Doação de órgãos e tecidos: o que sabem os estudantes do ensino médio? Organ and tissue donation: what do high school students know?

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Doação de órgãos e tecidos: o que sabem os estudantes do ensino médio?

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ARTIGO ORIGINAL

Doação de órgãos e tecidos: o que sabem os estudantes do ensino médio? Organ and tissue donation: what do high school students know? Janine Schirmer1, Renata Fabiana Leite2, Bartira de Aguiar Roza3, Alessandra Santos Silva4, Tatiana Issida Fujinami5, Marcela Cristina de Lemos6, Fernanda Myashiro Kian7

RESUMO

ABSTRACT

Objetivos: Conhecer a opinião alunos do último ano do ensino médio de escolas públicas e privadas sobre o processo de doação e transplante de órgãos e tecidos e o desejo/vontade de ser doador. Métodos: Estudo descritivo-transversal de opinião/conhecimento de alunos do último ano do ensino médio de escolas públicas e privadas sobre o processo de doação e transplante de órgãos e tecidos na região da subprefeitura de Vila Mariana do município de São Paulo, realizado de 2004 a 2005. A amostra por conveniência, foi constituída por 140 (81%) alunos de duas escolas privadas e 167 (51%) de uma pública. Aprovado pelo CEP da UNIFESP. Resultados: Os dados mostram 163 (53,1%) dos alunos acreditam que a doação é presumida e 147 (47,9%) que é consentida. Dos estudantes do ensino público, 120 (71,9%) acreditam que o transplante é público e gratuito no Brasil versus 94 (67,1%) do privado. Os alunos sabem que a doação pode ser intervivos e doador falecido (121 – 86,4% do privado versus 113 – 67,7% do público). Vale ressaltar que 22 (15,7%) dos alunos do ensino privado e 16 (9,6%) do público acreditam que o comércio de órgãos é permitido no Brasil. Quanto à intencionalidade de ser doador, 108 (77,1%) dos alunos do privado se declararam doadores de órgãos e tecidos versus 106 (63,5%) do público e 63 (59,4%) do público versus 61 (56,5%) do privado já comunicaram à família. Conclusão: Não houve diferença de conhecimento e opiniões entre os alunos das escolas públicas e privadas sobre aspectos do processo de doação e transplantes.

Objectives: To know the opinion of senior high school students in public and private schools on the process of donating and transplanting organs and tissues, and their desire to be donors. Methods: A descriptive crosssectional study, conducted from 2004 to 2005, on the opinion/knowledge of senior high school students in public and private schools in the Vila Mariana region of the city of Sao Paulo, on the process of organ and tissue donation and transplantation. The convenience sample was made up of 140 (81%) students from two private schools and 167 (51%) students from a public school. The project was approved by the Research Ethics Committee of the UNIFESP. Results: Data showed that 163 (53.1%) students believe that donation is by presumed consent and 147 (47.9%) that consider that it occurs by informed consent. Of the public school students, 120 (71.9%) believe that transplants are public and free of charge in Brazil versus 94 (67.1%) of the students from private schools. Students know that donations may be made by living or dead donors (121 – 86.4% private schools versus 113 – 67.7% public school). We highlight that 22 (15.7%) of the private school students and 16 (9.6%) of those from the public school believe that the commerce of organs is allowed in Brazil. As to intentions of being a donor, 108 (77.1%) of the private school students declared themselves organ and tissue donors versus 106 (63.5%) from the public school, and 63 (59.4%) from the public versus 61 (56.5%) from the private schools have already informed their families. Conclusion: There was no difference in knowledge and opinion among the students from the public and private schools as to aspects regarding donation and transplantation.

Descritores: Doação  dirigida de tecido/legislação e jurisprudência; Conhecimentos, atitudes e práticas em saúde

Keywords: Directed tissue donation /legislation & jurisprudence; Health knowledge, attitudes, practice 

Trabalho realizado na Universidade de Transplante do Hospital São Paulo da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP, São Paulo (SP), Brasil. 1

 Livre-Docente, Professora do Departamento de Enfermagem, Coordenadora do Curso de Especialização em Doação e Transplante de Órgãos da UNIFESP. Líder da Liga Acadêmica de Transplantes da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP, São Paulo (SP), Brasil.

2

Especialista em Enfermagem em Nefrologia do Hospital São Paulo e Membro da Liga Acadêmica de Transplantes, São Paulo (SP), Brasil.

3

Doutora, Enfermeira Master do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, Coordenadora do Departamento de Enfermagem da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos – ABTO e Membro da Liga Acadêmica de Transplantes da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP, São Paulo (SP), Brasil.

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Membro da Liga Acadêmica de Transplantes da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP, São Paulo (SP), Brasil.

5

Especialista em Doação e Transplante de Órgãos, Membro da Liga Acadêmica de Transplantes da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP, São Paulo (SP), Brasil.  

6

Especialista em Doação e Transplante de Órgãos, Membro da Liga Acadêmica de Transplantes da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP, São Paulo (SP), Brasil.

7

Especialista em Doação e Transplante de Órgãos. Membro da Liga Acadêmica de Transplantes da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP, São Paulo (SP), Brasil.

Autor correspondente: Janine Schirmer – Rua Napoleão de Barros, 754 – Vila Clementino – CEP 04024-002 – São Paulo (SP), Brasil – Tel.: 11 5576-4421 – e-mail: [email protected] Data de submissão: 28/8/2006 – Data de aceite: 14/6/2007

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INTRODUÇÃO Em 1964, iniciou-se a atividade de transplante de órgãos e tecidos no Brasil, que ocorreu na cidade do Rio de Janeiro. Em 1965, em São Paulo, foram realizados os dois primeiros transplantes no país(1). Nessa época o tratamento por transplantes não teve o sucesso esperado. Após alguns anos, com o desenvolvimento tecnológico e científico, o transplante ganhou maior credibilidade e estabeleceuse regulamentação nacional. Assim, em 1997, foi promulgada a Lei nº 9.434, que criou o Sistema Nacional de Transplante (SNT) no Brasil e modificou o tipo de doação, no qual todo cidadão legalmente capaz passava a ser doador, a menos que não houvesse seu consentimento, sendo necessário expressar sua vontade na carteira nacional de habilitação ou no registro geral, a chamada doação presumida. Já em 1998, em virtude da grande polêmica gerada por essa legislação, foi editada medida provisória, que acrescentou parágrafo à lei, transformando a doação presumida em doação consentida, isto é, a família deve ser consultada para a realização da doação(2). Mesmo tendo esse aparato legal, a doação de órgãos e tecidos no Brasil ainda tem uma baixa taxa de doadores quando comparada a outros lugares do mundo. Na Europa existem cerca de 40 doadores para cada milhão de habitantes (pmp), já no país há por volta de cinco para cada milhão de habitantes(3). A recente publicação no Registro Brasileiro de Transplantes aponta a tendência de diminuição ou, na melhor das hipóteses, de estagnação da taxa de doadores efetivos. Tivemos 532 doadores em 2006, o que corresponde a 5,8 pmp por ano (em 2004 essa taxa foi de 7,4 e, em 2005, de 6,3 pmp)(4). Esses dados nos levam a refletir sobre quais os motivos que determinam as baixas taxas de doação de órgãos e tecidos para transplantes no Brasil, tendo em vista que a doação é considerada ato de solidariedade que implica conceitos morais e éticos preexistentes, muitos dos quais são adquiridos ao longo da vida. Entre os fatores que podem levar à não doação, podemos citar a falta de conhecimento/informação sobre o processo de doação/transplante, o temor pelo comércio de órgãos, crenças religiosas, aspectos socioeconômicos e educacionais, questões de gênero, raça/etnia e geração, valores religiosos relacionados ao corpo no pós-morte, a desconfiança e o desconhecimento sobre o diagnóstico de morte encefálica, que podem gerar conflitos na tomada de decisão sobre a ação de doar ou não. Estudos recentes apresentam os determinantes da disposição para a doação de órgãos e tecidos, entre os quais encontramos questões políticas, educacionais, de gênero, etnia, religião, legislações/regulamentações, bem como interação dos familiares de um potencial doador falecido com os profissionais médicos(5). einstein. 2007; 5(3):213-219

Na área de doação e transplante, a educação, tanto pública quanto profissional, é essencial, pois nesta área, mais do que em qualquer outra da saúde, a participação dos profissionais e da sociedade é um dos fatores determinantes do sucesso ou fracasso dos programas de transplante(2). Este estudo tem por base a pesquisa das opiniões dos estudantes do último ano do ensino médio, pois em tese, eles devem ter recebido informações sobre vários temas, entre os quais doação e transplante de órgãos e tecidos, sendo assim já podem ter opinião formada sobre o tema. Estudos semelhantes mostram que, em Uppsala, na Suécia, apesar de favoráveis, apenas 50% dos estudantes do ensino médio interessam-se em doar seus próprios órgãos e 20%, os de seus pais(6).   Em Seattle, nos EUA, ao se realizar um estudo que avaliava o conhecimento e a opinião, também de estudantes do ensino médio, quanto ao processo de doação/ transplante de órgãos e tecidos, encontrou-se que mais de 50% dos estudantes não souberam responder 13 das 16 questões da pesquisa(7). Já em Torino, na Itália, uma pesquisa foi realizada com o objetivo de avaliar o impacto de programas educacionais desenvolvidos com estudantes de ensino médio sobre a doação de órgãos, nos quais 76,8% dos estudantes responderam que são favoráveis à doação e aproximadamente 98% deles apreciaram o programa educacional e sugeriram que a experiência fosse estendida a outras escolas(8). A pesquisa também busca obter subsídios para propor campanhas, divulgando a doação/transplante de órgãos e tecidos, a fim de aumentar o número de doadores no Brasil, e também realizar orientação dentro dos projetos pedagógicos das escolas de ensino médio, por meio de encontros entre os graduandos dos cursos de saúde, membros da Liga de Doação e Transplante de Órgãos e Tecidos da Universidade Federal de São Paulo para discutirem o tema.

OBJETIVOS Conhecer a opinião dos adolescentes do último ano do ensino médio de escolas públicas e privadas sobre o processo de doação e transplante de órgãos e tecidos; o desejo/vontade de ser ou não doador e identificar o conhecimento dos estudantes sobre: diagnóstico de morte encefálica (ME), legislação de transplante no Brasil, critérios para ser doador, quais órgãos e tecidos do corpo podem ser doados e as instituições responsáveis pela gestão do transplante. MÉTODOS O estudo foi do tipo exploratório, descritivo e transversal, sobre a opinião/conhecimento de adolescentes do último

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ano do ensino médio de escolas públicas e privadas na região da subprefeitura de Vila Mariana do município de São Paulo, a partir do segundo semestre de 2004 até o ano de 2005, com relação à doação/transplante de órgãos e tecidos no Brasil. A população do estudo foi composta de alunos do último ano do ensino médio de duas escolas privadas que tinham matriculados no período 173 alunos e uma pública com 330 estudantes. A amostra foi formada por conveniência, o único critério estabelecido para participar do estudo foi a manifestação da vontade dos adolescentes, sendo constituídos por 140 (81%) alunos das escolas privadas e 167 (51%) da pública. O instrumento de pesquisa utilizado foi um questionário auto-aplicável com perguntas fechadas que contemplava aspectos da legislação e do processo de doação e transplante de órgãos e tecidos (Anexo 1). A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da UNIFESP e foi submetida à apreciação das coordenações pedagógicas das três escolas que aceitaram participar do estudo.

RESULTADOS O estudo permitiu obter a opinião de 307 estudantes do ensino médio em relação à doação e transplante de órgãos e tecidos, mostrando que este tema não faz parte do cotidiano das discussões escolares. A figura 1, mostra que os alunos, ainda, acreditam que o tipo de doação é presumida, pois 163 (53,1%) acham que a manifestação da vontade sobre ser ou não doador de órgãos e tecidos deve ser registrada em documento de identidade, enquanto 147 (47,9%) sabem que a doação é consentida.

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por meio de doação intervivos e doador falecido (121 – 86,4% do ensino privado versus 113 – 67,7% do público). Vale ressaltar que 18 (12,9%) dos estudantes do ensino privado versus 41 (24,5%) do público acham que o transplante só é realizado a partir de doador falecido (figura 2).

Figura 2. Opinião de estudantes do último ano do ensino médio sobre em que situação é possível doar órgãos e tecidos para transplante. Vila Mariana, município de São Paulo, 2005.

 Com relação à necessidade de diagnóstico de morte encefálica (ME), que define o potencial doador, 227 (73,9%) dos estudantes sabem que a ME é a ausência de fluxo sangüíneo com perda das funções cerebrais. Quanto ao financiamento do transplante, os dados mostram que 120 (71,9%) dos estudantes do ensino público e 94 (67,1%) do ensino privado acreditam que o transplante é público e gratuito no Brasil e 30 (21,4%) dos estudantes das escolas privadas acreditam que é um tratamento pago pelo usuário. Os dados permitem verificar que cerca da metade dos alunos sabe que no país existe um Sistema Nacional de Transplante (SNT) que coordena todas as atividades relativas a esse tratamento (84 – 50,3% do ensino público versus 73 – 52,1% do privado). Ainda, os resultados apontam que, mesmo havendo campanhas publicitárias sobre doação e transplante, 22 (15,7%) dos alunos de ensino privado e 16 (9,6%) do público acreditam que o comércio de órgãos é permitido no Brasil (figura 3).

Figura 1. Opinião de estudantes do último ano do ensino médio sobre as exigências para ser doador no Brasil. Vila Mariana, município de São Paulo, 2005.

A maioria dos estudantes sabe que a doação de órgãos no Brasil não é obrigatória, independentemente da escola que freqüentavam (162 – 97,0% na privada versus 139 – 99,3% na pública). Também acreditam que o transplante pode ocorrer

Figura 3. Conhecimento de estudantes do último ano do ensino médio quanto à pergunta: “É permitido comércio de órgãos nos Brasil?”. Vila Mariana, município de São Paulo, 2005.

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Os estudantes sabem que uma doação intervivos não pode ocorrer entre pessoas desconhecidas (106 – 63,5% do ensino público versus 59 – 42,1% do privado). Ainda, observa-se que os alunos do ensino público acreditam que não podem ser doadores o marido/esposa – 25 (15,0%), a mãe – 19 (11,4%) e o pai – 14 (8,4%) versus marido/ esposa – 27 (19,3%), mãe – 15 (10,7%) e pai – 8 (5,7%) dos alunos das escolas privadas. Considerando, apenas aqueles que sabem que existe transplante intervivos, no ensino público, 82 (49,1%) sabem que a medula óssea pode ser transplantada, 54 (32,3%) o fígado e 143 (85,6%) o rim. No ensino privado, 82 (58,6%) responderam medula óssea, 45 (32,1%) fígado e 127 (90,7%) também acham que o rim pode ser doado por pessoas vivas. Observa-se que os alunos acreditam que os principais órgãos que podem ser doados são coração (154 – 92,2% do público e 129 – 89,3% do privado), rim (163 – 97,6% do público e 138 – 98,6% do privado) e fígado (122 – 73,0% do público e 114 – 81,0% do privado). A figura 4 mostra que 108 (77,1%) dos alunos de ensino privado se declararam doadores de órgãos e tecidos versus 106 (63,5%) dos estudantes do ensino público. Mais da metade desses declarou já ter comunicado à família quanto a esse desejo de ser doador (63 – 59,4% do público versus 61 – 56,5% do privado). Dos doadores, que ainda não avisaram a família, encontram-se 43 (40,6%) do ensino público e 41 (38,0%) do privado, enquanto 48 (28,7%) do ensino público e 27 (19,3%) do privado declararam-se como não doadores.

Figura 4. Intencionalidade de estudantes do último ano do ensino médio quanto a ser doador ou não doador de órgãos e tecidos. Vila Mariana, município de São Paulo, 2005.

Os resultados mostram que grande parte dos entrevistados acredita que a forma mais adequada para obter informações sobre a doação e transplante de órgãos e tecidos é por meio de palestras nos colégios (109 – 73,6% do privado versus 109 – 65,3% do público). einstein. 2007; 5(3):213-219

DISCUSSÃO Desde 1997, com a criação do SNT que tem organização própria, suas atividades são desempenhadas pelas Centrais de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos – CNCDO. Estas são responsáveis pelo controle das notificações e distribuição dos órgãos e tecidos, baseando-se em cadastros técnicos para cada órgão(9-11). O programa de transplante no Brasil vem se destacando pelo crescimento no número de transplantes e pelo investimento público na especialização das suas equipes. O número de transplantes de órgãos sólidos realizados em 1997 foi de 2.127 e cresceu para 3.916 em 2001. Além disso, no Brasil, o sistema único de saúde financia mais de 95% dos transplantes realizados e também subsidia todos os medicamentos imunossupressores(1) . Atualmente, segundo dados do Registro Brasileiro de Transplantes, órgão oficial da Associação Brasileira de Transplantes – ABTO, o total geral de transplantes realizados foi de 8.563, apenas no primeiro semestre de 2006(4) . A criação do SNT fez o Brasil despontar como um dos países com maior número de transplantes realizados. O país possui, em quantidade de investimento, o maior programa público de transplantes de órgãos e tecidos do mundo. O Sistema Único de Saúde responde por 92% dos transplantes realizados no Brasil. Conforme dados disponíveis no portal do SNT, foram realizados no Brasil, em 2003, 12.710 transplantes. Destes, 8.544 foram realizados pelo SUS, quando, em 1995, foram realizados 4.122 transplantes, representando um aumento de 107% no número de transplantes realizados pelo sistema público. Contudo, a lista de espera para o transplante alcançou, até novembro de 2004, 63.600 pacientes(12). O SNT tem reconhecimento da sociedade brasileira, dos pacientes e da comunidade transplantadora. Este mérito é conseqüência da atuação do Ministério da Saúde nessa área por meio da priorização da política nacional de transplantes e condução clara e objetiva do sistema rumo ao incremento dessa atividade no país(13) . Apesar da evolução do número de transplantes realizados no país, medidas educacionais merecem um maior investimento público, pois o conhecimento restrito da população sobre o processo de doação e transplantes de órgãos e tecidos pode ser um dos fatores explicativos das baixas taxas de doação por milhão de população encontradas no Brasil. A legislação que criou o SNT e modificou o tipo de doação adotada no país para presumida, em 1997, ainda em 1998 sofreu alteração na qual o tipo de doação voltou a ser consentida, por meio de medida provisóri. Posteriormente, a Lei nº 10.211/2001, que alterou dispositivos da Lei nº 9.434/1997, tem sido motivo de

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dúvidas para a população em geral e os profissionais de saúde em particular. Um estudo realizado por bolsistas de iniciação cientifica do curso de graduação em Enfermagem da UNIFESP, no período de 2002, mostrou que 47,7% dos alunos de enfermagem, medicina, biomedicina, fonoaudiologia e tecnologia oftálmica sabiam que a doação era consentida e 43,8% não souberam responder a questão(14). Existe similaridade entre as opiniões dos graduandos e dos estudantes de ensino médio, mostrando que as campanhas publicitárias e a inclusão de conteúdos relacionados à doação e transplante de órgãos e tecidos em escolas de formação para a saúde parecem não ter atingido o objetivo de transmitir conhecimento e informações sobre doação e transplante de órgãos. Apesar de as pesquisas incluírem o desconhecimento da população sobre o conceito de ME, os dados parecem falar o contrário. Em pesquisa realizada com familiares de doadores falecidos da cidade de São Paulo que passaram pela experiência de doar os órgãos e tecidos de parentes falecidos, 66,7% não apresentaram dúvidas quanto ao diagnóstico de ME e, dos que apresentaram dúvidas, 73,9% puderam esclarecê-las(13). Um estudo realizado com promotores públicos, juízes de direito, pacientes renais crônicos, profissionais da equipe técnica de transplantes e a população abordada na rua sobre a ineficácia da legislação no impedimento do comércio de órgãos e tecidos relatou que “80% dos entrevistados acham que a lei brasileira, ao permitir a doação de órgãos entre vivos não parentes, proporciona a possibilidade de doação remunerada ou comércio de órgãos”(15) . O autor ainda salienta que, além do fantasma da mercantilização de rins entre pessoas vivas e não aparentadas, a legislação brasileira não tem sido realmente adequada para prevenir possíveis desvios ético-legais. A pesquisa mostra que aproximadamente a metade dos alunos do último ano do ensino médio de três escolas da região da Vila Mariana no município de São Paulo não conhece o Sistema Nacional de Transplante e, após a aplicação do instrumento de pesquisa, os estudantes tinham dúvidas sobre o seu funcionamento, diziam saber da existência do sistema, porém não compreendiam a sua finalidade. A Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, amplia os critérios da doação em vida, permitindo a qualquer pessoa juridicamente capaz doar, para transplante, um de seus órgãos duplos, desde que essa doação não comprometa a saúde do doador e que seja de forma gratuita. Ainda, tem como âmbito de intervenção as atividades de conhecimento de morte encefálica verificada em qualquer

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ponto do território nacional e a determinação do destino dos tecidos, órgãos e partes retiradas(9) . Os dados mostram um desconhecimento sobre a legislação do transplante intervivos e ainda chama a atenção para a diferença de percentuais de não doação entre a mãe e o pai em ambos os grupos. Outro aspecto importante do estudo diz respeito à intencionalidade de doar órgãos e tecidos dos alunos do último ano do ensino médio de duas escolas privadas e uma pública de um bairro do município de São Paulo que mostrou ser de 63,5% a 77,1%. Entretanto, cerca de 40% não avisaram à família de sua vontade, uma vez que na doação consentida somente a família poderá autorizar a doação pós-morte. Em estudo de base populacional sobre a intenção de doar órgãos no Brasil, observou-se que 52% dos 3.519 entrevistados tinham a intenção de doar os órgãos e, destes, apenas 58% haviam avisado a algum parente sobre sua vontade. A maioria (80%) autoriza a doação após a morte do familiar que tenha manifestado previamente à vontade(16). Estudo realizado com 69 familiares de doadores falecidos da Organização de Procura de Órgãos da (OPO-EPM) – Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), 63,2% dos familiares tinham conhecimento prévio do desejo de seu familiar ser doador de órgãos e tecidos após seu falecimento e 36,8% não sabiam. Entre os que conheciam a vontade do doador, 90,5% declaram que foi importante na tomada de decisão(13). Dessa forma, é necessário enfatizar a importância de comunicar aos familiares a decisão sobre a doação de seus órgãos e tecidos, realizar palestras em clubes de serviços, universidades, sindicatos, fábricas ou qualquer outro local que manifestar interesse pelo assunto; é necessária educação pública por meio de programas comunitários, acadêmicos, religiosos e médicos, especialmente entre grupos minoritários, como também é importante a formação de coordenadores educacionais, geralmente profissionais de saúde, estudantes universitários e voluntários(17). As medidas educacionais retromencionadas foram citadas pelos estudantes que participaram do estudo, uma vez que manifestaram o interesse de receber orientação por meio de palestras sobre o tema.

CONCLUSÃO Os dados do estudo permitem concluir que a maioria dos alunos do último ano do ensino médio de escolas públicas e privadas da subprefeitura da Vila Mariana do município de São Paulo: • sabe que a doação de órgãos e tecidos não é obrigatória; conhece os critérios para ser doador, mas a metade acredita que deve registrar seu desejo pela doação em documento, e ainda sabem que a doação poder ser intervivos, de doador falecido einstein. 2007; 5(3):213-219

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e que no intervivos não pode haver doação entre desconhecidos; • conhece a definição de morte encefálica, quais os órgãos que podem ser doados, mas, em relação aos tecidos, existem dúvidas sobre retirada de pele e ossos, especialmente no que tange a desfiguração do corpo do doador falecido; • a maioria se declarou doadora e mais da metade já comunicou à família. Os jovens necessitam de informações de forma sistemática, por meio de discussões no âmbito das atividades escolares, sendo este o desejo relatado, verbalmente, após as discussões realizadas ao término da pesquisa em cada sala de aula para tirar dúvidas. As mensagens televisivas não atingem o público em geral, uma vez que, apesar de os jovens demonstrarem relativo conhecimento do processo de doação/transplante, ainda não comunicam à família o desejo de ser ou não doadores.

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Doação de órgãos e tecidos: o que sabem os estudantes do ensino médio?

Anexo 1. Instrumento de Pesquisa 1- A doação de órgãos e tecidos é obrigatória no Brasil? A ( ) Sim B ( ) Não 2- É possível doar órgãos entre pessoas vivas? A ( ) Sim B ( ) Não 3- Para ser doador é preciso: A ( ) Deixar uma declaração registrando ser ou não doador B ( ) Registrar em RG ou Carteira Nacional de Habilitação se você é ou não doador C ( ) Ter um cadastro em instituições responsáveis por transplantes D ( ) Não precisa de nada, pois o transplante é obrigatório no Brasil E ( ) Comunicar à família ou ao responsável, pois são eles que darão a autorização necessária para o transplante 4- O que é morte encefálica? A ( ) É quando a pessoa está em coma B ( ) É quando não existe fluxo sangüíneo para o cérebro e ele perde suas funções C ( ) É quando todos os órgãos param de funcionar D ( ) É quando o coração pára de bater 5- Em que situação é possível doar órgãos e tecidos? A ( ) Entre vivos B ( ) De pessoas falecidas para indivíduos vivos C ( ) Ambas as respostas D ( ) Nenhuma das alternativas anteriores 6- Assinale qual(is) órgão(s) e tecido(s) pode(m) ser doado(s): ( ) Coração ( ) Rim ( ) Fígado ( ) Pâncreas ( ) Córnea ( ) Pulmão ( ) Osso ( ) Pele ( ) Medula óssea ( ) Válvulas cardíacas ( ) Intestino 7- Quais órgãos pode(m) ser doados entre pessoas vivas? ( ) Rim ( ) Fígado ( ) Medula óssea

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8- Nos casos de doação entre vivos, quem não pode doar? A ( ) Pai B ( ) Mãe C ( ) Marido ou esposa D ( ) Uma pessoa desconhecida 9- Você sabe se no Brasil existe um Sistema Nacional de Transplante que coordena todas as atividades relativas a esse tratamento? A ( ) Sim B ( ) Não 10- O transplante no Brasil é: A ( ) Público e gratuito B ( ) Particular C ( ) Só é feito se o paciente tiver plano de saúde D ( ) Nenhuma das respostas anteriores 11- A legislação da doação e transplante de órgãos e tecidos no Brasil permite o comércio (pagamento)? A ( ) Sim B ( ) Não 12- Você acha que quem é transplantado fica completamente curado e não precisa ir mais no médico? A ( ) Sim B ( ) Não 13- Assinale como você adquiriu o seu conhecimento sobre doação e transplantes de órgãos e tecidos: ( ) Internet ( ) Jornais e revistas ( ) Escola ( ) Campanhas informativas da TV ( ) Família ( ) Amigos ( ) Livros ( ) Outros_______________________________________________________ 14- Que forma você julga mais adequada para passar informações sobre doação de órgãos e tecidos? ( ) Palestras ( ) Panfletos ( ) Como matéria dentro da disciplina de ciências ( ) Outros 15- Você é doador? A ( ) Sim B ( ) Não 16- Já informou a família sobre sua decisão? A ( ) Sim B ( ) Não

einstein. 2007; 5(3):213-219

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