Doctoral Thesis - Igrejas Paulistas da Colônia e do Império: Arquitetura e Ornamentação

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MATEUS ROSADA

Igrejas Paulistas da Colônia e do Império: Arquitetura e Ornamentação Colonial and Imperial Churches of São Paulo: Architecture and Ornamentation

Tese para obtenção do título de Doutor em Arquitetura e Urbanismo apresentada ao Instituto de Arquitetura e Urbanismo de São Carlos da Universidade de São Paulo

Área de Concentração: Teoria e História da Arquitetura e do Urbanismo

Orientadora: Profa. Dra. MARIA ÂNGELA P. C. S. BORTOLUCCI

(Exemplar corrigido) São Carlos 2016

FOLHA DE JULGAMENTO

Aos meus avós, por incitarem meu voo. Aos meus pais, pela fé inabalável na minha capacidade de voar.

AGRADECIMENTOS Chego a mais uma etapa cumprida. Não digo que este seja o fim do Doutorado, porque esta pesquisa e este tema se tornaram tão grandes que há material para se debruçar por muito mais tempo e “apenas” este livro em si não daria mesmo conta... E assim como é grande o trabalho, da mesma forma foi grande o auxílio que recebi e também grande a quantidade de pessoas que se envolveram com o tema, direta ou indiretamente. As primeiras pessoas a quem devo agradecer a tudo são meus Pais, cujo intuito da vida foi sempre dar condições, apoio, incentivo e um empurrão para que os três filhos pudessem ir longe nos estudos, na área que quisessem; nos permitiram sonhar... E vão ver o filho se tornar o primeiro doutor da família! À Maria Angela Bortolucci! O que dizer desta mulher tão dedicada, minha orientadora, minha guia, que consegue retificar meus pensamentos tortuosos, entender meus questionamentos e angústias de pesquisa, sempre disponível com um sorriso no rosto, uma palavra doce e uma paciência infinita? Sinto que apenas um obrigado é muito pouco... Também não tenho modos de agradecer aos tantos professores e pesquisadores que foram surgindo nesses quase cinco anos de pesquisa, que auxiliaram nas discussões, trocaram informações, cederam material, facilitaram contatos, dividiram o afã e a empolgação pelo tema da arquitetura e da arte sacra: Percival Tirapeli, Myriam Salomão, Danielle dos Santos Pereira, Rafael Schunk, Mozart Bonazzi da Costa, Maria José Spitieri, Frei Roger Bonorio, João Paulo Rossi, Marcos Tognon, Cristiana Cavaterra, Rodrigo Scheeren, Júlio Moraes, Rosana da Oficina de Restauro; e os pesquisadores entusiastas da arte e história ibero-americana: Chritiaan Michel, María Rivo, Maria Ángeles Fernandes Vale, Carme Lopes Calderón, José Manuel Almansa e Carlos Urani Montiel. Aos professores de tantas instituições que deram suas contribuições com indicações de contatos e fontes de pesquisa, de direcionamento do trabalho, de discussão e aclaramento de questões e de indicação de material: Marília Maria Brasileiro Teixeira Vale, Paulo Fujioka, Carlos Lemos, Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira, Luiz Alberto Ribeiro Freire, Mônica Farias e Magno Mello. E como uma pesquisa sobre igrejas não se faz sem o auxílio do corpo da própria Igreja Católica, não poderia deixar de agradecer a todos os solícitos monges, freis, freiras, padres, monsenhores, cônegos, bispos, cardeais, além dos tantos funcionários das cúrias diocesanas e dos arquivos das ordens religiosas. Da mesma forma, o auxílio de suma importância de bibliotecários, arquivistas e profissionais do patrimônio das bibliotecas municipais, arquivos e órgãos do patrimônio cultural que consultei. Gostaria de poder citar o nome de todos, mas no meio da centena de pessoas que se envolveram nas pesquisas, temos ser injusto e esquecer alguém... Aos amigos, que tornam a vida mais leve, que compartilham bons momentos e permitem que se viva além da pesquisa, que dão toques, que apoiam, elevam a moral, sofrem junto, comemoram juto: Eduardo Rosada, Jurandir Rosada Júnior (irmãos), Maria Clara e Lucas (sobrinhos), Preta (Camila Gomes Sant’Anna), Mariana Benassi, Marcelo Ventura Freire, Roberta Yoshie Sakai, Anderson Maia, Isis Sartori, Racky Curvello, Marília Solfa, Cris Kimi, Guilherme Dias, Daniel Paschoalin, Dany Hladkyi, Mariana Lucchino, Leila Massarão, Vanessa Dias, Rodrigo Jabur, Vladimir Benincasa, Lu Mascaro, Valéria Garcia, Joana D’Arc Oliveira, Nati Costa, Rodrigo Prata, Ronaldo Kurita, Irmgard Schanner, Marília Varella, Rodrigo Kistianós, Fernando Atique, Ewerton Moraes. Finalmente, agradeço em especial à FAPESP, que financiou por quase três anos essa pesquisa, através do Processo 2012/04036-7, e cujo apoio foi imprescindível para que eu pudesse me dedicar exclusivamente à pesquisa e produzir um material com solidez.

ROSADA, Mateus. Igrejas Paulistas da Colônia e do Império: Arquitetura e Ornamentação. Tese (Doutorado). Instituto de Arquitetura e Urbanismo de São Carlos. Universidade de São Paulo. São Carlos, 2016.

RESUMO Analisa a arquitetura e a ornamentação de cento e vinte igrejas urbanas remanescentes no Estado de São Paulo, construídas nos períodos colonial e imperial, observando as transformações espaciais e arquitetônicas ocorridas nas mesmas desde a edificação dos primeiros templos católicos no Estado, no século XVI, até o advento da República, no século XIX. Para tanto, aborda os padrões estéticos dos seguintes períodos artísticos: maneirismo, barroco, rococó e a transição para o neoclassicismo. Discorre sobre técnicas e materiais construtivos, a organização espacial das igrejas e sua inserção no tecido urbano. Analisa também os trabalhos de pintura e de entalhe que adornam os interiores das igrejas, evidenciando influências externas e padrões desenvolvidos no Estado de São Paulo. Realiza uma catalogação de arquitetos, artistas, entalhadores, escultores e pintores que atuaram nos templos pesquisados. Avalia a grande importância artística das igrejas e apresenta suas qualidades arquitetônicas, de pintura e de entalhe, evidenciando, em uma visão de conjunto, os elementos caracterizam a arte propriamente paulista desse período. Constata que a arquitetura e as artes religiosas de São Paulo formaram um conjunto expressivo e com influências várias e características únicas, de grande interesse e inestimável valor histórico e cultural.

Palavras-chaves: 1. Arquitetura Religiosa, 2. São Paulo (Estado), 3. Igreja Católica, 4. Barroco, 5. Rococó, 6. Neoclassicismo, 7. Artes, 8. História. I. Título.

ROSADA, Mateus. Colonial and Imperial Churches of São Paulo: Architecture and Ornamentation. Doctoral Thesis. Instituto de Arquitetura e Urbanismo de São Carlos. Universidade de São Paulo. São Carlos, 2016.

ABSTRACT This thesis analyzes the architecture and ornamentation of 120 remaining urban churches in São Paulo, that was built in the colonial and imperial periods, observing the spatial and architectural changes that occurred in that since the building of the first Catholic churches in the state, in the sixteenth century, until the end of the imperial period, in the nineteenth century. Talks about the aesthetic standards of the following artistic periods: Mannerism, Baroque, Rococo and the transition to Neoclassicism. It discusses constructive techniques and building materials, the spatial organization of the churches and their role in the urban space. It also analyzes the works of painting and wood carver that decorate the interiors of churches, showing external influences and standards developed in São Paulo. It catalogs architects, artists, carvers, sculptors and painters who worked in this temples. Evaluates the artistic importance of the churches and presents its architectural, paint and carver qualities, showing, in an overview, the elements that characterizing the own art of São Paulo of this period. Notes that the architecture and religious arts of São Paulo formed a significant group and with various influences and unique features of great interest and inestimable historical and cultural value.

Keywords: 1. Religious Architecture, 2. São Paulo (State), 3. Catholic Church, 4. Baroque, 5. Rococo, 6. Neoclassicism, 7. Art, 8. History. I. Title.

SUMÁRIO 013 INTRODUÇÃO 025 027 035 035 041 048 054 073

CAPÍTULO 1 – ARQUITETURA 1.1 O Edifício Religioso e o Espaço Urbano 1.2 A Tectônica das Igrejas Paulistas 1.2.1 Construções com terra 1.2.2 A pedra 1.2.3 Carpintaria 1.3 Aspecto Externo 1.4 Distribuição dos Espaços

085 087 092 093 104 107 127 133 135 140 147 155 163 176 187 193 197 203 207 210 215 239 250 264

CAPÍTULO 2 – ORNAMENTAÇÃO 2.1 A Azulejaria 2.2 A Pintura 2.2.1 Brutescos e Adamascados 2.2.2 Barroco Joanino 2.2.3 Rococó 2.2.4 Pintura no Período Republicano 2.2.5 Cores e (Re)pinturas 2.3 A Talha 2.3.1 Maneirismo 2.3.2 Barroco Português 2.3.3 Barroco Joanino 2.3.4 Rococó 2.3.5 Imperial 2.3.6 Neoclássico 2.3.7 Retábulos Sem Estilo Definido 2.3.8 Retábulos Deslocados 2.4 Influências, Autores e Grupos Artísticos da Talha 2.4.1 Altares d’além-mar 2.4.2 Artistas que retornaram das Minas 2.4.3 Influências da Corte: o Rio de Janeiro 2.4.4 A Bahia em São Paulo 2.4.5 No Interior, uma Mescla Baiana e Carioca 2.4.6 Criações e recriações paulistas

327 CONCLUSÃO 337 REFERÊNCIAS 353 353 361 403 435

APÊNDICES Apêndice A – Glossário de Termos Apêndice B – Índice Catalográfico das Igrejas Pesquisadas Apêndice C – Artistas e Grupos Apêndice D – Instituições Pesquisadas

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INTRODUÇÃO O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia, Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia. O Tejo tem grandes navios E navega nele ainda, Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está, A memória das naus. O Tejo desce de Espanha E o Tejo entra no mar em Portugal. Toda a gente sabe isso. Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia E para onde ele vai E donde ele vem. E por isso porque pertence a menos gente, É mais livre e maior o rio da minha aldeia. Pelo Tejo vai-se para o Mundo. Para além do Tejo há a América E a fortuna daqueles que a encontram. Ninguém nunca pensou no que há para além Do rio da minha aldeia. O rio da minha aldeia não faz pensar em nada. Quem está ao pé dele está só ao pé dele. (O Rio de Minha Aldeia) (Fernando Pessoa, sob o heterônimo de Alberto Caeiro)

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Introdução

É instigante como pequenas coisas que têm relação direta conosco se tornam tão importantes, tão belas e cheias de significado para nós. O meu interesse pelo tema desta tese iniciou-se por conta de uma igreja em especial, na minha cidade natal, que teve para mim o mesmo papel do rio da aldeia de Alberto Caieiro. Eu contava não muitos anos quando meus pais iam fazer compras em um supermercado no centro de Limeira. Este supermercado localiza-se ao lado do largo onde está edificada a Igreja de Nossa Senhora da Boa Morte e Assunção, a construção mais antiga que ainda está em pé na cidade. Geralmente atravessávamos a igreja para ir ao mercado, e era impossível somente passar por ela, pois a sua beleza envolvente fazia com que perdêssemos alguns minutos admirando seu interior. As grossas paredes de taipa, a profusão de detalhes, de dourados, de pinturas sempre me atraiu: sempre me cativou o ambiente religioso, com suas áreas de respeito, seus lugares sagrados... Já na universidade, no curso de arquitetura e urbanismo, meu interesse por história me levou a pesquisas na área de história da arquitetura e patrimônio cultural. Realizei uma investigação de mestrado muito gratificante sobre as tensões entre Estado e Igreja no século XIX por causa de terras e de influência sobre a cidade. Tomei contato com livros sobre o barroco no Brasil, o barroco mineiro, o rococó alemão, e percebi que a bibliografia sobre a arquitetura religiosa paulista é muito escassa, com poucos livros abrangentes e alguns mais localizados, focados em alguns exemplares. Me tornava cada vez mais curioso em perceber uma lógica no padrão paulista de construir e ornar seus templos: muito havia se escrito sobre Minas e Rio de Janeiro (e muito ainda precisa ser compreendido), um tanto sobre o nordeste, mas sobre São Paulo, muito pouco. Era possível conhecer muito sobre o Tejo, mas não havia quase nada sobre o rio da minha aldeia... Ao iniciar o doutorado, tinha um tema distinto de investigação, sobre a relação de poder de coronéis sobre algumas cidades paulistas. Em determinado momento, resolvi alterar o rumo da pesquisa, no que minha orientadora deu firme apoio, e me enveredar numa análise estilística que tentasse compor um estado do que foi a arte religiosa de São Paulo e o que a caracterizou, quais suas especificidades em relação a outros estados. Vi nessa linha uma possibilidade de contribuição muito maior às ciências e, por outro lado, a oportunidade de dar a conhecer algo que era próximo de mim, de nós, de saber o que há para além do rio de minha aldeia.

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Os objetos A arte religiosa paulista possui características próprias e únicas que a diferenciam da de outros Estados do Brasil? Essa foi a pergunta inicial que guiou a pesquisa. Estipulamos (e aqui começo a falar em “nós”, porque um doutorado não se faz sozinho) que seria importante analisar as igrejas barrocas do Estado de São Paulo, mas como as transições entre os períodos nos pareceram um tanto sutis no âmbito arquitetônico (as são ainda menos no ornamental) e não percebemos diferenças significativas no padrão construtivo das igrejas dos três primeiros séculos e meio, passamos a limitar o recorte histórico a partir de uma observação constitutiva dos templos: analisaríamos então as igrejas dos períodos colonial e imperial até o limite das que possuíssem altares de madeira, pois na segunda metade do segundo reinado, ou seja, a partir de 1870, muitos aspectos começam a se alterar. Há uma maior facilidade de importação e circulação de materiais. As ferrovias e a imigração também mudam o aspecto construtivo das edificações. A popularização do tijolo, do estuque e das esquadrias de ferro vai alterar até mesmo a planta das igrejas, assim como a mão-de-obra europeia fará populares os altares de mármore. Essas mudanças alteram os espaços, a materialidade e o acabamento das casas de Deus, que pouco haviam se transformado nos três séculos predecessores. Os últimos suspiros de igrejas construídas em taipa e com altares de madeira ocorrem no apagar das luzes do Império. A República já se inicia com cidades e construções bastante distintas do que havia vinte anos antes. Não por acaso, o exemplar mais tardio que temos de igreja com altar de madeira não-neoclássico é a matriz de Santo Antônio da Cachoeira, em Piracaia, terminada em 1891. Assim, a pesquisa acabou por analisar os exemplares construídos ou reformados durante toda a Colônia e quase todo o Império, abrangendo seis períodos estilísticos: maneirismo, barroco nacional português, barroco joanino, rococó, imperial (termo que cunhamos neste trabalho) e parte do neoclassicismo. Definido o recorte histórico do tema – a arquitetura e ornamentação das igrejas paulistas da Colônia e do Império – foi necessário delimitar mais claramente o recorte espacial desta pesquisa. Para um entendimento completo, seria necessário que analisássemos todos os atuais estados que já estiveram dentro dos limites paulistas, o que tornaria nossa abrangência, em área e número de exemplares, impraticável. Fixamo-nos, ainda que possa parecer anacrônico, nos limites atuais do Estado, o que ainda assim é uma grande área. Estipulamos que seriam visitadas apenas igrejas em área urbana, pois contemplar as capelas rurais nos traria complicações de acesso e permissão de visitas. Passamos, então, a elaborar a listagem dos templos que seriam contemplados. Os livros de Germain Bazin (1983), Eduardo Etzel (1974) e Percival Tirapeli (2003) foram pontos iniciais importantes para localizarmos as primeiras igrejas, mas ainda utilizamos o Quadro do Desmembramento dos Municípios de Paulistas (SÃO PAULO, 1995) para fazer uma busca mais fina em todos os municípios cujas freguesias tinham sido criadas até o ano de 1870. Com isso, chegamos até a área paulista efetivamente povoada até aquele período, concentrada no sul e leste do Estado, como se pode perceber pelo desenho abaixo. Dentro desse limite, ainda fizemos incursões buscando em fotografias de templos de cidades entre os

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Introdução

municípios já criados até aquele ano, pois sabemos que alguns, como Suzano, Guararema, Tremembé, Aparecida e Arapeí, só se emancipariam muito mais recentemente.

Fig.000: Cidades pesquisadas, marcadas em laranja, concentradas nas porções sul e leste do Estado de São Paulo. Desenho: Mateus Rosada.

Procuramos ainda por possíveis igrejas construídas como segundo templo da cidade, caso de grande parte dos Rosários, a devoção mais comum entre os objetos de pesquisa. Acessamos a internet e numa busca por imagens externas e internas de igrejas em cerca de duzentos município paulistas e chegamos a um número de mais de cem exemplares, que foi aumentando no decorrer da pesquisa, ao descobrirmos já nas visitas de campo alguns templos dos quais ainda não tínhamos tido notícias. Ao final, totalizamos 120 igrejas selecionadas nesta pesquisa, das quais nos foi possível visitar fisicamente 117, pois não conseguimos acesso ou autorização em apenas três delas e as registramos por imagens e dados cedidos por outras pessoas. Duas delas são capelas rurais, que nos escapam à regra de igrejas urbanas, mas foram acrescidas por serem de grande importância para a historiografia paulista: tratamse das capelas do Sítio Santo Antônio (em São Roque) e da Fazenda Voturuna (Santana de Parnaíba), patrimônios reconhecidos inclusive nacionalmente. Do total, analisamos a arquitetura e a ornamentação de 95 delas, por serem templos que conservaram obras de talha e/ou a organização dos espaços sem alterações substanciais que impedissem a compreensão de suas concepções. Temos ainda, dentro desse grupo, sete casos de igrejas demolidas, acrescidas porque possuem bom registro fotográfico e

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planta e também apresentam semelhança estilística entre os trabalhos de arquitetura ou talha observados nas demais, o que permite filiá-las a algum padrão recorrente. Tratam-se do Convento Franciscano de São Luiz de Itu, da Igreja de São Benedito de Limeira, da Igreja Nossa Senhora do Carmo de Campinas e das igrejas da Antiga Sé, do Mosteiro de São Bento, São Pedro dos Clérigos e Nossa Senhora dos Remédios, em São Paulo. Há 25 igrejas das quais analisamos apenas os retábulos, por serem oratórios muito pequenos, que escapam da configuração de uma igreja com nave e capela-mor, caso da Capela de Voturuna e do Passo da Via Sacra de Piracicaba, ou por se tratarem de templos recentes, após a República, mas que mantém ou receberam altares mais antigos, a exemplo da Matriz de Santana de Parnaíba (de 1892), da Igreja neocolonial de Nossa Senhora do Brasil (de 1942-1958) em São Paulo ou do convento novo de Santa Clara de Sorocaba (de 1968), que abriga o altar da antiga casa religiosa do centro. Para ambos os casos, elaboramos tabelas: o Índice Catalográfico das Igrejas Pesquisadas e o Índice Catalográfico dos Retábulos Analisados Isoladamente, constantes do Apêndice B. Esses templos estão distribuídos por 57 municípios paulistas, conforme o mapa da página seguinte. Não por acaso, essas cidades acabaram por se situar nos vales do Ribeira e do Paraíba, no litoral e num raio de 150km da capital, ao longo dos antigos caminhos que ligavam São Paulo ao Rio de Janeiro (a leste: Vale do Paraíba), ao Sul da Colônia (a sudoeste: Vale do Ribeira) e às minas de Cuiabá (seguindo para noroeste: Depressão Periférica e Bacia do Tietê). Existem outras cidades no Estado além dessas, tão ou mais antigas que elas, que não aparecem na listagem por não possuírem mais nenhum templo dentro dos parâmetros necessários para nossa análise, cujas igrejas foram demolidas ou significativamente alteradas. Municípios como Bragança Paulista, Botucatu, Itapetininga, Lorena, Casa Branca, São Carlos, Araraquara, Ribeirão Preto, Tatuí, Tietê, Araras, Rio Claro, Santa Bárbara d’Oeste e Caconde demoliram todas as suas igrejas mais antigas e as substituíram por templos novos. Foi também necessário excluir da listagem igrejas cujos interiores foram totalmente modificados, com a troca ou supressão dos retábulos e/ou a alteração substancial da planta, por mais que a fachada possa ter se mantido relativamente íntegra, o que ocorreu aos Rosários de Amparo e Itapetininga e às matrizes de Amparo, Araçoiaba da Serra, Monte-Mor, Capivari, Cabreúva, Caraguatatuba, Itapeva, Biritiba-Mirim, Indaiatuba, Itapecerica da Serra, Lagoinha e Araçariguama.

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Fig.001: Cidades pesquisadas: 01. Analândia, 02. Piracicaba, 03. Limeira, 04. Mogi-Mirim, 05. Itapira, 06. Porto Feliz, 07. Sorocaba, 08. Itu, 09. Campinas, 10. Jundiaí, 11. Itatiba, 12. Jarinu, 13. Atibaia, 14. Bom Jesus dos Perdões, 15. Nazaré Paulista, 16. Piracaia, 17. São Roque, 18. Cotia, 19. Santana de Parnaíba, 20. Carapicuíba, 21. Barueri, 22. Embu das Artes, 23. SÃO PAULO, 24. Itanhaém, 25. São Vicente, 26. Santos, 27. Guarulhos, 28. Ribeirão Pires, 29. Itaquaquecetuba, 30. Suzano, 31. Santa Isabel, 32. Mogi das Cruzes, 33. Jacareí, 34. Guararema, 35. São José dos Campos, 36. Santa Branca, 37. Caçapava, 38. Paraibuna, 39. São Sebastião, 40. Ilhabela, 41. Tremembé, 42. Taubaté, 43. Pindamonhangaba, 44. São Luiz do Paraitinga, 45. Ubatuba, 46. Aparecida, 47. Guaratinguetá, 48. Cunha, 49. Queluz, 50. Areias, 51. São José do Barreiro, 52. Arapeí, 53. Bananal, 54. Iporanga, 55. Eldorado, 56. Iguape, 57. Cananeia. Cidades visitadas para pesquisa que não possuem igrejas nos parâmetros da investigação: A. Amparo, B. Bragança Paulista, C. Osasco, D. Santo André, E. Lorena, F. Caraguatatuba, G. Registro. Os caminhos em vermelho são representam as vias de transporte constantes na Carta Geraldo Brasil, de 1797. Desenho: Mateus Rosada.

Como se pode depreender do mapa, a necessidade nos levou, além das sedes municipais onde se localizavam as igrejas de pesquisa, a mais sete cidades paulistas que não abrigam templos de interesse, mas as cúrias diocesanas, que administram e guardam documentação sobre alguns dos templos de nossa listagem.

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Por ser uma pesquisa bastante volumosa, com muitos objetos em estudo, isso acarretou na necessidade de consulta a muitos acervos. Em cada município contemplado, sempre se procurou visitar a igreja e seu arquivo, a biblioteca local, onde se procurava por livros e jornais que contassem a história da cidade, do templo e das reformas sofridas por ele; o museu histórico municipal, local privilegiado para consultas a fotos e documentos antigos; e o arquivo da cidade, quando havia. Além dos acervos locais, foi necessária a pesquisa em instituições regionais, caso das 21 cúrias diocesanas sob cuja jurisdição estão os templos analisados, guardiãs dos livros-tombos e dos livros de receita e despesa das igrejas, alguns abertos há quase quatrocentos anos e, por sorte, ainda preservados. Visitamos ainda acervos estaduais que possuem muita informação relevante sobre os bens pesquisados, como o Condephaat, o Arquivo do Estado e as bibliotecas das universidades estaduais paulistas (USP, Unesp e Unicamp), e acervos nacionais, como o IPHAN e a Biblioteca Nacional, e internacionais, em Portugal, como Arquivo Nacional da Torre do Tombo, o Arquivo Histórico Ultramarino e a Biblioteca Nacional portuguesas, onde encontramos documentação referente ao período colonial. A consulta a arquivos, bibliotecas, museus e instituições eclesiásticas também se estendeu para fora dos limites do Estado, o que nos levou a fazer visitas de campo ao Rio de Janeiro (RJ) e a Belo Horizonte (MG), Brasília (DF) e, já citada, Lisboa (Portugal). Totalizamos 66 cidades e mais de 270 instituições pesquisadas, muitas vezes, depositárias de material volumoso e com informações inestimáveis. Dados de todas as instituições são apresentados no Apêndice D.

Os registros parcos e lacunares Uma das maiores dificuldades encontradas foi identificar os autores das obras. Os percalços começam pela característica de nossos arquivos, nos quais muitas vezes as lacunas são maiores do que a documentação propriamente dita que resistiu até a atualidade. Há que se ter em mente que as contas, recibos e livros de receita e despesa nunca foram vistos por quem os escreveu como fontes para futuras investigações, como material a ser armazenado para sempre. Para as igrejas, eram prestações de contas à própria irmandade ou comunidade conventual; livros de igrejas paroquiais, seculares, sem ligação com irmandades ou ordens religiosas, tinham uma preocupação ainda menor em registrar as contas. O ato do descarte desses dados depois de alguns anos não seria um fato estarrecedor para a comunidade. Quando se tratam de recibos, sua durabilidade é ainda mais célere: era relativamente comum que fornecedores de material e a mão-de-obra assinassem o recebimento dos pagamentos: os livros de receita e despesa que chegaram aos dias atuais apresentam costumeiramente os números dos recibos nas listagens de pagamentos. No entanto, por se utilizarem papéis de menores dimensões e avulsos, tais recibos foram, com certeza, descartados após alguns anos, sendo raros os casos de recibos que temos de séculos anteriores ao XIX.

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Os livros de receita e despesa, locais onde poderiam estar grafados os nomes dos artífices que procuramos, não possuíam o mesmo caráter cartorário, como os livros de venda de terras e aforamentos, por exemplo. Estes últimos eram formados por registros que equivaliam a títulos, portanto, era documentação que devia ser conservada por muito tempo, enquanto que os registros de movimentação financeira possuíam, para seus usuários, importância até alguns anos seguintes às negociações ali tratadas. Ainda hoje, é comum ouvirmos a orientação de que as contas de consumo de nossas casas (fornecimento de água, energia elétrica, telefonia) devem ser guardadas por cinco anos e depois podem ser descartadas. Da mesma forma, livros de receita e despesa conservados por mais de duzentos anos demonstram um grau de zelo bastante elevado, bem acima do normal, das igrejas para as quais eram preenchidos. Encontramos mais facilmente livros de tombo, que eram exigidos pelas normas eclesiásticas às igrejas paroquiais e monastérios e que devem ser mantidos e arquivados. As igrejas de irmandades, entendidas como templos particulares pela Igreja Católica, às vezes elaboravam um livro de tombo, outras, não. Geralmente, o caráter dos livros de tombo é mais eclesiástico e menos administrativo. Por isso, seu teor baseia-se em cartas e visitas pastorais dos bispos, que pouco contam sobre a arquitetura e o interior das igrejas. Pouquíssimos registraram, em meio às missivas, os serviços prestados. Por esse motivo, quando se procura informações da confecção de determinado retábulo, para identificação de data e/ou autor, é muito incomum haver algo nos livros de tombo, sendo que alguns parcos dados sobre os mesmos são conseguidos em inventários, geralmente apenas com a citação da quantidade de elementos da talha que havia em cada templo, pois os altares não eram inventariados como bens móveis das igrejas, por serem fixos e estarem integrados à arquitetura. Há ainda o problema da ancianidade da documentação primária que pesquisamos, concentrada no século XVIII, portanto com mais de dois séculos de existência, até alguns registros com quase quatrocentos anos (caso do tombo da Sé paulistana, iniciado em 1624). O tempo, às vezes a má qualidade do papel, os ataques de insetos, a umidade e o armazenamento inadequado inutilizaram muitos documentos, que foram posteriormente descartados. Como exemplo disso temos livros dos arquivos franciscanos citados pelo Frei Basílio Röwer nas Páginas da História Franciscana no Brasil (1957, p.11-18), consultados em meados do século XX e que não existem mais hoje. Por esse motivo, é muito mais frequente que a documentação referente aos séculos XIX e XX seja encontrada com maior facilidade do que a dos séculos predecessores.

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A ausência do registro de autoria Somam-se a tais dificuldades o fato de, no período de nossa pesquisa, a assinatura e a marca do autor da obra não serem elementos importantes, uma vez que a visão de mundo era menos antropocêntrica, característica que se acentua quanto mais retrocedemos no tempo. O dom artístico era concedido por Deus e, ainda mais nas obras executadas para a Igreja, era para a sua exaltação que deveria servir, sendo o artista um mero instrumento divino para a sua glorificação, não sendo necessário, nem mesmo desejável, que o autor assinasse a obra. Seria, até a primeira metade do século XIX, muita presunção... Os poucos livros de receita e despesa que chegaram até nós possuem informações muito vagas, na maioria das vezes. “Pagou-se ao pintor”, por exemplo, foi uma forma de expressão muito utilizada, que não permite que saibamos o nome do referido profissional, tampouco se era pintor de paredes ou artístico... Tão raro quanto isso é encontrar menção de autoria dos retábulos. Não há nenhum nome registrado nos períodos do maneirismo e do barroco português no Estado de São Paulo. O autor mais antigo sobre o qual há alguma menção é Luís Rodrigues Lisboa, já um artista do período joanino, e quem lhe atribui a autoria do retábulo da Ordem Terceira Franciscana é o Frei Adalberto Ortmann (1951, p.66), que infere ter ele sido o autor do retábulo não porque as contas o registram, mas por ser o único mestre entalhador fixado em São Paulo, dados colhidos nos ofícios da Câmara Municipal de São Paulo, e não nos livros da ordem. Conforme o século XVIII avança e ganham corpo os ideais iluministas que valorizam o homem e, por conseguinte, a autoria, o registro de nomes nos livros de contas passa a ser um pouco mais frequente, ainda que tímido, auxiliado pelo fato da documentação ser mais “nova”, mais próxima, um pouco, de nossos dias, e ter se conservado um pouco melhor. Ao final, encontramos menção a pouco mais de vinte entalhadores no universo de 120 igrejas e 334 retábulos desta pesquisa, sendo que de três desses artífices sabemos apenas de sua presença no município e não pudemos nos certificar se os mesmos confeccionaram as obras de entalhe que analisamos.

Em campo As visitas a campo nos levaram a conhecer muitas localidades distantes e com muitas horas de viagem. No entanto, as visitas foram facilitadas pelo próprio caráter dos objetos de pesquisa: as igrejas, quase todas, estão localizadas nos centros de seus municípios, próximas às principais linhas de transporte urbano e dos terminais rodoviários (o que facilitou sobremaneira o trabalho deste pesquisador que não possui carro), com poucos exemplares “fora de mão”, como a igrejinha do Quilombo de Ivaporunduva ou mesmo o Sítio Santo Antônio de São Roque.

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Introdução

No local, buscamos inicialmente retratar todos os detalhes da arquitetura do templo e das peças retabulares, chegando a casos de tomar quase quinhentas fotografias do interior da mesma igreja, o que ocorreu na Catedral de Campinas. Ao final, chegamos a um acervo de mais de 22 mil fotografias que nos permitiram observar, em especial, a talha paulista em detalhes. Mantivemos um padrão e uma ordem de quais retábulos fotografaríamos primeiro quais outros na sequência, o mesmo ocorrendo para o todo e as partes dos altares. Como metade das igrejas é reconhecida como patrimônio histórico, obtivemos suas plantas anteriormente nos arquivos do IPHAN e do Condephaat e, caso não as tivéssemos à mão, realizávamos, sempre que possível, o levantamento métrico da edificação in loco. Depois dos levantamentos fotográfico e métrico, passamos à consulta aos acervos das próprias igrejas e das instituições do município.

A Tese Ainda que com os percalços todos e as dificuldades encontradas, um trabalho que se propôs a investigar tal número de exemplares como o nosso fatalmente colheria muitos dados. Cruzá-los foi outro desafio de grande monta e os resultados acabaram por fazer com que a tese ficasse diferente do que originalmente prevíamos – como é previsível a imprevisibilidade de uma pesquisa! – e a análise dos retábulos acabou tomando tal vulto que se tornou o corpo mais denso e volumoso deste trabalho, de modo que acabamos por tratar mais da ornamentação do que da arquitetura propriamente dita dos exemplares pesquisados. Com isso, a Tese resultou dividida em dois capítulos. O Capítulo 1 – ARQUITETURA, trata do edifício religioso em si. Inicia-se olhando as igrejas analisadas por fora, a partir de sua relação com o espaço urbano. Aqui são observadas a implantação das igrejas nos sítios em que se inserem, como promontórios, colinas, meias-encostas. Compreendidas algumas relações urbanas, nos debruçamos sobre a edificação religiosa propriamente dita, observando as técnicas construtivas utilizadas nos exemplares pesquisados: o uso da taipa no interior do Estado e da alvenaria de pedra no litoral, a carpintaria, observada pela forma de estruturação dos telhados e o desenho das tesouras na relação com a composição dos forros. Num terceiro momento dentro do Capítulo 1, entramos no edifício e passamos a observar os espaços e a lógica de funcionamento, assim como os porquês da compartimentação da edificação. No Capítulo 2 – ORNAMENTAÇÃO, passamos a observar os trabalhos de entalhe realizados nas igrejas paulistas. Os retábulos são o complemento da composição do altar de celebração do sacrifício divino e, portanto, o conjunto mais importante do interior das igrejas. Por isso deixamos maior espaço para discutir a arte retabular realizada no Estado, demonstrando as influências externas e os elementos que

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caracterizam e particularizam concepções locais, geradas em terras paulistas e que se diferenciam dos padrões encontrados em outras partes do Brasil. A grande quantidade de dados coletados ainda nos levou a disponibilizar quatro apêndices: O Apêndice A é um Glossário de termos, tão específicos que são os que utilizamos nesta Tese. Segue-se o Apêndice B – Índice Catalográfico das Igrejas Pesquisadas, onde detalhamos, uma a uma das 120 igrejas abrangidas pela pesquisa, com dados de localização e histórico das mesmas. Há também o Apêndice C – Índice dos Artistas, que trata dos profissionais – arquitetos, engenheiros, pintores, entalhadores e douradores - sobre os quais há registro de obras realizadas nos objetos de pesquisa, com informações biográficas e a lista de trabalhos documentados e atribuídos a eles. E o último apêndices trata mais diretamente da pesquisa: o Apêndice D – Instituições Pesquisadas é uma listagem de todos os locais que tivemos que consultar, com informações de localização e contato, para caso algum futuro pesquisador queira se enveredar em investigar algumas dessas igrejas aqui tratadas.

.o0o.

Esta tese busca, ao final, demonstrar que há uma arte religiosa de grande valor e especificamente paulista, que difere de outros estados e que tem suas próprias especificidades, que apesar de sofrer influências de outros lugares, São Paulo produziu exemplares muito bons de arquitetura e talha, dignos de nota, de estudo, de conhecimento e divulgação. Estamos certo que conseguimos ir a fundo em muitas questões sobre a arquitetura e ornamentação das igrejas do Estado, mapeando artistas, registrando templos pouco conhecidos e situando parte da arte colonial paulista num contexto mais amplo, nacional.

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Introdução

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CAPÍTULO 1

ARQUITETURA

Há de reverenciar e defender especialmente as capelinhas toscas, as velhices dum tempo de luta e os restos de luxo esburacado que o acaso se esqueceu de destruir (ANDRADE, 1965, p. 81).

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Capítulo 1 - Arquitetura

< Fig.002: (página anterior) Convento Franciscano de Nossa Senhora do Amparo, São Sebastião. Desenho: Mateus Rosada, 2014.

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1.1 O EDIFÍCIO RELIGIOSO E O ESPAÇO URBANO No Brasil, assim como em todos os países latinos de colonização católica, qualquer cidade se iniciava por uma igreja. Não que fosse necessariamente o primeiro edifício de uma povoação, mas sempre que um aglomerado de pessoas começasse a se organizar para ser reconhecido pelo Estado como uma incipiente vila que surgia e para poder gozar de alguns serviços administrativos estatais como a presença de um juiz de paz ou a mesmo proximidade de um cemitério, necessitava requerer a criação de uma freguesia, nos termos de hoje, de uma paróquia. Em outras palavras, era preciso que um padre se fixasse na capela que aquela população deveria construir para que se oficializasse a criação de uma nova povoação (VALE, 1998, p.20). As freguesias eram as primeira unidades de divisão territorial tanto da Colônia como da metrópole, o equivalente aos distritos de hoje. A Igreja era a instituição que aqui havia mais próxima dos atuais cartórios, e os padres, por vezes, tinham papel semelhante ao de escriturários, pois eram eles os responsáveis pelos registro de nascimento (batismo), casamento (matrimônio) e óbito (extrema unção), e recebiam um salário (côngrua) pago pelo governo de Portugal (e pelo Império do Brasil após a independência), que era, por sua vez o responsável por aprovar a criação e manter as igrejas de seu território, como uma espécie de ministério divino. Os clérigos eram funcionários encarregados de ministrar os sacramentos e todos conhecem o espanto do piedoso Saint-Hilaire ao ouvir do padre mineiro a resposta a seu agradecimento pelas atenções que tivera pelo “camarada” naturalista morto em viajem: “sou pago para isto”. Era pago para ministrar os sacramentos; juizes pagos para ministrar a justiça; os soldados pagos, para guerrear. Empregos diversos no serviço 'de Deus e del-rei’ que sempre estavam juntos (TORRES, 1968, p.38).

Para se criar uma freguesia, a população requerente deveria provar que possuía, renda para sua manutenção. E era da mesma forma necessário que o proprietário da área onde a povoação se embrionava (geralmente um sesmeiro que tolerava a ocupação de uma pequena nesga de sua propriedade por essas pessoas) doasse uma parcela de suas terras no entorno da capela ao santo padroeiro do local, para a formação do patrimônio religioso. A igreja, assumindo aquelas terras, dela faria a administração, a venda ou o aforamento dos terrenos circundantes (MARX, 2003), organizava lotes, traçava as primeiras ruas. A formação de patrimônios religiosos foi a regra para a criação de quase todas as cidades surgidas no Brasil até fins do Império e mesmo algumas já em período republicano. Este curioso processo de fundação de cidades [criação de patrimônios religiosos] era empregado desde muito tempo no Brasil, onde já se vê funcionar no século XVI. O primeiro exemplo é talvez o de Santos, fundado por Brás Cubas em 1545 em torno de uma capela e de um hospital de Todos os Santos. A doação do patrimônio foi feita ao hospital, encarregado de organizar e de lotear as datas em torno da capela; o sucesso do loteamento permitiu ao próprio Brás Cubas, lotear a parte vizinha, de sua propriedade pessoal. A fundação de Jundiaí, no norte de São Paulo, em 1615,

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Capítulo 1 - Arquitetura

por Rafael de Oliveira, se fez do mesmo modo: ele construiu uma capela e deu-lhe um vasto patrimônio. Sorocaba, no oeste de São Paulo, teve a mesma origem; assim também Montes Claros, Botucatu, São Manoel, fundadas no século XIX. Foi sem dúvida esse processo do patrimônio que deu ao Brasil a maioria de suas cidades (DEFFONTAINES, 1944, p.20).

A forma de transmissão de terras, com a criação dos patrimônios religiosos, foi basal na conformação da cidade brasileira. Não por acaso, para a capela se reservava o terreno mais propício, despachado e ancho da localidade: era dali que a futura vila se desenvolveria. Certamente, os portugueses e os da terra já sabiam, implicitamente, a importância se criar uma boa situação a partir do largo fronteiriço ao templo para dar início a uma povoação. Dentre as 57 cidades pesquisadas, 41 surgiram de patrimônios religiosos: NÚCLEOS FUNDADOS A PARTIR DE PATRIMÔNIOS RELIGIOSOS Cidades da Pesquisa Iporanga Ilhabela Jarinu São José do Barreiro Limeira Santa Branca Ubatuba Mogi das Cruzes São Sebastião Taubaté São Vicente Santos Cananéia Iguape Areias São Luiz do Paraitinga Bananal Santana de Parnaíba Itu Sorocaba Eldorado - Ivaporunduva

Data 1802 1805 1807 1820 1826 1828 1610 1611 1636 1639 1532 1536 1557 1614 1748 1769 1811 1580 1610 1654

Situação urbana Meia encosta

Planície

Planície resguardada Planície resguardada / Vale

Promontório

Cidades da Pesquisa São Roque Paraibuna Jundiaí Cotia Guarulhos - Bonsucesso Cunha Porto Feliz Atibaia Campinas Piracicaba Indaiatuba Piracaia Itatiba Caçapava Arapeí Itanhaém Guaratinguetá Pindamonhangaba Jacareí Santa Isabel

Data 1657 1666 1668 1670 1670 1731 1750 1763 1774 1784 1813 1817 1827 1842 1862 1549 1630 1643 1654 1812

Situação urbana Promontório

Promontório / Planície (pequena elevação em área plana)

1655

Havia uma ordem, uma lógica de implantação portuguesa, em que as povoações se desenvolviam a partir da praça eclesiástica, seguindo alinhamentos e formas já arraigadas à tradição do saber-fazer da metrópole, obedecendo às características do sítio (SANTOS, 2001). Se comparadas à forma de organização urbana hispânica, a portuguesa também se diferenciava no estabelecimento de diferentes graus de valor que davam às partes da cidade: os largos e adros tinham importância crucial no direcionamento

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das vias: eram nós, entroncamentos dos fluxos urbanos. Ao contrário, nas cidades quadriculadas da América Hispânica, a própria retícula e a uniformidade da anchura das ruas atenuavam uma maior importância das praças e não as diferenciavam de valor, como faziam os portugueses, com suas ruas mais largas e travessas mais estreitas. Os portugueses tinham uma postura ante os sítios urbanos pensada numa dinâmica mais militaresca, de defesa, com cidades compactas e quase sempre em posição de promontório ou protegidas ladeadas por montanhas, utilizava-se do relevo como uma fortaleza natural. A Igreja Católica era o agente primeiro, que dava ordem e direcionamento aos novos povoamentos, direcionando, a partir dos adros das matrizes, as linhas para onde as cidades cresceriam. Essa lógica urbanística ancestral adotada pelos lusos acabou vindo ao encontro de algumas disposições do Concílio de Trento (1545-1563) que ditavam normas sobre a implantação das igrejas nos sítios urbanos, concordando com o que seria proclamado por São Carlos Borromeo, arcebispo de Milão, que escreveria em 1577 Instructiones fabricae et supellectilis ecclesiasticae (instruções da construção e dos paramentos eclesiásticos – tradução nossa), espécie de guia de arquitetura e ornamentação com as orientações tridentinas. A publicação era destinada à sua arquidiocese e às dioceses sufragâneas a Milão, mas se tornaria bastante conhecida e seria reeditada em outros países. Acreditamos que o mundo luso tenha tido contato com essa obra pois, embora não tenhamos encontrado edições em português da mesma, há trechos nas normas eclesiásticas brasileiras com espantosa similaridade com o texto de Borromeo. No Brasil, teríamos apenas em 1707 a publicação das Constituiçoens Primeyras do Arcebispado da Bahia, a primeira norma de qualquer espécie elaborada na Colônia, com trechos que tocavam a implantação da igreja no tecido urbano, inspirados nos escritos carlinos que, por sua vez, tinham inspiração tridentina. Questões de organização do edifício eclesiástico em relação à vizinhança e de escolha do local onde se o construiria são bastante explícitas nas Constituições: Conforme o Direyto Canonico, as Igrejas se devem fundar, & edificar em lugares decentes, & acomodados, pelo que mãdamos, que havendo de edificar de novo alguma Igreja Parochial em nosso Arcebispado, se edifique em sitio alto, & lugar decente, livre de umidade e desviado, quando for possível, de lugares immûdos, & sórdidos, & de casas particulares, & de outras paredes, em distância que possaõ andar as procissões ao redor delas (IGREJA CATÓLICA, 1720, p.265, livro IV, tít XVII, cân 687).

Preceitos muito semelhantes aos ditados por Carlos Borromeo 140 anos antes, um pouco mais detalhados: Quando se for edificar uma igrejas, primeiramente deve se escolher o local mais apropriado para sua construção, de acordo com o juízo do bispo e o conselho do arquiteto que ele tenha empregado e aprovado. De qualquer forma, tenha-se atenção que, onde quer que se erija, se faça em um lugar um pouco mais elevado. Mas se onde se deve erigir a situação do local é toda absolutamente plana, que se escolha nela ao menos o sítio que se sobressaia de tal modo que, ereta a igreja, a ela se ascenda por três ou, ao máximo, cinco degraus. Mas se ao contrário, se a natureza do lugar

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Capítulo 1 - Arquitetura

nem mesmo isso permite, por não possuir nenhuma parte que se sobressaia dessa maneira ou que seja um pouco mais proeminente, proporcione-se, na estrutura das bases da igreja, tal auxílio, de modo que, uma vez elevadas, superem aquela planície natural de tal forma que ao pavimento da igreja se ascenda por três a cinco degraus. A fim de que a igreja seja tida na maior veneração e, o quanto seja possível se fazer, que esteja muito longe de todo ruído, de onde se gera perturbação dos ofícios divinos; ao se definir o sítio, também há de empregar-se esta precaução: que sua posição seja tal que diste muito de todo lodo, sujeira, lixo e de toda a classe de imundície, de estábulos, redis, tabernas, ferrarias, mercados e de toda praça de feiras; e que nem esteja sequer perto de lugares desta natureza. Assim mesmo, tenha-se a precaução de que se procure um terreno de tal maneira onde a igreja possa ser edificada como uma ilha, ou seja, desunida e separada, com um intervalo de alguns passos da pare1 de de outras casas (BORROMEO, 1985, p.04-05, tradução nossa ).

Dentro da lógica de fundação das cidades pelo sistema de patrimônios religiosos, a escolha de um sítio para se implantar uma igreja também implicaria, por conseguinte, no local onde toda uma povoação se instalaria. Com orientações escritas para que os edifícios eclesiásticos se localizassem em lugares altos, os tratados e constituições da Igreja Católica influíram diretamente na feição das cidades do Brasil. Assim, ocorreu que os templos ocuparam sempre topos de colinas e elevações, topos de platôs e meiasencostas, localizações que exponencializavam sua monumentalidade, com as torres apontando para o céu e dominando a paisagem, situação da qual São Paulo não foi exceção.

1

No original da edição em espanhol: Cuando hay que edificar una iglesia, primeramente debe elegirse el lugar más apropiado para esta edificación, de acuerdo con el juicio del obispo y el consejo del arquitecto que aquél haya empleado y probado. En tal cosa mírese que, dondequiera que aquélla se erija, se haga en un lugar algo más elevado. Mas si donde debe erigirse, la posición del lugar es toda absolutamente plana, elíjase en ella al menos el sitio que sobresalga de tal modo que, erigida la iglesia, a ella se ascienda con tres o a lo sumo cinco gradas. Pero al contrario, si la naturaleza del lugar ni siquiera esto permite, por no tener ninguna parte que sobresalga de esa manera, y un poco más prominente, proporciónese, en la estructura de las bases de la iglesia, tal auxilio, de modo que, una vez trazadas a lo alto, superen aquella planicie natural, en tal forma que al pavimento de la iglesia se ascienda por aquellas tres o cinco gradas. Además, a fin de que la iglesia sea tenida en la mayor veneración y, en cuanto sea posible hacerse, que esté muy lejos de todo estrépito, de donde se genera la perturbación de los oficios divinos; al elegir el sitio, también ha de emplearse esta precaución: que su posición sea en un lugar tal que diste mucho de todo lodo, cieno, porquería y de toda clase de inmundicia, de establos, apriscos, tabernas, herrerías, mercados y de toda plaza de ventas; y que ni siquiera esté cerca de la región de lugares de esta naturaleza. Asimismo, téngase la precaución de que el sitio se busque de tal manera donde la iglesia, pueda ser edificada semejante a una Isla, es decir, desunida y separada con un intervalo de algunos pasos desde las paredes de otras casas.

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Fig.003: Porto Feliz, uma das tantas cidades paulistas situadas em promontório, com a igreja matriz em destaque, no plano mais elevado. Desenho: Hercules Florence, 1825. Fonte: Florence, 1977, p.29.

Realmente, a forma de implantação de vilas paulistas seguiu a lógica das normas eclesiásticas. Assim, a construção da igreja em situação de promontório pôde ser observada na grande maioria das 57 cidades pesquisadas, das quais 39 (68%) surgiram inicialmente em platôs elevados, com sítios de topografia muitas vezes bastante íngreme e destacada, como é o caso de Itapira, Cunha, Aparecida e Arapeí.

Fig.004: Vista de Arapeí em 1964, com a Igreja Matriz ainda sem a torre atual, no topo da paisagem. Fonte: Secretaria de Turismo de Arapeí.

Salta aos olhos a regularidade da solução encontrada em urbes que surgiram do desdobramento de aldeias ou colégios jesuíticos: todos eles surgiram em platôs muito planos ao lado de grandes cursos d’água navegáveis e próximos também a extensas várzeas. São os casos de São Paulo, Barueri (Nossa senhora da Escada), São Miguel Paulista, Itaquaquecetuba, São José dos Campos, Guararema (Freguesia da Escada), Embu das Artes, Guarulhos, Carapicuíba e Queluz:

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Capítulo 1 - Arquitetura

NÚCLEOS FUNDADOS A PARTIR DE ALDEIAS,CONVENTOS OU COLÉGIOS JESUÍTICOS Cidades da Pesquisa São Paulo - Sede Barueri - Escada São Paulo - São Miguel Itaquaquecetuba São José dos Campos

Data Situação urbana 1554 Promontório 1560 1562 1624 1643

Cidades da Pesquisa Guararema - Escada Embu Guarulhos - Sede Queluz Carapicuíba

Data Situação urbana 1682 Promontório 1700 1710 1800 1615 Planície resguardada

Mesmo em sítios planos, como era o caso das cidades litorâneas, escolhiam-se pequenas elevações e áreas afastadas de planícies alagadiças e cursos d’água. Em alguns casos, escolhia-se local guarnecido por alguma elevação próxima, que poderia dotar a nascente vila de alguma proteção, estratégia usada em Santos, São Vicente, Cananeia, Iguape e Itanhaém.

a

b

c

d Fig.005: Recomposição dos núcleos urbanos de Cananeia (a), Iguape (b), Itanhaém (c) e Santos (d) no século XIX. Desenhos: Mateus Rosada, 2015.

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É interessante se observar que nas cidades portuárias, tanto no caso de portos marítimos como de fluviais, caso de Taubaté e Guaratinguetá, por exemplo, a igreja principal, a matriz, sempre se posiciona de frente ou de lado para o curso d’água, nunca de costas para este, talvez uma forma de bem construir, de bem apresentar a povoação.

Fig.006: Vista de Aparecida por volta de 1930, quando ainda era uma pequena aglomeração de casas no entorno do santuário, estabelecido sobre o Morro dos Coqueiro e de frente para o Rio Paraíba. Fonte: Aparecida, s.d.

O mesmo acontece a cidades situadas em meias-encostas, ocupação mais usual ao século XIX, ocorrida a Iporanga, Ilhabela, Jarinu, São José do Barreiro, Limeira e Santa Branca: todas cidades com uma frente definida pela fachada do edifício da igreja, cujo piso era sempre alinhado com o nível do terreno da parte posterior do templo, criando uma escadaria à frente e alçando-lhe a fachada, aumentando-lhe a imponência (ROSADA, 2010, p.74). A construção eclesiástica como o edifício principal, mais alto e mais vistoso, não apenas nessas como em todas as vilas da Colônia em que fosse possível destacá-la.

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Capítulo 1 - Arquitetura

Há, ainda, no Estado de São Paulo, oito cidades surgidas a partir de capelas devocionais: NÚCLEOS FUNDADOS A PARTIR DE CAPELAS DEVOCIONAIS Cidades da Pesquisa Tremembé Nazaré Paulista Guararema - Ajuda

Data Situação urbana 1672 Planície 1676 Promontório 1698

Cidades da Pesquisa Bom Jesus dos Perdões Ribeirão Pires Aparecida

Data Situação urbana 1705 Promontório 1717 1741

As capelas de devoção foram geralmente construídas por algum indivíduo que desejava criar um local de peregrinação ou simplesmente pagar uma promessa a um santo de estima. Todas, à exceção de Tremembé, acabaram por se localizar, como as igrejas de patrimônio, em topos de elevações, porém, neste caso, de dimensões muito mais exíguas, pois não se imaginava o desenvolvimento de uma povoação ao seu redor. Acabaram por ter a mesma característica e o mesmo problema: as vilas que cresceram ao lado dessas igrejas, em pouco tempo e com poucas edificações, ocuparam todo o promontório, sendo impelidas descerem as íngremes encostas do outeiro, criando um ambiente urbano cheio de ladeiras.

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1.2 A TECTÔNICA DAS IGREJAS PAULISTAS

1.2.1 CONSTRUÇÕES COM TERRA

Taipa de Pilão Pode-se dizer, e muitos autores já o disseram, que a taipa de pilão é a técnica construtiva que identifica as grandes obras paulistas até fins do século XIX. A taipa de mão, ou pau-a-pique, era ainda mais difundida, pois a edificação com essa técnica era mais rápida e barata. No entanto, na forma de construir portuguesa toda a estrutura do telhado descarregava seu peso apenas no perímetro da edificação, o que significa que telhados maiores acarretavam em esforços maiores para as paredes. Esse foi um dos motivos que fez com que as igrejas, geralmente construções de grandes dimensões, tivessem grossas paredes de terra apiloada. O mesmo ocorria a casas de câmara, residências senhoriais e sedes de fazendas. Não só por motivos estruturais a taipa era preferida em detrimento do pau-a-pique. Era material mais nobre e mais durável (SCHMIDT, 1946), mas alguns autores céticos quanto à sua resistência declararam que: Pouco existe para dizer sobre a arquitetura no Estado de São Paulo, no século XVIII. Empobrecida pelo espírito de aventura de seus bandeirantes, que iriam povoar os sertões das minas, a região não assistiu ao empreendimento de grandes monumentos. O caráter sensacional da construção da torre do colégio dos jesuítas de pedra e cal, em 1701, mostra bem o atraso desta região que, carente de bom material lapidar, se manteve fiel à taipa e ao adobe, até o último século. (...) Na realidade, em nenhuma outra região a reedificação dos monumentos antigos foi tão intensa e esse fato se explica, não só pela má qualidade do material empregado, como pelo gigantesco impulso desenvolvimentista ocorrido em São Paulo no século XX (BAZIN, 1983: 250).

Desconsiderando (ou desconhecendo) o fato de haver em São Paulo construções quase quadricentenárias de taipa, como a Capela de São Miguel Paulista, o texto do curador do Museu do Louvre imprimiu a imagem de uma arquitetura precária, até mambembe, realizada em São Paulo. É importante que se note que, mesmo depois de enriquecido com o segundo ciclo da cana no fim do século XVIII e do café no século XIX, os paulistas continuaram construindo em terra crua, como fica patente ao se observar, por exemplo, as imensas e requintadas sedes de fazenda feitas nessa técnica no Vale do Paraíba e no Oeste Paulista (LEMOS, 1999; BENINCASA, 2003). Outro fator importante a se considerar que encontramos em tantos guias históricos e turísticos de cidades paulistas, é que a construção com barro teria sido escolhida em detrimento da alvenaria de pedra

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Capítulo 1 - Arquitetura

porque era difícil encontrarem-se rochas no planalto. Se essa afirmação fosse verdadeira, a capital, toda construída em taipa, não teria passado por um surto de construção de cantaria no final do século (CERQUEIRA, s.d.), com a fatura de arrimos, novas pontes, e a reconstrução parcial ou total de frontispícios e torres de quase todas as igrejas da cidade. A verdade é que a pedra era mais cara, mais difícil de se extrair, o que num primeiro momento, ao menos nos três primeiros séculos, fez com que florescesse um corpo técnico e uma tradição na construção com terra crua. Sim, o paulistas eram ótimos taipeiros, e por esse motivo a técnica se difundiu tanto pelo Estado e por áreas próximas (algumas igrejas das cidades mais antigas de Minas Gerais, como o Pilar de Ouro Preto, a Catedral de São João del-Rei e as matrizes de Sabará, Barbacena, Prados e Tiradentes possuem pelo menos parte de suas paredes de terra apiloada) e demorou para cair em desuso. Não seria diferente com os templos religiosos, onde a taipa foi também a técnica dominante. Dentre as igrejas das quais analisamos a arquitetura neste trabalho, 95 no total, quinze foram construídas com alvenaria de pedra e oitenta em taipa de pilão. Essas duas maneiras de se construir têm uma divisão geográfica muito clara: a Serra do Mar. As igrejas do litoral são todas de pedra, enquanto que a taipa reina absoluta nos casos do interior, com algumas obras ostentando o frontispício e/ou as torres em pedra. As duas únicas exceções que constatamos são, no litoral, a Igreja Matriz da Exaltação da Santa Cruz de Ubatuba, erigida em taipa e, no planalto, o antigo Mosteiro de São Bento (demolido em 1912), inteiramente de pedra. Fig.007: Elevação de uma parede de taipa de pilão em construção que se realizava ao lado do Largo da Matriz Nova de Campinas. Desenho: Hercules Florence, 1825. Fonte: Leite, 2004.

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Fig.008: Detalhe de desenho do inglês William Burchell que mostra a construção de um novo frontispício da Matriz Velha de Santa Cruz de Campinas (onde hoje se ergue a Basílica do Carmo), em frente, sobreposto ao antigo. Pode-se ver, também, o monte de terra colocado à frente da obra para seu uso na elevação dos próximos taipais. Desenho: William Burchell, 08 de agosto de 1827. Fonte: Ferrez, 1981, p.109.

O grande senão da taipa de pilão é sua incapacidade de sustentar-se se em contato com a água, desmanchando-se, em grande parte por problemas iniciados pela falta de manutenção nos telhados, que permitiu que as águas pluviais atingissem as paredes. Os relatos de igrejas em estado ruinoso encontrados são muito numerosos. Por exemplo, dentre os documentos da Commissão de Construção das Igrejas guardados no Arquivo do Estado, encontramos, para os períodos de 1838-1845 e 1875-1890, ou seja, num total de apenas 22 anos, nada menos que 56 processos de pedidos de verba ou abertura de loterias para angariar fundos para recuperar templos. Em sua quase totalidade, são casos de refatura de partes arruinadas. São comuns relatos como o da reconstrução (e aí dificilmente podemos distinguir se parcial ou total) da Igreja de São Gonçalo da capital: em 1858, achando-se em ruína a mesma egreja, foi consignado, pela assembleia provincial, na lei do orçamento, um auxilio de 1.000$000 e em 1880 e 1881 foram concedidas três loteria para as obras da referida egreja (SÃO PAULO, 1971f, f.29). Algumas igrejas e monastérios foram reconstruídos mais de uma vez, como foi o caso do Convento de São Luís de Itu (RÖWER, 1957, p.415), cujos padres franciscanos estavam sempre às voltas com obras para refazê-lo quase por completo, pois todos os trechos da edificação apresentavam problemas. Foram ainda constantes os casos de obras que demoraram muitos anos para serem terminadas, ou que minimamente conseguissem chegar a ser cobertas para proteger suas as taipas, resultando no desmoronamento de paredes inconclusas e na refatura de vários trechos até a conclusão dos trabalhos. Dois bons exemplos disso são as longas obras da Matriz Nova (atual Catedral) de Campinas, cuja construção, iniciada em 1807, se arrastou por 38 anos até ser feita a cobertura, com muitos relatos de desmoronamentos da taipa durante os anos em que esteve desprotegia (LEITE, 2003, p.16); outro caso é do pedido de verba, feito pelos habitantes de Taubaté para a construção da capela-mor e conclusão da matriz da vila, ao rei D. José I em 1764, cujas correspondências entre o governo da metrópole e os visitadores que fiscalizaram a obra demonstra vários problemas de paralização e consequentes perdas das paredes térreas até a conclusão da igreja, em 1793 (SÃO PAULO, 1792), 29 anos depois e já no reinado de D. Maria I, com D. João IV como regente.

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Capítulo 1 - Arquitetura

E problemas do contato da taipa de pilão com a águas continuou a ocorrer, com fatos até anos recentes. Se quando a água vem pela parte de cima acarreta em problemas, as inundações são fatais. Como exemplo recente temos, em 2010, o desmoronamento da Igreja Matriz e da Capela das Mercês, em São Luiz do Paraitinga, templos bicentenários que não resistiram à grande enchente daquele ano, quando a água chegou, certamente, a níveis que nunca antes tinha atingido.

Taipa de mão Outra técnica também muito comum foi a taipa de mão, ou pau-a-pique, esta disseminada em todo o território nacional. Essa técnica se destinava geralmente a edificações menores ou provisórias, se edifícios públicos, quando se vislumbrava a possibilidade de ampliação ou nova edificação posterior, definitiva, que seria, aí sim, feita em pedra ou, na forma mais comum em são Paulo, em taipa. Isso não impediu que alguns bons sobrados paulistas fossem feitos com essa técnica, ainda que não fosse a predominante nesses casos. A igreja era a casa de Deus e, por isso, se fazia com o melhor que se tinha disponível, por isso em nenhuma igreja da pesquisa o pau-a-pique é a técnica predominante. Geralmente ainda resiste em divisões internas e algumas poucas paredes. Muitas vezes se fazia a capela provisória em taipa de mão, construindo-se ou ampliando-se depois o templo com terra apiloada. A segunda capela construída em c.1735 em devoção a Nossa Senhora Aparecida pelo Padre José Alves Vilela, na cidade homônima, era de pau-a-pique (BASÍLICA, [195-], p.22), sendo depois abandonada quando se construiu a igreja no Morro dos Coqueiros. Outros templos foram ampliados e reformados. Como exemplo, temos o Termo de Erecção desta Fregª de S. Anna das Arêas, no qual o visitador da Diocese de São Paulo, Manoel José Bitencourt descreve que a igreja “foi vista e examinada na fabrica de madeira de páo apique coberta de telha com seo coro, sacristia e capella mór ainda nua” (BITENCOURT, 1787, p.01). A bela Igreja Matriz de Areias é atualmente um templo de taipa de pilão com frontispício e torres de pedra, mas conserva as paredes divisórias internas a parte posterior da capela-mor em pau-a-pique.

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^ Fig.009: Corte longitudinal da Igreja Matriz de Areias, onde se vê, na frente, a alvenaria de pedra, na altura do arco-cruzeiro, a taipa de pilão, e na parede posterior da capela-mor, o pau-a-pique. Desenho: L. A Passaglia, c.1980.

< Fig.010: Oitão de taipa de mão com incrustações de cacos de telhas, provavelmente para proteção contra chuvas, na parede posterior da Igreja do Rosário de Paraibuna. Foto: IPHAN, 1981.

Adobe Os casos de uso de alvenaria de tijolos crus, ou adobe, são mais incomuns e temos poucas ocorrências. Sabemos que algumas aldeias franciscanas, como São Miguel Paulista (originalmente jesuítica, foi assumida pelos franciscanos em 1698), criaram olarias de produção de tijolos crus e devem ter fornecido material para localidades próximas. A própria igrejinha de São Miguel foi alteada na década de 1780 utilizando adobe (BRASIL 1938b; SÃO PAULO, 1970k; ANDRADE, 2014). Há pelo menos mais uma ocorrência da técnica conhecida entre os exemplares que pesquisamos: a sacristia, o corredor direito e o consistório da Igreja da Boa Morte de São Paulo, construídos em duas reformas, em 1825 e 1860 (MAGALGI, 2009, p.35-43). É muito provável que existam outras partes de igrejas e construções históricas paulistas realizadas em adobe, mas a semelhança em espessura das paredes pode confundi-las com taipa de mão.

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Capítulo 1 - Arquitetura

Alvenaria de tijolos, o barro cozido Encontramos, com frequência, intervenções mais recentes feitas em tijolo cerâmico. Seu uso começou a ser disseminado apenas na segunda metade do século XIX, provocando o desaparecimento quase que completo do uso da taipa e da alvenaria de pedra já no início do século XX. Dentre as igrejas observadas, uma quantidade significativa recebeu acréscimos, melhorias e até reforços estruturais em tijolo. As colunas da fachada da Catedral de Campinas, por exemplo, são desse material, enquanto todo o prédio é de taipa, com paredes de até 2,0m de espessura (LEITE, 2004, p.17). E existem vários casos em que a construção de taipa foi parcial ou completamente encapsulada por uma parede externa de tijolos, como o da Igreja do Rosário de Paraibuna, cuja parte inferior de seu perímetro recebeu esse tratamento em 1981-1982 (BRASIL, 1982), para protegê-la das chuvas, e o da Igreja dos Remédio de Jacareí, cujos tijolos que cobriam a taipa do frontispício ficaram expostos quando o telhado ruiu e evidenciaram a reforma que a igreja sofreu provavelmente no século XX.

b a Fig.011: Encapsulamento de tijolos do embasamento da Igreja do Rosário de Paraibuna (a), e os tijolos expostos após a queda do telhado da Igreja dos Remédios de Jacareí (b). Fotos: IPHAN, 1981 (a); Condephaat, 1983 (b).

O tijolo foi visto, a partir do último quartel do século XIX, como material ideal para construção e reconstrução de partes danificadas das edificações e mesmo para realizar reformas estilísticas durante o período do ecletismo, visto que os ornamentos muitas vezes não aderiam à taipa. Para citar alguns exemplos, são de tijolos a sacristia e capela-mor da Capela do Avareí de Jacareí e os frontispícios e torres das igrejas de Bom Jesus dos Perdões (PASSOS, 1994, p.28), do Bom Jesus de Tremembé (FRAZÃO, 2001, p.50), da Boa Morte de Limeira (CARITÀ, 1998a), da Matriz de Piracaia e dos Rosários de Paraibuna (BRASIL, 1982, p.01) e Jacareí (BIJAREL, 1995, p.02).

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1.2.2 A PEDRA

Alvenaria Os paulistas pouco construíram com pedra. Não podemos afirmar que a pedra fosse abundante em todo o Estado, mas certamente não havia grandes dificuldades como classicamente se apregoa. No entanto, a facilidade de obtenção de solos argilosos no planalto, que propiciam maior liga às paredes, foi um fator a mais para que acabasse se formando um completo quadro de profissionais que a trabalhassem. Mestres-taipeiros, tínhamos aos montes e eles dominaram o mercado de construção, restando pouca brecha para os mestres-canteiros e pedreiros. Por ser uma região geograficamente muito distinta do interior, o litoral conheceu outro desenvolvimento das técnicas de construção, diferente do que ocorreu serra acima. Inicialmente, a facilidade de obtenção de material pétreo era muito maior nas vilas costeiras. E estas possuíam, além de tudo, outra composição pedológica: solos mais arenosos, menos ligantes e, por isso, menos próprios para a construção.

a

b ^ Fig.012: Lateral da Igreja Matriz de Santana de Itanhaém (a) e fachada do Convento de Nossa Senhora da Conceição, na mesma cidade (b), no qual se pode ver o tramo ruinoso do convento em pedra. Fotos: Mateus Rosada, 2014.

< Fig. 013: Queda do reboco evidenciou a capela-mor de pedra da Igreja do Rosário no Quilombo de Ivaporunduva, em Eldorado. Foto: Lemos, 1984, p.51.

As condições materiais associadas ao clima extremamente pluvioso (chove cerca de 2000mm ao ano no litoral paulista, no interior, perto de 70% disso) levaram os caiçaras a preferirem a alvenaria de pedra, mais segura frente às constantes chuvas que sempre atingiram a região, pois era sabido que a água era

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Capítulo 1 - Arquitetura

inimiga da taipa. Resultado de todos esses fatores é que as igrejas do litoral construídas na Colônia e no Império são todas, à única exceção da já citada Matriz de Ubatuba, em pedra. Nos baixios próximos ao mar, desenvolveram-se outros ambientes para a construção e outros perfis profissionais. Num misto dessa linha e a do interior, está a Igreja do Rosário do quilombo de Ivaporunduva, único caso paulista que conhecemos em que a capela-mor é de pedra e o corpo da igreja, de taipa. Ainda tivemos, no final do século XVIII, um surto de construção em alvenaria pétrea na capital São Paulo, isolado, com raríssimos casos em outras cidades do Estado até o fim da centúria seguinte. Essa pequena revolução na sede da então Capitania deve-se a dois nomes, ao português Bento de Oliveira, vindo de Santos, cidade com o maior número de obras desse gênero e as mais elaboradas de então na região, e seu escravo Joaquim Pinto de Oliveira Tebas, que se tornou mestre após a morte de Bento. No entanto, as tantas reformas que alteraram quase todos os templos paulistanos nesse período (SILVANIGRA, 1958, p.827) não modificaram os corpos das igrejas. Geralmente se basearam em uma nova ornamentação interna e, externamente, na reconstrução de frontispícios e elevação das torres, agora em pedra. Todas essas igrejas e capelas paulistanas, reedificadas ou reformadas nesse período tiveram em comum o fato de terem então aplicado a pedra de cantaria na fatura de seus frontispícios. Mais não ousaram. Embora nalgumas se tenham empreendido obras de grande vulto, reconstruindo quase que inteiramente seus edifícios (inclusive torres e alas conventuais), no que respeita ao uso da pedra, limitou-se sua aplicação tão somente às fachadas. Foi um momento em que se “renovou” amplamente o que havia de mais antigo e, certamente, de muito próprio da (singela?) arquitetura religiosa entre nós produzida no período anterior – edificada toda em taipa de pilão que era o sistema caracteristicamente paulista de construir. Dos edifícios religiosos construídos no século XVII, o único que conseguiu passar quase que incólume por esse “movimento de renovação estilística” que atingiu a cidade, foi a capela jesuítica da aldeia de São Miguel. Igrejas ainda mais singelas, de irmandades mais humildes, se não efetuaram reformas nesse momento, sofrerão mais tarde, já no século XIX. E o interessante é que, quando as realizam, na maioria das vezes ficaram limitadas às fachadas. (CERQUEIRA, s.d., p.06)

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Cantaria Um dos resultados da pequena quantidade de construções de pedra no Estado é a ausência quase absoluta de obras de cantaria, o que confere características bastante diversas dos templos das cidades litorâneas brasileiras e da região central mineira. Vamos encontrar, no mais das vezes, alguns batentes de portas feitos em pedra lavrada e poucos casos em que todos os elementos decorativos da fachada são feitos de material pétreo trabalhado. Os principais trabalhos se concentraram em Santos, maior porto paulista, e na capital. Essas duas cidades eram os centros urbanos mais ricos, mais populosos e com maior número de edificações religiosas. Há, nas outras cidades litorâneas, todas portos de menor movimento, obras mais singelas e em menor quantidade, destacando-se, dentre elas, o caso excepcional da Basílica de Bom Jesus do Iguape, já uma obra do século XIX, cujos mestres-canteiros, José dos Reis e Agostinho Moreira Martins, foram contratados no Rio de Janeiro (BRASIL, 2009, p.177). Em São Paulo, duas das melhores obras de fachada em cantaria, ambos trabalhos de Tebas, foram demolidas: a Antiga Sé e o São Bento. Restam bons trabalhos desse mesmo profissional na Igreja da Ordem Terceira do Carmo, no entanto, a pintura que certamente encobre alguns elementos de pedra e modificações neocoloniais na fachada inseridas por Ricardo Severo em 1928 (pelo menos o óculo foi alterado e a torre, acrescentada) confundem a leitura.

Fig.014: A Antiga Sé, um dos poucos exemplares com trabalho completo de cantaria de fachada, presente nas pilastras, cornijas e molduras. Desenho: Mateus Rosada, 2014.

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Capítulo 1 - Arquitetura

No litoral, é possível que os ornamentos hoje integralmente caiados das igrejas da Conceição e de Santana (Matriz) de Itanhaém e do Mosteiro de São Bento de Santos sejam de pedra lavrada. Nessa região, os dois melhores exemplos de trabalho em pedra ainda aparentes e facilmente identificáveis são o do conjunto das Igrejas do Carmo de Santos e o da Basílica do Bom Jesus de Iguape. Fig.015: Fachadas do conjunto do Carmo de Santos (a) e da Basílica de Bom Jesus do Iguape em 1876 (b) e 2014 (c), com torres e novo frontão de fins do século XIX. Fonte: Fortes, 2006, s.p. (b); Fotos: Mateus Rosada, 2014 (a, c);

a

b

c

O conjunto do Carmo santista constitui hoje certamente o maior plano de fachada com cantaria preservado no Estado, com as duas igrejas, a da Ordem Terceira à esquerda e a conventual à direita, adossadas à mesma torre central. Possuem bons trabalhos de cimalhas nos frontões e sobre as portas e janelas, e os elementos mais elaborados são as volutas do coroamento da Ordem Terceira, os balaústres da torre, os coruchéus e as cruzes de ambas os templos, integralmente de pedra lavrada.

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A Basílica de Bom Jesus do Iguape é o único exemplar do Estado que se aproxima do estilo arquitetônico e decorativo que se chamou de pombalino, uma leitura lusa do tardo-barroco italiano que floresceu em Portugal, na área de influência de Lisboa e, no Brasil, disperso em poucos exemplares na cidades costeiras do Rio de Janeiro, Salvador, Recife e Belém do Pará, os maiores centros urbanos coloniais, que tinham uma comunicação mais intensa com a capital do império português. É certamente carioca a origem dessa influência em Iguape, uma vez que o trabalho de cantaria da fachada foi realizado em 1872 pelo mestre-canteiro José dos Reis e seu ajudante Agostinho Moreira Martins, vindos da capital fluminense. São especificamente pombalinos os painéis quadrangulares em ressalto nos planos brancos da fachada e as molduras das janelas e da portada com sobrevergas altas e de formas variadas, com a inserção de medalhões e era ainda mais característico do estilo o frontão da fachada que se via na foto de 1876, ostentando arremate superior com curvatura em ponta, tipo pagode, como se encontra em igrejas projetadas por Francesco Borromini (1599-1667) no seiscento italiano. O frontão de Iguape foi, em alguma altura do século XX, encoberto pelo atual, que está construído à frente do original, ainda existente. No interior, encontramos alguns molduras de portas nas igrejas do Pilar de Ribeirão Pires e da Boa Morte de Limeira, assim como nas molduras de todas as envasaduras da Catedral de Campinas e ainda, totalmente fora dos padrões, o refinado trabalho da Matriz Basílica de Aparecida, já de fins do século XIX. É possível que também os elementos decorativos da fachada da Matriz de Areias sejam em cantaria e tenham sido cobertos por pintura, uma vez que toda a modenatura se aproxima da Basílica de Aparecida.

a b c Fig.016: Detalhes do trabalho de entalhe me pedra da fachada da Matriz Basílica de Aparecida: sobre a porta principal (a), relógio (b) e moldura sobre uma das janelas do coro (c). Fotos: Mateus Rosada, 2014.

Ao todo, temos, em no Estado, dezenove templos com algum trabalho de ornamentação em pedra lavrada em suas fachadas, conforme a tabela que se segue.

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Capítulo 1 - Arquitetura

IGREJAS COM ELEMENTOS ORNAMENTAIS DE CANTARIA NA FACHADA (19) Igreja, município (construção)

Cantaria aparente

Igreja Conventual de Nossa Senhora do Carmo, Santos (1599) Igreja de Nossa Senhora do Amparo, São Sebastião (1637) Igreja de São Francisco, São Paulo (1642) Igreja de Nossa Senhora do Desterro, Mosteiro de São Bento, Santos (1644) Igreja de Nossa Senhora da Conceição, Itanhaém (1699) Capela de Nossa Senhora do Pilar, Ribeirão Pires (1714) Catedral Metropolitana de Nossa Senhora da Assunção, Catedral da Sé, São Paulo (1745 - demolida)

molduras, batentes, pilastras e cornijas porta principal porta principal portas e janelas

Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Santos (1752) Igreja de São Gonçalo Garcia, São Paulo (1756) Igreja Matriz de Nossa Senhora do Carmo, São Paulo (1759)

molduras, batentes, pilastras e cornijas porta principal Arcos da galilé, molduras das portas e das janelas

Basílica Abacial de Nossa Senhora da Assunção, Mosteiro de São Bento, São Paulo (1772 - demolida)

molduras, batentes, pilastras e cornijas

Igreja de Santo Antônio Galvão, Mosteiro da Luz, São Paulo (1774) Igreja das Chagas do Seráfico Pai São Francisco, Ordem Terceira da Penitência, São Paulo (1783)

Arcos da galilé embasamento e porta principal

Basílica Santuário do Bom Jesus do Iguape, Iguape (1788) Catedral Metropolitana de Nossa Senhora da Conceição, Campinas (1807) Igreja de Nossa Senhora da Boa Morte, São Paulo (1810) Igreja Matriz da Exaltação da Santa Cruz, Ubatuba (1834) Basílica Velha de Nossa Senhora Aparecida, Aparecida (1744) Igreja de Nossa Senhora da Boa Morte e Assunção, Limeira (1858)

molduras, batentes, pilastras e cornijas embasamento, molduras das portas e janelas porta principal porta principal molduras, batentes, pilastras e cornijas porta principal

porta principal porta principal portada

Quando se trata de uso de cantaria no interior dos templos, a ocorrência é ainda mais restrita. Observamo-la em cornijas, bases de púlpitos, colunas de coro e arcos-cruzeiros de nove igrejas, e todas no litoral, uma vez que os templos do planalto, por mais que tenham construído novos frontispícios em pedra, mantiveram naves de taipa.

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IGREJAS COM ELEMENTOS ORNAMENTAIS DE CANTARIA NO INTERIOR (09) Igreja, município (construção) Igreja Conventual de Nossa Senhora do Carmo, Santos (1599)

Igreja de Nossa Senhora do Amparo, São Sebastião (1637) Igreja Matriz de Santana, Itanhaém (1639) Igreja do Convento de Santo Antonio do Valongo, Santos (1640) Igreja de São Francisco, São Paulo (1642) Igreja de Nossa Senhora do Desterro, Mosteiro de São Bento, Santos (1644) Igreja de Nossa Senhora da Conceição, Itanhaém (1699) Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Santos (1752)

Igreja de Nossa Senhora do Monte Serrat, Santos (1756)

Cantaria observável colunas do coro, cornijas, base dos púlpitos, arco cruzeiro e batentes de portas e tribunas batentes de portas arco cruzeiro e batentes de portas arco cruzeiro e batentes de portas arco cruzeiro base dos púlpitos e batentes de portas e tribunas base dos púlpitos, arco cruzeiro e batentes de portas e tribunas colunas do coro, cornijas, base dos púlpitos, arco cruzeiro e batentes de portas e tribunas base do púlpito

Que se destaque os trabalhos de cantaria nos interiores das igrejas santistas, os mais elaborados do Estado. Encontramos, No Mosteiro de São Bento daquela cidade, a base do único púlpito com uma vetusta mísula talhada na pedra. A igreja da Ordem Terceira do Carmo ostenta a cantaria mais refinada, com a inusitada solução das quatro colunas pseudossalomônicas do coro com uma pia de água benta em cada uma de suas bases, exemplar talvez único no Brasil, e as bases dos púlpitos com delicados relevos com flores e folhas de acanto.

a b c Fig.017: Base de coluna do coro da Igreja da Ordem Terceira do Carmo de Santos (a), com sua curiosa pia de água benta integrada; púlpitos da mesma igreja (b) e do Mosteiro de São Bento santista (c).

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Capítulo 1 - Arquitetura

1.2.3 CARPINTARIA

A estrutura dos telhados e tesouras Outro aspecto que podemos observar nos remanescentes religiosos paulistas é a estrutura do telhado e sua influência na conformação do espaço interno dos temFig.018: Tesoura Romana. Desenho: Silvio Colin.

plos. Praticamente junto à disseminação do uso do tijolo, na segunda metade do século XIX, tivemos a popularização da tesoura romana, utilizada na quase totalidade dos

Fig.019: Tesoura de Linha Suspensa. Desenho: Silvio Colin.

telhados brasileiros até os dias atuais. No caso das igrejas pesquisadas, nota-se o uso, na grande maioria dos casos, da tesoura de linha suspensa e, em menor grau, da tesoura de Santo André, ou mesmo o caso da fusão de ambas, com a feitura da cruz de Santo André na parte superior da

Fig.020: Tesoura de Santo André. Desenho: Silvio Colin, 2010.

tesoura. Esse alteamento da linha central cria um espaço que foi utilizado largamen-

te na Colônia e no Império para tornar os espaços principais das igrejas, a nave e a capela-mor, mais altos, com a instalação de forros que passam da altura das paredes.

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Forros Em todos os exemplares que pesquisamos, há duas conformações de forro mais comuns, que respondem por praticamente quatro quintos de todo o recorte que abrangemos. Tratam-se dos forros sextavados e em abóbada de berço.

b a Fig.021: Igreja de São Miguel Paulista (a), com o madeiramento aparente do telhado evidenciando as tesouras de linha alta. Igreja Matriz de Itanhaém (b), cuja capela-mor tem forro em abóbada plena e a nave em abóbada abatida. Fotos: Mateus Rosada, 2013.

b a Fig.022: Aspecto da Igreja franciscana de Santo Antônio do Valongo antes (a), com forro em abóbada, e depois (b) da reforma estilística que sofreu em 1935-1936, com o atual forro plano de cantos arredondados. Fonte: Sinzig, 1926 (a) (foto gentilmente enviada por Frei Roger Bonório, OFM); Foto: Mateus Rosada, 2013 (b).

Dentre as igrejas analisadas, os forros que cobrem as naves de 27 delas têm a forma sextavada e 45, praticamente a metade, são abobadados. Nas capelas-mores, a solução do teto em abóbada é ainda mais usual: 12 possuem teto sextavado e 71 são abobadadas. Note que apenas vinte naves possuem outro formato de teto e somente nove escapam à regra nas capelas maiores. Forros planos, por exemplo, são casos excepcionais e, invariavelmente, reformas recentes, feitas a partir do século XIX.

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A opção por altear os tetos das áreas de celebração é de uso muito antigo e recomendada pelas Instrucciones de São Carlos Borromeo, oficializando preceitos de bem-construir do Concílio Tridentino. A publicação afirmava em 1577:

Que nas igrejas se construam tetos artesoados. Tanto ensina o uso de certas basílicas romanas como aconselha a significação do mistério; no entanto, segundo o costume dos lugares que não será estranho que se façam abobadados, para que os edifícios estejam mais seguros de incêndio, assim como de fato se apreciam tetos com obra 2 abobadada em basílicas insígnes e antigas da urbe e da província milanesa (BORROMEO, 1985, p.09-10 – tradução nossa).

Borromeo dizia tais palavras sobre tetos em abóbadas de tijolos. Na tradição lusa, porém, tanto a estrutura dos telhados como os forros são de madeira, mas acompanharam, tanto lá como cá, preceitos escritos por pelo arcebispo de Milão. Os forros sextavados são tecnicamente mais simples de serem executados, pois seus planos se fixam diretamente na estrutura das tesouras. Talvez por isso sejam mais frequentes em templos construídos até o início do século XVIII, tempos mais difíceis do começo da colonização.

b a Fig.023: Naves com forros sextavados: da Matriz de São Sebastião (a) e do Rosário do Embu (b). Fotos: Mateus Rosada, 2013 (a,b).

2

No original da edição em espanhol: Que en las iglesias se construyan techos artesonados, tanto enseña el uso de ciertas basilicas romanas, como aconseja la significación del misterio; sin embargo, según la costumbre de los lugares no será extraño que se hagan abovedados, para que los edificios estén más a salvo de incendio, como en efecto se aprecian techos con obra abovedada en basílicas insignes y antiguas de la urbe y de la provincia milanesa.

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A partir desse período, passaram a ser menos executados, sendo mais comuns os tetos em abóbada de berço, que representam hoje a maioria dos acabamentos que cobrem as naves e capelas-mores paulistas. Para se poder fixar as tábuas de um teto em abóboda, é necessário construir-se uma estrutura de cambota, e sua complexidade maior pode justificar uma disseminação mais tardia. Há variações no padrão, desde abóbadas plenas, semicirculares, até abóbadas mais abatidas. São mais baixos, por exemplo, os forros do Rosário de Iguape, da Matriz de Itanhaém, da Encontram-se ainda, conforme a estruturação da cambota, tetos com cinco a onze faces, cujo aspecto aproxima-se de uma abóbada, a exemplo dos forros da Matriz de Areias e do Rosário de Piracaia.

b a Fig.024: Naves com forros facetados: do Rosário de Piracaia, com cinco faces (a) e da Matriz de Santana de Areias, com 11 faces (b). Fotos: Mateus Rosada, 2014 (a,b).

Nas capelas, tanto mores como laterais, o perfil do teto é mais comumente semicircular, pleno, porque faz-se necessário que o desenho do fundo da capela seja um arco romano para a instalação de um retábulo de boa composição. Vê-se que era aceitável que a abóbada fosse levemente abatida, pois sua forma seria adaptada na composição do coroamento do retábulo.

Elaboramos uma tabela de Tipologias dos Forros das Igrejas Pesquisadas, com 92 igrejas das quais temos informação sobre os tetos.

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Capítulo 1 - Arquitetura

TIPOLOGIA DOS FORROS DAS IGREJAS Igreja, município (ano) Igreja Matriz de São João Batista, Cananeia (1577) Igreja de Santo Antônio, São Paulo (1592) Igreja Conventual de Nossa Senhora do Carmo, Santos (1599) Igreja Matriz de São Sebastião, São Sebastião (c.1600) Capela de São Miguel Arcanjo, São Paulo (1622) Igreja Matriz de Nossa Senhora da Ajuda, Itaquaquecetuba (1624) Igreja de Nossa Senhora do Amparo, São Sebastião (1637) Igreja Matriz de Santana, Itanhaém (1639) Igreja do Convento de Santo Antonio do Valongo, Santos (1640) Igreja de São Francisco, São Paulo (1642) Igreja de Nossa Senhora do Desterro, Mosteiro de São Bento, Santos (1644) Igreja do Bom Jesus, Companhia de Jesus, São Paulo (1653 - demolida) Igreja de Santana, Mosteiro de São Bento, Sorocaba (1654) Capela do Sítio de Santo Antonio, São Roque (1681) Capela de Nossa Senhora da Ajuda, Guararema (1682) Capela de São Gonçalo, São Sebastião (1690) Igreja Matriz de Nossa Senhora da Ajuda, Ilhabela (1697) Igreja de Nossa Senhora da Escada, Guararema (1698) Igreja de Nossa Senhora da Conceição, Itanhaém (1699) Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Embu das Artes (1700) Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Taubaté (1700) Catedral de Santo Antônio , Guaratinguetá (1701) Catedral de Nossa Senhora da Conceição, Guarulhos (1743) Capela de Nossa Senhora do Pilar, Ribeirão Pires (1714) Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Santa Isabel (1723) Igreja de Nossa Senhora do Pilar, Taubaté (1725) Igreja de Santa Rita, Itu (1726) Igreja de Nossa Senhora dos Remédios, São Paulo (1727 - demolida) Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, Cunha (1731) Capela de Santa Catarina, Carapicuíba (1736) Igreja Matriz de São João Batista, Atibaia (1744) Catedral Metropolitana de Nossa Senhora da Assunção, Catedral da Sé, São Paulo (1745 - demolida) Igreja de São Pedro dos Clérigos, São Paulo (1745 - demolida) Igreja Matriz de Nossa Senhora Mãe dos Homens, Porto Feliz (1747) Santuário do Senhor Bom Jesus do Matosinhos (Igreja de São Benedito), Mogi das Cruzes (1747) Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Iguape (1751) Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Santos (1752) Igreja Conventual de Nossa Senhora do Carmo, Mogi das Cruzes (1753) Igreja de Nossa Senhora do Monte Serrat, Santos (1756) Igreja de São Gonçalo Garcia, São Paulo (1756) Igreja da Ordem Terceira do Carmo, São Paulo (1742) Basílica Velha de Nossa Senhora Aparecida, Aparecida (1744) Igreja Matriz de São Vicente Mártir, São Vicente (1757) Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Mogi das Cruzes (1762) Igreja de Bom Jesus, Itu (1763)

Teto Nave sem forro abóbada plena abóbada plena sextavado sextavado abóbada abatida sextavado abóbada abatida plano curvado dos lados abóbada plena abóbada plena sextavado caixotão sextavado sextavado sem forro sextavado sextavado sextavado sextavado sextavado abóbada plena plano abóbada abatida sextavado abóbada abatida forro de gamela sextavado s.i. abóbada abatida sem forro abóbada abatida abóbada abatida

Teto Capela-mor sem forro abóbada plena plano, era abóbada plena abóbada abatida abóbada plena abóbada abatida abóbada plena abóbada plena abóbada abatida abóbada plena abóbada plena sextavado caixotão sextavado abóbada abatida abóbada plena sextavado abóbada abatida, era abóbada plena abóbada plena abóbada abatida sextavado abóbada plena abóbada plena abóbada plena sextavado abóbada abatida abóbada abatida abóbada abatida, era abóbada plena abóbada plena abóbada plena sem forro abóbada plena abóbada plena

s.i. plano com nichos octogonais abóbada abatida

s.i. abóbada plena

abóbada abatida plano curvado dos lados, era sextavado abóbada plena sextavado abóbada plena abóbada abatida plano abóbada abatida abóbada plena plano com nichos octogonais

abóbada abatida abóbada plena

abóbada plena

abóbada plena sextavado abóbada plena abóbada plena abóbada plena abóbada abatida abóbada plena abóbada plena

Igrejas Paulistas da Colônia e do Império

Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, Atibaia (1763) Capela de Nossa Senhora dos Remédios, Jacareí (c.1770) Igreja Matriz de Nossa Senhora da Candelária, Itu (1770) Basílica Abacial de Nossa Senhora da Assunção, Mosteiro de São Bento, São Paulo (1772 - demolida) Capela de Nossa Senhora dos Aflitos, São Paulo (1774) Igreja de Santo Antônio Galvão, Mosteiro da Luz, São Paulo (1774) Capela de Nossa Senhora do Rosário do Quilombo de Ivaporunduva, Eldorado (1775) Igreja de Nossa Senhora do Carmo, Itu (1776) Igreja Matriz de Santana, Areias (1780) Basílica de Nossa Senhora do Carmo, Campinas (1781 - demolida) Igreja das Chagas do Seráfico Pai São Francisco, Ordem Terceira da Penitência, São Paulo (1783) Igreja Matriz de Nossa Senhora Aparecida, Aparecidinha, Sorocaba (1785) Basílica Santuário do Bom Jesus do Iguape, Iguape (1788) Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, Cunha (1793) Santuário do Bom Jesus de Tremembé, Tremembé (1795) Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Penha, São Paulo (c.1800) Capela de Nossa Senhora do Rosário, Jacareí (c.1800) Capela de São Sebastião do Avareí, Jacareí (c.1800) Igreja Matriz de Nossa Senhora do Bonsucesso, Guarulhos (1800) Igreja Matriz de São João Batista, Queluz (c.1800) Igreja Matriz de Nossa Senhora da Imaculada Conceição, Jacareí (1805) Catedral Metropolitana de Nossa Senhora da Conceição, Campinas (1807) Igreja Matriz de Santana, Iporanga (1814) Igreja de Nossa Senhora do Patrocínio, Itu (1815) Capela da Santa Cruz, Campinas (c.1810) Igreja de Nossa Senhora da Boa Morte, São Paulo (1810) Igreja Matriz do Bom Jesus do Livramento, Bananal (1811) Capela de Nossa Senhora das Mercês, São Luiz do Paraitinga (1814) Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Itatiba (1825) Igreja Matriz de Santa Branca, Santa Branca (1828) Igreja Matriz da Exaltação da Santa Cruz, Ubatuba (1834) Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Piracaia (1839) Igreja Matriz de São José, São José do Barreiro (1839) Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Paraibuna (1841) Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Bananal (1843) Igreja de Santa Rita, Guaratinguetá (1846) Igreja de São José, Pindamonhangaba (1848) Igreja de Nossa Senhora do Carmo, Mogi-Mirim (1849) Igreja de São Benedito, São Roque (1855) Igreja de Nossa Senhora da Boa Morte e Assunção, Limeira (1858) Igreja Matriz de Santa Cruz, Taiaçupeba, Mogi das Cruzes (1864) Igreja Matriz de Santo Antônio, Arapeí (1864) Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Santa Branca (1869) Igreja de São Benedito, São José dos Campos (1870) Santuário do Bom Jesus dos Perdões, Bom Jesus dos Perdões (1870) Igreja Matriz de Santo Antônio, Paraibuna (1872) Igreja Matriz de Santo Antonio da Cachoeira, Piracaia (1883)

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sextavado abóbada abatida plano com nichos octogonais plano

sextavado abóbada abatida abóbada plena

sextavado abóbada plena sextavado

sextavado abóbada plena sextavado

abóbada abatida abóbada abatida, era plena

abóbada abatida abóbada abatida, era abóbada plena abóbada plena abóbada plena

abóbada abatida abóbada abatida triangular (acompanha o telhado) abóbada plena plano abóbada plena plano abóbada abatida plano curvado dos lados sextavado abóbada plena abóbada plena abóbada plena sextavado plano com nichos octogonais plano abóbada plena abóbada plena sextavado abóbada abatida, era plano abóbada plena abóbada abatida abóbada abatida sextavado sextavado abóbada plena plano plano plano sextavado sextavado caixotão abóbada abatida abóbada abatida abóbada abatida abóbada plena abóbada abatida abóbada plena abóbada abatida

abóbada plena

triangular (acompanha o telhado) abóbada plena plano abóbada plena plano abóbada abatida plano curvado dos lados sextavado abóbada plena abóbada plena abóbada plena abóbada plena abóbada abatida plano abóbada plena abóbada plena abóbada abatida abóbada abatida, era abóbada plena abóbada plena abóbada abatida abóbada abatida sextavado abóbada abatida abóbada abatida plano, era abóbada abatida plano abóbada plena sextavado abóbada plena abóbada abatida abóbada abatida abóbada plena abóbada plena abóbada plena abóbada plena abóbada abatida

54

Capítulo 1 - Arquitetura

1.3 ASPECTO EXTERNO

O Frontispício De certa forma, os portugueses sempre tiveram uma arquitetura muito austera, de linhas limpas e espaços retilíneos e estáticos. Até mesmo templos com ricos interiores forrados integralmente de talha muitas vezes possuíam ao mesmo tempo uma fachada de linhas mais classicizantes, mais tradicional. Isso começa a mudar na metrópole no período joanino, quando os frontispícios e as cúpulas das torres adquirem um pouco de movimento, até a explosão de formas curvas, de avanços e recuos ocorrida com o rococó, no norte e, me menor grau, com o pombalino na região central. Para os habitantes da colônia e, em nosso caso, os paulistas, não seria diferente: a tradição arquitetônica lusa foi para cá transplantada sem modificações significativas, de modo que também aqui, e de maneira ainda mais acentuada, dadas as dificuldades do meio, o aspecto das construções mantinha-se bastante severo e os frontispícios só viriam a ganhar contornos pouco tempo depois de Portugal, com uma resistência, no caso paulista, a adotar frontispícios mais ousados, o que ocorreu com mais atraso em relação a outras capitanias e centros mais populosos, como Recife, Rio de Janeiro e Salvador. Dessa forma, vamos encontrar até meados do século XVIII nos domínios paulistas igrejas construídas em apenas dois padrões: de arquitetura chã ou maneirista.

Maneirismo e Arquitetura Chã Preferimos chamar de arquitetura chã ao padrão externo dos templos que não possuem ou não possuíam nenhuma ornamentação, onde apenas a tectônica dos materiais é que está aparente, como é o caso da Igreja de Santa Catarina da Aldeia de Carapicuíba, da Igreja do Pilar de Ribeirão Pires (embora exiba uma torre do período do ecletismo) e da Igreja do Pilar de Taubaté. Eram também chãs, por exemplo, a Matriz de Cananeia e a Matriz Velha (Santa Cruz) de Campinas (onde hoje é a Basílica do Carmo), e foram depois reformadas. Tratam-se de construções que foram feitas com o mínimo necessário, sem colunas, frontões ou molduras, de cujo padrão, em todo o Estado, ainda se podem contar 15 exemplares, se incluídos os que foram restaurados pelo IPHAN no século XX.

Igrejas Paulistas da Colônia e do Império

55

b a Fig.25: Aspecto da Igreja de São João Batista de Cananeia (a) e da Matriz de Jundiaí (b).A Igreja de Cananeia teve o frontispício alterado, provavelmente ainda no século XVIII, e a de Jundiaí foi reformada inúmeras vezes. Desenhos: José Custódio de Sá e Faria, 1774 (a), Willian Burchell, 1827 (b); Fontes: Tirapeli, 2003 (a); Ferrez, 1981 (b).

a

b

Fig.026: Residências jesuíticas de Embu (a) e Guararema (b). Desenhos: Mateus Rosada, 2015.

Mas, mesmo em meio à falta de recursos, de gente e de meios para se executar grandes e refinadas obras de arquitetura na Capitania – e que se entenda que essa dificuldade, ao menos nos dois primeiros séculos, era generalizada na América Lusa, com raros centros pouca coisa mais pujantes (ARAÚJO, 2006) – , São Paulo logrou, em algumas cidades mais dinâmicas, como a capital, Santos e Taubaté, erigir igrejas com alguma ornamentação e seguindo os preceitos de ordens clássicas e de proporções inscritos em tratados arquitetônicos como os de Giacomo Vignola (1507-1573) e Sebastiano Serlio (1475-1554). São trabalhos dessa categoria os colégios jesuíticos de Santos e São Paulo (o primeiro demolido, o segundo reconstruído na década de 1970), a residência jesuítica de Itaquaquecetuba (reformada em 1915), os conventos franciscanos de Itanhaém e Taubaté e o beneditino de Santos. Também exibiam frontispício maneirista igrejas seculares como a Catedral de São Paulo (que receberia uma reforma rococó em fins do oitocentos) e a Matriz de Mogi-Mirim, por exemplo.

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Capítulo 1 - Arquitetura

a

b

Fig.027: Colégios jesuíticos de São Paulo (a) e de Santos (b) e residência jesuítica de Itaquaquecetuba (c), com o aspecto que possuía antes da reforma do século XX. Desenhos: Mateus Rosada, 2015. c

Igrejas Paulistas da Colônia e do Império

a

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b

Fig.028: Igrejas paulistas com fachadas maneiristas: A Sé paulistana (a), antes da reforma realizada por Tebas, o mosteiro de São Bento de Santos (b) e a fachada da igreja do Convento Franciscano de Nossa Senhora da Conceição. Desenhos: Mateus Rosada, 2014 (a) e 2015 (b); José Custódio de Sá e Faria, 1774 (c); Fonte: Tirapeli, 2003 (c). C

O arremate do frontispício com frontão triangular, maneirista, não deixou em momento algum de ser utilizado, mesmo quando já eram moda os coroamentos sinuosos do rococó, já na segunda metade do século XVIII. Vamos encontrar templos com fachadas encimadas em triângulos até a primeira metade do novecentos, no entanto, apresentando com vergas curvas ou de desenho fantasioso sobre portas e janelas, e óculos quadrilobados, denunciando as contaminações do estilo rococó, como o de MogiMirim, mostrado abaixo.

Fig.029: A Matriz de São José de Mogi-Mirim. Desenho: Willim Burchell, 1827. Fonte: Ferrez, 1981.

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Capítulo 1 - Arquitetura

Ainda hoje, vinte igrejas paulistas mantém frontispícios maneiristas/chãos, ou sofreram restauros que lhes deram esse estilo. IGREJAS COM FACHADA DE ARQUITETURA CHÃ / MANEIRISTA (20) Igreja, município (construção) Igreja do Convento de Santa Clara, Taubaté (1674) (consideramos a fachada antes da reforma)

Ano Fachada (ano restauro) 1674

Igreja do Bom Jesus, Companhia de Jesus, São Paulo (1653 - demolida)

1681

Capela de Nossa Senhora da Ajuda, Guararema (1682)

1682

Capela de Nossa Senhora da Conceição, Fazenda Voturuna, Santana de Parnaíba (1687)

1687

Capela de São Miguel Arcanjo, São Paulo (1622)

1691

Igreja de Nossa Senhora da Escada, Guararema (1698)

1698

Capela de São Gonçalo, São Sebastião (1690)

c.1710

Capela de Nossa Senhora do Pilar, Ribeirão Pires (1714)

1714

Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Santa Isabel (1723)

1723

Igreja de Nossa Senhora do Desterro, Mosteiro de São Bento, Santos (1644)

1725

Capela de Santa Catarina, Carapicuíba (1736)

1736

Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Embu das Artes (1700)

1740

Igreja de Nossa Senhora do Pilar, Taubaté (1725)

1747

Capela de Nossa Senhora dos Remédios, Jacareí (c.1770)

1770

Capela de Nossa Senhora do Rosário do Quilombo de Ivaporunduva, Eldorado (1775)

1780

Igreja Conventual de Nossa Senhora do Carmo, Mogi das Cruzes (1753)

1971

Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Mogi das Cruzes (1762)

1971

Capela do Sítio de Santo Antonio, São Roque (1681)

1681 (1940)

Capela de Nossa Senhora das Mercês, São Luiz do Paraitinga (1814)

1814 (2011)

Capela de Nossa Senhora da Escada, Barueri (c. 1770 - retábulo)

1633 (2006)

É importante que se esclareça a questão da influência dos padres jesuítas na propagação de um estilo, tão propalado em nossa literatura e em guias turísticos e históricos de nossas cidades, chamado de “estilo jesuítico”. Essa nomenclatura acabou por ser cunhada no importantíssimo texto A Arquitetura dos Jesuítas no Brasil, de Lúcio Costa (2010), talvez o texto mais antigo a falar de arte colonial de forma extensa, cuja primeira edição se deu em 1941. Costa afirma terem os jesuítas uma racionalidade que perpassava os estilos arquitetônicos e lhes atribuía características próprias, mais racionais, o que não deixa de ser verdadeiro. Mas deve-se ter em conta que a expulsão dos inacianos do Brasil em 1759, antes da popularização do estilo rococó, que tanto transformou a arquitetura e as artes da Colônia, congelou suas obras num estilo anterior. Numa análise acurada, perceber-se-á que os interiores das igrejas construídas pela Companhia de Jesus acompanharam, sim, sem simplificações, os estilos manei-

Igrejas Paulistas da Colônia e do Império

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rista, nacional português e joanino (há interiores nesse último padrão, por exemplo, nas igrejas do Rosário do Embu e de Santo Alexandre, em Belém do Pará, e mesmo Colégio da Bahia, o principal do país). O que se vê, no entanto, é o uso indiscriminado da expressão “estilo jesuítico” para classificar igrejas seculares ou conventos de outras ordens, o que nos parece exagero, uma vez que houve profissionais da construção além dos jesuítas e que não foram influenciados por eles e, mesmo, que não tiveram sequer contato com membros da Companhia. No Estado de São Paulo, podemos citar pelo menos dois exemplares de outras ordens cujos frontões seriam chamados popularmente de jesuíticos: o antigo frontispício triangular do Convento de Santa Clara de Taubaté, onde não houve ocorrência da presença de padres inacianos, e o Mosteiro de São Bento de Santos, projeto do monge da própria ordem, Gregório de Magalhães. Assim, cremos que a nomenclatura mais correta para esse estilo não é “jesuítico”, mas maneirista.

Fig.030: Convento Franciscano de Santa Clara de Taubaté em 1879, antes das reformas que alteraram seu frontão maneirista. Fonte: São Paulo, 1969b.

Frontispícios barrocos As fachadas das igrejas paulistas começam a se alterar na segunda metade do século XVIII. Não notamos alterações ou reformas estilísticas externas nos períodos barroco português e joanino. As frontarias continuaram, a despeito dos interiores, a manter os padrões do maneirismo em sua arquitetura. Isso se altera com o advento do rococó: a partir da década de 1760 surgem os primeiros coroamentos curvilíneos dos templos da Capitania, no entanto, barrocos, sem elemento algum do vocabulário rocaille. Muita coisa mudou para São Paulo nesse período. O setecentos é o um momento em que a capitania conhece um crescimento mais vigoroso e um adensamento populacional mais intenso. O primeiro foi responsável pela reforma dos templos existentes, que se tornariam mais suntuosos, o segundo seria o fator responsável pela criação de uma grande quantidade de vilas e da construção, por conseguinte, de novos templos. A região paulista ganhou um novo impulso com a vinda de mineiros oriundos das regiões exauridas e de um novo ciclo da sucrocultura que se desenvolvia na Capitania:

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Capítulo 1 - Arquitetura

A segunda metade do Século XVIII assinalou o esgotamento das minas e o consequente declínio da mineração. (...) regiões que decaíram no período aurífero, como Bahia e Pernambuco, ingressaram em novo surto canavieiro, impulsionado pela alta internacional no preço do açúcar. Outras se integraram à produção açucareira. Foi o caso de Campos dos Goitacazes, no Rio de Janeiro, impulsionado pela vinda de famílias das decadentes das regiões mineradoras. E, em certa medida, também São Paulo, onde a cana se alastrou pelas terras férteis da região de Campinas e pelo litoral, em São Sebastião e Ubatuba (CAMARGO, 2008: 105).

Nesse período, a vinda de mineiros garantiu o desenvolvimento de cidades do Vale do Paraíba, fundou novas povoações e incrementou a população de antigas vilas próximas à divisa leste de São Paulo com Minas Gerais. Ao mesmo tempo, as atividades de tropas propiciaram investimentos em cidades-base dessas atividades, como Sorocaba, Itu, Santana de Parnaíba e São Paulo. Novas e mais opulentas igrejas foram construídas e, as antigas, reformadas. Pode-se dizer que essa arquitetura religiosa encontrada hoje no Estado de São Paulo, conheceu uma segunda fase na segunda metade do século XVIII, quando se construíram igrejas maiores e de ornamentação mais sofisticada. Todas as cidades paulistas mais ricas desse período, como a capital, Itu, Santos, Guaratinguetá e Taubaté vão reformar suas igrejas ou demoli-las para a construção de novos templos. Apenas na capital, dezoito (quase todas) as igrejas foram reformadas ou reconstruídas entre 1740 e 1800: É no século XVIII que mais se constrói em todo o período colonial. Mesmo na pequena cidade episcopal de São Paulo, desenvolve-se uma atividade até então desconhecida. As antigas igrejas e conventos, que não sejam totalmente reconstruídos, sofrem reformas e alterações, seja no interior, seja no frontispício. Num rápido exame, verificamos novas construções nos templos seguintes: Igreja de São Pedro, 1740-1745; da Misericórdia, 1741; do Colégio, 1741; do Rosário, 1745; Matriz e Sé, 1745-1762; de Santo Antônio, 1747; dos Remédios, 1747; de São Gonçalo Garcia, 1757; de São Bento, 1762-1774; do Carmo, 1766; da Ordem Terceira do Carmo, 1775; da Ordem Terceira da Penitência, 1783-1787; de São Francisco, 1785; Convento da Luz, 1788; Igreja da Boa Morte, 1790; de Santa Ifigênia, 1794; Mosteiro de São Bento, 1797-1800; Igreja do Convento da Luz, terminada em 1802 (SILVA-NIGRA, 1958, p. 827).

Esse surto reformístico, que não ocorreu apenas na capital, fez com que muitas fachadas de igrejas da Capitania passassem de maneiristas a barrocas, com frontões movimentados, de linhas interrompidas, com contracurvas, janelas de vergas arqueadas e portas com alguma variação também nas vergas. São alguns exemplos de remanescentes religiosos com essas características, as duas igrejas franciscanas de São Paulo, assim como o franciscano Convento do Valongo de Santos, as igrejas do Carmo da mesma cidade, o Carmo paulistano e o Carmo de Itu, a Matriz e o Convento de Itanhaém. Havia ainda as desaparecidas igrejas dos Remédios, da Sé e do São Bento, todas na capital. Não por acaso, as duas cidades

Igrejas Paulistas da Colônia e do Império

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que mais possuem/possuíram templos com fachada barroca são também onde floresceu uma vistosa arquitetura em pedra, com influência direta dos mestres-pedreiros Bento de Oliveira Lima e Joaquim Pinto de Oliveira Tebas (CERQUEIRA, s.d.). Não seria de se estranhar se as fachadas santistas, todas com características estilísticas do século XVIII (exceto o Mosteiro de São Bento, que aparenta ter feições mais antigas), tivessem sido reformadas por esse mestre português, com alguma ajuda de seu escravo-artista.

a

b

Fig.031: Fachadas barrocas de São Paulo: conjunto das igrejas franciscanas de São Paulo (a), Igreja Matriz de Itanhaém (b) e Igreja do Carmo de Itu (c). Fotos: Mateus Rosada, 2014. c

Outra característica das fachadas das igrejas paulistas é a presença de frontão baixo, geralmente acompanhando uma inclinação de 50% do telhado (a altura igual a metade do comprimento de uma das águas). Não encontramos frontões altos e muito movimentados como os que se veem em igrejas pernambucanas e paraibanas. Os frontispícios das igrejas mais antigas (que não foram reformadas) eram triangulares, geralmente com uma cimalha arrematando a parte superior. Registros em que o telhado da igreja se projeta em beiral por sobre o oitão só existem de duas igrejas: de São Miguel Paulista e do convento de São Luís, em Itu (demolido), em todos os demais casos, o telhado é escondido pelo arremate superior do frontão.

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Capítulo 1 - Arquitetura

A partir do século XVIII, os frontões começam a receber reformas, inicialmente com o acréscimo de volutas acima da linha superior do triângulo e depois, já na segunda metade da centúria, o arremate superior já se dá apenas por volutas, como bem observou Lúcio Costa em seu artigo sobre a arquitetura jesuítica (COSTA, 2010).

a c b Fig.032: Evolução dos frontões das igrejas, de triangular (a) para triangular com volutas rampantes (b) para somente em volutas (c), segundo Lúcio Costa. Desenho: Lúcio Costa, 1941. Fonte: Costa, 2010.

O modelo de volutas rampantes aparece discretamente no Colégio Jesuítico de São Paulo, único exemplar em que observamos esta solução no âmbito desta pesquisa. Posteriormente, quase todas as igrejas paulistas passaram a apresentar frontões barrocos, em que a cimalha retilínea é substituída por volutas. Não há registro de frontões paulistas rococós, arrematados com rocalhas, como os da figura 28.c, acima, no entanto, a quantidade de remanescentes com frontispícios barrocos no Estado não é desprezível: são 23 exemplares, como seve na tabela abaixo.

Igrejas Paulistas da Colônia e do Império

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IGREJAS COM FACHADA BARROCA (23) Igreja, município (construção)

Ano Fachada

Igreja Matriz de São Vicente Mártir, São Vicente (1757)

1759

Igreja Conventual de Nossa Senhora do Carmo, Santos (1599)

c.1760

Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Santos (1752)

1760

Igreja Matriz de Santana, Itanhaém (1639)

1761

Catedral Metropolitana de Nossa Senhora da Assunção, Catedral da Sé, São Paulo (1745 - demolida) Basílica Abacial de Nossa Senhora da Assunção, Mosteiro de São Bento, São Paulo (1774 - demolida)

1762

Igreja de Nossa Senhora do Carmo, Itu (1776)

1782

Igreja de São Francisco, São Paulo (1642)

1787

Igreja de Nossa Senhora da Conceição, Itanhaém (1699)

c.1790

Igreja de Nossa Senhora do Amparo, São Sebastião (1637)

c.1790

Igreja de Nossa Senhora do Monte Serrat, Santos (1756)

c.1790

Igreja Matriz de São João Batista, Cananeia (1577)

c.1790

Igreja da Ordem Terceira Franciscana, Itu (1794)

1794

Igreja da Ordem Terceira do Carmo, São Paulo (1742)

1802

Igreja do Convento de Santo Antonio do Valongo, Santos (1640)

1802

Igreja de Santo Antônio Galvão, Mosteiro da Luz, São Paulo (1774)

1822

Igreja de Nossa Senhora dos Remédios, São Paulo (1727 - demolida)

1825

Igreja de São Pedro dos Clérigos, São Paulo (1745)

c.1840

Igreja de Nossa Senhora da Boa Morte, São Paulo (1810)

1860

Igreja Matriz de Santa Cruz, Taiaçupeba, Mogi das Cruzes (1864)

1864

Capela de Nossa Senhora dos Aflitos, São Paulo (1774)

1868

1774

Igreja das Chagas do Seráfico Pai São Francisco, Ordem Terceira da Penitência, São Paulo (1783) 1878 Catedral de Nossa Senhora da Conceição, Guarulhos (1710)

1960

O neoclássico Na segunda metade do século XIX, os templos voltavam a receber arremate superior triangular, retilíneo, sem volutas ou curvas: era o neoclássico que voltava a influenciar a arquitetura. Por muito tempo, durante o correr do século, teremos uma mescla de igrejas com exteriores neoclássicos e interiores ainda com traços do barroco e do rococó. O clero demorou a livrar-se da pompa e eloquência barrocas e assimilar, também no interior de suas igrejas, a sobriedade do neoclassicismo. Para citar alguns exemplos, as matrizes de Areias, Bananal, Bom Jesus dos Perdões, Atibaia, Santa Branca, Ilhabela, a Catedral de Campinas e as igrejas do Rosário de Bananal e Iguape são arrematadas com frontões triangulares em construções ou reformas já da segunda metade do século XIX. Como os paulistas reformaram muito as suas igrejas, há mais exemplares neoclássicos: são trinta no total.

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Capítulo 1 - Arquitetura

IGREJAS COM FACHADA NEOCLÁSSICA (28) Igreja, município (construção)

Ano Fachada

Igreja Matriz de Nossa Senhora da Ajuda, Ilhabela (1697)

c.1800

Igreja Matriz de Nossa Senhora do Bonsucesso, Guarulhos (1800)

1800

Igreja Matriz de São Sebastião, São Sebastião (c.1600)

1819

Igreja Matriz de Santana, Iporanga (1814)

1821

Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Bananal (1843)

1843 (1906)

Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Iguape (1751)

1845

Igreja de São José, Pindamonhangaba (1848)

1848

Santuário de Nossa Senhora do Bonsucesso, Pindamonhangaba (1841)

1853

Igreja de São Benedito, São Roque (1855)

1855

Basílica Velha de Nossa Senhora Aparecida, Aparecida (1744)

1862

Igreja de Santa Rita, Itu (1726)

1865

Igreja Matriz de São João Batista, Atibaia (1744)

1865

Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Santa Branca (1869)

1869

Basílica Santuário do Bom Jesus do Iguape, Iguape (1788)

1870

Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Piracaia (1839)

1871

Igreja Matriz do Bom Jesus do Livramento, Bananal (1811)

1871

Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, Cunha (1731)

1873

Igreja de São Benedito, São José dos Campos (1870)

1876

Catedral Metropolitana de Nossa Senhora da Conceição, Campinas (1807)

1884

Igreja Matriz de Santa Branca, Santa Branca (1828)

1885

Igreja Matriz da Exaltação da Santa Cruz, Ubatuba (1834)

1890

Igreja Matriz de Santana, Areias (1780)

1890

Santuário do Bom Jesus dos Perdões, Bom Jesus dos Perdões (1870)

1890

Igreja do Convento de São Luiz, Itu (1691)

1898

Igreja de Santo Antônio, São Paulo (1592)

1899

Igreja de Bom Jesus, Itu (1763)

1904

Igreja de Santana, Mosteiro de São Bento, Sorocaba (1654)

c.1910

Capela da Santa Cruz, Campinas (c.1810)

c.1910

Igrejas Paulistas da Colônia e do Império

a

b

c

d

65

e f Fig.033: Exemplares com frontispício neoclássico: igrejas do Rosário de Bananal (a), de Santa Rita de Itu (b), Matriz de Atibaia (c), Matriz de Cunha (d), Matriz Basílica de Aparecida (e) e a Catedral de Guaratinguetá, que já apresenta acréscimos ecléticos, mas guarda muitas semelhanças com o Santuário da cidade vizinha. Fotos: Mateus Rosada, 2013-2014.

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Capítulo 1 - Arquitetura

O Ecletismo Já em fins do século XIX a Província de São Paulo tinha outros ares: estava enriquecida com o café. Tudo se transformava. Muitas igrejas foram postas abaixo para a construção de novos templos, em fins da centúria e no começo do século XX, outras tiveram sua estrutura mantida sem grandes alterações, mas sofreram transformações significativas em suas fachadas: das 95 igrejas das quais analisamos a organização interna, 17 ostentam hoje fachadas ecléticas, o que também ocorre a boa parte das demais 25 que abrigam os retábulos que analisamos isoladamente. IGREJAS COM FACHADA ECLÉTICA (17) Igreja, município (construção)

Ano Fachada

Igreja Matriz de São José, São José do Barreiro (1839)

1881

Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, Cunha (1793)

1887

Igreja Matriz de Nossa Senhora da Candelária, Itu (1770)

1888

Igreja de Nossa Senhora da Boa Morte e Assunção, Limeira (1858)

1893

Igreja de Nossa Senhora do Patrocínio, Itu (1815)

1894

Basílica de Nossa Senhora do Carmo, Campinas (1781 - demolida)

1898

Capela de Nossa Senhora do Rosário, Jacareí (c.1800 - retábulo)

1907

Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Itatiba (1825)

1910

Igreja de Santa Rita, Guaratinguetá (1846)

1912

Catedral de Santo Antônio , Guaratinguetá (1701)

1913

Santuário do Bom Jesus de Tremembé, Tremembé (1795)

1915

Igreja de Nossa Senhora do Carmo, Mogi-Mirim (1849)

1916

Igreja Matriz de Nossa Senhora da Ajuda, Itaquaquecetuba (1624)

1917

Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Paraibuna (1841)

1930

Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Penha, São Paulo (c.1800)

1934

Santuário do Senhor Bom Jesus do Matosinhos (Igreja de São Benedito), Mogi das Cruzes (1747) 1940 Igreja Matriz de São João Batista, Caçapava (1850 - retábulo)

1945

Nos templos de frontaria eclética, muitas vezes se pode ainda perceber toda a modenatura original, como as janelas com arcos pombalinos, etc., caso da Igreja do Patrocínio de Itu, outras construíram frontispícios novos em frente ao antigo, com ocorreu à matriz da mesma cidade. Mais recorrente ainda é a reforma apenas da fachada principal, deixando-se originais as laterais, que evidenciam a antiguidade da igreja.

Igrejas Paulistas da Colônia e do Império

a

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b

c d Fig.034: Igrejas com fachadas ecléticas: Igreja do Patrocínio de Itu (a), Candelária de Itu (b), Santa Rita de Guaratinguetá (c) e Bom Jesus do Tremembé (d). Fotos: Mateus Rosada, 2013-2014.

Neocolonial Analisar o aspecto externo é talvez a tarefa mais complexa desta pesquisa, uma vez que as igrejas paulistas foram muito modificadas ao longo dos anos por sucessivas reformas estilísticas e algumas por restauros repristinadores. Há também casos de reformas de fachada que transformaram as igrejas em templos neocoloniais, em meados do século XX e que hoje acabam nos parecendo legítimos exemplares do período colonial. Identificamos ao menos cinco templos pesquisados que possuem fachada com intervenções neocoloniais:

68

Capítulo 1 - Arquitetura

IGREJAS COM FACHADA NEOCOLONIAL (05) Igreja, município (construção)

Ano Fachada

Igreja de São Gonçalo Garcia, São Paulo (1756)

1935

Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, Atibaia (1763)

1953

Igreja Matriz de Santo Antônio, Paraibuna (1872)

1954

Igreja Matriz de Nossa Senhora Mãe dos Homens, Porto Feliz (1747)

1954

Igreja de Nossa Senhora do Brasil, São Paulo (1750 - retábulo)

1958

Os dois casos mais chamativos são os das igrejas do Rosário de Atibaia, anteriormente neoclássica, e Nossa Senhora Mãe dos Homens de Porto Feliz, que chegou a ser neorromânica antes da reforma da fachada de 1953, que lhe conferiu o aspecto atual.

a

b

c

d

Fig.035: Igreja do Rosário de Atibaia em 1945, Neoclássica (a), e atualmente (b); e a Igreja Matriz de Porto Feliz antes de 1953 (c) e atualmente (d) . Fotos: Mateus Rosada, 2014 (b, d) Fonte: Acervo pessoal do autor (a); Acervo do Museu das Monções (c).

Igrejas Paulistas da Colônia e do Império

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Em São Paulo, um caso curioso é o da Igreja de São Gonçalo, cujo frontispício atual foi construído em 1878, mas ainda recebeu nova reforma por volta de 1935, que lhe acrescentou elementos neocolonializantes, como porta central em arco pleno, as janelas laterais à porta, um nicho para o Cristo Rei no frontão central, alteamento e incremento das cornijas dos frontões e construção da torre. As sememlhanças dos elementos novos com os originais chegaram a confundir estudiosos experientes, como ocorreu a Gemain Bazin (1983, v.2, p.173), que afirmou sobre a São Gonçalo: Este templo não merecia ser citado, se seu frontispício, erguido no final do século [XIX], não fosse um bom exemplo da tenaz sobrevivência das formas em voga em 1800. Também na cidade de São Paulo, ainda há que se mencionar a Igreja da Ordem Terceira do Carmo que, no período de 1922 a 1927, sofreu uma reforma capitaneada pelo arquiteto português Ricardo Severo, introdutor do estilo neocolonial em São Paulo, recebendo adaptações na ala lateral, nas fachadas laterais e posterior, teve a torre construída e sofreu uma alteração no óculo, que até então era redondo. Parte das alterações foram necessárias por causa da demolição do restante do conjunto carmelita para a instalação da Secretaria de Estado da Fazenda, em1928. < Fig.036: Fachada da Igreja São Gonçalo. em vermelho, os trechos acrescentados na reformada década de 1930. Foto: Mateus Rosada, 2016).

Fig.037: Fachada do conjunto carmelita de São Paulo antes da demolição da Ordem Primeira (a) e da Igreja da Ordem Terceira recentemente, já com o aspecto posterior às reformas de Ricardo Severo (b), assinaladas de vermelho. Fotos: Militão Augusto de Azevedo, 1860 (a); Mateus Rosada, 2013 (b).

b

c

Abaixo também inserimos um levantamento com as Reformas e Restaurações de Fachadas, onde se pode ver o ano em que sofreram a última reforma e observar que 60% das igrejas analisadas nesta pesquisa não possuem mais a aparência externa original.

70

Capítulo 1 - Arquitetura

IGREJAS CUJAS FACHADAS SE MANTÊM ORIGINAIS (37) Igreja, município (ano)

Ano fachada

Capela de Nossa Senhora da Ajuda, Guararema (1682)

1682

Capela de Nossa Senhora da Conceição, Fazenda Voturuna, Santana de Parnaíba (1687)

1687

Capela de São Gonçalo, São Sebastião (1690)

c.1710

Capela de Nossa Senhora do Pilar, Ribeirão Pires (1714)

1714

Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Santa Isabel (1723)

1723

Igreja de Nossa Senhora do Desterro, Mosteiro de São Bento, Santos (1644)

1725

Capela de Santa Catarina, Carapicuíba (1736)

1736

Igreja de Nossa Senhora do Pilar, Taubaté (1725)

1747

Igreja Matriz de São Vicente Mártir, São Vicente (1757)

1759

Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Santos (1752)

1760

Igreja Matriz de Santana, Itanhaém (1639)

1761

Capela de Nossa Senhora dos Remédios, Jacareí (c.1770)

c.1770

Capela de Nossa Senhora do Rosário do Quilombo de Ivaporunduva, Eldorado (1775)

1780

Igreja de Nossa Senhora do Carmo, Itu (1776)

1782

Igreja das Chagas do Seráfico Pai São Francisco, Ordem Terceira da Penitência, São Paulo (1783)

1787

Igreja da Ordem Terceira Franciscana, Itu (1794)

1794

Igreja Matriz de Nossa Senhora do Bonsucesso, Guarulhos (1800)

1800

Igreja Matriz de Nossa Senhora da Ajuda, Ilhabela (1697)

1806

Igreja de Nossa Senhora dos Remédios, São Paulo (1727 - demolida)

1825

Igreja Matriz de Santa Branca, Santa Branca (1828)

1828

Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Iguape (1751)

1845

Igreja de São José, Pindamonhangaba (1848)

1848

Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Bananal (1843)

1850

Santuário de Nossa Senhora do Bonsucesso, Pindamonhangaba (1853)

1853

Igreja de São Benedito, São Roque (1855)

1855

Basílica Velha de Nossa Senhora Aparecida, Aparecida (1744)

1862

Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Santa Branca (1869)

1869

Igreja Matriz do Bom Jesus do Livramento, Bananal (1811)

1871

Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Paraibuna (1841)

1871

Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Piracaia (1839)

1871

Igreja de São Benedito, São José dos Campos (1870)

1876

Igreja Matriz de São José, São José do Barreiro (1839)

1881

Catedral Metropolitana de Nossa Senhora da Conceição, Campinas (1807)

1884

Santuário do Bom Jesus dos Perdões, Bom Jesus dos Perdões (1870)

1890

Igreja Matriz da Exaltação da Santa Cruz, Ubatuba (1834)

1890

Igrejas Paulistas da Colônia e do Império

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IGREJAS CUJAS FACHADAS FORAM ALTERADAS (47) Igreja, município (ano) Igreja Conventual de Nossa Senhora do Carmo, Santos (1599) Catedral Metropolitana de Nossa Senhora da Assunção, Catedral da Sé, São Paulo (1745 - demolida) Basílica Abacial de Nossa Senhora da Assunção, Mosteiro de São Bento, São Paulo (1772 - demolida) Igreja de São Francisco, São Paulo (1642) Igreja Matriz de São João Batista, Cananeia (1577) Igreja de Nossa Senhora da Conceição, Itanhaém (1699) Igreja de Nossa Senhora do Monte Serrat, Santos (1756) Igreja de Nossa Senhora do Amparo, São Sebastião (1637) Igreja do Convento de Santo Antonio do Valongo, Santos (1640) Igreja da Ordem Terceira do Carmo, São Paulo (1742) Igreja Matriz de São Sebastião, São Sebastião (c.1600) Igreja de Santo Antônio Galvão, Mosteiro da Luz, São Paulo (1774) Igreja de São Pedro dos Clérigos, São Paulo (1745) Igreja de Nossa Senhora da Boa Morte, São Paulo (1810) Igreja de Santa Rita, Itu (1726) Igreja Matriz de São João Batista, Atibaia (1744) Capela de Nossa Senhora dos Aflitos, São Paulo (1774) Basílica Santuário do Bom Jesus do Iguape, Iguape (1788) Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, Cunha (1731) Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, Cunha (1793) Igreja Matriz de Nossa Senhora da Candelária, Itu (1770) Igreja Matriz de Santana, Areias (1780) Igreja de Nossa Senhora da Boa Morte e Assunção, Limeira (1858) Igreja de Nossa Senhora do Patrocínio, Itu (1815) Basílica de Nossa Senhora do Carmo, Campinas (1781 - demolida) Igreja do Convento de São Luiz, Itu (1691) Igreja de Santo Antônio, São Paulo (1592) Igreja de Bom Jesus, Itu (1763) Capela de Nossa Senhora do Rosário, Jacareí (c.1800 - retábulo) Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Itatiba (1825) Igreja de Santana, Mosteiro de São Bento, Sorocaba (1654) Capela da Santa Cruz, Campinas (c.1810) Igreja de Santa Rita, Guaratinguetá (1846) Catedral de Santo Antônio , Guaratinguetá (1701) Santuário do Bom Jesus de Tremembé, Tremembé (1795) Igreja de Nossa Senhora do Carmo, Mogi-Mirim (1849) Igreja Matriz de Nossa Senhora da Ajuda, Itaquaquecetuba (1624) Igreja do Convento de Santa Clara, Taubaté (1674) Igreja Matriz de Santa Cruz, Taiaçupeba, Mogi das Cruzes (1864) Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Penha, São Paulo (c.1800) Igreja de São Gonçalo Garcia, São Paulo (1756) Santuário do Senhor Bom Jesus do Matosinhos (Igreja de São Benedito), Mogi das Cruzes (1747) Igreja Matriz de São João Batista, Caçapava (1850 - retábulo) Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, Atibaia (1763) Igreja Matriz de Santo Antônio, Paraibuna (1872) Catedral de Nossa Senhora da Conceição, Guarulhos (1710) Capela de São Sebastião do Avareí, Jacareí (c.1800 - retábulo) Igreja Matriz de Santana, Iporanga (1814)

Ano fachada 1750 1752 1772 1787 1790 1790 1790 1790 1802 1802 1819 1822 1840 1860 1865 1865 1868 1870 1873 1887 1888 1890 1893 1894 1898 1898 1899 1904 1907 1910 1910 1911 1912 1913 1915 1916 1917 1927 1933 1934 1935 1940 1945 1953 1954 1960 1970 1983

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Capítulo 1 - Arquitetura

IGREJAS CUJAS FACHADAS FORAM REPRISTINADAS OU RECONSTRUÍDAS (8) Igreja, município (ano)

Ano fachada

Igreja do Bom Jesus, Companhia de Jesus, São Paulo (1653 - demolida)

1979

Capela do Sítio de Santo Antonio, São Roque (1681)

1940

Capela de São Miguel Arcanjo, São Paulo (1622)

1941

Igreja de Nossa Senhora da Escada, Guararema (1698)

1947

Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Embu das Artes (1700)

1940

Capela de Nossa Senhora das Mercês, São Luiz do Paraitinga (1814)

2011

Igreja Conventual de Nossa Senhora do Carmo, Mogi das Cruzes (1753)

1971

Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Mogi das Cruzes (1762)

1971

Igrejas Paulistas da Colônia e do Império

73

1.4 A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS

Belo, repleto de detalhes, o altar colado à parede, como o primeiro degrau de um trono magnífico, no qual avultam as imagens de santos, deslumbrantes, douradas, ricas. Não se vê a mesa do sacrifício: ela praticamente não existe: é, como dissemos, degrau do trono. Uma balaustrada separa o povo do altar, para as damas da nobreza, frizas e camarotes, como num teatro, as chamadas “tribunas”. O côro, distante, sôbre a porta de entrada, encarrega-se da parte musical. Esta, excelente, faz da missa um concêrto, que domina absolutamente a situação. O que se passa no altar, quase às ocultas, em língua estranha, em voz baixa, quase desaparece diante do esplendor arquitetônico e musical do ambiente: é uma opera, e o celebrante, um dos solistas, apenas. Das coisas feitas pode tomar conhecimento do sermão. Se fôr orador consumado, de boas prendas literárias e capaz efeitos literários especiais. A doutrina não tem importância: vale a literatura. O sermão é um hiato oratório, em meio ao concerto. O encontro dos irmãos na assembléia, o sacrifício oferecido a Deus, tudo desaparece. A missa é apenas um pretexto para uma demonstração artística. O concêrto e o sermão, a música e a eloqüência (TORRES, 1968, p.33).

Uma igreja tem dois ambientes principais: a capela-mor, onde se localiza o altar e se concentra toda a parte simbólica e que faz a ponte do fiel com a divindade, e a nave, que é o grande salão que abriga os fiéis, ambiente central, também responsável por articular todos os espaços para que o edifício da igreja, como um todo, seja eficiente na reflexão e conversão do cristão. Por isso, há um agenciamento das partes que segue uma lógica. Inseridas no mundo católico e português, as igrejas de São Paulo, são a reprodução de preceitos e da forma de entender a religião dos lusos. Assim, há toda uma organização espacial que visa a um bom funcionamento e atendimento das funções eclesiásticas, começando pelo acesso até os ambientes ao fundo dos templos.

Átrios, alpendres e galilés Carlos Lemos dedica um interessante texto sobre as capelas alpendradas de São Paulo. Segundo o autor, o uso de uma cobertura de acesso era bastante usual na cidade de São Paulo nos primeiros séculos da colonização, e foi se perdendo com o tempo (LEMOS, 1984, p.11-12). Cita os alpendres que existiram na Sé, no Carmo, na Misericórdia e no Colégio dos jesuítas. Quando instalou a sede do governo da capitania no edifício que pertenceu à Companhia de Jesus, Governador, Morgado de Mateus, menciona o conserto do alpendre da portaria: Mandei fazer quase que de todo novo a torre deste Colegio, todo o alpendre da portaria, todas as prisões e corpo da guarda deste governo e hospital dos soldados, e negros... E uma varanda que era muito necessária para o desafogo dos corredores, que são muito abafadiços. (Carta de Morgado de Mateus datada de 21.07.1767) (CERQUEIRA, s.d., p.05)

Cobrir-se a entrada do templo era bastante usual nas igrejas mais antigas da cristandade, e era um dos itens debatidos e defendidos por Carlos Borromeo:

74

Capítulo 1 - Arquitetura

Além disso, de acordo com a magnitude da área e segundo a estrutura do edifício eclesiástico, de acordo com o conselho do arquiteto, o átrio se faça em frente à casa sagrada circundado por todos os lados com pórticos e decorado com outra obra adequada de arquitetura. Mas se por causa da estreiteza do sítio ou por uma factura pobre, este não se possa construir, ao menos cuide-se que, igualmente pela frente se construa um pórtico. Este pórtico, erigido por colunas de mármore, ou pilastras de pedra ou de tijolo, adéque convenientemente a largura da igreja com o comprimento. Mas a largura e a altura devem ser de tal forma que reta e convenientemente responda à magnitude de seu comprimento. Nesta forma, é conveniente que o pórtico se sobressaia em cada uma das igrejas paroquiais. Se por causa da pobreza nem mesmo isso posa ser executado. Ao menos cuide-se absolutamente disto: que diante da porta principal para levantar um vestíbulo tal que com apenas duas colunas ou pilastras, um pouco distantes da porta, seja construídomde forma quadrada e tenha tanto espaço que seja um pouco mais acessível do que a porta da igreja (BORROMEO, 1985, p08-09, tradução nossa3).

No Museu Paulista, a maquete reconstitutiva da cidade de São Paulo apresenta o Convento de São Francisco com um alpendre. Nos dias de hoje, a única igreja paulista urbana que chegou ao século XX com um átrio coberto foi a Capela de São Miguel Arcanjo. Há ainda casos de capelas rurais com esse tipo de cobertura, como a de Santo Ângelo, em Mogi das Cruzes, a capela do Sítio Santo Antônio de São Roque e a da Fazenda Voturuna. É certo houve outras mais e em área urbana, no entanto, viajantes e gravuristas que passaram pela Capitania de São Paulo quase nada descrevem e muito menos desenham: as gravuras mais antigas de cidades paulistas já datam da virada do século XVIII para o XIX, após ao surto de renovação descrito por Silva-Nigra (1958, p.827) que alterou quase todas as igrejas da capital, com efeitos que acreditamos terem sido semelhantes nos outros núcleos urbanos da Capitania. Com acessos cobertos, chegaram até nossos dias, no Estado, algumas igrejas que possuem galilés, construções mais perenes e incorporadas ao edifício. é quase uma regra aos conventos franciscanos paulistas, à exceção do extinto São Luiz de Itu e do Nossa Senhora da Conceição de Itanhaém (cujos arcos foram fechados no século XVIII), são ornados com arcadas no frontispício: São Francisco de São Paulo, Santa Clara de Taubaté, Santo Antônio do Valongo de Santos e Nossa Senhora do Amparo de São Sebastião. Há ainda no Mosteiro de São Bento de Santos e na Igreja da Ordem Terceira do Carmo da capital. A igreja conventual do Carmo paulistana também o possuía, mas foi demolida em 1928.

3

No original da edição em espanhol: Además, según la magnitud del área y según la estructura del edificio eclesiástico, de acuerdo con el consejo del arquitecto, el atrio hágase enfrente de la sacra casa ceñido por todos los lados con pórticos y adornado con otra obra adecuada de arquitectura. Pero si a causa de la angostura del sitio o a causa de una hacienda pobre, este no puede edificarse, al menos cuídese que, igualmente por el frente se construya un pórtico. Este pórtico, erigido mediante columnas de mármol, o pilastras de piedra o de ladrillo, adecue convenientemente la latitud de la iglesia con la longitud. Pero de ancho y alto debe ser de tal modo que recta y convenientemente responda a la magnitud de su longitud. En esta forma será conveniente que el pórtico sobresalga en cada una de las iglesias parroquiales. Si a causa de la pobreza ni siquiera esto puede ejecutarse. al menos cuídese absolutamente esto: que ante la puerta mayor se levante un vestíbulo tal que con sólo dos columnas o pilastras, un poco distantes de aquélla, quede edificado en forma cuadrada; y tenga tanto espacio, que sea un poco más accesible que la puerta de la iglesia.

Igrejas Paulistas da Colônia e do Império

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As naves e capelas-mores Passando-se pelo átrio (quando há), chega-se ao centro da igreja: à nave, o espaço que agencia os demais. As naves, em geral, possuem formato retangular e poucas igrejas em São Paulo extrapolaram esse padrão. Temos oitenta templos com planta de nave única, sendo que oito deles tiveram arcos abertos nas laterais para comunicar a nave com os corredores. Igrejas que foram concebidas com outra conformação são apenas dez, quatro delas em cruz, cinco em nave tripla e apenas uma, na Aldeia de Carapicuíba, de nave única sem capela-mor, como se pode ver nas tabelas que se seguem sobre o formato em planta das igrejas pesquisadas. Pode-se dizer que uma igreja paulista dos quatro primeiros séculos possui quase que invariavelmente nave única. Esse aspecto já evidenciado por Germain Bazin (1983) e corroborado por outros autores (OLIVEIRA, 2003; BURY, 2001) foi a organização das igrejas lusitanas e brasileiras em plantas de nave única e capela-mor. Nas igrejas da Contrarreforma, que privilegiam a nave única para melhor audição dos sermões doutrinais pregados nos púlpitos, transeptos e naves laterais são em geral abolidos (OLIVEIRA, 2008, v.3, p.72). IGREJAS COM PLANTA EM NAVE ÚNICA (72) Igreja, município (construção) Igreja Matriz de São João Batista, Cananeia (1577) Igreja de Santo Antônio, São Paulo (1592) Igreja Conventual de Nossa Senhora do Carmo, Santos (1599) Capela de São Miguel Arcanjo, São Paulo (1622) Igreja Matriz de Nossa Senhora da Ajuda, Itaquaquecetuba (1624) Igreja de Nossa Senhora do Amparo, São Sebastião (1637) Igreja Matriz de Santana, Itanhaém (1639) Igreja do Convento de Santo Antonio do Valongo, Santos (1640) Igreja de São Francisco, São Paulo (1642) Igreja de Nossa Senhora do Desterro, Mosteiro de São Bento, Santos (1644) Igreja de Nossa Senhora da Conceição,Companhia de Jesus, São Paulo (1653 - demolida) Igreja de Santana, Mosteiro de São Bento, Sorocaba (1654) Capela do Sítio de Santo Antonio, São Roque (1681) Capela de Nossa Senhora da Ajuda, Guararema (1682) Capela de São Gonçalo, São Sebastião (1690) Igreja Matriz de Nossa Senhora da Ajuda, Ilhabela (1697) Igreja de Nossa Senhora da Escada, Guararema (1698) Igreja de Nossa Senhora da Conceição, Itanhaém (1699) Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Embu das Artes (1700) Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Taubaté (1700) Capela de Nossa Senhora do Pilar, Ribeirão Pires (1714) Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Santa Isabel (1723) Igreja de Nossa Senhora do Pilar, Taubaté (1725) Igreja de Nossa Senhora dos Remédios, São Paulo (1727 - demolida) Igreja de Santa Rita, Itu (1726) Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, Cunha (1731) Catedral Metropolitana de Nossa Senhora da Assunção, Catedral da Sé, São Paulo (1745 demolida) Igreja de São Pedro dos Clérigos, São Paulo (1745)

Ano Constr. 1577 1592 1599-1609 1622 1624 1637 1639-(1761)-1799 1640-1642 1642 1644 1653-1681 1654 1681 1682 c.1690-1710 1697 1698 1699-1713 1700 1700-1705 1714 1723 1725-1747 1727 1726 1731 1745-52 1745

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Capítulo 1 - Arquitetura

Igreja Matriz de Nossa Senhora Mãe dos Homens, Porto Feliz (1747) Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Iguape (1751) Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Santos (1752) Igreja Conventual de Nossa Senhora do Carmo, Mogi das Cruzes (1753) Igreja de Nossa Senhora do Monte Serrat, Santos (1756) Igreja de São Gonçalo Garcia, São Paulo (1756) Igreja Matriz de São Vicente Mártir, São Vicente (1757) Igreja Matriz de Nossa Senhora do Carmo, São Paulo (1759) Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Mogi das Cruzes (1762) Igreja Matriz de Nossa Senhora da Candelária, Itu (1770) Capela de Nossa Senhora dos Remédios, Jacareí (c.1770) Basílica Abacial de N. S. da Assunção, Mosteiro de São Bento, São Paulo (1772 - demolida) Capela de Nossa Senhora do Rosário do Quilombo de Ivaporunduva, Eldorado (1775) Igreja de Nossa Senhora do Carmo, Itu (1776) Igreja Matriz de Santana, Areias (1780) Basílica de Nossa Senhora do Carmo, Campinas (1781 - demolida) Igreja Matriz de Nossa Senhora Aparecida, Aparecidinha, Sorocaba (1785) Basílica Santuário do Bom Jesus do Iguape, Iguape (1788) Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, Cunha (1793) Igreja Matriz de Nossa Senhora do Bonsucesso, Guarulhos (1800) Igreja Matriz de São João Batista, Queluz (c.1800) Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Penha, São Paulo (c.1800) Igreja Matriz de Santana, Iporanga (1802) Capela da Santa Cruz, Campinas (c.1810) Igreja de Nossa Senhora da Boa Morte, São Paulo (1810) Igreja Matriz do Bom Jesus do Livramento, Bananal (1811) Capela de Nossa Senhora das Mercês, São Luiz do Paraitinga (1814) Igreja de Nossa Senhora do Patrocínio, Itu (1815) Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Itatiba (1825) Igreja Matriz da Exaltação da Santa Cruz, Ubatuba (1834) Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Piracaia (1839) Igreja Matriz de São José, São José do Barreiro (1839) Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Paraibuna (1841) Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Bananal (1843) Igreja de Santa Rita, Guaratinguetá (1846) Igreja de São José, Pindamonhangaba (1848) Igreja de Nossa Senhora do Carmo, Mogi-Mirim (1849) Igreja de São Benedito, São Roque (1855) Igreja de Nossa Senhora da Boa Morte e Assunção, Limeira (1858) Igreja Matriz de Santa Cruz, Taiaçupeba, Mogi das Cruzes (1864) Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Santa Branca (1869) Santuário do Bom Jesus dos Perdões (1870) Igreja de São Benedito, São José dos Campos (1870) Igreja Matriz de Santo Antonio da Cachoeira, Piracaia (1883)

1750 1751-1845 1752-1760 1753 1756 1756-1763 1757 1759 1762 1780 c.1770 1772 1775-1780 1776-1782 1780-1874 1781 1785 1788-1856 1793 1800 c.1800 1800 1802-1821 c.1810 1810 1811 1814 1815-1820 1825-1827 1700-1890 1839-1871 1839-1881 1841-1871 1843 1846 1848 1849 1855 1858-1867 1864 1869 1870 1870-1876 1883-1891

Igrejas Paulistas da Colônia e do Império

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IGREJAS COM PLANTA EM NAVE TRIPLA SEMI-ABERTA, DIVIDIDA POR ARCOS (8) (naves originalmente únicas cujos corredores laterais foram abertos por arcos) Igreja, município (construção) Igreja Matriz de Santo Antônio, Paraibuna (1872) Basílica Velha de Nossa Senhora Aparecida, Aparecida (1744) Igreja de Bom Jesus, Itu (1763) Igreja Matriz de São João Batista, Atibaia (1744) Catedral de Santo Antônio , Guaratinguetá (1701) Santuário do Senhor Bom Jesus do Matosinhos (Igreja de São Benedito), Mogi das Cruzes (1747) Catedral de Nossa Senhora da Conceição, Guarulhos (1710)

Ano Constr. (reforma) 1872-1886 1844-1862 (1888) 1763-1865 (1904) 1744 (1912) 1701 (1913) 1747 (1940) 1710-1716 (1960)

IGREJAS COM PLANTA EM NAVE TRIPLA ABERTA, DIVIDIDA POR COLUNAS (5) Igreja, município (construção) Igreja Matriz de São Sebastião, São Sebastião (c.1600) Igreja Matriz de Santa Branca, Santa Branca (1828) Igreja Matriz de Santo Antônio, Arapeí (1864) Capela de Nossa Senhora dos Aflitos, São Paulo (1774) Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, Atibaia (1763)

Ano Constr. (reforma) c.1600 (1819) 1828 1864 1774 (1869) 1763-1817 (1953)

IGREJA COM PLANTA DE NAVE SEM CAPELA-MOR (1) Igreja, município (construção) Capela de Santa Catarina, Carapicuíba (1736)

Ano Constr. 1736

IGREJAS COM PLANTA DE NAVE EM CRUZ LATINA (4) Igreja, município (construção) Igreja de Santo Antônio Galvão, Mosteiro da Luz, São Paulo (1774) Igreja das Chagas do Seráfico Pai São Francisco, Ordem Terceira da Penitência, São Paulo (1783) Catedral Metropolitana de Nossa Senhora da Conceição, Campinas (1807) Santuário do Bom Jesus de Tremembé, Tremembé (1795)

Ano Constr. (reforma) 1774-1822 1783-1787 1807-1884 1795-1797 (c.1910)

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Capítulo 1 - Arquitetura

O contorno das naves, até meados do século XVIII comportadamente retangulares, começa a conhecer desenhos inusitados, com cantos chanfrados que as aproximam de octógonos. Após isso, surgem templos com planta que evolui para linhas sinuosas, de gosto rococó, com cantos em chanfros arredondados ou mesmo em forma de elipse (ALVIM, 1997, p.217). Em outros estados, exemplares com essas inovações são encontrados em Ouro Preto, Mariana, São João d’El Rey, Goiás, Rio de Janeiro e Recife, e são quase sempre casos de projetos elaborados por engenheiros militares. Mas Myriam Ribeiro (2003) lembra que deve-se analisar estes casos de plantas curvilíneas ou octogonais como exceção, pois representam uma minoria do que se fazia no Brasil. Fig.038: Planta elaborada para o Mosteiro de São Bento da capital. Desenho: Brigadeiro José Custódio de Sá e Faria, 1772; Fonte: Toledo, 2007.

São Paulo, centro urbano que se ressentia da presença de engenheiros, terá um único caso no século XVIII de igreja projetada por um engenheiro, quando o brigadeiro José Custódio de Sá Faria fez a planta para o terceiro templo do Mosteiro de São Bento da capital no ano de 1772, apresentando uma nave de cantos chanfrados na altura da parede do arco-

Fig.039> A Igreja do Pilar de Taubaté, com sua nave octogonal. Desenho: IPHAN; Fonte: IPHAN, 1944.

cruzeiro, que seria o que de mais arrojado até ali que se veria na capital. No entanto, antes mesmo deste caso, temos a inusitada Igreja de Nossa Senhora do Pilar, em Taubaté, cuja nave é octogonal. Ereta em 1747, é o caso mais antigo que conhecemos de nave com contornos diferenciados do Estado de São Paulo, e não há registro de quem a tenha projetado. É também a

única igreja analisada nesta Tese que ostenta um forro de gamela: aos paulistas, como se viu anteriormente, lhes agradavam os forros sextavados ou em abóbada de berço.

Igrejas Paulistas da Colônia e do Império

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Voltando à capital, lá tivemos logo depois de Sá e Faria, a atuação de Santo Antônio Galvão, frei franciscano do convento da cidade, que se aventuraria como arquiteto, projetando o Mosteiro da Luz (17741802) com uma igreja de nave inusitada: planta em cruz com o centro, abaixo da cúpula, octogonal. A mesma solução é encontrada na Igreja da Ordem Terceira da Penitência (1783-1787), na mesma cidade. Sendo também, um templo da regra franciscana, vizinho ao convento onde vivia o frei e de data de construção próxima, Benedito Lima de Toledo atribui a ele também o projeto do templo dos terceiros franciscanos.

a b Fig.040: Templos paulistanas com planta em cruz e centro octogonal: Igreja da Ordem Terceira da Penitência (Chagas do Seráfico) (a) e Igreja do Mosteiro da Luz (b). Desenhos: Catarina O. Costa, 1980 (a); Márcia Santiago, Carlos Troca e Roberto Novaes, 1978 (b); Fonte: São Paulo, 1971c (a), 1982g (b).

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Capítulo 1 - Arquitetura

A mesma influência exercida pelos engenheiros que trouxeram inovações como as plantas de partidos elípticos, octogonais ou chanfrados também influenciará em soluções mais simples, como a criação de transeptos, e inserção de zimbórios, elementos que não se encontravam até então e que aparecem nos dois exemplos paulistanos mencionados acima, também trariam outras mudanças mais simples, que mudariam um pouco a dinâmica das igrejas. outra dessas modificações foi a criação de corredores laterais, que possibilitavam aos fieis e sacerdotes que transitavam pela igreja não interromperem as celebrações, por exemplo. Sandra Alvim descreve como o primeiro exemplar a têlos no Rio de Janeiro a Igreja do Carmo da Lapa, em 1751. Essa solução seria adotada também pelas igrejas novas e reformadas na Capitania de São Paulo, e só cairia em desuso no final do século XIX, quando as igrejas passam a adotar estilos historicistas, que alteFig.041: Igreja de Nossa Senhora da Boa Morte, em Limeira com planta composta por nave única com corredores laterais. Desenho: Mateus Rosada.

ram totalmente suas plantas, escapando ao nosso recorte. Em todas as igrejas fazia-se necessária a instalação de pelo menos um púlpito, quando não dois, um

a de cada lado da nave, para manter a simetria do conjunto. Em igrejas com menos posses, a instalação de apenas um já era suficiente. Os parlatórios para as homilias dos celebrantes são presença constante nas igrejas de São Paulo e de qualquer lugar do país. Era um elemento extremamente necessário para a liturgia. Deveria, segundo orientações do Concílio de Trento, se localizar no centro da nave, em lugar visível e, de preferência, do lado esquerdo: A este respeito, em cada igreja paroquial, onde não se possa colocar um ambão e onde se possa expressar o evangelho e se dizer o sacro sermão, construa-se um púlpito absolutamente com tábuas trabalhadas e mais firmes, com lavor decente, pelo mesmo lado do evangelho [lado esquerdo da igreja], onde se possa fazer a leitura do Evangelho e do sacro sermão. Finalmente cuidado para que: tanto os tablados como o púlpito de forma alguma fiquem longe do altar-mor, sejam colocados apropriadamente no centro da igreja, em local conspícuo, onde o pregador ou leitor possa ser

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visto e ouvido por todos, na medida em que isso possa ser feito com o decoro de 4 acordo com a disposição da igreja (BORROMEO, 1985, p.13, tradução nossa ).

Os usos prosaicos no dia-a-dia É importante que se tenha a percepção de que a Igreja Católica era muito mais presente na vida dos cidadãos nos tempos pré-republicanos. Mas, na mesma medida, não eram vistas como espaços tão sagrados e inatingíveis como se vê hoje. Por estar mais inserida no dia-a-dia das pessoas a Igreja e o próprio templo também estavam sujeitos a usos mais costumeiros e mais prosaicos. Era nelas que muitas vezes, nas sacristias, os chefes de famílias abastadas combinavam casamentos de seus filhos (LEMOS, 1984, p.12). Na igreja, as mulheres, que mal podiam sair de casa, encontravam as comadres para conversar, o que chegou a causar reclamações dos membros da Igrejas: em 1749, o visitador da diocese de São Paulo, Miguel Dias Ferreira, reclamava das mulheres de Cotia, que comiam e falavam muito alto dentro da Matriz da vila, além de deixarem canas e cascas de frutas sujando o chão da igreja (SILVA, 1937, p.50). Também durante as missas, os lugares de mulheres e homens dentro da nave eram distintos, conforme mostram relatos e indicam constituições eclesiásticas: E porque na igreja os homens deve estar separados das mulheres, de acordo com antigas tradições, e o costume testemunhado pelo beato [São João] Crisóstomo, e visto com frequência na maioria dos lugares desta província, a forma e a medida da divisão da igreja pode ser dessa sorte. Assim pois, na igreja, especialmente na mais insigne, a desde a passagem para a capela-mor até a porta principal, se faça uma plataforma traçada em linha reta pelo meio do centro da igreja, por colunas de madeira sólida, distantes de si cada uma com espaço de cinco côvados, e firmemente fixadas no piso. (...) Mas na entrada principal volte a unir-se de tal modo que a divida ao meio, e assim dividida e distinguida faça a entrada separada e distinta para a igreja de um lado para os homens, de outro para as mulheres (BORROMEO, 1985, p.67, 5 tradução nossa ).

4

No original da edição em espanhol: Al respecto, en cada iglesia parroquial donde no pueda colocarse un ambón, de donde pueda pronunciarse el evangelio y tenerse el sacro sermón, eríjase un púlpito absolutamente con tablas tarareadas y éstas más firmes, con obra y forma decente, por el mismo lado del evangelio, de donde pueda tenerse la lección del evangelio y el sacro sermón. Finalmente cuídese aquello: que tanto los facistoles como el púlpito de ningún modo queden lejos del altar mayor, colocados aptamente en el centro de la iglesia, en un lugar conspicuo, de donde el pregador o lector pueda ser oído y mirado por todos, en la medida que esto puede hacerse con decoro de acuerdo con la disposición de la iglesia. 5

No original da edição em espanhol: Y porque en la iglesia los varones deben estar por separado de las mujeres, de acuerdo con institutos antiguos, y la consuetud testificada Por el beato Crisóstomo, y vista con frecuencia en la mayoría de los lugares de esta provincia, la forma y la medida de la división de la iglesia puede ser de esta suerte. Así pues, en la iglesia, sobre todo en la más insigne, desde el ingreso de la capilla mayor hasta la puerta mayor, se fija un tablado trazado en línea recta por en medio del centro de la iglesia, mediante columnillas de madera sólidas, distantes entre sí cada una con un espacio de cinco codos. (…) Pero en la entrada mayor vuélvase a unir de tal modo que la divida a la mitad, y así dividida y distinguida haga separada y distintamente la entrada a la iglesia por una parte para los varones, por otra para las mujeres.

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Capítulo 1 - Arquitetura

capela-mor A capela-mor conforma, com a nave, o espaço principal da igreja, e sua importância está expressa no próprio termo: maior (ALVIM, 1997, p.40). É o espaço mais valorizado da igreja, o que recebe a talha de melhor qualidade, assim como o primeiro a receber pintura e, em grande parte dos casos paulistas, o único. São Paulo ressente-se por quase não possuir capelas-mores com tratamentos integrais de talha ou pintura, ou ambos, como se pode ver em igrejas como a Capela da Ordem Terceira da Penitência do Rio de Janeiro, ou em igrejas recifenses, soteropolitanas e centro-mineiras. Só conhecemos dois casos que chegaram aos dias de hoje, o da Igreja do Rosário do Embu e da Matriz de Itu.

Fig.042: Igreja Matriz de Nossa Senhora da Candelária de Itu, um dos poucos exemplares de capela-mor completamente decorada. Foto: Mateus Rosada, 2013.

Acreditamos que tenham existido outras igrejas com tratamento mais completo de pintura escultura que tenha se perdido. Exemplo documentado disso é o da Igreja do Carmo de Itu, que possuía pintura integral, em todas as paredes e forro, realizadas por Jesuíno do Monte Carmelo (Santos, 1764 – Itu, 1819), mas cujos forros parietais foram desafortunadamente descartados no começo do século XX.

Sobre o ecletismo e destruições Quando se avança para o fim do século XIX e início do XX, vão aumentando os relatos de destruição das igrejas paulistas. Tudo mudaria no final do Império. A segunda metade do século XIX foi de grandes mudanças para São Paulo. A Capitania que ganhou fôlego sob a cultura da cana, sob o ciclo cafeeiro se tornou a mais rica (agora, Província) do país. E a cultura da rubiácea, em sua expansão vertiginosa, necessitou de muitos braços que, devido a leis antiescravagistas, passaram a ser de imigrantes europeus, que trariam influências de suas terras (CAMARGO, 2008, p.134). As primeiras levas de imigrantes no

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interior paulista chegariam na década de 1840, com grupos de portugueses e espanhóis. Ainda na mesma década, se deu a contratação maciça de alemães, suíços e belgas e, após 1870, começa a vinda do contingente que seria o mais numeroso em São Paulo: os italianos. Muitos desses imigrantes não tinham ligação com a terra em seus países de origem, de modo que tantos ferreiros, marceneiros, tecelões, artífices e pintores desembarcaram no país, incrementando os ofícios urbanos e, principalmente, as técnicas construtivas empregadas aqui. Os italianos, em especial, e um tanto os alemães e poloneses, já carregavam uma tradição de pintura mural de sua terra que seria empregada nas casas das classes média e alta, nos edifícios públicos e especialmente nos religiosos. Além de investir em contratação de mão-de-obra, os fazendeiros fizeram grandes inversões em novas tecnologias para aumentar a produção, adquirindo máquinas, e para facilitar o escoamento do produto, com a implementação de ferrovias. O trem mudaria toda a dinâmica das fazendas e das cidades, pois agilizava a troca de informações e facilitava imensamente o comércio e a vinda de materiais que não eram até então produzidos no país: telhas, vidros, ferragens, móveis, objetos de decoração, que antes só chegavam ao interior com muita dificuldade a um custo exorbitante, agora se tornavam muito mais acessíveis. No último quartel do século XIX, a facilidade de comunicação e comércio com o exterior e a presença já maciça de imigrantes, que traziam na bagagem outros padrões construtivos de suas culturas, permitiu a rápida aceitação do ecletismo nas edificações, já tão em voga na Europa. Foi uma fase de intensas alterações estilísticas nas cidades, quando muitas construções foram reformadas ou mesmo reconstruídas adaptando-se ao novo gosto. Essa modernização que marcou o fim do século XIX e o início do XX e eliminou para sempre da paisagem vários dos templos das cidades paulistas, que deram lugar a novas igrejas em estilos historicistas que se apresentavam mais comumente no neogótico e no neoclássico e, no avançar do século XX, no neocolonial. Por serem importantes obras de arte para suas comunidades, ou igrejas secundárias, como é o caso dos Rosários, ou simplesmente pela falta de verba para a renovação arquitetônica, uma parte das igrejas construídas nos quatro primeiros séculos chegou até os dias atuais. Estimamos que o universo que pesquisamos não corresponda nem à metade do que havia à época da Proclamação da República. Um conjunto, se comparado ao de outros estados, pequeno, mas ainda assim de grande valor artístico.

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Capítulo 1 - Arquitetura

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CAPÍTULO 2

ORNAMENTAÇÃO

Ninguém melhor do que vós, artistas, construtores geniais de beleza, pode intuir algo daquele pathos com que Deus, na aurora da criação, contemplou a obra das suas mãos. Infinitas vezes se espelhou um relance daquele sentimento no olhar com que vós — como, aliás, os artistas de todos os tempos —, maravilhados com o arcano poder dos sons e das palavras, das cores e das formas, vos pusestes a admirar a obra nascida do vosso génio artístico, quase sentindo o eco daquele mistério da criação a que Deus, único criador de todas as coisas, de algum modo vos quis associar. (JOÃO PAULO II, 1999, p.01)

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Capítulo 2 - Ornamentação

< Fig.043: (página anterior) Capela-mor da Igreja Conventual do Carmo, Mogi das Cruzes. Desenho: Mateus Rosada, 2015.

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2.1 A AZULEJARIA O revestimento com azulejos sempre foi uma opção que dotava o templo de maior requinte. Material que serviria para melhorar a proteção das paredes pela impermeabilidade que proporcionava, o azulejo instantaneamente foi percebido, desde o princípio dos tempos em que começou a ser produzido na Península Ibérica, como um elemento decorativo de grande efeito. Seu uso em ambientes eclesiásticos no Brasil teve um ápice de produção e exuberância em fins do século XVIII, sendo que nos grandes centros portuários do Nordeste estão ainda hoje os maiores exemplos. No sudeste, que viria a conhecer significativo desenvolvimento somente a partir do terceiro século de colonização, a azulejaria ficou restrita exclusivamente ao litoral e, ainda assim, com poucas e eventuais ocorrências. Sandra Alvim (1997, p.40) catalogou apenas cinco igrejas, dentre 33 que observou, que se utilizaram deste elemento decorativo na capital fluminense. Na região paulista, mais distante dos grandes centros, pouco povoada, com grandes dificuldades de acesso e, consequentemente, de transporte de artefatos delicados e finos como os azulejos, há notícia de apenas duas ocorrências de seu uso, ambas no litoral, sendo que apenas em um dos casos a obra resistiu até os dias de hoje. Tratam-se da Igreja Conventual de Nossa Senhora da Conceição de Itanhaém e da Capela da Ordem Terceira da Igreja de Santo Antônio do Valongo de Santos, não por acaso, templos franciscanos, talvez a ordem que mais se utilizou da azulejaria para decorar o interior de seus oratórios. Da Capela da Ordem Terceira do Valongo resta-nos apenas a notícia de que teria tido um barrado de azulejos, instalado no ano de 1727. Com muitos problemas de umidade, que grassam a capelinha até hoje, o barrado foi removido em reforma do começo do século XX (DE BIASI, TAMBUR, MOTTA, 1995, p.59). Com a destruição da decoração murária do Valongo santista, a Igreja da Conceição de Itanhaém é o único exemplar de azulejos do século XVIII em todo o Estado de São Paulo. Por ter sido reedificada totalmente em 1699-1712 e pelo estilo dos motivos desenhados, acreditamos que seus painéis tenham sido instalados em ano não muito distante de 1712. Eles revestem a parede do arco cruzeiro, acima da linha dos retábulos, e dois barrados nas laterais da nave, da linha da mesa de comunhão até os altares do cruzeiro. Apresentam motivos com enrolamentos de folhas de acanto e algumas flores, numa decoração muito ao gosto do estilo Barroco Português (do qual falaremos adiante, no item 2.3.3).

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Capítulo 2 - Ornamentação

a

Fig.044: Interior da Igreja de Nossa Senhora da Conceição (a), em Itanhaém. Detalhes do painel de Nossa Senhora da Conceição (b) e do padrão de enrolamentos de acanto dos azulejos (c). Fotos: Mateus Rosada, 2015.

b

c

Ambos os exemplos são da primeira metade do setecentos; não encontramos registro, relato ou menção a ambientes que tenham sido decorados com azulejaria em qualquer outro edifício do Estado de São Paulo de meados do século XVIII até a segunda metade do século XIX. Nem mesmo a opulência do café dotou as igrejas paulistas de revestimentos dessa pedra artificial. Dois fatores foram preponderantes para esse fato: não produzindo seus próprios azulejos, a Colônia importava toda essa arte da metrópole, que estava em guerra contra as tropas napoleônicas no início do século XIX e que teve as relações comerciais com o Brasil abaladas após a independência, o pleno restabelecimento do o comércio bilateral entre Brasil e Portugal só se deu em 1860. Soma-se a isso o período coincidir com a decadência das ordens religiosas, notórias utilizadoras de azulejos (especialmente os franciscanos) e ascensão das irmandades, que não investiram em azulejaria para seus templos. A despeito do bom momento econômico pelo qual passou a capitania/província de São Paulo no século XIX, tivemos um hiato de quase 150 anos sem obra alguma de azulejaria, o que nos privou de ter painéis de estilo joanino ou rococó, tão comuns em outros estados brasileiros. O uso de azulejos no novecentos se deu quase que exclusivamente em fachadas de algumas poucas casas urbanas em Santos e Campinas e Limeira uma sede de fazenda em Iracemápolis (WANDERLEY, 2006, p.27), havendo, em arquitetura religiosa, também o caso único do revestimento dos barrados internos e da torre da Igreja da Ordem Terceira do Carmo de Santos, que é já novecentista (MARQUES, 2007,p.120), pois é perceptível uso da técnica de estampilha:

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O processo de fabricação utilizado na época [século XIX] era o de estampilha semiindustrial, o mais comum. consistia na aplicação de um molde, geralmente de metal, com os desenhos recortados e a plicados sobre a peça cerâmica e, finalmente, o artesão coloria com um pincel o espaço aberto. Para padrões em policromia, fazia-se um molde de cada cor. Nessa elaboração muitas peças saíam com defeito, mas não deixavam de ser utilizadas (WANDERLEY, 2006 p.25).

Com muitos problemas e desgastes, foi removido recentemente da frontaria, restando testemunhos apenas nas paredes externas laterais e posterior do último lance da torre. A Igreja da Ordem Terceira do Carmo também possui um barrado azulejar em toda a extensão da nave e da capela-mor, aparentemente do século XIX, por se utilizar da mesma técnica de estampilha. Há ainda dois painéis figurativos na parede do arco-cruzeiro, com o Coração de Jesus e Nossa Senhora Aparecida, de padrão neocolonial, portanto, do século XX.

^ Fig.045: Barrado de azulejos do século XIX na Igreja da Ordem Terceira do Carmo de Santos. Foto: Mateus Rosada, 2014.

< Fig.046: Detalhe da lateral da torre do Conjunto Carmelita de Santos, evidenciando os remanescentes de azulejos da fachada. Foto: Mateus Rosada, 2014.

a b Fig.047: Fachada do conjunto carmelita de Santos em 2005 (a), com a face frontal da torre ainda com azulejos, e recentemente, já sem essa ornamentação. Fotos: Vladimir Benincasa, 2005 (a); Mateus Rosada, 2014 (b)

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Capítulo 2 - Ornamentação

Com apenas um exemplar com azulejos do século XVIII e outro único do século XIX, o Estado de São Paulo possui mais dez igrejas construídas nos períodos Colonial ou Imperial que receberam aplicação de azulejos já no século XX: IGREJAS COM AZULEJOS DO SÉCULO XX Igreja, município (construção) Igreja do Convento de Santo Antonio do Valongo, Santos (1640) Igreja de São Francisco, São Paulo (1642) Igreja Matriz de Nossa Senhora Mãe dos Homens, Porto Feliz (1750) Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Santos (1752) Basílica Santuário do Bom Jesus do Iguape, Iguape (1788) Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Piracaia (1839) Igreja, município (construção) Igreja de Nossa Senhora do Amparo, São Sebastião (1637) Igreja Matriz de Nossa Senhora da Ajuda, Ilhabela (1697) Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Piracaia (1839) Igreja Matriz de Santo Antônio, Paraibuna (1872)

Painéis decorativos capela-mor - azuis e brancos (Cândido da Silva Júnior, c.1935); sala dos milagres - várias cores capela-mor - azuis e brancos (Liceu de Artes e Ofícios) capela lateral - azuis e brancos (Bruno de Guisti, 1970) nave - azuis e brancos capela-mor - marrons e brancos (Ernesto e João Thomazini, c.1930) capela do Santíssimo - azuis e brancos (Oficina Cerâmica Terra) Azulejos estampados galilé - azuis e brancos nave e capela-mor - azuis, amarelos e brancos nave e capela-mor - azuis, amarelos e brancos nave e capela-mor - azuis e brancos Fachada e capela-mor - azuis, amarelos, verdes, marrons, rosas, dourados e brancos

Não nos discorremos delongadamente sobre a arte azulejar do século XX em são Paulo por escapar ao nosso recorte histórico. No entanto, não podemos deixar de fazer pequena menção aos esmerados trabalhos que se pode ver nos apainelados da capela-mor da Igreja de São Francisco da capital, realizados pelo Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, e aos painéis da nave lateral da Igreja de Nossa Senhora Mãe dos Homens de Porto Feliz, do artista plástico italiano Bruno de Giusti (Lau Michele di Ramera, Itália, 1920 – Sorocaba, 2011). Na Basílica de Iguape, os azulejos pintados por Ernesto Thomazini são os únicos que saem do padrão estrito da coloração azul: o artista optou pela monocromia com marrom. Os demais trabalhos em painéis são todos de boa lavra, com cenas bem compostas, boa noção de perspectiva e têm se ambientado bem nos lugares onde foram inseridas. Em quatro igrejas ainda, optou-se pela utilização de azulejos estampados, com motivos repetitivos, para compor os barrados de suas naves e/ou capelas-mores e, em um único caso, a fa-

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chada. Esse inusitado caso é o da Igreja Matriz de Santo Antônio, em Paraibuna, templo construído em 1872-1886 que sofreu uma reforma neocolonial na fachada em 1954, mas com a aplicação de azulejos modernistas, feitos pela mesma empresa que confeccionava os azulejos de Cândido Portinari.

b c a Fig.048: Aspecto externo da Igreja Matriz de Santo Antônio de Paraibuna (a) e padrões dos azulejos de sua fachada (b,c). Fotos: Mateus Rosada, 2014 (a,b,c)

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Capítulo 2 - Ornamentação

2.2 A PINTURA A pintura decorativa religiosa no Estado de São Paulo conheceu, durante os períodos Colonial e Imperial, três quatro períodos bastante distintos: o dos (1) Brutescos e Adamascados, o (2) Barroco Joanino e o (3) Rococó, com importantes hiatos temporais entre eles, nos quais não restou nenhum registro de atividade pictórica nos interiores dos templos. Houve ainda o Academicismo/Ecletismo, que muito alterou o aspecto interior dos templos, mas sem ocorrências antes do período republicano em São Paulo. É mesmo possível que nos primeiros tempos, nas duas primeiras centúrias até meados da terceira, o número de artistas disponíveis nessas terras, assim como de novas construções e de recursos, fosse bastante reduzido. As povoações paulistas, inclusas as aldeias e reduções jesuíticas, tiveram pouco incremento populacional no início da colonização, e às poucas edificações e igrejas que se faziam concorriam poucos indivíduos para decorá-las. São Paulo ainda vivia com o básico, sem poder dar-se a grandes luxos. E que se entenda que a tão propalada pobreza de São Paulo colonial não era maior do que a penúria que se encontrava em outras paragens da Terra de Santa Cruz. Essa era a regra em praticamente toda a América Portuguesa e os paulistas não foram exceção. A partir da segunda metade do século XVIII, a economia de São Paulo se dinamiza, as cidades crescem e há um afluxo de gente para as vilas paulistas. Aí somos da opinião de que deve ter havido, de 1750 para adiante, uma produção constante de arte pictórica e que os períodos sem registros podem corresponder a produções artísticas que se perderam no tempo. Temos como exemplo as contas das ordens terceira do Carmo e de São Francisco da capital, que registram uma quantidade razoável de obras encomendadas a João Pereira da Silva, pintor que certamente dominava o meio artístico no planalto de Piratininga, mas cujas obras remanescentes são pouquíssimas. Sabe-se que ele pintou a capela-mor da Ordem Terceira do Carmo em 1761, pintura esta substituída em 1785 por outra de José Patrício da Silva Manso e, em 1798, por uma terceira, de Jesuíno do Monte Carmelo (ANDRADE, 1963, p.154, 158, 163). Como nossa análise baseia-se somente nos exemplares existentes ou com registro documental, podemos descrever apenas as igrejas que ainda existem e uns poucos casos de templos demolidos cujo interior foi fotografado. Assim, o que encontramos atualmente é um pequeno grupo de pinturas realizadas nos fins do século XVII e início do XVIII em estilo maneirista, uma única pintura de teto ainda em estilo joanino, um terceiro e bastante representativo(ainda que não muito grande) conjunto de características rococós já de fins do século XVIII e inícios do XIX, e um quarto, bem mais numeroso, de motivos do ecletismo, que se inicia na década de 1880 e chega até datas recentes. Este último está fora de nosso recorte histórico, mas sua influência no visual dos interiores decorados das igrejas paulistas é tal que se faz necessária uma pequena análise, mesmo que breve, de seu papel na arquitetura religiosa.

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2.2.1 BRUTESCOS E ADAMASCADOS (c.1680-1736)

Apesar de a decoração interna dos templos ter mantido as características do período maneirista até algumas décadas depois do fim da União Ibérica (1580-1640), pinturas ao sabor deste período são encontradas em igrejas paulistas até a década de 1730. Há um único caso de pintura que foge desses Fig.049: Terça decorada na sacristia da Igreja de Santa Catarina. Foto: Mário de Andrade, s.d.

padrões, ainda que tenha sido realizada dentro desse período: a das terças da sacristia da Capela de Santa Catarina (Antiga São João), no município

de Carapicuíba. A pintura dessas estruturas do telhado, que só são visíveis porque nunca foi colocado um forro na sala, possuem um padrão geométrico, certamente indígena (KOK, 2012, p.58). Foi realizado por volta do ano de 1714, quando a capela foi reedificada, e escapa totalmente dos modelos de pintura portuguesa desse período, baseado nos enrolamentos da pintura de brutesco, muito em voga em Portugal dos século XVII e suas colônias ultramarinas. A pintura de brutesco baseia-se, numa visão bastante simplificada, em uma composição com uma sequência de enrolamentos vegetalistas delgados, com alguns elementos zoomorfos e mascarões, que se desenvolvem de forma simétrica a partir de um medalhão central. Victor Serrão discorre sobre as características dessa arte: Na verdade, a designação de “pintura de brutesco”, multiplicada em contratos de obras e em descrições de igrejas, conventos e palácios a partir de meados do século XVII, atesta a fortuna de uma modalidade ornamental que conquistou o gosto dos mercados nacionais da época, tanto na Metrópole como nos espaços ultramarinos (Brasil, Angola, Índia portuguesa), e que se caracterizou por uma série de repertórios formais e compositivos fadados para granjear enorme aceitação dos mercados, num tempo que, com a Restauração de 1640, era de crise, de resistência patriótica e esforço de guerra, mas com resultados perenizados na época mais estável de D. Pedro II e mesmo nos primeiros decénios do reinado de D. João V. A linguagem brutesca é utilizada com largueza cenográfica, em códigos de variação reconhecíveis, a partir do uso de folhagens, festões, fruteiros e enrolamentos de acantos (e, ainda, das fantasiosas ferronneries oriundas da tradição maneirista dos grottesche), associados à presença de anjos-meninos, de aves, de cartelas com litanias marianas, emblemas, símbolos eucarísticos ou da Paixão de Cristo, quase sempre ocupando a bidimensionalidade dos panos murários, sejam tectos, arcos ou paredes axiais (SERRÃO, 2012, p.185).

A origem da pintura de brutesco está em padrões ornamentais de palácios do Império Romano, descobertos no Renascimento soterrados, como se fossem grutas (em italiano, grotte). Pintores renascentistas se basearam nesses padrões, chamados então de grotteschi, para decorarem ambientes. A variação portuguesa, cristianizada e com maior peso em elementos em formato de folhas de acanto, passou a ser classificada como “pintura de brutesco”:

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Capítulo 2 - Ornamentação

Importa precisar, antes de mais, que o brutesco, tão usado na arte portuguesa de Seiscentos como ‘género’ autónomo, não pode mais ser confundido com o grotesco clássico de raiz neroriana (cujo uso foi tão criticado pelos censores da ContraReforma): é toda uma outra coisa, mesmo que o termo em uso pareça ser uma corruptela semântica da fórmula com que a época do Renascimento apelidou as estranhas decorações pagãs das grotte dos velhos palazzi imperiais romanos... Esta nova linguagem ornamental inspirou-se, como é visível, na tradição dos grottesche renascentistas, difundidos pelas gravuras italianas de Agostino Veneziano, Zoan Andrea de Mântua, Nicoletto da Modena e outros, mas não pode ser considerada um seu mero sucedâneo, quando a sua utilização seguiu uma cenografia mais larga e autónoma, e a gramática usada divergiu radicalmente dos caprichos paganizados do grotesco clássico, dando peso, sim, às complexas folhagens acânticas, aos meninos-anjos, aos frutos, às aves, aos festões e às cartelas com símbolos eucarísticos, no contexto de programas imagéticos moralizantes, aptos a deixar uma impressão viva e um testemunho catequizador dos seus temas marianos e cristológicos. Durante praticamente um século – entre o reinado de D. João IV e meados do reinado do Magnífico [D. João V] –, essa nova modalidade pictural assumiu preponderância nos programas ornamentais dos espaços construídos, contribuindo para os qualificar com maior evidência como obras de arte total, numa espécie de dimensão portuguesa do conceito belloriano de bel composto. (...) As composições dos brutescos são sempre centradas por um motivo principal – cartelas na maioria dos casos – e desenvolvem-se simetricamente segundo um eixo vertical; ligando-se ao motivo central por meio de ornatos lineares ou formais, todo o conjunto forma uma unidade, sem soluções de continuidade (SERRÃO, 2012, p.183).

Ao mesmo tempo em que se pintavam tetos com os enrolamentos simétricos do brutesco, móveis e outros elementos recebiam tratamento em padrões vegetalistas repetitivos, conhecidos por damascos ou adamascados, por se basearem no padrão ornamental de tecidos bordados produzidos em Damasco, Síria. Ou seja, era comum encontrar esses dois padrões decorando os mesmos ambientes. Quando havia possibilidade e meios para sua realização, os padres procurariam ornar suas igrejas com o que de melhor se conseguia para aquele período. Certamente outras igrejas paulistas receberam tratamento pictórico com brutescos e/ou damascos, mas em poucas a pintura ou seu suporte resistiram até os dias de hoje, tanto pela ancianidade de obras que hoje atingem 300 anos e foram maltratadas pelo tempo e falta de manutenção, como pelas tantas reformas estilísticas ocorridas nos séculos XVIII e XIX, que substituíram forros, altares ou mesmo reconstruíram os edifícios, adaptando-os aos novos gostos, joaninos, rococós ou neoclássicos. Dessa feita, restaram, com algum tipo de decoração pictórica realizada até a primeira metade do século XVIII, apenas sete templos paulistas:

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Fig.050: Cidades paulistas com igrejas com remanescentes de pintura anterior a 1750: 1. Santana de Parnaíba, 2. São Roque, 3. Carapicuíba, 4. Embu das Artes, 5. São Paulo (São Miguel Paulista), 6. Mogi das Cruzes, 7. Guararema. Desenho: Mateus Rosada.

É possível que templos do litoral tenham tido decoração pictórica, no entanto, a grande umidade da região costeira de São Paulo é um fator que contribuiu para que obras aplicadas sobre madeira, caso de altares e forros, se perdessem. Fato que salta à vista, ao se observar a localização os remanescentes de pintura dos dois primeiros séculos e meio de colonização, é que quase toda a atividade de pintura religiosa foi realizada por padres jesuítas ou discípulos por eles treinados. Das igrejas desta categoria, apenas a de Santo Alberto, em Mogi das Cruzes, era carmelita: as demais faziam parte do cinturão de aldeamentos inacianos estabelecidos ao redor da Vila de São Paulo. Os templos paulistas com algum elemento de pintura decorativa brutesca ou adamascada são os seguintes:

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Capítulo 2 - Ornamentação

IGREJAS COM TRATAMENTO PICTÓRICO BRUTESCO OU ADAMASCADO (07) Igreja, município (construção) Capela de São Miguel Arcanjo, São Paulo (1622)

Capela de Santo Alberto, Mogi das Cruzes (1665) Capela do Sítio de Santo Antonio, São Roque(1681)

localização Brutescos - decoração de fundo de nicho na sacristia, imitação de retábulo na nave, decoração do retábulo da ordem terceira e do colateral do evangelho (c.1740) Figurativo - painel do retábulo Brutescos - forros da nave, capela-mor e sacristia, adamascado do retábulo (1681)

Capela de Nossa Senhora da Conceição, Fazenda Voturuna, Adamascado - no retábulo (1687ou anterior) Santana de Parnaíba (1687) Igreja de Nossa Senhora da Escada, Guararema (1698) (1) Figurativo – “Jesus da coluna” na porta do sacrário; (2) Brutescos - decoração do retábulo colateral da epístola (c.1700) Igreja de Santa Catarina (antiga São João), Aldeia de Cara- Geométrico – desenho de padrão indígena nas terças picuíba (1714) do telhado da sacristia (1714) Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Embu das Artes (1700- (1) Adamascados – frontal do altar e fundos dos cama1740) rins dos três retábulos; (2) Brutescos – painéis parietais na capela-mor, painéis do artesoado da capela-mor, painéis do artesoado da sacristia, camarins dos retábulos laterais (c.1740)

Dentre os exemplares desse período, chamam-nos atenção as obras encontradas na Capela de São Miguel Paulista, antigo aldeamento jesuítico fundado ainda no século XVI e cuja capela atual, ereta em 1622, é o segundo remanescente mais antigo de São Paulo. A nossa dúvida sobre se todas as pinturas seriam mesmo jesuíticas repousa na transferência de mãos pela qual a aldeia passou: por questões políticas locais e conflito com as famílias bandeirantes, os jesuítas foram expulsos da Capitania de São Paulo em 1640 e seu retorno foi consentido em 1653, com a condição de que eles não administrariam mais alguns aldeamentos. Povoações indígenas organizadas pelos inacianos passaram para a coordenação de carmelitas, caso de Pinheiros e Barueri, e franciscanos, em São Miguel, que a assumiram em data incerta, entre 1697 e 1698 (RÖWER, 1957, p.508). Sob a administração franciscana, a capela recebeu reformas, como o alteamento da nave e, provavelmente, a criação da capela lateral que possui, que teria sido uma capela de ordem terceira, muito comum às igrejas franciscanas, mas totalmente inusual em templos jesuíticos. Ocorre que encontramos, em São Miguel, dois padrões de pintura diferentes. Existe um primeiro, em tons de vermelho negro, aplicado em madeira ou diretamente no reboco das paredes, presente em no armário da sacristia e numa pintura ilusionista de retábulo na parede do arco cruzeiro (posteriormente encoberta pela instalação de um altar colateral à sua frente e descoberta recentemente em obras de restauro). Ambas, bastante singelas, apresentam indícios de que teriam sido realizadas por mão-de-obra indígena orientada pelos padres jesuítas e apresentam enrolamentos, ora mais, ora menos refolhudos, próximos dos padrões da pintura em brutesco. No caso específico da pintura do retábulo, já se aparecem colunas torças, evidenciando tratar-se de obra que transita para o barroco, mas ainda mantém a estruturação das partes ainda maneirista.

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^ Fig.051: Retábulo ilusionista na parede do arcocruzeiro da Capela de São Miguel Paulista. Foto: Luciana Lepe Tonaki, 2011.

< Fig.052: Detalhe do armário da sacristia. Foto: Mateus Rosada, 2014.

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O segundo padrão é predominantemente verde e vermelho e se encontra no teto do camarim da capela lateral, que julgamos ter sido construída já sob administração franciscana. Difere significativamente das demais. É uma pintura um pouco mais elaborada, com a presença de flores e de figuras humanas. Resquícios de policromia do retábulo dessa capela demonstram que ele já foi totalmente pintado nas cores verde e vermelho, as mesmas que predominam nos desenhos de enrolamentos vegetalistas que decoram o teto e o fundo do camarim, < Fig.053: Detalhe do armário da sacristia. Foto: Mateus Rosada, 2014.

este último, muito deteriorado e apagado.

A Capela do Sítio Santo Antônio, em São Roque, abriga em sua capela o conjunto de pinturas de teto mais fiel ao que chamamos de pintura de brutesco. Foram policromados, ao que parece, por artista erudito e talvez jesuíta, uma vez que a fazenda de Fernão Paes de Barros se localizava entre algumas reduções dos inacianos e eram eles os poucos indivíduos bem formados nas terras que então se desbravavam. Lucio Costa atribui as obras de talha da capelinha a uma forma de fazer dos jesuítas (COSTA, 2010, p.158-159) e não seria difícil que, assim como o entalhador, o pintor fosse também Companhia. As pinturas de Santo Antônio decoram os tetos da capela-mor, da nave e da sacristia, além do intradorso do arco-cruzeiro. As composições da nave e da capela-mor possuem enrolamentos de acanto muito bem desenhados e delimitados, que culminam em flores, de cujos miolos nascem novos enrolamentos, numa sequência que faz dar a impressão que o movimento de enrolar e torcer não terá fim. Os elementos são de generosas dimensões, com cores predominantemente primárias e resultam em grande efeito cênico, que concede um ar nobre ao pequeno templo, como bem observou Mário de Andrade ao descobri-la: ...O que interessa grandemente são as decorações dos tetos. Todas elas admiráveis... Ainda proporcionam a este interior silencioso e desengonçado, o seu timbre mais sincero de suntuosidade. Saborosamente patinadas pelo tempo, embora conservando ainda a claridade de suas cores, são do melhor tipo da decoração afigurativa (BRASIL, 1938ª, s.p.).

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Fig.054: Forro da nave da Capela do Sítio Santo Antônio, em São Roque. Imagem composta e retificada digitalmente. Foto: Mateus rosada, 2013.

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^ Fig.055: Forro da capela-mor da Igreja do Sítio Santo Antônio, em São Roque. Imagem composta e retificada digitalmente. Foto: Mateus rosada, 2013.

< Fig.056: Forro da sacristia da Capela do Sítio Santo Antônio (imagem retificada). Foto: Mateus rosada, 2013.

O forro da sacristia é mais comedido, com um florão quadrangular no centro, guarnecido nos cantos da composição por outros vegetalismos inscritos também em quadrados. Porém, um interessante elemento une a pintura da capelinha de Santo Antônio à arte produzida na Igreja do Rosário, em Embu das Artes, antiga sede de uma residência jesuítica. Há um padrão ornamental de pequenas flores entrelaça-

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das a ramagens delicadas que comparecem, no Santo Antônio, no tirante central da igreja e nas molduras dos tetos da sacristia e da nave, e, no Embu com quase o mesmo molde, sob os dosséis do retábulomor e nos frisos da capela-mor e entre os caixotões do teto artesoado. Aracy Amaral interpreta esses motivos decorativos como um tipo de chinoiserie: Chinesices, entretanto, não são totalmente ausentes da pintura de santo Antônio, se observarmos com cuidado as largas faixas que, à maneira de friso, rodeiam a pintura central do forro [da nave]: elementos vegetais, tratados no linearismo da maneira orientalizante, envolvem como guirlandas grandes flores (uma circundada por cada duas hastes) e na união dos elementos dessa sequência pendem delicadas cerejas. O vermelho é, significativamente, a cor dessa decoração do friso (AMARAL, 1981, p.82).

b a ^ Fig.057: Detalhe dos delicados motivos florais da moldura da sacristia da Capela de Santo Antônio. Desenhos iguais são encontrados no tirante e na moldura da nave da mesma capela. Foto: Mateus rosada, 2013.

b a ^ Fig.058: Detalhe dos delicados motivos florais da moldura da sacristia da Capela de Santo Antônio. Desenhos iguais são encontrados no tirante e na moldura da nave da mesma capela. Foto: Mateus rosada, 2013.

Essa composição floral monocromática, ora vermelha em fundo branco e ora branca em fundo vermelho, apresenta características orientalizantes discretas e, como se pôde ver, são quase idênticas nas duas igrejas. No Embu, porém, há ainda outros elementos mais claramente chineses e mais elaborados, que se apresentam nas molduras dos nove quadros do artesoado da sacristia: É no teto da sacristia da igrejinha de Nossa Senhora do Rosário do Embu que se encontra uma surpreendente pintura de chinoiserie, contornando em caprichosos frisos os motivos centrais da decoração, dispostos em nove caixotões. São flores, pagodes, pontes e embarcações traçados a ouro sobre fundo vermelho por mão de evidente habilidade (LEITE, 1999, p.185).

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Fig.059: Forro artesoado da sacristia de Embu. Composição digital de 9 fotografias. Foto: Mateus Rosada, 2014.

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Não se deve esquecer que os jesuítas chegaram à China ainda antes da colonização portuguesa nas américas, formando sacerdotes orientais em seus quadros que, em alguns casos, se deslocaram para outras partes do Globo, chegando inclusive no Brasil e influenciando as artes. Não seria estranho que, entre os padres da Companhia de Jesus de Embu e das redondezas houvesse algum oriental, que acabasse responsável por algumas pinturas. A igreja do Embu ainda possui pinturas em damasco nos fundos dos camarins, desenhos imitando mármore embutido na base do retábulo-mor e um grande conjunto de brutescos. Estes, diferentemente do que ocorre na Santo Antônio, onde os enrolamentos percorrem toda a extensão de seus forros, estão contidos sempre em painéis retangulares: são nove quadros na sacristia e mais dezessete na capela-mor (nove no teto e oito nas paredes, entre as janelas). Aqui, os enrolamentos típicos da pintura de brutesco são mais refolhudos, generosos, porém, menores pela própria dimensão dos enquadramentos nos quais se encontram contidos. Já se apresentam como elementos transicionais para ao padrão ornamental do Barroco Joanino, pois remetem mais claramente a folhas de acanto e estão acompanhados de cabeças de anjos, conchas e penachos, elementos estranhos à pintura de brutesco. Também pelas dimensões diminutas, os brasões e emblemas centrais dos caixotões da sacristia ocupam proporcionalmente uma área maior, já os motivos da capela-mor são exclusivamente de enrolamentos e não possuem brasões. A sacristia possui nove emblemas, um em cada quadro do artesoado, representado 9 Armae Christi (Armas de Cristo), emblemas da paixão de Cristo: •

A Luva: representa a bofetada que Jesus recebeu quando foi apresentado a Caifás, também os tapas recebidos pelos guardas que o açoitaram



Os três pregos: com os quais Cristo foi fixado na Cruz;



O Cálice: com o qual José de Arimateia teria recolhido seu sangue; também simboliza o sangue de Cristo na Eucaristia, instituída na Santa Ceia;



A lança e o cabo com esponja: com as quaias, respectivamente, se perfurou o lado do crucificado e se lhe deu vinagre para beber;



O pano de Verônica ou o Sudário: com o qual se enxugou o rosto de Jesus no caminho percorrido com a cruz, marcando os contornos do rosto com seu sangue;



O caniço: que foi colocado nas mão de Jesus ao fim da flagelação para, em escárnio, aclamá-lo como rei;



Dois flagelos e um galho de abeto: com os quais se flagelou Jesus;



A coroa de Espinhos: colocada na cabeça de Cristo para feri-lo e como escárnio pro declarar-se rei; e



A Coluna com uma argola: onde Cristo foi amarrado para ser açoitado.

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2.2.2 BARROCO JOANINO (1751) Percebemos que não existe em São Paulo nenhum teto com desenhos de perspectiva ilusionista, próprios do barroco joanino, forjando uma surreal continuidade da estrutura arquitetônica que se abre para a “visão” de uma cena celestial, como os que vemos na Igreja da Ordem Terceira da Penitência do Rio de Janeiro ou na Conceição da Praia de Salvador. Há apenas um exemplar de forro decorado com padrão joanino: o do vestíbulo da sacristia da Igreja da Ordem Terceira do Carmo de Mogi das Cruzes, talvez vindo de outro lugar, pois teve que ser adaptado ao ambiente onde hoje se insere: A pintura em questão encontra-se no forro do vestíbulo da sacristia, mas suspeita-se que não tenha sido pintada para esse cômodo e não foi possível, diante da documentação existente, nem mesmo saber se fora executada para essa igreja, pois ao olhar detidamente tal obra nota-se nas extremidades do forro sobra de tábua sem pintura, logo, se crê num rearranjo do tabuado para encaixá-lo no espaço disponível. (...) É possível supor que tenha sido executada para alguma sala de refeições em virtude dos elementos de flores e frutos que possui, exceto no centro onde foi representando o tema religioso, da entrega do escapulário e do manto pela Virgem do Carmo com o menino Deus ao santo [São Simão Stock] (PEREIRA, 2012, p.148-49).

A própria pesquisadora Danielle Pereira, em pesquisas mais recentes, afirma que a pintura seria da sacristia da primeira igreja da Ordem Terceira do Carmo mogiano. Os irmãos terceiros receberam autorização e construíram igreja própria em 1682; o templo durou noventa anos mas, com uma série de problemas estruturais, veio ao chão em 1772 (CAMPOS, 2004, p.15), restando intacta, segundo relatos do frei Timóteo Van Den Broek, a sacristia e, portanto, a pintura que ali deveria existir e que cremos ser a atual. A decoração do teto, estima a autora (PEREIRA, 2015, s.p.), deve ter sido feita em 1751 para os grandes festejos do V Centenário do Escapulário Carmelita, pelo talvez único pintor da vila da Mogi: Lourenço da Costa de Macedo que, além de tudo, era irmão terceiro carmelita. Nada impede, também, que o forro tenha sido deslocado de uma sala para outra, mais larga, por apresentar as faixas laterais sem policromia. O mais interessante é que estamos tratando novamente de um exemplar único no Estado de São Paulo, pois não há, fora esse teto, outra decoração sob esse padrão, com largas molduras movimentadas, entrelaçadas a enrolamentos acânticos, guirlandas de flores e frutas e animais da fauna brasileira. Não possui o padrão brutesco que dominou a pintura do período do estilo português com suas sucessões de enrolamentos: as volutas são diferentes, nem sempre vegetalistas, e formam cartelas e agrafes; também ainda não se apresenta como uma pintura rococó, pois lhe faltam os elementos ondulantes com motivo rocaille. Se encaixa, portanto e ainda que não plenamente, na pintura do período do barroco joanino.

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Fig.060: Teto do vestíbulo da Sacristia de Mogi das Cruzes. (composto digitalmente). Foto: Mateus Rosada, 2014.

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Notamos, ainda, que Lourenço da Costa de Macedo se utilizou provavelmente da publicação carmelita Vita effigiata della serafica vergine Santa Teresa di Gesú, de Westerhout, para compor o motivo central do forro. A Vitta effigiata foi publicada em 1716 em Roma, de 35 anos antes da data que estimamos da realização desta pintura, oque demonstra que essas publicações atingiam locais distantes com certa rapidez no século XVIII.

Fig.061: Maria e o Menino Jesus entregam o escapulário a São Simão Stock. Gravura de Arnold van Westerhout. Fonte: Westerhout, 1716, estampa 25.

Fig.062: Maria e o Menino Jesus entregam o escapulário a São Simão Stock. Pintura (provável) de Lourenço da Costa de Macedo no vestíbulo da sacristia da Igreja da Ordem Terceira do Carmo de Mogi das Cruzes, c.1751. Foto: Mateus Rosada, 2014.

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2.2.3 ROCOCÓ (c.1780-1840)

O Rococó representa quase um renascimento para a pintura de teto paulista, após um período de trinta anos em que temos apenas a obra atribuída a Lourenço da Costa de Macedo em Mogi das Cruzes. É bastante provável que nesse ínterim mais alguma decoração pictórica tenha sido feita nos templos do Estado, no entanto, com o surto reformístico dos últimos decênios do século XVIII nenhuma outra, se houve, não resistiu às demolições e reconstruções. Registros de decoração em forros de templos paulistas de características rococós ocorreram apenas em quatro cidades: São Paulo, Sorocaba, Itu e Mogi das Cruzes. Também acreditamos que outros centros importantes, como Campinas, Guaratinguetá, Taubaté e Santos possuíram pinturas desse período, mas que se perderam. Assim, encontramos ocorrências nas seguintes localidades:

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Fig.063: Cidades paulistas em que há registro de pintura rococó em igrejas: 1. Itu, 2. Sorocaba , 3. São Paulo, 4. 7 Mogi das Cruzes, 5. Santos . Desenho: Mateus Rosada.

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Existem apenas dois registros fotográficos das pinturas destruídas das igrejas de Aparecidinha e do Convento de Santa Clara.

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As pinturas de Santos não são de forro, mas de retábulo.

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Capítulo 2 - Ornamentação

São apenas catorze igrejas que mantém pelo menos uma pintura do período rococó, e mais duas cujas pinturas foram destruídas mas restou-nos o registro fotográfico. IGREJAS QUE POSSUEM TRATAMENTO PICTÓRICO ROCOCÓ Igreja, município (construção) Igreja da Ordem Terceira do Carmo, São Paulo (1742) Igreja do Recolhimento de Santa Teresa, São Paulo (1685)

localização painéis teto da sacristia e jazigo da Ordem (hoje biblioteca) forros da nave e capela-mor painéis do forro da capela-mor (hoje no corredor da Ordem Terceira do Carmo, São Paulo) painéis dos retábulos laterais

Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Santos (1752) Igreja de Santo Antônio, São Paulo (1592) forro da capela-mor

Igreja Conventual de Nossa Senhora do forro da capela-mor Carmo, Mogi das Cruzes (1753) Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Mogi forro do vestíbulo da sacristia das Cruzes (1762) forro da nave forro da capela-mor Igreja de Bom Jesus, Itu (1763) forro do vestíbulo Igreja Matriz de Nossa Senhora da Candelária, Itu (1770) Igreja de Nossa Senhora do Carmo, Itu (1776)

Igreja de São Francisco, São Paulo (1642) Igreja das Chagas do Seráfico Pai São Francisco, Ordem Terceira da Penitência, São Paulo (1783)

forro da capela-mor painéis da capela-mor forro murário da capela-mor Forros murários (removidos), forros da capela-mor e nave e painéis do forro da sala do consistório forro da nave forros da nave e capela-mor e dois painéis grandes para a capela-mor 2 quadros da capela-mor 6 quadros da capela de São Miguel

Ano Autor 1786 José Patrício da Silva Manso 1797 Jesuíno do Monte Carmelo 1796 Jesuíno do Monte Carmelo

1780 Jesuíno do Monte Carmelo c.1780 s.i. 1811 s.i. 1751 (atribuído) Lourenço da Costa de Macedo (estilo joanino) 1802 Manuel do Sacramento 1814 Antônio dos Santos c.1810 (provável) Jesuíno do Monte Carmelo 1788 José Patrício da Silva Manso 1788 Jesuíno do Monte Carmelo 1788 Mathias Teixeira da Silva 1794 Jesuíno do Monte Carmelo

c.1790 s.i. c.1791 José Patrício da Silva Manso

c.1790 André Gonçalves 1768 (provável) João Pereira da Silva

quadros do zimbório 1798 Manuel da Costa Vale 2 quadros da antiga capela-mor c.1800 (provável) Manoel do SacraBasílica Abacial de Nossa Senhora da Assunção, Mosteiro de São Bento, São mento Paulo (1772 - demolida) Igreja de Santo Antônio Galvão, Mosteiro forro do coro 1802 (provável) Inácio Joaquim da Luz, São Paulo (1774) Monteiro Igreja Matriz de Nossa Senhora Aparecida, Aparecidinha, Sorocaba (1785)

forro (removido)

Igreja do Mosteiro de Nossa Senhora da forro da capela-mor (demolido) Imaculada Conceição e Santa Clara, Sorocaba (c.1790) Igreja de Nossa Senhora da Boa Morte, forro da capela-mor São Paulo (1810)

c.1810 (atribuído) Inácio Joaquim Monteiro c.1811 (atribuído) Inácio Joaquim Monteiro 1827 Manuel do Sacramento

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Diferentemente do que ocorre com a talha paulista, cujos autores raramente são identificados, na pintura, ainda que o número de exemplares seja bastante reduzido, a maior parte das obras teve os autores identificados. Nesse período da virada do século XVIII para o XIX, tivemos claramente dois grupos de pintores, com características distintas, um primeiro tributário do trabalho de José Patrício da Silva Manso (Minas Gerais, c.1753 – São Paulo, SP, 1810), com pinturas mais austeras e escuras, que se tornou uma marca da pintura paulista colonial; e outro, de características mais próximas do Norte Mineiro, com obras mais claras e coloridas, cujo maior expoente foi Manoel do Sacramento.

GRUPO JOSÉ PATRÍCIO DA SILVA MANSO (ativo em 1777-c.1810)

O pintor mais antigo que agregamos a este agrupamento é João Pereira da Silva (Portugal, c.1713 – São Paulo, c.1777), português que parece ter trabalhado unicamente na capital depois que para cá imigrou. Há registro de sua atuação já em 1761, quando o mestre-pintor decorou a capelamor da Igreja da Ordem Terceira do Carmo (ETZEL, 1974, p. 165), no entanto, sua obra foi substituída na década de 1790 pela atual pintura do teto. Resiste até os dias atuais, atribuído a ele (ORTMANN, 1951, p.322), um conjunto de seis pequenas telas (originalmente doze), hoje no transepto da igreja paulistana das Chagas do Seráfico Pai São Francisco. Por serem poucas e pequenas essas obras, é muito difícil precisar que tenha Fig.064: Flagelação de Cristo: tela atribuída a João Pereira da Silva, hoje na Igreja das Chagas do Seráfico. Foto: Mateus Rosada, 2014.

influenciado outros pintores. Além disso, seu último registro de encomenda de pintura conhecido é de 1768 e estima-se que tenha falecido por

volta de 1777, ano em que José Patrício chega a São Paulo, indicando para a quase impossibilidade de contato e, muito menos, de estabelecimento de uma relação de mestre e aprendiz entre esses dois artistas. No entanto, é digno de menção que as telas de João Pereira possuíam uma aura ainda barroca, com e tons escuros e queimados, que vai persistir na pintura rococó paulista mas, a nosso ver, por outras influências.

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Capítulo 2 - Ornamentação

O grande nome da pintura paulista do oitocentos é mesmo o de José Patrício da Silva Manso (Minas Gerais, provavelmente Sabará, c.1753 – São Paulo, 27 de maio de 1801). Por ele passaram e conviveram ou com ele aprenderam todos os principais pintores deste grupo. Levanta-se a hipótese que José Patrício seja parente, talvez até mesmo filho ou agregado de Antônio Manso da Mota. Mota, músico natural de Sabará, residiu por pequeno período em Salvador e logo foi contratado para ser mestre da Casa de Ópera de São Paulo, chegando à capital paulista por volta de 1768 (José Patrício teria 15 anos). Foi também mestre de capela da Sé paulistana de 1768 a 1774. A ideia de que haja uma ligação entre Manso da Mota e José Patrício ganha força quando se percebe que o sobrenome Manso só passa a aparecer em registros na cidade a partir da vinda do compositor, além de ser relativamente comum famílias de pessoas dedicadas às artes, com pintores, entalhadores e músicos parentes. O fato é que o nome de José Patrício, única pessoa com esse nome composto em São Paulo do século XVIII, é mencionado pela primeira vez em 1777 nos livros do Mosteiro de São Bento, quando o abade Frei Gaspar da Soledade Matos o indica à comunidade monástica para decorar a igreja que se terminava de construir: pintor bom de Minas, que se achava nesta cidade e só ele capaz de doirar e pintar a capela mor com aquela perfeiçam devida, e por isso mandava fazer pelo dito esta obra, antes que se ausentasse para Minas, de onde é morador (ARAÚJO, 1997,p.54). José Patrício ainda faria outras pinturas para as ordens terceiras do Carmo e de São Francisco, além demais trabalhos para o São Bento, até o ano de 1787, quando muda-se para Itu para compor o forro da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Candelária, retornando a São Paulo por volta de 1790, com novas encomendas nas mesmas três igrejas paulistanas que o contrataram antes de sua ida para o interior (a lista completa de obras registradas está no Apêndice C, no verbete de seu nome). Faleceu de mal súbito em 1801 e foi enterrado no Mosteiro de São Bento. A pintura do Grupo de José Patrício possui algumas características marcantes que a distingue de obras do rococó em outros estados brasileiros. A primeira delas é a tonalidade escura e os fundos sempre em tons queimados e ocres, evidenciando um traço de arcadismo que a liga ao barroco tradicional, que explora o tenebrismo das cenas. De forma bastante oposta, a pintura rococó, dentro dos cânones do estilo, costuma exibir tons claros, com predominância de brancos, azuis e rosados. Aqui, grandes conjuntos ocres: há apenas dois forros de fundo azul neste grupo, nas capelas-mores do Carmo de Itu e o das Chagas do Seráfico de São Paulo, mas são repinturas sobre os originais e, aparentemente, apenas o fundo da igreja das Chagas foi refeito, restando as figuras humanas originais. Há também uma supressão de elementos arquitetônicos, como balcões, arcos e colunas, comumente vistos nos tetos mineiros, mas inexistentes aqui. Sem representações de arquitetura, as composições alternam o uso de rocalhas e guirlandas de flores com a ausência total destas, deixando, neste último caso, a composição central solta no centro, sem moldura ou “janela” e também sem sacadas e balcões de falsa arquitetura nas laterais.

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A ausência de elementos arquitetônicos nos leva a perguntar se manuais e tratados de perspectiva, como os de Andrea Pozzo e Ferdinando Galli Bibiena e tão utilizados para o risco de arquiteturas ilusionistas, não teriam chegado a terras paulistas. Pelos temas representados, sabemos que algumas publicações ilustradas chegaram a São Paulo e podem ter feito parte do acervo dos pintores, assim como dos próprios padres e freis que contratavam as obras de decoração, conforme a ordem à qual pertencessem, deveriam possuir alguns livros com estampas do santo da ordem em suas bibliotecas. Semelhanças formais levam a crer que José Patrício da Silva Manso teve contato com pelo menos duas publicações: a Vita effigiata della serafica vergine Santa Teresa di Gesú, de Westerhout, e a Elogia Mariana, de Redelio. Utilizou a primeira obra, sobre a vida de Santa Teresa d’Ávila, fundadora da Ordem Carmelita, para riscar uma tela para a sacristia da Igreja da Ordem Terceira do Carmo paulistana no ano de 1785. Transformou a estampa de Arnold van Westerhout (Antuérpia, 1651 – Roma,1725), de entrega do escapulário a Santa Teresa, em uma representação de Santa Maria Madalena de Pazzi, acrescentando-lhe a coroa de espinhos, um dos atributos que lhe identifica, suprimindo São José e colocando o Menino Jesus na cena sobre um tecido que ocupa o exato local do escapulário no desenho original.

Fig.065: Maria e José entregam o escapulário a Santa Teresa. Desenho: Arnold van Westerhout. Fonte: Westerhout, 1716, estampa 33.

Fig.066: Maria e o Menino Jesus entregam o escapulário a Santa Maria Madalena de Pazzi. Tela de José Patrício as Silva Manso, sacristia da Igreja da Ordem Terceira do Carmo de São Paulo, 1785-1786. Foto: Mateus Rosada, 2015.

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Na outra grande encomenda que recebeu, o teto da Capela-mor da Igreja Matriz de Itu (1787-1788), utilizou ilustração de Martin Engelbrecht (Augsburgo, 1684 – 1756), Mater Purissima, para representar a apresentação de Jesus no Templo.

Fig.067: Mater Puríssima. Gravura de Martin Engelbrecht. Fonte: Redelio, 1732, estampa 17.

Fig.068: Apresentação de Jesus no Templo. José Patrício da Silva Manso, medalhão central do teto da capelamor da Igreja Matriz da Candelária de Itu, 1787-1788. Foto: Mateus Rosada, 2013.

Foram poucos os tetos pintados por José Patrício da Silva Manso, mas é interessante perceber como a sua estrutura vai se simplificando. Do primeiro forro, no Mosteiro de São Bento da capital, não restou vestígio ou imagem. O segundo, para a sacristia da Ordem Terceira do Carmo paulistana trata-se de uma tela aplicada posteriormente ao teto, que não se pode considerar na análise por apresentar estrutura (o quadro) diferente. Seguiu-se com o teto da Matriz de Itu, e aí há elementos muito interessantes que devemos destacar. Inicialmente, devemos olhar para as figuras humanas, apresentadas em posições relativamente estáticas, sem grandes arroubos de movimento ou gestos impactantes, mais um traço patriciano que, assim como a escolha por tons penumbrosos e ocres, indica para um arcaísmo e que foi seguido por outros pintores paulistas que foram seus discípulos ou que algum contato com ele tiveram.

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Interessante também são os elementos que circundam os motivos centrais: as guirlandas de flores e as rocalhas presentes no forro ituano ocupam grande área da pintura e estruturam a composição, mas não há um só elemento de arquitetura, nem mesmo balcões para fazer a transição da cimalha para o campo da pintura: os mestres da Igreja, representados nos quatro cantos do teto, surgem de corpo inteiro, e o chão é representado logo atrás das rocalhas que ladeiam as cimalhas da parede. Em seu trabalho posterior de teto, na capela-mor da Igreja das Chagas de São Paulo, em 1790-1793, os elementos florais e as rocalhas são reduzidos quase que a meras molduras, como que elementos de transição entre a cimalha e a pintura propriamente dita. essa tendência pela diminuição e paulatino desaparecimento das molduras em rocalha vai acompanhar outros pintores deste grupo.

b Fig.069: Forros das capelas-mores das igrejas da Candelária (a), em Itu, e das Chagas do Seráfico (b), em São Paulo. Note como o uso de rocalhas e guirlandas vai tornando-se mais parcimonioso. Fotos: Mateus Rosada, 2013. a

Afora outros quadros que pintou para as igrejas da Ordem Terceira Franciscana e do Mosteiro de São Bento paulistano (que não entram em nossa análise, focada nos tetos), Silva Manso ainda pintaria o medalhão central da nave na mesma empreitada em que realizou o forro da capela-mor. Pelo menos mais três pintores do mesmo período teriam sido seus discípulos ou pelo menos trocado algumas experiências e sofrido influências de José Patrício: Mathias Teixeira da Silva (Itu, 1764 – s.i.), Jesuíno Francisco de Paula Gusmão, depois Padre Jesuíno do Monte Carmelo (Santos, 1764 — Itu, 1819), e Inácio Joaquim Monteiro (São Paulo, 1766 – Guaratinguetá, 1841).

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Mathias Teixeira da Silva realizou a pintura das paredes da capela-mor da Matriz de Itu, terminando o trabalho em 1788. Trabalhou, por isso, ao lado de José Patrício, quando este estava a pintar o teto do mesmo ambiente. É muito provável que, ainda que não tenha se estabelecido uma relação formal de mestre e aprendiz, que Mathias, jovem de vinte e poucos anos, tenha recebido orientações do mestre José Patrício, onze anos mais velho e relativamente experiente. Não se conhece registro de outras obras posteriores de Mathias Teixeira da Silva. Por ser de família abastada, talvez nunca mais tenha realizado outras pinturas. E, da mesma forma como fácil é perceber que Teixeira da Silva teve contato próximo com Silva Manso, é difícil comparar a sua única obra com a do mestre-pintor, especialmente por se tratar de uma imitação de azulejos, necessariamente colorida em tons de azul, que muito difere do aspecto das outras obras do grupo. Sua filiação se dá mesmo pelo certo contato com José Patrício.

a b Fig.070: Parede da capela-mor da Matriz de Itu decorada por Mathias Teixeira da Silva: panorâmica da parede do lado do evangelho (a) e detalhe de um dos medalhões: “José é vendido pelos irmãos” (b). Fotos: Mateus Rosada, 2013 (a) e 2015 (b).

Jesuíno do Monte Carmelo foi o mais proeminente membro deste grupo, com o maior número de obras, ainda que não tenha formado discípulos expressivos como José Patrício da Silva Manso. Nascido em Santos, Jesuíno Francisco de Paula Gusmão lá deixou algumas telas que se encontram até os dias atuais ornando os coroamentos dos retábulos laterais da Igreja da Ordem Terceira do Carmo santista. Mudouse ainda jovem, aos 17 anos, pra Itu, onde seis anos mais tarde participaria da confecção das telas da capela-mor da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Candelária, na mesma empreitada de decoração pictórica em que participaram Mathias Teixeira da Silva e o mestre-pintor José Patrício da Silva Manso. Jesuíno e José Patrício estabeleceram uma relação de compadrio: José Patrício foi padrinho de batismo de seu filho, Elias do Monte Carmelo (ARAUJO, 1997,p.56). Ainda que não haja documento que comprove que Jesuíno tenha sido auxiliar de Silva Manso, o laço de apadrinhamento demonstra a proximidade entre os dois pintores, sendo que ainda trabalharam por dois anos no mesmo ambiente, a capela-mor

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da Matriz ituana, todos os fatos indicam que foram mesmo mestre e discípulo, como já afirmava Mário de Andrade (ANDRADE, 1963). A pintura de Jesuíno, inicialmente um pouco mais dura e concentrada em tons vermelhos, azuis e negros, foi se tornando mais delicada e de tonalidades mais terrosas.

a b c Fig.071: Pinturas da primeira fase de Jesuíno do Monte Carmelo: quadro “Visitação a Isabel” da parede lateral da capela-mor da Igreja Matriz de Itu e os painéis “Santa Teresa escreve inspirada pelo Espírito Santo” e “Transverberação de Santa Teresa”, no forro do consistório da Igreja do Carmo de Itu. Fotos: Mateus Rosada, 2013 (a); Danielle Pereira, 2015 (b,c).

Depois de pintar a Candelária, Jesuíno, muito ligado aos carmelitas, é contratado para fazer a decoração da Igreja do Carmo da mesma cidade, que realiza de1788 a 1794. Pintou-a toda, teto e paredes da nave e da capela-mor. O Carmo de Itu era a maior manifestação de pintura que São Paulo jamais viu! Infelizmente, por ter utilizado a mesma técnica que encontramos na Igreja da Candelária, de forrar as paredes com tabuados para sobre eles aplicar a pintura, a madeira se deteriorou e foi descartada e, com ela, as obras de Jesuíno Francisco.

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b a Fig.072: Capela-mor da Igreja do Carmo de Itu por volta de 1900 (a), ainda com os santos carmelitas de Jesuíno nas paredes entre as palmas, em 2013 (b), e pintura do texto da mesma capela (c). Fotos: Acervo do Arquivo Central da Província Carmelita de Santo Elias (a) ; Mateus Rosada, 2013 (b,c).

Causa-nos estranheza a tonalidade azul clara deste céu do Carmo ituano, uma vez que todas as obras do padre pintor, anteriores ou posteriores a esta, possuem uma paleta menos viva e de cores mais quentes. Se observarmos com atenção, veremos, no canto inferior direito da pintura, uma série de janelas de prospecção que indicam que as cores eram bastante diferentes, com anjos mais rosados, com as guirlandas com cores não tão contrastantes e possivelmente até com alguns elementos que tenham sido suprimidos na repintura. De qualquer forma, esta é a única pintura de forro inteiro na qual Jesuíno usa a cercadura, aqui com guirlandas e festões de flores, sem rocalhas (talvez existam nas c

bordas, encobertas pela repintura).

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Como ocorre em outras pinturas de teto do grupo de José Patrício, tanto neste como nos demais pintados por Jesuíno do Monte Carmelo não é representado nenhum elemento de arquitetura. Não há colunas, balcões, janelas, ou volutas e os personagens das bordas, sejam santos, apóstolos ou doutores da Igreja, aparecem de corpo inteiro. Como parece ter ocorrido a José Patrício, também nos parece que Jesuíno do Monte Carmelo não teve contato com livros de perspectiva arquitetônica. Teve, com toda a certeza, contato com publicações ilustradas sobre avida de Santa Teresa, a Virgem do Carmo e os santos carmelitas, pois realizou obras para quatro dos cinco conjuntos da ordem no Estado de São Paulo: Santos, Itu, São Paulo e Recolhimento de Santa Teresa. Apenas o Carmo de Mogi das Cruzes não possui obras do padre pintor. Dentre as publicações a que teve acesso, certamente estava a Vita S. Virginis Teresiæ a Iesv, de Adriaen Collaert (Bélgica, 1560 – 1618) e a já citada (usada também por José Patrício) Vita effigiata della serafica vergine Santa Teresa di Gesú, de Westerhout. (MURAYAMA, 2016, p.177), utilizada quase em sua totalidade para compor os quadros do artesoado da Igreja do Recolhimento de Santa Teresa, em 1794.

Fig.073: Santa Teresa recebe o escapulário da Virgem Maria e de São José, gravura de Adriaen Collaert,1613. Fonte: Collaert, 1630, estampa 14.

Fig.074: Santa Teresa recebe o escapulário da Virgem Maria e de São José, pintura do teto da capela-morda Igreja da Ordem Terceira do Carmo de São Paulo. Jesuíno do Monte Carmelo, 1796-1797. Foto: Mateus Rosada, 2015.

Jesuíno atinge a maturidade artística quando chega a São Paulo, já viúvo, para fazer os estudos para tornar-se padre carmelita. Sua composição passa ser mais singela, com menos elementos de fundo e mais destaque às pessoas retratadas. Os tecidos ganham um pouco de movimento, mas o gestual mantêm-se estritamente estático e, numa característica muito particular sua, os semblantes quase sempre são serenos, com os rostos levemente abaixados e os olhos semicerrados, numa atitude de quase veneração de todos que são retratados em suas cenas. A paleta de cores tende mais para os ocres e tons terrosos, como já indicavam as obras de seu mestre.

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^ Fig.075: Forro da capela lateral da Igreja do Bom Jesus de Itu. Jesuíno do Monte Carmelo ou discípulo, c.1800-1810. Imagem composta e retificada digitalmente. Foto: Mateus Rosada, 2014. < Fig.076: Forro da Nave da Igreja da Ordem Terceira do Carmo. Jesuíno do Monte Carmelo, 1796-1797. Imagem composta e retificada digitalmente. Foto: Mateus Rosada, 2014.

A Obra mais monumental de Jesuíno do Monte Carmelo é o grande forro da Igreja da Ordem Terceira do Carmo de São Paulo, com uma visão de Nossa Senhora do Monte Carmelo ao centro, revestida de glória, cercada por anjos e pelos santos Elias e Eliseu, tendo nas laterais da composição, os quatro evangelistas, os quatro doutores da Igreja (Santos Ambrósio, Agostinho, Jerônimo e Gregório Magno). O pintor ainda faz uso de rocalhas, mas de forma bastante comedida, apenas como uma espécie de moldura, de transição entre a cimalha das paredes e como divisão entre espaços da pintura, quase como forma de organizar a didática apresentação dos grupos de santos.

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Depois do Carmo paulistano, Jesuíno voltaria para Itu, onde ainda realizaria uma série de quadros para a Igreja do Patrocínio que estava construindo, e talvez tenha pintado uma representação da “Imaculada Conceição adorada pelos quatro continentes” no teto da Igreja do Bom Jesus, retirada do local original em alguma das reformas posteriores e reinstalada numa capela lateral da igreja, mutilada. Esse padrão encontrado nas pinturas de forro inteiro no Estado de São Paulo, com fundos escuros e ocres, tendência ao tenebrismo, figuras estáticas e de frente para o plano (nunca perspectivadas ou de escorço), ausência total de elementos de arquitetura e uso parcimonioso ou nulo de rocalhas foi também utilizado por outros artistas que não só José Patrício da Silva Manso e Jesuíno do Monte Carmelo, e se tornou uma marca, uma característica regional paulista. As igrejas de São Francisco e de Santo Antônio Galvão, ambas na capital e de artistas incógnitos, seguem esses mesmos padrões.

^ Fig.077: Forro do coro da Igreja do Mosteiro da Luz, apresentando a coroação de Nossa Senhora nos céus no centro e seis cenas da vida de São Francisco nas laterais. Autor desconhecido, 1802. Imagem composta e retificada digitalmente. Foto: Acervo do Grupo Oficina de Restauro, 2002. Composição e retificação: Mateus Rosada, 2014.

< Fig.078: Forro da Igreja de São Francisco de Assis de São Paulo. Autor desconhecido, c.1790-1800. Imagem composta e retificada digitalmente. Foto: Mateus Rosada, 2014.

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Dentro do grupo, temos ainda o registro de um quarto pintor: o alferes Inácio Joaquim Monteiro (São Paulo, 1766 – Guaratinguetá, 1841), artista membro da Ordem Terceira da Penitência da capital e cujos registros mais antigos datam de 1789, mesmo ano em que José Patrício retorna a São Paulo e executa trabalhos na Igreja da ordem (Chagas do Seráfico). Pelos livros de contas dos irmãos terceiros franciscanos, os dois pintores trabalharam concomitantemente, mas em serviços diferentes (ORTMANN, 1951, p.273, 325, 327, 328, 329). Dificilmente foram mestre e aprendiz, mas é certo que Inácio Joaquim Monteiro acompanhou de perto todo o trabalho de José Patrício e acabou absorvendo muito de seu padrão de pintura. Monteiro possui pelo menos duas obras atribuídas por Aluísio de Almeida (1969, p.82 e 119): os forros das Igrejas de Aparecidinha (c. 1810) e do Mosteiro de Santa Clara (c.1811), ambos destruídos, o primeiro por reforma, o segundo, por demolição. Inácio Monteiro teria ainda sido autor das decorações de teto das matrizes de Guaratinguetá, Sorocaba e São Roque. Sobre sua possível influência sob Silva Manso, é digna de nota, por exemplo, a semelhança da moldura de rocalhas na pintura da igrejinha do Rosário de Sorocaba (que foi encampada em 1811 pelo Mosteiro de Santa Clara) com a da Igreja da Ordem Terceira de São Francisco, de José Patrício. Por não haver registros coloridos desses forros, não podemos afirmar qual era a tonalidade predominante nas pinturas.

b a Fig.079: Forros das Igrejas do Rosário (Santa Clara) (a) e de Aparecidinha (b), ambas em Sorocaba, cujas pinturas foram atribuídas a Inácio Joaquim Monteiro. Imagem composta e retificada digitalmente (a). Fontes: Acervo do Mosteiro da Imaculada Conceição e Santa Clara (a); Moura, 2002, p.18.

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GRUPO MANOEL DO SACRAMENTO (Ativo em 1802-1827) O segundo grupo é composto por sete pinturas – quatro forros e duas telas – em cinco templos: nas duas igrejas do Carmo de Mogi das Cruzes e em três igrejas paulistanas: Mosteiro de São Bento, Boa Morte e Santo Antônio. O pintor que dá nome ao grupo, Manoel do Sacramento, apesar de ser o único desta classificação que atuou em mais de uma igreja, não parece ter formado discípulos ou exercido

grande

influência

sobre os demais, pois os traços das pinturas de autores distintos aqui são bastante diferentes, mas possuem uma forma de composição e um uso de colorações que se distanciam

diametralmente

do que se fazia até então na Capitania de São Paulo. O primeiro aspecto que salta aos olhos e que é constante em todos os trabalhos deste grupo é o uso das cores. São composições

com

fundos

claros, amarelos ou azuis, e rico colorido, com destaque Fig.080: Forro da Nave da Igreja da Ordem Terceira do Carmo de Mogi das Cruzes (1802), de Manoel do Sacramento. Imagem composta e retificada digitalmente. Foto: Mateus Rosada, 2014.

para as rocalhas em tons de vermelho vivo, verdes e azuis escuros e vibrantes.

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As figuras humanas possuem movimentos ainda contidos, mas mais proeminentes que os das pinturas do grupo de José Patrício. Também as vestes recebem cores mais vistosas, aspecto mais perceptível em personagens que não são da Ordem Carmelita, que utiliza vestes marrons e brancas. Isso fica mais patente na pintura de teto da Igreja da Boa Morte de São Paulo, onde os mantos de Maria, Jesus e Deus Pai são basicamente azuis e vermelhos. A estruturação compositiva dos forros do grupo de Manoel do Sacramento possui, com exceção apenas na Igreja da Boa Morte, uma visão celestial no centro, emoldurada por uma pesada trama de rocalhas e guirlandas de flores, vasos e ânforas, conformando um grande medalhão centralizado, solto no forro e, no caso único da obra desse pintor para a nave da Igreja da Ordem Terceira mogiana, apoiado e adossado a uma estrutura arquitetônica com sacadas, balcões, colunas e arcos. Pela coloração e estruturação, acredita-se que sejam obras possivelmente tributárias de artistas mineiros (TIRAPELI, 2003; PEREIRA, 2012), podendo ser os dois únicos artistas identificados, Antonio dos Santos e Manoel do Sacramento, naturais de Minas Gerais ou aprendizes de algum mestre oriundo daquelas terras. Não há, no entanto, nenhuma documentação que comprove a origem mineira de tais artistas. É interessante como a organização dos medalhões e a coloração utilizada os aproximem de obras de três pintores mineiros, Silvestre de Almeida Lopes, Francisco Xavier Carneiro (Mariana, MG, 1765-1840) e Venâncio José do Espírito Santo (São João del-Rei, MG, 1783-1789), atuantes no norte, centro e centro-sul de Minas numa faixa bastante extensa que vai de Diamantina a São João del-Rei, passando por Ouro Preto e Mariana. Ou seja, é bastante difícil precisar de que região de Minas vieram os pintores de Mogi das Cruzes ou suas influência. O trabalho mais antigo deste grupo é o imenso teto da nave da Igreja da Ordem Terceira do Carmo de Mogi das Cruzes, apresentado na imagem da página anterior, obra de Manoel do Sacramento de 1802, documentalmente comprovada por Danielle dos Santos Pereira (2012, p.144-145)8. Anos depois, em 1814, a Ordem Terceira contrata a Antônio dos Santos para realizar a pintura do forro da capela-mor, obra também comprovada pela mesma autora (PEREIRA, 2012, p.138-139).

8

Não reproduzimos aqui o trecho da documentação porque, apesar de termos tido acesso aos livros de Receitas e Despesas da Ordem Terceira do Carmo de Mogi, arquivados em Belo Horizonte, a tinta do manuscrito está muito clara no trecho e é impossível de se ler o registro por fotografia.

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Fig.081: Trecho da folha 154v. do Livro de Receitas e Despesas da Ordem Terceira do Carmo de Mogi das Cruzes que comprova o pagamento de 100$000 réis (21$380 de tintas e 78$720 pelo serviço de pintura) a Antônio dos Santos. Fonte: Ordem... 1768-1818, f.154v. Foto: Mateus Rosada, 2014.

A pintura de Antonio dos Santos, ainda que com diferenças de traço naturais do artista em relação a de Manoel do Sacramento, possui a mesma lógica compositiva, tipicamente mineira. Possuía ainda, nos cantos do forro, as figuras dos quatro evangelistas e uma moldura em guarda-corpo, encobertas por camada mais recente de pintura lisa, porém, cujos vultos aparecem atualmente pela migração de pigmentos para a camada mais nova

^ Fig.082: Representação de São Lucas (acompanhado de um touro, atributo que o identifica) no canto do forro da capela-mor. Antônio dos Santos, 1814. Fotografia com o contraste aumentado para evidenciar o desenho. Foto: Mateus Rosada, 2014.

< Fig.083: Florão central da capela-mor. Antônio dos Santos, 1814. Foto: Mateus Rosada,2014.

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Ainda no Conjunto carmelita de Mogi das Cruzes, existe a pintura da capela-mor, desta vez, da igreja conventual. É a pintura de mais bem acabado aspecto formal de todo o grupo mas, infelizmente, sem registro de autoria. Sabe-se apenas que teria sido feita em 1811. Consiste na representação de Santo Elias frente a uma paisagem montanhosa, inscrito num florão central com rocalhas de muito refinado desenho e flores. Não vemos continuidade ou outras obras dos autores deste grupo, indicando que podem ter sido contratados em suas terras de origem e, findo o trabalho, para lá retornado. Apenas Manoel do Sacramento permaneFig.084: Florão central do forro da capela-morda Igreja conventual do Carmo de Mogi das Cruzes. Pintor ignorado, 1811. Foto: Mateus Rosada, 2015.

ceu na Capitania de São Paulo e realizou outros trabalhos depois de Mogi das Cruzes, agora na capital. Em 1827 foi encarre-

gado da pintura do forro da capela-mor da Igreja de Nossa Senhora da Boa Morte, em São Paulo (informação coletada pela pesquisadora Myriam Salomão nos livros de contas da Irmandade da Boa Morte de São Paulo). Como José Patrício da silva Manso, Sacramento deve ter tido contato com a obra Elogia Mariana, ilustrada por Martin Engelbrecht, pois se utiliza da estampa 55, Regina Sanctorum Omnium, para riscar o desenho do forro da Boa Morte. O fato estranho nessa pintura, descoberta somente em 2007 sob camadas de tinta cinza (MAGALGI, 2009,p.75-76), é o tema central totalmente solto, com a completa ausência da cercadura de rocalhas. Não houve, como no grupo paulista, uma gradativa redução das molduras em rocalhas até seu completo desaparecimento: aqui, ainda que as obras de Manoel do Sacramento registradas (o teto do Carmo mogiano e esta) tenham sido realizadas com um espaço de tempo de 25 anos entre si, o desaparecimento de elementos rocaille é abrupto, o que nos leva a questionar se o pintor não teria feito um “desconto” para a Irmandade da Boa Morte para arrematar o serviço, excluindo o trabalho de desenho da cercadura.

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^ Fig.085: Regina Sanctorum Omnium. Gravura de Martin Engelbrecht. Fonte: Redelio, 1732, estampa 17.

< Fig.086: Maria é coroada nos céus, pintura do forro da Igreja da Boa Morte de São Paulo. Manoel do Sacramento,1827. Foto: Mateus Rosada, 2015.

Entre 1802 e 1827 Manoel do Sacramento certamente realizou outros trabalhos de pintura. Dois trabalhos que nos parecem ter sido feitos por ele são o Patriarca São Bento e a Nossa Senhora da Conceição, quadros para as paredes laterais da capela-mor da antiga igreja de Nossa Senhora da Assunção do Mosteiro de São Bento, demolida em 1910. Nossa suposição vai contra o que afirma o historiador beneditino Dom Clemente da SilvaNigra (1958, p.134), que afirma serem de José Patrício tais telas a partir do relato de outro frei, Fernando da Madre de Deus, mas sem indicar se a b Fig.087: Imaculada Conceição (a), telado acervo do Mosteiro de São Bento paulistano, e Santa Teresa sendo levada aos céus (b), detalhe do medalhão central da Igreja da Ordem Terceira do Carmo de Mogi das Cruzes: pinturas com traços semelhantes. Fonte: Tirapeli, 2003, p.194 (a). Foto: Mateus Rosada, 2015 (b).

consultou documentação que de fato lhe atribua a autoria ou se são relatos orais que propagaram essa afirmação. As características do traço das telas beneditinas citadas de distanciam substancialmente do apura-

do lineamento das figuras humanas de Silva Manso e são por demais semelhantes aos trejeitos do pincel de Manuel do Sacramento, a começar pela coloração, mais viva e tão pouco terrosa, como costumava ser a tonalidade patriciana. Soma-se a isso a fisionomia dos rostos, com sobrancelhas retas, olhos esbugalhados (ARAUJO, 1997, p.78) e grandes olheiras. Ainda, o movimento dos tecidos, muito mais volup-

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tuosos que as contidas e austeras vestes em Silva Manso, e com dobras pouco realísticas do panejamento indicam para traços também de Manoel do Sacramento. Da mesma forma, é muito característica representação de nuvens nessas obras como sendo sacramentinas: compõem-se de uma superposição sequencial de planos circulares de bordas recortadas – da mesma maneira como ele fez no teto do Carmo mogiano e da qual faziam pintores mineiros como Francisco Xavier Carneiro – e são bastante diferente das nuvens esfumaçadas de que fazia o pintor da Candelária de Itu. Como a documentação do mosteiro beneditino de São Paulo não está acessível ao público, fica-nos a incerteza das afirmações e a necessidade de maiores pesquisas.

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2.2.4 PINTURA NO PERÍODO REPUBLICANO (1889-atual)

O último registro de pintura sacra ainda nos padrões pré-academicismo é o da pintura da Igreja da Boa Morte por Manoel do Sacramento, em 1827, no despontar do Império. Temos um curto período de atuação de outro pintor, de 1846 a 1865, quando muda-se para São Paulo Jorge José Pinto Vedras (Rio de Janeiro, ou talvez Torres Vedras, Portugal, s.d. – São Paulo, dezembro de 1865), artista que ensinava já nos

molde da academia, com o estabelecimento de uma escola de pintura na cidade, e não oficina de aprendizes. Vedras pintaria telas para os mosteiros da Luz e de São Bento no seu vintênio em São Paulo, mas nenhum forro, nenhuma encomenda grande. As igrejas paulistas voltaram a receber intervenções pictóricas de vulto somente a partir últimas décadas do século XIX, mais precisamente quando em 1889, já em período republicano, Almeida Júnior pinta A Conversão de São Paulo no teto da Sé. Já no início do século XX, até os anos 1940, a atividade de redecoração interna foi mais intensa. Ao todo, 54 igrejas dentre as 95 que pesquisamos a arquitetura – mais da metade – receberam alguma pintura decorativa em seus interiores, seja com aplicação de padrões de estêncil nas paredes, seja com pinturas de forros, aplicação de telas ou mesmo novos marmorizados nos retábulos oitocentistas e barrados das naves. As igrejas do período apresentam-se, via de regra, com seus interiores brancos e com altares, púlpitos e forros, coloridos. A peculiaridade de São Paulo reside nas pinturas em estêncil aplicadas nas paredes de parte de seus templos, nos marmorizados (faux marble) e amadeirados utilizando cores em tons mais queimados e em padrões tono sul tono, bastante diferente das intervenções pictóricas barrocas e rococós. Intervenções essas que não cessaram de ocorrer, pois temos casos tão recentes como a marmorização dos retábulos da Matriz de Atibaia, de 1998, as pinturas de anjos nos tetos e arcos-cruzeiros dessa igreja e da Matriz de Bom Jesus dos Perdões, de2003-2004, até a recentíssima decoração artística da capela do Santíssimo da Igreja de Piracaia, entregue em 2014.

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Fig.088: Aspecto interno da Igreja Matriz de Atibaia durante o processo de marmorização dos altares e detalhe do altar colateral do lado do evangelho ainda com parte não repintada. Fonte: acervo da Paróquia de São João Batista de Atibaia, 1998.

Atualmente, restam 95 templos no Estado de São Paulo que, construídos até o fim do Império, permanecem sem grandes alterações na planta e nos retábulos. Também não é pequeno o número de igrejas dentro desse grupo que sofreram algum tipo de melhoria para se adaptar aos novos tempos do ecletismo, em especial de pintura decorativa interna. Os padrões repetitivos realizados com estêncil (imitando papéis de parede) e os marmorizados, tão em voga em fins do século XIX e início do XX, foram aplicados em inúmeras construções civis, assim como no interior dos edifícios religiosos. Outras, que ainda não possuíam pintura de forro à época de sua inauguração, receberam imagens em seus tetos, executadas já em padrões de pintura acadêmica, neoclássica. Identificamos, como poder-se-á ver pela tabela, 34 pintores que atuaram nas igrejas pesquisadas, às vezes em mais de uma, no período republicano

Fig.089: Capela-mor Santuário do Senhor Bom Jesus do Matosinhos (Igreja de São Benedito), em Mogi das Cruzes, com retábulo rococó e pintura eclética. Foto: Mateus Rosada, 2014.

Fig.090: Decoração da Igreja de Nossa Senhora da Boa Morte e Assunção de Limeira, igreja com retábulos de estilo imperial e pintura eclética. Foto: Mateus Rosada, 2014.

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Há inclusive templos que já possuíam alguma pintura do período barroco ou rococó, como a Igreja do Carmo de Itu e a Ordem Terceira de São Francisco de São Paulo, e que receberam intervenções no século XX: aos painéis rococós das mesmas se somaram planos marmorizados, falsas madeiras e pedras fingidas nas paredes. Com certeza, muitos dos templos coloniais e imperiais demolidos ao longo do século XX também possuíam essas características, como é o caso, por exemplo, da antiga Sé paulistana, cujo forro da nave possuía a já citada pintura de Almeida Júnior. Fora do Estado de São Paulo, encontramos esse mesmo tipo de pintura interna em uma quantidade muito mais reduzida de igrejas. Como exemplo de outros estados, temos a Catedral de Florianópolis (SC), a Igreja do Carmo de Campos (RJ) (SALIM, 2009, p. 206-08), a Igreja de Nossa Senhora dos Remédios de Parati (RJ) (ETZEL, 1974, p. 145) e a Igreja Matriz Sagrado Coração de Jesus de Laranjeiras (SE). Há, certamente, outros exemplares com acabamento semelhante nos estados do Sul do Brasil, onde a imigração também foi mais maciça, mas em número bem menor, o que faz dessa conformação de igrejas com talha barroca ou rococó e pintura decorativa eclética uma característica muito mais presente em território paulista. É provável que o número de igrejas com pinturas decorativas realizadas no século XX seja ainda maior, pois muitas repinturas podem ter escondido as camadas precedentes. O que se observa é que, como esses edifícios permanecem em constante uso, recebem mais manutenção e são, com isso, modificados aos poucos. Com o passar dos anos, muitas das pinturas desses templos, que já foram executadas a, no mínimo, setenta anos (algumas são mais que centenárias), passaram a apresentar sinais de desgaste, conferindo aos espaços um aspecto desagradável. Na tentativa de manter ou renovar esse aspecto, algumas igrejas passaram por processos de restauração ou de repintura, apagando parte de suas decorações pictóricas do período do ecletismo. Um resultado destas ações é a descaracterização das igrejas, alteradas em seu aspecto interno e, em casos como esses, empobrecidas em sua decoração, em boa parte das vezes, em detrimento de uma unidade estilística que talvez esses templos nunca tenham tido. No século XX: ao mesmo tempo em que velhas igrejas eram postas no chão para dar lugar a novos templos, outras recebiam um novo tratamento estilístico para se adequarem aos gostos vigentes, muitas delas seriam apenas repintadas, mas agora com motivos artísticos, florais, coloridos, e com painéis e telas, como era de bom grado no período eclético. Longe de ser uma intervenção que descaracterizou os antigos templos barrocos, a pintura decorativa do período eclético buscou realçá-los e conferir-lhes um maior refinamento. Infelizmente, essa forma de decoração que se utiliza de moldes vazados não foi e não é vista por uma parte dos estudiosos como arte e por isso não se fizeram levantamentos, pois pouco interessava saber quem foram os artistas que adornaram o interior das igrejas no ecletismo. Desse modo, sabemos muito pouco atualmente sobre esses profissionais: quem foram, onde trabalharam e quais foram suas influên-

130

Capítulo 2 - Ornamentação

cias. Mas (poucos) estudos recentes têm resgatado as pinturas ecléticas, reconhecido seu status de arte e a necessidade de haver um aprofundamento das pesquisas nesse tema. Essas intervenções decorativas modificaram e enriqueceram os espaços litúrgicos e conferiu novas características a eles, característica essa, digamos, eminentemente paulista, pois fora do Estado de São Paulo há pouquíssimos exemplares de templos coloniais reconfigurados por pinturas do século XX. Assim, não se pode negar a importância dessas pinturas que são parte do saber dos paulistas e são intrínsecas às suas igrejas. Elaboramos uma tabela com todas as intervenções pictóricas do período republicano que percebemos nos exemplares pesquisados: IGREJAS QUE RECEBERAM PINTURA ARTÍSTICA NO PERÍODO REPUBLICANO (em rosa as igrejas que possuem também pinturas pré-republicanas) Igreja, município (ano)

Estêncil

Marmorizado

Pintura figurativa

Autores

Igreja, município (ano)

-

-

forro da nave

Igreja Conventual de Nossa Senhora do Carmo, Santos (1599) Capela de São Miguel Arcanjo, São Paulo (1622) Igreja Matriz de Santana, Itanhaém (1639)

-

retábulo-mor

-

arco-cruzeiro, retábulo-mor -

-

-

-

Igreja do Convento de Santo Antonio do Valongo, Santos (1640) Igreja de São Francisco, São Paulo (1642)

-

-

(1) Benedito Calixto (1890) (1935-36).

capela-mor, forro da capela-mor -

-

tela do arco-cruzeiro (1) forros da nave e capela-mor -

forro capela-mor (1) (demolido) painel do forro da nave (1) retábulo colateral

(1) José Benedito da Cruz (1927) (1) Alfredo Oliani (1951) Anônimo

Capela de Nossa Senhora da Ajuda, Guararema (1682) Igreja Matriz de Nossa Senhora da Ajuda, Ilhabela (1697) Igreja de Nossa Senhora da Escada, Guararema (1698) Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Embu das Artes (1700) Catedral de Santo Antônio , Guaratinguetá (1701)

-

arco-cruzeiro, cornijas (1) arco-cruzeiro

-

-

nave (encober- to) nave, capelapilastras, arcos da mor nave, cornijas, barrado da capela do Santíssimo

Anônimo

painéis da nave e do forro da nave (1), transepto (2) (3), capela do Santíssimo, forro da capela-mor (4) camarim do retábulomor, painel forro capela-mor (1) -

(1) Luiz Teixeira (1939), (2) Márcio A. Leitão (1994), (3) Cristiano Alcântara (2013), (4) Luiz C. Rodrigues (1999) (1) M. Brant (1988)

parede do arcocruzeiro (1), batistério (1)

(1) Cláudio Pereira

Catedral de Nossa Senhora da Conceição, Guarulhos (1710)

capela-mor

barrado da capelamor

Igreja de Santa Rita, Itu (1726)

nave, capelamor nave (encoberto), capelamor (encoberto) -

barrado da nave, arco-cruzeiro barrados da nave e capela-mor

-

retábulo-mor

Anônimo

-

-

forros da nave e capela-mor (1)

(1) Pedro Alexandrino (1899)

Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, Cunha (1731)

Capela de Santa Catarina, Carapicuíba (1736) Igreja da Ordem Terceira do Carmo, São Paulo (1742)

Igrejas Paulistas da Colônia e do Império

Igreja Matriz de São João Batista, Atibaia (1744)

capela-mor, capela do Santíssimo

Catedral Metropolitana de Nossa Senhora da Assunção, Catedral da Sé, São Paulo (1745 - demolida)

nave e capelamor

Santuário do Senhor Bom Jesus do Matosinhos (Igreja de São Benedito), Mogi das Cruzes (1747)

nave, naves barrado da capela do laterais, capela Santíssimo (1) do Santíssimo, capela-mor (1)

Igreja Matriz de Nossa Senhora Mãe dos Homens, Porto Feliz (1747) Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Iguape (1751) Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Santos (1752) Igreja Conventual de Nossa Senhora do Carmo, Mogi das Cruzes (1753)

-

-

-

-

retábulo-mor

-

nave, arcocruzeiro

pilastras do arcocruzeiro

Igreja de São Gonçalo Garcia, São Paulo (1756)

forros da nave e capela-mor

barrado da nave (encoberto), pilastras e arcos barrado da capelamor (encoberto)

Igreja Matriz de São Vicente Mártir, São Vicente (1757)

forros da nave (removido) e capela-mor (destruído) nave, capelamor (encobertos), arcocruzeiro -

barrado da nave (encoberto), pilastras e arcos

forros da nave (removido) e capelamor (destruído)

colunas do retábulomor (removida)

-

-

Anônimo

nave, naves laterais, capela do Sagrado Coração, capela-mor, forros (1) capela do Santíssimo -

barrados e cornijas da capela do Sagrado Coração

painéis no forro da capela-mor abside e teto da capela do Sagrado Coração (2)

barrado da nave, capelamor (encobertos) (1) forro (demolido) nave, capelamor, forros da nave e capelamor -

nave, capela-mor, retábulo-mor

capela do Santíssimo (1) telas na capela-mor (1) -

(1) Virgílio Baglioni (1933) (1) Jorge José Pinto Vedras (c.1850) (1) Alfredo Ferreti (1922), Demétrio Blackman e Fernando Frich (1918)

nave, capelamor, forros da nave e capelamor (1) -

retábulos

Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Mogi das Cruzes (1762)

Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, Atibaia (1763) Igreja de Bom Jesus, Itu (1763)

Igreja Matriz de Nossa Senhora da Candelária, Itu (1770) Igreja de Santo Antônio Galvão, Mosteiro da Luz, São Paulo (1774) Igreja de Nossa Senhora do Carmo, Itu (1776)

Basílica de Nossa Senhora do Carmo, Campinas (1781 - demolida) Igreja das Chagas do Seráfico Pai São Francisco, Ordem Terceira da Penitência, São Paulo (1783) Basílica Santuário do Bom Jesus do Iguape, Iguape (1788)

Santuário do Bom Jesus de Tremembé, Tremembé (1795)

Igreja Matriz de Nossa Senhora do Bonsucesso, Guarulhos (1800)

barrado nave e capela-mor, pilastras, arcos e cornijas, retábulos -

barrado da nave -

tela retábulo-mor (1), painéis no forro capela-mor, teto capela do Santíssimo forro da nave (1) (removido, encontrase no Museu Paulista) painéis e forro da capela-mor (1) (2)

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forro da capela-mor (1) tela do forro da capela-mor -

(1) Benedito Calixto (1911)

(1) José Ferraz de Almeida Júnior (1889) (1) Orlando Tedeschi (1936), (2) Victor Wuo, Ilse Wuo, Edison Prado, (1999) (1) Bruno de Giusti (1975) Anônimo

Anônimo

capela-mor (encober- Anônimo to), forro da nave Anônimo

(1) Virgílio Baglioni (1962-64), (2) Demétrio Blackman e Fernando Frich (1918)

-

-

barrado da nave

-

-

forros da nave, capela-mor e capela do Santíssimo (1), painéis da capela do Santíssimo (1) (2), coro capela-mor, forros da nave e capela-mor (1)

(1) Ernesto e João Thomazini (19261937), (2) Arlindo Castellani (1959)

retábulo-mor

Anônimo

-

(1) Álvaro Pereira (1972)

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Capítulo 2 - Ornamentação

Igreja Matriz de Nossa Senhora da Imaculada Conceição, Jacareí (1805) Catedral Metropolitana de Nossa Senhora da Conceição, Campinas (1807) Capela da Santa Cruz, Campinas (c.1810)

nave, capelamor (encobertos) capela do Santíssimo (encoberto) retábulo-mor

-

abside

Anônimo

-

capela do Santíssimo

Anônimo

-

-

Igreja Matriz do Bom Jesus do Livramento, nave, capelaBananal (1811) mor, capela do Santíssimo Igreja Matriz de São José, São José do Barreiro (1839)

retábulos (encoberto)

forro capela-mor, camarim do retábulomor painéis na nave e capela do Santíssimo (1) (2)

Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Bananal (1843)

-

barrados da nave e capela-mor

Basílica Velha de Nossa Senhora Aparecida, Aparecida (1744)

nave, capelamor, capelas laterais, transepto, capela do Santíssimo

barrado nave, pilastras e arcos

Igreja de Santa Rita, Guaratinguetá (1846)

nave, capelamor (removidos em reforma) nave, capelamor -

retábulo-mor

-

colunas do arcocruzeiro retábulo-mor

-

nave, capelamor, secretaria, capela de Nossa Senhora Aparecida, forros da nave e capela-mor (1) -

barrados da nave, capela-mor, secretaria, capela de Nossa Senhora Aparecida (2), retábulos (encoberto)

painéis da ala lateral (1), secretaria (2), teto da capela-mor (2), parede do arcocruzeiro (2), capela de Nossa Senhora Aparecida (2) (3)

(1) Tony Koegl (1935), (2) Angelo Perillo (1925-32), (3) Tertuliano Pazelli (1973)

retábulos (1)

arco-cruzeiro (1), forro da capela-mor (1, alterado por 2)

(1) José Benedito da Cruz (1918), (2) Victor Wuo, Ilse Wuo, Walmir Zanivam (1988) Anônimo

Igreja de São José, Pindamonhangaba (1848) Igreja Matriz de São João Batista, Caçapava (1850) Igreja de Nossa Senhora da Boa Morte e Assunção, Limeira (1858)

Igreja Matriz de Santa Cruz, Taiaçupeba, Mogi das Cruzes (1864)

Santuário do Bom Jesus dos Perdões, Bom nave, capelaJesus dos Perdões (1870) mor

Igreja Matriz de Nossa Senhora de Nazaré, Nazaré Paulista (1870) Igreja de São Benedito, São José dos Campos (1870) Igreja Matriz de Santo Antônio, Paraibuna (1872)

Igreja Matriz de Santo Antonio da Cachoeira, Piracaia (1883)

Capela de Nossa Senhora do Rosário, Jacareí (c.1800)

-

parede do arcocruzeiro, capela do Santíssimo retábulo-mor (1), painéis do forro nave (2)

-

-

abside

-

(1) Sebastião Falciano (1978-90), (2) Vitório de Souza Tenório Filho (1954)

(1) Maximilian Schmalz (projeto), André Speer e Bento (Joseph) Hübl (1904), (2) Thomas Driendl (1878)

(1905).

-

capela do Santíssimo, parede do arcoretábulos cruzeiro, painéis no teto da nave e da capela-mor altar lateral -

nave, naves colunas das galerias laterais, capela superiores (1) do Santíssimo, capela-mor (1) arcos da nave barrados da nave e capela-mor, retábulos

Anônimo

forros da nave, capela-mor (1)

(1) Álvaro Pereira (1968)

painéis da nave, parede do arco cruzeiro, capela-mor e dos forros da nave e capela-mor (1) (2) abside

(1) Antônio Navisckas (1950-51), (2) Luiz Esteves (2010, 2014) Anônimo

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2.2.5 CORES E (RE)PINTURAS

A identificação das cores utilizadas em cada período, especialmente no caso paulista, em que quase todas as igrejas sofreram repinturas, é uma tarefa bastante complexa. Foi necessário observar não apenas as igrejas de nossa pesquisa, mas inúmeros exemplares de outros estados e de Portugal, para poder afirmar que há padrões recorrentes de coloração para cada período. Assim, os padrões mais utilizados são: •

Marrom, vermelho, azul escuro e preto: cores terrosas (à exceção do azul), tanto no Maneirismo como no Barroco Português. No caso dos retábulos, há uma carga de douração muito maior nesses que em períodos posteriores e não são incomuns altares com douração plena;



Rosa escuro, vinho, azul marinho e verde musgo, no Barroco Joanino. Há estudiosos que dizem haver um uso mais concentrado de cores mais apagadas, queimadas e tons verdes no Estado de São Paulo, mas como são menos de dez os altares com cores originais recuperadas, é difícil afirmar com certeza;



Rosa claro, azul celeste, branco e bege, no Rococó. As cores se tornam mais suaves e as áreas com douração diminuem. Os restauros recentes ocorridos em igrejas na Grande São Paulo têm evidenciado o uso de brancos “encardidos” na região;



Rosa, azul claro, cinza, ocre e branco, no Estilo Imperial e no Neoclássico.

Algumas cores têm seu uso mais frequente nos exemplares paulistas, a exemplo do bege na talha rococó. É preciso lembrar que muitos retábulos terem sido repintados com cores neutras a partir do neoclassicismo, criando a impressão errônea de que o barroco é branco, quando na verdade é um momento em que se utilizavam cores muito vivas. Dois exemplos marcantes dentre os exemplares que da pesquisa são A Matriz de Cunha, cujos altares rococós, hoje brancos, eram coloridos com verde e vermelho, e a Matriz de Itu, cujo restauro em andamento tem revelado que sucessivas camadas de tinta cinza escondiam o colorido dos seus retábulos.

134

Capítulo 2 - Ornamentação

b a Figs.091: Pontos de perda das camadas pictóricas superiores, brancas, evidenciando algumas das cores originais utilizadas em altares da Matriz de Nossa Senhora da Conceição, Cunha: rosa escuro e azul escuro. Foto: Mateus Rosada, 2014.

a

b Fig.092: Retábulo-mor da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Candelária de Itu, antes (a) e nos últimos dias do restauro (b), evidenciando o uso de azuis, vinho e verde na composição. Fotos: Mateus Rosada, 2013 (a), 2016 (b).

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2.3 A TALHA

São Paulo, que gosta de arrogar aos demais ser o Estado mais rico da nação, muita vezes se ressente de seu passado. Certamente, a afirmação de que era a Capitania mais pobre do país é um pouco exagerada, uma vez que outras regiões também tiveram longos e malfadados processos de desenvolvimento e estavam sempre convivendo com a penúria. É certo, no entanto, que o desenvolvimento econômico paulista esteve, até fins do Período Colonial, bastante aquém do de terras como Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco e Maranhão, fato que leva a imaginar uma produção artística também inferior a essas capitanias. A despeito dessa visão, pesquisadores recentes têm se concentrado em demonstrar que a arte colonial de São Paulo, ainda que em poucos exemplares tenha atingido expressões máximas entre os mesmos de suas categorias, é de grande valor e possui características próprias e, muitas vezes, únicas. Por exemplo, é São Paulo, como afirma a batida frase de Lúcio Costa, um Estado que tem fama de ser pobre em arte colonial, mas que ainda conserva despreocupadamente – como joias de família, sem valor – os dois ‘únicos´ exemplares do gênero existentes no país (COSTA, 1941, p.61): os retábulos e pinturas das capelas do sítio Santo Antônio de São Roque e da Fazenda Voturuna em Santana de Parnaíba. Isso não significa que obras de maior pompa fossem realizadas em momentos melhores. Nos principais centros paulistas dos períodos Colonial e Imperial, como Santos, Itu, Campinas, Guaratinguetá e na própria capital, se encontram obras de feitura muito refinada, que poderiam figurar com louvor ao lado do que de melhor se executava pelo Brasil afora. Ao mesmo tempo, em locais menores, e por que não dizer “caipiras”, mais isolados e com possibilidades materiais mais limitadas, os padrões estéticos eram reproduzidos de forma simplificada, com releituras, adaptações e ressignificações. As Igrejas caipiras, aliás, são muitas em terras paulistas, pois o Estado foi o lugar onde a atividade de exploração do território mais avançou para o interior e, portanto, onde se fundou um número expressivo de cidades e, junto a elas, de igrejas, que eram quase sempre os primeiros edifícios construídos nas povoações brasileiras.

Em se tratando das edificações religiosas, a arte retabular foi responsável pelo contraponto à usual limpeza das linhas construtivas: em oposto aos exteriores singelos (cada vez menos, conforme avançaram os séculos, como vimos anteriormente), as igrejas apresentavam sempre os interiores mais ricamente trabalhados que as suas comunidades podiam dispor. Essa decoração se dava quase que exclusivamente por elementos de entalhe, técnica que se desenvolveu sobremaneira nos reinos ibéricos. A talha dourada se tornaria, em Portugal e na Espanha, uma expressão de cunho nacional, perdurando por séculos como uma das mais importantes expressões da arte ibérica (Smith, 1962, p.07). Todo esse saberfazer da madeira foi levado para as colônias na América, África e Ásia, com uma quantidade enorme de variações locais, enriquecidas pelos conhecimentos, técnicas e materiais disponíveis e combinados.

136

Capítulo 2 - Ornamentação

No caso luso-brasileiro, aspecto interior das igrejas era quase sempre composto por naves e capelasmores com paredes brancas e grandes panos de talha correspondentes aos altares. A simplicidade estrutural já pressupõe em si mesma a imprescindível complementação dos revestimentos em talha dourada, pintura ou azulejos, tão caros à sensibilidade artística dos lusitanos. Ultrapassando a função meramente decorativa, essas artes ornamentais assumem em consequência nas igrejas luso-brasileiras a função subsidiária de dinamizar os espaços, rompendo a estaticidade das paredes e teto recriando ambientes que integram, em visão unitária, valores formais e simbólicos expressos em técnicas diversas (OLIVEIRA, 2003, p.13).

No caso paulista, ainda com raríssimos casos de uso de azulejos decorativos e nenhum de talha integral, que cobria todas as paredes, como correu em outras localidades, a exemplo da Igreja da Ordem Terceira da Penitência do Rio de Janeiro (RJ), da Matriz de Sabará (MG) ou da Capela Dourada, no Recife (PE), o panorama foi sempre de igrejas com talha pontual, retabular, alguns casos de tetos pintados e paredes monocromáticas (cuja decoração viria a ser complementada posteriormente, no ecletismo). Os primeiros trabalhos publicados sobre o barroco no Brasil falam da talha paulista como uma arte mais simples, menos erudita (BAZIN, 1983), dedicando-lhe poucas linhas em detrimento de estudos mais aprofundados sobre outras regiões do país. Seguem esta linha de pensamento, com uma visão um pouco mais neutra, outros historiadores que se debruçaram sobre o barroco de São Paulo, como é o caso de Eduardo Etzel (1974) que, embora enalteça qualidades na talha local, ainda adota uma postura diminuída quando a compara com a dos exemplares mineiros. No entanto, trabalhos mais recentes, como os de Percival Tirapeli (2003), Danielle dos Santos Pereira (2012) e de Benedito Lima de Toledo (2012), mostram a variedade e riqueza da arte aqui produzida.

Padrões estilísticos Pelo fato de a ocupação do território paulista iniciar-se ainda no século XVI e pelo número relativamente grande de vilas e reduções criadas desde princípios da colonização, analisar a ornamentação das igrejas do Estado nos possibilita ter uma visão de todos os estilos ornamentais que se sucederam no Brasil. No âmbito desta tese, optamos por analisar os retábulos por estilos, e não fases, uma vez que, especialmente na talha, um período estilístico “invade” o seguinte. Há casos de artistas que inovaram e outros que tinham traços mais tradicionais para seu tempo e, com isso, expressões de dois períodos, não raro, ocorrem concomitantes em igrejas de localidades diferentes. Somam-se a isso as estruturas retabulares de transição: temos, no Estado de São Paulo em especial, uma quantidade grande de retábulos com ornamentação em estilo rocaille e estrutura ainda do período

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137

Joanino, como são os da Igreja Conventual do Carmo de Santos e da Matriz de Nossa Senhora da Candelária de Itu. Essa foi uma tônica, por exemplo, na obra de dois grupos de entalhadores, de Bartholomeu Teixeira Guimarães e José Fernandes de Oliveira, como veremos mais adiante na abordagem sobre os grupos artísticos. Elementos de padrões anteriores continuaram sendo utilizados quando havia uma mudança de estilo, pois tais mudanças nunca foram bruscas. Exemplos disso são retábulos de mestres do rococó como Aleijadinho, em Minas Gerais, e Inácio Ferreira Pinto, no Rio de Janeiro que, por desejo dos encomendantes, se utilizaram de colunas torças em algumas de suas obras, elementos marcantes do estilo joanino, quando o usual seria a composição com colunas lisas ou estriadas. Nos casos transicionais, optamos por sempre classificar a talha pelo padrão da ornamentação, pois são esses elementos que evidenciam as influências que chegavam ao Brasil. A estrutura era mais difícil de se transformar. Ainda utilizando os exemplos acima, não seria possível que o entalhador concebesse cartelas rococós para o retábulo se já não tivesse tomado contato com esse estilo, ou seja, a análise partiu sempre do padrão mais recente encontrado num retábulo, salvo casos onde reformas posteriores criaram uma mescla de estilos, a exemplo do que se percebe nos retábulos do Santuário de Bom Jesus dos Perdões e no altar-mor da Igreja de São Gonçalo da capital e nos altares laterais da Igreja de Santo Antônio da capital. Ao fim, teremos um subitem para cada padrão, que dividimos em seis: Maneirismo, Barroco Português9, Barroco Joanino, Rococó, Imperial, e Neoclássico. Os quatro primeiros seguem a classificação e a nomenclatura adotadas por Robert Smith (1962) e mais sedimentada nos demais autores que consultamos; o quinto foi por nós inserido para classificar retábulos já do século XIX com estruturas que se aproximam do neoclássico, mas com resquícios de ornamentação e/ou estrutura joanina ou rococó; e, por fim, inserimos uma breve análise de altares de um sexto estilo, o neoclássico, por ainda existir um número representativo de retábulos em madeira nesse padrão, livre de elementos dos estilos predecessores. A historiografia tem fixado períodos de abrangência desses estilos, sobre os quais pode-se esperar que, nos extremos da linha do tempo, ainda existam manifestações precoces e tardias que extrapolem seus limites. Como estamos tratando de um objeto em separado, o Estado de São Paulo, utilizaremos as datas iniciais e finais dos retábulos mais antigos e mais recentes de cada padrão para delimitá-los. Dessa maneira, a divisão tradicional, que seria essa: Maneirismo (1500-1700), Estilo Nacional Português (17001740), Barroco Joanino (1740-1760) e Rococó (1760-1800), ficará assim: Maneirismo (1559-1736), Bar-

9

Barroco Português: o termo original utilizado por Smith é Estilo Nacional que, por remeter a alguns elementos do passado medieval luso, sem paralelo no Brasil, passou a ser nomeado aqui como Nacional Português (ÁVILA, 1980, p.144). A autora Myriam Ribeiro de Oliveira tem recomendado a utilização do verbete como Barroco Português, uma vez que o estilo foi todo ele gestado fora do Brasil, na metrópole, e o termo “nacional” não faria muito sentido aqui no Brasil. De qualquer maneira, a alteração é apenas terminológica e não implica em mudança na definição do estilo dada por Smith e nem mesmo no recorte cronológico.

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Capítulo 2 - Ornamentação

roco Português (1700-1730), Barroco Joanino (1735-1766), Rococó (1759-1871), e os por nós acrescidos, Imperial (1820-1891) e Neoclássico (a partir de 1850).

Datação dos retábulos e ornamentos de talha Após a seleção das igrejas que fariam parte desse estudo, debruçamo-nos sobre a datação das obras de entalhe (nas seções de cada estilo há uma tabela com as obras e suas datações), pois muitas das datas que tínhamos à mão não condiziam com o estilo encontrado. Passamos, então, a tentar datar os altares e , nos que não houvesse data nenhuma, a atribuir-lhes uma. Essa datação se deu sob os seguintes critérios: O primeiro, quando se tinha a datação documentada de determinado retábulo por documentação primaria. Por exemplo, tivemos acesso aos livros de Receita e Despesa da Ordem Terceira do Carmo de Mogi das Cruzes e lá se comprova o pagamento do retábulo em duas parcelas, em 1804 e 1805, totalizando 250$000 réis, ao entalhador João da Cruz (ORDEM..., 1799-1858, f.135v, f.136v). Consideramos dentro deste critério quando encontramos periódicos de datas próximas que contam a história dos templos pesquisados. Num desses jornais do século XIX, o autor fala, em memória escrita no ano de 1882, sobre a confecção do altar-mor da Igreja de Santa Rita de Itu na década de 1860 (NOTAS, 1882, p.02). O segundo critério, quando algum autor, consultando documentação primária a qual não tivemos acesso, menciona a data de fatura da talha, como fizeram Mário de Andrade (1963) e Frei Adalberto Ortmann (1951) sobre as igrejas das ordens terceiras, respectivamente, do Carmo e de São Francisco de São Paulo. Utilizamos mais uma terceira forma de tentar datar os altares, baseando-nos nos anos em que os templos foram construídos ou reformados, estimando as datas de feitura da talha cujo estilo fosse o vigente na época das alterações. Essa forma nem sempre possibilitou que encontrássemos datas de reformas compatíveis com o estilo de determinado retábulo. Não encontrando dados dessas três maneiras, passamos a utilizar datações de autores diversos que tenham se baseado em relatos populares. Ainda assim, muitas vezes esses relatos podem ser estimativas errôneas de datação, que não raro remetem a uma data mais antiga do que seria plausível para a confecção de um retábulo de determinado estilo. Exemplo disso é o do retábulo-mor da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição de Cunha, cuja tradição oral afirma ter sido feito na mesma época que a igreja era construída, em 1731, no entanto, nessa data, ele seria em estilo barroco português ou de um

Igrejas Paulistas da Colônia e do Império

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joanino ainda precoce, mas trata-se de uma obra com elementos rocaille, padrão que chega apenas no final do século XVIII. Por último, se ainda não possuíssemos informação sobre o ano de fatura dos retábulos após esgotadas todas essas tentativas, passamos a atribuir-lhes um ano aproximado de confecção (Ex.: c.1780). Isso só foi feito depois de separar todos os retábulos, sanefas, púlpitos por estilo e dividi-los por grupos de talha semelhante, que demonstramos no item 2.4, adiante. Dentro de cada grupo, temos algumas datas que permitem, na maioria dos casos, traçar uma linha sequencial que mostre o desenvolvimento de um traço comum e, dentro de cada estilo, é possível perceber se um padrão foi se rebuscando (como no período joanino) ou se estilizando (como no rococó e no imperial) com o passar dos anos. Ainda assim, faz-se necessário aclarar que as datas estimadas, que são muitas, foram colocadas no centro de uma faixa de vinte anos, ou seja, que é possível que o entalhe tenha sido elaborado dez anos antes ou depois da data atribuída.

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É importante perceber que a talha paulista, como observado por Germain Bazin (1983) e Eduardo Etzel (1974), é realmente mais singela do que a executada nos estados ao norte. Há uma menor profusão de elementos e uma limpeza maior nos ornatos. Isso não significa necessariamente uma talha pobre e sem refinamento: encontram-se no Estado de São Paulo muitos exemplares de talha de traço bem acabado e elegante. Acreditamos que, devido às dificuldades de meios dos primeiros tempos, os paulistas se acostumaram a executar obras de menor arroubo e mais contidas, com menor profusão de elementos, no caso da talha. Veremos melhor essas questões a seguir, na análise dos estilos.

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2.3.1 MANEIRISMO (1559-1736)

O primeiro estilo de retábulo que encontramos no Estado de São Paulo é o Maneirismo. Caracteriza-se, grosso modo, pela exacerbação da ornamentação clássica renascentista, dissociando gradualmente o ornamento da tectônica estrutural, extrapolando ou subvertendo alguns cânones da arquitetura estritamente classicista do quattrocento e do cinquecento. Roma, sede de uma Igreja Católica que se reorganizava e se apoderava novamente com a Contrarreforma, e centro em plena efervescência cultural nesse período, ditava muitos padrões e normas estilísticos, assimilados com mais fervor pelos países católicos, caso de Portugal e Espanha. Soma-se a isso o grande desenvolvimento da imprensa ocorrido nos séculos XV e XVI, graças ao sistema de tipos móveis inventado por Gutenberg, o que levou à difusão de muitos tratados de várias áreas da ciência que, pela facilidade inédita de reprodução mecânica, alcançavam um bom número de reproduções que chegavam a lugares até então muito distantes. Em Portugal, os tratados de arquitetura de Filippo Terzi (1520-1597) – arquiteto italiano que viveu em Portugal de 1577 até sua morte – , Giorgio Vasari (1511-1574), Andrea Palladio (1508-1580), Giacomo Vignola (1507-1573) e Sebastiano Serlio (1475-1554) influenciaram sobremaneira a arte e a construção civil do país.

a b c Fig.093: Exemplos de portadas desenhadas por Sebastiano Serlio, padrões que se aproximam dos retábulos ibéricos do maneirismo; Retábulo da antiga Igreja dos Jesuítas do Rio de Janeiro, conservado na Igreja da Misericórdia. Fonte: Serlio; Scamozi, 1600, Livro VI, p. 25 (a), p.27v (b). Foto: Nelson Lopes Filho (IPHAN), s.d. (c).

Especialmente o Tratado de Serlio (1600) nos é de interesse, pois apresenta mais do que as ordens clássicas, mas sugestões de composições arquitetônicas de casas, igrejas e portadas. A mesma estrutura de

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portas e arcos triunfais seria assimilada e introduzida dentro das igrejas para a composição dos retábulos, onde os oragos ocupariam o lugar do arco de passagem. Nos quinhentos tornar-se-ia comum o uso de arcos compostos por três fórnices para a realização de entradas solenes em diferentes cidades. Sebastiano Serlio Bolognesi mencionaria nos Cinco Livros de Arquitetura, as possibilidades de utilização das formas dos arcos triunfais da Antiguidade, pelos quais nutria grande admiração, em outras aplicações. (...) Com base nessas diretrizes, seriam conferidas aos conjuntos retabulares as formas dos arcos triunfais da Antiguidade Clássica compondo as estruturas que se distribuiriam pelos interiores dos templos religiosos católicos, posicionadas por detrás das mesas de altar, na Ibéria e, no caso do foco deste trabalho, em Portugal e no Brasil onde, a partir da Renascença, os elementos retabulares assumiriam particularidades especificamente lusitanas (BONAZZI DA COSTA, 2014, P.97).

Os retábulos dessa fase se caracterizam por ter uma estrutura reticulada muito bem definida e semelhante às portadas desenhadas por Serlio, com clara divisão dos enquadramentos dados pelas colunas e entablamento, e com três corpos na vertical (ALVIM, 1997, p.63): um central, mais largo, e dois laterais, de menor anchura. Em espaços mais estreitos, os corpos laterais se comprimem a ponto de restarem apenas duas colunas ladeando o tramo central, como ocorre ao altar da Capela de Santo Alberto de Mogi das Cruzes. A base possui pouca ou nenhuma ornamentação e as colunas se apoiam sobre pedestais. As linhas estruturais podem ser preenchidas com colunas ou com quartelões. O mais recorrente é que retábulos mais altos, de mais de um andar, possuam colunas na parte de baixo e quartelões no andar superior e/ou no coroamento. Quando localizados contidos em capelas de baixa altura, encontramos altares com coroamento pequeno ou ausente e apenas com quartelões. As colunas possuem sempre capitéis coríntios nos exemplares paulistas. Nos intercolúnios laterais, mais estreitos, são posicionados nichos menores; no vão central, o nicho principal e maior do retábulo. Os nichos para as imagens são dispostos sempre contidos nos enquadramentos entre as colunas o entablamento, nunca rompendo-o. É importante observar essa característica: nas próximas quatro tipologias, o arco do nicho central acaba invariavelmente por dividir a cornija em duas partes. Quando o nicho volta a estar inteiramente contido, abaixo da arquitrave, estamos tratando ou de um retábulo maneirista, se for dos séculos XVI ou XVII, ou um muito posterior, já do século XIX, e neoclássico.

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Fig.094: Modelo tipológico de um retábulo maneirista. Desenho: Mateus Rosada, 2015.

Os planos verticais entre os nichos muitas vezes são preenchidos por desenhos repetitivos, de elementos fitomorfos, adamascados ou cortinados, ou ainda quando possível, de entalhes de pouca profundidade, bastante comum aos padrões do plateresco espanhol, possivelmente pela grande circulação, presença e influência de hispânicos em São Paulo nos dois primeiros séculos da colonização, acentuada no período da União Ibérica (1580-1640) (AMARAL, 1981). O entablamento denuncia uma ruptura com a tectônica arquitetônica, baseada em colunas e traves: os trechos sobre as colunas se projetam para a frente, produzindo uma movimentação da peça que subverte a lógica de que seria necessária uma trave única e uniforme. A mesma movimentação de planos para a frente a para trás se dá entre os pedestais e os planos de fundo. No todo, essa variação de planos dota o retábulo de maior movimento e diminui a percepção da estrutura, tornando-o mais escultórico e menos arquitetônico.

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No coroamento, a solução comum é a disposição de uma pintura ladeada por quartelões, que se posicionam sobre o entablamento, na mesma linha das colunas centrais ou deslocados um pouco mais para o centro. Nas laterais e no cimo do coroamento, volutas abraçam os três corpos do retábulo e arrematam a composição, que ainda recebe, via de regra, pináculos piramidais nas extremidades. Na maior parte dos casos, os retábulos estão dispostos em capelas com tetos em abóbada plena e, em poucas exceções, com forro chanfrado, sextavado, o que faz com que se encontrem contidos numa parece de fundo que conforma um arco, no caso das abóbadas, ou com um plano trapezoidal, no caso dos forros em chanfro. Isso faz com que o coroamento, nessa estrutura pensada em frontões, não ocupe todo o fundo e algumas áreas da parede posterior da capela não sejam ocupadas por talha. essa característica também se altera no estilo seguinte, o Barroco Português, quando toda a parede posterior passa a ser decorada. Os retábulos luso-brasileiros só deixarão de ocupar toda a parede posterior da capela no neoclassicismo, já no século XIX.

^ Fig.095: Planta de um retábulo maneirista. Desenho: Mateus Rosada, 2015.

Fig.096> Retábulo maneirista em corte. Desenho: Mateus Rosada, 2015.

Espacialmente, os altares do maneirismo ainda possuem composição muito plana, acompanhando o alinhamento da parede. Projetam-se à frente do plano principal apenas as linhas estruturais verticais (pedestais, colunas e entablamento) e, para trás, os nichos. Segundo os levantamentos realizados, temos apenas oito igrejas que abrigam remanescentes desse estilo no Estado de São Paulo, não por acaso, localizadas nas vilas mais antigas do litoral e nas imediações de São Paulo, primeiras áreas a serem povoadas:

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Fig.097: Cidades com exemplares de talha maneirista. 1. Santana de Parnaíba, 2. São Roque, 3. Carapicuíba, 4. Mogi das Cruzes, 5. Guararema, 6. Ribeirão Pires, 7. São Vicente. Desenho: Mateus Rosada.

EXEMPLARES DE TALHA DO MANEIRISMO (08) Igreja Matriz de São Vicente Mártir, São Vicente (colunas e tabernáculo do antigo Colégio Jesuítico - 1559) Capela de Santo Alberto, Mogi das Cruzes (1665) – atualmente no Museu das Igrejas do Carmo de Mogi das Cruzes Capela do Sítio de Santo Antonio, São Roque (1681) Capela de Nossa Senhora da Conceição da Fazenda Voturuna, Santana de Parnaíba (1687) Igreja de Nossa Senhora da Escada, Guararema (sacrário do altar-mor - 1698) Capela de São Miguel Arcanjo, São Paulo (retábulo da capela da Ordem Terceira - c.1700) Capela de Nossa Senhora do Pilar, Ribeirão Pires (1714) Capela de Santa Catarina, Carapicuíba (1736)

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Destaque-se que apenas três retábulos são certamente completos, os das capela de São Miguel Paulista, do Pilar de Ribeirão Pires e da Aldeia de Carapicuíba. O conjunto mogiano de Santo Alberto está desmontado, guardado no Museu das Igrejas do Carmo, ao passo que as composições retabulares de São Vicente e Guararema são remontagens com peças de mais de um período que possuem partes maneiristas. Ainda, os altares-mores do Sítio Santo Antônio e da Fazenda Voturuna apresentam elementos apenas da parte superior de um retábulo do maneirismo, o que leva a questionar se foram assim concebidos ou se são apenas coroamentos de algum altar mais antigo, de alguma igreja da região. Dentre os exemplares que resistem no Estado de São Paulo, nenhum se encaixa em todos os parâmetros elencados, mas seguem parte dessas características. Há três vertentes distintas que fazem com que os altares desse período sejam bastante diferentes entre si. Uma primeira, de influência espanhola, perceptível nos altares como os de Santo Alberto e das fazendas Santo Antônio e Voturuna; outra, de retábulos eruditos, confeccionados provavelmente nas oficinas dos jesuítas em Portugal, com o caso único das colunas do altar-mor de São Vicente; e uma terceira, de retábulos populares e com provável uso de mão-de-obra indígena, como se vê em Carapicuíba, na Capela de São Miguel Paulista e no Pilar de Ribeirão Pires. Nos dois primeiros séculos da colonização, São Paulo sofria muita influência da cultura hispânica (AMARAL, 1981). Por isso, elementos do plateresco espanhol – enrolamentos e volutas ocupando os planos e o uso de talha vasada, por exemplo – , assim como outros detalhes compositivos e de proporções (geralmente, as proporções das obras de talha hispânicas são mais robustas e as lusas, mais delgadas), são perceptíveis nos retábulos elencados acima. Tratamos sobre os altares de Voturuna e do Sítio Santo Antônio com maior profundidade no item 2.4.6. Já o altar-mor de Santo Alberto merece uma atenção especial por tratar-se de uma peça transicional: ao mesmo tempo em que possui toda a estruturação do padrão maneirista, já apresenta colunas torças e mísulas, que só surgiriam no movimento seguinte: o Barroco Português. O retábulo-mor de São Vicente é atualmente uma recombinação de elementos do altar original, da desaparecida igreja jesuítica da cidade, e elementos novos, de 1870. Trataremos mais detalhadamente sobre ele no item 2.4.6 desta tese.

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Fig.098: Retábulos maneiristas do Estado de São Paulo: da Igreja do Pilar de Ribeirão Pires (a), da Capela de Santa Catarina da Aldeia de Carapicuíba (b) e da Capela de Santo Alberto de Mogi das Cruzes (c) (atualmente desmontado no Museu de Arte Sacra das Igrejas do Carmo). Fotos: Mateus Rosada, 2013 (a, b), Percival Tirapeli, 2003 (c); Edição: Mateus Rosada (c).

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2.3.2 BARROCO PORTUGUÊS (1700-1730)

O segundo estilo, chamado por Robert Smith (1962) de Nacional e adotado sequencialmente por outros autores, recebeu um segundo nome por estudiosos brasileiros: Barroco Português, para marcar sua origem lusa. O estilo Português floresce no último quartel do século XVII em Portugal, algumas décadas após o fim da União Ibérica e a independência portuguesa dos domínios de Castela (1640). Seja de maneira intuitiva ou deliberada, o fato é que os portugueses alteraram radicalmente a estrutura retabular, que assimilou, a partir desse período, a conformação de arquivoltas concêntricas. Baseando-se em elementos que remetessem à cultura local, foi nas portadas românicas que Fig.099 Porta em arcos concêntricos da Igreja do Convento de Cristo, no Tomar, Portugal. Foto: Mateus Rosada, 2014.

os lusos encontraram uma forma que os identificasse (SCHMIDT, 1962, p. 69-73; TOLEDO, 2012, p.162) e os distinguisse do que se fazia no restante da Península Ibérica. A

composição em arcos concêntricos, que define tais portadas, passaria a ser a base do retábulo lusobrasileiro até princípios do século XIX. Essa sucessão de arcos aprofunda a perspectiva e direciona o olhar do fiel até o centro, onde está o orago. Além disso, a estrutura passa a diferenciar-se da conformação de uma peça retabular hispânica, que mantém-se com planta linear, não escalonada, e organizada em níveis, o que passa a ser pouco usual em Portugal e suas colônias, com exceções reinóis no norte português (FERREIRA-ALVES, 2001), região que manteve maior contato com a Espanha. Às arquivoltas se somou outro elemento, utilizado, é fato, em outros países, mas cuja combinação com eles tornou-se única: as colunas torças. Nesse período, o padrão de ornamentação do barroco já estava bem estabelecido na Europa. Os retábulos ganhavam movimento. A basílica de São Pedro, sede e símbolo do poder romano, recebia reformas estilísticas e as colunas salomônicas do baldaquino de São Pedro (1624-33), projeto de Gian Lorenzo Bernini (1598-1680), se tornariam um padrão a ser seguido e imitado nas igrejas pelo mundo afora (TOLEDO, 2012: 160). Em Portugal e, por extensão, no Brasil, deu-se o usos dessas colunas, porém, com uma variação: todo o corpo tinha o mesmo tratamento, diferentemente do padrão berniniano, cujo terço inferior recebia outro acabamento.

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b c a Fig.100: Baldaquino da Basílica de São Pedro, em Roma (a), desenho de uma coluna torça feito por Vignola (b), e coluna pseudossalomônica que pertenceu ao retábulo-mor da Igreja do Colégio de São Paulo (c), hoje no Museu Anchieta. Fonte (b): Vignola, 1878, p.84, fig.35; Foto (c): Mateus Rosada, 2015. A partir de 1675, talha portuguesa se diferenciaria da espanhola, após longa fase de transição, assumindo características nacionais para o que contribuiriam elementos como as colunas de fuste helicoidalmente espiralado, que por não terem a diferenciação do terço inferior, seriam chamadas de pseudossalomônicas e o coroamento arrematado em arcos confluentes, que seguiriam as mesmas formas dos capitéis até a chave, resultando em estrutura na qual o escultórico predominaria sobre o arquitetônico, gerando uma manifestação barroca, inusitada na arte portuguesa (BONAZZI DA COSTA, 2014, p.187).

Os retábulos já passam a ser pensados como peças inteiriças, que vão do chão ao teto. A parte inferior da base é composta de pedestais decorados com painéis de acantos. No mesmo nível, a mesa do altar é quadrangular, ornamentada com uma pintura que imita galões e damascos ou com relevos de acantos, no mesmo padrão dos pedestais. No segundo nível da base, logo acima, colocam-se mísulas, também com motivos vegetalistas.

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Fig.101: Modelo tipológico do retábulo barroco português. Desenho: Mateus Rosada, 2015.

No corpo, às colunas pseudossalomônicas são sobrepostos elementos de talha com vides, cachos de uva e, às vezes, pássaros e putti, de forma bastante efusiva, cobrindo tanto os sulcos como as saliências das mesmas. Sobre elas, os capitéis são, na maioria dos casos paulistas, coríntios, com oito volutas abaixo do ábaco, e compósitos em menor número. Os intercolúnios são tratados como pilastras: muitas vezes possuem capitéis no seu cimo. Suas superfícies são Fig.102 Retábulo pictórico encontrado na Capela de São Miguel Arcanjo, São Paulo, no momento em que se restaurava a igreja. Foto: Luciana Lepe Tonaki, 2011.

ornadas com painéis retangulares decorados com protuberantes enrolamentos de acanto.

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b c a Fig.103: Vides que cobrem coluna em altar lateral da Igreja Conventual do Carmo de Santos (a), acantos decorando o intercolúnio de altar da Igreja de Santo Amaro, no MAS, com uma linha de chambranles pendente na parte direita (b), mísula decorada do Mosteiro de São Bento de Jundiaí (c). Fotos: Mateus Rosada, 2013 (a, c), 2015 (b).

No centro do corpo retabular, com seu contorno quase sempre decorado com uma moldura fitomorfa ou com chambranles, outro elemento que se modifica, o nicho é substituído por um camarim, que toma todo o intercolúnio central e cujo arco avança por sobre o entablamento e o extrapola, rompendo-o ao meio. Este elemento é muito maior do que o nicho do período maneirista e cria um verdadeiro cenário para abrigar a imagem do orago. Se estiver em uma igreja de maiores posses, decoram-se todas as paredes e a abóbada do camarim. E como este cenário tornou-se muito grande e a imagem do padroeiro Fig.104: Trono do altar-mor do Colégio de São Paulo, em 1896. Fonte: Acervo da Biblioteca Padre Antônio Vieira.

não dá conta de ocupá-lo por si só, é criada outra estrutura para dar-lhe destaque que é exclusivamente portuguesa: o trono, estrutura escalona que torna um padrão utili-

zado em todo local de colonização lusa, não adotado por outras nações. Pelas dimensões exageradas que o camarim acabou possuindo, a solução foi criar um elemento compositivo que elevasse o santo até uma altura tal que seu rosto estivesse próximo ao ponto central de onde se traçam as arquivoltas, de modo que elas sejam quase que uma reverberação de sua auréola. O trono que o alça, nesses altares, muitas vezes tem degraus de forma bulbosa, semelhantes a uma taça.

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Na parte superior, o entablamento, agora rompido ao meio, passa a servir de apoio para a base das arquivoltas. Estas quase que inevitavelmente acompanham o mesmo padrão das colunas ou pilastras que as sustentam, como se fossem as próprias colunas que se curvassem para conformar os arcos concêntricos, e são comumente unidas espaçadamente por contrafechos. Sobre a chave das arquivoltas, no centro, é colocada uma tarja, com um símbolo que indica o orago daquele altar. Outra diferença em relação ao período predecessor é a profusão e a profundidade dos ornamentos, que passam a cobrir quase toda a área do retábulo e que são bastante protuberantes, projetando-se vários centímetros para fora das bases e descolando-se delas, em uma lógica distinta da de ornamentos brutescos ou platerescos. O coroamento, na lógica das igrejas com teto em abóbada, ocupa todo o plano em que o retábulo se instala, seja ele um arco numa parede lateral ou o perímetro da parede posterior de uma capela-mor. É nesse período que surgem as igrejas de talha plena, totalmente douradas, com exemplares mineiros, fluminenses e pernambucanos, mas nenhum em São Paulo. Ainda assim, são quinze as igrejas que possuem retábulos em estilo português no Estado.

^ Fig.105: Planta de um retábulo barroco português. Desenho: Mateus Rosada, 2015. Fig.106> Retábulo barroco português em corte. Desenho: Mateus Rosada, 2015.

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Há uma ideia muito forte de acentuação da perspectiva pela sucessão de planos, como pode-se observar pela planta do retábulo: os planos mais externos são mais próximos do observador e, à medida em que se vai para o centro, os planos vão se sucedendo e se afastando, direcionando para o camarim. Restaram muito poucos retábulos de estilo barroco português em São Paulo, que podem ser encontrados em apenas oito municípios:

Fig.107: Cidades com exemplares de talha barroco-portuguesa. 1. Santana de Parnaíba, 2. São Roque, 3. Embu das Artes, 4. São Paulo, 5. Guararema, 6. São Vicente, 7. Santos, 8. Itanhaém. Desenho: Mateus Rosada.

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Não há nenhum remanescente de altar-mor e, na lista que colocamos abaixo, são enumerados ainda muitos fragmentos: frontais de mesa, peças de museu, etc., perfazendo quinze igrejas cujos altares deste estilo, ou suas partes, chegaram até os dias atuais. EXEMPLARES DE TALHA DE ESTILO BARROCO PORTUGUÊS (15) Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Embu das Artes (retábulos do arco cruzeiro - 1700) Igreja Matriz de São Vicente Mártir, São Vicente (fragmentos fitomorfos de retábulo - c.1700) Basílica Abacial de Nossa Senhora da Assunção, Mosteiro de São Bento, São Paulo (mesa do altar, atualmente na fazenda do Parateí - c.1700) Igreja Conventual de Nossa Senhora do Carmo, Santos (4 retábulos laterais - c. 1700, com coroamento reformado) Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Santos (retábulos laterais - c.1700) Igreja do Bom Jesus, Companhia de Jesus, São Paulo (restam duas colunas e mísulas no Museu Anchieta – c.1700) Igreja do Mosteiro de São Bento, Santana de Parnaíba (fragmentos de retábulo no Museu de Arte Sacra - c.1700) Capela de Nossa Senhora dos Aflitos, São Paulo (Retábulo de São Benedito - c.1700) Igreja das Chagas do Seráfico Pai São Francisco, Ordem Terceira da Penitência, São Paulo (Retábulo do Jazigo c.1700) Igreja de Santana, Mosteiro de São Bento, Jundiaí (c.1700) Capela de Nossa Senhora dos Aflitos, São Paulo (mesa e trono do retábulo-mor - c.1710) Igreja de Nossa Senhora da Conceição, Itanhaém (retábulos do arco-cruzeiro - 1712) Capela do Sítio de Santo Antonio, São Roque (retábulos laterais - c.1720) Igreja Matriz de Santo Amaro, São Paulo (retábulos no Museu de Arte Sacra - c.1720) Igreja de Nossa Senhora da Escada, Guararema (retábulos colaterais - c.1730)

Há, dentre os altares de estilo português paulistas, duas correntes predominantes: uma portuguesa e uma com alguns traços ainda hispânicos. Basicamente, a diferença entre elas se dá pelo tratamento dos painéis. Uma parte maior possui painéis no padrão luso, decorados com folhas de acanto, enquanto que noutra esses mesmo painéis são compostos por talha vazada com motivos de videiras, ainda com resquícios de uma arte plateresca em adaptação ao padrão aportuguesado. Tratamos de altares das primeira corrente, que abrange altares do Mosteiro de São Bento, da Igreja dos terceiros franciscanos, no item 2.4.3, e da segunda, que mostra os altares do Colégio, do Sítio Santo Antônio e da Capela dos Aflitos, no item 2.4.6 desta tese.

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c d Fig.108: Retábulos laterais do estilo Barroco Português em São Paulo: da Igreja do Bom Jesus dos Jesuítas (a) (demolida), do Rosário do Embu (b), do Convento da Conceição de Itanhaém (c), da antiga Igreja de Santo Amaro, hoje no MAS (d). Fonte: Moraes, 1984 (a); Fotos: Mateus Rosada, 2015 (b, c, d).

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2.3.3 BARROCO JOANINO (1736-1766)

Muitos historiadores evitam colocar o nome de um estilo relacionado ao monarca do período que ele ocorreu, pois dar-lhe nome acarreta em associar a ação daquele governante para o estabelecimento de um padrão artístico. Neste caso, no entanto, o incentivo às artes e à criação de uma nova estética levados a cabo pelo Rei D. João V, chamado O Magnânimo, foram de tal ordem que ele batiza esse estilo, pois foi diretamente responsável por uma nova estética das artes portuguesas e das colônias. João V foi um monarca que teve bastante sorte. Em seu longo reinado, que vai de 1706 a 1750, foi encontrado ouro em grandes quantidades na colônia americana, levando Portugal a um período de apogeu financeiro e luxo (TOLEDO, 2012, p.170). O rei trouxe artistas italianos para Portugal e enviou portugueses para estudarem as artes em Roma, construiu palácios e reformou muitos prédios públicos. A estética trazida pelos artífices vindos do Lácio, mais leve e menos carregada que o padrão português de então, seria aceita com relativa rapidez e cairia no gosto em terras de aquém-mar, dando nova feição à ornamentação religiosa. O exemplar em talha joanina mais antigo que se conhece no Brasil é o da Igreja da Ordem Terceira da Penitência do Rio de Janeiro, iniciado em 1726, onde trabalharam os entalhadores portugueses Manuel de Brito e Francisco Xavier de Brito. Francisco Xavier transferiu-se posteriormente para Vila Rica, onde também introduziu a talha joanina, que se difundiu na região. Na Capitania de São Paulo, os primeiros trabalhos são realizados a partir de 1735, concomitantes, na Igreja do Rosário do Embu e na Igreja das Chagas do Seráfico Pai São Francisco, esta última atribuída ao português Luiz Rodrigues Lisboa (ORTMANN, 1951, p.87). Os retábulos joaninos vão manter a base compositiva do retábulo luso-brasileiro estabelecida no período anterior, o Barroco Português: uma estrutura com duas colunas apoiadas sobre mísulas de cada lado, com painéis ou peanhas para santos secundários nos intercolúnios, arco rompendo o entablamento e coroamento composto de arquivoltas concêntricas ocupando toda a parede de fundo da capela em, que se insere. Os altares do estilo João V se diferenciam dos barroco-portugueses por possuírem volumetrias mais côncavas, de perspectiva mais acentuada e os arcos já não romanos, mas com contornos diferentes, com contracurvas. Não por acaso, em terras lusófonas, o arco barroco formado com contracurvas é também conhecido por arco joanino.

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Fig.109: Modelo tipológico do retábulo joanino. Desenho: Mateus Rosada, 2015.

Nos mesmo retábulos, a mesa do altar, até então, nas fases anteriores, de formato retangular, ganha, em alguns exemplares, forma abaulada nas laterais, acompanhando a curvatura dos níveis do trono. Até então um pouco dissociada do conjunto retabular, ela se torna o primeiro desses degraus, formando com eles uma unidade (ALVIM, 1997, p.75). Atrás do altar, o primeiro nível da base se compõe de pedestais geralmente ornados com cartelas. As mísulas, no segundo nível, já não possuem formas vegetalistas como no estilo anterior: são grandes volutas, que recebem, em alguns casos, decoração com guirlandas e querubins. Na altura do corpo do retábulo, as colunas continuam torças e são pseudossalomônicas na quase totalidade dos casos paulistas. Há apenas dois exemplares de colunas salomônicas no Estado: no retábulo da Conceição da Ordem Terceira de São Francisco e nos colaterais da Igreja de Santo Antônio da capital. Uma mudança da ornamentação das colunas é bastante perceptível: os elementos fitomorfos não as

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cobrem por completo como acontecia anteriormente, apenas se enredam nos sulcos das suas voltas helicoidais. E o vocabulário não se baseia mais em videiras e pássaros, mas em flores e rosas, muitas vezes adornadas com laçarotes. Essa diferença é um dos parâmetros visuais que facilita a identificação de uma coluna de estilo Barroco Português de outra joanina.

a b c Fig.110: Coluna de estilo barroco português do Jazigo da Ordem Terceira de São Francisco de São Paulo (a) e as colunas joaninas do retábulo da Conceição da Igreja das Chagas do Seráfico (b) e da Igreja de Nossa Senhora do Brasil (c). Fotos: Mateus Rosada, 2015.

Também os capitéis são diferentes: os de estilo anterior são geralmente coríntios (não possuem equino e têm oito volutas na altura do ábaco), enquanto que os joaninos são todos compósitos, com quatro volutas na parte superior e rosetas ao centro, e divididos em dois corpos, praticamente a sobreposição de um capitel jônico sobre um coríntio. Deste estilo para a frente, o arremate das colunas será sempre compósito. O padrão coríntio só voltará a ser usado em poucos exemplares do estilo imperial. Os elementos decorativos aplicados nos intercolúnios e coroamentos dos retábulos também são diferentes. Não há mais pilastras, de seção retangular, a composição é sustentada por duas colunas de cada lado, apenas, com a constante presença de peanhas e dosséis entre elas para abrigar outros santos de devoção da casa. Acima da arquitrave, que continua rompida pelo camarim, são inseridos arremates assentes sobre as prumadas das colunas. São vasos, ânforas, grandes volutas e pedestais que preparam o apoio dos arcos joaninos, que se instalam à frente das arquivoltas do coroamento, e são compostos por sanefas ornadas de lambrequins. Ao mesmo tempo, a ornamentação das arquivoltas, que agora ficam ao fundo, atrás de arranques de frontão, sanefas, anjos, etc., torna-se menos carregada. No cimo, ao centro, as igrejas paulistas recebem, invariavelmente, uma tarja sobre a chave do arco.

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Capítulo 2 - Ornamentação

Há uma profusão de elementos imitativos, como flores, guirlandas, cortinados e sanefas. Os enrolamentos das cartelas tornam-se menos protuberantes e sua forma deixa de se basear apenas no padrão das folhas de acanto: há enrolamentos puros, apenas volutas, sem elementos fitomorfos, mesclados a outros de aparência vegetalista e alusões a contas de pérolas, fitas e cornucópias. A ornamentação toda, em seu geral, é menos carregada, menos profusa, mais equilibrada. É abolida a inserção de pássaros ou outros animais na composição, mas são mantidos elementos antropomorfos, como anjos, putti, atlantes e cariátides, que aparecem na maioria dos exemplares paulistas. Na decoração de superfícies é possível ver elementos de uma segunda fase do joanino presentes em São Paulo, sob influência do chamado Estilo Regência, padrão ornamental de origem francesa que se popularizou a partir de 1720 na metrópole, quando D. João V, que contratou diversos artistas franceses para realizar trabalhos na corte portuguesa. Alguns deles seriam desenhistas na Academia Real de História, criada pelo monarca (OLIVEIRA, 2003, p. 141). Elementos como cabeças com plumas, bustos, espagnolettes, arabescos planos e vasos de flores caracterizam essa influência.

b a c Fig.111: Elementos das segunda fase do barroco joanino em altares paulistas: anjo com penacho em mísula da Igreja de Nossa Senhora do Brasil (a), espagnolette (b) e vaso de flores (c) em retábulo colateral da Igreja de Santo Antônio da capital. Fotos: Mateus Rosada, 2015.

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^ Fig.112: Planta de um retábulo joanino. Desenho: Mateus Rosada, 2015. Fig.113> Retábulo joanino em corte. Desenho: Mateus Rosada, 2015.

Nos retábulos de estilo joanino, o movimento das partes se acentua: ao invés de uma sucessão de planos paralelos e escalonados, como vemos nos do estilo Barroco Português, os deste padrão fazem uso intercolúnios curvos ou oblíquos, que distanciam o plano das colunas externas do plano das colunas internas. Também faz-se uso de camarins mais profundos. Também em planta os elementos ganham mais movimento: a mesma curva presente no arco joanino se apresenta nas linhas do supedâneo, do sacrário e dos degraus do trono: todos ondulam para a frente; o trono, também para os lados. O escadório, no entanto, torna-se mais regular: diferentemente de um trono Barroco Português, o Joanino possui níveis quase sempre com o mesmo desenho, enquanto que no movimento anterior, todos os degraus são diferentes. Altares de estilo João V também são poucos no Estado. Se encontram hoje em onze igrejas e foram produzidos em apenas seis municípios paulistas:

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Capítulo 2 - Ornamentação

Fig.114: Cidades com exemplares de talha joanina. 1. Santana de Parnaíba, 2. Embu das Artes, 3. São Paulo, 4. Mogi das Cruzes, 5. Itanhaém, 6. Santos. Desenho: Mateus Rosada.

EXEMPLARES DE TALHA DE ESTILO JOANINO (11) Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Embu das Artes (retábulo-mor e da sacristia - 1735) Igreja de Santana, Mosteiro de São Bento, Sorocaba (c.1740) – retábulo oriundo do antigo mosteiro beneditino de Santana de Parnaíba Igreja das Chagas do Seráfico Pai São Francisco, Ordem Terceira da Penitência, São Paulo (retábulos da Conceição 1735-40 - e de São Miguel - c.1750) Igreja de Santana, Mosteiro de São Bento, Jundiaí (coroamento do retábulo, c.1750) Igreja do Convento de Santo Antonio do Valongo, Santos (retábulo da Capela da Ordem Terceira - 1741) Igreja de Santo Antônio, São Paulo (retábulos colaterais e da sacristia - 1747) Santuário do Bom Jesus dos Perdões, Bom Jesus dos Perdões (Retábulo da Capela do Santíssimo - c.1750) Igreja de Nossa Senhora do Brasil, São Paulo (1750) – retábulo oriundo da antiga Matriz de Santana de Mogi das Cruzes Igreja de Nossa Senhora do Desterro, Mosteiro de São Bento, Santos (retábulo-mor e um lateral - c.1760) Igreja Matriz de Santana, Itanhaém (retábulos colaterais - 1761) Basílica de Nossa Senhora do Carmo, São Paulo (colunas do nível inferior, cartelas da base e do coroamento do retábulo-mor - 1766)

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Durante esse período, atuaram poucos entalhadores nos domínios paulistas, de modo que conseguimos identificar quatro padrões de traço diferentes. Dois casos isolados, do retábulo-mor da Basílica do Carmo de São Paulo e do retábulo da Capela da Ordem Terceira Franciscana de Santos (que teria sido importado de Lisboa – DE BIASI, TAMBUR, MOTTA, 1995, p.72). Os demais se dividem em dois grupos, que chamamos de Grupo do Embu e Grupo Luiz Rodrigues Lisboa. Tratamos detalhadamente destes últimos no item 2.4.6 da tese.

a b Fig.115: Retábulos joaninos da Ordem Terceira de São Francisco de Santos (a) e do Mosteiro de São Bento de Sorocaba (b). Ambos são remontagens. Fotos: Mateus Rosada, 2013 (a), Clemente da Silva-Nigra, 1988 (b).

Quase contrariando nossas observações, temos dois retábulos-mores, na Igreja do Rosário do Embu e na Igreja de Santana do Mosteiro de São Bento de Sorocaba, feitos certamente por artífices do mesmo grupo, cuja estrutura e disposição dos elementos escapa do padrão aqui descrito. São retábulos planos, alinhados totalmente na mesma parede, sem a proposta de concavidade que a estrutura apresentaria em planta. Ambos também estão instalados em capelas com tetos artesoados sextavados e não possuem coroamento, mas sim dois andares muito semelhantes entre si. Essa estruturação mais plana e em andares manteve-se no norte de Portugal (FERREIRA-ALVES, 2010), concomitantemente a disposição obliqua mais recorrente nos altares deste estilo, e é uma persistência de um modelo retabular ainda do maneirismo, o primeiro estilo que vimos aqui.

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Capítulo 2 - Ornamentação

Todos os demais altares joaninos de São Paulo mantém estruturas de planta côncava/oblíqua e coroamento em arquivoltas concêntricas, como os apresentados abaixo.

b a Fig.116: Retábulos-mores joaninos das igrejas de Nossa Senhora do Brasil, em São Paulo (a) (antigo altar lateral da Igreja de Santana de Mogi das Cruzes) e de Santana, do Mosteiro de São Bento de Santos (b), cujo camarim foi alterado. Fotos: Mateus Rosada, 2013.

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2.3.4 ROCOCÓ (1759-1871)

O rococó, estilo predominante nos retábulos das igrejas analisadas neste estudo, nasceu na segunda metade do século XVII, na França, como um movimento estritamente civil, embrionado na corte, e de intenção leve e frugal, a celebrar os prazeres terrenos, inicialmente sem qualquer comprometimento com a religião. Em Portugal, na primeira metade do século XVIII, paralelamente à importação de profissionais italianos pela corte olissiponense, o país tomava contato com a estética rococó, graças à profusão de gravuras com elementos do estilo rocaille, oriundas do sul da atual Alemanha, especialmente da cidade de Augsburgo. O estilo decorativo foi muito divulgado em toda a Europa através de gravuras produzidas na cidade bávara, que nesse período era um grande centro de produção de material impresso. Tais estampas eram ...portadoras de repertório temático e formal internacionalizado que tocou toda a Europa e as colónias americanas dos países Ibéricos. Em grande parte de origem francesa, encontraram em Jeremias Wolff um dos principais editores dessas formas, que seduziam pela plasticidade e que vinham afinal ao encontro do gosto de encomendadores e artistas do Noroeste. Os conventos da região, como o de Tibães, conservavam nas suas bibliotecas colecções dessas edições que, juntamente com os Registos dos Santos, vendidos em festas e romarias, constituirão factores de divulgação das formas rocaille (PEREIRA, 1992, p.137-8).

Interessante é que o rococó surgiu como um estilo estritamente aristocrata e civil, que só em algumas regiões foi incorporado à decoração eclesiástica. Ora, essa assimilação pela Igreja acabava por ser apropriada naquele momento, no Século das Luzes, graças à valorização do homem e do hedonismo que atravessa a centúria, fazendo da busca da felicidade e do prazer uma obsessão constante na vida do homem setecentista (OLIVEIRA, 2003, p.52). Aos poucos, a forma de ver e sentir o mundo, que caminhou num crescendo de consenso entre a população europeia, inicialmente na França e depois irradiada pelo continente, associou-se à corrente filosófica que pregava que o correto seguimento dos preceitos divinos faria do homem um ser virtuoso e que, por isso, gozaria de alegria e prazer ainda no plano terrestre. Dessa forma, o estilo rocaille, inicialmente frugal, mas decorativo por natureza, passa a ser aceito na ornamentação dos templos católicos, popularizando-se, em sua vertente agora religiosa, especialmente no sul da atual Alemanha (regiões da Francônia, Suábia e Bavária), República Tcheca (Boêmia), Portugal e Brasil. Viria a ser, no último quartel do século XVIII e no início do seguinte, o estilo dominante nas igrejas que então se construíam ou se reformavam nesses locais. Entre 1750 e 1800, o rococó florescente em Portugal geraria uma talha requintada, sob o reinado de D. José e depois, sob o de D. Maria I, prolongando-se além da permanência do estilo em outros países europeus. A linguagem decorativa do estilo rococó se subordinaria a elementos classicizantes de caráter arquitetônico. Entre as obras mais destacadas está o retábulo-mor da igreja de São Martinho de Tibães, que apresenta elementos identificáveis em gravuras de J. Rumpp, em publicações de En-

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gelbrecht e Stockman, publicadas por Hertel. A presença de elementos ohrmuschelstil (auriculares), denuncia a influência da Baviera, no Sul da Alemanha (BONAZZI DA COSTA, 2014, p.87).

E enquanto em Lisboa, sede do governo, adotava um estilo de barroco tardio mais italianizado, denominado pombalino (OLIVEIRA, 2003, p.124-128), uma espécie de estilo oficial do Reino, o norte, região com outras relações comerciais e outras influências, maior contato com comerciantes ingleses e alemães e, além de tudo, alimentando uma rivalidade com a capital, resistiria à adoção do estilo cortesão e continuaria criando variações dentro do vocabulário rococó. A aventura barroca da arquitetura portuense detinha-se assim, para além de inevitáveis anacronismos, cedendo lugar a uma nova estética de uma sociedade em transformação. (...) Mas a vitalidade do barroco continuava actuante no Norte. Trata-se do prolongamento de um estilo, numa situação tardo-barroca que aceita o vocabulário rocaille em oposição à racionalidade pombalina, erigida então em discurso oficial (PEREIRA, 1992. p.137-8).

No Brasil, as primeiras igrejas recebem ornamentação rococó em meados do oitocentos. Isso se dá em cidades costeiras, e o estilo é assimilado aos poucos em direção aos núcleos do interior. O primeiro templo a conhecer o novo padrão foi a Igreja de Santa Rita, no Rio de Janeiro, em 1753 (OLIVEIRA, 2003, p.183; NARA JÚNIOR, 2016). Poucos anos depois, chegava a São Paulo: o retábulo em estilo rocaille mais antigo do Estado é o da Igreja da Ordem Terceira do Carmo, que teve sua confecção iniciada em 1759 e concluída dois anos depois. A segunda metade do século XVIII foi para Capitania um período de crescimento econômico e acréscimo populacional, com muitas reformas, ampliações e reconstruções de igrejas, tanto na capital como no litoral e em outros centros da então Capitania. Essa mudança de dinâmica, com um grande número de edificações e reedificações, levou à concentração de artífices para dar conta da decoração de mais de uma dezena de igrejas que se refazia na capital (SILVA-NIGRA, 1958. p.821-37). Nesse momento, podese afirmar que houve, com certeza, uma “escola paulista” de profissionais e artistas (ARAÚJO, 1997). E o gosto pela ornamentação rocaille foi tanto em São Paulo que o estilo predominou em nossas igrejas até a década de 1830, cedendo espaço a outras correntes somente a partir de então, mas com exemplares “temporães” até a década de 1870.

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Fig.117: Modelo tipológico do retábulo rococó. Desenho: Mateus Rosada, 2015.

O padrão de um retábulo rococó paulista difere um pouco do que se encontra em outras partes do Brasil, por esse motivo, o desenho acima e a descrição podem ser divergentes do que se encontra na literatura a respeito do tema. Primeiramente, a disposição geral dos elementos estruturantes (base, colunas e coroamento) mantêmse, na maioria dos exemplares, com a mesma forma dos altares joaninos: base formada por pedestais quadrangulares, colunas e entablamento dispostos ortogonalmente, sem formar ângulos, e coroamento com arco joanino à frente das arquivoltas concêntricas. Os elementos aplicados, de sabor rocaille, e alguns detalhes os identificam como rococós. Na base, a mesa do altar mantém igual formato ao do joanino, com as laterais abauladas. Também o supedâneo continua com linhas ondulantes. No segundo nível da base, os apoios das colunas são quase sempre formados ainda por mísulas. Estas, por sua vez, possuem ornamentação menos carregada de motivos rococós ou são lisas, não possuem nenhum ornamento. As mísulas deste estilo geralmente são maiores e têm seus enrolamentos escapando para os lados no eixo axial.

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O corpo ainda tem a mesma distribuição de elementos. As colunas deixam de ser torças: algumas são lisas, outras apresentam caneluras retilíneas em alguns casos, caneluras essas que com o tempo passam a ser substituídas pelos mais variados tratamentos: filetes de ramos, guirlandas, flores pendentes, molduras delgadas, etc., muitas vezes fazendo a divisão ou marcação do terço inferior das estruturas. Em um número menor de casos, as prumadas estruturais centrais são substituídas por colunas misuladas, muito semelhantes aos quartelões de fases anteriores, porém mais delgados e com capitéis. Os intercolúnios, como no estilo anterior, são oblíquos ou côncavos e, na maioria das vezes, recebem peanhas e dosséis para se colocarem neles imagens de santos secundários. O coroamento possui um fundo menos decorado que os retábulos do joanino, dando-se destaque maior aos arranques de frontão, volutas e pedestais que se colocam à frente das arquivoltas. Os arcos que arrematam os nichos mantêm-se joaninos em quase metade dos exemplares e voltam a ser plenos na outra metade deles. Em ambos os casos, os arcos são arrematados na parte inferior com lambrequins e sobre eles, ao centro, coloca-se uma tarja. Há exemplares paulistas de influência mineira e fluminense em que a tarja é substituída por um frontão ladeado de volutas e com um resplendor ao centro e, no vale do Paraíba, no caminho entre Rio e São Paulo, um padrão transicional, entre a tarja e o frontão.

a

c

b Fig.118: Coroamentos de retábulos rococós do Estado de São Paulo: o padrão mais comum, com tarja central, na Igreja das Chagas do Seráfico (a), o padrão mediano, entre o modelo paulista e o fluminense, da Igreja da Ordem Terceira do Carmo de Mogi das Cruzes (b), e o padrão fluminense, com frontão ladeado de volutas, na Catedral de Guaratinguetá (c). Fotos: Mateus Rosada, 2014.

Por fim, a grande diferenciação está nos elementos decorativos, e não nos estruturais, que são mais espaçados e delgados, aplicados com maior parcimônia, conferindo aos retábulos um aspecto mais limpo, menos carregado. Os apliques das superfícies e colunas definem um retábulo como rococó: os dois ornatos encontráveis nesse estilo são a rocalha e o auricular.

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A rocalha, elemento de origem francesa, tem sua forma derivada da fusão da voluta com a concha, resultando numa composição livre, esgarçada, com curvas de abas estriadas que fazem uma espécie de moldura aos enrolamentos. Quando feita em talha, pode possuir estrias e vazados. Muitas vezes, sua aparência pode chegar assemelhar-se com elementos aquáticos, como líquens, e em obras mais recentes, geralmente já do século XIX, o grau de deformação das rocalhas pode chegar a tal ponto que configura um amorfismo, ou seja, a forma se torna tão fluida que não remete mais a nenhum elemento da natureza, torna-se abstrata. O auricular surge nos países que hoje formam o sul da Alemanha e Áustria e derivam do movimento artístico ohrmuschelstil, cujos padrões chegaram no século XVIII ao norte de Portugal através de gravuras ornamentais, como as elaboradas por Friedrich Unteutsch de Frankfurt (BONAZZI DA COSTA, 2014, p.247). Baseiam-se geralmente em volutas com os dorsos e intradorso decorados com elementos conchóides e variantes dessa forma. Nos altares paulistas, os auriculares sofreram algumas simplificações e os conchóides passaram a se assemelhar a leques de pétalas, numa conformação única e localizada que possibilita a identificação, pela iconografia, que determinado retábulo é do rococó paulista. O rococó paulista se autonomiza e passa a apresentar algumas características próprias, como a quase inexistência de figuras humanas (anjos ou cariátides), a simplificação das linhas dos retábulos, que chegam a apresentar fustes lisos, elemento raro em outros lugares, e o uso extensivo de auriculares nas cartelas dos retábulos. Os auriculares, no Estado de São Paulo, vão ainda ter uma característica única: apresentam uma composição de elementos semelhantes a pétalas dispostos de forma bastante regular, em leque, nas partes convexas das volutas, composição esta que não encontramos em outros estados brasileiros. Esse padrão de auricular, utilizado pelo entalhador José Fernandes de Oliveira, foi repetido à exaustão por outros artífices até a década de 1830. (ROSADA, BORTOLUCCI, 2014. v. 1. pág. 232-33).

a b c Fig.119: Ornamento em folha de acanto (a) (Gabriel Huquier, 1695-1772), típico do barroco, e ornamentos característicos do rococó: rocalha (b) e auricular (c). Desenho: Gabriel Huquier (Foto: Mateus Rosada, 2014 (c).

O movimento, que nos estilos anteriores é sempre ascendente e tem um sentido de crescimento, aqui, ao mesmo tempo em que sugere a ascensão, arremata com um elemento menor descendente, dando um aspecto às peças de que elas seriam “moles”, num movimento diverso do dos ornamentos fitomorfos anteriores.

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Fig.120: Rocalhas que ornamentam os coroamentos dos retábulosmores das igrejas de Santo Antônio (a) e da Ordem Terceira do Carmo (b), ambas em São Paulo. Note como em ambos os casos as formas livres, esgarçadas e retorcidas das rocalhas possuem movimentos para várias direções, inclusive para baixo, agarrando-se à cornija sob elas em elementos denominados agrafes. Fotos: Mateus Rosada, 2014 (a,b)

a

b

Já em retábulos da virada para o século XIX para adiante, são retomados alguns elementos pendentes, como flores e guirlandas, demonstrando que a intenção de movimento iniciada no barroco, sempre para cima, começa a sofrer uma inflexão da direção no rococó, que mantém o sentido ascensional (FERRO, 2010) mas indica alguns elementos de retorno, direcionando para a noção de estática e de gravidade presente no neoclassicismo.

^ Fig.121: Planta de um retábulo Rococó. Desenho: Mateus Rosada, 2015. Fig.122> Retábulo Rococó em corte. Desenho: Mateus Rosada, 2015.

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Ao se observar a planta de um retábulo rococó, poder-se-á perceber que a estruturação de planos mantêm-se muito semelhante ao joanino. Os altares continuam com planos ortogonais na linha das colunas e oblíquos ou côncavos nos intercolúnios, numa organização mais contida que em outros estados brasileiros, onde as colunas se colocam em outros ângulos e a movimentação é mais intensa. Mesmo o trono passa a ter uma conformação um pouco mais rígida, geralmente com mais degraus. Também nesse período existem vários casos em que se insere um nicho para o padroeiro logo acima do sacrário e criase um segundo, menor, no cimo do trono, para a colocação de um crucifixo ou da simbologia do Espírito Santo. Dos remanescentes que analisamos nesta pesquisa, a maioria retábulos, mais da metade, é rococó. Pode-se afirmar, com segurança, que rococó é o estilo predominante das igrejas paulistas da Colônia e do Império e é encontrável em quase toda a área abrangida por esta pesquisa, diferentemente dos outros estilos anteriores, mais localizados , na Baixada Santista e no entorno de São Paulo. O rol que se segue é extenso, com 29 cidades e 81 templos:

Fig.123: Cidades com exemplares de talha rococó. 01. Porto Feliz, 02. Sorocaba, 03. Itu, 4. Itatiba, 05. Jarinu, 06. Atibaia, 07. Piracaia, 08. Cotia, 09. Santana de Parnaíba, 10. Barueri, 11. São Paulo, 12. Itanhaém, 13. Santos, 14. Guarulhos, 15. Suzano, 16. Mogi das Cruzes, 17. Jacareí, 18. Guararema, 19. Caçapava, 20. Ilhabela, 21. Tremembé, 22. Taubaté, 23. Pindamonhangaba, 24. Aparecida, 25. Guaratinguetá, 26. Cunha, 27. Queluz, 28. Areias, 29. São José do Barreiro. Desenho: Mateus Rosada.

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EXEMPLARES DE TALHA ROCOCÓ (81) Igreja da Ordem Terceira do Carmo, São Paulo (1759-1761) Catedral Metropolitana de Nossa Senhora da Assunção, Catedral da Sé, São Paulo (1762 - demolida) Basílica de Nossa Senhora do Carmo, São Paulo (mísulas, peanhas, dosséis, sanefa e altar do retábulo-mor - 1766) Basílica de Nossa Senhora do Carmo, São Paulo (retábulo do Senhor Morto - 1766) Capela de Nossa Senhora da Escada, Barueri (c.1770) Capela de Nossa Senhora dos Remédios, Jacareí (c.1770) Basílica Abacial de Nossa Senhora da Assunção, Mosteiro de São Bento, São Paulo (tarja - c.1770) Igreja Conventual de Nossa Senhora do Carmo, Santos (retábulo-mor - c.1770) Igreja de São Gonçalo Garcia, São Paulo (mísulas, cartelas e trono do altar-mor - c.1770) Basílica Velha de Nossa Senhora Aparecida, Aparecida (tribunas - c.1770) Igreja de Santo Antônio Galvão, Mosteiro da Luz, São Paulo (retábulo da antiga ermida, no MAS - 1774) Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, Cunha (Retábulo-mor e laterais - c.1780) Igreja de São Francisco, São Paulo (retábulo-mor - c.1780) Igreja Matriz de Santo Amaro, São Paulo (mesas dos altares - c.1780) Igreja de São José de Anchieta, Colégio Jesuíta, São Paulo (altar de São José de Anchieta, remontagem do antigo altar de Santana - c.1780) Igreja de Santa Cruz das Almas dos Enforcados, São Paulo (retábulo-mor - c.1780) Igreja Matriz de Nossa Senhora Mãe dos Homens, Porto Feliz (retábulos colaterais e 2 laterais - c.1780) Catedral de Santo Antônio, Guaratinguetá (retábulos mor, do transepto e dois da nave - c.1780) Igreja de São Gonçalo Garcia, São Paulo (altares colaterais, colunas e cartelas do altar-mor - c.1780) Basílica Velha de Nossa Senhora Aparecida, Aparecida (balaústres e sanefas das tribunas - c.1780) Igreja de Nossa Senhora do Carmo, Itu (1782) Igreja Matriz de Nossa Senhora da Candelária, Itu (1786) Igreja de São Francisco, São Paulo (retábulos colaterais - 1787) Igreja de Bom Jesus, Itu (partes dos retábulos de São José e Nossa Senhora - c.1790) Igreja Matriz de Nossa Senhora Aparecida, Aparecidinha, Sorocaba (c.1790) Igreja do Mosteiro de Nossa Senhora da Imaculada Conceição e Santa Clara, Sorocaba (c.1790) Igreja Conventual de Nossa Senhora do Carmo, Mogi das Cruzes (retábulo de São José - c.1790) Basílica Abacial de Nossa Senhora da Assunção, Mosteiro de São Bento, São Paulo (tarja - c.1790) Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, Cunha (retábulos colaterais - c.1790) Igreja de Santo Antônio, São Paulo (retábulo-mor - c.1790) Igreja do Bom Jesus, Itu (c.1790) Igreja das Chagas do Seráfico Pai São Francisco, O. T. da Penitência, São Paulo (retábulo-mor e colaterais - 1791) Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Mogi das Cruzes (retábulos laterais - 1792) Catedral de São Francisco das Chagas, Taubaté (1792) Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, Cunha (1793) Santuário do Bom Jesus de Tremembé, Tremembé (1795) Igreja Matriz de São João Batista, Atibaia (1795-1797) Igreja de Nossa Senhora da Conceição, Itanhaém (retábulo-mor – c.1800) Igreja Conventual de Nossa Senhora do Carmo, Santos (retábulos laterais próximos ao coro - c.1800) Igreja de Nossa Senhora do Desterro, São Bento, Santos (retábulo lateral esquerdo - c.1800)

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Capela do Cemitério do Carmo, São Paulo (c.1800) Igreja Conventual de Nossa Senhora do Carmo, Mogi das Cruzes (retábulo do Coração de Jesus - c.1800) Santuário do Bom Jesus de Tremembé, Tremembé (retábulos colaterais - c.1800) Santuário de Nossa Senhora do Bonsucesso, Pindamonhangaba (ret. da Conceição e Santa Rita - c.1800) Igreja Matriz de Nossa Senhora do Monte Serrate, Cotia (c.1800) Catedral de Nossa Senhora da Conceição, Guarulhos (c.1800) Igreja Matriz de Santana, Mogi das Cruzes (demolida) (retábulo-mor - c.1800) Igreja Matriz de Santana, Santana de Parnaíba (c.1800) Igreja Conventual de Nossa Senhora do Carmo, Mogi das Cruzes (retábulo do Cristo Agônico - c.1800) Igreja Matriz de Santana, Areias (c.1800) Capela de São Sebastião do Avareí, Jacareí (c.1800) Capela de Nossa Senhora do Rosário, Jacareí (retábulo colaterais - c.1800) Igreja Conventual de Nossa Senhora do Carmo, Mogi das Cruzes (retábulo-mor e retábulo de Santo Alberto - c.1800) Basílica de Nossa Senhora do Carmo, São Paulo (retábulos laterais - c.1800) Igreja Matriz de Nossa Senhora Mãe dos Homens, Porto Feliz (retábulo-mor - c.1800) Igreja do Convento de Santo Antonio do Valongo, Santos (retábulo-mor, colaterais e S. Benedito - 1802) Igreja de Santo Antônio Galvão, Mosteiro da Luz, São Paulo (1802) Capela de Nossa Senhora da Ajuda, Guararema (1805) Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Mogi das Cruzes (retábulo-mor - 1805) Igreja Matriz de Nossa Senhora da Imaculada Conceição, Jacareí (retábulos laterais - 1805) Igreja Matriz de Nossa Senhora da Candelária, Itu (retábulo de Santa Rita - 1806) Santuário do Senhor Bom Jesus do Matosinhos (Igreja de São Benedito), Mogi das Cruzes (c.1810) Igreja de Nossa Senhora do Pilar, Taubaté (c.1810) Igreja Matriz de Nossa Senhora Mãe dos Homens, Porto Feliz (retábulo de São José - c.1810) Capela de Nossa Senhora do Bom Conselho, Taubaté (c.1820) Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Piracaia (altar do Santíssimo - c.1820) Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Santos (1821) Igreja de Nossa Senhora da Boa Morte, São Paulo (1821) Igreja de Nossa Senhora dos Remédios, São Paulo (c.1825) Igreja Matriz de Nossa Senhora da Ajuda, Ilhabela (1825) Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Itatiba (1827) Igreja das Chagas do Seráfico Pai São Francisco, O. T. da Penitência, São Paulo (retábulos da nave - 1828) Igreja Matriz de Nossa Senhora do Carmo, Jarinu (1830) Igreja Matriz de São José, São José do Barreiro (retábulo-mor - 1839) Capela de Nossa Senhora da Piedade (Capela das Palmeiras), Baruel, Suzano (c.1840) Igreja de Santa Rita, Guaratinguetá (1846) Igreja Matriz de São João Batista, Caçapava (1850) Basílica de Nossa Senhora do Carmo, Campinas (hoje na Matriz de Santana de Analândia - 1854) Igreja de Santa Rita, Itu (c.1860) Igreja Matriz de São João Batista, Queluz (1871)

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Como o rococó apresenta-se na talha de tantas igrejas, foi possível perceber muitas variações regionais, exemplares isolados e estilizações populares do movimento. Tratamos dos principais grupos de entalhadores que atuaram no Estado de São Paulo no item 2.4 deste trabalho, evidenciando, com maior detalhamento, as influências externas e os padrões aqui desenvolvidos, que diferem da arte retabular executada em outras partes do país. Durante os setenta anos em que o rococó foi o estilo dominante em São Paulo, tivemos a introdução da ornamentação auricular, trazida por entalhadores norte-portugueses como Bartholomeu Teixeira Guimarães (responsável pela talha da Matriz de Itu), que se desenvolveu de forma autônoma em terras paulistas. Ao mesmo tempo, a influência da capital da Colônia, depois Reino Unido e por fim, do Império, o Rio de Janeiro, se fez sentir, especialmente no Vale do Paraíba, no caminho que ligava o Piratininga à corte, em uma talha muito semelhante à do mestre carioca Inácio Ferreira Pinto. Também nesse trecho, criou-se mais um padrão rococó que era intermediário entre a estrutura arraigada dos paulistas e o padrão fluminense, sob as mãos do entalhador João da Cruz. Há ainda, variações mais sutis de padronagem, que não conseguiremos descrever com minúcias nesta tese, formadas da fusão de elementos de dois grupos distintos de entalhadores paulistas ou a variação dos temas que estes utilizavam. Uma característica quase que geral do rococó produzido em São Paulo é a sua limpeza de formas. Mesmo em igrejas de ordens, irmandades e cidades ricas/enriquecidas, como o Carmo paulistano ou a Matriz de Itu, os conjuntos retabulares são mais contidos, menos voluptuosos que em outras terras. Se os retábulos paulistas forem colocados lado a lado, em comparação com obras de outros estados brasileiros do mesmo estilo, ficará nítida a decoração mais austera e menos efusiva feita nestas terras. Parece que os paulistas se acostumaram com pouco nos dois primeiros séculos e tornaram-se mais econômicos nos séculos seguintes. Seria essa parcimônia um rastro do gosto espanholizado dos paulistas que Aracy Amaral (1981) tanto fala? Em uma ótica a partir do outro lado, o dos espanhóis, temos a afirmação do professor Fernando Quiles, da Universidade Pablo de Olavide (Sevilha): em colóquio oral do qual participamos, ele afirmou que os espanhóis, ao observarem algum objeto muito carregado de elementos, afirmam até os dias atuais ser aqui “tão português”. Colocamos, na sequência, alguns retábulos deste estilo encontrados no Estado. Optamos por mostrar aqui exemplares que não aparecem no item seguinte da tese, quando nos debruçaremos em descrições pormenorizadas dos grupos de artífices que aqui atuaram.

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c d Fig.124: retábulos-mores paulistas do período rococó com coroamento com tarja: igrejas da Conceição de Cunha (a), de Nossa Senhora Mãe dos Homens de Porto Feliz (b), do Carmo de Itu (c) e da Ordem Terceira do Carmo de Santos (d). Fotos: Mateus Rosada, 2013-2015.

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c d Fig.125: retábulos-mores paulistas do período rococó, com coroamento em frontão: igrejas de Santo Antônio de São Paulo (a), de Santana de Parnaíba (b), de Santo Antônio Galvão do Mosteiro da Luz (c) e do Carmo de Jarinu (d). Fotos: Mateus Rosada, 2013-2015.

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c d Fig.126: Retábulos-mores paulistas do período rococó com estilizações: igrejas de Nossa Senhora da Ajuda de Ilhabela (a), de Santa Rita de Guaratinguetá (b), de Nossa Senhora dos Remédios de Jacareí (c) e de São João de Queluz (d). Fotos: Mateus Rosada, 2013-2015 (a, b, d); Acervo do Museu Antropológico do Vale do Paraíba (c).

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Capítulo 2 - Ornamentação

2.3.5 IMPERIAL (1820-1891)

O século XIX foi um período muito movimentado, tanto política como economicamente para o país. A transferência da Coroa para o Rio de Janeiro significou a vinda maciça de artistas com padrões estéticos outros que não haviam se fixado nas decorações realizadas na colônia ou até mesmo sofriam resistência por parte dos artífices que aqui atuavam. Vale lembrar que os portugueses que se fixavam no Brasil daquele período eram predominantemente do norte do país, região que torcia o nariz para alguns padrões estéticos de Lisboa e que era ainda muito ligada ao estilo rococó. Em terras paulistas, esse perfil não era diferente: o número de portugueses do Minho respondia por quase metade da população imigrante da capital. Em 1801, em São Paulo, 45% dos homens portugueses provinham do Minho, 20% dos Açores e 16% de Lisboa (GENI, s.d.), 19% eram de outras partes. Já em fins do século XVIII, alguns estilos que se aproximavam do neoclassicismo popularizaram-se em Portugal, mas não alcançaram grande difusão no norte e muito menos nas terras de aquém-mar. Na região de Lisboa, padrões decorativos que levaram os nomes dos monarcas D. José I e D. Maria I custariam um pouco para atingir regiões mais distantes da corte. O mesmo aconteceu com o barroco tardio italianizado bancado e incentivado pela Coroa: o pombalino, que sofreu resistência no Norte e, no Brasil, apareceu em pouquíssimos exemplares religiosos nas cidades litorâneas do Rio de Janeiro, do Recife e de Belém do Pará (OLIVEIRA, 2003, p.124-128). Nesse contexto, a transferência da corte para o Rio de Janeiro significou uma ruptura e uma novidade para as artes que se faziam até então no Brasil, e trouxe gostos diferentes dos que os brasileiros e, por conseguinte, os paulistas estavam acostumados. É certo que padrões ornamentais dos estilos como o D. Maria I e o pombalino já se faziam presentes no Brasil desde fins do século XVIII, mas eram, até então, pouco difundidos. Nas últimas décadas do século XVIII, o mobiliário português, e por extensão o móvel brasileiro, submeteu-se a variações, que sugerem a transição do rococó ao neoclassicismo, cujo nome adotado foi estilo D. Maria I (1777-1792). Na mobília chamada de D. Maria I, ao lado do rococó, formas mais sóbrias se delinearam. As pernas dos móveis ganharam um corte circular, ou seja, tornaram-se cilíndricas com estrias, como colunetas, desaparecendo, assim, o cabriolé. Os novos elementos decorativos adotados foram os fios de pérola, os festões de flores, com, aliás, flores miúdas e laços de fita, entalhados em madeira e vazados (BRANDÃO, 2010, p.48).

Esses estilos seriam mais rapidamente assimilados, graças à vinda das missões artísticas promovidas por D. João VI, assim como a instalação da Escola de Belas-Artes (1816), que se tornaria um centro difusor de uma arte acadêmica no país. A partir, então, das primeiras décadas do século XIX, padrões estéticos pautados por linhas mais sóbrias, como os encontrados no mobiliário D. Maria I e mesmo no neoclassicismo, encontrariam espaço no Brasil.

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O novo gosto [neoclássico], pautado em linhas despojadas, claridade de formas e cores, substituiu as linhas curvas por retas e o dourado pelo branco (TIRAPELI, 2003: 50). Enquanto o neoclássico se difundia e novas construções já seguiam esse estilo, as igrejas, no entanto, provavelmente por razões de pompa, levaram muito tempo para aplicarem o novo padrão em seus interiores. Nos altares confeccionados durante o século XIX permaneceu um vocabulário mais hibridizado, entre o rococó e o classicismo. Do lado de fora, nas fachadas dos templos, ao contrário, o neoclássico foi mais rapidamente aceito e, portanto, é muito comum para as igrejas de São Paulo do oitocentos exibirem interiores extremamente trabalhados, com fortes traços da tradição da efusão do século XVIII, ao mesmo tempo em que ostentam fachadas neoclássicas, como ocorre, por exemplo, na Igreja Matriz de Areias e ocorria à Matriz de Jacareí, que chegou a ostentar uma fachada classicista ao mesmo tempo em que possuía talha rococó e imperial, antes de ter seu retábulo-mor removido, já no século XX. A estrutura da talha paulista não acompanhou par e passo às mudanças estilísticas que se faziam nos edifícios, como que necessitando manter os retábulos com a mesma distribuição de colunas, camarins e coroamentos em arquivoltas dos estilos predecessores, assim como decorá-los efusivamente com flores, enrolamentos vegetalistas e até mesmo com as típicas rocalhas de fins do século XVIII. O rigor e a forma estática do neoclassicismo, sem as tensões do barroco e do rococó e o aprofundamento da perspectiva que propunham, pareciam que não eram próprios à Igreja. Apenas na década de 1850, já durante o reinado de D. Pedro II, vamos ter os primeiros retábulos verdadeiramente neoclássicos em São Paulo. A esse estilo transicional, que mescla elementos do rococó com os do neoclássico, sem estar completamente estabelecido em nenhum dos dois padrões, chamaremos de Imperial, pois os retábulos executados nesse estilo atravessam todo o período do Império Brasileiro. Procuramos não utilizar nomenclaturas de governantes que a historiografia da arte por vezes fez uso, como D. José I, D. Maria I ou pombalino, pois os altares paulistas não se encaixam corretamente em nenhum desses padrões e porque eles foram confeccionados após esses governos, o que criaria um anacronismo. Também não nos parece adequado batizar o estilo com nome de monarcas que governaram o Brasil, como Estilo D. João VI ou D. Pedro, pois não vemos uma relação direta de envolvimento se suas administrações com a criação deste estilo, como ocorreu no reinado de João V em Portugal. Assim, o estilo por nós batizado de Imperial possui as características que elencaremos abaixo:

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Fig.127: Modelo tipológico do retábulo imperial brasileiro. Desenho: Mateus Rosada, 2011.

A composição geral de um retábulo imperial pouco se altera do que vinha sendo feito nos períodos anteriores. O retábulo toma toda a parede de fundo da capela em que se insere, ou arco, quando se trata de retábulo lateral e nos raros casos em que têm estrutura de baldaquino, ela é pensada para preencher também toda a altura da capela. O coroamento também define um retábulo como imperial e o diferencia de um neoclássico: ele se dá em arquivoltas concêntricas, ou seja, ainda se faz necessário a sucessão de dois ou mais arcos para acentuar a perspectiva; nas poucas exceções a essa regra, caso do retábulo-mor do Bom Jesus de Iguape, são criados elementos fitomorfos para preencher toda a parede de fundo. O preenchimento total do plano de fundo da capela-mor com talha é uma das principais características que vão diferenciar um retábulo imperial de um neoclássico.

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O primeiro nível da base do retábulo se dá com pedestais emoldurados e com cartelas fitomorfas no centro. O mesmo ocorre no segundo nível, que serve de apoio às colunas. Em uma parte dos exemplares, o apoio se dá por mísulas, que são menores e menos desenvoltas do que as rococós e, muitas vezes, simplificadas e geometrizadas, tendendo a trapézios no caso extremo dos altares laterais de Guaratinguetá: um meio-termo entre mísula e pedestal. As grandes mísulas dos altares de Bom Jesus dos Perdões, assim como outros elementos, devem ser de retábulos mais antigos, rococós (a ornamentação delas é rocaille), recompostos quando da reedificação da igreja em 1870. Na parte anterior, a mesa do altar continua abaulada em metade dos casos, como vinha ocorrendo nos conjuntos de talha desde os exemplares joaninos, ou ganha a forma de um trapézio invertido. Quando curvilínea, é usual que seja recamada com folhagens de talha. No corpo, as colunas possuem fuste liso ou estriado, marcado no terço inferior em algumas ocasiões, e levam capitéis compósitos, coríntios ou jônicos. As estrias, deferentemente do que encontramos nos retábulos paulistas do Rococó, que eram salientes em terras paulistas, são reentrantes, mais próximas do vocabulário neoclássico. Ao centro, não se prescinde do camarim e da estrutura escalonada do trono, que pode possuir um nicho inferior para o padroeiro e outro sobre ele destinado ao Espírito Santo ou a um crucifixo, solução já presente no rococó. O arco que encerra o camarim é invariavelmente romano. Acima das colunas, mas ainda rompido pelo arco do camarim, o entablamento mantém uma acentuada movimentação para a frente e para trás. O jogo de avançar e recuar dá a impressão da trave tratar-se de uma mera cornija, sem função de estrutura. Também é outro fator que diferencia o imperial brasileiro do neoclassicismo: a cornija, no neoclássico, ela terá recuos ou saliências muito tímidos ou não os terá, e apresentará um aspecto único, mais estrutural e estático. Sobre o entablamento, na prumada das colunas, onde antes se colocavam arranques de frontão ou rocalhas, agora se assentam coruchéus, vasos ou ânforas. E atrás de tudo, o coroamento em arquivoltas e com uma decoração vegetalista menos efusiva ou mesmo ausente, e um resplendor ou tarja no fecho do arco. Não se arremata ainda os conjuntos com frontões triangulares ou arredondados, elementos que serão marcantes nos retábulos marmóreos do neoclassicismo. Aqui, quando surgem, como nos altares laterais da Catedral de Campinas e na Basílica do Bom Jesus de Iguape, o fazem com peças rompidas ou com o mesmo jogo de avançar e recuar feito no entablamento (da mesma forma que os frontões do tratado barroco de Andrea Pozzo), quebrando a rigidez do frontão, e possuem ainda elementos vegetais que os cercam de tal forma a preencher o espaço entre eles e o arco que os cobre.

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Fig.128: Coroamentos em frontão com jogo de avançar e recuar das cornijas: em retábulo lateral da Catedral de Campinas (a) e no retábulo-mor da Basílica de Iguape (b). Possuem a mesma lógica, ainda que mais acanhada, de frontões do Tratado de Andrea Pozzo (c). Fotos: Mateus rosada, 2014 (a,b). Fonte do desenho: Pozzo, 1693, fig.33.

Os elementos decorativos adotam outros motivos e abandonam a configuração quase abstrata do rococó. Retomam-se as folhas acanto e são inseridas volutas lineares e geometrizadas, ou seja, com largura constante em todo o seu comprimento. Elementos figurativos também voltam a ser utilizados, como flores, rosas, folhagens, palmáceas, assim como festões e guirlandas. Também são utilizadas fitas, cordões, e panejamentos, mas essa ornamentação já não se desenvolve indicando um movimento ascendente mas, ao contrário, muitos dos elementos são pendentes, tais como os tecidos e as guirlandas. Os conjuntos de elementos decorativos são contidos em emolduramentos e rigorosamente simétricos, às vezes, bissimétricos, o que lhes confere uma aparência estática, já que cada ramo anula o movimento do oposto simétrico a ele.

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^ Fig.129: (página anterior) Ornamentos em pedestais de colunas: da Catedral de Campinas (a), com o uso de folhas de acanto, rosas e guirlandas em fusão com elementos rocaille; da Igreja da Boa Morte de Limeira (b), com uso de panejamento; e da Igreja de Bom Jesus dos Perdões (c), bissimétrico. Fotos: Mateus Rosada, 2013.

A organização em planta de um retábulo imperial pouco se altera dos movimentos anteriores:

^ Fig.130: Planta de um retábulo Barroco Português. Desenho: Mateus Rosada, 2015. Fig.131 > Retábulo Barroco Português em corte. Desenho: Mateus Rosada, 2015.

As formas passam a ser mais retilíneas e desaparecem as curvas: tanto o supedâneo, como a mesa do altar e o trono passam a ter formas ortogonais em planta, salvo no caso dos altares-mores e colaterais de Campinas e Limeira, exceções à regra. A metade dos retábulos continua apresentando um intercolúnio obliquo, que cria uma concavidade na planta do conjunto, de modo que o par de colunas externas se projeta mais para fora do plano do retábulo, enquanto o par de colunas centrais se encontra mais recuado; a outra metade já possui uma característica mais próxima do neoclassicismo: todo o retábulo se apoia na mesma parede, é plano, sem obliquidades. Há três exceções às regras de estruturação em planta e elevação dos retábulos imperiais paulistas: o altar-mor de Campinas e os colaterais da mesma igreja e de Limeira, todos em estrutura de baldaquino arrematado por cúpula vazada sobre volutas (FREIRE, 2006, p.207), um padrão trazido da Bahia, um padrão de origem europeia (e barroca), como descrevemos mais detalhadamente no item 2.4.4.

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b ^ Fig.132: (página anterior) Retábulo-mor em baldaquino da Catedral de Campinas (a) e gravura italiana de altar a Nossa Senhora da Assunção (b), com estrutura semelhante, autor anônimo, c.1670-1740. Foto (a): Mateus Rosada, 2014; Fonte do desenho: Metropolitan, c.1670-1740.

< Fig.133: Planta do retábulo-mor de Campinas. Fonte: Freira, 2006, p.212.

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Grosso modo, o retábulo imperial brasileiro seria um conjunto cuja talha, já de características neoclássicas mas ainda com alguma contaminação do rococó, estaria aplicada em uma estrutura de base barroca, que lhe confere ainda algum movimento e lhe aprofunda a perspectiva. Aqui os exemplares se espalham pelas terras paulistas: surgem em centros que estavam nas novas áreas de expansão da agricultura ou em cidades enriquecidas com a cultura cafeeira ou sua exportação, por isso vamos encontrar igrejas com altares imperiais em urbes mais afastadas da capital, no Vale do Paraíba, que se renovava, e nos portos enriquecidos com o avolumamento do comércio. Dezoito municípios possuem igrejas com talha imperial:

Fig.134: Cidades com exemplares de talha imperial. 01. Piracicaba, 02. Limeira, 03. Mogi-Mirim, 4. Itapira, 05. Porto Feliz, 06. Itu, 07. Campinas, 08. Bom Jesus dos Perdões, 09. Nazaré Paulista, 10. Piracaia, 11. São Paulo, 12. Santos, 13. São Sebastião, 14. Pindamonhangaba, 15. Ubatuba, 16. Aparecida, 17. Guaratinguetá, 18. Iguape. Desenho: Mateus Rosada.

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No Estado de São Paulo, são 28 os exemplares do Estilo Imperial: EXEMPLARES DE TALHA IMPERIAL (28) Igreja de Nossa Senhora do Patrocínio, Itu (retábulos colaterais - 1820) Santuário de Nossa Senhora do Bonsucesso, Pindamonhangaba (retábulos das Dores e Fátima - c.1840) Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Iguape (1845) Catedral de Santo Antônio, Guaratinguetá (2 retábulos laterais - 1847) Igreja de São José, Pindamonhangaba (1848) Igreja de Nossa Senhora do Carmo, Mogi-Mirim (1849) Basílica Santuário do Bom Jesus do Iguape, Iguape (retábulos laterais - 1856) Basílica Santuário do Bom Jesus do Iguape, Iguape (retábulo-mor - 1856) Igreja Matriz de São Benedito, Itapira (c.1860) Igreja Matriz da Exaltação da Santa Cruz, Ubatuba (retábulos laterais - c.1860) Igreja Matriz de Nossa Senhora Mãe dos Homens, Porto Feliz (retábulo do Coração de Maria - c.1860) Catedral Metropolitana de Nossa Senhora da Conceição, Campinas (retábulo-mor, 1853-1862) Catedral Metropolitana de Nossa Senhora da Conceição, Campinas (demais retábulos, 1862-1865) Igreja do Convento de São Luiz, Itu (c.1860) Igreja de Nossa Senhora da Boa Morte e Assunção, Limeira (1867) Igreja de São Benedito, Limeira (1870) Santuário do Bom Jesus dos Perdões, Bom Jesus dos Perdões (1870) Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Piracaia (1871) Capela do Senhor do Horto, Piracicaba (1873) Igreja do Convento de Santo Antonio do Valongo, Santos (2 retábulos laterais - 1875) Igreja Matriz de São Sebastião, São Sebastião (retábulo-mor e colaterais - c.1880) Basílica Velha de Nossa Senhora Aparecida, Aparecida (retábulos do transepto - c.1880) Santuário de Nossa Senhora do Bonsucesso, Pindamonhangaba (ornatos do transepto e dos nichos colaterais c.1880) Igreja Matriz de São Sebastião, São Sebastião (retábulos laterais - c.1880) Capela de São Gonçalo, São Sebastião (c.1880) Igreja Matriz de Nossa Senhora de Nazaré, Nazaré Paulista (c.1880) Igreja Matriz de São Pedro do Tremembé, São Paulo (c.1890) Igreja Matriz de Santo Antonio da Cachoeira, Piracaia (1891)

Por ter se configurado como uma transição longa, com exemplares com mais de setenta anos de diferença na execução, há também um grande número de altares. Tratamos no item 2.4 sobre alguns grupos de outros Estados que atuaram em São Paulo e para cá trouxeram padrões do estilo imperial. Por aqui, exibimos parte dos retábulos deste estilo.

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c d Fig.135: retábulos-mores paulistas do período imperial e de estrutura oblíqua: Santuário do Bom Jesus dos Perdões (a) e igrejas de Nazaré Paulista (b) (retábulo remontado, cujo camarim pode ter sido rebaixado), da Boa Morte de Limeira (c) e do Rosário de Piracaia (d). Fotos: Mateus Rosada, 2013-2015.

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c d Fig.136: retábulos-mores paulistas do período imperial e de estrutura plana: Matriz Basílica de Aparecida (a) e igrejas de São Pedro do Tremembé (b), do Patrocínio de Itu (c) (retábulo colateral) e Matriz de Ubatuba (d) . Fotos: Mateus Rosada, 2013-2015.

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2.3.6 NEOCLÁSSICO (a partir de 185010)

Foram necessários muitos anos para que a lógica de estruturação dos retábulos em São Paulo se alterasse e se adaptasse às ideias do neoclassicismo. Somente a partir de meados do século XIX os padrões do estilo estariam bem estabelecidos e seriam assimilados pela talha religiosa paulista. Para essa demora contribuiu grandemente o fato de já haver, nesse período, uma mão-de-obra qualificada no trato com a madeira na Província, o que fez com que a transição para o uso do mármore como material retabular custasse a ocorrer. E aí, sim, quando há mudança na materialidade dos retábulos, há uma mudança sensível e definitiva no estilo. Na segunda metade do oitocentos temos influências de fatores como a imigração europeia maciça que São Paulo recebeu, com outras culturas, outros padrões estéticos. Soma-se a isso o advento das ferrovias, que facilitaria o acesso a materiais importados e produzidos em lugares muito distantes e exponencializaria o deslocamento de artistas pelas regiões, assim como o acesso a material gráfico, desenhos e gravuras. Não à toa o ecletismo está fortemente ligado à imigração e à ferrovia. Aqui tratamos dos primeiros exemplares de retábulos, ainda confeccionados em madeira, em que se adotaram de forma mais perceptível os preceitos de clareza estrutural do neoclassicismo. O primeiro princípio que salta aos olhos é que a estrutura é facilmente identificável, recebendo pouca ou nenhuma decoração sobre si. O neoclássico é muito mais arquitetônico e menos escultórico que os estilos predecessores. E, por isso mesmo, por demonstrar que existe a gravidade e que os objetos pesam, é que a impressão de movimento ascensional é abolida. No neoclássico os elementos pendem e a estrutura não sugere movimento, é estática: não são concebíveis mais colunas torças ou arcos de desenhos fantasiosos. É dada maior importância aos elementos arquitetônicos, como colunas, frontões e entablamentos. Os retábulos neoclássicos, em boa parte dos casos, já não se encontram mais inscritos dentro de um arco ou ocupando toda a parede de fundo de uma capela e, em alguns deles, se descolam do plano de fundo da igreja. Eles possuem uma lógica de escultura arquitetônica, independente do plano de fundo, enquanto que os de movimentos predecessores eram concebidos como cenários e se confundiam com as paredes.

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O neoclássico avança para o início do século XX, fora do nosso recorte histórico, que termina em 1889. Por isso optamos por não fixar uma data final.

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Fig.137: Modelo tipológico de um retábulo neoclássico. Desenho: Mateus Rosada, 2015.

A composição de um retábulo neoclássico possui algumas características particulares: As mesas dos altares apresentam forma trapezoidal ou predominantemente retangular e se colocam à frente de um embasamento composto de pedestais que farão apoio das colunas do corpo. O uso de mísulas não ocorre no neoclássico. Os pedestais são ornados com molduras retangulares e, em parte dos casos, têm o centro ornado com algum elemento fitomorfo bissimétrico, estático. As colunas possuem fustes lisos ou, na maioria dos casos paulistas, com caneluras e têm capitéis compósitos. Provavelmente por motivos de tradição, o corpo continua dividido em três tramos, como ocorre a todos os retábulos desta pesquisa. Os dois tramos laterais possuem um par de colunas compósitas cada e os respectivos intercolúnios recebem peanhas e dosséis ou são escavados com nichos (o que não ocorria desde o maneirismo) para comportarem os santos de devoção secundária. O camarim, no tramo central, é uma estrutura que resiste de estilos anteriores, mas já possui uma concepção mais próxima de nicho,

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com menor profundidade. Os tronos, quando existem, são ortogonais e muito pouco ornamentados e provavelmente só se mantêm por tradição da talha luso-brasileira, pois nos altares de mármore eles já não ocorrem, sendo substituídos, quando sua função ainda é necessária, por simples pedestais. O arco que coroa o camarim é invariavelmente pleno, romano, e não é decorado com elementos pingentes, como era regra em períodos anteriores. Por vezes extrapola altura do entablamento, rompendo-o e, por outras, é contido abaixo da cimalha. A grande diferenciação se dá no coroamento, aqui invariavelmente plano. O arremate superior do retábulo é pensado como tímpano, como uma superfície única, não seccionada que pode receber apliques e até as tradicionais tarjas, mas que não mais comporta as arquivoltas concêntricas que existiam até a primeira metade do oitocentos, pois não se propõe a exacerbar a perspectiva. Também há coroamentos já com frontão triangular. Os espaços planos, em centros de pedestais e nos coroamentos, podem ser aplicados, com muito mais parcimônia que nos estilos anteriores, elementos vegetalistas figurativos, como palmas, folhas, rosas, festões e pendentes, sempre simétricos ou bissimétricos.

^ Fig.138: Planta de um retábulo Barroco Português. Desenho: Mateus Rosada, 2015. Fig.139 > Retábulo Barroco Português em corte. Desenho: Mateus Rosada, 2015.

Em planta, os altares são planos e muitas vezes destacados das paredes laterais. Não possuem curvas ou superfícies oblíquas. Os retábulos neoclássicos que aqui tratamos ainda foram executados em madeira. A materialidade, no entanto, vinha se alterando e os altares passaram a ser confeccionados, em sua grande maioria, em mármore no período republicano. Com materialidade diferente, pétrea, toda a composição também é distinta dos altares neoclássicos de madeira. Assim, esta tese encontrou apenas oito exemplares de talha desse estilo no Estado de São Paulo, em sete municípios de três núcleos muito concentrados:

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Fig.140: Cidades com exemplares de talha neoclássica. 01. São Roque, 02. Jacareí, 03. São José dos Campos, 4. Santa Branca, 05. Paraibuna, 06. Arapeí, 07. Bananal. Desenho: Mateus Rosada.

EXEMPLARES DE TALHA NEOCLÁSSICA (08) Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Bananal (c.1850) Igreja de São Benedito, São Roque (1855) Igreja Matriz de Nossa Senhora da Imaculada Conceição, Jacareí (retábulos colaterais - 1860) Igreja Matriz de Santo Antônio, Arapeí (1864) Igreja Matriz do Bom Jesus do Livramento, Bananal (1871) Igreja de São Benedito, São José dos Campos (1876) Igreja Matriz de Santa Branca, Santa Branca (1884-1885) Igreja Matriz de Santo Antônio, Paraibuna (1886)

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Como ocorreu a outros períodos, encontramos traços que acusam a semelhança e a provável fatura de alguns altares do Vale do Paraíba pelo mesmo grupo de entalhadores. Isso se percebe nos exemplares das igrejas matrizes de Santa Branca, Jacareí (altares colaterais) e Paraibuna, que possuem elementos fitomorfos, colunas, tarjas e composições gerais com grandes afinidades e execução em períodos próximos. Em São José dos Campos, o retábulo da Igreja de São Benedito é o que apresenta composição mais próxima dos altares de mármore, com o uso de nichos nos intercolúnios, a abolição do trono e coroamento com nicho superior arrematado por frontão triangular, o que será quase uma regra nos retábulos de início do século XX, como os fabricados pelo ateliê de Marino Del Fávero, artista que executou peças retabulares para pelo menos seis igrejas de nossa pesquisa no novecentos. Abaixo, colocamos alguns altares de madeira ainda pré-republicanos encontrados no Estado de São Paulo:

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Fig.141: retábulos-mores neoclássicos paulistas: Igreja Matriz do Bom Jesus do Livramento (a) (único retábulo com apliques de estuque dentre os pesquisados), Igreja do Rosário (b), ambas em Bananal. Fotos: Mateus Rosada, 2015.

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d c Fig.142: retábulos neoclássicos paulistas: Igrejas matrizes de Santo Antônio de Paraibuna (a) e de Santa Branca na cidade homônima (b), retábulo colateral de Santa Rita na Matriz de Jacareí (c) e o retábulo-mor da Igreja de São Benedito de são José dos Campos (d). Fotos: Mateus Rosada, 2014-2015.

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2.3.7 RETÁBULOS SEM ESTILO DEFINIDO Há ainda, no Estado de São Paulo, treze igrejas que abrigam trabalhos de talha muito simplificados e/ou sem documentação que possa comprovar uma faixa de tempo em que teriam sido executados, o que impede que consigamos classificá-los dentro dos estilos já descritos. Uma classificação possível seria chama-los de retábulos “populares”, no entanto, obras ditas populares podem facilmente se encaixar em dentro de algum estilo ou corrente e não são necessariamente simplificadas. O que nos dificulta a classificação estilística desses altares é justamente a falta de elementos decorativos que caracterizem tais estilos. São, então, os seguintes trabalhos de talha: EXEMPLARES DE TALHA SIMPLIFICADA / SEM ESTILO DEFINIDO (13) Capela de Nossa Senhora do Rosário do Quilombo de Ivaporunduva, Eldorado (1775) Capela de São Miguel Arcanjo, São Paulo (1781) Igreja Matriz de Nossa Senhora do Bonsucesso, Guarulhos (1800) Capela de Nossa Senhora das Mercês, São Luiz do Paraitinga (1814) Igreja Matriz de Santana, Iporanga (1821) Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Santa Branca (1869) Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Paraibuna (1871) Capela da Santa Cruz, Campinas (s.d.) Igreja Matriz de São Sebastião, São Sebastião (retábulo-mor e colaterais - s.d) Igreja de Nossa Senhora da Escada, Guararema (retábulo-mor - s.d.) Igreja Matriz de Nossa Senhora da Ajuda, Ilhabela (retábulos laterais - s.d.) Igreja Matriz de Nossa Senhora da Ajuda, Itaquaquecetuba (retábulos laterais - s.d.) Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Santa Isabel (s.d.)

Parte dessas igrejas estão situadas em localidades que ficaram por muito tempo isoladas ou afastadas dos grandes centros, com poucas possibilidades financeiras e de mão-de-obra para executar uma talha de maior elaboração, como é o caso das igrejas de São Sebastião, Iporanga e do Quilombo de Ivaporunduva, em Eldorado.

a b Fig.143: Retábulos-mores paulistas da Igreja do Rosário de Ivaporunduva (a) e da Matriz de Santana de Iporanga (b). Fotos: Mateus Rosada, 2014.

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Capítulo 2 - Ornamentação

Não por acaso, dentre os exemplares simplificados, é grande a quantidade de igrejas do Rosário, pertencentes a irmandades negras, de parcos recursos. As irmandades do Rosário procuraram, como as demais, dotar suas igrejas do melhor que possuíssem, mas especialmente essas, de cidades pequenas, com menos membros, acabaram por erigir templos mais singelos, como ocorreu às congregações de Paraibuna, Santa Branca e Santa Isabel.

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d c Fig.144: Retábulos das igrejas do Rosário das cidades de Paraibuna (a), Santa Isabel (b), e Santa Branca (c), e a Igreja de Nossa Senhora das Mercês de São Luiz do Paraitinga (d), capela devocional construída por Maria Antônia dos Prazeres. Fotos: Mateus Rosada, 2014.

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Temos também aqui três igrejas de aldeamentos: São Miguel Paulista, Itaquaquecetuba e Nossa Senhora da Escada de Guararema, localidades que também dispunham do mínimo necessário para a sobrevivência da comunidade e não puderam dotar suas igrejas de maior requinte. Os dois casos de retábulos-mores, de São Miguel e da Freguesia da Escada (o de Itaquaquecetuba foi destruído), são os que nos suscitam mais questionamentos. Ambos, se confeccionados na mesma época de construção das referidas igrejas, seriam de 1622 e 1652, respectivamente e, por isso, maneiristas. No entanto, o retábulo de São Miguel possui um intercolúnio obliquo, solução que só surgiu no período joanino, depois de 1730, e que foi largamente utilizada até a segunda metade do século XIX, até cair em desuso, o que torna muito pouco provável que esse retábulo seja tão antigo quanto a igreja, como se encontra na bibliografia sobre a mesma (SÃO PAULO, 1973k; BRASIL, 1938b). Sua conformação é muito semelhante à do altar-mor da Igreja de Nossa Senhora do Bonsucesso de Guarulhos, de 1800.

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b

Fig.145: Retábulos-mores das igrejas de Nossa Senhora do Bonsucesso de Guarulhos (a) e da Capela de São Miguel Paulista (b). Fotos: Mateus Rosada, 2014.

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Capítulo 2 - Ornamentação

Caso semelhante é o da Freguesia de Guararema: o retábulo é certamente uma remontagem, pois não era usual nas colônias lusas confeccionar retábulos compostos apenas de um nicho centralizado em uma parede de tabuado sem nenhuma ornamentação; essas tábuas, ainda, têm todas a mesma bitola, regularidade que só foi possível após a industrialização do corte da madeira, ocorrida em fins do século XIX. Outro aspecto que reforça a impressão de ser o retábulo da Freguesia uma remontagem, são suas partes entalhadas: o sacrário é, certamente, muito antigo e talvez seja mesmo maneirista, enquanto que o nicho da padroeira se arremata em arco joanino e as colunas que emolduram o camarim possuem um entablamento com friso bulboso liso, padrão que só ocorre no período rococó, posterior, no mínimo, a 1760.

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d Fig.146: Retábulo-mor da Igreja de Nossa Senhora da Escada de Guararema (c) e lateral da Matriz de Itaquaquecetuba (d). Fotos: Mateus Rosada, 2014.

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2.3.8 A PROBLEMÁTICA DOS RETÁBULOS DESLOCADOS

Um aspecto que necessita ser abordado, mesmo que rapidamente, é a expressiva quantidade de retábulos deslocados existentes no Estado de São Paulo, chamados por Percival Tirapeli de “retábulos peregrinos” (2003, p.52). Preferimos o termo “deslocados”, pois a nós parece mais adequado. O desmonte, transporte e a remontagem de altares paulistas foi uma constante em toda a história do Estado. Essa ação de fazer e desfazer do paulista já havia sido percebida por Germain Bazin quando este analisava a arquitetura barroca no Brasil: A região de São Paulo conservou mais espécimes de talha antiga do que de arquitetura. A veneração que se tinha pelos altares, onde se celebra a missa, fez com que, frequentemente, fossem conservados e remontados em templos reformados. Infelizmente, o fato de desmontar e montar novamente nem sempre evitou modificações e mutilações (BAZIN, 1983, v.1, p.334).

A observação de Bazin era certeira. Só para citar alguns casos, temos a diáspora dos altares da Sé paulistana demolida em 1911, cujas peças foram distribuídas a quase uma dezena de templos, restando atualmente apenas partes nas igrejas do Imaculado Coração de Maria de São Paulo e no Santuário de Bom Jesus dos Perdões. Temos também o retábulo-mor da Igreja de Nossa Senhora do Brasil, originalmente um lateral da Igreja Matriz (atual catedral) de Mogi das Cruzes e, caso semelhante, o altar-mor do Mosteiro de São Bento de Jundiaí, proveniente de outra igreja beneditina de São Paulo. Situação análoga foi a de igrejas inteiras que foram demolidas, por motivos vários, e transferidas para outros locais, como a Basílica do Carmo paulistana, transferida da Avenida Rangel Pestana para a Bela Vista, e o Convento de Santa Clara sorocabano, que deixou o Centro para instalar-se no subúrbio, levando-se para o novo templo o altar-mor. Dentre todas as igrejas de nossa pesquisa, registramos 28 situações em que os atuais altares são provenientes de outro lugar. As elencamos na tabela abaixo: IGREJAS COM RETÁBULOS DESLOCADOS PROVENIENTES DE OUTROS TEMPLOS (28) Igreja, município (ano) Igreja Matriz de São Vicente, São Vicente (1757) - colunas e sacrário do retábulo-mor Museu das Igrejas do Carmo, Mogi das Cruzes (1970) – retábulo da Capela de Santo Alberto Museu Anchieta, São Paulo (1979) - colunas do retábulo-mor da Igreja do Bom Jesus Capela de Nossa Senhora da Conceição, Fazenda Voturuna, Santana de Parnaíba (1687) retábulo-mor Capela de Nossa Senhora dos Aflitos, São Paulo (1774) - frontal e trono do altar-mor e retábulo de São Benedito Igreja de Santana, Mosteiro de São Bento, Jundiaí (c.1700) - altar-mor Igreja de Santana, Mosteiro de São Bento,

Ano Altar 1582 1665 1681 1687

c.1700

c.1700 c.1720

Local original Igreja do Colégio Jesuíta de São Miguel, da mesma cidade, desaparecido Capela de Santo Alberto, da mesma cidade. Está desmontado. Igreja do Bom Jesus, Companhia de Jesus, da mesma cidade Ignorado. Pode ser apenas o coroamento do retábulo de alguma igreja demolida, pois suas proporções são muito grandes para a capela onde se insere Ignorado. Peças de estilo barroco português, cerca 50 anos mais antigos que a capela Mosteiro de São Bento de São Paulo. Composição com partes de vários altares Mosteiro de São Bento de Santana de Parnaíba

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Sorocaba (1654) - retábulo-mor Museu de Arte Sacra, São Paulo (1970) Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Embu das Artes (1700) - retábulos do arco-cruzeiro

Igreja das Chagas do Seráfico Pai São Francisco, Ordem Terceira da Penitência, São Paulo (1783) - retábulo do Jazigo da Ordem (a), retábulo de São Miguel (b), mesa do Altar da Conceição (c) Igreja do Convento de Santo Antonio do Valongo, Santos (1640) - retábulo da Capela da Ordem Terceira Igreja do Imaculado Coração de Maria, na Bela Vista, São Paulo (1909) - colunas e mísulas do retábulo-mor Igreja de Nossa Senhora do Brasil, São Paulo (1942) - retábulo-mor Igreja de São Gonçalo Garcia, São Paulo (1756) - retábulo-mor e colaterais Basílica de N. Senhora do Carmo, Bela Vista, São Paulo (c.1770) - retábulo-mor e 6 laterais Igreja de Nossa Senhora da Escada, Guararema (1698) - retábulo-mor Capela do Cemitério do Carmo, São Paulo (1800) - retábulo-mor Igreja Matriz de Nossa Senhora Aparecida, Aparecidinha, Sorocaba (1785) - peças de talha na capela-mor e capela do Santíssimo Igreja de São Francisco, São Paulo (1642) retábulo-mor Igreja Matriz de Santana, Analândia (1852) retábulo-mor Igreja de Santa Cruz das Almas dos Enforcados, São Paulo (c.1800) - retábulo-mor e quatro laterais mais antigos Igreja do Mosteiro de Nossa Senhora da Imaculada Conceição e Santa Clara, Sorocaba (1811) - retábulo-mor Igreja Matriz de Nossa Senhora da Ajuda, Ilhabela (1697) - retábulo-mor Capela de Nossa Senhora da Piedade (Baruel, Suzano (1840) - retábulo-mor Igreja de São José, Pindamonhangaba (1848) retábulo-mor Igreja Matriz de São Benedito, Itapira (c.1860)

Igreja Matriz de São Pedro do Tremembé, São Paulo (c.1890) - retábulo-mor Santuário do Bom Jesus dos Perdões, Bom Jesus dos Perdões (1870) - retábulo da capela do Santíssimo

c.1720

Igreja Matriz de Santo Amaro, São Paulo (c.1720)

1735

Capela particular de Catarina Camacho (possível). Os retábulos são de estilo português, anteriores à igreja, e estão fixados nas paredes, quando possuem estrutura para serem instalados em nichos, embutidos 1700(a) Mosteiro de São Bento de São Paulo (a,b,c). 1736(b) (a) Recomposto com elementos do Barroco Português e 1790(c) alguns do Joanino; (b) recomposto com elementos joaninos e alguns rococós; (c) Mesa rococó instalada frente a um retábulo joanino. c.1740 Lisboa, Portugal. Pode ter sido encomendado em Lisboa para ser o retábulo-mor da igreja, sendo remontado na Capela da Ordem Terceira quando da fatura do atual 1745 Catedral Metropolitana de Nossa Senhora da Assunção, Catedral da Sé, São Paulo (1745 - demolida) - retábulomor c.1750 Igreja Matriz de Santana, Mogi das Cruzes (demolida para a construção da catedral) - retábulo lateral 1757 Matriz Basílica de Nossa Senhora Aparecida. comprados em 1893. 1766 Igreja Conventual do Carmo. Transferidos quando da demolição desta, em 1928 c.1780 Ignorado. Retábulo possui elementos do maneirismo e do rococó, sendo certamente uma remontagem. 1800 Igreja da Ordem Terceira do Carmo de São Paulo - retábulo do jazigo. c.1790 Igreja de Santo Antônio, na mesma cidade (demolida em 1950) 1787 c.1800 c.1800

c.1790

1825 c.1830 1848 c.1860

c.1890 c.1890

Munique, Alemanha. Trazido em 1880. Por ser de estilo rococó, pode ser mais antigo. Matriz de Santa Cruz e Nossa Senhora do Carmo, Campinas (demolida em 1936-39) Ignorado. Os retábulos são mais antigos que a igreja, de 1887. É possível que tenham vindo do antigo Mosteiro de São Bento, pois fotografias acusam semelhanças. Antigo Mosteiro de Santa Clara, no centro de Sorocaba (demolido em 1968). O retábulo perdeu o coroamento. Matriz de São Bernardo (demolida em 1949 para a construção da atual) Matriz de São Sebastião de Suzano (demolida na década de 1950 para a construção da atual) Ignorado. O retábulo, sem coroamento, é menor do que o espaço em que está instalado Ignorado. Talvez Igreja Matriz de Nossa Senhora da Penha de Itapira. É de um estilo anterior à igreja, esta do início do século XX. Possivelmente era o retábulo da irmandade de São Benedito quando esta ainda funcionava na Matriz. Ignorado. É de estilo aparentemente anterior à igreja. Apresenta partes de mais de um estilo. Catedral da Sé de São Paulo (demolida em 1911). Remontagem de peças de retábulos joaninos e rococós.

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Um dos resultados mais comuns nos casos de altares trazidos de uma igreja para outra foi a instalação em uma capela-mor de outras dimensões. Quando vindos de espaços menores, os retábulos acabam não ocupando toda a parede de fundo da capela em que foram instalados, ficando “soltos” no plano, composição que não era usual em todo o período que analisamos. No caso inverso, de capelas menores que as originais, os conjuntos geralmente perderam partes ou todo o coroamento para poderem se encaixar no novo ambiente. Também foi muito comum a montagem de um novo altar com peças provenientes de dois ou mais conjuntos retabulares, resultando em composições inusuais e criativas, mas com elementos de linguagens diferentes e muitas vezes contrastantes entre si, como os exemplos apresentados abaixo. Na igreja de Santana do Mosteiro de São Bento de Jundiaí, o altar apresenta pelo menos três padrões de talha distintos: um da barroco português no frontal do altar e no corpo do retábulo, um segundo padrão ainda barroco português na banqueta, mas com vides, de outro artífice, e um terceiro, joanino, no coroamento. Em São Paulo, a nova igreja do Carmo, construída em 1928-1934 na Bela Vista quando a antiga, do centro, foi demolida, optou-se por sobrepor o antigo retábulo-mor ao da Capela do Santíssimo; a composição resultante apresenta altar, base, peanhas e dosséis do primeiro nível, colunas do segundo nível e coroamento do antigo altar-mor; mísulas, colunas do primeiro nível e efígies do segundo nível do altar do Santíssimo; tarja do altar do Senhor Morto; e sacrário, cortinado (este em estuque) e trono novos.

a

b Fig.147: Retábulos-mores remontados da Igreja de Santana (Mosteiro de São Bento) de Jundiaí (a) e da Basílica do Carmo de São Paulo (b). Fotos: Mateus Rosada, 2014 (a,b).

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b

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Fig.148: Retábulo-mor da igreja Matriz de Santa Cruz e Nossa Senhora do Carmo de Campinas (a), demolida na década de1930, e a composição atual feita com partes do mesmo na Igreja Matriz de Santana (b), em Analândia: as peças foram doadas pelo bispo campineiro Dom Paulo de Tarso Campos. Fotos: Acervo do Centro de Ciências, Letras e Artes de Campinas (a) e Mateus Rosada, 2015 (b).

Além dos retábulos que foram levados de uma igreja a outra, temos casos mais simples, de conjuntos retabulares nitidamente reconfigurados por terem sido mudados de lugar dentro da mesma igreja, geralmente em duas situações diferentes: A forma mais comum foi a reforma dos templos: foi até corriqueira a abertura de arcos comunicando a nave, até então única, aos corredores laterais, transformando-a em nave tripla; em reformas desse tipo, os altares laterais e colaterais foram, em quase todos os casos, levados para os recém-criados transeptos e naves laterais. Isso ocorreu a igrejas como a Matriz de Atibaia e a Catedral de Guaratinguetá. Outros templos, ainda, foram completamente demolidos e reconstruídos. Nesses atos, em algumas vezes, os retábulos foram desmontados, guardados e depois remontados no edifício novo, no mesmo local, geralmente com alguma alteração, como ocorreu ao altar da Conceição da Igreja das Chagas do Seráfico, desmontado na ampliação da Igreja e depois remontado praticamente no mesmo local, mas perdendo certamente parte das cartelas de talha; semelhante ao caso da igreja Matriz de Santana de Parnaíba que, reconstruída em 1892, teve seu retábulo rococó, de c.1780, reinstalado, provavelmente alterando-se o ângulo dos intercolúnios, criando-se nichos no local das peanhas e mutilando-se o coroamento com a supressão das arquivoltas.

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Pelo menos dezoito igrejas que investigamos foram reformadas ou reconstruídas e seus altares deslocados no mesmo edifício. Para esses casos, elaboramos a tabela da página seguinte. IGREJAS COM RETÁBULOS DESLOCADOS E/OU REMONTADOS NO MESMO LOCAL OU NA MESMA IGREJA (18) Igreja, município (ano Igreja das Chagas do Seráfico Pai São Francisco, Ordem Terceira da Penitência, São Paulo (1783) Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Santos (1752) Igreja Matriz de Santana, Itanhaém (1639) Catedral de Santo Antônio , Guaratinguetá (1701) Capela de São Sebastião do Avareí, Jacareí (c.1800) Capela de Nossa Senhora da Escada, Barueri (c.1770) Catedral de São Francisco das Chagas, Taubaté (1792) Igreja Matriz de São João Batista, Atibaia (1744) Igreja Matriz de São João Batista, Queluz (c.1800) Igreja Matriz de Santana, Santana de Parnaíba (c.1800)

Ano Altar 17351740

Alterações causadas pelo deslocamento/remontagem Provável perda de elementos decorativos, especialmente cartelas e adornos dos dosséis na remontagem.

c.1760 Coroamento e colunas externas refeitos no ecletismo 1761

Coroamento, originalmente oblíquo, está plano

c.1780 Ambos os retábulos colaterais foram transferidos para o transepto c.1780 Réplica do anterior, eliminado por ter sido atacado por insetos xilófagos. c.1780 O retábulo é uma composição com peças antigas 1792

Remontado no mesmo local com a reforma da igreja, com a composição central alterada 1797 Os dois retábulos colaterais e os dois laterais foram transferidos para a nave lateral 1800 Os três retábulos são réplicas dos antigos, de qualidade bastante inferior c.1800 Remontado no mesmo local com a construção da atual igreja, com o coroamento e os intercolúnios alterados

Capela de Nossa Senhora das Mercês, São Luiz do Paraitinga (1814) Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, Atibaia (1763) Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Itatiba (1825)

1814

Remontado no mesmo local com a reconstrução da igreja

1817

Teve a composição central substituída por vitral

1827

Remontado no mesmo local com a reforma da igreja, teve o coroamento mutilado, pois o forro foi rebaixado

Igreja Matriz de Nossa Senhora do Carmo, Jarinu (1830) Igreja Matriz de São João Batista, Caçapava (1850)

1830

Remontado no mesmo local com a reforma da igreja

1842

Remontado no mesmo local com a construção da atual igreja, teve a composição central substituída por vitral

Igreja Matriz de Nossa Senhora de Nazaré, Nazaré Paulista (1870) Santuário do Bom Jesus dos Perdões, Bom Jesus dos Perdões (1870) - retábulo-mor e colaterais Igreja Matriz de São José, São José do Barreiro (1839)

c.1850 Remontado no mesmo local com a reforma da igreja c.1870 Possivelmente altares da antiga capela (mas podem ter vindo de outro lugar). Remontados no mesmo local com a reconstrução da igreja, são rococós e receberam acréscimos de estilo imperial. Na recolocação. 1881 Mutilado, perdeu a maior parte dos elementos, exceto do nicho central

Se somadas as ocorrências de retábulos deslocados de uma igreja para outra e dentro do mesmo templo, chegamos a 46 casos, número significativo, que representa um terço de todo o universo aqui pesquisado.

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2.4 INFLUÊNCIAS, AUTORES E GRUPOS DE TALHA

Identificar a autoria das obras de arte que observamos na pesquisa foi uma necessidade que nos colocamos e nos levou a organizar grupos pela semelhança encontrada na talha, muito mais pelo exame visual, estilístico, do que documental, uma vez que a documentação nem sempre deu conta de sanar as dúvidas surgidas. Assim, analisando os altares paulistas e confrontando entre si os de mesmo período, constatamos muitas semelhanças, que demonstram, mais do que elementos recorrentes ou padrões típicos do movimento artístico ou período, que muitas das obras de talha aqui executadas têm seus pares em igrejas de localidades diferentes. Para além da estrutura, dos elementos gerais dos retábulos, há detalhes muito característicos que denunciam uma assinatura, um traço autoral, como veremos logo adiante. Fica-nos claro, pela insistente ocorrência de alguns elementos de entalhe em várias localidades, que tivemos relativamente poucos entalhadores atuantes no Estado de São Paulo e que, apesar de ser uma terra de passagem, de tropas e bandeirismo, a talha paulista sofreu influências de poucos lugares, bastante específicos. Ainda, se pôde perceber que, especialmente no período rococó, a partir da segunda metade do século XVIII, com o incremento das atividades urbanas ocorrido em vários municípios paulistas, se fixou uma rede de mestres e aprendizes nos principais centros. É possível afirmar que se formou, a partir de então, uma escola paulista de artífices (ARAÚJO, 1997). Estendendo-se a comparação a outras localidades, também nota-se que há, nesse período, características próprias que distinguem tanto a talha como a pintura paulistas das mesmas artes realizadas nas outras capitanias/províncias. A análise visual e comparativa dos altares paulistas foi, necessariamente, bastante extensa, uma vez que os 120 templos pesquisados abrigam mais de trezentos retábulos de talha. E é relativamente comum encontrar igrejas onde há exemplares de torêutica de mais de um período e, portanto, de mais de um autor. Há casos como o da Basílica Velha de Aparecida, que possui, para além do retábulo-mor italiano 11

de mármore , quatro padrões de talha diferentes, demonstrando que a igreja passou por sucessivas reformas que tentaram sempre atualizá-la e dotá-la de maior suntuosidade. O mesmo ocorre com o Santuário de Nossa Senhora do Bonsucesso, em Pindamonhangaba, no qual cada par de retábulos das laterais (são quatro pares) é de um estilo diferente, com cerca de cem anos entre o mais antigo e o mais recente, o que demonstra que as igrejas muitas vezes se lançavam a contratar artífices conforme suas possibilidades financeiras, executando a decoração interna aos poucos. Um terceiro caso digno de menção é o da Igreja Conventual do Carmo de Mogi das Cruzes, em que todos os cinco retábulos, executados num período de menos de vinte anos, possuem características diferentes, de distintos autores, as-

11

Esta pesquisa se propôs a analisar igrejas que abrigam retábulos confeccionados em madeira, de modo que o retábulo-mor da Matriz Basílica de Aparecida, em mármore, escapa de nosso recorte.

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sim como ocorria à antiga Catedral de Taubaté, com retábulos de lavras distintas (na atual resta somente o altar-mor do templo anterior, demolida).

^ Fig.149: Igreja de São Gonçalo, São Paulo. Detalhe de uma das colunas do retábulo-mor (em vermelho), de características do rococó fluminense, ao lado de uma cartela típica do rococó paulista, no padrão de Batholomeu Teixeira Guimarães. Foto: Mateus Rosada, 2014.

< Fig.150: Retábulo colateral da Piedade, na Igreja de Santo Antônio, São Paulo: Em vermelho, as colunas misuladas e o altar, rococós, que substituíram os originais, joaninos, e o coroamento, acrescentado na mesma intervenção. Foto: Mateus Rosada, 2015.

Também foram muito comuns os casos de retábulos deslocados ou remontados e de outros que tiveram partes trocadas, a exemplo dos altares colaterais da Igreja de Santo Antônio paulistana, joaninos com as colunas centrais rococós. O mesmo ocorre com o retábulo-mor da Igreja São Gonçalo da mesma cidade, trazido de Aparecida e ali remontado: teve certamente as colunas, a tarja e algumas cartelas trocadas

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por outras de estilo mais moderno, cerca de vinte anos mais novo, apenas, ainda quando estava instalado no Santuário vale-paraibano. Para se analisar tipologias e organizar grupos de talha semelhante também é necessário ter em mente a dinâmica das contratações das empreitadas de entalhe: um mestre se dedicaria mais ao retábulo-mor e deixaria aos seus oficiais e aprendizes um papel maior nos colaterais e laterais, de modo que artistas diferentes podem ter atuado na mesma igreja e na mesma empreitada, conferindo aspectos distintos aos retábulos incluídos no mesmo serviço. Houve também casos em que nem todos os altares eram confeccionados de uma só vez, no entanto, o mestre contratado para o altar-mor realizava o projeto para todo o conjunto retabular que se pretendia fazer na igreja, restando a outros entalhadores seguirem o projeto detalha em obras futuras. Dos casos ocorridos dessa forma, é famoso o da Igreja de São Francisco de Assis de Ouro Preto, na qual todos os altares foram projetados por Aleijadinho e apenas a capela-mor feita por suas mãos, e os outros seis retábulos da nave foram feitos por outros artífices seguindo seu risco. Aqui em São Paulo temos como exemplo a Catedral de Campinas , cujos altares colaterais e das capelas laterais foram projetados certamente pelo entalhador baiano Victoriano dos Anjos Figueiroa e executados pelo fluminense Bernardino de Sena Reis e Almeida, pois os quatro conjuntos possuem uma estrutura de baldaquino, comum à época na Bahia e inexistente, até então, no Rio de Janeiro ou mesmo em São Paulo. Dentre os casos de altares diferentes executados na mesma empreitada, temos o do retábulo lateral de Nossa Senhora das Dores da Igreja Matriz de Itu, cujas colunas torças se diferem do padrão das demais do templo e guardam muito mais semelhanças com as dos retábulos das capelas laterais da Igreja do Bom Jesus, na mesma cidade, e da Matriz da vizinha Porto Feliz.

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b

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Fig.151: Detalhe dos elementos florais das seguintes colunas: do retábulo lateral de Nossa Senhora das Dores, na Igreja Matriz de Itu (a) (traço diferente dos demais da mesma igreja, e semelhante aos das fotos ao lado); do retábulo lateral de Nossa Senhora das Graças, na Igreja do Bom Jesus de Itu (b) e do retábulo colateral de Nossa Senhora do Rosário, na Igreja Matriz de Porto Feliz (c). Fotos: Mateus Rosada, 2014.

Autores como Eduardo Etzel (1974) e Percival Tirapeli (2003) já haviam percebido semelhança entre a talha de igrejas em diferentes localidades. Este menciona a semelhança entre os retábulos colaterais da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição de Cunha com os da Igreja de Santa Rita de Paraty (TIRA-

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PELI, 2003, p.278), percepção da qual estamos de acordo. Na mesma linha de observação, Etzel fala de similaridades entre os altares das igrejas da Candelária e do Bom Jesus de Itu com os da Matriz de Porto Feliz (1974, p.173), assim como entre os retábulos-mores das duas igrejas das ordens terceiras da capital, o Carmo e as Chagas do Seráfico (1974, p.166), aproximações das quais discordamos. Ele também se dedica a observar diferenças entre retábulos da mesma igreja, demonstrando a presença de mais de um entalhador em algumas delas. No entanto, nenhum autor, apesar de ambos demonstrarem uma percepção de alguns exemplares semelhantes, propôs a reunião em grupos, como agora fazemos. Os grupos identificados nesta tese foram nomeados, quando havia menção, pelo nome do entalhador que já possuísse registro de autoria ou atribuição em algum dos exemplares ali destacados. Isso não significa que todas as obras separadas tenham sido executadas pelo referido entalhador, apenas que há indícios de que determinado profissional estava inserido em uma oficina que possuía os mesmos traços. Poderia ser ele o mestre, um dos mestres (o primeiro, ou um discípulo que se tornou mestre posteriormente) ou apenas um profissional que teve o nome registrado. Há casos em que não há nenhuma menção a nomes de artífices, nos quais optamos em eleger um topônimo – cidade ou igreja (ex.: Jacareí, ou Colégio de São Paulo) – mais representativo para nomear o grupo. Existem ainda, inseridos em alguns grupos, retábulos de trabalho menos elaborado, que não poderiam ter sido feitos pelo mesmo artífice dos mais refinados, mas que demonstram clara filiação a toda a estrutura e aos elementos decorativos aplicados, numa tentativa de imitar algum altar mais erudito, de traço mais esmerado, que serviu de padrão. Em todo o Estado de São Paulo, nas igrejas desta tese, observamos que os 334 retábulos em talha encontrados se apresentam em 86 tipologias diferentes. Muitos deles não se assemelham a nenhum outro e devem ser resultado da contratação de algum profissional local, da comunidade ou da própria irmandade responsável pela igreja. Por outro lado, a similaridade da talha em diferentes lugares nos levou a organizar 27 grupos que abrangem duas ou mais igrejas com obras de torêutica assemelhadas. Essa organização completa pode ser vista na tabela Entalhadores que atuaram no Estado de São Paulo, constante do Apêndice C. Trataremos a seguir dos dezesseis grupos mais numerosos e das tipologias que consideramos mais importantes para a compreensão da arte retabular paulista: os que demonstram mais claramente as influências de outras regiões e o movimento dos entalhadores por São Paulo e pelas capitanias/províncias vizinhas. Ao todo, a análise que se segue contempla 157 retábulos, quase a metade do universo abordados por esta tese. Optamos por apresentar a análise formal da talha pelas regiões de onde os artistas trouxeram suas influências. Assim, abordamos, nesta ordem, as grupos com características dominantes de Portugal, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Bahia, para depois tratar das tipologias que se desenvolveram aqui no Estado de São Paulo e se tornaram expressões autônomas.

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2.4.1. ALTARES DE ALÉM-MAR

No início do processo colonizacional da Coroa Portuguesa, não havia ainda uma rede formada de vilas no Brasil e nem mesmo uma quantidade significativa de artífices. Ainda em tempos de desbravamento do território, a instalação das primeiras instituições europeias em solo americano se dava por edifícios provisórios. Logo que possível, iniciava-se a construção de edifícios definitivos (ou, ao menos, mais duradouros) e os padres jesuítas foram responsáveis por algumas desses estabelecimentos definitivos mais precoces nas américas. Ordem extremamente organizada, que possuía arquitetos, entalhadores, músicos, geralmente são deles os remanescentes mais antigos de arte religiosa brasileira. Aqui em terras paulistas, foram responsáveis por trazer de Portugal altares já prontos (COSTA, 2010, p.158), instalados inicialmente em sua igreja do extinto Colégio de São Vicente, cujos remanescente, partes de um retábulo, são os mais antigos do Estado.

TIPOLOGIA DE SÃO VICENTE (Maneirismo, c.1559) Sem haver artífices identificados dentro desta tipologia, optamos por nomeá-la pelo nome da igreja que a abriga. Ela ocorre em apenas um exemplar no Estado de São Paulo: a Matriz de São Vicente Mártir, na cidade homônima, no entanto, sua talha se assemelha muito com exemplares de outros estados. É certo que só chegaram até os dias atuais partes de um retábulo completo, ainda assim, os poucos elementos que temos demonstram com muita clareza que o altar vicentino filia-se a um grupo maior de exemplares encontrados em outros pontos da então colônia portuguesa. O atual retábulo que se encontra na capela-mor da pequenina matriz foi reconstituído em 2008, após ser bastante danificado por um incêndio, ocorrido seis anos antes. É ainda uma composição em baldaquino de 1870 que aproveitou quatro colunas e o sacrário do retábulo da antiga igreja jesuítica do Colégio de São Vicente. O colégio jesuítico, edificado naquela cidade em 1559, se localizava duas quadras atrás da matriz e foi abandonado por volta da década de 1590. As peças que hoje vemos devem ser pouco posteriores à data de fundação do colégio, conforme estimam Lucio Costa (2010, p.127) e Percival Tirapeli (2003). Para Lúcio Costa (2010, p.157), esses remanescentes da talha jesuítica de São Vicente fazem parte de uma categoria, junto a outros quatro exemplares brasileiros (Igreja do Colégio do Rio de Janeiro, Igreja de São Lourenço dos Índios de Niterói, Igreja da Graça de Olinda e Catedral Basílica de Salvador), de retábulos maneiristas de talha erudita, que ele distingue em seu texto de outros, de lavor mais popular.

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O grau de elaboração dos ornatos e o tipo de madeira utilizado também levou o autor a inferir que esses altares teriam sido entalhados por artífices inacianos na metrópole e enviados para os colégios da colônia. Quanto à procedência daqueles nossos retábulos, parece mais verossímil – os da igreja do Castelo, pelo menos – que, muito embora fabricados com madeira do país, tivessem vindos já prontos da metrópole, pois a análise dessa madeira, feita pelo Instituto Tecnológico de São Paulo, revelou tratar-se de ‘freijó’ ou louro amarelo, espécie vegetal abundante na bacia amazônica e, segundo nos consta, desconhecida aqui [Rio de Janeiro]. Teria sido, na verdade, inadmissível que, dispondo à mão de material de primeira ordem, fossem os padres do Colégio do Rio de Janeiro recorrer à importação de madeiras de tão longe. Ao passo que a hipótese de os altares terem sido feitos em Portugal fica fortalecida quando se considera que esse comércio era feito, então, diretamente do extremo norte do país com a metrópole, utilizando-se os reinóis dessa madeira inclusive na execução de obras de marcenaria e de talha destinadas aos trópicos, pois que a experiência já desaconselhara o emprego das espécies europeias para esse fim (COSTA, 2010, p.158).

Esses retábulos, observando-se tão somente as características das peças remanescentes em São Vicente (não nos delongaremos na análise uma vez que temos apenas as colunas), se caracterizam por colunas com capitéis de padrão coríntio, fustes estriados diagonalmente com o terço inferior ornado de motivos grotescos, tão em voga no Renascimento e ainda muito utilizados no interior das igrejas da Península Ibérica em fins do século XVI. Os motivos fitomorfos entrelaçados também cobrem as superfícies dos 12

pedestais, das banquetas e do sacrário . Em todos os exemplares citados por Costa, incluso o retábulo paulista, percebe-se que os ornatos são de grande erudição: Tudo, neles, é tratado exatamente no mesmo estilo rico, elegante e bem articulado, dos altares portugueses e espanhóis de fins do século XVI e começo de seiscentos, quando a experiência ‘plateresca’, banida das fachadas, refugiou-se nas obras internas de talha (...). O desenho dessas peças, afinal uma transcrição em madeira do desenho das portadas quinhentistas espanholas ‘lavradas como prata’, baseia ainda, como estas, a sua composição na dos altares sepulcrais do quattrocento italiano, dos quais se contam, entre os mais conhecidos, os de Andrea Sansovino, artista que viveu em Portugal no último decênio do século XV, a serviço de D. João II, para quem teria executado, segundo Vasari, entre muitos outros trabalhos de que se não conhecem vestígios, também um altar (COSTA, 2010, p.158).

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O sacrário de São Vicente também foi danificado no incêndio de 2002 e, não havendo recursos para sua restauração, foi recolhido, carbonizado da forma como ficou após o sinistro, ao Museu de Arte Sacra de Santos, onde encontra-se atualmente guardado. O retábulo foi remontado sem o sacrário.

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Fig.152: Detalhe de um altar da Igreja de Santa Maria del Popolo, elaborado por Andrea Sansovino, a cujo padrão de enrolamentos parece filiarem-se os motivos fitomorfos dos retábulos maneiristas eruditos de Portugal e colônias. Desenho: Paul Letarouilly, 1840-57. Fonte: Greenhalgh, 2015.

Pela composição de elementos típica de um retábulo maneirista de padrão erudito, o altar vicentino, quando ainda instalado na igreja jesuítica da cidade, se assemelharia, em hipótese, ao de São Lourenço dos Índios, em Niterói (RJ), que possui proporções semelhantes.

Fig.153: Retábulo-mor de São Vicente. Composição de 1870 que se utilizou das colunas do retábulo jesuítico de c.1559 da mesma cidade. Foto: Mateus Rosada, 2013.

Fig.087: Retábulo-mor da Igreja jesuítica de São Lourenço dos índios, em Niterói, RJ, provavelmente de 1635. Foto: Mateus Rosada, 2016.

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2.4.2 OS ARTISTAS QUE RETORNARAM DAS MINAS Na busca por ouro e riquezas, os paulistas se embrenharam pelo território e foram abrindo caminhos, espalhando gente e criando povoações. O início da formação de Minas Gerais está totalmente ligado ao movimento de desbravadores e caçadores paulistas de riquezas, de modo que as cidades mais antigas e, por conseguinte, suas primeiras igrejas possuem características de Piratininga. Não por acaso, Alex Fernandes Bohrer (2015) afirma que as obras até o estilo barroco português em Minas carregam muitas características de São Paulo. Com o desmembramento da capitania, em 1720, sua independência e o contato mais direto que passa a ter com o Rio de Janeiro, a arte mineira se autonomiza e cria-se um padrão local, distinto das capitanias vizinhas, especialmente durante o período rococó. Por essa época, já em fins do século XVIII e início do XIX, encontramos um movimento de “volta”, de artífices sacros que passaram a fazer o caminho inverso e incursaram em terras paulistas, produzindo retábulos com características já estabelecidas há algum tempo nas Minas Gerais. É o caso do grupo que atuou em Areias e mais algumas cidades vale-paraibanas.

GRUPO DE AREIAS (Rococó, c.1790-c.1800) Este grupo que demonstra que artistas de Minas desceram no sentido inverso e produziram talha com características peculiares e próprias em três cidades paulistas ao longo ou próximas a esse caminho: Areias, São José do Barreiro e Jacareí. Como nenhuma das igrejas deste grupo possui um retábulo-mor completo, o batizamos com o topônimo da que possui o maior conjunto: Areias. O estilo segue a maior parte dos padrões encontrados em retábulos da virada do século XVIII para o XIX na continuação do mesmo caminho, já em terras mineiras, nas cidades de Barbacena, Ibitipoca, Prados e, mais especificamente nas igrejas de matrizes de São Thomé das Letras (1785) e de Nossa Senhora de Mont Serrat de Baependi (1795). Com elementos que se aproximam aos delas, temos em cinco templos paulistas: •

Na Igreja Matriz de Santana de Areias, os retábulos laterais e partes do retábulo-mor (c.1800);



Na Capela de São Sebastião do Avareí, em Jacareí, o retábulo-mor (1977), réplica do altar que lá existia, de c.1800, este, por sua vez, provavelmente uma remontagem de retábulo de outra igreja, que aventamos a possibilidade de ser o da Igreja do Rosário, na mesma cidade, cujo altar-mor foi substituído por outro mais moderno em 1907;



Na Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição de Jacareí, as tribunas da capela-mor (c.1800);



Na Igreja de Nossa Senhora do Rosário de Jacareí, os retábulos colaterais (c.1800);



Na Igreja Matriz de São José, em São José do Barreiro, o retábulo da Capela do Santíssimo e partes do retábulo-mor (1839).

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Dentro dos limites paulistas, os artífices deste grupo atuaram em pelo menos três cidades, conforme o mapa:

Fig.154: Cidades por onde circulou o grupo de entalhadores do Grupo de Areias. 1. Jacareí, 2. Areias, 3. São José do Barreiro. Desenho: Mateus Rosada.

Nos retábulos do Grupo de Areias, cuja maior parte dos exemplares está atualmente alterada ou mutilada, ainda é possível perceber como características comuns a estrutura com coroamento em frontão ladeado de volutas e arco pleno encimando o camarim. As volutas de emolduramentos, como é comum em Minas Gerais, possuem o enrolamento inferior apoiado no plano do coroamento e o superior perpendicular a este, o que não ocorre no Rio de Janeiro, onde a solução recorrente dispõe ambos os enrolamentos concordantes com o plano do coroamento.

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a b c Fig.155: Retábulo lateral de São José da Igreja Matriz de Santana de Areias (a) (c.1800), retábulo colateral da Igreja de Nossa Senhora do Rosário de Jacareí (b) (c.1800) e retábulo-mor da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Montserrat de Baependi (MG) (c) (1795). Fotos: Mateus Rosada, 2014.

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Fig.156: Coroamentos: retábulo lateral de São José da Igreja Matriz de Santana de Areias (a), retábulo-mor da Igreja de São Sebastião do Avareí (b) e colateral da Igreja do Rosário de Jacareí (c). Fotos: Mateus Rosada, 2013. c

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Mas o elemento mais destacado são os quartelões que substituem as colunas, formados sempre por duas mísulas de enrolamentos muito dinâmicas: a superior, ocupando um terço da altura do quartelão, e a inferior, dois terços, sendo ornada, no encontro com a mísula de cima, com um pendente de vocabulário rocaille bastante esgarçado e, às vezes, com flores. Esses quartelões e são colocados nas linhas estruturais externas. É também muito característica a forma das mísulas que os compõem, com afunilamento do corpo central e abertura oblíqua nas extremidades dos enrolamentos.

Fig.157: Quartelões do Grupo de Areias: no retábulo colateral da Igreja de Nossa Senhora do Rosário de Jacareí (a) e nos retábulosmores da Igreja de São Sebastião do Avareí (b) e lateral da Igreja Matriz de Santana de Areias (c). Fotos: Mateus Rosada, 2014. a

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Os sacrários, à exceção dos dois retábulos colaterais do Rosário de Jacareí, são destacados da estrutura, um pouco projetados para a frente e possuem a forma de um coração invertido, apresentando aletas de vocabulário rocaille bastante graciosas. A forma tradicional paulista é de tabernáculos contidos entre colunetas ou pequenos quartelões, o que lhes confere uma configuração mais quadrangular.

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Fig.158: Sacrários do padrão de Areias: no retábulo lateral de São José da Igreja Matriz de Santana de Areias (a), na Capela do Santíssimo de São José do Barreiro(b), no retábulo-mor da mesma igreja (c) e na Igreja do Avareí (d). Fotos: Mateus Rosada, 2014. d

As próprias rocalhas aplicadas nos espaços entre colunas, pilastras e banquetas, apresentam uma forma mais comum ao vocabulário mineiro: são mais esguias e esgarçadas, num padrão muito diferente dos auriculares tradicionalmente paulistas. São também mais planas, menos protuberantes, como que mais esparramadas.

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b Fig.159: Rocalhas das banquetas dos retábulos das Igrejas do Avareí, em Jacareí (a), de Santana, em Areias (b) e da Matriz de Santa Rita, em Ritápolis (MG) (c). Fotos: Mateus Rosada, 2014 e 2016.

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2.4.3. A INFLUÊNCIA DA CAPITAL: O RIO DE JANEIRO

Foi inevitável a São Paulo receber influências várias do Rio de Janeiro durante quase toda a sua existência. A cidade fluminense desenvolveu-se muito rápido e logo no século XVII exercia um papel de polo regional. No âmbito religioso, ali estava o maior mosteiro beneditino do Brasil Meridional, os franciscanos criariam a sede da segunda província brasileira naquela cidade em 1675, e os carmelitas logo depois, em 1720. O Rio de Janeiro ainda se tornaria sede de bispado em 1676. Assim, muito do que os padres e religiosos realizavam nos domínios paulistas respondia ao Rio de Janeiro. No século seguinte, em 1763, os cariocas viram sua cidade tornar-se capital da Colônia, o que dinamizou o município e exponencializou sua preponderância, que só viria a crescer quando esta passou a sede do Reino Unido, em 1808, e do Império em 1822. A cidade do Planalto de Piratininga era uma das sedes de capitania mais próximas do Rio, pouco mais de 400 quilômetros, quase nada de diferença de Vila Rica, a mais próxima. As vilas vale-paraibanas, especialmente as localizadas no Caminho da Piedade, que ligava São Paulo aos domínios fluminenses, sentiriam ainda mais a presença carioca na talha de suas igrejas. Inicialmente, durante o período em que vigorava o estilo barroco português, tivemos algum intercâmbio entre os mosteiros beneditinos das duas capitais, no grupo por nós chamado de São Bento, uma vez que a talha aqui produzida sob os beneditinos possuiu muitas características assemelhadas com a de Frei Domingos da Conceição, monge do mosteiro carioca. A influência do Rio de Janeiro é mais indireta durante o período joanino, mas se fortalece durante o rococó, quando trabalhos com a mesma lógica compositiva do Mestre Inácio Ferreira Pinto são executados em igrejas do Vale do Paraíba paulista. A exportação de modelos pelo Rio só se amplia no século XIX, quando entalhadores executam em cidades paulistas altares parecidos com os do carioca Manoel Francisco dos Santos Deveza e com a presença direta de um fluminense atuando na região de Campinas: Bernardino de Sena Reis e Almeida. Dessa forma, o Rio de Janeiro foi Estado que mais influenciou a talha paulista, desde início do século XVIII até o advento da República, quando encerramos nosso recorte histórico.

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GRUPO DE SÃO BENTO (Barroco português, c.1700) < Fig.160: Retábulo do jazigo da Igreja da Ordem Terceira Franciscana da capital, com coroamento fantasioso. Foto: Mateus Rosada, 2015.

Este grupo leva o nome de São Bento porque todos os seus altares são remontagens de talha produzida no mosteiro beneditino de São Paulo. Os elementos que predominam nessas composições indicam a sua feitura por um mesmo autor, mas em todos os casos há partes de outras mãos e de outras épocas que foram acrescidas ao se reconstituir os retábulos. Os remanescentes compõem partes de três altares de três igrejas, originalmente produzidos todos em São Paulo. Atualmente, nenhum se encontra na igreja original. Tratam-se dos retábulos instalados:



Na Igreja das Chagas do Seráfico Pai São Francisco, Ordem Terceira da Penitência de São Paulo, o retábulo do jazigo da ordem (c.1700), cujos livros da Ordem registram ser ele uma composição de peças oriundas da igreja dos beneditinos (ORTMANN, 1951);



Na Igreja de Santana do Mosteiro de São Bento de Jundiaí (c.1700), que possui elementos de 13

pelo menos três autores diferentes (dois de estilo português e um joanino), recombinados . Sobre a banqueta tratamos no grupo do Colégio de São Paulo, no item 2.4.6. Trataremos dos elementos do estilo português; •

Na Capela de Nossa Senhora dos Aflitos (c.1700), em São Paulo, apenas o frontal do altar e o trono, quase idêntico ao que se encontra em Jundiaí.

Por serem recomposições, seguem estruturas bastante livres e não se encaixam na organização tipológica do barroco português. Os elementos, no entanto, permitem classificá-los dentro desse estilo e perce-

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Percival Tirapeli (2003, p.244) opina que o retábulo de Jundiaí seria originalmente da Capela do Bairro de Pinheiros, antiga aldeia jesuítica que foi depois administrada pelos beneditinos, mas a grande semelhança com a talha da capela do jazigo franciscano, citada acima, nos leva a crer que as partes que o compõem seriam mesmo do próprio mosteiro paulistano.

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ber que se tratava de artista conhecedor dos cânones do período e com boa qualidade de lavra. Assim, elementos como cimalhas adornadas com óvulos e acantos, frisos dos entablamentos com a presença de pequenos querubins (apenas em Jundiaí), mísulas ricamente adornadas com acantos e colunas pseudossalomônicas cobertas de vinhas, pássaros e capitéis coríntios, são alguns dos elementos encontráveis.

^ Fig.161: Frontal do altar do mosteiro de Jundiaí. Foto: Mateus Rosada, 2014.

^ Fig.162: (página anterior) Os lírios, que não aparecem na mesa de Jundiaí, surgem no frontal do altar da Capela de Nossa Senhora dos Aflitos de São Paulo. No entanto, toda a distribuição dos enrolamentos obedece à mesma organização. Foto: Mateus Rosada, 2015.

< Fig.163: O mesmo padrão de volutas em acanto e lírios aparece no pequeno trono da Capela dos Aflitos. Foto: Mateus Rosada, 2015.

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Capítulo 2 - Ornamentação

Aqui se destacam os painéis que preenchem os planos e que, diferentemente do Grupo do Colégio, que veremos adiante, no item 2.4.6, se caracterizam por molduras que delimitam grandes e protuberantes enrolamentos de folhas de acanto, às vezes acompanhados de lírios. É interessante perceber que, apesar de algumas poucas especificidades de traço, a forma desses enrolamentos se aproxima muito da talha da nave da Igreja do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro, executada pelo monge português Domingos da Conceição, de 1669 a 1717 (ROCHA, 1991). A lógica de ocupação do quadro é a mesma: os ramos principais ocupam toda a largura do painel e executam uma volta e meia até as pontas, as nervuras das folhas são bastante marcadas e o recorte das extremidades é movimentado. Até mesmo a distribuição dos ramos secundários se localiza quase nos mesmos lugares. Cremos que mesmo que tenham sido feitos a partir de gravuras, ainda raras em inícios do século XVIII, os elementos não guardariam tantas semelhanças entre si. Isso nos leva a indagar se Frei Domingos da Conceição, beneditino, algum discípulo teria vindo trabalhar no monastério paulistano, uma vez que a casa de São Paulo, nesse período, respondia à abadia carioca.

a b c Fig.164: Detalhe das folhas de acanto dos retábulos: do jazigo da Ordem Terceira Franciscana de São Paulo (a), dos mosteiro beneditinos de Jundiaí (b) e do Rio de Janeiro (c), obra de Frei Domingos da Conceição e a cujo padrão os exemplares paulistas se assemelham. Fotos: Mateus Rosada, 2014.

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GRUPO ROCOCÓ FLUMINENSE (Rococó, c.1780-c.1790)

Este grupo trata de artistas fluminenses do período rococó que trabalharam em São Paulo. Myriam Ribeiro de Oliveira destaca que “o modelo de decoração rococó elaborado no Rio de Janeiro estendeu-se a outras cidades da região Fluminense, como Angra dos Reis, Paraty, Itaboraí, Maricá e Campos dos Goytacazes” (2003, p. 96). Percebemos que, para além do Rio de Janeiro, essa influência ultrapassou a divisa das capitanias e chegou a São Paulo, atingindo o Vale do Paraíba, região que sempre teve uma ligação mais estreita com a capital fluminense, graças à maior proximidade com a mesma e ao fato de se situarem no caminho que a liga à cidade administrativa paulista. Sobre quem poderia ser o autor desses altares, existem hipóteses de dois nomes. Há alguns anos, Carlos Lemos realizava pesquisas e chegava à conclusão de que um dos autores se chamava Pedro dos Santos (TIRAPELI, 2005, p.280). Ele teria confeccionado os retábulos da Basílica Velha de Aparecida, hoje instalados na Igreja de São Gonçalo da capital. Já Benedito Coupé (1983, p.03) aventa para a possibilidade dos retábulos de Guaratinguetá, deste grupo, terem sido feitos pelo mestre-entalhador Goarino José das Chagas, cuja presença é registrada na cidade no biênio de 1792-1793, data, pelo padrão estilístico dos retábulos da catedral, bastante provável para sua execução. O grupo guarda muitas semelhanças com as obras de um dos principais artífices do Rio de Janeiro na segunda metade do século XVIII: Inácio Ferreira Pinto (Rio de Janeiro, 17591828) (RABELO, 2001). Há visíveis semelhanças das igrejas deste grupo, nas colunas estriadas, nos capitéis, nos coroamentos, entre outros elementos, com igrejas fluminenses, como as de Santa Rita e de Nossa Senhora do Rosário, em Paraty; de Nossa Senhora da Guia, em Mangaratiba; do Carmo, em Campos dos Goytacazes; de Santa Rita, Santa Efigênia e Santo Elesbão, Santa Luzia, Ordem Primeira do Carmo, Nossa Senhora da Lapa dos Mercadores e Nossa Senhora da Glória do Outeiro, na capital fluminense. Aqui, em terras paulistas, encontramos os 11 Fig.165: Retábulo-mor da Catedral de Guaratinguetá. Foto: Mateus Rosada, 2014

retábulos em 4 igrejas do padrão fluminense:

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Capítulo 2 - Ornamentação

Na Catedral de Santo Antônio, Guaratinguetá, o retábulo-mor, os retábulos do transepto e dois da nave (c.1790),



Na Igreja de São Gonçalo Garcia, São Paulo, os altares colaterais, colunas, cartelas e tarja do altar-mor (c. 1780), vindos da Basílica Velha de Aparecida em 1893, quando da reforma que trocou as peças retabulars de lá,



Na Basílica Velha de Nossa Senhora Aparecida, na cidade homônima, os balaústres, bordas inferiores e sanefas das tribunas (c.1780), que foram mantidos após tantas reformas,



Na Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição de Cunha, os retábulos colaterais, as mísulas e colunas do retábulo-mor (c.1790).

Com isso, além das cidades citadas por Myriam Oliveira, artífices de clara influência fluminense realizaram trabalhos nas igrejas de Aparecida, Guaratinguetá e Cunha, não por acaso, todas no caminho velho da Estrada Real, que ligava a Minas Gerais ao porto de Paraty, cidade que pode ter sido a porta de entrada desse grupo em São Paulo.

Fig.166: Cidades por onde circulou o grupo de entalhadores fluminenses. 1. Aparecida, 2. Guaratinguetá, 3. Cunha, A. Paraty, B. Angra dos Reis. Desenho: Mateus Rosada.

Uma primeira característica tipicamente fluminense que salta aos olhos, antes mesmo de se observar os retábulos, é o arremate superior dos arcos-cruzeiros, sempre ornados com cartelas nas pilastras e na face do intradorso e com rocalhas que extrapolam o espaço restrito da moldura, formando aletas laterais que se alçam da composição e preparam o espaço central, na chave do arco, para receber uma tarja de grandes proporções.

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Tipicamente carioca é, entretanto, a decoração da arcada que delimita externamente o retábulo, com relevos ornamentais aplicados em intervalos regulares, e uma elegante tarja central ladeada por duas aletas sinuosas em curva aberta (...). A adaptação do partido ornamental dessas arcadas à decoração ao arco-cruzeiro foi um passo fundamental, possivelmente dado pelos próprios entalhadores da oficina de Santa Rita. Tanto a tarja como as aletas foram monumentalizadas, para a adaptação às dimensões do arco-cruzeiro, recebendo as últimas requintado desenho rocaille, assim como os ornatos em talha dourada, aplicados na face interna das pilastras e no intradorso do arco. Essa primorosa composição ornamental, além de possuir forte impacto visual tem o mérito de integrar visualmente as decorações da nave e da capela-mor, foi retomada no arco-cruzeiro de outras igrejas, notadamente Mãe dos Homens, Lapa dos Mercadores, Ordem Terceira do Carmo e Santa Cruz dos Militares, transformando-se me marca definitiva do rococó religioso do Rio de Janeiro (OLIVEIRA, 2003, p.188-89).

Essa forma de ornamentação cujas rocalhas escapam da moldura do arco-cruzeiro só é observável em igrejas paulistas do estilo rococó ou imperial cujos artífices tiveram algum contato com o Rio de Janeiro. E são apenas cinco igrejas em toda a nossa pesquisa, três desse grupo: Catedral de Guaratinguetá, Matriz de Cunha e Basílica de Aparecida (esta última com ornamentação dos arcos complementada posteriormente em outro estilo), e duas do período imperial: a Catedral de Campinas e a Igreja de Nossa Se14

nhora da Boa Morte de Limeira (que analisaremos, ambas, adiante, no grupo de Bernardino de Sena) . De qualquer forma, em São Paulo, os arcos de passagem da nave para a capela-mor limitavam sua decoração à própria moldura e, às vezes, a uma tarja, não sendo comum pensar-se em todo um coroamento para os mesmos.

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14 Há um sexto caso de ornamentação da parede do arco-cruzeiro, que não mencionamos no corpo do texto por seguir uma lógica distinta: os florões que adornam as paredes acima do arco-cruzeiro e dos arcos do transepto da Igreja das Chagas do Seráfico Pai São Francisco, em São Paulo. São elementos que não nascem da moldura do arco e a extrapolam, mas são totalmente externos a ela e independentes, se apoiam sobre os arcos.

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Capítulo 2 - Ornamentação

^ Fig.168: (página anterior) Arcos-cruzeiros da Igreja Matriz de Cunha (a) e da Catedral de Guaratinguetá (b), cuja forma de ornamentação se aproxima muito de templos fluminenses. Fotos: Mateus Rosada, 2014.

< Fig.169: Arco-cruzeiro da igreja carioca de Santa Rita. Repare nas aletas formadas pelas rocalhas do arco e a grande cartela que centraliza a composição. Foto: Mateus Rosada, 2014.

Além dos arcos-cruzeiros, os retábulos deste grupo possuem muitas características marcantes e únicas dentro do contexto paulista. Apresentam, inicialmente, estrutura com o camarim central arrematado 15

em arco pleno e coroamento que se dá, nos retábulos-mores , em frontão curvilíneo ladeado de volutas com moldura superior e resplendor ao centro, forma que ocorre com mais frequência no Rio de Janeiro e em Minas Gerais. Nos colaterais, a única diferença é a na moldura superior, que passa a ser triangular.

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c

Fig.170: Coroamentos do retábulo-mor da Catedral de Guaratinguetá (a) e dos colaterais das Igrejas de Nossa Senhora da Conceição de Cunha (b), de São Gonçalo de São Paulo (c) e de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito de Paraty (d). Fotos: Mateus Rosada, 2014 (a, b, c), Percival Tirapeli, 2015 (d).

Percival Tirapeli destaca a semelhança dos altares de Cunha com seus pares na Igreja de Santa Rita da fluminense Paraty:

15

Neste grupo existem apenas três retábulos-mores: o de Guaratinguetá, o de Cunha e o da Igreja de São Gonçalo paulistana. Os dois últimos são resultados de reformas, pois apresentam partes de características de entalhe diferentes. O único que possui toda a estrutura fluminense é o de Guaratinguetá.

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Na ornamentação do altar-mor nota-se a influência recebida da igreja de Santa Rita, da vizinha e litorânea cidade de Parati (RJ), com colunas salomônicas. Nos altares do arco-cruzeiro, verificam-se elementos semelhantes nos arremates superiores dos retábulos, com a presença constante do símbolo do Espírito Santo – uma pomba – , com resplendores que se multiplicam em outras igrejas (2003, p.278).

Destaque-se que essa forma de coroamento difere da maior parte dos altares paulistas do rococó, cuja solução mais comum foi a de manter a composição encimada por uma sanefa em arco joanino e uma tarja central, sem frontão ou resplendor, características do período anterior, do barroco joanino.

a

b

c

Fig.171: Colunas e capitéis dos altares laterais e colaterais da Catedral de Guaratinguetá (a), da Igreja Matriz de Cunha (b) e da Igreja de São Gonçalo (c). Fotos: Mateus Rosada, 2014.

Também o tratamento das colunas difere do padrão paulista, pois as colunas são retas e estriadas com frisos salientes. Tais frisos são arrematados tanto no primeiro terço como nas partes superior e inferior do fuste por elementos fitomorfos, semelhantes a botões de flor, que se intercalam nos espaços entre as estrias ou as abraçam. Os capitéis são compósitos e ornados com folhas estilizadas de bordos lineares e sem recortes. A única exceção se dá nas colunas do retábulo-mor de Cunha, que são salomônicas com as espiras ornadas de flores miúdas, mas de um padrão diferente de qualquer retábulo paulista e semelhante às flores que decoram as colunas torças fluminenses do período. As colunas estriadas e a forma do coroamento dos retábulos do rococó do Rio de Janeiro, a quem estes que aqui tratamos se filiam, levam Myriam Oliveira a ligá-los a um padrão olissiponense: Os elementos de maior destaque são as colunas retas e estriadas, acima das quais eleva-se um frontão de linhas sinuosas, com anjos adoradores ajoelhados nos arranques laterais. Essa estrutura reproduz uma tipologia muito comum na região de Lisboa, de onde foi provavelmente importado o modelo (OLIVEIRA, 2003, p.188).

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a

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b

c

d

Fig.172: Colunas misuladas ornadas com flores e querubins em altares laterais das igrejas da Orcem Terceira do Carmo do Rio de Janeiro (a) (obra de Inácio Ferreira Pinto), Guaratinguetá (b), Cunha (c), Santa Rita de Paraty (RJ) (d), Rosário de Paraty (RJ) (e) e São Gonçalo de São Paulo (f); estas últimas sem anjinhos, mas com a mesma estrutura e padrão decorativo. Fotos: Mateus Rosada, 2014 (a, b, c, f); Percival Tirapeli, 2015 (d, e). e

f

As colunas centrais dos retábulos laterais ou colaterais ainda são substituídas por esbeltas colunas misuladas com elementos do vocabulário rocaille, flores e cabecinhas de querubins, e se assentam sobre pedestais bojudos, enquanto que as colunas se apoiam da forma mais tradicional, em mísulas.

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É importante que se destaque que a figuração humana quase inexiste nos altares rococós do Estado de São Paulo, estando restrita, com raras exceções, apenas a este grupo de entalhadores. E mesmo as figuras dos anjos adoradores nos coroamentos, citadas por Oliveira (2003, p.188) ao observar igrejas cariocas, não ocorre na variante paulista. Nos intercolúnios, as peanhas são ornadas com relevos em motivos rocaille e os dosséis, em rocalhas conchóides alteradas e estilizadas pelo mesmo vocabulário formal. As cartelas e as tarjas contam com a presença de entrelaçamentos, elementos típicos do estilo regência (padrão formal de origem francesa que influenciou a talha joanina e rococó da região de Lisboa) e/ou amorfismos, ou seja, alterações e esgarçamento das formas das conchas do rococó que resultam em figuras abstratas, que não remetem mais a nenhuma figura encontrada na natureza. Ainda assim, as estrias das conchas são perceptíveis. As bordas são tratadas com volutas que são sempre abraçadas por algum elemento que escapa da composição interior e encimadas/rodeadas por flores e folhas.

a

b

c

d

Fig.173: Cartelas, na parede da nave da Igreja da Ordem Terceira do Carmo do Rio de Janeiro (a), nos retábulos laterais da Igrejas de São Gonçalo (b) e Guaratinguetá (c) e no arco-cruzeiro da Matriz de Cunha (d). Fotos: Mateus Rosada, 2014.

a b c d Fig.174: Cartela na parede da nave da Igreja da Ordem Terceira do Carmo do Rio de Janeiro (a), semelhante às tarjas encontráveis nos retábulos laterais das igrejas da Matriz de Cunha (b), da Igreja de São Gonçalo (c) e da Catedral de Guaratinguetá (d). Fotos: Mateus Rosada, 2014.

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Capítulo 2 - Ornamentação

Nota-se a presença da representação de folhas de palmáceas, vocabulário de influência pombalina, estilo da corte portuguesa do período. Tal elemento evidencia, mais uma vez, a ligação desse padrão com a ornamentação de Lisboa, disseminada ao Brasil predominantemente via Rio de Janeiro.

b

Figs.175: Representações de folhas de palmas em retábulos das igrejas de Guaratinguetá (a) e Cunha (a). Fotos: Mateus Rosada, 2014. a

Surgem ainda no Estado de São Paulo, e exclusivamente neste grupo, representações de simbologias marianas em emblemas em meio à talha, fato que não chega a ser incomum no Brasil, mas tem ocorrências pontuais. Dentro do âmbito de nossa investigação, apenas duas igrejas apresentam essas alegorias, e são ambas deste grupo: a Matriz de Cunha e a Igreja de São Gonçalo. A primeira é dedicada a Nossa Senhora da Conceição e os altares da segunda provém de uma outra igreja da Conceição (Aparecida). Daí a origem dos símbolos, e por isso também não se encontram os mesmos sinais na Catedral de Guaratinguetá, que deve ser do mesmo entalhador, mas cujo orago é Santo Antônio. Para a pesquisadora Carme Lopez Calderón (2013, p.657-663), da Universidade de Santiago de Compostela, essas simbologias são mais do que representações de uma ou outra ladainha ou poema dedicados a Nossa Senhora, mas fazem parte de todo um conjunto de ações doutrinárias tridentinas para exaltar Maria como exemplo a ser seguido pelos cristãos, enaltecendo suas qualidades e a fé na Mãe de Deus: por Maria se chega a Cristo. À margem de maior ou menor elaboração destes programas [de representação das virtudes da Virgem], a mensagem que todos eles transmitem é idêntica, pois, não em vão, seu fundamento teórico é o mesmo: a doutrina mariana da Igreja Católica. Uma doutrina que, como tentamos comprovar, se propaga através de escritos - homilias, maiais, tratados, catecismos.. -,dando-lhe imagens e, particularmente, emblemas niuma linguagem universal para com a qual satisfazer plenamente sua vocação ecu16 mênica (LOPEZ CALDERÓN, 2013, p.659-660).

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No original em espanhol: al margen de la mayor o menor elaboración de estos programas, el mensaje que todos ellos transmiten es idéntico, pues, no en vano, su fundamento teórico es el mismo: la doctrina mariana de la Iglesia Católica (capítulo 1). Una doctrina que, como hemos tenido ocasión de comprobar, se propaga a través de todo tipo de escritos -homilías, mariales, tratados, catecismos…-, brindándole las imágenes y, particularmente, los emblemas un lenguaje universal con el que satisfacer plenamente su vocación ecuménica.

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Algumas publicações, como o Canticum Canticorum (Cântico dos Cânticos), o Pancarpium Marianum, a Elogia Mariana, o Mundus Symbolicus, o Mater Amoris et Doloris, e o Coelum Christiano chegaram ao Brasil e suas ilustrações serviram de base tanto para pinturas como para a representação em talha. No universo de nossa pesquisa, a São Gonçalo possui o maior número de simbologias marianas. Muito provavelmente por ser a Conceição Aparecida a igreja original, já um centro de peregrinação, isso fez com que o artífice se utilizasse de mais emblemas para acentuar a exposição das virtudes da Virgem Maria e tornar mais forte o caráter didático e doutrinário do templo através da talha. Com isso, são dezesseis os emblemas marianos (um repetido) que hoje encontramos na Igreja de São Gonçalo da capital, quatro deles – o Sol, a Lua, a estrela e a palma – também encontráveis na Matriz de Cunha.

Fig.176: Altar-mor da Igreja de São Gonçalo de São Paulo, com a localização dos emblemas marianos. Foto: Mateus Rosada, 2014.

Em sentido horário, a partir do frontal do altar, temos: Rosa – Rosa Mystica (rosa misteriosa): Exalta a pureza de Maria que, saindo de um tronco/caule rude e espinhoso, produziu tamanho perfume e beleza. Lírios – Flos campi (flor dos campos): De natureza semelhante ao emblema anterior, simboliza a pureza mariana que, assim como a flor que nasceu nos campos, sem arado, sem adubo e sem auxílio humano, não necessitou a Virgem de auxílio humano para conceber.

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Poço – Puteus aquarum viventium (poço de águas vivas): Maria, na condição de mãe de Jesus Cristo, é a fonte da água viva (Jesus), para onde acorrem os que têm sede de justiça. Torre com ameias – Turris Davidica (torre de Davi): Invoca Maria, descendente da casta de Davi segundo a Bíblia, como proteção e fortaleza. Lua – Pulchra ut Luna (formosa como a Lua): Exalta a beleza mariana, em alusão a um trecho muito conhecido do Cântico dos Cânticos: Quem é esta que avança como a aurora, formosa como a lua, brilhante como o sol, temível como um exército em batalha? (Cântico dos Cânticos, 6: 10). Estrelas – Perfecta ex omnibus una est (Perfeita entre todas, se acompanhadas da simbologia da lua) Palma – Palma exaltata in gloria (palma exaltada em glória): Sempre utilizada como símbolo do triunfo e das pessoas que atingiram a santidade. Escada – Jacob scalae (Escada de Jacó): Remete a um sonho que teve Jacó em que vislumbrava uma escada muito longa que levava aos céus e a Deus. Aqui simboliza Maria como corredentora, caminho para o céu. Cálice – Vas honorabile (cálice/vaso honorável): Recorda Maria como ventre que gerou a Cristo. O cálice contém o sangue de Cristo assim como Maria, em sua gravidez, serviu de receptáculo para o Salvador: Em mim está toda a graça do caminho e da verdade, em mim, toda esperança de vida e de virtude (Eclesiástico: 24, 25) Naveta – thymiama spiritualis (incenso do espírito): (MARRACCY, 1683, p.170) Como no símbolo que segue, alude a Maria como recipiente das orações dos santos, que as leva a Cristo. Turíbulo – thymiaterium aureum (Incensário de Ouro): O incenso significa as orações dos santos. María funciona como o perfumador no qual o incenso é colocado, e dela sobem ao céu as orações de justos e pecadores; o ouro do turíbulo alude à pureza de María. Árvore com frutos – Arbor fructuosa: (MARRACCY, 1683, p.26) Simbologia que fala de Maria pelas virtudes que produziu e também pela maternidade de Cristo. Trigo – triticum, semen (trigo, semente): simboliza o fruto que Cristo deixou com sua vida e sua obra. Sol – Electa ut Sol (refulgente como o Sol): A proclamação de Maria refulgente como o sol ressalta a sua maternidade divina, a negação de todo pecado sobre si e, por isso, a defesa de sua imaculada concepção e virgindade, do mesmo trecho do Cântico dos Cânticos que se extraiu o Electa ut Luna (Cântico dos Cânticos, 6: 10).

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Torre com pináculo – Turris Eburnea (torre de marfim): O marfim significa a pureza corporal e espiritual de Maria, ou seja, sua virgindade perfeita e sua imaculada concepção. Torre com sino – Templum Dei (templo de Deus): (MARRACCY, 1683, p.241) Novamente, outro emblema ligado diretamente à concepção, Maria como templo de Deus, como ventre que gerou a Jesus, verdadeiro homem e verdadeiro Deus.

As mesmas torres também foram entalhadas em igrejas da capital fluminense. As observamos, com mesmos traços, número e disposição de janelas e, no caso dos astros celestes, feições humanoides de traços semelhantes, pelo menos nas duas Igrejas do Carmo do Rio de Janeiro.

c a b Fig.177: Representação do Sol na Igreja da Ordem Terceira do Carmo do Rio de Janeiro (a) (Inácio Ferreira Pinto), no retábulo-mor da Igreja de São Gonçalo (b) (talvez de Pedro dos Santos) e no arco-cruzeiro da Matriz de Cunha (c). Fotos: Mateus Rosada, 2014.

b c a Fig.178: Representação da Lua na Igreja da Ordem Terceira do Carmo do Rio de Janeiro (a) (Inácio Ferreira Pinto), no retábulo-mor da Igreja de São Gonçalo (b) (talvez Pedro dos Santos) e no arco-cruzeiro da Matriz de Cunha (c). Mais do que no Sol, as feições da Lua e as nuvens que a rodeiam guardam ainda mais semelhanças. Fotos: Mateus Rosada, 2014.

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Capítulo 2 - Ornamentação

GRUPO IMPERIAL FLUMINENSE (Imperial, 1840-c.1880)

No final do século XVIII e avançando pelo Século XIX, veremos que a relação entre as províncias de São Paulo e do Rio de Janeiro estreitava-se cada vez mais. São Paulo crescia em economia e população, consequentemente novos templos eram construídos e antigos reformados. O Rio de Janeiro, alçado de capital da Colônia para sede do Reino Unido e, pouco tempo depois, do Império, reforçava ainda mais sua posição de polo atrator e irradiador de artistas e estilos, facilitado pelo desenvolvimento de vias e meios de transporte. Não por acaso, aumentavam as contratações de profissionais daquela cidade, como é o caso de Iguape, cuja Basílica do Bom Jesus ainda em fins do século XVIII teve o projeto encomendado a engenheiros militares do Rio (FORTES, MACHADO, 2006, p.29). A relação com a sede fluminense, ao que parece, permeou toda a obra da basílica, que ocorreu de 1787 a 1856, com complementos posteriores: o trabalho de cantaria foi realizado pelo mestre-canteiro José dos Reis, vindo do Rio de Janeiro, e Agostinho Moreira Martins (...). Os douradores da Igreja do Bom Jesus vieram do Rio de Janeiro, no ano de 1872 (BRASIL, 2009, p.177). Percebendo essa inter-relação, não soa estranho, ao se observar o retábulo-mor do Santuário do Bom Jesus de Iguape, constatar que ele tem muitos elementos idênticos aos de igrejas cariocas do mesmo período, como Nossa Senhora da Conceição e Boa Morte (1835-1840), Nossa Senhora do Terço (1842), Nossa Senhora do Carmo da Lapa (1848) e São Gonçalo e Fig.179: Altar lateral de São José da Igreja de Nossa Senhora da Conceição e Boa Morte, no Rio de Janeiro. Foto: Mateus Rosada, 2014.

São Jorge (1854).

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E aí, em um dos pares cariocas da Bom Jesus de Iguape, há menção de autoria: de 1835 a 1840 o entalhador Manoel Francisco dos Santos Deveza confeccionou os altares laterais e fez alguns acréscimos no altar-mor da Igreja da Conceição e Boa Morte do Rio de Janeiro (OLIVEIRA, JUSTINIANO, 2008, p.37). Longevo, Deveza deve ter alcançado o início do século XX, pois sabe-se que fez testamento em 1896 e que seu inventário foi concluído em 1907 (BRASIL, 1907, p.22). Seu traço se imprime, então, em pelo menos outras três igrejas do Rio de Janeiro, acima mencionadas, e templos de mais três municípios fluminenses: na Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição de Paty do Alferes (1844), na Catedral de Nossa Senhora da Glória de Valença (1845) e na Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição de Vassouras (1853). Como ocorre aos outros grupos, não se pode afirmar que todas as obras são de Manoel Francisco e nem que era mestre ou aprendiz, mas encontramos muitas semelhanças no estilo da talha de todas as igrejas citadas. Por não termos a certeza de que ele teria atuado no Estado de São Paulo, cremos que o grupo deva ter o nome da influência estilística que levou para São Paulo, daí o nome Imperial Fluminense. Similaridades de traço são encontradas nas seguintes igrejas: •

Na Catedral de Santo Antônio de Guaratinguetá, nos retábulos da nave de Santa Teresinha e de Nossa Senhora do Carmo (1847),



Na Basílica Santuário do Bom Jesus do Iguape, no retábulo-mor (1856),



Na Igreja do Convento de Santo Antonio do Valongo de Santos, nos retábulos laterais de Nossa Senhora das Dores e do Ecce Homo (1875),



Na Igreja Matriz de São Sebastião, São Sebastião, nos seis retábulos laterais (c.1880)



Na Capela de São Gonçalo de São Sebastião, no retábulo-mor (c.1880),



Na Igreja do Senhor do Bonfim de Aparecida, no retábulo-mor (1880).



O grupo deixou seis igrejas em cinco municípios paulistas, percorrendo o litoral e parte do Vale do Paraíba, conforme o mapa abaixo:

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Capítulo 2 - Ornamentação

Fig.180: Abrangência do grupo Imperial Fluminense. 1. Iguape, 2. Santos, 3. São Sebastião, 4. Aparecida, 5. Guaratinguetá. Desenho: Mateus Rosada.

Essas obras totalizam catorze retábulos e constituem-se tanto por obras mais eruditas, caso de Iguape e Guaratinguetá, como por releituras populares, observáveis nos altares do convento franciscano de Santos e nas duas igrejas de São Sebastião. Há, por último, uma tentativa de réplica dos altares laterais de Guaratinguetá no retábulo-mor da Igreja do Senhor do Bonfim de Aparecida, realizado pelo entalhador José Romão (RIBEIRO, 2012, p.01). Esse grupo realizava retábulos com os mesmos ornamentos, mas com estruturação tipológica bastante distinta. Há, por isso, uma tipologia de altares laterais e outra de altares-mores. A primeira tipologia, de retábulos laterais, possui algumas características específicas:

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b a Fig.181: Coroamento dos retábulos de São José na Igreja do Terço do Rio de Janeiro (a) e de Nossa Senhora do Carmo na Catedral de Guaratinguetá (b). Fotos: Mateus Rosada, 2014.

Os retábulos laterais não são contidos, em sua maioria, por arcos e, por isso, possuem um destacado coroamento, cuja moldura externa se baseia numa sucessão de volutas formadas por ramos com folhas e com flores decorando os olhos dos enrolamentos, com uma tarja integrada à composição. O centro do coroamento é ornado com molduras e elementos florais, que se organizam em arquivoltas em torno do arco pleno do camarim. Muitas vezes se assentam vasos nos alinhamentos das colunas acima do entablamento. Esses vasos possuem a parte superior coberta de elementos fitomorfos e a parte bojuda do corpo dividida em gomos ou recamada de folhas.

b a Fig.182: Detalhe das volutas que emolduram os coroamentos dos retábulos de São José na Igreja do Terço do Rio de Janeiro (a) e de Nossa Senhora do Carmo na Catedral de Guaratinguetá (b). Fotos: Mateus Rosada, 2014.

Fig.183: Vaso do coroamento da igreja do Rio de Janeiro. Foto: Mateus Rosada, 2014.

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Capítulo 2 - Ornamentação

c

a b Fig.184: Retábulos de São José na Igreja do Terço do Rio de Janeiro (a), de Nossa Senhora do Carmo na Catedral de Guaratinguetá (b) e o retábulomor da Igreja do Bonfim de Aparecida (c, d), que possui a mesma estrutura de um altar lateral, no entanto já não mais o coroamento que se observava na foto dos anos 1980 (c). Fotos: Mateus Rosada, 2014 (a, b); José Carlos Oliveira, c.1980 (c), 2012 (d).

d

No corpo dos retábulos da primeira categoria, as colunas são instaladas apenas nas linhas estruturais externas. Possuem fustes estriados, com anéis marcando o terço inferior, e são encimadas por capitéis jônicos. Estes podem ser decorados com folhas invertidas (crescendo de cima para baixo) ou pingentes vegetalistas. No local tradicionalmente reservado às colunas centrais, ladeando o camarim, se instalam estípites, mais estreitas, com alguma deformação no centro ou marcando um dos terços (superior ou inferior) do fuste: um alargamento ou um elemento circular.

< Fig.185: Capitéis dos retábulos de São José na Igreja do Terço do Rio de Janeiro (a) e de Nossa Senhora do Carmo na Catedral de Guaratinguetá (b). a

b

Fotos: Mateus Rosada, 2014.

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As mísulas que apoiariam as colunas são substituídas por pedestais trapezoidais estriados, com a parte superior projetada para a frente, ainda remetendo ao movimento de uma mísula, com topo recamado de folhas e pendentes de panejamento no centro. Na base das estípites, os pedestais são retos, com a mesma decoração. O mesmo tratamento dos pedestais se dá para a mesa do altar: tem forma trapezoidal, com um florão circular ao centro e emolduramentos nas duas laterais que acompanham a curvatura do círculo central. Também possui uma faixa recamada de folhas de bordas drapeadas. As folhas de ambas as tipologias deste grupo possuem as bordas onduladas, quase drapeadas. Isso é uma marca do grupo Imperial Fluminense.

a b Fig. 186: Altares da Catedral de Guaratinguetá (a) e da Igreja do Bonfim de Aparecida (b). Fotos: Mateus Rosada, 2014; José Carlos de Oliveira, 2012.

Os altares-mores constituem uma segunda tipologia, que se caracteriza pela progressiva mudança do modelo já tradicional do rococó fluminense de coroamento com frontão ladeado de volutas para o uso de frontão triangular, direcionando-se para o neoclassicismo.

a b c Fig.187: Retábulo-mores das igrejas de Nossa Senhora do Terço (a) e de Nossa Senhora do Carmo da Lapa (b), ambas no Rio de Janeiro, e da Basílica do Bom Jesus de Iguape (c). Fotos: Mateus Rosada, 2014.

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Capítulo 2 - Ornamentação

Nos exemplares mais antigos, das décadas de 1830 e 1840, os coroamentos se davam com um estrutura apoiada sobre volutas, estas ornadas com motivos de folhas onduladas, sem flores, e tendo vasos recamados de folhagens ao lado ou à frente. Ao centro, no cimo, uma moldura ondulante decorada com ramagens fechava o frontão, que tinha ao centro um resplendor ou emblema. Percebe-se uma mudança a partir do retábulo-mor da Igreja de Nossa Senhora do Carmo da Lapa, quando o coroamento se dá por um frontão triangular com cantos projetantes. A composição vegetal acima do frontão, assim como o resplendor do centro, são mantidos e, por ser o triângulo emoldurado uma forma muito fechada em si, o entalhador não prescinde dos elementos orgânicos para uni-lo às partes vizinha, adossando-o com o mesmo padrão de volutas com folhagens e vasos decorados dos retábulos anteriores. Especificamente no caso paulista de Iguape, ainda que possua frontão triangular, faz-se uso de volutas para compor o coroamento, demonstrando a necessidade compositiva de preencher todo o fundo que tem origem em movimentos anteriores e se mantém no Estilo Imperial. Há ainda triângulos raiados que fazem moldura para o arco pleno do camarim, logo abaixo do frontão, elemento que encontra-se presente também em arcos das capelas de algumas fazendas do Vale do Paraíba, como a Boa Vista, em Bananal.

a

b

d c Fig. 188: Linha evolutiva dos coroamentos retabulares: igrejas de Nossa Senhora da Conceição e Boa Morte (a) (1835-1840), Nossa Senhora do Terço (b) (1842), Nossa Senhora do Carmo da Lapa (c) (1848), todas no Rio de Janeiro, e Basílica do Bom Jesus de Iguape (d) (1856). Fotos: Mateus Rosada, 2014.

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b c d a Fig.189: Detalhe dos vasos e volutas que ladeiam os frontões: igrejas de Nossa Senhora da Conceição e Boa Morte (a) (1835-1840), Nossa Senhora do Terço (b) (1842), Nossa Senhora do Carmo da Lapa (c) (1848, não possui volutas), todas no Rio de Janeiro, Basílica do Bom Jesus de Iguape (d) (1856). Fotos: Mateus Rosada, 2014.

As colunas são lisas e estriadas, e nesta tipologia possuem capitéis compósitos de talha muito refinada. Uma marca do Grupo Imperial Fluminense são as folhas de bordos ondulados que recobrem as volutas da parte superior dos capitéis, tratamento erudito, na forma mais próxima da representação nos tratados clássicos, como os de Vignola e Serlio. < Figs.190: Capitéis dos retábulos da igrejas de Nossa Senhora da Conceição e Boa Morte (a), e da Basílica do Bom Jesus de Iguape (b). Repare, para além da semelhança de todos os elementos, no detalhe das pequenas folhas sobre as volutas. Fotos: Mateus Rosada, 2014.

a

b

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Capítulo 2 - Ornamentação

As colunas se assentam sobre pedestais decorados com cartelas de motivos vegetais esbeltos e simétricos. Elementos vegetais de mesma padronagem são encontrados decorando os degraus dos tronos e as faces das pilastras das naves de parte das igrejas. As folhas de bordos ondulados vão sofrendo estilizações dos primeiros exemplares até os mais recentes, tornando-se menos recortadas. Em alguns pontos são aplicados pendentes de tecidos, que passam pelo mesmo processo.

b a c d Fig.191: Cartelas fitomorfas encontráveis na Igreja da Conceição e Boa Morte (a, b) (1835-1840) e na Basílica do Bom Jesus de Iguape (c, d) (1856). Fotos: Mateus Rosada, 2014.

a b c Fig. 192: Panejamentos pendentes na Igreja da Conceição e Boa Morte (a) (1835-1840), na Catedral de Guaratinguetá (b) (1847) e na Basílica do Bom Jesus de Iguape (c) (1856). Fotos: Mateus Rosada, 2014.

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2.4.4. A BAHIA EM SÃO PAULO

Talvez o caso mais inusitado de influências externas na talha executada em São Paulo seja este, do artista Victoriano dos Anjos Figueiroa, baiano contratado diretamente em sua terra natal para executar a talha da igreja matriz que então se levantava em Campinas. Para além de ser um caso isolado, ele trouxe consigo profissionais e formou outros durante as obras da igreja campineira, disseminando alguns elementos da talha imperial baiana por cidades próximas, influenciando inclusive algumas soluções formais dos artistas do grupo de Bernardino de Sena Reis e Almeida, que veremos logo adiante. Seria de se esperar que as mesclas com padrões de outras terras ocorressem apenas com as capitanias/províncias vizinhas, mas há casos que escapam aos padrões.

GRUPO VICTORIANO DOS ANJOS (Imperial, 1818-1862) O artífice que batiza este grupo trouxe de sua província natal, a Bahia, elementos que foram repetidos e imitados por outros profissionais. Trata-se de Victoriano dos Anjos Figueiroa (Bahia, c.1776 – Campinas, 1871), habilíssimo mestre em torêutica, que foi contratado em 1853 para realizar as obras de talha da Matriz Nova (atual Catedral Metropolitana) de Campinas. Antes de mudar-se para a Província de São Paulo, Figueiroa atuou pelo menos durante 35 anos na Bahia. São-lhe atribuídos o antigo altar-mor da igreja matriz de Porto Seguro e um sacrário na matriz de Jaguaribe, considerado um trabalho perfeito e de uma delicadeza admirável (ambos os trabalhos foram destruídos) (FREIRE, 2008, p.447). Fig.193: Altar da capela do Santíssimo da Matriz de Valença (BA), de autoria de Victoriano dos Anjos. Fonte: Freire, 2008.

Dedicou-se, ainda, a pequenos trabalhos, como cruzes e calvários para imagens de Cristo, e peças de mobiliário. No período de 1818 a 1820, execu-

tou os nichos dos quatro altares colaterais da igreja de Nosso Senhor do Bonfim, em Salvador. Quase trinta anos mais tarde, em 1849, confeccionou toda a talha da Igreja Matriz de Valença (BA). Neste hiato entre uma obra documentada e outra, certamente executou outras das quais não temos registro.

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Capítulo 2 - Ornamentação

Na cidade paulista, o português Antônio Francisco Guimarães, membro da irmandade do Santíssimo Sacramento, chamado Baía por ter vivido anteriormente em Salvador, prontificou-se a fazer os contatos e a pagar as despesas de viagem de um grupo de entalhadores do Recôncavo (LEITE, 2006, p.18), que ele provavelmente conhecia de seus anos vividos na capital baiana. Victoriano dos Anjos veio a Campinas acompanhado de seu filho, de mesmo nome, e do entalhador Estêvão ProtoMártir (ALVES, 1976, p.26). Formou ainda, na cidade, pelo menos mais três entalhadores de cujos nomes a documentação da Catedral de Campinas preservou os nomes: José Antunes de Assunção, Antônio Dias Leite e Laudíssimo Adolfo Melo (LEITE, 2004, p.18). De 1853 até 1862, executou o altar-mor, as tribuFig.194: Retábulo-mor da Catedral de Campinas. Foto: Mateus Rosada, 2014.

nas, púlpitos, varandas e entalhes do coro, paraventos, coroamentos dos arcos do cruzeiro e das capelas laterais, e as colunas da capela do Santís-

simo da atual Catedral Metropolitana de Campinas, considerada sua obra-prima. Curiosamente, encontramos nas tribunas de uma igreja da capital, a de Nossa Senhora da Boa Morte, gradis com o padrão rendilhado e entrelaçado típico da Bahia, que pode ter sido realizado por Victoriano dos Anjos ou um de seus discípulos aqui mencionados. Assim, há evidências de que o grupo atuou em duas igrejas: •

Na Catedral Metropolitana de Nossa Senhora da Conceição de Campinas, realizando o retábulomor, coro, tribunas, púlpitos e algumas peças do retábulo dos Passos (1853-1862);



Na Igreja de Nossa Senhora da Boa Morte de São Paulo, nos gradis das tribunas da capela-mor (c.1860) (havia acréscimos de mesmo estilo nas sanefas, removidos no restauro de 2003).

Com isso, Victoriano e/ou seus discípulos teriam atuado em duas cidades:

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Fig.195: Cidades onde atuou o grupo de Victoriano dos Anjos. 1. Campinas, 2. São Paulo. Desenho: Mateus Rosada.

Victoriano dos Anjos introduziu na Província de São Paulo a tipologia do retábulo em baldaquino, inexistente até então nessas terras. Existem apenas sete retábulos em baldaquino todo o Estado de São Paulo, dos quais cinco na Catedral campineira e dois, apenas alguns anos mais recentes, na Igreja de Nossa Senhora da Boa Morte e Assunção de Limeira, cidade que dista apenas 50km de Campinas. Temos, por conta dele, uma das poucas manifestações dessa tipologia tipicamente baiana do oitocentos para além do estado nordestino e de sua área de influência. Fora da antiga província da Bahia, temos como certo um empreendimento que levou a tradição do retábulo do Bonfim para o sudeste do Brasil. Trata-se do retábulomor da Matriz de Nossa Senhora da Conceição, em Campinas (Sé de Campinas), no estado de São Paulo, feito pela oficina do entalhador Victoriano dos Anjos Figueiroa. Na Bahia, esse entalhador fez quatro nichos para os altares da nave da igreja de Nosso Senhor do Bonfim de Salvador, entre 1818 e 1820, e em 1848-1849, uma grande obra: toda a talha da Igreja Matriz do Sagrado Coração de Jesus, na cidade de Valença. Pelo que deduzimos, Victoriano foi autor do retábulo da capela do Santíssimo Sacramento dessa matriz, onde ensaiou o desdobramento da cúpula vazada, em formato oval, que irá entalhar monumentalmente em versão circular e muito mais elaborada na Sé de Campinas, entre 1853 e 1862. Nesse exemplar, reinterpretou o baldaquino do Bonfim, dando-lhe conformação única de baldaquino inteiramente livre das paredes (FREIRE, 2006, p.383-85).

Além de uma estrutura inovadora para a época, a qualidade de sua talha já era relatada ainda durante o momento de sua execução, extasiando viajantes com a beleza dos ornamentos que fazia para seus retábulos, como o viajante Augusto Emílio Zaluar:

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O cedro que campeava outrora gigante no santuário das florestas, transformado agora pelas mãos do gênio em maravilhas da arte, adorna o santuário do Deus vivo. Tenho visto poucos trabalhos tão peregrinos executados em madeira. É um poema de flores, arrendados, colunatas, arabescos, grinaldas, florões enlaçados com profusão e simetria, beleza e unidade, traduzindo as idéias de uma alma de poeta sob as formas mais puras, graciosas e sublimes que se podem reproduzir pelo cinzel do escultor (1945, p.153)!

Em 1862, Victoriano dos Anjos desentendeu-se com o novo diretor das obras da Matriz Nova, Antonio Carlos de Sampaio Peixoto, e deixou o serviço. Os responsáveis contrataram então ao artífice fluminense Bernardino de Sena Reis e Almeida (de quem trataremos no grupo seguinte, no próximo grupo), que ficou responsável pela “feitura da Capela do Santíssimo Sacramento [atual capela do Senhor dos Passos], com exceção de algumas colunas; mais duas outras capelas que se comunicam com o transepto, os dois altares dos cantos da edificação, os quatro outros laterais e a balaustrada do corpo principal [não mais existente]” (FREIRE, 2006, p.486). Por semelhanças formais, percebe-se que as colunas do retábulo da capela do Senhor dos Passos têm o traço de Victoriano. Celso Maria de Mello Pupo (1969, p.203) reafirma serem dele as colunas daquele altar. Há ainda a hipótese de que seus auxiliares tivessem sido assumidos por Sena Reis e concluído esse e os outros retábulos em baldaquino ainda com maior proximidade dos padrões da escola baiana. Sabemos que ao menos o baiano Estêvão Proto-Mártir passou a trabalhar com Bernardino, pois há jornais que mencionam o trabalho de ambos em Itu (NOTAS, 1882, p.02). Ainda, depois de Bernardino de Sena, outro entalhador, desta vez italiano, Raffaelo de Rosa (Caserta, Itália, 1853 – São Paulo, SP, 1915) (BARRANTES, 2014, p.218), foi contratado para complementar a talha da igreja de Campinas de 1879 a 1883. As obras dele são um pouco mais difíceis de distinguir das de Victoriano dos Anjos, por serem mais delicadas (a obra de Bernardino de Sena é mais pesada) , no entanto, a geometrização dos elementos que o artista baiano realiza é única e possibilita a sua distinção. Enfim, passemos a elencar algumas das características do trabalho de Victoriano dos Anjos Figueiroa. No retábulo-mor, o único total e comprovadamente realizado por ele, são três níveis de volutas. E o esquema tradicional da Bahia de uma cúpula vazada arrematando o cimo é substituído por uma sequência de volutas que se encontram e cujos interstícios entre elas são ornados com folhagens, cobrindo um pouco mais o último nível e conformando um dossel que funciona como uma cúpula. As volutas são estruturadas em duas “camadas”: são “ocas” e a parte superior de cada uma se une à parte inferior por elementos geométricos. A parte superior é recamada de acantos, em cujas nervuras centrais podem haver olivas: pequenos círculos com concavidade no centro.

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a b c Fig.196: Volutas dos retábulos principal, do Senhor dos Passos e de Nossa Senhora Aparecida. Repare na forma “oca” dos dois primeiros casos, o primeiro certamente elaborado por Victoriano dos Anjos. No terceiro exemplar, do retábulo da Aparecida, a voluta é maciça e não possui as olivas, presentes na primeira. Fotos: Mateus Rosada, 2014.

Nos entablamentos se percebe o domínio do repertório dos tratados, com cimácios decorados com acantos e a presença de óvulos e dentículos. Há ressaltos nos apoios das volutas e colunas, ornados com pequenos motivos florais nos frisos planos e lisos. Dos entablamentos pendem florões de desenho minucioso, neles se fixam tarjas e se apoiam vasos de flores.

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Fig.197: Elementos decorativos do retábulo-mor: vaso com flores (a), festão (b) e a tarja central (c). Fotos: Mateus Rosada, 2014.

Os capitéis são coríntios no retábulo-mor, no coro e nas pilastras da nave, são jônicos na capela-mor e compósitos nos retábulos laterais. Há um detalhe interessante a destacar que são as pequenas molduras e círculos em alto relevo na quina onde as volutas dos capitéis se encontram. Essa geometrização é estranha aos trabalhos do Rio de Janeiro, mais um motivo para supormos que especialmente o retábulo do Senhor dos Passos, onde essa particularidade é encontrada seja obra de Victoriano ou, mais provável, de um de seus discípulos, talvez de Estêvão Proto-Mártir.

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b ^ Fig.198: (página anterior) Capitéis coríntios, respecti17 vamente, das colunas do coro (a) e do retábulo-mor (b). Fotos: Mateus Rosada, 2014.

< Figs.199: Capitel compósito do retábulo do Senhor dos Passos. Note que, assim como nos exemplos acima, o encontro das volutas na quina do capitel se dá com um desenho geometrizado, emoldurado com um círculo ao centro. Essa forma de concepção é muito mais baiana que fluminense, indicando a fatura possível por um entalhador nordestino. Fotos: Mateus Rosada, 2014.

As colunas, sempre em pares no retábulo, são lisas com estrias. Em alguns casos há ramagens correndo em espiral sobre o terço inferior, liso. Se colocam marcações com anéis e com motivos fitomorfos e geométricos em ambas as divisões dos terços dos fustes, assim como na altura das bases e no limite com os capitéis.

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Paula Barrantes atribui, por comparação estilística, os capitéis do coro a Raffaelo de Rosa. Acreditamos serem de Victoriano dos Anjos por dois motivos: os capitéis feitos por Rosa para as pilastras da nave apresentam acantos de desenho muito mais recortado, distinto do que que ocorre no coro; e toda a estrutura do coro e sua balaustrada foram entregues por Victoriano dos Anjos: seria muito complexo escorar todo o coro da Catedral de Campinas para se trocarem as colunas ou seus capitéis (que já existiam), pois são peças estruturais que não podem ser removidas facilmente.

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Fig.200 Anéis que ornamentam a base e a divisão do terço superior do retábulo-mor e os terços inferiores das colunas do nicho Nossa Senhora da Conceição (a, b) e do Retábulo da Capela do Senhor dos Passos (c, d). Fotos: Mateus Rosada, 2014. c

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A mesa do altar, apesar da decoração repleta de elementos geometrizados, tem formato abaulado. Na mesma linguagem, o trono possui degraus de silhueta bulbosa. Destaca-se o fino trabalho com talha vazada nas faces dos degraus do trono do retábulo-mor, onde cada um dos sete níveis possui um desenho diferenciado do anterior, sendo diferenciados, inclusive, os desenhos de cada face dos degraus. Esses vazados apresentam grande variedade de composições de elementos geométricos (linhas, curvas, ovais, olivas, sempre planos e emoldurados em suas laterais) intercalados a acantos, mesma linguagem utilizada nos gradis das tribunas e do coro de Campinas e nas tribunas da capela-mor da Igreja da Boa Morte de São Paulo. No caso dos tronos, a talha de Bernardino de Sena Reis se diferencia enormemente da de Victoriano do Anjos por utilizar vazados exclusivamente motivos fitomorfos, o que facilita a sua identificação.

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Fig.201: Gradil de tribuna da capela-mor da Catedral de Campinas (a) e da Igreja de Nossa Senhora da Boa Morte de São Paulo (b). Fotos: Mateus Rosada, 2014.

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Fig.202: Trono do Retábulo-mor da Catedral de Campinas (a) e detalhe do segundo degrau do mesmo trono (b). Sempre veem-se intercalados elementos geometrizados e fitomorfos. Fotos: Mateus Rosada, 2014.

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b a Fig.203: Festão pendente do retábulo-mor (a) e resplendor do coroamento do arco-cruzeiro (b). Fotos: Mateus Rosada, 2014.

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Nos festões e guirlandas, há muito mais folhas que flores. O desenho das folhas é bastante recortado e há uma grande variedade de flores representadas, algumas possuem elementos geometrizados, também, como ovais e pequenas esferas. Nas cartelas e sanefas, assim como ocorre aos elementos vazados de gradis e dos trono, há uma mescla de elementos lineares e geometrizados, semelhantes a fitas e anéis, com elementos acantoados.

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c a Fig.204: Cartela em pedestal de pilastra da capela-mor (a), sanefa de tribuna na capela-mor (b), e florão central do teto do nártex (c), todos apresentando entrelaçamentos de linhas geométricas e folhas de acanto. Fotos: Mateus Rosada, 2014.

Ainda na mesma linguagem está a decoração dos coroamentos de três arcos da Catedral de Campinas elaborados por Victoriano dos Anjos Figueiroa. Estes apresentam ainda, no centro desses arremates, uma composição de símbolos da Igreja Católica circundados por nuvens e resplendores. Os entrelaçamentos de linhas geométricas e fitomorfas segue o padrão da escola baiana já apresentado nas sanefas, gradis e cartelas. Há que se destacar a diferença encontrada na ornamentação dos arcos dos retábulos laterais, feitos por Bernardino de Sena Reis e Almeida: este se utiliza de composições mais densas e sempre há a presença de rocalhas, elemento inexistente em Victoriano dos Anjos. Mais difícil de perceber a diferença é a talha de Raffaelo de Rosa, que elaborou os florões do teto da nave e os do coro (exceto o central, obra de Figueiroa): as composições do artista italiano não possuem geometrizações, são única e exclusivamente fitomorfas.

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