório de moda e uma forma do Afonso transmitir um determinado estatuto social e uma imagem de si próprio para os outros. Para o Afonso o telemóvel mais básico poderá não servir. O design, a cor e o entretenimento que determinados aparelhos proporcionam são factores que influenciam a preferência do Afonso por um determinado dispositivo. Deste modo, ele vai exercer pressões no seu seio familiar no sentido de os pais lhe comprarem este ou aquele aparelho. Os jovens portugueses são da opinião, em termos médios, de que o custo razoável de um telemóvel novo é de 114,2 euros. Este valor médio superior entre os rapazes (121,91) do que entre as raparigas (105,15). Além disso, o preço médio que os jovens inquiridos acham razoável pagar na aquisição de um novo telemóvel aumenta há medida que aumenta a idade dos inquiridos, tornando-se mais exigentes. Assim sendo, os inquiridos mais velhos, com um poder de compra, uma liberdade financeira um pouco maior ou com maiores exigências que os mais novos acham razoável, em termos médios, gastar 123,36 euros num novo telemóvel, enquanto que os mais pequenos, dos 8 aos 12 anos, consideram, em média, que 91,04 euros é um preço razoável. Nos dados seguintes observa-se claramente que o telefone fixo está a perder terreno para os telemóveis, visto que pouco mais de metade dos jovens dizem que têm telefone fixo em casa, enquanto que a cobertura de telemóveis é, hoje em dia, muito maior. Entre aqueles que têm telefone fixo, 74,6 por cento tem a PT como operadora de facturação das chamadas, apenas 9,4 por cento utiliza a Tele 2 e apenas 8 por cento tem como operadora a Novis/home. A Cabovisão reúne apenas uma minoria de 4 por cento de clientes entre os inquiridos e 2,4 por cento utiliza outras operadoras. Desde que os jovens têm telemóvel, 43,7 por cento dizem que falam menos tempo através do telefone fixo em casa. Este poderá ser portanto um indicador de que a expansão da utilização do telemóvel 95

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 96

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

terá acontecido às expensas da utilização do telefone fixo. Os dados divergem um pouco entre os sexos mas a tendência principal mantém-se. Quanto à comparação entre os escalões etários verifica-se que é entre os jovens dos 16 aos 18 anos que há uma maior fracção de inquiridos (56,1 por cento) que afirmam falar menos através do telefone fixo desde que têm telemóvel. Para além das vantagens de mobilidade que o telemóvel garante, é ainda de salientar que a comunicação por telemóvel poderá garantir em determinadas situações maior privacidade. Outro dado que reforça o exposto atrás, é que o número de chamadas efectuadas pelo telefone fixo de casa diminuíram, segundo 47,9 por cento dos jovens inquiridos. O telemóvel não é a simples extensão móvel do telefone fixo. Não é um dispositivo exclusivo para chamadas de voz como o sucesso das mensagens de texto entre os jovens atesta. Tem outras utilidades como o facto de poder servir de alarme, de agenda, de aparelho de audição de música, de plataforma de jogos, etc. Mas para além destas funções explícitas serve uma função mais vasta de coordenação da vida quotidiana e das redes de relações íntimas, sem haver terminais fixos por onde exercer essa coordenação. A sua característica de mobilidade, sem considerações de espaço, tornou-o num objecto pessoal, sempre fisicamente junto dos seus utilizadores. Ao contrário do telefone fixo, um meio de comunicação partilhado pela família, o telemóvel tem assim individualizadores, permitindo a cada membro do agregado familiar a coordenação pessoal da sua esfera íntima. Num período de individualização das sociedades contemporâneas onde os membros da família reclamam para si um espaço unipessoal, o telemóvel veio torna-se numa ferramenta essencial para demarcar esse espaço privado. Daí o grande sucesso de penetração do telemóvel na sociedade face ao telefone fixo. É neste contexto que as crianças e os adolescentes portugueses estão a ser socializados. Desde pequenos que reclamam para si o uso das novas tecnologias e se familiarizam com elas. Daí que não seja de espantar a forma desenvolta com que muitas crianças utilizam as tecnologias móveis. Uma esmagadora maioria dos jovens (82,1 por cento) relevam uma grande autonomia no que respeita a operações relacionados com o uso do telemóvel visto que apenas 5,3 pede, às vezes, a outras pessoas que lhes façam algumas operações e só 10,3 por cento pede frequentemente. Dentro dos jovens 96

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 97

O MEU TELEMÓVEL E

«EU»

que pedem a outras pessoas para realizar operações relacionadas com o telemóvel, 73,3 por cento pedem para fazer carregamentos do cartão pré-pago e 15,6 por cento pedem para resolver problemas de funcionamento do equipamento. Apenas 2,5 pede assistência na escrita, envio ou outras operações relacionadas com mensagens escritas. Para as crianças e adolescentes será inimaginável um mundo sem comunicações móveis. É um dado adquirido como a electricidade que nos chega a casa. São os que mais incorporaram as inovações dessas comunicações, fazem parte do pelotão da frente dos agentes sociais que vão instituindo mudanças na sociedade que são fruto da sua maneira de usar o telemóvel. Não é tanto a tecnologia em si mas a forma como ela é apropriada pelos jovens, tendo por base os seus interesses, valores, hábitos e projectos, que veio trazer alterações sociais. Os adolescentes e pré-adolescentes constituem um grupo onde se poderão vislumbrar novas tendências, pois exprimem uma facilidade de adaptação, aceitação e inovação no uso das tecnologias de comunicação móvel.

O meu telemóvel: o uso individual do telemóvel Uma das questões centrais que se coloca à investigação sobre a utilização generalizada e frequente do telemóvel prende-se, como refere Dias (2008), com o conjunto de factores que tornou essa tecnologia tão atractiva e que motiva a sua adopção e penetração tão rápida e profunda na vida quotidiana. Para Lorente (2002) as tecnologias móveis vieram ao encontro de duas grandes necessidades dos jovens: por um lado, são uma ferramenta que contribui para a definição original da sua identidade pessoal e uma forma de se afirmarem perante os outros; por outro lado, constitui um poderoso dispositivo de comunicação com os amigos e proporciona aos jovens o sentimento de estarem inseridos num grupo. O telemóvel constitui-se como um espaço privado que facilita a comunicação, possibilita a personalização do aparelho e promove ideias para a afirmação da identidade. Ling (2000) refere ainda outras funções sociais como a emancipação em relação aos pais e o sentimento de 97

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 98

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

segurança em caso de problemas e de emergência, sendo esta motivação mais apelativa para os pais do que para os adolescentes. Por sua vez, Hoflich e Rossler (2002) sublinham a conveniência na coordenação, mobilidade, a diversão e o estatuto social transmitido pelo aparelho móvel. O público jovem distingue-se dos utilizadores mais velhos pelos seus padrões de utilização e está entre o tipo de consumidores que os três principais operadores presentes em Portugal privilegiam nos espaços publicitários. As promoções referentes às possibilidades permitidas pelos telemóveis de ultima geração, como a câmara digital, o leitor de ficheiros mp3, entre outras funcionalidades, apelam particularmente a um público jovem. Os três principais operadores em Portugal competem assim para fidelizar a camada juvenil. Observa-se que a TMN e a Vodafone são, em par de igualdade, os principais operadores utilizados pelos jovens inquiridos, com a Optimus a aparecer como um distante terceiro. Operadores como a Uzo, entre outros, são muito pouco utilizados pelos jovens portugueses. Verifica-se ainda que apenas uma minoria dos jovens inquiridos (12,7 por cento) utiliza mais do que um operador, sendo que a grande maioria (86,1 por cento) mantêm-se fiel a um único operador. Quando os jovens utilizam um segundo operador este é um dos três maiores operadores presentes em Portugal. O jovens, no âmbito das sociedades contemporâneas, apropriam os telemóveis à sua maneira, instituindo modos de uso originais e distintivos. Uma das características mais específicas dos jovens é a preferência pelas mensagens SMS em detrimento das chamadas. Entre os jovens utilizadores de telemóvel, 34,7 por cento dos jovens afirmam que utilizam, frequentemente o telemóvel para enviar ou receber mensagens e 42 por cento enviam ou recebem chamadas muito frequentemente. O seu uso é atractivo pelo seu baixo custo e por ser discreto. As mensagens são facilmente trocadas em qualquer situação sem que haja perturbações do meio ambiente. Quanto a falar ao telemóvel, 37,4 por cento dizem que o fazem frequentemente e apenas 14,7 por cento o fazem muito frequentemente. Entre as crianças e adolescentes inquiridos online, uma maioria significativa (65,8 por cento) utiliza o telemóvel para fazer ou receber chamadas mas a utilização mais comum é mandar mensagens, a julgar pela resposta de 88,8 por cento dos inquiridos. Apenas 37 por cento 98

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 99

O MEU TELEMÓVEL E

«EU»

dos internautas tem o telemóvel principalmente para receber chamadas. De facto, as mensagens de texto, ao contrário das chamadas de voz, são uma forma menos intrusivo de manter uma percepção dos outros em pano de fundo. Os jovens utilizadores assíduos de mensagens escritas esperam geralmente que os que estão no seu círculo íntimo estejam disponíveis para a comunicação, salvo situações mais excepcionais. As mensagens de texto são facilmente respondidas durante uma aula, nos transportes públicos ou noutros contextos onde a comunicação por voz poderá parecer inapropriada. As mensagens criam assim um sentimento de acessibilidade ambiente e de espaço virtual partilhado. Não necessitam de uma abertura deliberada de um canal de comunicação mas são baseadas na expectativa de que alguém está à escuta. Deste modo, quando não se recebe uma resposta imediata os jovens podem sentir que uma expectativa social foi violada e não aceitarão facilmente uma desculpa legítima para a não resposta. Associada à troca de mensagens estão regras implícitas como a obrigação tácita de reciprocidade. Após os 16 anos de idade o uso do telemóvel é constantemente elevado. Uma outra tendência, é que entre os 16 e os 18 anos, os jovens deixam de usar o telemóvel “em uma base ocasional” tão frequentemente quanto os pré-adolescentes. É essencialmente nos adolescentes que as tecnologias móveis se tornam mais ajustadas às necessidades de um adolescente de afirmar a sua imagem e estatuto social, de formar a sua identidade pessoal e social e de aprofundar a sua rede de relações íntima. Os nossos dados corroboram parte da diferenciação na utilização do telemóveis entre crianças e adolescentes feita por Mante-Meijer e Pires (2002: 55). Segundo estes autores, as crianças dos 7 aos 10 anos caracterizam-se por uma relação com o telemóvel geralmente pragmática sendo essencialmente utilizado como um brinquedo ou uma consola de jogos. É entre os préadolescentes dos 10 aos 12 anos que desperta o interesse pelos hobbies e pelos amigos e onde o uso das tecnologias móveis se torna mais orientada para esses interesses. O período de adolescência dos 13 aos 15 anos é caracterizado por um maior investimento na construção de uma identidade pessoal própria. Começam a surgir, segundo Mante-Meijer e Pires, atitudes diferenciadas e definidas em relação ao telemóvel. Para uns é uma ferramenta essencialmente práticas mas outros começam a aprofundar o seu carácter afectivo. É 99

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 100

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

neste período que os jovens começam a valorizar mais as mensagens SMS e a investir mais na personalização dos seus telemóveis pessoais. Contudo os nossos dados não corroboram a ideia de que a utilização do telemóvel se torna mais instrumental entre os adolescentes mais velhos dos 16 aos 18 anos. No contexto português, os adolescentes dos 16 aos 18 anos, aprofundam a componente afectiva do telemóvel através do alargamento das redes de relações íntimas, da personalização do telemóvel e de outros usos distintivos e originais como o envio de mensagens com uma linguagem também ela personalizada. Os nossos dados, obtidos face-a-face e online, também não corroboram a noção de Mante-Meijer e Pires de que entre os jovens dos 16 aos 18 anos as chamadas de voz ganham relevância em detrimento das mensagens SMS. Pelo contrário, é nessa faixa etária que, em Portugal, as mensagens SMS ganham um espaço ainda maior nas comunicações móveis em detrimento das chamadas de voz. Tendo em conta os dados que recolhemos podemos efectuar a nossa própria diferenciação do uso do telemóvel por parte das crianças e dos adolescentes que inquirimos no contexto português. De um modo genérico, baseando-nos na tabela, em baixo, podemos perceber como o telemóvel está envolvido no dia-a-dia de um jovem como o Afonso, para além do uso do telemóvel para enviar ou receber mensagens ou para fazer chamadas. Uma utilização que pode englobar-se nas mais habituais é a função de despertador, utilizada frequentemente por 13,2 por cento dos jovens e muito frequentemente por 18,1 por cento. Ademais, 20,7 por cento dos jovens joga frequentemente ao telemóvel e 6,4 por cento muito frequentemente. Outras utilizações relevantes são: a função de calculadora, utilizada frequentemente ou muito frequentemente por 24 por cento dos jovens; e a função de agenda, usada frequentemente ou muito frequentemente por 21,3 por cento dos jovens. Ouvir rádio ou música são usos que reúnem pouco mais de 13 por cento de utilizadores frequentes ou muito frequentes. Outras utilizações como enviar e receber correio electrónico, faxes ou MMS, navegar ou consultar assuntos na internet, usar programas de mensagens instantâneas, fazer donativos ou utilizar outras aplicações informáticas não reúnem mais do que 10 por cento de utilizadores habituais ou muito habituais. 100

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 101

O MEU TELEMÓVEL E

«EU»

TABELA 4.3 COM QUE FREQUÊNCIA COSTUMA UTILIZAR O TELEMÓVEL PARA: Nunca

Pouco frequentemente

Frequentemente

Muito frequentemente

Ns/nr Ns/Nr

Falar ao telefone

% 9,1

% 36,8

% 37,4

% 14,7

Envia e receber SMS

5,9

17,4

34,7

42,0

Enviar e receber correio electrónico

81,1

7,6

4,7

4,4

Enviar e receber faxes

94,9

3,6

0,6

0,9

Enviar e receber MMS

81,3

11,9

3,3

2,6

Jogar

40,6

32,4

20,7

6,4

83,2

9,7

3,9

Utilizar a calculadora

49,7

25,7

16,5

7,5

0,5

Ouvir rádio

79,5

6,4

8,5

5,0

0,5

Ouvir música

81,7

4,1

7,5

6,1

0,5

Utilizar programas de mensagens instantâneas

85,2

4,5

3,5

4,8

2,1

Fazer donativos para campanhas Utilizar a agenda

93,9 57,4

2,3 20,3

2,6 12,1

9,2

1,2 1,1

Utilizar o despertador

48,1

19,5

13,2

18,1

1,1

Utilizar outras aplicações informáticas

91,4

2,3

3,7

1,6

1,0

Navegar/consultar assuntos na internet 0,5

% 2,0

2,2

0,9

2,7

Um serviço utilizado, frequente ou muito frequentemente, pela maior percentagem de jovens são os toques, ainda assim essa percentagem é

101

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 102

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

apenas de 16,4 por cento. O apoio ao cliente é utilizado, frequente ou muito frequentemente, por 12,8 por cento dos jovens e 5,8 por cento utilizam os logos disponibilizados pelos operadores. Mas de um modo geral apenas pequenas fracções de inquiridos utilizam os vários serviços disponibilizados como as notícias, informações sobre trânsito ou sobre o tempo, os alertas e/ou resultados de futebol e outros tipos de serviços. São ainda de assinalar diferenças entre os géneros e os escalões etários nos inquiridos online. As raparigas são as maiores fãs das mensagens SMS, visto que 92 por cento afirma que utiliza o telemóvel principalmente para mandar mensagens em comparação com 86 por cento dos rapazes. Por seu turno, os rapazes são os que mais jogam ao telemóvel visto que 31,9 por cento confessam ser essa uma das suas principais utilizações do telemóvel em comparação com 21,3 por cento das raparigas. Observou-se ainda uma diferenciação de género visto que os jovens do sexo masculino são os que mais tiram fotografias, em termos médios (6,71), em comparação com as jovens, que tiram, em média, 4,77 fotos numa semana. Das fotos tiradas por semana, os inquiridos enviam uma média de 1,35 fotos para outras pessoas. Em termos médios, os rapazes são também os que mais enviam fotos em comparação com as raparigas. Observa-se ainda que há uma maior fracção de inquiridos mais novos (46,7 por cento) que utiliza principalmente o telemóvel para receber chamadas, em comparação com 34,8 por cento dos internautas mais velhos. Principalmente entre os mais novos o telemóvel poderá ser um instrumento em favor do maior controlo dos pais. Para além disso, as redes sociais dos mais jovens são ainda limitadas e muitas vezes cingem-se à escola, ao bairro, ou aos pares com quem partilham actividades de tempo livre e que veêm regularmente. Têm também menor liberdade de movimentos e o uso de telemóvel reflecte um pouco essa condição. Os jovens mais velhos, por seu turno, têm mais liberdade e autonomia e poderão usar o telemóvel de uma forma que reforce essa autonomia, seja para trocar mensagens com os seus pares, combinar encontros, alargar os contactos sociais, namorar, etc. Assim sendo, não é de estranhar que se verifique uma maior percentagem de internautas mais velhos que mandam mensagens (94 por cento) e que fazem e recebem chamadas (67,7 por cento), em comparação com 63,3 por cento e 56,7 por 102

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 103

O MEU TELEMÓVEL E

«EU»

cento de inquiridos dos 9 aos 12 anos, respectivamente. Inversamente, constata-se que há claramente uma maior percentagem de inquiridos mais novos (44,2 por cento) que declaram que jogar é uma das principais utilizações que fazem do telemóvel em comparação com apenas 20 por cento dos internautas mais velhos. Uma funcionalidade que se tornou comum e popular nos dispositivos móveis é a incorporação de uma câmara fotográfica digital. Um pouco mais de metade dos jovens inquiridos têm câmara digital incorporada no telemóvel. Verifica-se que há uma maior percentagem de rapazes que têm uma câmara incorporada (59,6 por cento) do que raparigas (44 por cento), pelo que os jovens do sexo masculino estão mais atentos às capacidades técnicas dos aparelhos. E é entre os jovens mais velhos dos 16 aos 18 anos que se verifica claramente a maior percentagem de inquiridos que têm câmara digital incorporada (63 por cento), em comparação com 40,5 por cento dos inquiridos dos 8 aos 12 anos. O facto de haver uma maior percentagem de jovens mais velhos com câmara fotográfica no telemóvel não é surpreendente. Não só pelo facto de serem mais exigentes quanto às possibilidades tecnológicas dos seus dispositivos mas também porque veêm na câmara digital incorporada uma forma de explorar os usos afectivos do telemóvel e de cultivar as suas relações com os seus pares, que resultam numa memória externa fotográfica passível de ser partilhada. O Afonso utiliza a câmara digital do seu telemóvel para explorar os usos afectivos e expressivos do telemóvel, registando as experiências mútuas com os seus amigos ou com a sua namorada, que podem até servir como imagem de fundo do seu telemóvel personalizado. Sem margem para dúvidas, a principal razão, invocada por uma maior percentagem de jovens (61 por cento), para utilizar a câmara fotográfica do telemóvel é para ficar com uma recordação do momento. O Afonso regista em várias situações imagens que têm como tema um dos seus pares ou um grupo de amigos, realçando e enaltecendo o momento da foto, como um jantar ou uma festa de anos. Tirar uma foto com o telemóvel torna-se assim uma forma de mostrar aos outros que se está a dar importância àquele momento, sendo depois partilhado no telefone com os outros jovens, servindo de recordação ou uma forma de mostrar um acontecimento a alguém que não esteve presente. Assim sendo, quando o Afonso tira uma 103

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 104

ver sentido da frase DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

foto pode estar a pensar, não só no momento e nas pessoas presentes, mas também naqueles, familiares ou amigos, que estão ausentes, partilhando os momentos relevantes. As imagens podem incluir situações ou objectos com algum significado para as pessoas ausentes. Para 22,1 por cento dos a utilização da câmara incorporada serviu para mostrar que estiveram presentes numa determinada situação e 12,8 por cento usam a câmara para poder mostrar objectos a amigos, familiares ou conhecidos. As fotos são utilizadas como forma de partilha de significados para além de serem utilizadas de modo mais pessoal como álbum fotográfico portátil, que é uma memória externa que regista objectos como prendas, pessoas queridas ou locais visitados. Do ponto de vista funcional a utilização das câmaras poderá servir tarefas pessoais como a própria experimentação da funcionalidade do telemóvel, ou para registar um acontecimento do quotidiano, como um arco-íris que se vê no céu a caminho da escola. Não é só os actos de mandar mensagens e de fazer chamadas que se tornaram imbuídos no dia-a-dia. Se antigamente as fotos eram reservadas a momentos especiais como festas ou viagens, hoje em dia, a utilização da câmara digital incorporada no telemóvel está bastante presente no quotidiano dos jovens. Em média, os jovens inquiridos costumam tirar numa semana 5,88 fotografias. Desta forma, podemos dizer que os jovens portugueses tornaram-se turistas do quotidiano. As imagens digitais captadas têm baixos custos associados e estão disponíveis no momento, prontas a serem partilhadas. Os jovens vivem, cada vez mais, num quotidiano fotografado e filmado. Há aqui uma tendência “vouyerista” no decorrer do dia-adia que coloca alguns riscos em termos de direito à imagem e à salvaguarda da vida privada pois as imagens fotografadas e filmadas podem ser enviadas para outras pessoas e partilhadas na internet, como aconteceu com o famoso caso da filmagem numa sala de aula do Porto, que captou a disputa entre uma professora e uma aluna por causa do telemóvel. Para além das tarefas pessoais que a câmara digital incorporada permite podemos ainda distinguir as “tarefas partilhadas”, quando as imagens captadas têm como objectivo a concretização de uma tarefa comum e as “tarefas remotas”, quando as imagens captadas têm em vista relembrar uma pessoa ausente da execução de uma tarefa 104

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 105

O MEU TELEMÓVEL E

«EU»

pendente. Desta forma, as próprias imagens podem ter como função a coordenação do quotidiano, constituindo uma possível forma de captar o pulso dos acontecimentos diários.

A minha vida e as minhas relações na palma da minha mão O desejo de conectividade social, de sentir segurança e que se está próximo de uma rede de relações mais íntima é, talvez, o principal factor que explica a grande penetração dos telemóveis nas sociedades contemporâneas. Para o Afonso, assim como para a maior parte dos adolescentes, o telemóvel tomou o papel central na organização do quotidiano, está implicado em referências partilhadas que possibilitam a sincronização da vida diária. Fazer uma chamada tornou-se um hábito comum, repetido várias vezes ao dia. Os jovens portugueses inquiridos fazem, em média, 3,56 chamadas por dia. Quanto às comparações entre escalões etários verifica-se uma média maior de chamadas diárias (4,76) entre os inquiridos dos 13 aos 15 anos. Os adolescentes mais velhos, dos 16 aos 18 anos registam uma média de 3,68 chamadas diárias, enquanto que entre os mais pequenos, dos 8 aos 12 anos, registam a menor média de chamadas diárias (2,32). Olhando para os percentis para relativizar os valores das médias, verifica-se que 75 por cento dos jovens dos 16 aos 18 anos fazem até 4 chamadas por dia, enquanto que entre os jovens dos 13 aos 15 anos e entre os inquiridos dos 8 aos 12 anos, 75 por cento efectua até 3 chamadas. A tendência para os mais velhos registarem um maior número de chamadas terá a ver com a sua maior autonomia e liberdade, e com a sua inserção numa rede social maior do que a dos mais novos. Como sublinha Dias (2008), a utilização do telemóvel redefiniu as referências orientadoras da vida, o tempo e o espaço. Neste âmbito, Townsend (2001) avança com a ideia de que o telemóvel veio acelerar drasticamente o ritmo do quotidiano, e pautar a gestão desse ritmo com flexibilidade. É uma ferramenta que permite a gestão de imprevistos e ajustes constantes. Contudo, o telemóvel não está implicado apenas na gestão dos imprevistos, pois, como assinala Vannin (2004), veio deixar a sua marca nos ciclos temporais diários. 105

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 106

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

Telefonar ou mandar mensagens para certas pessoas todos os dias de manhã e à noite são rituais que contribuem para uma “contactabilidade” constante e são exemplos da imersão da utilização do telemóvel na manutenção da rotina quotidiana. No que diz respeito às influências no espaço, a utilização do telemóvel influencia ao mesmo tempo que é influenciada pelos contextos de utilização. Além disso, por trás da sua utilização está um desejo de mobilidade, permite a capacidade de fazer mais coisas ao mesmo tempo e está implicada na compressão do espaço/tempo do mundo actual. Uma chamada ou mensagem pode substituir uma deslocação no espaço e o próprio espaço deixa de ser visto como uma limitação (Haddon, 2002). Verifica-se igualmente uma justaposição de espaços, o espaço físico mistura-se com o virtual, o espaço privado com público, pelo que a própria noção de espaço expande-se, torna-se mais fluida e múltipla. O Afonso ao usar o telemóvel poderá achar-se numa multiplicidade de interacções, entre as face-a-face e as media das através do telemóvel. Ao focar-se numa chamada poderá estar presente fisicamente mas ausente em “espírito”, transferindo sentimentos de pertença do espaço físico para o espaço virtual das comunicações móveis. A conectividade com as suas redes sociais próximas permitida por esse espaço virtual e privado transmite-lhe segurança e identificação. Ling e Yttri (2002) cunharam o conceito de “hiper-coordenação” para descrever o uso expressivo e socialmente activo dos telemóveis pelos adolescentes noruegueses, mas pode ser perfeitamente aplicado à realidade portuguesa. O Afonso utiliza assim uma “hipercoordenação” de modo mais ou menos inconsciente, encetando comunicações sociais e emocionais para coordenar e cimentar relações directas entre pares e manter-se em contacto permanente com os pais e a irmã. Em ambos os inquéritos que efectuamos, face-a-face e online, verifica-se que os amigos ultrapassam os familiares no que respeita ao valor subjectivo e ao volume de comunicações efectuadas através do telemóvel. No inquérito face-a-face, 54,2 por cento dos jovens referenciaram em primeiro lugar os amigos e 42,7 por cento referenciaram os pais como os alvos principais das suas chamadas. As conversas sociais com os amigos ocupam maior espaço nas chamadas efectuadas pelos jovens, aparecendo as conversas com familiares em segundo lugar. 106

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 107

O MEU TELEMÓVEL E

«EU»

Segundo os dados obtidos online, entre os pais, é com a mãe que uma maior fracção de inquiridos costuma comunicar (61,2 por cento) e um pouco atrás está o pai como principal contacto (47,9 por cento). Além disso, 27 por cento dos inquiridos revelam ainda que o namorado ou a namorada são das pessoas com quem comunicam mais ao telemóvel e 25,3 por cento referem os irmãos. Quanto às diferenças entre os sexos é curioso constatar que há uma maior percentagem de rapazes que falam com o pai (52,4 por cento) em comparação com 42 por cento das raparigas. Como seria de esperar, a comunicação com os pais é mais relevante para uma maior fracção de inquiridos mais novos. É apenas entre os inquiridos mais novos que a comunicação com os pais por telemóvel, em particular com a mãe (com um peso de 65 por cento), assume maior importância que a comunicação com os amigos (com um peso de 59,2 por cento). Assim a comunicação com os amigos cresce de peso enquanto que a comunicação com os pais decresce há medida que os inquiridos se vão tornando mais velhos. É entre os mais novos que a mãe é a principal responsável pelo trabalho emocional e coordenativo da família, assumindo o papel, praticamente a tempo inteiro, de mães à distância. Embora, se viva num contexto onde a figura do pai se aproxima dos filhos do ponto de vista afectivo e onde há uma maior participação dos pais no trabalho emocional da família. O contacto com os amigos e os namorados ou namoradas está mais ligado à hiper-coordenação que envolve interacção social e emocional enquanto que a comunicação com os pais está mais ligada àquilo que Ling e Yttri (2000) designam de micro-coordenação, isto é, à coordenação prática da vida quotidiana onde se acertam detalhes logísticos como as horas e os locais de encontro. Como declara Dias (2008: 130), a comunicação entre pares “é muito mais rica e complexa (...), um processo no âmbito do qual o mais importante é partilhar experiências comuns com os outros”. Claramente, os amigos são igualmente os principais destinatários das mensagens de texto a julgar pela resposta de 77,3 por cento dos jovens. Apenas 17,6 por cento afirmam que enviam mais habitualmente mensagens para familiares. Comparando as diferentes faixas etárias entre si, verifica-se a mesma tendência mas existem algumas diferenças assinaláveis. Existe uma maior percentagem de inquiridos mais novos que enviam habitualmente mensagens de 107

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 108

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

texto para familiares (37 por cento), em comparação com pouco mais de 11 por cento entre os escalões etários mais velhos. Por outro lado, verifica-se uma percentagem maior de jovens entre os mais velhos que enviam mensagens preferencialmente para os amigos (83,7 por cento), em comparação com 63 por cento dos inquiridos mais novos. O foco nas relações afectuosas com os amigos não é uma realidade nova e específica dos telemóveis. A utilização do telefone fixo por parte dos jovens já privilegiava antes as relações com os pares. Desde de que têm telemóvel, 63,3 por cento dos jovens falam habitualmente com o amigos pelo telefone fixo de casa, enquanto que 61,1 por cento afirmam falar com familiares. Como Ling e Ytrri nos relembram, a adolescência é um período único na vida onde os pares têm um papel central. No entanto, o telemóvel é uma ferramenta que veio aprofundar a comunicação no tempo e no espaço e tornou-se, hoje em dia, indispensável na definição de um sentido de pertença entre os jovens. Grosso modo, a comunicação dos adolescentes é regulada pelos pares ou pelos os pais, dependendo do lugar e da altura do dia. No que respeita às relações entre pais e filhos, as comunicações móveis jogam um papel central na gestão e execução do controlo parental. Os jovens usam particularmente as mensagens de texto para se escudarem dos olhares dos adultos e reclamarem para si um palco privado em que possam aprofundar relações afectivas. Em termos médios, os jovens portugueses inquiridos costumam enviar diariamente 25,72 mensagens SMS através do seu telemóvel. Os jovens do sexo masculino são os que, em média, enviam mais mensagens (26,42 por dia), em comparação com as jovens que enviam, em média, 19,26 mensagens num dia. Sem margem para dúvidas, são os inquiridos mais velhos, dos 16 aos 18 anos, que registam a maior média de mensagens enviadas num dia (33,17), que contrasta claramente com a média de mensagens enviadas diariamente pelos mais novos (4,65). Os adolescentes mais velhos apostam assim fortemente no telemóvel no aprofundamento da sua rede de relações íntimas. No entanto, a grande parte dos jovens inquiridos, nomeadamente, 85,7 por cento não têm por hábito enviar diariamente qualquer mensagem multimédia com imagens ou vídeo (MMS). Os jovens portugueses inquiridos que costumam utilizar a 108

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 109

O MEU TELEMÓVEL E

«EU»

internet para enviar SMS representam uma minoria de 28 por cento. Dentro daqueles que a utilizam para o efeito, 89,7 por cento usam a página na internet do seu operador de comunicações móveis, 10,3 por cento utilizam a página de outros operadores e 2 por cento servem-se de outras páginas. A quantidade de mensagens SMS trocadas, bem como número de contactos gravados no telemóvel, podem ser demonstrativos da popularidade de cada membro do grupo, fornecendo assim uma objectivação da popularidade. As mensagens de texto ganham geralmente significados afectivos especiais. São associadas a quem as enviou e a um determinado momento, representam uma ligação a quem se gosta, e fazem parte de um património de memórias, que é tanto uma memória interna como externa, presente e pronta a ser relida no histórico do telemóvel. Neste âmbito, Ling e Yttri (2002) afirmam que para além do conteúdo das mensagens há um meta-conteúdo: como o receptor está no pensamento do emissor as mensagens servem para o desenvolvimento de uma história e uma narrativa comuns. Entre os jovens respondentes, 80,7 por cento passaram a felicitar os seus amigos e familiares pelo seu aniversário através de mensagens SMS e/ou MMS (embora as mensagens MMS componham uma pequeníssima minoria do total de mensagens enviadas). No mesmo dispositivo os jovens têm ao dispor uma agenda e de um calendário que os pode lembrar de datas importantes como aniversários e assim enviar de imediato uma mensagem de aniversário antes que se esqueçam. Além disso, uma percentagem próxima de jovens (76,8 por cento) passou a enviar mensagens de boas festas pelo telemóvel e 64,6 por cento mensagens pessoais. Através da agenda os jovens podem enviar mensagens aparentemente personalizadas de boas festas mas que enviadas e reencaminhadas para um conjunto alargado de amigos e familiares, melhorando assim a coordenação, poupando tempo e abarcando não só a sua rede de relações mais próxima mas também os laços afectivos mais fracos de conhecidos e de familiares. As mensagens de boas festas podem ser assim uma forma de marcar o passo das relações mais ténues e mais distantes e dar um sinal de existência, embora esporádico. As tecnologias móveis promovem igualmente uma organização mais fácil e mais rápida de eventos como manifestações. Neste âmbito, podemos recordar a recente luta estudantil de adolescentes e pré- adolescentes contra o 109

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 110

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

Estatuto do Aluno elaborado pelo Ministério da Educação. O que antes durava várias semanas e precisava de grande esforço logístico por parte dos organizadores, pode ser coordenado usando e explorando as redes estabelecidas com o envio de mensagens SMS. Independentemente da razão ou justeza da luta estudantil ao nível do ensino básico e secundário, bastou a disseminação de uma simples mensagem – “Está na hora, está na hora, de a ministra ir embora. Pessoal, bora nos juntar e fechar as escolas de todo o País. Greve nacional no dia 14” – para mobilizar uma camada significativa da população estudantil. Como seria de esperar a importância das relações afectivas e do namoro no uso do telemóvel aumenta com a idade dos jovens. Quanto a utilizações para fins afectivos das mensagens de SMS, 40,1 por cento dos jovens afirmam que já utilizaram essas mensagens para namorar e 32,3 por cento aceitaram um encontro amoroso através do telemóvel. Ademais, 21,2 por cento dos jovens confessam que já usaram mensagens SMS para seduzir alguém. Parte dos inquiridos também já se serviram das mensagens durante um encontro amoroso que estava a correr mal (em 15,7 por cento dos casos) ou para terminar uma relação amorosa (14,7 por cento). Entre os sexos verificam-se algumas diferenças. De um modo geral os rapazes parecem servir-se mais das mensagens no que toca a assuntos amorosos do que as raparigas, talvez pela expectativa social de que caberá ao rapaz tomar a iniciativa numa nova relação amorosa. Verifica-se uma percentagem ligeiramente superior de rapazes que afirmam namorar através de mensagens (41,2 por cento) do que de raparigas (38,9 por cento). Além disso, maiores fracções de rapazes afirmam que já aceitaram um encontro amoroso (35,8 por cento) ou que já seduziram alguém por SMS (26,3 por cento), em comparação com 28,5 por cento e 15,7 por cento das raparigas, respectivamente. Também se verificam maiores percentagens de rapazes que já terminaram uma relação amorosa por SMS (17,3 por cento) ou que já enviaram uma mensagem durante um encontro amoroso que estava a correr mal, do que de raparigas (12 por cento e 14,7 por cento, respectivamente). A utilização de mensagens de texto com conteúdo sexual é uma forma de os adolescentes experimentarem e aprenderem sobre as vicissitudes dos relacionamentos sexuais. É um meio que permite a 110

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 111

O MEU TELEMÓVEL E

«EU»

filtração da comunicação, que o emissor reflicta na composição da mensagem e, eventualmente, partilhe o seu conteúdo com amigos. Permite igualmente que um jovem evite o embaraço da interacção pessoal com o receptor, como no caso de terminar uma relação amorosa. Como seria de esperar são muito poucos os inquiridos mais novos que utilizam as mensagens SMS para namorar. A percentagem de inquiridos que namoram via SMS, aumenta bastante entre o escalão etário dos 16 aos 18 anos chegando aos 68,2 por cento. Neste escalão etário, 57,2 por cento dos jovens já aceitaram um encontro amoroso através de mensagens de telemóvel e 35,8 por cento já tentaram seduzir alguém. Pouco mais de um quarto dos inquiridos entre os 16 e os 18 anos já terminaram uma relação amorosa via SMS ou já enviaram uma mensagem durante um encontro amoroso que estava a correr mal. As mensagens de cariz sexual são representativas da logística da entrega das mensagem de texto que faz parte de um cálculo implícito por parte dos emissores. Como a mensagem não é um objecto físico, como uma nota escrita, evita-se assim a intercepção por parte de terceiros. A interacção é mais cuidadosa e ponderada e permite um “à vontade” superior do que em situações face-a-face. Se o receptor da mensagem responder de modo positivo surge a oportunidade de responder e, talvez, de iniciar um modo de comunicação sincrónico. O ritmo mais pausado da comunicação ajuda a evitar dar passos em falso durante os passos iniciais e críticos da interacção. Os telemóveis também se inserem num sistema de media em rede (Cardoso, 2006). O telemóvel pode ser uma forma de participar em programas televisivos e de rádio, tendo em vista, a disseminação de práticas interactivas juntos dos media de massa. Deste modo, os meios de comunicação de massa têm vindo a procurar uma audiência em que os espectadores ou ouvintes são chamados a interagir, privilegiando as mensagens SMS e os telefonemas, porque são tecnologias muito disseminadas junto da população e que convivem no mesmo espaço do lar com a televisão ou a rádio. O uso do telemóvel é assim passível de conferir interactividade a outros meios de comunicação. Porém, regra geral muito poucos jovens costumam enviar SMS para intervir em vários concursos ou programas na media e quando o fazem é com pouca frequência. Apenas há uma pequena minoria de 1,7 por cento que participa muito frequente111

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 112

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

mente em concursos de rádio e uma minoria de 1,4 por cento participa frequentemente em concursos gerais de TV. É também nestes concursos que 6,5 por cento dos jovens afirmam que participam pouco frequentemente. Além disso, 7,2 por cento dos jovens dizem que utilizam pouco ou frequentemente serviços SMS para obter anedotas, insultos e adivinhas. A participação em programas de opinião também é pouco frequente: apenas para 3,6 por cento dos jovens alguma vez o fizeram. Entre 2 e 3,5 por cento dos jovens utilizam as mensagens SMS para obter músicas ou imagens publicitadas na TV, rádio e jornais ou imagens do seu clube de futebol. Não ultrapassa 1 por cento a fracção de inquiridos que participam em sondagens de noticiários e programas ou em concursos sobre futebol na TV. Mas se o telemóvel ainda não é um meio relevante para interagir com outros media, a sua utilização tornou-se um instrumento imprescindível de micro-coordenação do quotidiano. Essa micro-coordenação é geralmente feita em movimento para avisar de atrasos, cancelar encontros entre outras combinações ou recombinações práticas do quotidiano. É uma coordenação das interacções diárias que dispensa a necessidade de terminais fixos e centralizados. O motivo mais habitual para utilizar o telemóvel, isto é, referido por uma percentagem maior de inquiridos é acertar encontros: 54,2 por cento dos inquiridos utilizam o telemóvel, frequentemente ou muito frequentemente, para combinar encontros. A coordenação possibilitada pelo telemóvel é mais flexível que uma coordenação baseada na sincronização prévia e fixa em função do tempo. Entre os jovens inquiridos 30,2 por cento adiantam que ligam, frequentemente ou muito frequentemente, pelo telemóvel para avisar que estão atrasados para uma reunião ou um encontro marcado, enquanto que 26,8 por cento ligam com a mesma frequência para saber se alguém já chegou a uma reunião ou a um encontro e 26,5 por cento telefonam para avisar que chegaram a uma reunião ou a um encontro. Estes dados são indicadores das mudanças instituídas pelo telemóvel na vida quotidiana, nomeadamente na suavização e redefinição de horários, encontros e combinações (Lasen, 2001; Ling, 2004). Desta forma, a pontualidade ou a conformidade a horários rígidos torna-se mais fluida. Neste sentido, Geser (2004: 20) afirma que “o telemóvel provoca uma transformação nos sistemas sociais de um estado “sólido” de horários rígidos para um estado “líquido” de processos dinâmicos de coordenação e negociações permanentes e contínuos”. 112

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 113

O MEU TELEMÓVEL E

«EU»

Mas para além da micro-coordenação, Ling e Yttri defendem que à medida que a utilização do telemóvel aumenta, maior é a utilização desse dispositivo para a troca de conteúdos emocionais. Praticamente metade dos inquiridos referem que utilizam frequentemente ou muito frequentemente o telemóvel para saber como estão os familiares e amigos e/ou para conversar sem assuntos concretos com amigos, familiares e conhecidos. Mais de 40 por cento dos jovens mencionam que saber onde estão os familiares do agregado doméstico e/ou saber onde se encontram outras pessoas da família, motivam frequentemente ou muito frequentemente as chamadas por telemóvel. Outra motivação que leva, frequentemente ou muito frequentemente, 38,7 por cento dos jovens a efectuar uma chamada pelo telemóvel é conversar sobre assuntos afectivos ou amorosos. A partir destes dados podemos perceber o alcance do uso expressivo do telemóvel. Mais de que uma mera ferramenta é uma forma de apresentação do “eu” e de expressão das emoções e identidades dos jovens.

Os sentidos do telemóvel: o espelho de mim O telemóvel detêm uma dimensão simbólica para os jovens que advém do personalização que lhe é investida e dos sentidos que lhe são atribuídos. São mais que um acessório de moda que poderá condizer com o estilo e a pertença social e a maneira de ser de cada um. A personalização do telemóvel é um exemplo de padrões de utilização mais caracteristicamente juvenis. Os jovens além de utilizarem o aparelho de telemóvel de forma utilitária, usam-no de maneira expressiva, fazendo parte de uma cultura móvel juvenil que colaboram na construção da identidade individual de um jovem como o Afonso. Ou seja, é um aparelho que serve para comunicar, mas que em si próprio, como objecto, é uma forma de comunicação e expressão de significados simbólicos que por sua vez são apercebidos e interpretados pelos outros jovens. Não admira pois que o telemóvel seja um objecto altamente cobiçado. Neste âmbito, apoiando-nos em Ling (2000), podemos ver, simultaneamente, na exibição do telemóvel: os significados e as imagens que o Afonso pretende transmitir; os sentidos que resultam da interacção entre as for113

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 114

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

mas de expressão intencionadas pelo Afonso e os significados interpretados pelos outros jovens; e uma forma de coordenação, partilha de valores, significados e formas de expressão entre os jovens que caracterizam e aumentam a integração social de um grupo juvenil. A tecnologia móvel é, como assinala Dias (2008), uma tecnologia móvel, próxima do corpo, sempre disponível, o que estimula os sentidos dos jovens através do toque, da visualização ou de outras sensações. A personalização do telemóvel com uma fotografia, um protector de ecrã e/ou um toque favorito é uma realidade para 63,2 por cento dos jovens. Estes podem ser entendidos como estímulos que chamam a atenção do utilizador e promovem investimentos pessoais num aparelho. Isto pode ser entendido, ao mesmo tempo, como uma causa e uma consequência da centralidade do telemóvel na vida de jovens como o Afonso. Curiosamente, uma maior percentagem de inquiridos do sexo masculino do que de raparigas tem o telemóvel personalizado. Deste modo, é maior a probabilidade de o Afonso ter o seu telemóvel personalizado (72,2 por cento), do que a probabilidade de a sua irmã ter personalizado o seu próprio aparelho (54,5 por cento). É também entre os inquiridos dos 16 aos 18 anos, que se verifica a maior fracção de jovens com o telemóvel personalizado (68,1 por cento) em comparação com 58,7 por cento entre os jovens dos 8 aos 12 anos. Estes dados poderão ser explicados por alguns factores. Nos jovens mais velhos poderá haver um sentido de identidade pessoal mais apurado, poderão ter maiores conhecimentos técnicos que lhes permitem uma maior personalização do telemóvel e também uma maior margem para poder gastar mais dinheiro na sua personalização. Os jovens que utilizam os sites na internet das operadoras de comunicações móveis para descarregar logos, toques e outros efeitos sonoros estão em minoria visto que apenas 22,1 por cento utilizam esses sites às vezes e só 2,7 por cento usam muito frequentemente esses mesmos sites. Entre aqueles que utilizam os sites mencionados, uma maioria de 59,9 por cento utiliza o site da TMN, 34,5 por cento utiliza o da Vodafone e apenas 5,5 por cento utiliza o da Vodafone. Seja como for, com a personalização, o telemóvel torna-se assim uma extensão da identidade pessoal, do “eu”, implicado numa expressão de emoções e de uma imagem pública (Townsend, 2001). É uma forma de expressão corrente que o Afonso 114

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 115

O MEU TELEMÓVEL E

«EU»

utiliza virada para o “si” mas também para os outros, é uma expressão dos seus gostos pessoais, uma extensão da sua personalidade, do seu estilo de vida próprio e uma forma de expressão do seu estatuto social. Como sugerem Vincent (2004) e Dias (2008), a personalização do telemóvel espelha de certo modo a unicidade do jovem utilizador. Assim sendo, se um jovem como o Afonso perder o seu telemóvel, isso poderá significar não só uma dor de cabeça por se ter perdido um custo monetário e um custo temporal (por exemplo, refazer a agenda), mas poderá representar igualmente um custo emocional pelo investimento afectivo e valor que lhe é atribuído. Taylor e Harper (2001) assinalam a importância da dimensão simbólica das mensagens SMS, cuja oferta representa o comprometimento numa rede de relações. A troca de mensagens, de toques, logótipos imbuídos numa carga afectiva, detêm um significado partilhado. Forma um sistema ritual de trocas recíprocas que fortalece os laços sociais entre os jovens. A transformação da linguagem encetada pelos mais novos nas mensagens SMS tem gerado preocupações, nomeadamente, quanto à sua possível influência sobre a capacidade de escrita dos mais jovens. A escrita SMS insere-se numa cultura de mobilidade e velocidade onde importa comunicar em qualquer lugar e momento, no mínimo espaço de tempo. Uma maioria de 70,2 por cento dos jovens costuma utilizar sempre ou às vezes uma linguagem diferente quando escreve SMS, utilizando, abreviaturas, letras diferentes ou símbolos e caracteres específicos. Estas formas linguísticas emergentes tomam a forma de uma engenharia social em que todos os membros de um grupo participam, sendo passível, para o bem e para o mal, de ser transposta para lá das mensagens. Verifica-se ainda uma maior fracção de jovens do sexo feminino que utiliza, sempre ou às vezes uma linguagem diferente quando escreve SMS (74,4 por cento), em comparação com 66 por cento dos rapazes, contudo há uma percentagem maior de rapazes que escreve sempre com uma linguagem diferente (43,2 por cento), do que de raparigas (32,7 por cento). Há uma fracção maior de inquiridos dos 16 aos 18 anos (86,2 por cento) que utilizam abreviaturas, letras diferentes e símbolos nas mensagens de SMS que escrevem, em comparação com 51,3 dos inquiridos mais novos. Assim sendo, a utilizam de uma linguagem diferente e a criativa 115

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 116

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

para a usar vai crescendo há medida que os adolescentes se vão tornando mais velhos. Esta nova linguagem marcada por símbolos e abreviaturas reforça, deste modo, a coesão entre os jovens que partilham os mesmos símbolos e a mesma cultura móvel.

Mentes móveis: A influência do telemóvel no comportamento, nas emoções e na relação com os outros É importante perceber o impacto das tecnologias móveis na sociedade percebendo três dimensões: o modo como se reflectem nas regras e no comportamento individuais; como é que se reflectem nas relações sociais das quais essas tecnologias participam; e como é que estas alteram as mesmas relações. O telemóvel veio trazer novos sentidos à vida social, introduzindo novos comportamentos e formas de relação entre os jovens. Quer seja utilizado de uma forma mais ponderada ou mais impulsiva, ele é encarado como uma companhia multi-funcional, como um companheiro interactivo como sublinha Plant (2001). Além disso, Dias (2008), inspirada em Maslow, enumera alguns factores psicológicos associados à satisfação das necessidades humanas proporcionada pelo telemóvel, a saber, de afiliação, de pertença, de comunicação, de segurança e de estima. Os jovens podem assim sentir uma dependência sobre este aparelho, o que poderá causar sentimentos negativos de desorientação, vulnerabilidade e isolamento caso estejam impossibilitados de utilizar o telemóvel. Virtualmente, todos nos tornamos dependentes do telemóvel, no sentido, que nos é, hoje em dia, imprescindível na condução das nossas vidas. Portanto, a questão central aqui não é a dependência em si mas a influência ou o impacto dessa dependência sobre os estados emocionais dos jovens. Poderemos, deste modo, associar à noção de dependência, sintomas de compulsão, de tolerância e de “ressaca” emocional face à ausência do telemóvel. É de assinalar que uma maioria bastante significativa dos jovens (85,2 por cento) concordam ou concordam totalmente com a noção de que se sentem muitos mais tranquilos quando têm consigo o seu telemóvel. A habituação ao telemóvel é ainda visível em 57 por cento dos jovens portugueses inquiridos que concordam ou concordam totalmente com a frase “Sinto-me muito ansioso/a quando não posso ter o meu telemóvel”. Além disso, apenas 14,5 116

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 117

O MEU TELEMÓVEL E

«EU»

por cento dos jovens afirma que, se não tivessem telemóvel, realizaria a maioria das chamadas que efectuam através de um telefone fixo. Entre os jovens inquiridos, 27,5 por cento admite que só fariam essas chamadas se o motivo fosse realmente urgente e 43,6 por cento afirmam peremptoriamente que não fariam a maioria das chamadas que efectuam no telemóvel através do telefone fixo. Estes indicadores podem ser lidos por alguns como sinais claros dos efeitos de dependência do telemóvel sobre uma parte bastante significativa dos jovens. O que poderá ser mais consensual é que estes dados retratam o profundo impacto das tecnologias móveis na vida dos jovens. A influência dos media nos estados emocionais não se cinge de modo algum ao telemóvel. Os jovens podem experienciar os mesmos estados emocionais se, por exemplo, não lerem o seu correio electrónico com frequência ou se acabaram de perder o último episódio da sua novela favorita. No entanto, a dependência face ao telemóvel tem características próprias. É algo que está sempre junto dos jovens, pronto a ser utilizado. O impacto da dependência do telemóvel pode ser entendido como a reacção à perda de algo que está completamente imiscuído no quotidiano. Como Townsend (2001) assinala, a utilização do telemóvel naturalizou-se, instituiu uma rotina de conectividade e coordenação que estimula a sua utilização frequente. A perda, mais ou menos momentânea, do telemóvel exige assim uma reestruturação da vida quotidiana. Tornar-se incontactável poderá criar um sentimento de ansiedade e intranquilidade. Neste âmbito, Levinson (2004) fala de uma dependência imperceptível que só se torna evidente no caso de estarmos impossibilitados de usar o telemóvel. A sua valorização advém do facto de permitir um contacto permanente às redes sociais mais próximas. Daí que não seja de espantar que 74,3 por cento dos jovens portugueses inquiridos concordem ou concordem totalmente com a noção de que o seu telemóvel só lhes é útil se estiver constantemente ligado. Como os telemóveis tornaram-se poderosas ferramentas de conectividade e de coordenação do tempo e das deslocações no espaço, bem como das relações com os outros, das tarefas diárias e dos tempos de lazer, pode criar-se a percepção de que é algo indispensável na vida. A noção de que o telemóvel permite aos inquiridos gerir a sua vida privada e familiar de um modo muito mais eficaz, recebe a concordância ou a concordância total de 62 por cento dos jovens. Deste modo, não é de espantar que a ideia de que vida das pessoas sem telemóvel, em geral, 117

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 118

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

seria muito mais feliz e tranquila acolha a discordância ou a discordância total de mais de metade dos jovens. O telemóvel penetrou sub-repticiamente nas práticas do dia a dia do Afonso, podendo servir várias das suas necessidades, daí que ele, enquanto representante dos jovens portugueses, tenha dificuldade em imaginar uma vida sem telemóvel que fosse mais feliz. Contudo, quantos aos jovens inquiridos online, 28,6 por cento acha que a sua vida mudaria para pior se ficassem duas semanas sem telemóvel enquanto que 66,9 por cento acha que não mudaria nada, mas são muitos aqueles que acham que mudaria para melhor. É curioso verificar aqui um efeito de género, visto que há claramente uma maior fracção de raparigas (36,6 por cento) que considera que a sua vida mudaria para pior se ficasse duas semanas sem telemóvel, enquanto que essa fracção entre os rapazes é de apenas 22,5 por cento. Inversamente, 72,6 por cento dos rapazes acham que não aconteceria nada enquanto que entre as raparigas essa percentagem decresce para os 59,3 por cento. Estes dados são coerentes com o facto de as raparigas conferirem maior valor afectivo e subjectivo ao telemóvel. Por outro lado, os internautas mais velhos são também os mais pessimistas visto que 30,5 por cento considera que a sua vida mudaria para pior se ficassem privados do telemóvel durante um par de semanas, enquanto que entre os mais novos apenas 20,8 por cento considera o mesmo. Estes dados poderão dever-se pelo cálculo dos mais velhos de que terão mais a perder se ficarem privados do telemóvel visto que é um meio para melhorar e aprofundar as suas relações sociais e a sua maior autonomia. Daqui podemos lançar a hipótese de que quanto mais o telemóvel estiver presente na vida dos jovens, quanto mais depositarem afectos e assentarem as suas relações sociais e a sua autonomia pessoal na utilização desse aparelho, maior será a percepção de dependência e menor a capacidade de imaginar um quotidiano alternativo sem telemóvel. Tanto as chamadas de voz como as mensagens de texto podem servir para manter uma percepção dos outros de forma constantemente, em pano de fundo, mantendo-se múltiplos canais de comunicação abertos. Desta forma, uma rede de relações mantida pelo uso do telemóvel pode ser entendida como uma “comunidade íntima a tempo inteiro”. Dos jovens respondentes a nível nacional, 42,5 por cento já utilizaram o telemóvel enquanto esperavam por alguém e se encontravam sozinhos para se sentirem mais acompanhados e 37,3 por cento enviaram mensagens SMS para amigos, familiares e conhecidos sobre nenhum assunto espe118

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 119

O MEU TELEMÓVEL E

«EU»

cífico, nas mesmas circunstâncias. Acrescente-se que 31,3 por cento dos jovens utilizaram o telemóvel numa situação similar para resolver assuntos pendentes que consideravam urgentes e 29,5 por cento dos jovens fizeram o mesmo para que ninguém o incomodasse. 22,4 por cento dos inquiridos aproveitaram ainda a situação de estarem sozinhos e à espera de alguém para resolver assuntos pendentes que consideravam urgentes. Verifica-se ainda que há uma maior percentagem de raparigas (45,6 por cento) do que de rapazes (39,3 por cento) que usa o telemóvel para se sentirem mais acompanhadas. O telemóvel pode assim ser percepcionado como uma companhia que confere segurança, torna-se uma espécie de “anjo da guarda” tecnológico. Uma maior fracção de raparigas (40,9 por cento) do que rapazes (33,5 por cento) tende também a enviar mensagens SMS para amigos, familiares e conhecidos sobre nenhum assunto específico na mesma situação. Além disso, também se observa que 36,9 por cento das raparigas utiliza o telemóvel quando estão sozinhas à espera de alguém para que ninguém as incomode, enquanto que entre os inquiridos do sexo masculino essa percentagem decresce para os 21,8 por cento. Para além da companhia, o telemóvel poderá dotar os adolescentes e, em particular, as raparigas de um meio de luta para a demarcação da própria personalidade, como defende Plant. Deste modo quando a irmã do Afonso se encontra sozinha na rua pode utilizar o telemóvel como uma construção cultural e de negociação do género e do poder no espaço público, transmitindo assim o modo como quer que os outros percebam o seu tipo de pessoa, desviando as atenções indesejáveis: “estou sozinha, mas não estou desacompanhada!”. Por seu turno, verifica-se que há uma fracção maior de rapazes (35,8 por cento) do que de raparigas (27 por cento) que aproveitaram, nas mesmas circunstâncias, para resolver assuntos pendentes que consideravam urgentes. Em todas faixas etárias, o principal motivo para os jovens inquiridos utilizarem o telemóvel prende-se com a sensação de se sentirem mais acompanhados, contudo, a maior percentagem de adolescentes que o fazem está entre os inquiridos dos 13 aos 15 anos (46,2 por cento) e a menor entre os pré-adolescentes dos 8 aos 12 anos (40,1 por cento). Observa-se também maiores fracções de adolescentes entre os 13 e os 15 anos que enviam mensagens SMS para amigos, familiares e conhecidos sobre nenhum assunto específico (39,9 por cento), enquanto que nas outras faixas etárias essa percentagem é menor, em especial, entre os jovens dos 16 aos 18 anos (35,6 por cento). É entre as faixas etárias mais ve119

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 120

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

lhas que se verifica as maiores percentagens de inquiridos (cerca de 35 por cento) que aproveitam as situações em que estão à espera sozinhos para resolverem assuntos que estavam pendentes e que consideravam urgentes, enquanto que entre os mais novos essa percentagem decresce para os 20,7 por cento. A atenuação da fronteira entre espaço público e privado implica, segundo Gersen (2002), um transporte de conversas privadas para o espaço público, daí que Fortunati (2001) veja na privatização do espaço público proporcionada pelas tecnologias móveis uma “intimidade nómada”. A maior parte dos jovens acolhe de braços abertos essa intimidade nómada no seu quotidiano. A maioria dos inquiridos (60,2 por cento) corrobora ou corrobora totalmente a ideia de que desde que usam o telemóvel deixaram de percorrer distâncias tão grandes para resolver os seus problemas. A sua vida é gerida em movimento. A par do que sugere Dias (2008), podemos dizer que a privatização do espaço público alteram os estados emocionais e a personalidade dos jovens, que sentem que controlam o seu ambiente, tendo o poder de se ligarem à sua rede de relações próximas, em particular, quando estão sozinhos ou se sentem mais isolados e desacompanhados. No entanto, o uso deste “anjo da guarda” comporta riscos no entender de Plant (2001), visto que os jovens poderão passar a ter menos confiança em si próprios, tornandoos incapazes de agir segundo o seu próprio julgamento, deixando-os dependentes da companhia, assistência e conselhos proporcionados pelo telemóvel. Outra dimensão da dependência dos jovens face ao telemóvel é a compulsão. De facto, 45,2 por cento dos adolescentes inquiridos admite que apenas algumas mensagens são necessárias, 37,1 por cento acha que muitas são necessárias e apenas 14,3 por cento acha que são todas necessárias. À medida que os jovens se vão tornando mais velhos maior é a tendência para haver uma maior fracção de adolescentes que considera que muitas ou todas as suas mensagens são necessárias. Claro que esta é a percepção dos próprios jovens, a definição do que é, ou não, uma mensagem necessária é subjectiva. O facto de uma maior parte dos adolescentes mais velhos considerarem as suas mensagens necessárias advém das necessidades de aprofundar as suas redes de relação, de sentirem-se parte integrante dessa rede e de assegurar um espaço de liberdade e autonomia. As mensagens de texto móveis são um palco etéreo alternativo que compensa a falta de espaços físicos e lugares sociais, 120

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 121

O MEU TELEMÓVEL E

«EU»

não monitorizados pelos adultos, onde os adolescentes possam comunicar de forma mais privada com amigos próximos ou namorar. Outra das influências do telemóvel sente ao nível do comportamento em público e da redefinição das regras sociais. O uso do telemóvel por parte do Afonso tem subjacente definições implícitas de um comportamento social apropriado ou inapropriado. O telemóvel veio apropriar-se e impor a sua presença em tempos e espaços do quotidiano dos jovens, quando estão nas aulas, nos transportes públicos, nos tempos de refeição. Os espaços, tempos e situações diárias podem ser entendidas pelos jovens como um constrangimento à conectividade permanente, mas também remetem para a consciência das responsabilidades que implicam o uso dos respectivos aparelhos. Deste modo, introduz-se no quotidiano uma gerência de limites entre o correcto e o incorrecto, mas também entre o espaço público e o espaço privado, entre a fachada pública e os bastidores da vida pessoal. A monopolização da atenção numa chamada poderá interferir nas interacções sociais estabelecidas pré-chamada, pois captam a atenção do receptor e podem criar sentimentos de desconforto, abandono ou de desinteresse nos outros. No entanto, para muitos jovens, amplamente socializados na utilização do telemóvel, a intrusão do telemóvel nas várias situações quotidianas será algo natural, integrado na rotina. Apenas 27,8 por cento concordam ou concordam totalmente que têm frequentemente necessidade de desligar o telemóvel para que as chamadas que recebem não interferirem com as suas relações interpessoais mais próximas. Um elemento particularmente intrusivo do telemóvel é o seu toque. O modo como as pessoas falam e o volume da conversa também podem ser elementos intrusivos na vida quotidiana. São ruídos que podem violar territórios, afectando a forma e o estilo das interacções diárias. O uso do telemóvel viola também a separação de fronteiras entre o público e privado. Porém, apenas 28,3 por cento dos inquiridos concordam ou concordam totalmente que a ideia de atender o telemóvel em público os incomoda. Portanto, as gerações mais novas poderão constituir um grupo que está a redefinir fronteiras, a renegociá-las no quotidiano, quanto à forma como se entende o espaço público e o privado. Quanto à forma como as pessoas devem expor-se em público e à imagem que devem transmitir. Plant (2001) relembra que quando se estabelece uma conversação ao telemóvel em locais públicos, há sempre um terceiro elemento nessa 121

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 122

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

conversa, que participa como ouvinte ou potencial ouvinte. Os utilizadores, cientes desse público potencial, podem adoptar algumas estratégias. Uma delas passa pelo afastamento do público, tornando discretas as suas conversas e, concomitantemente, escudando a esfera privada da pública. Esta estratégia é utilizada por 46,5 por cento dos jovens, que concordam ou concordam totalmente que quando recebem chamadas necessitam de se afastar para falar. Mas muitos jovens poderão utilizar essa falta de privacidade de modo exibicionista para atrair a atenção dos outros através de uma performance que Plant designa de stage-phoning. O utilizador telefona num palco, expondo questões privadas num meio público. Mas podemos ainda distinguir aqueles utilizadores que têm dificuldades em gerir os momentos em que o telemóvel irrompe no quotidiano, podendo surgir dúvidas quanto à forma correcta de se adaptarem à nova situação imposta pelo telemóvel. Surge aqui um problema de gestão das aparências em público, onde se tenta encontrar uma forma intermédia entre a conversação real e o local concreto, levando a mente a operar em duas áreas em simultâneo (a física e a psicológica). A irrupção do telemóvel no quotidiano tornou-se algo quase sagrado do ponto de vista daqueles que iniciam ou recebem uma chamada. Assim sendo, recrimina-se geralmente qualquer profanação exterior e não desejada a uma chamada telefónica. Uma maioria bastante significativa de jovens (84,7 por cento) concorda ou concorda peremptoriamente com a noção de que quando estão a falar ao telemóvel não gostam de ser interrompidos. O uso do telemóvel veio também trazer inovações na linguagem corporal, introduzindose novos gestos, movimentos, posturas e uma gestão, nem sempre fácil, do tom e nível da voz utilizado. Uma parte substancial dos jovens inquiridos (69,9 por cento) mostram a sua concordância ou concordância total à ideia de que tentam controlar o volume da sua voz, falando mais baixo que o habitual, quando estão a utilizar o telemóvel em locais públicos. O telemóvel representa a possibilidade de concretização do desejo ou necessidade de contacto permanente mesmo que as regras sociais desaconselhem ou proíbam a sua utilização em determinados locais e situações. Neste âmbito, chama-se a atenção para os contextos, as localizações do comportamento gerado pelo uso do telemóvel. Mesmo quando não existem regras ou sinalização de restrições de uso do telemóvel, as pessoas têm, geralmente, a consciência de que deveriam ajustar o seu comportamento mediante o contexto social, recolhendo detalhes e pistas que o ambiente transmite. No entanto, o desejo de contacto permanente pode sobrepor-se a essa consciência em várias situações quotidianas. 122

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 123

O MEU TELEMÓVEL E

«EU»

TABELA 4.4 DESLIGA/COLOCA EM SILÊNCIO O SEU TELEMÓVEL EM:

Sempre

Por vezes

Nunca

NS/NR

%

%

%

%

5,1

23,8

67,0

4,1

Celebrações religiosas em igrejas

54,5

14,3

23,0

8,2

Espectáculos (teatro, ópera, concertos)

40,4

19,9

31,6

8,1

Cinema

55,3

21,4

19,5

3,8

Conferências, aulas e palestras

60,6

15,1

18,8

5,5

Reuniões de trabalho ou outras

31,2

18,6

34,8

15,4

Momentos de comemoração (festas/jantares íntimos)

16,2

23,1

57,8

2,8

Momentos fúnebres (velórios, funerais)

58,6

12,8

20,7

7,9

Consultas, exames e tratamentos médicos

38,8

28,1

29,1

4,1

Viagens em transportes públicos ou colectivos

5,0

16,0

76,7

2,3

Conversas particulares face-a-face

5,2

21,9

70,3

2,6

Restaurantes

A situação onde uma maior fracção de jovens dizem desligar ou colocar em silêncio sempre o seu telemóvel é quando estão em conferências, aulas e palestras (60,6 por cento). Os momentos fúnebres (58,6 por cento) e as celebrações religiosas em igrejas (54,5 por cento) são outros momentos onde a maioria dos jovens coloca em silêncio ou desligam sempre o seu telemóvel. Mais de metade afirma ainda que desliga ou coloca sempre o aparelho móvel quando estão no cinema e cerca de 40 por cento faz o mesmo em espectáculos como teatro, ópera ou concertos. As consultas, os exames e tratamentos médicos (38,8 por cento) e as 123

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 124

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

reuniões de trabalho 31,2 por cento são outras situações onde alguns jovens têm em atenção o poder diruptivo do telemóvel. Mas a maior parte dos jovens já não tem esse cuidado em momentos de comemoração como festas ou jantares íntimos ou em conversas particulares face-aface, ou nos períodos de refeição em restaurantes ou quando estão em viagens em transportes públicos ou colectivos. TABELA 4.5: COSTUMAS DESLIGAR O TELEMÓVEL:

Sim (%)

Não (%)

NS/ NR (%)

quando estou nas aulas

40,8

56,3

2,9

quando estou no cinema

39,7

57,3

3,1

quando estou a estudar

18,6

78,5

2,9

quando estou em família, às refeições, a ver televisão, etc.

11,4

85,8

2,8

Quando confrontamos os jovens com a opção única de desligar o telemóvel, sem a opção alternativa de o deixar em silêncio, podemos apreciar melhor o alcance desse desejo de contacto permanente. A maior parte dos jovens inquiridos online não costuma desligar o telemóvel, independentemente da situação. A situação em que uma maior percentagem de jovens internautas declara ter por hábito desligar o telemóvel é o período de aulas (40,8 por cento), seguida da situação em que os jovens se encontram no cinema (39,7 por cento). Apenas uma minoria dos jovens declara que desliga o seu dispositivo quando está a estudar (18,6 por cento) ou quando está em família, às refeições, a ver televisão, etc. (11,4 por cento). Uma fracção ligeiramente superior de rapazes afirma que desliga o telemóvel no período de aulas (43,8 por cento), em comparação com 36,9 por cento das raparigas. De facto, verificam-se percentagens ligeiramente superiores de rapazes que desligam o telemóvel nas situações consideradas. São diferenças muito pequenas mas que demonstram uma certa consistência e que nos permitem considerar que uma maior fracção das raparigas é mais relutante em desligar do contacto permanente proporcionado pelo telemóvel em diversas situações. 124

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 125

O MEU TELEMÓVEL E

«EU»

No que respeita às diferenças entre idades verifica-se, sem margem para dúvidas, que é entre os mais novos que há uma maior percentagem de inquiridos a desligar o telemóvel nas diversas situações consideradas. Entre as crianças dos 9 aos 12 anos, 66,7 por cento declara que desliga o telemóvel nas aulas e 56,7 por cento no cinema. Mas entre os jovens mais velhos, dos 16 aos 18 anos, essas percentagens sofrem uma grande queda, 31,3 por cento e 30,3 por cento, respectivamente. Igualmente, uma fracção maior de internautas mais novos desliga o telemóvel no tempo de estudo (30,8 por cento) e em situações familiares (19,2 por cento), enquanto que entre os mais velhos essas percentagens são de 13,3 por cento e 8,5 por cento respectivamente. Nos inquiridos mais velhos nota-se portanto uma maior relutância para abrirem mão da sensação de contacto permanente à sua comunidade íntima. Esse desejo de contacto permanente com uma comunidade íntima está mesmo presente quando os jovens já estão deitados ao fim do dia. A maioria dos inquiridos (56,3 por cento) afirma ainda que, às vezes, recebe mensagens quando já está deitado e 18,8 por cento afirma que isso acontece muitas vezes. Verifica-se que há claramente uma maior percentagem de raparigas que afirma que recebem muitas vezes mensagens quando já estão deitadas, nomeadamente, 25,4 por cento em comparação com 13,8 por cento dos rapazes. Inversamente, 31,4 por cento dos rapazes afirmam que tal situação nunca acontece e apenas 16,2 por cento das raparigas declaram que nunca recebem chamada quando já estão deitadas. Como seria de prever, os mais novos são os menos recebem chamadas quando já estão deitadas. 43,3 por cento dos internautas dos 9 aos 12 anos afirmam que recebem chamadas, às vezes ou muitas vezes, quando já estão deitados, enquanto que entre os jovens dos 16 aos 18 anos essa percentagem ascende aos 82,8 por cento. Mas se, por um lado, a utilização do telemóvel por parte dos jovens pode representar a conquista de um espaço de autonomia face à monitorização dos adultos, por outro lado, umas das principais justificações funcionais para que os pais apoiem a utilização do telemóvel por partes dos filhos é a possibilidade de controlo parental. Uma clara maioria dos jovens inquiridos, concordam ou concordam totalmente com a ideia de que têm maiores possibilidades de serem controlados quando estão com o seu telemóvel. Porém, mesmo com o controlo mais ou menos apertado dos pais, o Afonso goza de uma margem, pois pode não responder às chamadas dos seus pais. Se confrontado com essa situação, ele pode 125

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 126

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

retorquir simplesmente que a sua bateria estava descarregada ou que o telemóvel estava em modo de silêncio pelo que não tinha ouvido o toque do dispositivo. Dentro de uma comunidade íntima conectada permanentemente pelo telemóvel existe um princípio implícito de reciprocidade de mensagens ou chamadas. Quando há uma quebra desse princípio é necessário os jovens justificarem-se, arranjarem desculpas, perante os seus pares e os seus familiares. Quanto às desculpas que os jovens arranjam quando não atendem ou não respondem a uma chamada a mais referida em primeiro lugar pela maior fracção de inquiridos (49,2 por cento) é a de que não ouviram o telemóvel tocar. A seguir, temos 27,8 por cento que utilizam como principal desculpa o facto de a rede estar em baixo. 8,8 por cento referem que não conseguiram ouvir as mensagens e 6,6 por cento de que têm um problema com o equipamento telefónico. Apenas uma pequena minoria de 1,9 por cento refere que utiliza como principal desculpa uma situação doméstica ou familiar para resolver. E só uma fracção de 3,3 por cento dos jovens afirma não ter nenhuma, atendendo sempre o telemóvel. Na utilização dos telemóveis podemos vislumbrar a forma como as crianças e principalmente os adolescentes se assumem como sujeitos activos, produtores das suas próprias sub-culturas móveis, com os seus interesses próprios e promotores de mudanças sociais ao nível dos comportamentos e regras sociais. O Afonso tem voz sobre as suas próprias práticas e confere sentido aos mundos mediáticos de que faz parte. Mas daqui podem surgir alguns confrontos entre culturas mediáticas, entre a visão dos jovens e os usos que fazem do telemóvel e a visão dos adultos. Como assinala Lorente (2002), a comunicação por telemóvel encetada quotidianamente pelos jovens pode minar algumas definições adultas preestabelecidas de situação social e lugar, mas também constrói novas situações tecnossociais e novas fronteiras de lugar e identidade. Deste modo, o uso dos telemóveis pode dar lugar a tensões intergeracionais sobre o que devem ser as instituições sociais e as relações estruturantes para os jovens. A apropriação dos dispositivos móveis por parte de crianças e adolescentes cria práticas tecnossociais que juntam inovações técnicas e a renegociação de normas sociais. A necessidade dos jovens de contacto permanente à sua comunidade íntima coloca desafios a pais e educadores. São necessários espaços de negociação e de diálogo entre adultos, crianças e adolescentes, eventualmente definição 126

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 127

O MEU TELEMÓVEL E

«EU»

conjunta de novas regras, para que sejam evitadas situações de conflito em casa ou na escola. As consequências da utilização da tecnologia são resultado de uma tensão social sobre o uso apropriado dos telemóveis e não uma consequência “natural” determinada por uma forma tecnológica particular. De forma quase “instintiva” os jovens apercebem-se dessa realidade, adoptando as tecnologias móveis à sua maneira, mobilizandoas em conjunto com as culturas de consumo para reclamar um espaço de autonomia, criando o seu próprio mundo, tanto quanto possível, fora do controlo dos adultos. O telemóvel é uma ferramenta, entre outras, em que os jovens se baseiam para testar e experimentar várias identidades. É utilizado no processo de emancipação e de afirmação da identidade próprio da adolescência, onde o Afonso cria a sua independência face ao mundo adulto.

127

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 128

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 129

CAPÍTULO 5 MUNDOS MUITO REAIS MEDIA E VIDEOJOGOS NA CULTURA JUVENIL

Os jogos interactivos e de computador pertencem a uma emergente cultura multimédia nas últimas décadas, em especial nas camadas mais jovens, baseada nas capacidades e possibilidades que as novas tecnologias oferecem. Os jogos permeiam a cultura e as práticas do Afonso, no seu quotidiano, nas suas interacções com outros jovens, nas conversas, nas sociabilidades e até mesmo na construção identitária. Exemplo disso mesmo é a constituição de clãs, isto é, a formação de comunidades de jogadores online ou a projecção da identidade em personagens virtuais. Várias razões concorrem para a explanação deste desenvolvimento. Partindo de uma abordagem económica pode-se argumentar que as crianças e os jovens têm uma importância crescente como consumidores para as indústrias culturais. A indústria dos jogos multimédia7 cedo se apercebeu que os jovens podem funcionar como forças impulsionadoras no lançamento de determinados produtos e que o seu poder de compra não é, hoje em dia, nada desprezível, lançando estratégias para cativar este público. Do ponto de vista técnico pode-se apontar a crescente facilidade, em termos ergonómicos e de

7 Os jogos multimédia incluem as consolas de vídeo e o software utilizado no computador.

129

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 130

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

interface, em jogar jogos electrónicos. Por exemplo, as consolas de jogos de vídeo funcionam à base de mecanismos Plug and Play ou conecta e joga, não sendo necessários conhecimentos informáticos específicos. No entanto, como argumenta Fromme (2003) é essencial perceber as mudanças por parte dos próprios jogadores, isto é, os factores que os tornam particularmente susceptíveis para o uso e consumo de jogos de vídeo e de computador. Daí que se relevante perceber como é que os jovens usam e valorizam diferentes jogos, em que medida os jogos são integrados nas suas vidas (Livingstone, d’Haenens e Hasebrink, 2001) e como é que a mudança nos media se relaciona com desenvolvimentos sociais mais genéricos. No inquérito aplicado de forma tradicional face-a-face, há uma percentagem bem menor (45,3 por cento) de jovens jogadores, quer em consolas quer em computadores, em comparação com 80,8 por cento de jovens inquiridos online, ou seja, estes constituem um público largamente socializado na cultura dos jogos. Porém, entre os inquiridos do inquérito face-a-face se considerarmos os utilizadores da internet a percentagem de jogadores habituais sobe para 53,9 por cento. Deste modo, podemos dizer que os jovens socializados na internet tendem a estar também mais socializados noutros tipos de media como os jogos. Apura-se igualmente que a cultura dos jogos apela mais a um público masculino do que feminino. À semelhança do verificado com o inquérito online, verifica-se uma clara disparidade entre rapazes e raparigas. Mais de metade dos rapazes (57,1 por cento) costuma jogar enquanto que nas raparigas a percentagem de jogadoras regulares desce para 33,1 por cento. Quanto ao inquérito online, a quase totalidade dos rapazes (90 por cento) costuma jogar em comparação com 68,5 por cento de raparigas. Contudo, como se constata, a cultura dos jogos não é completamente alheia às jovens portuguesas. Em especial, a percentagem de jogadoras verificada entre as jovens inquiridas online é expressiva e significa que o mercado dos jogos também apela a segmentos de jovens do sexo feminino. É sintomático do desenvolvimento de produtos que apelam não só a um público “masculino” como a um público “feminino”, como no caso do popular jogo de simulação The Sims. Um dado curioso, é que é entre os mais novos (dos 9 aos 12 anos) que se verifica a maior percentagem de inquiridos que habitualmente jogam (94,2 por cento). Fazendo um escrutínio entre os inquiridos dos 9 aos 12 anos verifica-se 130

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 131

MUNDOS MUITO REAIS MEDIA E VIDEOJOGOS NA CULTURA JUVENIL

que 96,1 por cento dos rapazes e 90,7 por cento das raparigas declaram que jogam habitualmente. De facto, verifica-se que com o avanço da idade há uma menor a percentagem de jogadores regulares. Temos assim 83,9 por cento de inquiridos dos 13 aos 15 anos que jogam habitualmente e uma menor percentagem (76,2 por cento) de jogadores entre os 16 e os 18 anos. Possíveis factores explicativos deste decréscimo poderão ser a vida social mais preenchida dos mais velhos, assim como o requerimento de um maior tempo de estudo. Os dados do inquérito face-a-face mostram igualmente que, como seria de esperar, há um interesse elevado ou muito elevado nos jogos entre a maior parte dos jogadores (80,6 por cento), uma percentagem muito semelhante ao interesse demonstrado pelos utilizadores da internet, que é elevado ou muito elevado em 81,3 por cento dos casos. Os dados mais interessantes veêm da comparação entre sexos, onde se vislumbra uma divisão clara entre os interesses demonstrados. Quase todos os rapazes que jogam regularmente (93 por cento) demonstram um interesse elevado ou muito elevado, enquanto que a percentagem de raparigas com um elevado ou muito elevado grau de interesse desce para 58,4 por cento. É portanto, claramente verificável aqui um efeito de género na socialização na cultura dos jogos, tanto em termos mais objectivos, de prática, como em termos mais subjectivos, de interesse pelos jogos. Quanto à comparação entre escalões etários, verifica-se a tendência de o interesse pelos jogos diminuir um pouco com a idade. É entre os mais novos (8 aos 9 anos) que se verifica a maior percentagem de inquiridos com um interesse elevado ou muito elevado pelos jogos (87,1 por cento). Na faixa etária seguinte (dos 13 aos 16 anos) esse percentagem decresce para 78 por cento e entre os jovens dos 16 aos 18 anos desce para os 75 por cento. Portanto, é no campo subjectivo que encontramos diferenças entre escalões etários, o que é coerente com a hipótese levantada de que os jovens mais velhos provavelmente têm interesses mais diversificados, são solicitados para ou procuram outras actividades, fruto da sua maior autonomia pessoal. Mas se aqui nos focamos nos jovens, convém notar que o consumo de jogos, que se centrava essencialmente nos adolescentes, espalhou-se, simultaneamente, para um público mais velho (em especial aqueles que se socializaram enquanto jovens na utilização dos jogos) e para um público ainda mais novo, 131

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 132

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

isto é, crianças. Adultos na casa dos 30 cresceram a jogar desde os anos 80 e 90 e ainda hoje não abandonaram essa prática. Também é de notar a diversificação da oferta, o que corresponde a uma variedade de públicos-alvo. A evolução da estrutura demográfica tem-se alterado e aproxima-se, ainda que lentamente, do universo da população em geral8. Assiste-se, assim, a uma tendência futura de equilíbrio entre os dois sexos na utilização dos jogos, quer do lado das consolas quer dos PC’s, embora esse equilíbrio possa ser atingido mais rapidamente nos jogos realizados em computador como os nossos próprios dados atestam. Além disso, dados dos EUA já comprovam uma alteração da estrutura etária dos utilizadores. Segundo dados da ESA (Entertainment Software Association) cerca de 50 por cento dos americanos são jogadores de jogos multimédia, e entre os jogadores 39 por cento são mulheres. A idade média dos utilizadores é de 29 anos e a maioria dos utilizadores frequentes tem mais de dezoito anos, 41 por cento dos utilizadores dos jogos multimédia para PC e 22 por cento dos utilizadores de consolas, mais de 35 anos. A tendência é clara, a cultura dos jogos multimédia transbordou para além da cultura juvenil e já não se pode dizer que seja um factor específico desta.

Os jogos multimédia como elemento central da indústria de entretenimento A emergência dos jogos multimédia introduziu novas realidades no sistema dos media: a contribuição dos jogos para as receitas dos serviços audiovisuais igualava, já em 2000, as receitas de bilheteira do cinema nos EUA e superava-as em dois pontos percentuais na União Europeia. Os jovens inquiridos gastam em média 22,75 euros por mês em jogos, no entanto é de referir que metade dos inquiridos declaram não gastar nada por mês neste tipo de produtos. Como seria de esperar são os rapazes os mais gastadores visto que, em

8 Worldwide Videogame Hardware and Software Forecast and Analysis, 2003-2007: Midlife Changes, IDC, Novembro 26, 2003.

132

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 133

MUNDOS MUITO REAIS MEDIA E VIDEOJOGOS NA CULTURA JUVENIL

média, gastam 33,26 euros por mês em jogos em comparação com 8,34 euros por parte das raparigas. Os gastos mensais com jogos são tendencialmente superiores aos gastos com o telemóvel e com música, em particular, entre os rapazes. A percentagem de jovens que compra habitualmente jogos (27,9 por cento) é ainda superior à percentagem de compradores habituais de CD’s de música (21,8 por cento). O montante que, em média, os jovens estariam dispostos a pagar por mês para descarregar da internet os 10 jogos mais vendidos é de 8,82 euros porém, é assinalável que mais de metade não estaria disposto a pagar. São os inquiridos do sexo masculino os mais dispostos a pagar uma quantia mais elevada (11,82 euros, em média) em comparação com as raparigas que estariam apenas dispostas a pagar, em média, 2,9 euros. Os inquiridos mais velhos dos 16 aos 18 anos estariam dispostos a pagar um pouco mais (10,71 euros, em média) do que os restantes inquiridos mais novos, dispostos a pagar apenas pouco mais de 7 euros. É mais do que os jovens estariam interessados em gastar para descarregar filmes na internet. Concomitantemente, verifica-se que cerca de 60 por cento dos jovens inquiridos preferem divertir-se e passar o tempo a jogar do que a ver filmes, isto é, a interactividade dos jogos é para esses jovens mais aliciante do que ver filmes. Entre os mais novos a percentagem daqueles que preferem os jogos aos filmes ascende praticamente aos 68 por cento. É de realçar ainda que são normalmente os pais a comprarem os jogos, seja como presente, seja, provavelmente como uma compra supervisionada. Apenas 20 por cento dos jogadores declaram serem os próprios a comprar os seus jogos. É de notar que são os rapazes que tomam mais a iniciativa de comprar jogos, o que é coerente com os restantes dados. Por outro lado, há visivelmente uma maior percentagem de jovens mais velhos (39,5 por cento) que compram eles próprios os jogos, fruto de um maior poder de compra e de uma maior autonomia e liberdade nas suas compras. Concomitantemente, verificase um peso menor dos pais (38,5 por cento) na compra dos jogos. Inversamente, entre os mais novos verifica-se que, em 64,9 por cento dos casos, os pais são os compradores dos jogos, efeito do menor poder de compra e da menor autonomia em escolher os jogos sem a supervisão dos pais. Quando os inquiridos não compram os jogos ou não lhes oferecem os jogos que utilizam, na maior parte dos casos (76,8 por cento), pelo 133

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 134

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

menos declaradamente, são jogos emprestados por amigos, colegas ou familiares. Apenas 6,3 por cento confessam que são jogos copiados a partir dos jogos originais e apenas uma pequena percentagem de inquiridos (1,6 por cento) afirma que aluga os jogos. A maioria dos jovens (69,3 por cento) diz não ter jogos pirateados, contudo, a utilização de jogos pirateados é mais frequente nos rapazes (em 41 por cento dos casos) do que nas raparigas (apenas em 17 por cento dos casos). Os mais velhos são também aqueles que mais se aventuram na utilização de jogos pirateados (34,3 por cento) em comparação com 22,5 por cento dos mais novos. Esta referência à pirataria serve não só para ter uma noção da utilização de software pirata por parte dos jovens como para se ter uma noção um pouco mais clara da dimensão do mercado de jogos multimédia. Apesar de parte dos jogadores não despender ou despender pouco dinheiro em jogos isso não significa que não sejam utilizadores ávidos. Somando as vendas e a pirataria torna-se visível o que representa esta indústria cultural quer em termos de receitas quer em termos de públicoalvo. A evolução dos jogos trouxe-se também outra realidade no que respeita à produção de ficção de entretenimento. Se esta assentava essencialmente em torno do cinema mas parece estar a emergir uma nova organização que advém da partilha de processos de dinamização e inovação entre a industrial cultural do cinema e indústria cultural dos jogos. A evolução do mercado dos jogos e a organização das empresas produtoras e distribuidoras de jogos seguirão porventura a realidade do mercado cinematográfico, organizado, essencialmente, em torno dos grandes estúdios. Contudo, centramo-nos aqui na relevância cultural dos jogos, do ponto de vista dos jovens utilizadores. Assistimos, hoje em dia, a uma diversificação que passa tanto pelo recurso a novos tipos de possibilidades e argumentos ainda não explorados no mundo dos jogos9, ora pelo explorar de li-

9

ex.: Half Life, um jogo de ‘tiro neles’ com um argumento hollywoodesco onde o jogador encarna um personagem na primeira pessoa; The Sims, uma simulação de ambientes familiares em telenovelas ou reality shows; ou ainda os designados party games que simulam concursos de televisão como o Buzz ou concertos de bandas de rock como o Guitar Hero.

134

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 135

MUNDOS MUITO REAIS MEDIA E VIDEOJOGOS NA CULTURA JUVENIL

cenças baseadas em filmes, desenhos animados, livros ou séries. A cultura dos jogos contagiou também o cinema o que é sinal da sua importância na cultura contemporânea. Os jogos contribuíram já para o aparecimento de filmes inspirados em personagens de jogos e filmes cuja temática são os jogos multimédia (ex.: Super Mario, Tomb Raider, Resident Evil ou Doom). O filme The Matrix apresenta uma clara influência dos jogos na própria construção da narrativa e no recurso a cenas de acção herdade dos jogos de luta. Já o filme Existenz problematiza a complexificação dos jogos e a relação entre o real e o imaginado. Para percebermos o fascínio de muitos jovens, e de outros utilizadores mais velhos, pelos jogos, vale a pena olhar igualmente para as próprias características dos jogos multimédia. A complexificação dos jogos veio exigir novas competências cognitivas por parte dos jovens utilizadores. Podemos mesmo apelidar os jogos multimédia actuais como Jogos de Realidade Complexa. Jogos intitulados firstperson shooters («tiro-neles») como o Half Life deixaram de ser os jogos desmiolados cujo objectivo era atirar em tudo o que mexe para se tornarem simulacros com uma geografia e um motor narrativo complexos, com textura e profundidade no desenrolar dos acontecimentos, e um amplo grau de liberdade e de imprevisibilidade, o que pode permitir uma imersão mais intensa no jogo. Half Life foi um marco na história recente dos videojogos porque demonstrou novas possibilidades de produção e serviu de ponto de referência em relação a outros títulos, tornado os utilizadores mais exigentes. No jogo não basta disparar, é também necessário resolver alguns puzzles, reconhecer o terreno de modo a analisar o que a personagem encarnada pelo jogador pode ou não realizar e como interagir com o meio ambiente e as personagens secundárias. As deambulações pelo jogo são também acompanhas com música ambiente propícia às situações vividas o que remete para a linguagem do cinema. Não admira pois que muitos jovens prefiram os jogos aos próprios filmes, na sua vertente de entretenimento. Os jogos de última geração podem ser encarados como sendo um espaço de múltiplas possibilidades, que oferecem múltiplas direcções no curso do jogo e onde é valorizado um processo de aprendizagem baseado num processo de tentativa e erro. Mais do que querer reproduzir realidades através da tecnologia com o recurso a texturas quase reais e inteligências artificiais avan135

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 136

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

çadas, os jogos multimédia podem ser vistos como formas de criação de relações complexas que tentam simular as hipóteses de escolha que, diariamente, se nos colocam na vida, mas numa dimensão de fantasia e entretenimento. Os vários tipos de jogos são utilizados por perfis diferentes de jogadores. De um modo geral, os jogos de acção, os jogos de aventura, os de corrida e os de estratégia são os mais populares entre os jovens portugueses inquiridos. Entre os menos populares estão os first person shooters (que estão, geralmente, entre os jogos mais violentos) e os role playing games10, que são jogos multimédia mais complexos, por um lado, em termos cognitivos, requerendo maior tempo de aprendizagem e de imersão no jogo, e, por outro lado, em termos tecnológicos, exigindo muitas vezes consolas ou computadores dispendiosos de última geração. Este tipo de jogos está mais acessível ou apela a um determinado tipo de jogador, predominantemente masculino e tendencialmente mais velho. Outros tipos de jogos que apelam mais a um público masculino são os jogos de acção, de corridas, de simulação, de futebol e de outros desportos. Os jogos de árcade e de puzzles, tabuleiro ou cartas são os que mais captam a atenção do público feminino. Além disso, o público mais novo tem maior atracção por jogos de futebol e de outros desportos, acção, aventura e corridas. Os jogos de simulação, puzzles, tabuleiro e cartas apelam a um público mais velho. Entre os inquiridos a nível nacional, apura-se ainda que a consola é mais popular entre o público masculino enquanto que o público feminino têm uma maior preferência pelos jogos no computador. A consola de jogos é a plataforma mais utilizada para 61 por cento dos jovens inquiridos, enquanto que o computador aparece logo em segundo lugar, sendo a primeira escolha de 48,8 por cento dos jovens. Em geral, há uma grande tendência (em cerca de 86 por cento dos casos) para o computador e a consola estarem entre a primeira e a segunda ordem de utilização. O telemóvel é a plataforma mais

10 Os RPG’s ou Role-Playing Games são jogos de “interpretação de papéis” inseridos numa narrativa que recorre frequentemente a cenários do domínio fantástico e que tiveram a sua inspiração original em jogos de tabuleiro.

136

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 137

MUNDOS MUITO REAIS MEDIA E VIDEOJOGOS NA CULTURA JUVENIL

preterida se olharmos apenas para a primeira ordem de utilização. Contudo, o telemóvel rivaliza com a consola portátil, até porque é uma plataforma mais acessível e comum. Numa análise por sexos, verifica-se claramente que, entre os rapazes, a consola constitui a plataforma de jogos mais utilizada (em 63,2 por cento dos casos), sendo que o computador é escolhido em primeiro lugar apenas em 36,9 por cento dos casos. Já para 72,7 por cento raparigas o computador é a plataforma mais utilizada, ainda assim, a consola é a primeira escolha para mais de metade (57,8 por cento) das raparigas. O tipo de jogos utilizados interliga-se com o tipo de plataformas utilizadas, em especial, com tipo de tecnologia e interface disponibilizadas por cada uma das plataformas. O computador privilegia o rato e o teclado enquanto interface, enquanto que na consola o gamepad ou o comando de jogos constitui o interface com a máquina por excelência. Assim sendo, não é de espantar que os jogos de estratégia, de simulação, de puzzles/ tabuleiro/ cartas, os role playing games e os first person shooters estejam um pouco mais associados ao interface do computador, ao teclado e ao rato, enquanto que os jogos de acção, de aventura, de futebol e de outros desportos estejam mais associados ao comando da consola. No que respeita à consola portátil verifica-se que os jogos de acção tendem a ser os mais jogados neste tipo de plataforma, enquanto que os jogos tipo árcade tendem a ser os mais populares para o telemóvel. Para a compreensão das ligações que se estabelecem entre os jogos e outras tecnologias, num modelo comunicacional em rede que sintetiza várias formas de comunicação, é relevante olhar para a sua relação com a internet. Hoje em dia, há uma vasta oferta de jogos que oferecem a possibilidade de interagir com outros jogadores online através da internet e que poderão dar lugar ao estabelecimento de verdadeiras comunidades de jogadores online que jogam juntos habitualmente. Os jogos poderão ser assim extensões do eu social dos jovens e, como tal, meios de comunicação de mass media, como defende Mcluhan (1997). Podem constituir situações construídas para permitirem a participação de um número elevado de pessoas em algum padrão significativo das suas vidas sociais. Amaral (2008) profere que o advento da internet alterou de forma marcante a indústria dos jogos. De facto, uma grande parte dos jogos produzidos hoje em dia permitem a interacção em rede entre joga137

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 138

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

dores, o que aumenta a própria longevidade dos jogos. Contudo, apesar do sucesso dos jogos online em círculos específicos de usuários, dos jovens jogadores portugueses, apenas 20,4 por cento costuma jogar através da internet, mas se considerarmos apenas os jogadores com acesso à internet verificamos que esse valor ascende pouco, para 24,3 por cento. Verifica-se que há uma maior percentagem de rapazes que joga online (23,7 por cento) do que de raparigas (14,5 por cento). É entre os mais novos que se verifica a menor percentagem de jogadores online (16,8 por cento) e é entre os jovens dos 13 aos 15 anos que se verifica a maior percentagem de inquiridos a jogar através da internet. No escalão mais velho esse valor decresce para 21,9 por cento. A mais baixa percentagem de jogadores online entre os mais novos talvez reflicta menores competências para rodar um jogo através da internet e talvez uma menor autonomia face à utilização do computador e da internet. Inversamente, os inquiridos dos 13 aos 15 anos poderão distinguir-se por uma maior competência adquirida nas TIC e de uma maior autonomia face ao escalão etário anterior. O decréscimo de jogadores online entre os 16 e os 18 anos poderá talvez ser, pelo menos em parte, explicado por um interesse menor face aos jogos electrónicos. Ao nível da interactividade a aposta na internet vem representar mudanças qualitativas na lógica da interacção social proporcionada pelos jogos de realidade complexa. Da possibilidade de jogos jogados com redes de sociabilidades de proximidade, amigos da escola ou da rua, jovens como o Afonso passam a poder interagir com utilizadores apenas identificáveis através dos seus apelidos virtuais. Porém, apenas uma minoria de jovens inquiridos assinalam que costumam jogar com desconhecidos, sendo que os jogos ainda estão mais frequentemente ligados às redes de sociabilidade de proximidade. No entanto, é de prever uma possível subida no volume de utilização de jogos online, seja com amigos seja com desconhecidos.

Culturas mediáticas em confronto Pode-se dizer que a relevância cultural e social dos jogos está interligada com a discussão sobre as competências ou info-literacia 138

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 139

MUNDOS MUITO REAIS MEDIA E VIDEOJOGOS NA CULTURA JUVENIL

dos jovens no que diz respeito aos media. Pais e educadores, prendem-se muitas vezes a visões dos jogos como maus educadores, disseminadores de comportamentos violentos, de isolamento social ou simplesmente como algo que consome tempo aos jovens, desviandoos de actividades mais produtivas. Porém, um melhor conhecimento sobre processos informais de aprendizagem e do seu pano de fundo torna-se assim necessário para evitar, segundo Fromme (2003), o “choque de culturas mediáticas”. Esta noção metafórica chama a atenção para o seguinte: professores, pais e educadores em geral são membros de uma geração que, na sua socialização primária, cresceram numa cultura mediática diferente e, portanto, têm experiências mediáticas diferentes que as gerações mais novas. Estas experiências mediáticas informais não só influenciam os valores privados e as atitudes em relação aos novos media, como também têm impacto nos seus conceitos e nas suas práticas de educação. Ou seja, os educadores tendem a abordar as culturas mediáticas das crianças e dos jovens a partir da sua perspectiva geracional que eles representam como a norma implícita nas práticas e nos discursos educacionais, assim como políticos (Fromme, 2003). Isto implica que os novos media sejam muitas vezes olhados com desconfiança e cepticismo pelos educadores. Em especial, os jogos electrónicos parecem apelar mais imediatamente ao lúdico, a uma ética mais hedonista e de satisfação imediata o que poderá chocar com a “ética protestante” de que falava Weber, mais presente nos adultos, assente num estilo de vida mais racionalizado e em formas específicas de auto-controlo. Daqui podem surgir conflitos específicos em torno do uso do computador visto que os educadores poderão querer desviar as crianças e os jovens dos jogos para outras actividades e ferramentas informáticas tidas como mais educativas e úteis como trabalhar com processadores de texto, utilizar enciclopédias ou usar ou tipo de software educacional (Leu, 1993). No entanto, se adoptarmos a análise de Himanen (2001) podemos levantar a hipótese de que na realidade as gerações mais novas estão a adoptar uma ética diferente daquela que os seus pais conheceram e que a relação dialéctica entre as duas éticas produz novas formas de relação familiar mediadas pelas experiências mediáticas dos membros do agregado doméstico. Greenfield (1984) foi das primeiras autoras que se afastou do medo senso-comunal de que os novos media são maus educadores. 139

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 140

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

A autora assinala que jogos também contribuem para o desenvolvimento de novas competências cognitivas complexas, apreendidas de forma informal à parte dos contextos da aprendizagem formal da escola. Muitas crianças já entram na escola com competências ao nível do uso de computadores antes da instrução formal dos educadores, o que conduz à sensação de que as crianças já “nascem ensinadas” no que respeita à utilização de novas tecnologias. Por outro lado, os jogos não são uma esfera fechada em relação ao mundo social circundante, separados da experiência quotidiana, ou seja, os jogos podem ligar-se com acontecimentos externos (por exemplo, desportivos) e são passíveis de ser discutidos e usados entre contextos sociais. Garry Crawford (2006) é outro autor que explora a importância dos jogos de vídeo e de computador para o mundo social. Segundo este autor a importância de jogos de simulação (futebol, etc.) prende-se com ligações ‘intertextuais’ entre o desporto ou os acontecimentos offline, o que torna os jogos passíveis de serem discutidos e usados em contextos sociais. Ou seja, em vez de vincular uma visão dos jogos enquanto ‘escape’, separados da experiência do diaa-dia, as simulações (em particular, as de futebol) necessitam de ser entendidas no âmbito mais alargado das situações culturais e sociais.

Os riscos e a educação em torno da utilização dos jogos Há um certo tipo de discurso que aproxima a utilização abusiva dos jogos ao consumo de estupefacientes e que, concomitantemente, olha para os utilizadores frequentes como viciados. O próprio McLuhan proferiu em Understanding Media (1994) que o “ambiente electrónico” tem propriedades alucinogénias. Curiosamente, não é comum apelidar alguém que passe o tempo livre a ver televisão de “viciado”. Fiske (1989) sublinha que a ligação entre o electrónico e o corpo que se processa quando se joga, poderá produzir uma perda do sentido de si, do sujeito socialmente construído e das suas relações sociais, induzida pelo excesso de concentração nos jogos. Segundo Fromme (2003), não há evidência empírica que justifique um alarmismo geral em torno da cultura dos jogos. Em geral, mesmo as crianças e os jovens que estão mais envolvidos nos jogos, 140

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 141

MUNDOS MUITO REAIS MEDIA E VIDEOJOGOS NA CULTURA JUVENIL

em termos de interesse e de frequência de uso, aparentemente não descuram outras actividades e outros interesses dentro e fora de casa, integrando-se em relações sociais. No entanto, alguns dos nossos dados parecem dar algum fundamento às preocupações de pais e educadores. Dos jovens respondentes do inquérito face-a-face realizado a nível nacional, 55,4 por cento concorda ou concorda parcialmente que os jogos tiram tempo de estudo. Acrescente-se ainda que 41,3 por cento concorda, pelo menos parcialmente, que os jogos tiram tempo para estar com a família sendo mais reduzida a percentagem de inquiridos (33,9 por cento) que afirmam que os jogos tiram tempo para estar com os amigos. Das crianças e adolescentes inquiridos, 21,2 por cento concordam ou concordam em parte que estão viciados num jogo mas já 70,1 por cento concordam ou concordam em parte que conhecem alguém que, quando está em casa, não para de jogar. É mais comum um rapaz concordar que está viciado num jogo (26,5 por cento) do que uma rapariga (14,2 por cento). No que respeita a conhecer alguém que, quando está em casa, não para de jogar, verificam-se diferenças assinaláveis entre escalões etários. É entre os mais velhos que existe uma maior percentagem de inquiridos (75,7 por cento) que declara conhecer alguém que não para de jogar em casa, em comparação com 49,2 por cento entre os mais novos. Os adolescentes, face aos pré-adolescentes, apresentam uma maior liberdade para utilizar os jogos e gerir os seus tempos livres, fruto de uma menor pressão e controlo directo por parte dos pais ou dos educadores. Além disso, com o estreitamento das relações sociais fora do círculo escolar na adolescência, os jovens têm uma maior percepção do que os outros fazem. É de acrescentar igualmente que existe uma certa contradição entre a percepção que crianças e adolescentes têm da sua própria relação pessoal com os jogos e a percepção que têm sobre o uso abusivo de videojogos por parte dos seus pares. Isto é, os jovens parecem minimizar o tempo que despendem, eles próprios, a jogar, mas muitos, principalmente os mais velhos, denunciam a utilização abusiva por parte de outros. Este é um processo social já bem conhecido, onde os indivíduos tendem a mostrar uma imagem de si em linha com os padrões de comportamento socialmente aceitáveis, sendo, contudo, mais críticos em relação ao comportamento dos outros. Não há obviamente uma percepção objectiva do que é uma uti141

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 142

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

lização abusiva ou viciada, contudo, os adolescentes, em particular, poderão ter uma visão critica em relação a outros quanto à utilização dos tempos livres. Visto que a adolescência constitui um período de maior liberdade face à pré-adolescência e onde a vida social se torna mais viva, a troca de eventos sociais como a ida ao cinema ou simplesmente estar com os amigos pelo tempo de utilização dos jogos pode ser vista como um ponto de referência que mede uma utilização mais obsessiva. Deste modo, os jovens poderão ser eles próprios agentes críticos da utilização que os outros fazem dos jogos e capazes de exerceram as suas próprias pressões sociais sobre o comportamento dos seus pares. São também capazes de exercer uma auto-monitorização através da qual poderão surgir, nalguns, sentimentos de culpa ou de inutilidade por estarem a jogar em vez de estarem a estudar ou a alimentar uma vida social mais ampla no mundo lá fora. Outra questão prende-se com a presença da violência nalguns tipos de jogos e a sua eventual repercussão nos comportamentos actuais e futuros dos jovens. Bittanti (2006) denuncia mesmo a esteticização da violência e o ethos militarista presentes em alguns jogos multimédia. Em jogos do tipo tiro-neles (first person shooters), a arma aparece como o elemento central, constituindo ao mesmo tempo um ícone, uma ferramenta e uma narrativa. A carnificina irrealista e a violência gratuita geram aquilo que Bittanti designa de “pornografia da arma” (gun porn). Esta aproximação da violência dos jogos à pornografia é feita não só através da noção de falocracia da arma (os personagens dos first person shooters são na sua maioria masculinos), mas principalmente pela noção de ‘destruição bela’ vinculada por esse tipo de jogos. Bittanti identifica nesses jogos prazeres pornográficos como a vontade de transgredir as regras sociais elementares ou do jogador se envolver num vouyerismo imagético que “despe” as personagens a abater à condição de carne para canhão. Neste âmbito, é de apontar que 31,3 por cento dos jovens concorda, pelo menos parcialmente, que os jogos podem torná-los violentos. É curioso constatar que há uma maior percentagem de raparigas (38,5 por cento) a concordar com essa proposição do que rapazes (25,8 por cento). E são os jovens inquiridos entre os 13 e os 15 anos que mais tendem a concordar com essa proposição (em 35,7 142

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 143

MUNDOS MUITO REAIS MEDIA E VIDEOJOGOS NA CULTURA JUVENIL

por cento dos casos), e os jovens entre os 16 e os 18 os que menos concordam (em 28,7 por cento dos casos). É também de notar que 65.5 por cento dos inquiridos concorda que os jogos contêm muitas vezes cenas violentas. Verifica-se, como seria de esperar que são os mais velhos os que estão mais expostos a cenas de violência, contudo, mais de 50 por cento dos inquiridos dos 8 aos 12 anos concorda ou concorda totalmente que os jogos contêm muitas vezes cenas violentas. Além disso, cerca de 40 por cento concorda que a linguagem utilizada pelas personagens dos jogos de acção é muito mais agressiva e com mais palavrões do que estão habituados. É entre os mais novos que há uma maior concordância (47,3 por cento dos casos) de que os jogos têm uma linguagem muito mais agressiva do que estão habituados, enquanto que entre os mais velhos essa concordância desde para valores abaixo dos 30 por cento. Há, portanto evidências de que uma parte significativa dos jogadores está exposta a cenas violentas ou agressivas quando joga. Tal pode alimentar os medos dos pais sobre os efeitos nefastos de uma exposição, pelo menos precoce, a cenas violentas. Tal discussão e receios veêm desde os anos 80 com a popularização dos jogos electrónicos porém, em larga medida, não se poderá dizer que a geração que cresceu a jogar nos anos 80 se tenha tornado mais violenta ou agressiva que as gerações anteriores e os estudos científicos têm se mostrado inconclusivos. Contudo, a exposição a conteúdos violentos é uma realidade num ambiente mediático mais amplo, onde os jogos são apenas uma parte que espectaculariza a violência. Jogos do género tiro-neles retiram o seu estilo visual e o seu contexto narrativo do cinema e da televisão. Portanto, a reflexão sobre o impacto das imagens violentas a que os jovens assistem deve incluir a globalidade do ambiente mediático e não focar-se apenas nos jogos. Convém relembrar o papel dos educadores enquanto agentes de filtragem e de acompanhamento no que respeita ao consumo de media como os jogos electrónicos. Como controlar o acesso dos educandos aos conteúdos dos media é, aliás, um problema que tem estado na ordem do dia. Um momento-chave do controlo sobre os jogos é sem dúvida o momento da compra. Deste modo, o consumo dos jogos multimédia violentos pode ser um pouco mais controlado por parte dos pais e dos educadores do que a exposição a cenas de violência na televisão e nos filmes. Porém, os jovens dispõem de 143

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 144

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

meios e canais alternativos para ter acesso a jogos que não são para a sua idade, seja através da internet seja através da troca de jogos entre pares. Neste âmbito, é de notar que pouco mais de 40 por cento dos jovens inquiridos concorda ou concorda totalmente que não utiliza jogos que indiquem não serem adequados para a sua idade, o que quer dizer que a maioria não só utiliza jogos desajustados para a sua idade, como tem plena consciência dessa situação. Sem grandes surpresas, é entre os mais novos que há uma maior percentagem de jogares (52,3 por cento) que utilizam jogos que não são para a sua idade, enquanto que entre os mais velhos essa percentagem desde para os 26,3 por cento. Ademais, perto de 70 por cento dos jogadores declaram que não se inibem de utilizar jogos mais violentos que certos filmes de acção e cerca de 60 por cento concordam ou concordam totalmente que nos jogos para computador ou consola podem encarnar personagens com comportamentos violentos ou perigosos que nunca fariam na vida real. Se estes dados parecem preocupantes não devemos, no entanto, esquecer que os jovens, sendo agentes reflexivos, não são recipientes vazios que recebem acriticamente a violência que veêm e que vivenciam nos jogos. Os jogos não criam por si só comportamentos agressivos ou anti-sociais. As crianças e adolescentes mobilizam as suas disposições culturais e morais prévias quando jogam. Daí que seja muito importante uma sólida formação cívica e moral na família e na escola. Os dados mostram ainda que 44,1 por cento dos jovens concorda ou concorda totalmente que jogar certos jogos de acção os deixam menos stressados e mais descontraídos. Inversamente, são poucos (14,7 por cento) os que concordam ou concordam totalmente que se sentem mais agressivos quando terminam de utilizar um jogo violento. Entre os mais novos essa percentagem é ainda ligeiramente menor (12,4 por cento). No entanto, é ainda de notar que 46,2 por cento dos jovens concorda ou concorda totalmente com a afirmação de que se sentem muito frustrados se não conseguem atingir com sucesso determinados objectivos dos jogos. Podem extrair-se dos dados apresentados duas bases de reflexão que nos parecem importantes. A primeira tem a ver com a própria reflexão dos jovens sobre a sua relação com os jogos e os riscos envolvidos na sua utilização. Os jovens demonstram competências próprias para julgarem e avaliarem as implicações da utilização dos 144

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 145

MUNDOS MUITO REAIS MEDIA E VIDEOJOGOS NA CULTURA JUVENIL

jogos. A segunda base de reflexão refere-se ao papel dos pais e educadores na educação para os media. De facto, torna-se difícil para muitos educadores envolverem nas actividades de crianças e adolescentes e penetrarem numa cultura mediática que não entendem. Isto coloca dilemas face às abordagens possíveis no processo educativo e face ao tipo de diálogo passível de ser encetado com os jovens. O reconhecimento de que as crianças têm competências próprias para avaliarem a sua relação com os jogos e os media em geral pode ser um ponto de partida para um diálogo entre crianças, pais e educadores. No entanto, muitos pais não estão presentes nas actividades mediáticas dos filhos e, provavelmente, nem estabelecem com frequência um diálogo sobre os conteúdos a que as crianças estão expostas. É importante um diálogo deste género que influencie de forma positiva a forma como, principalmente, as crianças filtram e lêem as imagens que lhes chegam pelos jogos, dotando-as de uma consciência moral e crítica, que ainda se encontra em formação. Porém, a educação em torno dos jogos multimédia parece restringir-se a um controlo vindo de fora, à vigilância, aos regramentos e proibições. Regra geral, os jogos não são partilhados em família e os pais ou outros adultos não participam nas actividades com jogos electrónicos, pelo menos, de uma forma activa e interactiva. A grande maioria (84 por cento) costuma jogar sozinho e a percentagem daqueles que joga com amigos decresce para 40,6 por cento, uma percentagem que ainda assim é maior daqueles que jogam com os irmãos/irmãs (31,5 por cento), com o pai (9,7 por cento) ou a mãe (3,2 por cento). É certo que alguns tipos de jogos apelam a uma experiência mais individualizada. As qualidades interactivas de muitos jogos são especialmente atractivas em situações em que os jovens estão sozinhos. Por outro lado, isto pode ser visto como cada vez mais aceitável num contexto em que as crianças e os jovens reclamam a necessidade das suas próprias esferas. Todavia, jogar sozinho não é uma situação ideal aos olhos da maioria das crianças e adolescentes, visto que 83 por cento concorda ou concorda em parte que é muito mais divertido jogar com alguém. Além disso, fazendo a análise com quem os inquiridos jogam em rede através da internet verifica-se uma clara preferência pelos amigos, isto é, confirma-se que os jogos estão mais frequentemente ligados às relações entre 145

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 146

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

amigos ou de pares do que ao convívio familiar. É curioso verificar que há uma maior percentagem de rapazes que joga com amigos (47,6 por cento) em comparação com 31,3 por cento das raparigas. Estas têm uma ligeira preferência pelos irmãos (32,1 por cento) e provavelmente jogar um jogo não será motivo suficiente para as raparigas procurarem amigos com quem partilhar essa actividade. É de realçar ainda que é entre os mais novos que as relações familiares têm particular importância nas actividades com jogos electrónicos. Sem surpresas, a participação do pai é muito maior entre os inquiridos dos 9 aos 12 anos (em 27,5 por cento dos casos) do que entre os inquiridos dos 16 aos 18 anos (4,7 por cento dos casos). E a participação das mães é sempre menor que a dos pais. Os pais são geralmente observadores externos, e apenas alguns participam na cultura dos jogos dos filhos. Portanto, os jogos não são um media que agregue a família em seu torno, o que os contrasta com outros media como a televisão que estão mais integrados nas interacções familiares, em especial, entre indivíduos de diferentes gerações. Claramente, além dos inquiridos, são os irmãos/irmãs os utilizadores mais comuns dos jogos de consola ou de computador, seguidos pelos pais. É ainda interessante verificar que entre os mais novos, 35,8 por cento indicaram que o pai utiliza jogos de consola e de computador. Ou seja, é entre os escalões mais novos que os jogos poderão constituir um meio de entretenimento mais familiar partilhado entre irmãos e com a participação do pai. Por outro lado, poderá também haver uma estratificação do tipo de jogos jogados, fazendo com que os diferentes jogos não sejam realmente algo partilhado familiarmente entre irmãos de várias idades ou entre pais e filhos. É ainda de notar a exclusão geral das mães nas actividades com jogos, embora possam estar bastante presentes noutras actividades familiares.

Mundos habitados Amaral associa os jogos aos ditos mundos virtuais, isto é ambientes online “no qual os seus habitantes são avatares, que representam indivíduos que participam e interagem online em tempo real naquele espaço” (2008: 335). Para Amaral, os jogos distinguem-se 146

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 147

MUNDOS MUITO REAIS MEDIA E VIDEOJOGOS NA CULTURA JUVENIL

dos mundos virtuais pela existência de regras e objectivos específicos. Mas, passe o exagero, os jogos não são meramente virtuais constituindo mesmo mundos muito reais para quem os experiencia, isto sem entrar em grandes discussões platónicas sobre a natureza da realidade. São mundos inseridos em contexto sociais que se materializam em relações sociais, seja nos jogos em casa entre familiares e amigos ou nos jogos em rede. Materializam-se nas conversas, na própria definição de uma ou mais identidades online. Amaral reconhece que os mundos virtuais “assumem-se como novos espaços sociais, que potenciam redes a vários níveis: sociais, educacionais, políticos, económicos, culturais, etc” (Idem). São espaços cada vez mais habitados, contaminados pelas relações offline e não meros espaços de escape. A própria extensão das redes e a dependência da sociedade contemporânea que sobre elas recai torna cada vez mais difícil a distinção entre mundo virtual ou jogo e mundo real. Basta olhar como funcionam, hoje em dia, muitas das trocas económicas e a bolsa de valores. Os próprios programas televisivos designados de reality shows têm a sua analogia nos jogos de simulação e de interpretação de papéis. Como profere Amaral, a fronteira entre o virtual e o real começa a atenuar-se, à medida em que as actividades desenvolvidas nos universos virtuais afectam o mundo offline e vice-versa. Os mundos virtuais têm vindo progressivamente a assumir-se como espaços de debate político e agenda social, como é visível através da utilização do ambiente em três dimensões Second Life. A este respeito Amaral refere que no ambiente There.com foram desenvolvidas várias actividades contra a guerra no Iraque por parte de um grupo designado de “Polygons for Peace” (Polígonos para a Paz), que redigiu o seu próprio manifesto. Por seu turno, no espaço Worlds.com, a réplica foi a campanha “Support the Troops” (Apoia as Tropas). A apropriação do ambiente Second Life por milhões de utilizadores não passou despercebido a inúmeros agentes políticos e económicos. A máquina por trás das presidenciais norte-americanas de 2004 inaugurou sedes de campanha nesse ambiente. O governo sueco foi o primeiro a inaugurar a sua embaixada no Second Life. Além disso, vários representantes políticos abriram aí o seu gabinete como o polémico e ultra-conservador francês Jean Marie Le Pen. No Second Life é possível viajar a um Portugal alternativo onde a realidade po147

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 148

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

lítica portuguesa também começa a marcar a sua presença, como foi o caso de António Costa, para efeitos da sua candidatura à Câmara Municipal de Lisboa. Mas o ambiente Second Life apresenta também espaços comerciais com a sua economia própria, onde se oferecem bens e serviços e até um mercado de emprego referente à actividade económica desse espaço. As próprias multinacionais como a Nike, MCDonald’s ou a Coca-Cola marcam a sua presença nos ambientes digitais. O seu impacto económico não é nada desprezível, visto que o sítio oficial do Second Life divulgou em Fevereiro de 2008 que a transacção de bens e serviços nesse ambiente (por exemplo, compra de roupa para os avatares ou até consultas de psicologia) representou 16,510,156 L$ (dólares Linden, a moeda do Second Life), o que corresponde na economia offline a 60,836.725 dólares norte-americanos. Deste modo, a utilização dos ambientes digitais em três dimensões é já encarado como algo normal para várias entidades, assim como para os “residentes”, esses espaços representam várias oportunidades em termos sociais, políticos, profissionais ou económicos, educacionais e de lazer. Os jogos e os ambientes digitais também se reificam para quem neles submerge na própria construção do “eu” ou da “persona”. Poster (1995) entende a identidade na rede como uma construção online. Contudo, o carácter múltiplo e transitório do “eu” em permanente processo de (re)desenvolvimento na rede, é também um reflexo de uma sociedade offline que apela aos consumidores que estejam sempre a experimentar coisas novas e a reinventarem a si próprios nos bens e serviços que consomem. Os ambientes digitais e os jogos de realidade complexa constituem outros lugares, entre outros, de experimentação e de simulação de estilos e possibilidades de vida. É também neste sentido que podemos designar os jogos como Jogos de Realidade Complexa e não meramente de virtualidade complexa. Podemos assumir uma posição de rejeição, denunciando os jogos e os ambientes digitais como elementos que desviam os jovens de uma vida “autêntica” e “útil”. Contudo, quer queiramos quer não, atendendo à visão de muitos jovens, os jogos e as relações sociais que se estabelecem através dos ambientes digitais não serão porventura entendidos como algo sem significado ou como uma simples fuga à realidade. Se os jovens podem encontrar amigos, desconhecidos, comunidades virtuais, entidades comerciais, politi148

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 149

MUNDOS MUITO REAIS MEDIA E VIDEOJOGOS NA CULTURA JUVENIL

cas e até figuras públicas nos jogos online ou em ambientes como o Second Life, é caso para perguntar: onde estão muitos dos pais e educadores nesses mundos cada vez mais habitados?

Outros mundos: a leitura na cultura mediática contemporânea Pais e educadores, socializados num contexto mediático diferente dos jovens de hoje em dia, apontam críticas ao ambiente mediático dos mais novos, mais baseado no consumo imediato e na satisfação imediata de emoções. Segundo esta visão, a persistência da leitura enquanto prática habitual entre as crianças e os jovens, que requer paciência, concentração e persistência, estará a ser desafiada pela cultura mediática que celebra a mobilidade, o curto-prazo, a realização de tarefas em paralelo. Porém, os dados tanto do inquérito face-a-face como do inquérito online mostram que mesmo na geração do Afonso, que está a crescer entre um ambiente mediático em mudança, cerca de 60 por cento dos jovens afirma ter hábitos de leitura. Quanto ao perfil dos leitores: verificou-se que a há tendência para serem as raparigas as maiores consumidoras de livros e que há uma maior percentagem de leitores entre os inquiridos mais novos (dos 8 aos 12 anos). Apura-se ainda que 31,4 por cento dos adolescentes costumam ler jornais, hábito que tende a aumentar entre os jovens que se encontram à entrada da vida adulta. Estes dados, sugerem a ideia de que crescer, tornar-se adulto, significa também estar mais atento ou atenta ao que se passa no mundo social em volta. De um modo geral, os dados demonstram indicadores de literacia na geração do Afonso segundo os moldes tradicionais. Acrescentando a consulta de páginas na internet, a utilização de chats e de programas de instant messaging e a exposição constante a mensagens de telemóvel, não será arriscado dizer que a geração do Afonso lê porventura mais que as gerações anteriores. Embora se possa argumentar que essa leitura refere-se a informação efémera e em grande parte, vazia de conteúdo. No entanto, considerando que os inquiridos online, largamente socializados nas novas tecnologias, apresentam interesses de leitura semelhantes aos dos jovens entrevistados a nível nacional, podemos dizer que assistimos ao desen149

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 150

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

volvimento, em paralelo, de diferentes tipos de literacia e de competências mediáticas ligados à utilização das novas tecnologias da informação e comunicação. Claro que se pode avançar a hipótese que os jovens importam, quando lêem a imprensa escrita, formas de leitura específicas, fruto de alterações ao nível cognitivo trazidas pela socialização nos jogos, na internet e nos novos media. Num mundo onde se celebra o blog e a escrita curta e menos cuidada, ler um livro na diagonal ou saltar partes de um livro à busca de uma gratificação mais imediata na leitura pode ser uma possibilidade. Deste modo, novos tipos de literacia ou novas práticas mediáticas poderão estar a sobrepor-se a competências mais tradicionais como a leitura. Esta hipótese tem já eco na comunicação social. Exemplo disso é o artigo que saiu no semanário Expresso, de 30 de Agosto de 2008 com o título: “Está o Google a tornar-nos estúpidos?”. O artigo faz eco das preocupações do ensaísta Nicholas Carr sobre a influência da internet na forma como lemos e processamos a informação. De facto, motores de pesquisa como o Google revolucionaram o acesso e o processamento da informação. Muitos cidadãos e até profissionais como o jornalistas ou cientistas poderão ter a sensação que já não poderiam viver sem os motores de pesquisa. Contudo, o artigo discute os riscos de tal utilização e chega à conclusão, baseada em alguns especialistas, que quanto mais tempo passamos na internet, menor a capacidade de concentração numa leitura mais vasta e profunda como ler um livro. Porém, há que contextualizar estas preocupações, que não cabe aqui discutir no plano cognitivo. Sempre que se introduziram novos media e estes se popularizaram, houve sempre reacções à sua massificação e preocupações quanto aos possíveis efeitos da sua utilização intensiva. O advento da televisão e, mais tarde, a popularização dos jogos multimédia nos anos 80 e 90, provocaram reacções idênticas, e assim se espera que venha a acontecer sempre que sejam introduzidas inovações tecnológicas no campo dos media. Muitas preocupações remetem para um passado idílico na relação dos jovens com a leitura, que nunca se chegou a verificar ou se verificava apenas numa pequena parte da sociedade portuguesa. Ainda para mais num país como um nosso, que tem, historicamente, elevados níveis de iliteracia em comparação com o restante contexto europeu. 150

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 151

CAPÍTULO 6 MÚSICA, O PODER DE MUDAR OU O PODER DA IDENTIDADE?

Uma das coisas que define a geração do Afonso na sua relação com os media e que a separa de outras gerações mais velhas é a forma como lida com a música e as tecnologias sonoras, como a rádio, os CD’s e o leitor de mp3. Os jovens constituem também o grupo que maior importância concede à música. Para o Afonso a música não constitui apenas uma forma de passar o tempo ou de preencher o quotidiano com a sua banda sonora pessoal. É parte constitutiva da sua identidade, usada em contextos sociais e em negociações quotidianas com os outros jovens. De facto, não é incomum vermos um gosto musical associado a uma maneira de vestir, de estar e de ser. Tribos urbanas como os freaks, os metaleiros ou os góticos são facilmente associados a géneros musicais. Roberts e Christenson (2002) reafirmam esse lugar central na construção identitária dos jovens. No contexto americano, os autores mostram que para os jovens do ensino secundário valorizam a música é, pelo menos, tão importante como a televisão, o que coloca um pouco em cheque a ideia de que a adolescência é predominantemente marcada pela televisão. Esta ideia da centralidade da televisão não é descabida, mas provavelmente é sobrevalorizada. Até porque os tempos de visionamento da televisão são mais visíveis para pais e educadores. Muito do visionamento da televisão por parte de crianças e adolescentes é feito com os pais por perto. A audição de música é menos visível e é menos provável que ocorra com a presença de adultos do 151

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 152

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

que o visionamento de televisão. Pode ocorrer nos tempos invisíveis do quotidiano, a caminho da escola ou no retiro do quarto utilizando os auscultadores. Os pais tendem a estar menos expostos ao tipo de música que os seus filhos ouvem. Muitos adultos consideram os sons e as mensagens da música contemporânea irrelevante ou até mesmo irritante e tendem a evitá-la escrupulosamente. Além disso, a medição da audição de música por parte dos jovens poderá ser subestimada, uma vez que a música é frequentemente uma actividade secundária, presente como pano de fundo no ambiente dos jovens e, por vezes, sem qualquer decisão consciente para a introduzir nesse ambiente. Todavia, como assinalam Roberts e Christenson (2002), os debates sobre as mensagens transmitidas por uma parte da música contemporânea, como a promoção da violência, mensagens sexualmente explícitas ou a glorificação das drogas e do álcool, têm despertado a consciência do papel da música no processo de socialização dos jovens. Essa consciência tem sido mais aguda nos Estados Unidos do que em Portugal, onde se formaram grupos de pressão com o intuito de limitar o acesso dos jovens a determinado tipo de música. Exemplos disso são as denúncias feitas por sectores conservadores a estrelas do rock polémicas como Marilyn Manson, afamadas como uma má influência sobre a cultura juvenil. A sociedade civil portuguesa não vai tão longe como a americana, porém, não é incomum um certo preconceito à música ouvida por muitos jovens. Mas, à parte de um certo centramento em estilos ou sub-culturas juvenis “desviantes”, o ponto essencial a reter é a crescente consciência do papel da música no processo de crescimento das crianças e dos adolescentes. No contexto português, Cardoso (2006) argumenta que parece existir uma clivagem geracional baseada na valorização da escolha individual da música. Os adolescentes conferem maior valor à audição de música em CD’s, bem como ao visionamento de canais televisivos de música e à troca e audição de mp3 no computador ou num leitor portátil, em detrimento da audição de rádio. As gerações mais velhas mantém uma relação mais próxima com a rádio, com a sua pré-definição musical. Os leitores de mp3 vieram, de facto, colocar um desafio à rádio e a outros equipamentos de reprodução de música. Entre os jovens inquiridos face-a-face, 49,3 por cento da152

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 153

MÚSICA, O PODER DE MUDAR OU O PODER DA IDENTIDADE?

queles que têm um leitor portátil de mp3, declaram que passaram a ouvir menos música noutros equipamentos e 46,3 por cento declaram que passaram a ouvir menos rádio.

TABELA 6.1 DESDE QUE TEM O SEU LEITOR MP3 PASSOU A:

Menos( %)

Igualmente ( %)

Mais ( %)

46,3

44,1

9,6

Navegar na internet

6,3

84,3

9,4

Ouvir música noutros equipamentos

49,3

46,3

4,4

Ouvir rádio

No entanto, entre os jovens verifica-se uma outra clivagem entre os mais socializados nas novas tecnologias e os restantes. Isto é, verifica-se uma clivagem digital mesmo no que respeita à relação dos jovens com a música. Entre os jovens inquiridos online, 71,1 por cento dos afirma ter um leitor de música portátil em que possa utilizar ficheiros mp3. No que respeita aos inquiridos do inquérito face-a-face, aplicado a nível nacional, estando mais próximo da realidade nacional no seu todo, verificase que apenas 28 por cento dos jovens possuem um leitor de música portátil com a capacidade de ler ficheiros mp3. Todavia, se considerarmos apenas aqueles que têm acesso à internet em casa verifica-se que a percentagem de inquiridos com leitores de mp3 sobe até aos 47,5 por cento. Há uma maior percentagem de rapazes (33,6 por cento) e de inquiridos dos 16 aos 18 anos (32,3 por cento) que declaram possuir um desses aparelhos, em comparação com 22,2 por cento de raparigas e 21,9 por cento de inquiridos dos 8 aos 12 anos. Perto de um quarto desses aparelhos é da Creative, a segunda marca mais popular é a Sony (com 16,1 por cento), estando o iPod em terceiro lugar (com 8,6 por cento).

153

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 154

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

TABELA 6.2 TEM ALGUM LEITOR DE MÚSICA PORTÁTIL EM QUE POSSA UTILIZAR FICHEIROS MP3?

Total dos inquiridos (inquérito face-a-face) Utilizadores da internet (inquérito face-a-face) Total dos inquiridos online

28,0 % 47,5% 71,1 %

Na verdade, a utilização da internet e a utilização de leitores portáteis de ficheiros de música complementam-se, notando-se uma integração dos media a este nível. O principal meio de reprodução de ficheiros mp3 é, sem dúvida o leitor portátil (77,5 por cento dos jovens utilizam este aparelho em primeiro lugar), seguido por uma larga margem pelo computador pessoal (apenas 23,6 por cento utilizam o computador com reprodutor principal de mp3). Apenas 9 por cento ouve ficheiros mp3, preferencialmente, no telemóvel, estabelecendo-se assim a hierarquia. Observa-se também uma impregnação da música em várias situações do quotidiano, transportada por dispositivos portáteis. Dos inquiridos que possuem um leitor de mp3, 55,7 por cento costumam ouvir música quando estão a passear e 52 por cento dos jovens ouvem música no seu leitor de mp3 quando não estão a fazer nada. Além disso, 38,9 por cento dos jovens declaram ainda que aproveitam para ouvir música no seu leitor de mp3 quando estão em viagem. Estas são portanto as situações mais vulgares para ouvir música no leitor mp3. Além disso, 16,7 por cento dos jovens declara ainda que ouve música nos seus leitores portáteis quando estão nos transportes públicos e 10,5 por cento enquanto estão a ver televisão. Ouvir música através do leitor portátil enquanto se realizam outras actividades como trabalhar, ler, navegar na internet ou fazer desporto são hábitos de uma minoria de jovens que não representa mais do que 10 por cento daqueles que possuem um leitor de mp3. À utilização do leitor portátil de mp3 podemos acrescentar a utilização do telemóvel como dispositivo de leitura de ficheiros musicais. Numa urbe como Lisboa não é incomum encontrarem-se jovens nos transportes públicos a “partilharem” a música que ouvem no telemóvel (por exemplo, rap ou hip-hop português) com os restantes utentes.

154

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 155

MÚSICA, O PODER DE MUDAR OU O PODER DA IDENTIDADE?

A tendência da música alternar entre uma actividade por si só e uma actividade em pano de fundo levanta questões sobre que tipo de audição por parte dos jovens deverá ser considerada como uma exposição “autêntica”. Porém, poderemos aqui propor o experimento sugerido por Roberts e Christenson (2002): desligar a música, qual paisagem sonora em pano de fundo, que os jovens ouvem quando estudam, conversam ou quando realizam simples tarefas do quotidiano e esperar pela sua reacção. É muito provável que protestem e reclamem de volta essa banda sonora pessoal do quotidiano, daí que, mesmo em pano de fundo, podemos considerar que os jovens estão verdadeiramente expostos à sua audição. TABELA 6.3 EM QUE ALTURAS COSTUMA OUVIR MÚSICA NO SEU LEITOR DE MP3

% Quando está a passear

55,7

Quando está a trabalhar

9,6

Quando está a ler revistas, livros, jornais

8,8

Quando está a utilizar a internet

6,7

Quando está a ver TV

10,5

Quando está a fazer desporto

7,0

Quando não está a fazer nada

52,0

Quando está em viagem

38,9

Quando está nos transportes públicos

16,7

Não se aplica/não utiliza

1,0

Inserida em contextos sociais a música tem múltiplos usos sociais e afectivos. Especialmente para os adolescentes a gratificação pode ser intensa e cheia de significado. Como Lull (1992) expõe, a música promove experiências do extremo para os seus produtores e ouvintes, transformando emoções, vulnerabilidades, vitórias, desaires, celebrações e antagonismos da vida em tempos hipnóticos e reflexivos que podem ser experienciados individualmente ou com os outros. A audição de música poderá inserida no quotidiano como

155

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 156

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

“picos” de intensidade que dotam as experiências de vida com um significado especial. Por exemplo, o Afonso tem umas quantas músicas preferidas que ouve geralmente ao fim do dia e que lhe dão suporte para os afazeres do dia a dia. Partilha alguns dos seus gostos musicais com a namorada e juntos ouvem música que ajuda a definir e a dotar de sentido muitos dos momentos que passam juntos. É também através da música que o Afonso negocia e apresenta a sua identidade pessoal e social perante os seus colegas e amigos da escola. A música ajuda a definir grupos de pertença dentro do espaço escolar e mesmo fora dele, seja na vizinhança ou nos chats ou grupos de discussão na internet. No campo afectivo, a música pode funcionar como uma espécie de engenharia da alma. O uso da música por parte dos jovens aponta para um princípio que Roberts e Christenson designam de “princípio do afecto”. Isto é, a audição de música tem muitas vezes por trás a motivação para controlar a disposição e amplificar os estados emotivos. Quando os jovens querem estar numa certa disposição, quando se sentem sozinhos, ou procuram uma distracção para os seus problemas, a música tende a ser o meio que utilizam (Larson, Kubey e Colletti, 1989). Estes autores indicam que a predominância da audição solitária aumenta no meio e no fim da adolescência, sendo que, nesta altura, a auscultação tende a ser solitária em dois terços do tempo total de audição. Os autores assinalam também outras tendências interessantes. O género é um factor importante na forma como os jovens usam a música para a gestão das suas emoções. É mais provável que um rapaz utilize a música como uma ferramenta para estimular a sua agitação e a sua energia do que uma rapariga. Por seu turno, as jovens preferem ouvir música para levantar o seu espírito quando estão abatidas ou solitárias ou para deambular num espírito mais melancólico. Mas independentemente do sexo dos jovens, a música surge como um importante dispositivo de gestão do estado de espírito. Quanto aos usos sociais da música podemos distinguir, a par de Roberts e Christenson (2002), usos quase-sociais e usos socializantes. Quando a audição ocorre quando os jovens se encontram sozinhos, servindo, no entanto, objectivos e necessidades relacionadas com relações sociais, ela é quase-social. Um exemplo deste tipo de audição é quando os jovens ouvem música num momento em que se sentem sós. Esta audição solitária pode, contudo, ser utilizada 156

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 157

MÚSICA, O PODER DE MUDAR OU O PODER DA IDENTIDADE?

posteriormente em interacções sociais, nomeadamente, em conversas com os pares. Uma relação fraca com a música contemporânea tem consequências. Em larga medida, aqueles que são pouco competentes quanto às referências culturais da música contemporânea são relegados para as franjas da cultura juvenil. Quando a audição ocorre em ocasiões sociais em interacção com outros, podemos designá-la de socializante. Quando o Afonso namora ou interage com os amigos ao som da música ou vai a concertos e a discotecas, ela serve como elemento aglutinador que confere sentido às formas de socialização entre pares.

As consequências sociais da apropriação da música por parte dos jovens A apropriação e os usos da música e dos dispositivos a ela associados por parte de crianças e adolescentes têm consequências, em especial, no que respeita à indústria fonográfica. Os jovens não são um grupo passivo e podem também ser agentes de transformações sociais e económicas. Para perceber as práticas dos jovens é, necessário então interligá-las às transformações da indústria fonográfica. A esfera fonográfica tem sofrido grandes mudanças nos últimos tempos em termos da forma como se compra, transmite e grava música. Longe vão os tempos do vinil e das cópias através de cassetes de áudio. Estes suportes foram largamente substituídos pelo CD que emergiu, nos anos 90, como o principal suporte de música. Porém, a compra, transmissão e gravação de música tem assim sofrido novas mudanças nos últimos tempos. A própria difusão de música em CD e os reprodutores de música associados sofrem agora a concorrência da difusão e partilha de músicas em formato mp3 e dos seus reprodutores. A indústria fonográfica vê assim emergirem enormes desafios e os consumos de música diversificam-se. É neste contexto em mudança que devemos olhar para as práticas e para os consumos dos jovens no que respeita à música. Pouco mais de um quinto dos jovens compra CD’s de música com regularidade. No entanto, entre os inquiridos mais velhos, a fracção de adolescentes que compra habitualmente CD’s musicais sobe para cerca de 25 por cento. 157

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 158

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

Se por um lado, o formato digital começa a impregnar as culturas juvenis que procuram novos sons e novas experiências na rede, por outro lado, uma parte apreciável de jovens continua a comprar e a trocar música em suportes materiais. Além disso, uma parte significativa deles (30,9 por cento) têm a percepção que as pessoas que lhes estão próximas compra continuam a comprar música na mesma proporção de há 2 anos atrás. Perto de 20 por cento dos jovens acham que os seus familiares e amigos próximos ouvem mais música do que há 2 anos atrás, todavia, é menor a percentagem de inquiridos que acham que os seus familiares e amigos compram mais música (13,6 por cento). Inversamente, apenas uma minoria de jovens (4,2 por cento) afirma que os seus familiares e amigos ouvem menos música, contudo, há uma maior percentagem de inquiridos (12,9 por cento) a afirmarem que familiares e amigos compram menos música do que há 2 anos atrás. A troca e gravação de CD’s partem mais de uma descoberta de sons e músicas desconhecidas. Quando os jovens gostam de uma banda inclinam-se a comprar o suporte físico original: 34,6 por cento dos inquiridos compra essencialmente CD’s dos seus grupos preferidos e apenas 10,4 por cento declara que compra CD’s de grupos que quer conhecer melhor. Inversamente, 35 por cento dos inquiridos grava CD’s dos grupos musicais que querem conhecer melhor enquanto que 24 por cento dos jovens grava CD’s de bandas favoritas. Menos de 10 por cento compra CD’s no seguimento de um conselho, 32,9 por cento dos jovens prefere antes não arriscar e gravar CD’s de bandas ou músicos aconselhados ou sugeridos por terceiros. As percentagens de inquiridos que compram CD’s de grupos ou músicos portugueses e de bandas ou músicos estrangeiros são muito próximas, 21,6 por cento e 22,3 por cento respectivamente. As percentagens de jovens que gravam CD’s de bandas portugueses e de bandas estrangeiras também são bastante próximas, rondando os 27 por cento. A percentagem de inquiridos que não compra ou não grava CD’s mantém-se em torno dos 17 por cento. Os jovens são sem dúvida um importantíssimo nicho de mercado para a indústria fonográfica mas são ao mesmo tempo um grupo com pouca autonomia financeira, que muitas vezes tenta o acesso a determinados produtos musicais através da troca de música, da cópia e mais raramente através da obtenção de produtos piratas. Dentro 158

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 159

MÚSICA, O PODER DE MUDAR OU O PODER DA IDENTIDADE?

daqueles que compram CD’s de música com regularidade, 44,1 por cento comprou um CD no mês anterior e 26,3 por cento comprou pelo menos 2 CD’s. 29,5 por cento não comprou nenhum CD. Os inquiridos do sexo masculino e os mais velhos, com maior poder de compra, demonstram uma tendência para comprar mais CD’s. Os jovens gastaram em média 19,55 euros em CD’s e metade gastou até 18,55 euros. Confirma-se que os inquiridos do sexo masculino foram mais gastadores no mês transacto à entrevista (gastaram, em média, 22,15 euros) do que as raparigas, que gastaram, em média, 14,74 euros. Os inquiridos mais velhos são os que, em média, gastaram mais no mês anterior (23,33 euros). A indústria fonográfica tem recorrido a estratégias variadas para cativar os consumidores, incluindo pacotes mais atraentes, com a inclusão de extras ou DVD’s de bónus que se vão tornando cada vez mais a norma. Porém, apenas uma pequena minoria dos jovens inquiridos (2,4 por cento) deixa-se seduzir especialmente por CD’s que tenham também DVD’s, 10,5 por cento reparte as suas compras entre CD’s com e sem DVD’s e para 20,4 por cento dos inquiridos essa não é uma opção que tenham em conta quando compram CD’s musicais. A diversificação dos consumos de música parece acompanhar a forma como a música se espalha pela rede e como é descarregada em reprodutores portáteis. Além disso, verifica-se a integração entre leitores como o iPod e lojas de música online. Os formatos imateriais têm estado em crescendo em relação aos suportes materiais de música. Com a facilidade de troca e transmissão de dados e com a crescente popularização dos formatos digitais é de prever que a música seja cada vez mais comprada, comercializada, trocada e transmitida em suporte digital. Seja como for, mesmo entre os jovens inquiridos, só uma pequena minoria (em torno dos 2 por cento) compra habitualmente músicas na rede. Verifica-se ainda que há uma maior percentagem de internautas do sexo masculino e com mais idade que já compraram músicas na rede. Dentro dos poucos inquiridos que compram música na internet, 58 por cento compra habitualmente na loja virtual iTunes, 15,1 por cento compram na loja portuguesa Sapo Música e outros tantos compram na Yahoo Music. Por acrescento, a indústria fonográfica e os direitos de autor veêm-se a braços com o desafio da pirataria: muitos daqueles que possuem um computador, possuem também um gravador de CD’s e 159

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 160

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

o preço dos CD’s virgens é actualmente bastante acessível11. No entanto, verifica-se, em Portugal, uma clara divisão dos jovens inquiridos em distintos perfis no que respeita a competências relacionadas com a cópia, compra e reprodução de música consoante o acesso a todo um conjunto de equipamentos como o computador, a internet e leitores de mp3. Uma percentagem significativa daqueles que estão mais socializados e têm maior acesso aos novos media ouve música em formatos imateriais como o mp3, o mais comum e vulgar desses formatos. São também os que têm acesso a um leque mais variado de música e os que mais trocam, legal ou ilegalmente, música. São também aqueles que têm acesso à internet que demonstram maiores competências em gravar CD’s, descarregar músicas na Net ou utilizar programas de trocas de ficheiros peer to peer, o que não é propriamente do agrado da indústria fonográfica.

TABELA 6.4 COMPETÊNCIAS RELACIONADAS COM A GRAVAÇÃO, DESCARREGAMENTO E TROCA DE MÚSICA:

Total dos inquiridos Utilizadores da internet Total dos inquiridos (Inquérito face-a-face) (Inquérito face-a-face) online ( %) ( %) ( %) Sabe gravar CD’s de música no PC Sabe descarregar músicas da internet Sabe utilizar sistemas de troca de ficheiros na internet (peer topeer) Sabe imprimir capas para os CD’s de música

11

37,9

64,0

87,0

24,0

50,3

64,4

18,5

40,5

54,5

22,0

41,0

44,4

É de relembrar que a cópia por si só não constitui uma ilegalidade. O que é ilegal é a apropriação indevida de um produto ou conteúdo que não se comprou. Deste modo, se alguém fizer a cópia de um CD ou DVD original que já lhe pertence, para uso próprio, não está a incorrer numa ilegalidade.

160

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 161

MÚSICA, O PODER DE MUDAR OU O PODER DA IDENTIDADE?

Considerando o total dos inquiridos, apenas 37,9 por cento dos jovens dizem saber gravar CD’s de música no PC, porém, a percentagem de inquiridos que sabe gravar CD’s de música sobe para os 64 por cento entre os inquiridos que têm acesso à internet em casa. Cerca de metade dos inquiridos com acesso à internet no seu lar sabe descarregar músicas na internet, enquanto que se considerarmos o total dos inquiridos essa percentagem decresce para os 24 por cento. Ademais, em torno de 40 por cento dos inquiridos com ligação à rede sabe utilizar sistemas de troca de ficheiros na internet e outros tantos sabem imprimir capas para os CD’s de música que gravam com ficheiros descarregados na internet, em comparação com 18,5 por cento e 22 por cento, entre o total dos inquiridos, respectivamente. Os dados referentes aos utilizadores da internet estão mais próximos dos dados apurados em relação aos jovens inquiridos online, que como já vou referido são um público específico, não representativo da população juvenil portuguesa. Verifica-se que a maior parte dos jovens internautas inquiridos online (87 por cento) consegue gravar CD’s de música no PC, sendo esta uma das competências correntes hoje em dia para quem está familiarizado com computadores. A este nível não há diferenças significativas entre os sexos, contudo, como seria de esperar, há uma menor percentagem de inquiridos mais novos a declararem que têm essa competência: 74,2 por cento em comparação com 89,3 por cento dos internautas com idades compreendidas entre os 16 e os 18 anos. Entre os inquiridos online, 64,4 por cento afirmam serem capazes de descarregar músicas da internet. Há uma maior percentagem de rapazes (70,2 por cento) do que de raparigas (56,7 por cento) a declararem que têm esta competência. Também existe uma menor percentagem de inquiridos mais novos a afirmarem que são capazes de descarregar músicas da internet: 50,8 por cento, o que está claramente abaixo da percentagem de inquiridos mais velhos que declararam conseguir fazê-lo (66,2 por cento). Ademais, 47 por cento dos jovens internautas costuma descarregar as letras de algumas músicas que obtêm na internet e 7,4 por cento afirma mesmo que habitualmente descarrega de todas. Curiosamente, esta é uma práticas seguida por uma maior percentagem de raparigas (58,8 por cento) do que de rapazes (51,1 por cento) e por uma maior percentagem de in161

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 162

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

quiridos mais velhos (59,7 por cento) do que de internautas mais novos (32,5 por cento). Estes dados servem não só para demonstrar a importância da internet como fonte de informação sobre o significado das músicas como também para demonstrar a importância das letras das músicas em si como fonte de gratificação para os jovens. Roe (1985, 1987) sublinha que as letras das músicas não são um elemento secundário. Parte dos jovens preferem determinadas músicas porque as palavras exprimem o que sentem ou o que pensam, podendo constituir uma das fontes que os jovens utilizam para construir e negociar os seus valores morais e sociais. Neste sentido, Roberts e Christenson (2002), apontam que quanto maior for a importância conferida à música maior a propensão para dar importância às letras como fonte de gratificação. Em geral, 54,5 por cento dos internautas têm a capacidade de utilizar sistemas de troca de ficheiros (ex: emule, soulseek, etc.), sendo esta uma competência declarada, mais uma vez, por uma percentagem maior de rapazes (59 por cento) e de internautas entre os 16 e os 18 anos (57,7 por cento), em contraste com as raparigas (48,5 por cento) e os inquiridos mais novos (40 por cento). É de relembrar que a troca de ficheiros constitui uma troca social, onde os jovens partilham música com outros que têm gostos similares. De facto, muitos programas de troca de música incluem chats onde os jovens podem fazer pedidos, trocar impressões ou simplesmente conversar sobre o quotidiano. Há portanto a possibilidade de se constituírem pequenas comunidades online, embora muitas vezes baseadas em relações sociais esporádicas, onde o elemento aglutinador é a música. Voltando às competências especificamente informáticas relacionadas com a música, verifica-se uma percentagem ainda menor de inquiridos (44,4 por cento) que declaram serem capazes de imprimir capas para os CD’s de música que gravam da internet. Curiosamente, não existem diferenças significativas entre os sexos quanto a esta competência, porém, na comparação entre escalões etários, verificase, uma vez mais, uma menor percentagem de inquiridos mais novos com essa competência. É no consumo de produtos culturais que muitas vezes os jovens sentem as contradições da sua condição de dependentes económicos mas de pessoas independentes no que respeita a gostos e preferências. Ademais, essa contradição poderá ser agravada pelo facto de 162

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 163

MÚSICA, O PODER DE MUDAR OU O PODER DA IDENTIDADE?

os jovens serem considerados um importantíssimo nicho de mercado para a indústria fonográfica, doravante a sua pouca autonomia financeira. Neste contexto, muitas vezes os jovens tentam o acesso a determinados produtos musicais através da troca de música, da cópia e mais raramente através da obtenção de cópias piratas. Verifica-se que entre os internautas inquiridos online, a internet é um dos principais meios de troca de músicas com os amigos, sendo que 29 por cento dos inquiridos declara utilizar a internet para o efeito. Além disso, 28,3 por cento dos inquiridos afirma que troca músicas com os amigos através de CD’s comprados nas lojas e CD’s gravados com ficheiros mp3. São os mais novos os que mais trocam, exclusivamente, CD’s comprados entre os amigos (24,2 por cento) mas os que menos trocam música utilizando a internet (15,8 por cento). Inversamente, são os jovens entre os 13 e os 15 anos, aqueles que mais trocam música utilizando a internet (32,7 por cento). No total 83,6 por cento dos jovens internautas trocam músicas com os amigos, independentemente do meio. Segundo os dados do inquérito nacional realizado face-a-face, cerca de 48,1 por cento dos inquiridos troca músicas com os seus amigos/as, sejam CD’s comprados, gravados ou ambos. Observa-se que há uma maior percentagem de inquiridos do sexo masculino (54,8 por cento) e de inquiridos mais velhos (60,5 por cento) que trocam músicas com os amigos, em comparação, respectivamente, com 41,2 por cento das raparigas e com 30 por cento dos inquiridos mais novos. Dentro dos jovens inquiridos com capacidade para gravar CD’s de música, grava CD’s de no seu computador pessoal, exclusivamente para si e 21,5 por cento grava para si, assim como para as pessoas da casa. Apenas 17,5 por cento afirma que grava CD’s para amigos, familiares ou colegas e 20,7 por cento afirma que não costuma gravar CD’s. Estas são competências específicas que muitos adolescentes e crianças obtêm, colocando assim à frente dos seus pais e de outros membros do agregado familiar nestas questões. Curiosamente, verifica-se uma maior percentagem de inquiridos entre os 8 e os 12 anos (37 por cento) que gravam CD’s de música para as pessoas da sua casa, enquanto que essa percentagem entre os jovens dos 16 aos 18 anos é de apenas 10,5 por cento. Note-se ainda que a média de CD’s gravados pelo inquiridos no mês anterior é de cerca de 4 CD’s e metade dos inquiridos gravou até 3 CD’s no mês ante163

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 164

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

rior. A indústria fonográfica não tem assistido passivamente a estas práticas e algumas estratégias que minimizam as perdas da indústria já foram implementadas. Por exemplo, em alguns países, entre eles o Canadá, a Finlândia, a Alemanha e a França, a compra de um CD virgem inclui o pagamento de uma taxa que reverte a favor de um fundo comum, redistribuído depois por editoras ou agentes da indústria fonográfica. Também é de notar que existe uma integração do sistema dos media promovida por grandes multinacionais como a Sony. Esta multinacional nipónica para além de produzir leitores e gravadores de CD’s assim como os próprios CD’s de gravação, conta com várias editoras de música na sua estrutura empresarial como a Columbia Records, a Epic Records ou a Sony Classical. Se por um lado, é lesada nas vendas das suas editoras, por outro lado, poderá ser compensada de alguma forma pela venda de aparelhos de gravação e de CD’s virgens. Uma grande parte dos jovens pensa que é correcto trocar CD’s originais, legitimamente comprados, com aqueles que lhes estão próximos mas já estão em minoria aqueles que pensam que é correcto trocar músicas noutras condições, utilizando por exemplo a internet ou recorrendo a fontes piratas. Quando podem ou têm competência para tal os jovens tendem a trocar música. A maior parte reconhece que muitas das suas práticas de troca de música não são correctas mas também pensam que não são propriamente erradas. Uma grande maioria dos jovens (72,2 por cento) acha correcto trocar músicas ou CD’s comprados em lojas entre amigos e conhecidos, mas quando se tratar de trocar músicas entre amigos e conhecidos através da internet, apenas 35,3 por cento consideram que tal prática é correcta. Uma minoria (15,5 por cento) dos jovens acha correcto comprar músicas e ou CD’s pirateados, mas quando se trata de vender músicas ou CD’s pirateados, a percentagem de inquiridos que acham essa situação correcto decresce para cerca de 10 por cento. Entre os respondentes, 11,9 por cento acham ainda correcto trocar músicas com desconhecidos através da internet. Apenas 1,2 por cento dos inquiridos acham que todas as situações são incorrectas. Igualmente, há uma clara tendência nos inquiridos online (em 66,5 por cento dos casos) para achar que é mais errado vender músicas ou CD’s pirateados, enquanto que 19,9 por cento acham que é mais errado comprar. Perto de 10 por cento é da opinião que é errado 164

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 165

MÚSICA, O PODER DE MUDAR OU O PODER DA IDENTIDADE?

trocar músicas e/ou CD’s com desconhecidos através da internet, mas apenas uma pequena minoria acha que é errado trocar música entre amigos e conhecidos. Não há grandes diferenças entre os sexos, todavia, parece haver um maior reconhecimento feminino de que é errado trocar música com desconhecidos através da internet. Há uma menor percentagem de inquiridos mais novos (15 por cento) com a opinião de que é errado comprar músicas ou CD’s pirateados mas entre os mais novos há uma maior percentagem de inquiridos da opinião de que é errado trocar música na internet com desconhecidos. Seja como for a larga maioria não olha para a troca de músicas através da internet, seja com desconhecidos ou seja com conhecidos e amigos, como algo fundamentalmente errado. A troca de músicas habita assim um limbo moral suportado pelo sentimento de impunidade em relação à troca de músicas e à compra de música pirateada. Em especial, os jovens tendem a pensar que é mais legítimo trocar música entre amigos e conhecidos num processo de descoberta e troca de experiências, de comunicação e de formação de culturas musicais. Uma estratégia que poderá ser aprofundada no futuro por parte das empresas fonográficas passa pela colaboração entre editoras e sítios que disponibilizam a descarga livre de músicas mediante o pagamento de uma taxa. Todavia, cerca de metade dos jovens inquiridos face-a-face (51,1 por cento) acham que não se deve pagar nada por descarregar músicas na internet. Este é um valor um pouco acima do verificado entre os jovens inquiridos online. Estes dados são um pouco paradoxais se recordar-mos o valor sentimental que a música tem na vida dos jovens, que contraste com o valor económico que lhe atribuem quando está em causa a sua descarga pela internet. Apenas 11,7 por cento dos jovens estariam dispostos a pagar até 5 euros num mês para adquirir músicas em sítios na internet e verifica-se uma pequena minoria de jovens (3,1 por cento) que estariam dispostos a pagar mais do que essa quantia. Dos internautas inquiridos online, 41 por cento estariam dispostos a pagar até 10 euros por mês para adquirir músicas em sítios na internet, enquanto que 40,1 por cento não está disposto a pagar nada. Verifica-se uma maior predisposição masculina, assim como dos inquiridos mais velhos, para dar largas à bolsa. Poderão colocar-se aqui algumas hipóteses quanto à contradição entre valor sentimental e económico atribuído à música. Num am165

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 166

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

biente mediaticamente saturado e numa era onde as escolhas e as ofertas afiguram-se múltiplas, será incomportável do ponto de vista económico estar atrás das modas e pagar sempre que se procuram novas experiências sonoras. Os jovens, conscientes dessa realidade, procuram contorná-la através da troca. Por outro lado, o valor que os jovens estão dispostos a pagar pela música em suporte físico ou descarregada na internet varia consoante a importância atribuída à música e a factores socioeconómicos como a classe social a que os jovens pertencem. Os valores da sociedade em que as crianças e os adolescentes estão inseridos também deverão ser um factor a ter em conta. Em particular, se há uma valorização moral generalizada positiva ou negativa quanto à troca ou descarga de música. Até que ponto a era da troca, mais ou menos livre, de música representa uma ameaça à indústria fonográfica é algo que o decorrer do tempo dirá. Os jovens apresentam dois tipos de poder em relação à música. A montante, com o seu uso e apropriação têm o poder de mudar o panorama musical, seja através da forma como ouvem, compram ou trocam música. A jusante, constituem um grupo social que encerra em si possibilidades de mudança na forma como se produz, vende e difunde música. Muitas das modas musicais são ditadas pelas preferências dos adolescentes e eles participam activamente no processo de difusão e disseminação de conteúdos musicais, não só pela troca de suportes físicos como os CD’s mas também através da sua disseminação através de sítios da internet como blogues, o Myspace ou o Youtube. As bandas de sucesso e as editoras têm aprendido que se não se pode vencer práticas como trocar música mais vale juntar-se a elas. Um exemplo disso é a mudança de postura da banda Metallica. No início deste século, os Metallica atacaram ferozmente, com processos judiciais, os usuários da internet que trocavam livremente as suas músicas em programas peer to peer como o Napster, o que lhes trouxe várias críticas por parte dos fãs que os acusaram de se mostrarem gananciosos. Independentemente da justeza das críticas que lhes foram dirigidas, a banda decidiu abraçar, actualmente, as formas de apropriação da sua música por parte dos fãs e abandonaram a postura de hostilidade face à difusão da sua música na internet. O baterista da banda lançou mesmo um vídeo no sítio Youtube onde apresenta várias interpretações disseminadas pela internet perpetradas pelos fãs. Outras bandas encaram de outra forma a troca de músicas pela in166

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 167

MÚSICA, O PODER DE MUDAR OU O PODER DA IDENTIDADE?

ternet. Muitas bandas disponibilizam no seu sítio oficial ou na sua página no Myspace parte da sua produção musical para que os usuários da internet possam descarregar e ouvir. A banda norte-americana Nine Inch Nails disponibilizou mesmo músicas e álbuns inteiros que poderão ser descarregados livremente no seu próprio sítio na internet. A par disso, a banda de rock britânica Radiohead disponibilizou o seu último álbum em formato mp3 no seu sítio oficial, deixando ao ouvinte a decisão de pagar o valor que quiser pela descarga. Podemos ver aqui uma analogia com o artista de rua que espera pela boa vontade dos ouvintes para contribuir com algum dinheiro. Porém, com a difusão de música pela internet, o palco é o mundo. Além disso, com esta acção, os Radiohead descartaram em larga medida o papel das editoras na distribuição de música. No futuro o principal meio de receitas de uma banda poderá ser os concertos e a troca de música poderá constituir um persuasivo meio para alistar fãs dispostos a pagarem para assistirem aos seus concertos. Neste processo, as grandes editoras veêm ameaçado o seu poderio: para além de a distribuição de música pela internet desviar-se dos tradicionais canais de distribuição, coloca um desafio ao papel das grandes editoras como fazedores de modas ou como gatekeepers, isto é, como guardiães do tipo de música que merece ou não ser difundida em larga escala. Os jovens, para além de constituírem um grupo que detém, em potência, o poder de mudar uma indústria com as suas práticas, usam-se da música com a motivação de poderem mudar-se a si próprios. Ora isto interliga-se com o outro poder que a apropriação da música por parte dos jovens como o Afonso também encerra, o poder da identidade. Este é um poder de afirmação que ajuda a definir gerações, como as que cresceram a ouvir música pop new wave nos anos 80 ou rock e grunge nos anos 90 e, entre essas gerações, ajuda a definir grupos de pertença específicos. As próprias formas de relação com a música e os modos de apropriação dos leitores de áudio ajudam a definir gerações: temos as gerações socializadas no vinil, na cassete áudio, no leitor de CD’s e agora assistimos à adopção dos leitores de mp3, em especial, pelas gerações mais novas. Para além de um princípio afectivo, as músicas são apropriadas como uma forma, entre outras, de estabelecer relações com os outros e com o mundo. Constituem um ponto de contacto com as próprias 167

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 168

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

emoções e servem como tijolos na construção de uma identidade pessoal e social ainda frágil. Unem-se aos modos de estar, sentir e de ser e servem como um dos elementos da apresentação do “eu” nas relações quotidianas. Afinal, é da banda sonora da vida dos jovens que se trata.

168

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 169

CAPÍTULO 7 A GERAÇÃO MULTIMÉDIA E INFORMACIONAL NO SISTEMA DE OFERTA MEDIÁTICA EM REDE

Nos dias que correm, o ambiente mediático, que acompanha o nosso Afonso nos tempos e nos espaços do seu quotidiano, oferece várias experiências e possibilidades e permeia uma parte substancial dos lares portugueses onde proliferam ecrãs, gadgets e aparelhos electrónicos, por vezes, bem presentes em quase todos os compartimentos da casa. O actual ambiente de fragmentação mediática caracteriza-se por um crescente número de alternativas que concorrem entre si pelo tempo dos jovens. Esta invasão tecnológica no quotidiano levou a algumas críticas por parte de alguns autores que olham para o desenvolvimentos tecnológico das sociedades contemporâneas. Baudrillard (1993) aponta mesmo que os novos aparelhos electrónicos poderão estar a tornar-se quase como que uma segunda pele. Desenvolve o autor que as novas tecnologias, com as suas novas máquinas, as suas novas imagens e ecrãs interactivos, não causam alienação. Em vez disso, formam com o indivíduo contemporâneo um circuito integrado. Ecrãs de televisão, do computador, do PDA ou do telemóvel são como lentes de contacto, na medida em que constituemse como próteses transparentes. Integram-se no corpo e são como uma espécie de extensão do sistema nervoso central. A televisão é o aparelho mais omnipresente em casa estando muitas vezes na sala, nos quartos, na cozinha. Todavia, enquanto media tradicional, vê a sua relevância desafiada face à emergência de novos 169

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 170

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

media. O público específico que respondeu ao questionário online partilha práticas comunicacionais com a generalidade dos portugueses, como é o facto de verem televisão, mas fazem-no noutros moldes. Neste público, a televisão remete-se cada vez mais para um papel de contextualização atomizada em rede e é algo que se deixa ligado em fundo enquanto desenvolvemos outra actividade, como estar na internet (Espanha et al, 2006). De facto, uma parte significativa dos jovens inquiridos online, onde provavelmente se inclui o Afonso, pretere a televisão em relação a outros media, apesar do acesso universal à televisão, como podemos ver nas tabelas em baixo. TABELA 7.1 SE TIVESSES DE OPTAR ENTRE INTERNET E TELEVISÃO, QUAL SERIA A TUA ESCOLHA? Internet Televisão Não sei/Não respondo Total

N 788 208 85 1081

% 72,9 19,2 7,9 100,0

TABELA 7.2 SE TIVESSES DE OPTAR ENTRE INTERNET E TELEMÓVEL, QUAL SERIA A TUA ESCOLHA? Internet Telemóvel Não sei/Não respondo Total

N 574 426 81 1081

% 53,1 39,4 7,5 100,0

TABELA 7.3 SE TIVESSES DE OPTAR ENTRE JOGOS DE CONSOLA OU COMPUTADOR E TELEVISÃO, QUAL SERIA A TUA ESCOLHA? N Jogos de consola ou computador Televisãol Não sei/Não respondo Total

170

652 353 76 1081

% 60,3 32,7 7,0 100,0

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 171

A GERAÇÃO MULTIMÉDIA E INFORMACIONAL NO SISTEMA DE OFERTA MEDIÁTICA EM REDE

TABELA 7.4 SE TIVESSES DE OPTAR ENTRE TELEMÓVEL E TELEVISÃO, QUAL SERIA A TUA ESCOLHA? N Jogos de consola ou computador Televisãol Não sei/Não respondo Total

559 457 65 1081

% 51,7 42,3 6,0 100,0

Os dados apresentados são bastante revelados de uma mudança que poderá estar a ocorrer entre os jovens como o Afonso na sua relação com os media, em particular, no plano afectivo. Os jovens inquiridos online atribuem maior importância nas suas vidas à internet, ao telemóveis e aos jogos multimédia em comparação com a televisão. Porém, quando consideramos o sexo dos jovens inquiridos verificamos diferenças de género quanto ao uso dos novos media. O telemóvel assume claramente uma maior importância para as raparigas (mas também para os inquiridos mais velhos) do que para os rapazes visto que são elas que gostam mais de enviar SMS’s depois do jantar, há mais raparigas que rapazes a preferir o telemóvel à televisão e, ao contrário dos inquiridos do sexo masculino, na sua maioria preferem o telemóvel à internet. Para além disso, há uma maior percentagem de raparigas do que de rapazes a achar que a sua vida mudaria para pior se ficassem duas semanas sem telemóvel. Quanto às preferências dos jovens inquiridos do sexo masculino, a internet assume claramente um lugar prioritário em relação aos outros media. No meio de práticas diversificadas de media, o telemóvel parece assumir maior importância na vida das raparigas e a internet ter conquistado as preferências dos rapazes que responderam ao questionário online. É ainda de notar que a preferência pela internet é clara entre os inquiridos mais novos dos 9 aos 12 anos e entre os inquiridos dos 13 aos 15 anos. Nestas idades, a preferência pela internet em detrimento do telemóvel ronda os 60 por cento. Contudo, entre os inquiridos dos 16 aos 18 anos a preferência entre a internet e o telemóvel não é tão clara, dada a uma aproximação da

171

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 172

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

percentagem de jovens mais velhos que prefere o telemóvel (43,3 por cento) à percentagem de inquiridos que preferem a internet (48,7 por cento). Registe-se portanto a crescente importância subjectiva do telemóvel nos mais velhos, provavelmente porque nessa idade, providos de maior autonomia, os inquiridos alargam as relações sociais e as suas vivências nas quais incluem o telemóvel como meio essencial de comunicação e interacção social. O aumento do uso da internet e dos telemóveis não significa que esta substitui o consumo de outros meios comunicacionais. Antes, a internet e os telemóveis desempenham um papel de reforço de informação. Segundo Espanha, Soares e Cardoso (2006), verifica-se também a tendência para a multiplicação de interesses e actividades por parte dos utilizadores da internet, reforçando a hipótese de que a utilização das novas tecnologias de comunicação leva à diversificação e ampliação das capacidades comunicativas.

A domesticação dos novos media: uma nova geração em formação? Seguindo o trabalho já realizado por Cardoso (2006) podemos identificar diferentes idades dos media. Perante a articulação entre diferentes media em função de uma diferenciação de conteúdos e igualmente a especialização dos media em diferentes funções de mediação é possível identificar diferentes gerações de cidadãos com representações e práticas diferenciadas face aos media. Embora a televisão partilhe o lugar cimeiro nas escolhas das diferentes gerações analisadas por Cardoso, a menor importância atribuída à televisão por parte das gerações mais novas que convivem com a internet desde a infância e a adolescência permitem-nos estabelecer uma divisão geracional baseada na valorização dos novos media. Cardoso divide as gerações em dois grupos: o primeiro grupo é constituído por indivíduos dos 15 aos 37 anos e compreende as gerações socializadas nos computadores pessoais desde a infância e que consideram a internet a tecnologia mais interessante depois da televisão; no segundo grupo incluem os indivíduos com mais de 38 anos, compreendido pelas gerações que, não tendo lidado com tecnologias pessoais informatizadas, apontam a leitura de jornais como o seu se172

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 173

A GERAÇÃO MULTIMÉDIA E INFORMACIONAL NO SISTEMA DE OFERTA MEDIÁTICA EM REDE

gundo maior interesse. O nosso inquérito aplicado a nível nacional, mostra que mais de metade dos jovens possuem um computador pessoal fixo, embora apenas 8 por cento declarem ter um computador portátil, o que poderá alterar-se rapidamente com a promoção de politicas públicas que promovem a aquisição e a utilização de portáteis com acesso à internet no âmbito do “plano tecnológico”. Portanto, é de esperar que a valorização da internet aumente e se consolide nas gerações mais novas de forma generalizada.

TABELA 7.5 APARELHOS ELECTRÓNICOS QUE POSSUI:

Possui computador pessoal fixo

N

%

156

56,7

Possui computador pessoal portátil

22

8,0

Possui PDA

12

4,3

Possui câmara Web

42

15,3

Possui agenda electrónica (Palm pilot)

14

5,1

Possui consola de jogos

89

32,3

Possui câmara digital

71

25,7

192

69,8

Possui home-cinema

49

17,8

Possui auriculares para a televisão/computador

58

21,1

Possui pendrive para transporte de dados

62

22,6

Possui rádio/leitor de CD

A apropriação social das tecnologias sonoras como a rádio e os CD’s também se constitui como um elemento diferenciador. Enquanto que as gerações mais velhas apropriam a rádio, com a sua pré-definição musical, como a sua principal tecnologia sonora, os jovens dos 15 aos 25 anos optam claramente pela escolha individual da música proporcionada pelos CD’s, bem como pelos canais televisivos temáticos de música, pela troca de música e audição de mp3. 173

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 174

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

Segundo os dados apurados a nível nacional, os rádios e leitores de CD são os aparelhos mais universais a seguir à televisão. Além disso, cerca de um terço têm uma consola de jogos em casa e mais de um quarto afirmam ter uma câmara digital. Os jogos multimédia em conjunto com o interesse concedido ao telemóvel pelos mais novos poderão constituir outros pontos de clivagem face às gerações mais velhas. Outros factores que poderão acentuar e legitimar a ideia de que existe uma clivagem mediática entre gerações poderão provir do tipo de fontes de informação privilegiada. No sistema de oferta mediática múltipla verifica-se também uma proliferação de fontes de informação, o que apela à capacidade crítica dos agentes e a uma filtragem da informação tida como mais relevante. No que respeita diferentes media, quando os jovens querem informar-se sobre algum assunto em geral, dão maior importância à televisão. De facto, 86,2 por cento dão importância ou muita importância à televisão enquanto fonte de informação, contudo é interessante verificar que o peso das fontes interpessoais (familiares e amigos) é ainda muito grande e rivaliza com a televisão visto que 86 por cento dos jovens recorrem a essas fontes. Mesmo quando os jovens querem informar-se sobre entretenimento, a mesma hierarquia mantêm com a televisão e as relações interpessoais no topo: visto que 88,9 por cento e 83,6 por cento dos inquiridos atribuem, respectivamente, importância ou muita importância a essas fontes de informação. Perto de 70 por cento dos jovens atribui importância ou muita importância à internet como fonte de informação genérica ou de entretenimento. A internet ultrapassa assim, em termos de importância, a rádio e os jornais enquanto fontes de informação. Seja como for, a percentagem de inquiridos que atribuem importância ou muita importância à rádio e aos jornais enquanto meio de informação ronda os 50 por cento. Mas o que está em causa não é só o tipo de fontes de informação. Podemos colocar a hipótese de que as gerações socializadas nas tecnologias informatizadas não só começam a privilegiar fontes de informação alternativas à televisão como diversificam e articulam em rede as diferentes fontes de informação ao seu dispor. No entanto, não há dados disponíveis que permitam saber se as clivagens geracionais se devem a um efeito do ciclo de vida, isto é, a uma mudança intrageracional - os indivíduos mudam de interesses 174

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 175

A GERAÇÃO MULTIMÉDIA E INFORMACIONAL NO SISTEMA DE OFERTA MEDIÁTICA EM REDE

ao longo da sua vida – ou se as diferenças intergeracionais são marcos que acompanham os jovens de hoje na sua vida futura. Em defesa desta última hipótese podemos citar Umberto Eco (2004a) que, no seu romance La Misteriosa Fiamma della Regina Loana, sublinha a importância dos media na constituição de uma memória social comum e na tradução do espírito geracional por via da sua produção cultural e dos usos a ela dados. Os media são a nossa conexão entre o vivido e o representado. É através deles que os jovens, e todos nós, construímos a experiência. De acordo com Aroldi e Colombo (2003), a infância e a adolescência são etapas fundamentais para a criação de um perfil dos media numa audiência, através da definição das expectativas, gostos, preferências, familiaridade de géneros e textos e padrões de interpretação. É precisamente que no período da vida que nos propusemos aqui estudar que toma lugar uma espécie de alfabetização face aos media, que define os padrões de consumo e os hábitos futuros dos nossos jovens. É neste período que o Afonso começa a criar sua própria biografia dos media, que terá certamente vários pontos de contacto com as biografias dos seus colegas e amigos. É através da sobreposição de histórias de consumo e de hábitos mediáticos semelhantes que uma geração poderá construir uma memória dos media que lhe é própria. Fazer parte de uma mesma geração implica a vivência de uma série de experiências, a exposição a factos históricos e a padrões de consumo comuns faz com os jovens contemporâneos, ainda que separados por outras variáveis (como, a título de exemplo, o sexo, o espaço geográfico, a classe social de origem, o nível de escolaridade, etc.), que contribuem para a partilha de determinados valores e de uma determinada mentalidade (Gnasso, 2003). Ora a domesticação dos media por parte dos jovens, isto é, a incorporação de novas tecnologias como a internet ou o telemóvel nas suas práticas quotidianas está intimamente ligada ao processo de partilha de determinados valores e de mentalidade. Ao longo deste processo de domesticação, jovens como o Afonso aprendem competências e práticas mediáticas às quais atribuem significados de modo que as tecnologias passam a ser uma extensão dos sujeitos e das suas relações com os outros. É através dessa incorporação ou domesticação total dos media nas vidas das crianças e dos adolescentes, e da diferente forma como os jovens a conduzem, que 175

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

Page 176

mudar uma delas?

nos permite definir os mais novos como uma geração à parte. São uma geração responsável que constrói por si própria uma construção de diferentes e complexas dietas de consumo de media, contendo em si o gérmen de importantes mudanças sociais. A sua afirmação enquanto geração parte da construção de uma identidade socio-cultural própria que emerge pela partilha do mesmo período histórico, do mesmo ambiente cultural, e do acesso ao mesmo sistema dos media e aos mesmos media. Porém, certas necessidades ou procuras mediáticas que se manifestam nos jovens poderão estar directamente ligadas à sua idade biológica e relacionadas com os objectivos característicos da infância e da adolescência. É, portanto, bastante plausível que o interesse pela leitura de jornais seja mais preponderante à medida que os indivíduos vão envelhecendo. Os dois processos – o efeito do ciclo de vida e a formação de uma memória dos media que perdura ao longo da vida – serão porventura paralelos e poderão ocorrer simultaneamente. Há ainda que ter em conta que as gerações não são formações monolíticas, nem estanques. Por um lado, é possível distinguir várias sub-culturas juvenis, isto é, diferentes domesticações dos media, por outro lado, poderão ocorrer contaminações múltiplas entre gerações. Dentro do lar essas contaminações poderão ocorrer verticalmente de cima para baixo (dos pais para os filhos) mas também de baixo para cima (dos filhos para os pais). Como adianta Cardoso (2006), embora cada geração inclua diferentes subculturas é possível distinguir traços comuns na relação com diferentes tecnologias que permitem individualizar uma partilha geracional de práticas e valores face aos media entre os mais novos. Podemos designar a nova geração de crianças e adolescentes, que nasceram nos anos 80 ou posteriormente, por geração multimédia, visto que se socializaram com uma multiplicidade de ecrãs, o da televisão, o do computador, o do telemóvel, o do iPod ou o da consola portátil, articulando-os, de forma integrada, no seu modo de vida. O próprio computador divide-se em sub-ecrãs ou janelas e o ecrã da televisão também serve uma multiplicidade de fins (portal para jogos, filmes em DVD, etc). Incorporam e domesticam este sistema mediático desde praticamente o seu nascimento. A geração multimédia coincide com a segunda geração informacional socializada desde a sua infância nos computadores em rede em casa ou na 176

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 177

A GERAÇÃO MULTIMÉDIA E INFORMACIONAL NO SISTEMA DE OFERTA MEDIÁTICA EM REDE

escola e que começa a tomar a massificação do acesso à internet como algo adquirido. O Afonso pertence, portanto, à geração multimédia e informacional, que tende a privilegiar os novos media face à televisão, passou a utilizar o quarto de dormir como nó de contacto com o mundo, está mais tempo exposta a diversos ecrãs em casa ou fora dele, aumentou o uso da mediação nas relações sociais e tende a criar redes entre media, seja a ouvir rádio online ou consultar na Internet informações sobre conteúdos doutros media. É esta geração que também tende a acolher o telemóvel de um modo personalizado, por exemplo, com a escolha de toques e onde a utilização de tecnologias informatizadas se tornou mais individualizada.

Multitarefa e integração dos media A geração multimédia e informacional normaliza a internet como mais um meio que se enquadra no normal curso da vida quotidiana. Caracteriza-se igualmente por uma fruição da internet em rede com outros media, ou em alternativa a outros media, e por uma utilização pautada pela eficiência e em regime de multitarefa (multitasking) onde impera um ritmo rápido de navegação. De facto, uma das principais tendências em termos de novos modelos de consumo de media prende-se com a intensificação da utilização simultânea de vários meios. No entanto, os jovens de hoje continuam a dispor das mesmas vinte e quatro horas de sempre. Assim, existe uma tendência para a multitarefa, ou seja, realizar simultaneamente várias tarefas ou, se nos referirmos exclusivamente ao caso dos media, expor-se a diversos meios em simultâneo. A geração do Afonso parece ser mais produtiva com o seu tempo na fruição dos vários media, visto abordarem o meio mediático de uma perspectiva multitarefa. Realiza várias tarefas ao mesmo tempo, enquanto as gerações mais velhas tenderão a fazer uma coisa de cada vez. Nesse sentido, a televisão parece assim mais talhada para as audiências mais velhas e a internet para os mais novos (Aroldi e Colombo, 2003). Porém, referir que multitasking é a realização de várias tarefas em simultâneo não é suficiente, pois não abre pistas acerca da 177

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 178

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

distribuição da atenção dos indivíduos pelas diversas actividades. De facto, para percebermos a realidade mediática em que os jovens se inserem é necessário identificar a forma como a sua atenção é distribuída nas várias actividades contemporâneas. Neste âmbito, identificamos três níveis de análise. FIGURA 7.1 TRÊS NÍVEIS DE ANÁLISE DO MULTITASKING

Atenção Focada

Atenção Intermitente

Atenção inteiramente concentrda numa só tarefa

Foco da atenção varia entre tarefas diferentes

Atenção Difusa

Atenção dispersa entre várias tarefas

MULTITASKING

No primeiro nível, a que chamámos “Atenção Focada”, os jovens dedicam-se exclusivamente a uma só tarefa, sendo toda a sua concentração e atenção focada nessa mesma tarefa, não se registando assim o fenómeno de multitasking. No segundo nível, a criança ou o adolescente vai desenvolvendo diversas tarefas em paralelo, aproveitando os “momentos mortos” para alternar de suporte mediático, mas fixando a sua atenção numa só tarefa de cada vez. Por exemplo, quando o Afonso está a ver televisão e aproveita o intervalo para mandar uma mensagem SMS, ou quando aproveita um tempo de download quando está ao computador para fazer os trabalhos de casa. O terceiro nível, a “Atenção Difusa”, acontece quando a atenção do Afonso fica de facto dispersa entre vários estímulos. Por exemplo, quando está a navegar na internet e a ouvir música em simultâneo, ou quando está a comer e a ver simultaneamente televisão. A multitarefa na sua vertente de “Atenção Difusa” e a fruição da internet em rede pelos mais novos é demonstrada pelos nossos dados.

178

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 179

A GERAÇÃO MULTIMÉDIA E INFORMACIONAL NO SISTEMA DE OFERTA MEDIÁTICA EM REDE

TABELA 7.6 ENQUANTO UTILIZA A INTERNET, É FREQUENTE

% Ouvir música

56,0

Ouvir rádio

13,1

Utilizar chats ou programas de mensagens instantâneas (Ex: MSN)

20,8

Ver televisão

11,8

Falar ao telefone/telemóvel

15,6

Nenhuma destas

8,8

Entre os inquiridos online, a actividade mais frequente que os internautas realizam enquanto utilizam a internet é ouvir música (em 56 por cento dos casos). Para 20,8 por cento dos internautas é frequente ainda utilizarem chats ou programas de mensagens instantâneas e 15,6 por cento declararam ainda que falam ao telefone ou ao telemóvel enquanto estão online. Ouvir rádio e ver televisão é uma prática frequente em simultâneo com a navegação na internet para 13,1 por cento e 11,8 por cento dos jovens utilizadores, respectivamente. Saliente que apenas 8,8 por cento declara não realizar nenhuma das actividades descritas enquanto navegam na internet, mas o que é claro é que enquanto estão online os jovens, na sua grande maioria estão também a realizar outras tarefas. Os jovens estão de facto a socializar-se num ambiente mediático que proporciona cada vez mais oferta de produtos e experiências que podem ser usufruídas em simultânea. Os mais novos têm sido socializados num tipo de cultura que pode ser exemplificada pelas janelas dos sistemas operativos Windows, Mac OS X ou dos vários interfaces gráficos do Linux. Janelas, ecrãs, sons e experiências abrem-se e fecham-se com facilidade, emergem em paralelo e proporcionam um usufruto multifacetado e simultâneo. A multitarefa ou multitasking é cada vez mais uma prática difundida junto dos jovens, algo natural, que realizam “pelo prazer ou curiosidade de navegar entre canais”. Com uma oferta mediática cada vez maior, as

179

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 180

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

suas rotinas foram-se adaptando, de forma a poderem integrar um número cada vez maior de suportes. De facto nunca antes um jovem como o Afonso teve tão exposto aos media, mas também nunca a sua atenção esteve tão dispersa entre tantas actividades. A cultura multitarefa também se expande para outras actividades como estudar. Perto de metade ouvem música enquanto estudam, embora se possa dizer que esta não será propriamente uma realidade nova. Porém, verifica-se uma maior integração do computador nos estudos nos respondentes online visto que 43,3 por cento têm o hábito de usar o computador enquanto estudam e mais de um terço navegam na internet procurando informação para os seus estudos. Ademais, 15,1 por cento admitem que procuram informação não relacionada com o estudo, a televisão e a rádio também marcam presença durante o estudo para cerca de um quarto dos inquiridos e 21,6 por cento não resistem a enviar mensagens pelo telemóvel enquanto estudam. Verifica-se portanto que o ambiente mediático diversificado coloca um desafio à concentração nos estudos e entra mesmo nos tempos de estudo. TABELA 7.7 QUANDO ESTÁ A ESTUDAR , COSTUMA

Usar o computador Navegar na internet (procurando informação para o meu estudo) Navegar na internet (vendo informação não relacionada com o meu estudo) Fazer download de ficheiros através da internet Ouvir rádio Ouvir música Escrever mensagens de correio electrónico e usar o Messenger Ver televisão Interagir com a televisão Falar ao telefone Escrever SMS’s Jogar jogos de vídeo Ler revistas ou jornais

180

% 43,3 35,1 15,1 8,1 25,6 47,2 13,1 23,5 2,7 10,1 21,6 4,6 3,7

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 181

A GERAÇÃO MULTIMÉDIA E INFORMACIONAL NO SISTEMA DE OFERTA MEDIÁTICA EM REDE

Contudo, não podemos ver nos dados apresentados apenas os pontos negativos. A internet veio para ficar como meio auxiliar de estudo, mas veio ao mesmo tempo colocar desafios à forma como a informação é recepcionada. Veio, por um lado, facilitar o acesso à informação, mas por outro lado, esse mesmo fácil acesso à informação pode induzir alguns a uma cultura de facilitismo, recorrendo ao plágio e absorvendo de forma acrítica informação já triturada. O ambiente mediático emergente não é contudo, por si só, um desafio aos estudos dos jovens e com iniciativas pró-activas poderá mesmo funcionar como mais um elemento pedagógico. Por exemplo, já existem instituições universitárias que disponibilizam aulas em ficheiros com o formato mp3 que poderão ser descarregados nos leitores portáteis dos alunos. Mas parece claro que a socialização no ambiente mediático emergente deverá ser acompanhada por pais e educadores, é um aspecto da educação dos jovens a utilização de dietas mediáticas equilibradas e pressupõe um leque mais alargado no próprio conceito de “literacia”. Com as novas tecnologias como a internet os jovens poderão assim procurar informação complementar aos manuais escolares e poderão até achar informação contraditória ou que coloca um desafio ao que foi dito nas aulas pelos professores. A “literacia” neste novo contexto mediático requer assim, não só uma educação por parte dos jovens mas por parte daqueles que detêm a “autoridade” de transmitir saber. Outro aspecto da fruição dos media em rede é a possibilidade de ver televisão ao mesmo tempo que se está ao computador. Entre os jovens com computador em casa, cerca de metade consegue ver televisão quando está ao computador. Tanto o público juvenil inquirido face-a-face como o público específico que respondeu ao questionário lança online partilham práticas comunicacionais, cuja evolução não se dá de um dia para o outro. Portanto, os jovens que utilizam com bastante frequência a internet não deixam de olhar com maior ou menor frequência para o ecrã da televisão, porém os moldes em que o fazem são um pouco diferentes. Contudo, esses jovens utilizam cada vez mais a televisão como um nó inserido numa rede estabelecida entre vários media, isto é, os jovens tendem cada vez mais a utilizar a televisão como ambiente de fundo enquanto desenvolvem outras actividades. Certas práticas em regime de multitasking, não serão, porventura, uma novidade, estando já instituídas nas gerações anteriores. 181

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 182

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

Robinson e Godbey (1997), por exemplo, referem que a audição de rádio costumava ser uma experiência absorvente, na qual as pessoas se engajavam de forma exclusiva, excluindo outras actividades. Era, assim, comuns as famílias reunirem-se em torno do dispositivo e ouvirem rádio. Mais tarde, a audição de rádio foi passado gradualmente a pano de fundo tornando-se, com o advento da televisão, quase exclusivamente uma actividade secundária, algo que escutamos enquanto fazemos algo. O que acontece actualmente é que o fenómeno de multitasking tomou proporções nunca antes vistas. O Afonso, como representante dos jovens portugueses continua a realizar actividades tradicionais enquanto veêm televisão: a maioria dos jovens come enquanto olha para o ecrã da TV ou estudam e fazem os trabalhos de casa, olhando de soslaio para o que se passa no ecrã. Sem contar com as idas à casa de banho, comer ou fazer uma refeição é a actividade realizada mais frequentemente em simultâneo com o visionamento da televisão. No entanto, a introdução de novos media no quotidiano veio disputar a atenção que jovens como o Afonso dedicam à televisão. Cerca de um terço dos jovens envia mensagens SMS através do telemóvel enquanto vê televisão, um quarto fala ao telefone e 22,6 por cento navega na internet ou escreve mensagens de correio electrónico. O tempo de ver televisão cruza-se assim com o tempo para fazer outras actividades, podendo a qualquer momento deixar de ser o principal foco de atenção. Mas o que se torna agora significativo, é que entre os jovens respondentes do inquérito online, uma porção não muito distante de um terço navega na internet enquanto vê televisão. Hoje em dia, o próprio mercado oferece já produtos que integram vários media e que são procurados pelos jovens. Por exemplo, cerca de 22 por cento dos respondentes online, afirmam que podem ver televisão através do próprio ecrã do computador. O uso do computador e das aplicações da Sociedade em Rede promove o multitasking, ao providenciar paragens naturais nas tarefas em curso (por exemplo, os tempos de download, etc.) e interrupções regulares (tais como ecrãs pop up de instant messaging, etc.). Além disso, à medida que a oferta mediática se foi multiplicando, os indivíduos foram encontrando formas de a encaixar nas suas rotinas, levando a conclusões tais como as apresentadas num estudo desenvolvido pelo Yahoo e a OMD (2006), onde se conclui 182

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 183

A GERAÇÃO MULTIMÉDIA E INFORMACIONAL NO SISTEMA DE OFERTA MEDIÁTICA EM REDE

que os consumidores nos Estados Unidos vivem, devido ao multitasking, dias equivalentes a jornadas de 43 horas, incluindo 16 horas de interacção com media e tecnologia. Há indicadores, portanto, de uma tendência emergente de integrar várias actividades. No que respeita ao inquérito aplicado presencialmente, poucos são os inquiridos que afirmam não realizar nenhuma actividade em simultâneo e percentagens apreciáveis de jovens respondentes afirmam ver televisão, ouvir música, estudar ou fazer os trabalhos de casa, usar o computador e enviar mensagens em simultâneo com outras actividades. A vida diária dos adolescentes é impregnada de um sistema mediático de oferta múltipla, na qual os jovens vão criando capacidades comunicativas como o facto de aprenderem a integrar as várias possibilidades de oferta e de articular em simultâneo diversas actividades. No âmbito de um regime de “Atenção Intermitente”, o tempo de publicidade não é um tempo morto e é muitas vezes um tempo que se utiliza para outras actividades e é muitas vezes um desafio prender a atenção dos telespectadores nos intervalos. Entre os jovens inquiridos, face-a-face, o tempo de intervalo é essencialmente um tempo onde, frequentemente ou às vezes, se vai à casa de banho ou à cozinha (em 71,2 por cento dos casos), se vai comer ou fazer uma refeição (em 58,5 por cento dos casos) ou se vai para outra divisão da casa realizar outras actividades (em 52,3 por cento dos casos). É também nos intervalos que cerca de um terço dos jovens aproveitam para enviar mensagens SMS através do telemóvel, 26,3 por cento aproveitam para falar ao telefone e 30 por cento aproveitam para interagir com a televisão. A actividade menos realizada nos intervalos dos programas de televisão é a navegação na internet. É ainda curioso constatar que há uma maior percentagem de inquiridos mais velhos que dormem enquanto estão a televisão ligada, quer porque haverá mais inquiridos neste escalão etário com televisão no quarto, quer porque provavelmente têm a liberdade de ver televisão até mais tarde, podendo adormecer a olhar para o ecrã de TV. Este é um indicador do peso omnipresente que a televisão ainda detêm nas práticas mediáticas dos jovens. Todavia, o facto de começar a ser preterida em relação a outros media, no plano subjectivo e identitário das preferências, remete para uma domesticação dos media que é fundamentalmente nova na geração multimédia e informacional emergente. 183

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 184

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

Além disso, a reconfiguração do papel da televisão entre a geração multimédia, fruto do aumento do uso da internet ou do telemóvel, não significa a substituição do consumo de determinados meios comunicacionais por outros. É certo que a televisão tem merecido uma “Atenção Focada” cada vez menor. Porém, para o Afonso a televisão ainda é das suas principais fontes de informação. A utilização de vários media desempenham um papel conjunto e interligado de reforço de informação na vida do nosso jovem que acompanha a tendência para a multiplicação de interesses e actividades por parte dos utilizadores das novas tecnologias. O quotidiano do Afonso está cada vez mais impregnado de um sistema mediático de oferta múltipla. Contudo, ele não escolhe entre práticas mediáticas diversas e que poderão ser concorrentes. Antes, tenta muitas vezes articular, em simultâneo, diversas actividades, ver televisão, estudar, navegar na internet, ouvir música e até comer. A saturação mediática no quotidiano do Afonso poderá levar a uma multiplicação de interesses e actividades. De facto é legitimo levantar a hipótese de que a utilização das novas tecnologias de comunicação por parte dos jovens como o Afonso leva à diversificação e ampliação das suas competências comunicativas. A sua cultura mediática é caracterizada pelo multitasking (multi-tarefa), por modos de utilização mais interactivos, pelas janelas que abrem e fecham ou pelos múltiplos ecrãs, sons e experiências que aparecem e desaparecem com a instrução de um clique e emergem em paralelo, proporcionando aos jovens usuários formas multifacetadas e integradas de experienciar os media.

184

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 185

CAPÍTULO 8 OS MEUS PAIS: AUTONOMIA, AUTORIDADE E CONTROLO

A apropriação dos media e das novas tecnologias pelos jovens sugere que possam estar a ocorrer transformações no âmbito da interacção familiar em torno das TIC. Essas transformações poderão incluir a ocorrência de conflitos específicos em torno do consumo dos media – por exemplo, em termos dos tempos de utilização e conteúdos. Surge assim a hipótese de que novos campos de negociação ou de tensão familiar poderão estar a emergir no que respeita à autonomia dos adolescentes, à autoridade paternal, às regras parentais e ao controlo caseiro sobre os media. O ambiente mediático dos jovens com a lógica “do quarto para o mundo” pode, no futuro, lançar novas tensões e reconfigurações da fronteira entre público e privado e novas reconfigurações e negociações no que se entende por vida familiar. Tendo em consideração este contexto, neste capítulo queremos dar conta não só das dinâmicas familiares num sentido lato mas, principalmente, da forma como a apropriação dos media e das novas tecnologias pelos jovens pode estar a ter impacto no âmbito da interacção familiar em torno das TIC. Com o rápido aumento do número de agregados familiares com conexão à internet, surge o interesse em perceber como as novas tecnologias influenciam as relações familiares e qual o potencial das TICs para mudar a vida familiar, tanto no desempenho de papéis tradicionais, como na produção de novos campos de possível conflito. Os nossos questio185

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 186

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

namentos não significam, contudo, aceitar acriticamente a divisão entre novos e velhos media. É válido o argumento de que os teóricos dos novos media provavelmente exageraram a novidade das novas tecnologias e da emergência da segunda era dos media (Webster, 2001). Como sugerem Livingstone et al. (2007), os jovens no seu todo poderão continuar a ser influenciados mais pela televisão do que pela internet. Portanto, levanta-se a questão de saber até que ponto os novos media introduzem, em termos qualitativos, novas variáveis na relação entre pais e filhos ou se apenas constituem um acrescento quantitativo aos media convencionais. No inquérito online foram feitas perguntas específicas sobre se já houve ou não discussões e conflitualidade familiar em torno do uso de diferentes media. Na figura 9.1 podemos ver que 44,8 por cento dos jovens como o Afonso, ou seja, perto de metade dos jovens inquiridos, já teve discussões com os pais por causa do tempo que passa ligado à internet. Verifica-se ainda que o período do dia em que os inquiridos se ligam à internet parece gerar bem menos conflito que o tempo de uso. Dos jovens inquiridos, 18,5 por cento assinalam que já tiveram discussões com os pais em torno do período do dia em que estão online.

FIGURA8.1 INTERNET

- JÁ TEVE

DISCUSSÕES [ COM OS PAIS ] POR CAUSA :

Que gasto enquanto estou ligado

Que faço quanto estou ligado

Período do dia em que me ligo

Tempo que passo ligado

186

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 187

OS MEUS PAIS : AUTONOMIA , AUTORIDADE E CONTROLO

Os nossos dados fornecem ainda o dado interessante de que existe uma maior percentagem de raparigas como a Inês (47,2 por cento) do que de rapazes (42,9 por cento) que afirmam já terem tido discussões familiares relacionadas com o tempo que passam na internet. Igualmente curioso é verificar que entre os mais novos há a menor percentagem de jovens inquiridos a ter discussões com os pais. Isto poderá ser talvez o resultado de um controlo paternal mais apertado, onde os pais podem impedir o acesso ao computador e à internet. Por seu turno é entre os 13 e os 15 anos que há uma maior percentagem de inquiridos que já tiveram discussões com os pais, percentagem essa que baixa um pouco entre os 16 e os 18 anos. A frequência dos conflitos poderá, por um lado, ser fruto de uma crescente liberdade e autonomia (ou de uma crescente procura dessa autonomia) quanto ao acesso e ao uso da internet e, por outro lado, cruzar-se com as dinâmicas próprias do (ainda curto) ciclo de vida do adolescente em termos de negociação da autonomia entre pais e filhos. Entre os 13 e os 15 anos muitos adolescentes ainda não têm liberdade para sair à noite ou para organizar determinado tipo de programas com os seus pares, contudo, poderão já ter liberdade suficiente para um livre acesso à internet. Adolescentes com este grau intermédio de liberdade poderão recorrer mais ao uso da internet, potenciando o conflito. Além disso, parte da vida social dos adolescentes poderá estar a ser transferida para os programas de computador que permitem uma mediação das interacções sociais. No que respeita ao período do dia em que estão ligados, são os rapazes os que declaram ter mais discussões (19,8 por cento). E é entre os mais novos que parece ser um pouco mais propenso o conflito em torno desta questão. A propensão para o conflito parece ir descendo há medida que a idade dos inquiridos aumenta. Isto faz sentido se pensarmos que é nas idades mais jovens que há um maior controlo paternal sobre os horários como os horários das refeições, de deitar e de levantar. A fonte menos significativa de conflito é o que os jovens fazem quando navegam na internet. E, sem surpresas, é entre os mais jovens que esse conflito é maior o que denota um maior controlo paternal nos jovens entre os 9 e os 12 anos, sendo claro que os mais velhos (dos 16 aos 18 anos) gozam de mais liberdade e autonomia. Os gastos também só são um foco de conflito para uma minoria dos 187

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 188

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

jovens internautas (16,7 por cento). Será de esperar que este seja um foco de conflito cada vez menos importante há medida que aumentarem as ligações de banda larga e há medida que os contractos com as empresas de telecomunicações tenham limites de tráfego menos restritivos. O conflito em torno dos gastos parece ser um pouco mais propenso entre os rapazes (17,8 por cento) e entre os jovens entre os 16 e os 18 anos (17,7 por cento). O conflito em tornos dos gastos está ligado com o conflito em torno do tempo de uso. Portanto, uma parte das discussões em torno do tempo não será apenas em torno do argumento de que a internet “rouba” tempo para outras actividades (estudar, estar com a família, etc.) mas pela razão económica que os pais sentem no bolso. Ademais, as discussões com os pais envolvem muitas vezes as várias dimensões de utilização que constituem um “pacote” completo com o qual os jovens são confrontados. Por outras palavras, tendencialmente, os adolescentes que declararam já ter tido discussões com os pais numa dimensão declaram também já ter tido discussões noutra dimensão de utilização. Como se pode ver na figura 8.2, perguntar directamente aos jovens o que estão a fazer parece ser a forma mais frequente de vigilância paternal (38,1 por cento) e logo a seguir está a olhada dos pais sobre os que jovens internautas estão a fazer (36,9 por cento). As raparigas parecem sofrer uma vigilância um pouco mais apertada do que os rapazes visto que 41,8 por cento declara que os pais perguntam o que estão a fazer e 40,7 por cento afirma que os pais vão olhar, contra 35,3 por cento e 34 por cento dos rapazes, respectivamente. O controlo directo do correio electrónico é muito pouco frequente (0,6 por cento dos casos), assim como é pouco frequente os pais acederem ao historial dos browsers para verificar onde os filhos andaram a navegar (2,9 por cento). A percentagem de jovens que são acompanhados pelos pais que se sentam ao lado do computador também é bastante minoritária (7,1 por cento), assim como a percentagem de jovens cujos pais os ajudam a navegar (6,8 por cento). 11,2 por cento dos inquiridos declaram ainda que os pais estão presentes na mesma sala quando estão ligados à internet. O que é significativa é a percentagem de jovens inquiridos que afirmam que os pais não fazem nada (53,6 por cento). Portanto, há uma probabilidade significativa de o Afonso poder navegar na internet à 188

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 189

OS MEUS PAIS : AUTONOMIA , AUTORIDADE E CONTROLO

vontade. Contudo, isto não deve ser equacionado com a ausência de controlo por parte dos seus pais, visto que esse controlo poderá ser feito de formas menos evidentes e na ausência dos filhos. Um exemplo é olhar discretamente o histórico da navegação na internet no browser. Como seria de esperar a vigilância por parte dos pais é mais apertada entre os mais jovens. 42,5 por cento dos inquiridos dos 9 aos 12 anos afirma que os pais perguntam o que estão a fazer e 47,5 por cento declaram que os pais vão espreitar o que estão a fazer. Ademais, todas as percentagens relativas à vigilância e à ajuda parental aumenta nos inquiridos mais jovens. Como seria de esperar essas percentagens descem à medida que são considerados os adolescentes mais velhos.

FIGURA 8.2 O QUE FAZEM OS TEUS PAIS ENQUANTO ESTÁS LIGADO À INTERNET ?:

189

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 190

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

As compras e a revelação de informações pessoais são as proibições mais significativas para jovens como o Afonso e a Inês (41,4 por cento e 38,9 por cento dos casos, respectivamente). A terceira maior proibição é o download de ficheiros, mas apenas 16,1 por cento dos inquiridos declaram que não têm permissão de o fazer. Nos restantes itens a taxa de proibição é menos elevada não chegando aos 10 por cento. (É curioso que 5 por cento declaram que não têm o aval para preencher questionários, visto que a informação aqui exposta foi obtida por questionário ficamos a saber que pelo menos 5 por cento desobedecem aos pais). Porém, uma percentagem substancial de crianças e adolescentes (43,1 por cento) declara não ter qualquer proibição. É mais provável que a Inês seja advertida pelos pais no sentido de não fazer compras (43,3 por cento de probabilidade) e de não dar informações pessoais (42,9 por cento de probabilidade) em comparação com o Afonso (40 por cento e 35,8 por cento, respectivamente). E são mais os rapazes que declaram não ter qualquer proibição (44,9 por cento), do que raparigas (40,7 por cento). No que respeita a proibições, verifica-se uma clara estratificação por idades. Os mais novos são os que menos liberdades têm, como seria de esperar. Apenas 14,2 dos internautas dos 9 aos 12 anos declaram não ter qualquer tipo de proibição. A larga maioria está proibida de fazer compras e 63,3 por cento afirmam terem sido advertidos para não darem informações pessoais. Há aqui um claro contraste com os inquiridos mais velhos, visto que apenas 31 por cento destes jovens estão avisados para não fazer compras e 30 por cento para não fornecer informações pessoais. 20,8 por cento dos inquiridos mais jovens estão ainda proibidos de participar em chats e 15,8 por cento de jogar online. 13,3 por cento declaram ainda que não podem preencher questionários. Uma minoria não pode enviar SMS’s nem enviar mensagens de correio electrónico (8,3 por cento e 6,7 por cento respectivamente). Nas camadas mais velhas a clara tendência é para haja menos restrições. A percentagem de inquiridos dos 13

190

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 191

OS MEUS PAIS : AUTONOMIA , AUTORIDADE E CONTROLO

aos 15 anos que declara não terem proibições explícitas é de 34,6 por cento, e entre os inquiridos entre os 16 e os 18 anos de idade, essa percentagem ascende aos 54 por cento. Apenas uma minoria dos jovens inquiridos (16,7 por cento) afirma que os pais utilizam a internet como mecanismo de recompensa ou de castigo. Entre os sexos não há grandes diferenças. É entre os escalões etários que se notam as principais diferenças, em especial, entre os inquiridos mais velhos (dos 16 aos 18 anos) e os restantes. Entre os mais velhos, apenas 11,2 por cento afirmam que os pais usam a internet como prémio ou castigo enquanto que nos inquiridos entre os 13 e os 15 anos essa percentagem ascende aos 23 por cento e entre os mais novos dos 9 aos 12 atinge os 25 por cento. Verifica-se que, tendencialmente, a internet é mais utilizada como mecanismo de punição (em 12,5 por cento dos casos) do que de sanção (em 9,3 por cento dos casos). Essa tendência é especialmente evidente entre as raparigas e os inquiridos dos 13 aos 15 anos de idade. Já entre os inquiridos mais jovens dos 9 aos 12 anos, verifica-se o inverso, visto que 17,5 por cento declaram que os pais utilizam a internet como prémio contra 14,2 por cento que dizem que os pais constrangem o uso da internet como castigo. No entanto é de notar que a maioria dos inquiridos declara que os pais não fazem nada. Apenas cerca de 20 por cento dos jovens declara já ter tido discussões por causa do tempo que passou ao telemóvel. Um dado curioso é a discrepância entre a percentagem de raparigas que já teve discussões com os pais por causa do tempo (27,8 por cento) e a percentagem de rapazes (13,5 por cento). Por outro lado são os mais velhos que tendencialmente têm mais discussões em torno do tempo gasto a falar ao telemóvel. Uma possível explicação será que os jovens mais velhos utilizam mais o telemóvel como forma de aprofundar e alargar as suas relações sociais, condizendo com a sua maior liberdade, seja para falar e trocar impressões com parceiros, combinar saídas, encontros, ou simplesmente namorar.

191

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 192

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

FIGURA 8.3 TELEMÓVEL - JÁ TEVE

DISCUSSÕES [ COM OS PAIS ] POR CAUSA :

O período do dia em que os jovens falam ao telemóvel só é um foco de claro de conflito para 9,5 por cento dos jovens inquiridos. Mais uma vez são as raparigas como Inês que são mais propensas às discussões com os pais visto que 11,5 por cento declara já ter tido discussões em torno do período de utilização do telemóvel, contra 7,8 por cento dos rapazes. Os mais velhos estão são os que mais declaram já ter tido discussões em torno dos períodos de utilização (10,2), que poderão ser devido a utilizações tardias do telemóvel, nas horas das refeições, em momentos inconvenientes, etc. O uso que é dado ao telemóvel é o que gera menos conflito. Apenas 7,7 por cento declara já ter entrado em conflito com os pais por causa da utilização do telemóvel. Não são de registar diferenças muito significativas entre rapazes e raparigas, embora se verifique mais uma ténue tendência para serem as raparigas as mais propensas a entrarem em conflito com os

192

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 193

OS MEUS PAIS : AUTONOMIA , AUTORIDADE E CONTROLO

pais por causa do telemóvel. No entanto, é entre os mais novos que é mais evidente uma maior propensão para o conflito com os pais, talvez fruto do maior controlo parental a que são sujeitos. Os gastos com o telemóvel constituem tendencialmente o principal tópico de discussão com os pais para 31,4 por cento dos jovens como o Afonso e a Inês. Grande parte da discussão sobre o tempo é derivada dos gastos com o telemóvel, até porque muito do tempo que o Afonso e a Inês passam ao telemóvel é invisível para os pais enquanto tempo, mas revela-se nos custos. Além disso, quando é despoletado um conflito familiar em torno da utilização do telemóvel são muitas vezes discutidas as várias dimensões de utilização em conjunto: o tempo, o período do dia em que se usa o telemóvel, o que se faz com o telemóvel, os gastos. E uma vez mais são as raparigas as que revelam maior tendência para o conflito com os pais, desta vez em torno dos gastos: a Inês terá assim 37,9 por cento de probabilidade de já ter entrado em conflito com os pais, uma probabilidade claramente acima da verificada entre os rapazes (26,4 por cento). Cerca de um terço dos jovens internautas já entrou numa discussão com os pais por causa do tempo que passou a jogar jogos de vídeo ou de computador, sendo este o principal foco de discussão. E desta fez a propensão para o conflito é muito mais clara entre os rapazes, e isto é verdadeiro para todos os tipos de conflito considerados: o tempo que se passa a jogar; o período do dia em que se joga; o tipo de jogos de que os inquiridos gostam; e os gastos em jogos. O Afonso tem uma probabilidade de 41,5 por cento de já ter entrado em contenda com os pais por causa do tempo passado a jogar, sendo que a Inês apenas apresenta uma probabilidade de cerca de 20 por cento de discutir com os pais por causa do tempo que gastou a jogar. Além disso, o Afonso tem uma probabilidade de 17,2 por cento de já ter tido discussões por causa do período em que estive a jogar e pouco mais de dez por cento de probabilidade de ter tido discussões em torno do tipo de jogos jogados, enquanto que a Inês tem apenas uma probabilidade de 7,5 por cento de entrado em conflito com os pais por causa do período do dia em que passou a jogar e só 4,3 por cento de probabilidade de já ter tido discussões por causa do que tipo de jogos que gosta. Os inquiridos mais novos também

193

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 194

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

estão mais propensos à discussão com os pais nos vários focos de conflito considerados, mas as diferenças entre escalões etários não são tão díspares como as diferenças entre rapazes e raparigas.

FIGURA 8.4 JOGOS MULTIMÉDIA - JÁ TEVE DISCUSSÕES [COM OS

PAIS ] POR CAUSA :

É relevante perceber como é que os jovens usam e valorizam diferentes jogos, em que medida os jogos são integrados nas vidas das crianças e dos jovens (Livingstone, d’Haenens & Hasebrink, 2001) e como é que a mudança nos media se relaciona com desenvolvimentos sociais mais genéricos. A relevância cultural e social dos jogos prende-se com a discussão sobre a “competência dos media e das TIC” ou info-literacia dos jovens e dos modos ou processos in-

194

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 195

OS MEUS PAIS : AUTONOMIA , AUTORIDADE E CONTROLO

formais de aquisição de competências dentro da cultura dos jogos electrónicos. Greenfield (1984) foi das primeiras autoras que se afastou do medo senso-comunal de que os novos media são maus educadores porque, por exemplo, instilam nas crianças e nos jovens comportamentos violentos. Porém, os novos media como artefactos culturais frequentemente desenvolvem e exigem competências cognitivas complexas, apreendidas de forma informal e à parte dos contextos da aprendizagem formal na escola (Greenfield, 1984). Deste modo, muitos alunos já vão para a escola com competências ao nível do uso de computadores antes da instrução formal de professores ou de educadores, o que alimenta a sensação que as crianças e os jovens já “nascem ensinados” no que respeita ao uso de novas tecnologias. Um melhor conhecimento sobre processos informais de aprendizagem e do seu pano de fundo torna-se assim necessário para evitar, segundo Fromme (2003), o “choque de culturas mediáticas”. Estas experiências mediáticas informais fruto de uma socialização primária em culturas mediáticas diferentes não só influenciam os valores privados e as atitudes em relação aos novos media, como também têm impacto no seus conceitos e nas suas práticas de educação. Ou seja, os educadores tendem a abordar as culturas mediáticas das crianças e dos jovens a partir da sua perspectiva geracional que eles representam como a norma implícita nas práticas e nos discursos educacionais, assim como políticos (Fromme, 2003). Isto implica que os novos media como os jogos de computador sejam muitas vezes olhados com desconfiança e cepticismo pelos educadores. Em especial, os jogos electrónicos parecem apelar mais imediatamente ao lúdico, a uma ética mais hedonista e de satisfação imediata o que poderá chocar com a “ética protestante” “weberiana” mais presente nos adultos assente num estilo de vida mais racionalizado e em formas específicas de auto-controlo. Daqui podem surgir conflitos específicos em torno do uso do computador visto que os educadores poderão querer desviar as crianças e os jovens dos jogos para outras actividades e ferramentas informáticas tidas como mais educativas e úteis como trabalhar com processado-

195

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 196

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

res de texto, utilizar enciclopédias ou usar ou tipo de software educacional (Leu, 1993). No entanto, se adoptarmos a análise de Himanen (2001) podemos levantar a hipótese de que na realidade as gerações mais novas estão a adoptar uma ética diferente daquela que os seus pais conheceram e que a relação dialéctica entre as duas éticas produz novas formas de relação familiar mediadas pelas experiências mediáticas do membros do agregado doméstico. No que respeita à utilização da televisão, o principal tópico de conflito com os pais é o tempo passado a ver televisão (29,1 por cento dos casos). A seguir vem a contenda em torno do período do dia em que os jovens veêm televisão (14,7 por cento dos casos) e por último, a discussão em torno do tipo de programas que os jovens inquiridos veêm (9,1 por cento). As raparigas são mais propensas ao conflito com os pais no que respeita ao tempo despendido e ao período do dia que os inquiridos passam a ver televisão. Porém, a situação inverte-se nas discussões em torno do tipo de programas vistos. Os inquiridos entre os 9 e os 12 anos, com menos liberdade e sujeitos a maior controlo paternal, constituem o escalão etário mais propenso ao conflito. O conflito poderá até ter maior incidência neste escalão etário por causa de um processo de negociação contínua entre pais e filhos, na tentativa destes ganharam territórios de liberdade no que respeita à utilização dos media. Em geral, as questões principais nas discussões familiares são sem dúvida o tempo de consumo e também os gastos, no caso do telemóvel. Estes dados parecem não ser apenas gerais para a sociedade portuguesas mas também foram obtidos em investigações noutros países europeus (Livingstone e Bovill, 2001; Sala e Blanco, 2005). Mas, dados que não deixam de ser relevante, tanto à luz dos nossos resultados como de outros estudos, são a fraca incidência de conflitos em tornos dos conteúdos dos vários media e o controlo pouco apertado de muitos pais em relação a esses mesmos conteúdos. É curioso que uma parte substancial dos jovens inquiridos (58,9 por cento) declara assumir o controlo sobre o que vê na televisão, mesmo nos inquiridos mais novos. Ao controlo do próprio só se so-

196

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 197

OS MEUS PAIS : AUTONOMIA , AUTORIDADE E CONTROLO

brepõe o paternal (65,3 por cento) que é maior do que o maternal (58,3 por cento), o que será talvez um espelho das relações de poder entre a família, ou da forma como são, elas próprias, percepcionadas pelos jovens. 30,9 por cento dos inquiridos declara que os irmãos também participam na decisão de que programa ver, contudo, é de notar que nem todos os inquiridos têm irmãos pelo que o peso dos irmãos na decisão sobre que programas ver pode estar subestimado. O que isto poderá querer dizer é que a decisão sobre o que ver na televisão é um processo mais negociado e democrático entre pais e filhos do que antigamente. FIGURA 8.5 TELEVISÃO

- JÁ TEVE

DISCUSSÕES [ COM OS PAIS ] POR CAUSA :

A televisão é mais utilizada como mecanismo de recompensa ou de castigo do que a internet. 27,9 por cento dos jovens inquiridos afirma que os pais usam a televisão como forma de castigo ou de prémio. Entre os sexos não existem significativas a diferenças a apontar, sendo entre os escalões etários que se verificam diferenças, em particular, entre os inquiridos mais velhos (dos 16 aos 18 anos) 197

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 198

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

e os restantes. Entre os mais velhos, 21,2 por cento afirmam que os pais usam a internet como prémio ou castigo enquanto que nos inquiridos entre os 13 e os 15 anos essa percentagem sobe para os 35,7 por cento e entre os mais novos dos 9 aos 12 atinge os 38,3 por cento. Ao contrário da internet, a televisão funciona mais como mecanismo de recompensa (em 56,8 por cento dos casos) do que de punição (em 43,2 por cento dos casos). Contudo, no caso dos inquiridos mais jovens dos 9 aos 15, verifica-se o inverso. No inquérito aplicado no terreno a nível nacional verifica-se que o maior controlo é sobre a televisão: 40 por cento dos jovens afirmaram existirem regras por parte dos pais sobre o tempo para ver televisão e 29,5 por cento declarou existirem regras sobre o tempo para jogar, sendo este o segundo maior foco de atenção dos pais. O tempo de uso do computador e da internet aparecem com menos destaque (em 24,6 por cento e 22,2 por cento dos casos respectivamente), porventura, espelhando ainda a falta de acesso a estes media numa parte da população portuguesa. Considerando apenas os jovens que são utilizadores regulares da internet, a televisão fica relegada para último lugar enquanto foco das regras parentais (28,5 por cento dos casos) e a internet ganha um claro destaque (41,1 por cento dos utilizadores regulares da internet afirmam que existem regras sobre o tempo de uso da internet). Verifica-se uma transferência do controlo parental da televisão para os jogos (32,8 por cento dos casos), para o computador (36,2 por cento dos casos) e principalmente para a internet. As diferenças entre os sexos não são de grande dimensão sendo mais significativas as diferenças entre os escalões etários, verificando-se uma clara tendência para um maior controlo parental sobre os inquiridos mais novos. Ainda dentro do tema das relações familiares analisamos questões que se prendem com a satisfação dos jovens inquiridos em relação a determinadas dimensões das relações em família. Genericamente os jovens estão satisfeitos no que respeita às relações dentro do seio familiar. O que parece ser mais consensual é a percepção dos jovens quanto à ajuda que recebem da família quando acontece algum problema. 71,2 por cento declaram que quase sem-

198

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 199

OS MEUS PAIS : AUTONOMIA , AUTORIDADE E CONTROLO

pre recebem essa ajuda. Já não parece ser tão consensual entre os jovens o facto de a família aceitar as suas vontades, de fazer coisas novas e de fazer mudanças no seu estilo de vida. Ainda assim, 58 por cento dos inquiridos declaram que a sua família aceita quase sempre essas vontades. Mais de 60 por cento dos jovens entrevistados afirmam ainda que, quase sempre, a família discute questões e assuntos de interesse comum e resolvem problemas em conjunto com eles e exprime os seus afectos e sentimentos. Está aqui patente portanto uma família contemporânea mais democratizada, onde se exprimem afectos e onde se abrem brechas para a comunicação, o diálogo, a comunicação assim como, não poderia deixar de ser, o conflito, aberto ou latente. É dentro deste cenário que o Afonso e a Inês racionalizam a sua situação familiar, onde negoceiam e conquistam a sua autonomia, onde agem entre os ditos e os interditos. É ainda de notar que 67 por cento dos entrevistados afirma que se sentem quase sempre satisfeitos com o tempo que dedicam à família. É curioso notar que, em todas as dimensões de satisfação apresentadas no que respeita às relações familiares, há sempre uma maior percentagem de raparigas satisfeitas do que de rapazes. Em quase todas as dimensões a percentagem de raparigas geralmente satisfeitas é superior a 70 por cento e apenas no que respeita à aceitação das vontades de fazer coisas novas e de fazer mudanças no seu estilo de vida é inferior a essa percentagem (65,8 por cento). Já os rapazes apresentam taxas inferiores de satisfação, geralmente inferiores a 60 por cento. É de notar ainda que é entre os mais velhos (dos 16 aos 18 anos) que se verificam as menores percentagens de jovens satisfeitos com as dimensões expostas no que respeita às relações familiares. Tal resultado poderá advir precisamente da exigência de maior autonomia e individualização destes jovens dentro da família, que sejam reconhecidos como elementos com vontades próprias e com exigências de democratização das relações. Todavia, tais exigências poderão ser muitas vezes problemáticas numa situação transitória entre ser criança e tornar-se adulto, entre querer ser mais autónomo/a e independente sendo, todavia, económica e emocionalmente dependente da família. Os dados do inquérito aplicado no terreno a nível nacional e do inquérito online apontam para uma diversificação do controlo parental que se joga em várias frentes: da televisão ao telemóvel, dos 199

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 200

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

jogos à internet. Estudos apresentados por Livingstone e Bovill (2001) mostram que, em geral, os media mais “controlados” são a televisão e o telefone. Os dados apurados do nosso inquérito nacional confirmam o maior controlo dos pais sobre o uso da televisão. Mesmo nos jovens inquiridos online a televisão é o meio de recompensa e de castigo mais frequentemente utilizado pelos progenitores, em comparação com a internet. Porém, nos jovens mais socializados nas novas tecnologias, o controlo parental sobre o consumo de televisão está a ser transferido para outros media. Nesses jovens, o controlo parental sobre o tempo de uso da internet é o mais expressivo enquanto que o controlo sobre o tempo de visionamento da televisão é o menos expressivo, atrás do controlo sobre o tempo despendido no computador e nos jogos de vídeo. Podemos aqui vislumbrar tendências futuras visto que há medida que a utilização da internet se vai alargando aquilo que se verifica num grupo restrito de jovens poderá ser a norma para a população juvenil num futuro próximo. Esta diversificação em várias frentes do controlo e das regras parentais sugere a emergência de vários campos de negociação entre pais e filhos com repercussões na organização da vida familiar. Como demonstram os estudos compilados por Livingstone e Bovill (2001), essas repercussões podem mesmo sentir-se, entre os progenitores, na divisão do trabalho de educação, mediação e controlo do uso dos media por parte dos filhos. No que respeita aos media tradicionais, grande parte do trabalho de controlo e mediação recai sobre a mãe, enquanto que a presença do pai é maior no uso do computador e das novas tecnologias. No nosso estudo, verifica-se que os jovens inquiridos têm a noção de que os seus pais usam e conhecem geralmente melhor que as suas mães tecnologias como o computador, a internet ou os jogos de vídeo, eventualmente mais apelativos a um público masculino. Uma das consequências da penetração cada vez maior dos media no quotidiano dos adolescentes como o Afonso ou a Inês é a ocorrência de conflitos familiares específicos em torno do consumo dos media. No inquérito online verificou-se que os conflitos em torno do tempo de utilização são os mais frequentes, no que respeita à internet, à televisão e aos jogos. No que diz respeito à utilização do telemóvel, o principal foco de contenda são os gastos, que se traduz obviamente em tempo de utilização, mas que neste caso poderá ser 200

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 201

OS MEUS PAIS : AUTONOMIA , AUTORIDADE E CONTROLO

muito mais “invisível” para os pais. Livingstone e Bovill lançam luz sobre esta maior foco nos conflitos quotidianos no número de horas que os jovens dedicam aos media através de entrevistas realizadas aos progenitores. As principais preocupações dos pais centram-se na distorção que o tempo dedicado aos media pode produzir no rendimento escolar, na vida familiar, na saúde, etc., e não sobre a qualidade dos conteúdos ou a exposição aos mesmos. A atitude mais comum dos progenitores é pensar que esses conteúdos não afectam directamente os seus filhos. De algum modo, se desenvolve nos pais uma atitude de dissipar a influência e o controlo sobre os conteúdos em “outrem”, através de duas dimensões: são os filhos dos outros que são afectados, e são outras pessoas ou entidades que devem trabalhar para mediar ou controlar os conteúdos (o poder público, as organizações públicas ou da sociedade civil, a escola, etc.). Ademais, existem relações significativas entre os vários tipos de conflito pelo que as discussões com pais envolvem muitas vezes a confrontação a respeito de mais do que uma dimensão de utilização dos media: tempo de utilização, período do dia, actividades efectuadas e os gastos monetários. Os conflitos em torno da utilização do telemóvel incidem em especial sobre as raparigas enquanto que o conflito em torno dos jogos é mais evidente no caso dos rapazes. São ainda patentes um maior controlo e uma maior incidência das regras e das proibições sobre os mais novos, que obviamente gozam de menor autonomia, tal como é verificado noutros estudos (Livingstone e Bovill, 2001; Sala e Blanco, 2005). É também de notar que os pais com menor capital cultural ou pais com poucas competências em relação aos filhos ao nível do uso das novas tecnologias poderão usar um estilo mais repressivo na sua mediação e no seu controlo. Um estudo efectuado por Mesch (2006) demonstra um aumento do conflito entre pais e adolescentes em famílias onde o adolescente era considerado como o perito na utilização da internet. Tais conflitos eram tanto maiores quanto maior a pressão dos pais para tentar reduzir a autonomia do adolescente, ao controlar o acesso à internet, e quando os pais mostravam preocupações ou atitudes negativas sobre o uso da mesma. Estes pais constituem um grupo designado por Rivoltella (2006) de “progenitores ansiosos” que contrastam com outros tipos: os “progenitores confiantes”, que confiam na responsabilidade dos filhos e para os quais 201

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 202

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

os media não representam um problema educativo; os “progenitores ausentes”, caracterizados pelo laissez faire e pela ausência de mediação que contextualize as experiências mediáticas dos filhos; e os “progenitores atentos”, que reconhecem na internet oportunidades para uma apropriação sensata e possibilidades educativas. No nosso inquérito realizado online, grande parte dos jovens declara serem eles que mais sabem sobre internet em casa e apenas cerca de 10 por cento declara ser o pai quem mais sabe de internet. Esta discrepância de conhecimentos poderá, por um lado, condicionar a produção social de “progenitores atentos”, por outro lado, criar alguma confusão nas representações das relações de poder no espaço doméstico. A utilização das novas tecnologias por parte dos jovens pode assim gerar ansiedade e focos de incerteza nos pais no que respeita à aplicação de regras e ao desempenho do papel de mediadores. Deste modo, é plausível a hipótese de que as fileiras de “progenitores ansiosos” poderão estar a engrossar em famílias onde os filhos demonstram ter muito mais competências ao nível das novas tecnologias que os pais. Pelo que foi exposto podemos dizer que os novos media não representam apenas um mero acrescento quantitativo nas relações familiares pois introduzem mudanças qualitativas na forma como pais, educadores e adolescentes se relacionam entre si. Claro que a influência dos media no seio familiar é apenas um aspecto de processos sociais mais alargados e a forma como a utilização dos media é encaixada pelas famílias é condicionada por esses mesmos processos. A família no início do século XXI encontra-se em processo de reconfiguração e democratização negocial entre pais e filhos. Ademais, a família contemporânea poderá, como sugere Manuel Castells, estar perante o desafio de integrar as características da sociedade em rede nas relações domésticas: flexibilidade, autonomia, adaptabilidade. A questão que fica é saber se a família enquanto instituição irá adoptar essas características ou lutar contra elas porque são erosivas do poder patriarcal tradicional. Na primeira hipótese, teremos uma família mais democrática, onde o poder é fruto da negociação. Na segunda hipótese, veremos o acumular de tensões e o surgimento de relações fracturadas e extremadas. Mas mesmo vislumbrando um cenário em que as famílias adoptam as características da sociedade em rede fica por saber os 202

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 203

OS MEUS PAIS : AUTONOMIA , AUTORIDADE E CONTROLO

processos através dos quais isso poderá ocorrer. Num primeiro cenário, essa adaptação poderá ocorrer porque a cultura tecnossocial dos adolescentes vai sendo assimilada e apropriada por pais, educadores e pelas gerações mais velhas, estabelecendo-se assim pontes comunicacionais com os mais jovens. Neste cenário, teremos um modelo de sociedade que já não tem como referência a sociedade adulta mas antes o modelo da sociedade juvenil. Num segundo cenário, só quando um conjunto alargado de utilizadores da internet forem pais, aliado ao curso natural de substituição das gerações, é que se poderá esperar uma adaptação plena da família às características da sociedade em rede.

203

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 204

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 205

Agradecemos o favor de, na revisão, identificar o que são artigos de jornais, revistas ou mesmo de livros que deverão ser grafados redondo entre comas; e os títulos de obras (livros) revistas ou jornais, em itálico. Nesta abordagem já foram «identificados» algumas obras mas subsistem dúvidas sobre se são ou não livros.

BIBLIOGRAFIA

AMARAL, I. (2008). Observatorio (OBS*), n.º 5, pp. 325-344. AROLDI, P. e Colombo, F. (2003). La età della Tv, Milão: VP Università. BAPTISTA, J. (2004). O Fenómeno dos Blogues em Portugal BARKER, C. (1999). Television, Globalization and Cultural Identities. Buckingham: Open University Press. BAUDRILLARD, J. (1993). The Transparency of Evil, Essays on Extreme Phenomena, Londres, Verso. BECK, U., B. ADAM, et al. (2000). The risk society and beyond : critical issues for social theory. London, Sage. BEENTJES, J. W. J., KOOLSTRA, C. M., e VAN DER VOORT, T. H. A. (1996). «Combining background media with doing homework: incidence of background media use and perceived effects». Communication Education, 45, 59–72. BERGEN, L., GRIMES, T., e POTTER, D. (2005). «How attention partitions itself during simultaneous message presentations». Human Communication Research, 31(3), 311–336. BITTANTI, M. (2006). From GunPlay to GunPorn. A techno-visual history of the first-person shooter. ROWN , J. D., E C ANTOR , J. (2000). «An agenda for research on youth

205

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 206

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

and the media.», Journal of Adolescent Health, 27(2 (Supplement 1), 52–56. BUCKINGHAM, D. (1987). Public Secrets. EastEnders and its Audience. Londres: BFI. FISKE, J. (1987). Television Culture. Londres: Routledge. BUCKINGHAM, D. (2000). After the Death of Childhood: Growing Up in the Age of Electronic Media, Cambridge: Polity Press. CARDOSO, G. & SANTOS, S. (2003). Análise comparada das televisões portuguesas, Lisboa: ISCTE. CARDOSO, G. et al (2005). A sociedade em rede em Portugal, Porto: Campo das Letras. CARDOSO, G. (2006). Os Media na Sociedade em Rede, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. CARDOSO, G., ESPANHA, R. e LAPA, T. (2007). E-Generation: Os Usos de Media pelas Crianças e Jovens em Portugal. Lisboa, CIES-ISCTE Relatório de Pesquisa. CASTELLS, M. (2002). A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura: Volume I: a Sociedade em Rede, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. CASTELLS, M. e HIMANEN, P. (2003). The Information Society and the Welfare State: The Finnish Model, Oxford: Oxford University Press. COLOMBO, F. (2000). «A Internet é um Metamedia»,jornal Público, 30 de Janeiro de 2000 COLOMBO, F. (2000a). «Uma memoria para a tecnologia», Sociologia Problemas e Práticas, n.º 32, Lisboa: CIES/ISCTE. COLOMBO, F. (2003). Introduzione allo studio dei media, Roma: Carocci. CRAWFORD, G. (2006). «The cult of Champ Man: the culture and pleasures of Championship Manager/Football Manager gamers», Information, Communication & Society, 9(4): 496-514. DIAS, P. (2008), O telemóvel e o quotidiano, Lisboa: Paulus. DUTTON, W. E SHEPHERD, A. (2006). «Trust in the Internet as an Experience Technology», Information, Communication & Society, 9(4): 433-451. ECO, UMBERTO (2004), Il pubblico fa male alla televisione? (2004a). La Misteriosa Fiamma della Regina Loana, Milão: Bompiani. ESPANHA, R., SOARES, L., e CARDOSO, G. (2006). «Do Multimedia ao 206

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 207

BIBLIOGRAFIA

Wireless: As Dietas Mediáticas dos Portugueses», in A Sociedade em Rede - Do Conhecimento à Acção Política, Lisboa: Colecção Debates, Imprensa Nacional – Casa da Moeda. FISKE, J. (1989b). Reading the Popular. Londres: Routledge. FOEHR, U. (2006). Media multitasking among american youth: prevalence, predictors and pairings, Kaiser Family Foundation. FORTUNATI, L. (2001). «The mobile phone: an identity on the move», in Personal and ubiquitous computing, 5, Reino Unido, Springer, pp.85-98. FRITH, S., GOODWIN, A. e GROSSBERG, L. (1993), Sound & vision. The music-video reader, Londres: Routledge. FROMME, J. (2003).«Computer Games as a Part of Children’s Culture», Game Studies, 3(1) GANTZ, W., GARTENBERG, H., PEARSON, M., e SCHILLER, S. (1978). «Gratifications and expectations associated with popular music among adolescents». Popular Music and Society, 6(1), pp. 81-89. GERSEN, K. (2002). «The challenge of absent presence», in Katz, J. & Aakhus, M. (Eds.) Perpectual contact, mobile communication, private talk, public performance, Cambridge: Cambridge University Press. GESER, H. (2004).Towards a sociological theory of the mobile phone», Zurique: Universidade de Zurique . GILLESPIE, M. (1995). Television, Ethnicity and Cultural Change. Londres: Routledge. GNASSO, S. (2003). Indagine su quattro generazioni di spettatori italiani, in Aroldi, P & Colombo, F. (Eds.) Le età della Tv, Milão: VP Università. GREENFIELD, P. (1984). Mind and Media: The effects of television, video games and computers, Cambridge, MA: Harvard University Press. HADDON, L. (2002).«From mobile to mobility: the consumption of ICTs and mobility in everyday life», COST269 Mobility Workgroup. HIMANEN, P. (2001). The Hacker Ethic and the Spirit of the Information Age, Nova Iorque: Random House Inc. HOFLICH, J. e ROSSLER, P. (2002). «Más que un teléfono: El teléfono móvil y el uso del SMS por parte de los adolescentes alemanes. Re207

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 208

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

sultados de un estúdio piloto», in Revista de estúdios de juventud, 57, Madrid: Instituto de la Juventud, pp.79-100. KATZ, J. (2003). «A Nation of Ghosts? Choreography of Mobile Communication in Public Spaces», in Conference o Mobile Communication, Hungria: Rutgers. LARSON, R., KUBEY, R. e COLLETTI, J. (1989). «Changing channels: Early adolescent media choices and shifting investments in family and friends». Journal of Youth and Adolescence, 18(6), Springer, Holanda pp. 583-599. LASEN, A. (2001).The social shaping of fixed and mobile networks: A historical comparison, Reino Unido: Digital World Research Center, University of Surrey LASEN, A. (2004). «Affective Technologies – emotions and mobile phones», in Receiver, 11, Reino Unido: Vodafone. LEU, H. (1993). How children use computers. Study to dewitch a new technology, Munique: Deutsches Jugendinstitut. LEVINSON, P. (2004). Cellphone: The story of the world’s most mobile médium and how it hás changed everything!, Nova Iorque: Palgrave MacMillan. LIEBES, T. e KATZ, E. (1990). The Export of Meaning. Cross-Cultural Readings of Dallas. Nova Iorque: Oxford University. LING, R. (2000). «We will be reached: The use of mobile telephony among Norwegian youth», in Information Technology and People, 13(2), Reino Unido: Emerald Insight, pp. 102-120. ⎯ (2004). The mobile connection, the cell phone’s impact on society, São Francisco: Elsevier. LING, R. E YTTRI, B. (2000). ‘Nobody sits at home and waits for the telephone to ring:Micro and hyper-coordination through the use of the mobile telephone’, Noruega: Telenor. LING, R. e YTTRI, B. (2002). «Hyper-coordination via mobile phones in Norway», in Katz, J. e Aakhus, M. (Eds.), Perpectual contact, mobile 208

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 209

BIBLIOGRAFIA

communication, private talk, public performance, Cambridge, Cambridge University Press. LIVINGSTONE, S. (2002). Young People and New Media: Childhood and the Changing Media Environment, Londres: Sage. LIVINGSTONE, S. e BOVILL, M. (eds.) (2001). Children and Their Changing Media Environment. A European Comparative Study, Mahwah, Nova Jersey e Londres: Lawrence Erlbaum Associates: pp. 3-30. LIVINGSTONE, S., COULDRY, N., e MARKHAM, T. (2007). «Youthful steps towards civic participation: does the internet help?» in Loader, B. (ed.) Young citizens in the digital age: Political engagement, young people and new media, Londres e Nova Iorque: Routledge. LIVINGSTONE, S., D’HAENENS, L. e HASEBRINK, U. (2001). «Childhood in Europe: Contexts for Comparison», in S. Livingstone & M. Bovill (Eds.), Children and Their Changing Media Environment. A European Comparative Study. Mahwah, Nova Jersey e Londres: Lawrence Erlbaum Associates. LOADER, B. (2007). «Introduction: young citizens in the digital age» in Loader, B. (ed.) Young citizens in the digital age: Political engagement, young people and new media, Londres e Nova Iorque: Routledge. LORENTE, S. (2002).«Juventud y teléfonos móviles: algo más que una moda» in Revista de estudios de juventud, 57, Madrid: Instituto de la Juventud, pp. 9-24. LULL J. (1992). «Popular music and communication: an introduction», in J. Lull, (Ed.) Popular music and communication, Bevery Hills, CA: Sage, pp. 1-32. MANTE-MEIJER, E. e PIRES, D. (2002). «El uso de la mensajería móvil por los jóvenes en Holanda», in Revista de estudios de juventud, 57, Madrid: Instituto de la Juventud, pp. 47-58. MCLUHAN, M. (1994). Understanding Media: The Extensions of Man (1964). Massachusetts: MIT Press. MCLUHAN, E. e ZINGRONE, F. (Eds.) (1997). Essential McLuhan, Londres: Routledge. MEROWITZ, J. (1985). No sense of place. The impact of electronic media on social behavior, Oxford: Oxford University Press. MESCH, G. (2006). «Family characteristics and intergenerational conflicts over the Internet», Information, Communication & Society, 9(4): 473-495. 209

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 210

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

MORAN, A. (1998). Copycat Television. Globalisation, Program Formats and Cultural Identity. Luton: University of Luton Press, Reino Unido. MORIN, E. (1962). L’Esprit du temps, Paris: Grasset. Ó BAOILL, A. (2004). Weblogues and the Public Sphere, In Gurak, S. Antonijevic, L. Johnson, C. Ratliff, and J. Reyman (Eds.), Into the Blogueosphere: Rhetoric, Community, and Culture ofWeblogues, L., ⎯ ,(2005). Conceptualizing The Weblogue: Understanding What It Is In Order To Imagine What It Can Be. InterfacingS: A Journal of Contemporary Media Studies. http://www.comm.uiuc.edu/icr/interfacings/OBaoillWeblogues020805.pdf> ORTOLEVA, P. (2004). «O novo sistema dos media», in PAQUETE DE OLIVEIRA, J., CARDOSO, G. e BARREIROS, J. (Eds.) Comunicação, cultura e tecnologias de informação, Lisboa: Quimera. PAPATHANASSOPOULOS, S. (2002). European television in the digital age, Cambridge: Polity Press. PLANT, S. (2001). «On the mobile: the effects of mobile telephones on social and individual life», EUA: Motorola. POSTER, M. (1995). The second media age, Cambridge: Polity Press. REID, D. e REID, F. (2004). Insights into the Social and Psychological Effects of SMS Text Messaging, Reino Unido: University of Plymouth. RICHIERI, G. (2002). «As plataformas digitais e a evolução da indústria audiovisual», in Observatório, n.º 2, Lisboa: OBERCOM RIVOLTELLA, P. (2006), Screen Generation: Gli adolescenti e le prospettive dell’educazione nell’età dei media digitali, Milão: V& P Università. ROBERTS D. e CHRISTENSON P. (2002) «Popular Music in childhood and adolescence» in Singer, D, e Singer, J. (Eds) Handbook of Children and the Media, Bevery Hills, CA: Sage. ROE, K. (1985). «Swedish youth and music», Communication Research, 12(3), Sage, pp. 353-362. ⎯, (1987). «The school and music in adolescent socialization» in J. Lull (Ed.) Popular music and communication. Bevery Hills, CA: Sage. 210

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 211

BIBLIOGRAFIA

ROBINSON, J. E GODBEY, G, (1997). Time for Life, Penn State Press. ROBERTS, D. F., FOEHR, U. G., E RIDEOUT, V. J. (2005). Generation M: Media in the Lives of 8-18 year-olds. Menlo Park, CA: Kaiser Family Foundation. SALA, X. e BLANCO, C. (2005). Los niños y sus pantallas ¿quién será capaz de mediar, SALMON, J. (2000), Um mundo a grande velocidade: A globalização, manual de instruções, Porto: Ambar SIMONELLI, G. (2001). «Il telegiornale: storia, modelli, funzione», in Speciale TG, forme e contenutti del telegiornale, Novara: Interlinea. THE MEDIA CENTER AT THE AMERICAN PRESS INSTITUTE. (2004a). Meet Generation ‘C’ - Executive Summary. The Media Center . THE MEDIA CENTER AT THE AMERICAN PRESS INSTITUTE. (2004b). Seventy Percent of Media Consumers Use Mulitple Forms of Media at the Same Time, According to a Study for The Media Center at API. The Media Center. TAYLOR, A. e HARPER, R. (2001). ‘The gift of the gab?: A design sociology of young people’s use of ‘mobiliZe’!’, Reino Unido: Digital World Research Center, Universidade de Surrey . TOWNSEND, (2001). Wireless world: social and interactional aspects of the mobile age, Nova Iorque: Springer-Verlag. TURKLE, S. (1997). A vida no ecrã: A identidade na Era da internet, Lisboa, Relógio d’Água. VANNIN, R. (2004). ‘The effects of the cell phone on the individual and the society according to Innis and McLuhan’s theories’, in Harols Innis and McLuhan’s contribution to communication theories seminar, Lugano: Universidade de Svizzera. VINCENT, J. (2004). ‘Examining mobile phone and ICT use amongst children aged 11 to 16’, Reino Unido: Digital World Research Center, Universidade de Surrey. WALLIS, C. (2006). «The Multitasking Generation: they’re e-mailing, 211

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 212

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

IMing and downloading while writing the history essay. What is all that digital juggling doing to kids’ brains and their family life?», Time, 167, 48–55. WEBSTER, F. (2001). Theories of the Information Society, Londres: Routledge. WINSTON, B. (1999). Media technology and society. A history from the telegraph to the internet, Londres: Routledge.

212

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 213

INDICE

CAPÍTULO 1: A CULTURA DO QUARTO DE DORMIR – OS MEDIA NA VIDA QUOTIDIANA DOS JOVENS.............................................. CAPÍTULO 2: DA TECNOLOGIA À WEB 2.0 – CRESCER NA ERA DIGITAL A socialização na internet – perfis quanto às práticas mediáticas no que respeita à utilização da internet pelos jovens portugueses .... As percepções dos jovens das possibilidades e dos riscos na internet .............................................................................................. A Web narcisista? ..................................................................... Duas lógicas na utilização da internet: a guiada por interesses e a guiada por amizades ................................................................... CAPÍTULO 3 TV, A CAIXA QUE OS JOVENS MUDARAM ........................... Da televisão paleolítica à televisão interactiva e em rede ....... “Quero uma televisão no meu quarto!”: a geografia da televisão nos lares portugueses ..................................................................... As preferências televisivas dos jovens portugueses ................. A identidade dos jovens e a televisão: o caso das telenovelas .... A informação televisiva na dieta mediática juvenil ................. O prazer de navegar entre canais ............................................. Os jovens e os filmes na era digital .........................................

7

23 28 37 42 50

59 60 65 67 71 73 77 79

213

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 214

DO QUARTO DE DORMIR PARA O MUNDO: JOVENS E MEDIA EM PORTUGAL

CAPÍTULO 4: O MEU TELEMÓVEL E “EU” .......................................................... A penetração dos telemóveis na sociedade portuguesa .................. A apropriação do telemóvel pelos jovens portugueses .................. O meu telemóvel: o uso individual do telemóvel .......................... A minha vida e as minhas relações na palma da minha mão ......... Os sentidos do telemóvel: o espelho de mim ................................ Mentes móveis: A influência do telemóvel no comportamento, nas emoções e na relação com os outros ................................................... CAPÍTULO 5 MUNDOS MUITO REAIS – MEDIA E VIDEOJOGOS NA CULTURA JUVENIL ................................................................................ Os jogos multimédia como elemento central da indústria de entretenimento ..................................................................................... Culturas mediáticas em confronto ................................................. Os riscos e a educação em torno da utilização dos jogos .............. Mundos habitados .......................................................................... Outros mundos: a leitura na cultura mediática contemporânea ..... CAPÍTULO 6 MÚSICA, O PODER DE MUDAR OU O PODER DA IDENTIDADE.. As consequências sociais da apropriação da música por parte dos jovens ..................................................................................................

87 87 89 97 105 113 116

129 132 138 140 146 149

151 157

CAPÍTULO 7 A GERAÇÃO MULTIMÉDIA E INFORMACIONAL NO SISTEMA DE OFERTA MEDIÁTICA EM REDE .............................................. A domesticação dos novos media: uma nova geração em formação? Multitarefa e integração dos media .....................................................

169 172 177

CAPÍTULO 8: OS MEUS PAIS: AUTONOMIA, AUTORIDADE E CONTROLO ....

185

BIBLIOGRAFIA .................................................................................

205

ÍNDICE DE FIGURAS Figura 7.1: Três níveis de análise do multitasking .............................. Figura 8.1: Internet - Já teve discussões [com os pais] por causa ......... Figura 8.2: O que fazem os teus pais enquanto estás ligado à internet ... Figura 8.3: Telemóvel - Já teve discussões [com os pais] por causa ...

214

do quarto de dormir:do quarto de dormir

05-06-2009

18:02

Page 215

ÍNDICE

Figura 8.4 Jogos multimédia - Já teve discussões [com os pais] por causa ... Figura 8.5: Televisão – Já teve discussões [com os pais] por causa .... ÍNDICE DE TABELAS Tabela 2.1: Em que locais tem acesso à internet (inquérito presencial) ...... Tabela 3.1: Programas preferidos pelos jovens portugueses ............... Tabela 4.1: Tem telemóvel (Inquérito Nacional) ................................. Tabela 4.2: Tens telemóvel? (Inquérito online) ................................... Tabela 4.3: Com que frequência costuma utilizar o telemóvel para .... Tabela 4.4: Desliga/coloca em silêncio o seu telemóvel em ............... Tabela 4.5: Costumas desligar o telemóvel ......................................... Tabela 6.1. Desde que tem o seu leitor MP3, passou a ....................... fTabela 6.2. Tem algum leitor de música portátil em que possa utilizar ficheiros MP3? Tabela 6.3. Em que alturas, é que costuma ouvir música no seu leitor de MP3 Tabela 6.4. Competências relacionadas com a gravação, descarregamento e troca de música .................................................... Tabela 7.1. Se tivesses de optar entre internet e televisão, qual seria a tua escolha? .......................................................................... Tabela 7.2. Se tivesses de optar entre internet e telemóvel, qual seria a tua escolha? .......................................................................... Tabela 7.3. Se tivesses de optar entre jogos de consola ou computador e televisão, qual seria a tua escolha? .................................... Tabela 7.4. Se tivesses de optar entre telemóvel e televisão, qual seria a tua escolha? ........................................................................ Tabela 7.5. Aparelhos electrónicos que possui .................................... Tabela 7.6. Enquanto utiliza a internet, é frequente ............................ Tabela 7.7. Quando está a estudar, costuma ........................................

215

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.