Domus-fortis in Æquator: A segunda vida da casa-torre de origem Europeia no antigo Estado da Índia

August 21, 2017 | Autor: Sidh Losa Mendiratta | Categoria: History, Military History, Architecture, Cultural Heritage, Military Architecture, India, Mumbai, India, Mumbai
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Sidh Daniel Losa Mendiratta

Domus-fortis in Æquator: A segunda vida da casa-torre de origem Europeia no antigo Estado da Índia

Proposta de Viagem

Proposta de Viagem – Candidatura ao Prémio Fernando Távora, 8ª edição, 2012/2013, Ordem dos Arquitetos / SRN

 

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Sinopse. O objectivo principal desta viagem é localizar e documentar vestígios arqueológicos de casas-torre ou domus-fortis edificadas pelos portugueses em quatro territórios do antigo Estado da Índia: Província do Norte; Goa; Sri-Lanka; e Timor-leste. Durante cerca de quarenta dias, propõe-se visitar as zonas rurais dos territórios ou países mencionados, usando uma cartografia especialmente preparada para percorrer as aldeias ou povoações onde a colonização portuguesa poderá ter deixado vestígios de casas-torre, documentando-se os exemplos encontrados. Essa cartografia, que permitirá optimizar o tempo disponível em campo, assenta no conhecimento adquirido e condensado durante trabalhos de investigação realizados no campo da arquitectura e das cidades indo-portuguesas. Note-se que parte dos territórios da Província do Norte e de Goa já foram percorridos pelo candidato em ocasiões anteriores, documentando-se algumas das suas ruínas. Esta viagem permitirá assim reunir informação essencial para tentar responder a questões como:

A casa-torre de origem europeia difundiu-se por todos os territórios do Estado da Índia? Quais as diferenças entre as casas-torre da expansão e aquelas de Portugal continental? Como eram habitadas as casas-torre da expansão portuguesa?

Durante o período da viagem será mantido um diário alojado online. Propõe-se ainda sintetizar a informação recolhida assim como a investigação anterior sobre o tema num artigo a publicar numa revista de dimensão internacional.

 

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Roteiro. O roteiro propõe visitar os seguintes países ou territórios: Timor-leste; Sri-Lanka; antiga Província do Norte; e Goa. A viagem terá a duração aproximada de quarenta dias e será estruturada pelos seguintes percursos aéreos: Lisboa-Singapura-Darwin-Díli-Darwin-Singapura-Colombo-BombaimGoa-Bombaim-Lisboa. Prevê-se que a partida de Lisboa ocorra no dia 1 de Agosto de 2013. A viagem entre Bombaim e Goa poderá ser feita de comboio, assim como as deslocações mais extensas em Sri-Lanka. Mas na maior parte, as deslocações internas em cada um dos quatro territórios referidos serão feitas por automóvel.

Nas áreas rurais destes quatro territórios, o candidato procurará os vestígios de casas-torre de origem portuguesa, apoiado por uma cartografia elaborada especificamente para a viagem e onde estarão assinaladas as aldeias do período colonial sobre fotografias de satélite recentes. Esta cartografia, para além de optimizar o tempo disponível em campo, será crucial para localizar os vestígios das casastorre, estruturas normalmente de pequena de dimensão e muitas vezes “escondidas” por camadas mais recentes ou edificações envolventes. Cada estrutura arqueológica visitada será documentada e, no casos mais relevantes, as ruínas serão medidas e as respectivas plantas de implantação vertidas para suporte digital (CAD).

Fig. 1. Mapa da Ásia mostrando as passagens aéreas propostas

 

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Timor-leste será o primeiro país a ser visitado, de modo a evitar o período mais chuvoso no subcontinente indiano, que normalmente se prolonga até a primeira quinzena de Agosto. A partir da capital, Díli, o roteiro percorrerá a costa nordeste da ilha, onde se concentrou a influência colonial portuguesa ao longo dos séculos XVIII e XIX. Prevê-se uma estadia de dez dias em Timor. Nessa zona situa-se a casa do governador de Vermasse e, ainda mais oeste, a de Matisse, edificada sobre um antigo “posto de vigia”1, possivelmente também uma casa-torre. Prosseguindo para leste, atinge-se Lautem, no extremo oriental da ilha, onde se situa o único exemplo documentado e divulgado de uma casa-torre em território timorense2. Daqui, retornar-se a Díli por via do interior da ilha, passando por Viqueque, Soibada, Mundelo, Maubisse, Cailaco e outros locais onde poderão ainda subsistir vestígios de casas-torre ou postos de vigia de origem portuguesa, provavelmente já Oitocentistas. Por último, o roteiro incluirá Lifau, no enclave de Oé-Cussi. Nessa zona situam-se as ruínas da mais extensa fortificação de origem portuguesa na ilha de Timor e também a primeira sede do governo colonial. Descrita enquanto “uma ampla estrutura fortificada” abrangendo “cerca de três dezenas de baluartes”, os seus vários postos de vigia e edificações estavam dispersos por elevações e vales ocupando “vários hectares” em redor da povoação principal de Lifau, povoação habitada essencialmente por mestiços portugueses e chineses em meados do século XVIII3. A procura de ruínas de casas-torre incidirá precisamente nessa área imediatamente envolvente à antiga povoação principal, onde as edificações privadas estariam mais isoladas face à relativa segurança da orla costeira.

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MESTRE, Victor, “Arquitetura em Timor”, Património de Origem Portuguesa no Mundo – Arquitetura e Urbanismo, vol. Ásia e Oceânia, José Mattoso (coord.), Walter Rossa (coord.), Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2010, p. 415. 2 MESTRE, Victor, “Arquitetura em Timor”, Património de Origem Portuguesa no Mundo – Arquitetura e Urbanismo, vol. Ásia e Oceânia, José Mattoso (coord.), Walter Rossa (coord.), Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2010, pp. 413, 415. 3 ALVES, Edmundo, “Lifau”, Património de Origem Portuguesa no Mundo – Arquitetura e Urbanismo, vol. Ásia e Oceânia, José Mattoso (coord.), Walter Rossa (coord.), Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2010, pp. 447, 448.

 

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Fig. 2. Imagem de satélite da ilha de Timor mostrando o roteiro proposto (Googleearth, 2013)

Fig. 3. Torre de Lautem (Victor Mestre, 2007)

 

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Fig. 4. Sistema fortificado de Lifau, enclave de Oé-Cussi, ca. 1720 (Arquivo Histórico Ultramarino)

 

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Fig. 5. Representação da batalha e fortificações de Cailaco, 1726 (Arquivo Histórico Ultramarino)

Fig. 6. Representação de Cailaco, 1726, pormenor (Arquivo Histórico Ultramarino)

 

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O segundo território a ser visitado será a parte ocidental de Sri Lanka, onde o candidato permanecerá aproximadamente doze dias. Nessa zona da ilha incidiu a tentativa de ocupação efectiva do território pelos portugueses, entre 1590 e 1630, e à qual se opuseram primeiro os habitantes locais e mais tarde os holandeses. Assim como na Província do Norte do Estado da Índia, nesta zona de Ceilão várias aldeias foram aforadas a portugueses ou luso-descendentes, sendo verosímil que nessa rede de povoações tenham sido edificadas casas-torre ou pelo menos casas agrícolas para armazenar seguramente o produto das aldeias. É igualmente provável que entre as várias fortificações e tranqueiras edificadas durante esse período, tenham existido torres com funções de aquartelamento para capitães e soldados similares àquelas geralmente edificadas pelos senhorios e foreiros. À falta de um estudo abrangente relativo a esse processo de ocupação territorial, será seguido um roteiro com base na descrição de Tikri Abeyasinghe4, e na cartografia produzida pelo candidato. Partindo de Colombo em direcção ao sul, propõe-se visitar: Panadura (Panature); Kalutara (Caliture); Alawwa (Alicão); Matara (Maturé); e regressando por Sabaragamuwa (Sofragão); e Sitawaka (Seitavaca). A norte de Colombo, o roteiro seguirá por: Manikkadawara (Manicavaré); Malwana (Malvana); Chillaw (Chilão); e Kaduwela (Cardiva). Em todas as povoações atrás mencionadas, existem fortes probabilidades de se localizar vestígios do período português, situação que apenas poderá ser comprovada nos respectivos locais. Outras povoações ou cidades mais proeminentes durante o período colonial - como Galle ou Jafanapatão - não constam do roteiro, visto que já foram estudadas por investigadores, que escreveram sobre a sua camada histórica de origem portuguesa. Porém, se a busca pelas aldeias se revelar menos frutífera, poderão ser visitadas de modo a documentar zonas de tecido urbano com casas que remontem ao período português.

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ABEYASINGHE, Tikiri, Portuguese Rule in Ceylon, 1597-1612, Lake House, Colombo, 1966, cit. in BIEDERMANN, Zoltán, “Arquitetura Militar: Sri Lanka”, Património de Origem Portuguesa no Mundo – Arquitetura e Urbanismo, vol. Ásia e Oceânia, José Mattoso (coord.), Walter Rossa (coord.), Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2010, pp. 344, 345.

 

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Fig. 7. Imagem de satélite da ilha de Sri Lanka mostrando o roteiro proposto (Googleearth, 2013)

 

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Fig. 8. Representação de Triquinimale, mostrando casas-torre próximo da fortificação portuguesa (Bocarro e Resende, Livro..., 1635, Biblioteca Pública de Évora)

Figs. 9 e 10. Representações de Negumbo e Beligão, mostrando casas-torre (Bocarro e Resende, Livro..., 1635, Biblioteca Pública de Évora)

 

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Fig. 11. Vista da fortificação de Kalutara, mostrando o que aparenta ser uma casa-torre de origem europeia (Baldaeus, A Description of...Ceylon, 1732)

 

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Em terceiro lugar, visitar-se-á a antiga Província do Norte, polarizada actualmente pela metrópole de Bombaim, prevendo-se uma estadia de dez dias. A história arquitectónica e militar desse território, pertencente ao Estado da Índia entre 1534 e 1739, constituiu o tema da tese de doutoramento do presente candidato. Consequentemente, parte considerável do seu património arqueológico de origem portuguesa foi já documentado. Contudo, constatou-se a existência e/ou suspeita de várias ruínas de casas-torre que não puderam ainda ser documentadas, pelo que se propõe agora completar a tarefa encetada. Não restam dúvidas que foi na Província do Norte que a casa-torre se disseminou com maior regularidade e impacte sobre o território, formando inclusivamente a sua primeira linha de defesa face aos inimigos da terra firme indiana. De facto, o hinterland deste território foi apropriada pelo Estado da Índia geralmente através da fixação de portugueses ou luso-descendentes nas suas aldeias. Estes tanto poderiam ser os senhorios das aldeias e propriedades agrícolas ou os seus representantes: os rendeiros. Esta implantação da soberania radicava normalmente na casa-torre aldeã, dispositivo elementar e polivalente de defesa, habitação e armazenamento de excedente agrícola. Foi igualmente neste território que a casa-torre colonial aparenta ter atingido o seu pleno desenvolvimento enquanto tipo de construção autónoma da sua congénere portuguesa. De facto, enquanto que em Portugal continental, as casas-torres ou casas-senhoriais perderam progressivamente a sua função defensiva, na Província do Norte subsistem vestígios de casas-senhoriais fortificadas com parapeitos e baluartes de desenho angular, envolvendo por vezes recintos consideráveis5. Assim, propõe-se agora percorrer várias aldeias nas subdivisões ou praganas de: Sangens (Sanjan); Bará (Bahrot); Tarapur; e Mahim-quelme (Kelwamahim) do distrito de Damão. E as de Asserim (Asherigad); Manorá (Manor); e Hera (Hedavad) do distrito de Baçaim. Tomando por exemplo a zona da fortificação de Sangens (Sanjan) no antigo distrito de Damão, num raio de 5 km em seu redor registam-se as ruínas de cinco casas-torre, pelo que mais poderão existir nessa subdivisão e noutras que confinavam directamente com os problemáticos reinos feudatários de Sarceta e dos Coles. O roteiro inclui também o bairro católico de Mazagão (Mazgaon), na zona central sul de Bombaim, onde estava situada a casa-senhorial da aldeia, aforada à família Távora durante os séculos XVII e XVIII. Note-se como o continuado desenvolvimento suburbano de Bombaim e das povoações da região tem ameaçado e por vezes obliterado as estruturas arqueológicas de origem portuguesa no território, pelo que a sua documentação – pelo menos fotográfica – constitui tarefa premente.                                                                                                                 5

MENDIRATTA, Sidh Losa, Dispositivos do sistema defensivo da Província do Norte do Estado da Índia, 1521-1739, dissertação de doutoramento, Departamento de Arquitetura, Universidade de Coimbra, 2012, pp. 599-617.

 

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Fig. 12. Imagem de satélite da Província do Norte mostrando o roteiro proposto (Googleearth, 2013)

 

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Fig. 13. Imagem da casa-torre e fortificação de Dahanu (pragana de Dahanu) Província do Norte (Erédia, Atlas Miscelânea..., ca. 1612, [desaparecido])

Fig. 14. Ruínas da casa-torre de Shirgaon (pragana de Mahim-quelme), núcleo primitivo da sua casa-senhorial fortificada (2010)

 

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Fig. 15. Reconstituição da casa-senhorial de Shirgaon (pragana de Mahim-quelme) (Sidh Mendiratta, 2010)

Fig. 16. Reconstituição da casa do capitão e fortificação de Tarapur (pragana de Tarapur) (Sidh Mendiratta, 2010)

 

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Fig. 17. Ruínas da casa-senhorial de Kelwa (pragana de Mahim-quelme) (2010)

Fig. 18. Vestígios da casa-torre de Ahu (pragana Sanjan) (2010)

 

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Fig. 19. Vestígios da casa-torre de Dhuktan (pragana Manor) (2008)

Fig. 20. Ruínas da casa-torre de Zu-Nandurkhi (pragana Hedavad) (2010)

 

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Figs. 21 e 22. Representações da casa-torre de Ghodbandar (pragana de Salcete) (Bocarro e Resende, Livro..., 1635, Biblioteca Pública de Évora; Mostrador…, 1737-1738, Sociedade de Geografia de Lisboa)

Fig. 23. Porta da casa-senhorial dos Távoras, na aldeia de Mazagão (cassabé de Bombaim) (Walter Rossa, 2001)

 

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O último território a ser visitado será o de Goa, onde se prevê uma estadia de oito dias. A probabilidade de encontrar vestígios de casas-torres ou torres solarengas por documentar neste território é menor, visto que vários autores já escreveram sobre a sua arquitetura de origem portuguesa. Por outro lado, a própria evolução das residências rurais terá conduzido, na maior parte dos casos, a alterações profundas durante os séculos XVIII e XIX, concomitantemente com a consolidação da aristocracia católica latifundiária goesa. Ainda assim, conhece-se pelo menos dois exemplos de casas que incorporam a volumetria da torre na sua fachada principal - em Anjuna e Benaulim - aproximando-se assim às soluções presentes nas casas-senhoriais de Portugal continental. Um outro exemplo em Siolim apresenta uma casa adossada àquilo que aparenta ser uma torre recentemente intervencionada. Noutros locais, algumas casas rurais goesas Setecentistas ou Oitocentistas poderão também incorporar ou invocar a volumetria da torre, especialmente aquelas associadas a linhagens investidas de hábitos de fidalguia durante os séculos XVIII e XIX. Assim, o roteiro percorrerá as povoações de Saligão, Anjuna, Mapuçá e Siolim, em Bardez. Na zona de Salcete, visitar-se-á Benaulim, Loutolim e Chandor. Nesses locais se concentraram várias casas apalaçadas da aristocracia católica goesa. Também se procurará a influência da casa-torre nas casas apalaçadas dos dessaiados hindus dos territórios das Novas Conquistas, como a casa do dessai de Lamegão (Lamgaon); a casa Haveli dos ranes de Sanquelim; e o palácio de Pernem.

 

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Fig. 24. Imagem de satélite de Goa mostrando o roteiro proposto (Googleearth, 2013)

 

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Fig. 25. Casa rural em Benaulim (Victor Mestre 2008)

Fig. 26. Casa apalaçada em Chandor (Walter Rossa, 2001)

 

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Fig. 27. Casa-torre de Siolim (2001)

Fig. 28. Casa torreada em Anjuna (Victor Mestre, 2008)

 

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Texto Justificativo. A presente proposta enquadra-se num período de transição para o candidato, entre a conclusão da sua dissertação de doutoramento, “Dispositivos do Sistema Defensivo da Província do Norte do Estado da Índia, 1521-1739” (SFRH/BD/36684/2007), aprovada na Universidade de Coimbra em Dezembro de 2012, e um trabalho de pós-doutoramento a iniciar no último quartel de 2013, intitulado “Construção identitária: paisagens urbanas e arquitectura de origem católica em Mumbai, séculos XVIII-XX” (SFRH/BPD/89298/2012), sedeado no Centro de Estudos Sociais da mesma Universidade. Beneficia também da experiência adquirida durante a participação no projecto “Bombaim antes dos Ingleses” (POCTI/HAR/47225/2002) coordenado pelos professores Walter Rossa e Paulo Varela Gomes, e a produção da cartografia de síntese e de vários capítulos para a obra “Património de Origem Portuguesa no Mundo – Arquitetura e Urbanismo”, publicada pela Fundação Calouste Gulbenkian (). Por um lado, a realização desta viagem permitirá ao candidato diversificar a sua área de estudo, até aqui focada sobretudo na Província do Norte e em Goa; por outro, propõe abordar um tema algo desconhecido na historiografia da Expansão, a domus-fortis ou casa-torre de origem europeia. Poucas imagens estão enraizadas no subconsciente colectivo europeu como a da torre de menagem ou a casa-torre medieval. A sua forma básica - entendida não apenas enquanto uma relação proporcional entre a altura e a base da volumetria mas também pelo modo como se sobreleva na construção ou paisagem envolvente – permanece hoje como um símbolo potente de poder e de centralidade no campo do habitat humano. A casa-torre, ou domus-fortis, disseminou-se pelo território de Portugal continental sobretudo nos séculos XIII e XIV, mas as suas origens recuam até ao período tardo-romano e suevo. Nessa época, houve uma intensa actividade construtiva de carácter defensivo6, maturando na robusta torre de menagem dos castelos do alvorecer da nacionalidade. Durante esse processo e o de “Reconquista” Ibérica, a presença da torre tornou-se num marco fundamental na paisagem. A domus-fortis portuguesa inspira-se ou copia a torre de menagem. Conjugando as preocupações de segurança e as necessidades essenciais do habitar, a casa-torre reflecte também as aspirações de “linhagens de segundo plano” da fidalguia nacional, que tinham na terratenência o seu principal veículo de afirmação social7. A casa-torre é assim o símbolo da apropriação de um determinado                                                                                                                 6

BARROCA, Mário Jorge, Torres, casas-torres ou casas-fortes: a concepção do espaço de habitação da pequena e média nobreza na Baixa Idade Média (sécs. XII-XV), sep. de História das Ideias, vol. 19, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 1998. 7 BARROCA, Mário Jorge, Torres, casas-torres ou casas-fortes: a concepção do espaço de habitação da pequena e média nobreza na Baixa Idade Média (sécs. XII-XV), sep. de História das Ideias, vol. 19, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 1998, pp. 51-53.

 

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território, dominando-o e observando-o, expressando a vontade de progressão social e autosuficiência do seu promotor – retórica que culmina nas ameias a coroar a edificação, elemento tectónico que carecia de expressa autorização régia8. Enquanto que a evolução das casas-torre em Portugal continental é relativamente bem conhecida, sabe-se pouco acerca da sua edificação e evolução nos territórios da Expansão ultramarina. No território da antiga Província do Norte do Estado da Índia, foram documentadas fotograficamente cerca de vinte e cinco ruínas de casas-torres. Devido a constrangimentos no decurso do trabalho de doutoramento já mencionado, ficaram por documentar vários outros exemplos entretanto conhecidos. Essas casas-torre formavam a primeira linha de defesa de um território constantemente ameaçado por aquilo que actualmente poderíamos descrever de actividades de guerrilha. A partir de passagens nas fontes documentais e de alguns exemplos registados, sabe-se que este tipo de edificação se estendeu às restantes parcelas do Estado da Índia com profundidade territorial, especialmente durante os primeiros tempos de ocupação colonial, nos séculos XVI e XVII. Pretende-se agora averiguar a disseminação da casa-torre ou casa-agrícola nas zonas rurais dos territórios de Timor-leste, Sri Lanka e Goa. Estes dispositivos revestem-se de destacado interesse do ponto de vista da História da Arquitetura, visto que representam um processo de transposição de modelos enraizados em Portugal para um contexto muito distinto, onde viriam a evoluir de modo autónomo, influenciados pelas condicionantes locais. Assim, ao invés das suas congéneres em Portugal, que foram perdendo a sua vocação militar, as casas-torre da Província do Norte, por exemplo, evoluíram amiúde para dispositivos defensivos mais robustos e por vezes adaptados às novas necessidades da pirobalística, raramente abdicando da sua função castrense. Para além do seu papel fundacional no ordenamento daquele território, um exemplo do funcionamento em rede das casas-torre enquanto dispositivo defensivo ficou notavelmente descrito por um capitão-geral da Província do Norte quando, no último quartel de Seiscentos, ordenou que ao longo da costa desde Damão até Baçaim, todos os foreiros tivessem nas suas “torres ou cazas as armas grandes como pessas e falcois ou camaras”, de modo a poderem “dar em rebate com a arma grande”, em caso de desembarque de inimigos, “atirando athé as Torres mais vezinhas de huma e outra parte” até estas “lhe responderem”, de modo a concentrarem na praia acometida “toda a gente das aldeas armada”9.                                                                                                                 8

BARROCA, Mário Jorge, Torres, casas-torres ou casas-fortes: a concepção do espaço de habitação da pequena e média nobreza na Baixa Idade Média (sécs. XII-XV), sep. de História das Ideias, vol. 19, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 1998, pp. 59-62. 9 Carta do capitão-geral da PN Manuel Lobo da Silveira datada de 16 de Outubro de 1677, Série Azul, Ms. 58, fls. 309v-310v, Biblioteca da Academia de Ciências de Lisboa.

 

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Através de processos comparáveis àquele de ocupação territorial na Província do Norte, tanto em Goa como no oeste do Sri-Lanka como ainda no leste da ilha de Timor, os portugueses e os seus descendentes tornaram-se proprietários rurais em territórios de fronteira, sujeitos a várias ameaças. Sobretudo no antigo Ceilão, o sistema de aforamentos de aldeias foi semelhante àquele que levou ao povoamento e cristianização do território da Província do Norte. Ambos os processos de ocupação colonial assentavam na existência de uma rede de foreiros portugueses e suas aldeias, sendo estas defendidas pelas ditas casas-torre ou casas-agrícolas. Mas também em Timor-leste, apesar da sua ocupação mais tardia e fragmentada, tornou-se indispensável pontuar o território com o dispositivo defensivo mais elementar e expedito: a torre, quer de madeira quer de materiais perenes. E também na zona das Velhas Conquistas em Goa existem ainda exemplos de casas rurais incorporando volumetrias que evocam a torre, permanecendo por averiguar de que modo as alterações e ampliações mais recentes poderão ter operado sobre uma rede de casas-torre ou casas senhoriais fortificadas. Para além da vitalidade enquanto dispositivo defensivo, o estudo das casa-torre reveste-se também de um interesse acrescido pelo facto de abordar a história da habitação nos territórios do antigo Império Português. De facto, na esfera do Estado da Índia, a História de Arte e da Arquitetura, têm dado enfoque às estruturas de vocação religiosa ou às grandes fortificações. A habitação e as paisagens interiores têm merecido escassa atenção, para além do estudo de algumas apalaçadas de Goa, edificadas nos séculos XVIII e XIX. Permanecem por estudar os processos pelos quais os portugueses que possuíam propriedades e casas rurais se adaptavam aos contextos asiáticos e de modo se gerou e consolidou uma sociedade indo-portuguesa, com os seus hábitos, hierarquias e cenários característicos. Assim, o objectivo principal desta viagem é localizar e documentar vestígios arqueológicos de casastorre ou domus-fortis de origem portuguesa nos quatro territórios do antigo Estado da Índia Província do Norte; Goa; Sri-Lanka; e Timor-leste –, tendo em vista sobretudo comprovar a sua disseminação e averiguar o seu papel matricial na estruturação e ordenamento dos respectivos territórios e ainda estudar a sua evolução comparando-a com a sua congénere Europeia, à luz das diferentes mentalidades e culturas do habitar desenvolvidas pelas sociedades de origem portuguesa nesses mesmos territórios.

 

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Sidh Daniel Losa Mendiratta

De ascendência indiana e luso-alemã, nasce no Porto em 1977. Frequenta a Oporto British School, onde adquire uma educação bilingue anglo-portuguesa. Em 1995 ingressa no Departamento de Arquitetura da Universidade de Coimbra, tendo sido um dos fundadores e primeiro secretário do seu Núcleo de Estudantes. Em 1998 transfere para a Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto. Efectua o quinto ano do curso, em 2001/2002, no Goa College of Architecture, Índia, como estudante free-mover. Em 2004/2005 desenvolve a sua prova final com o tema “O Convento dos Agostinhos de Velha Goa: memórias de um levantamento”, aprovada com 19 valores. Conclui a sua licenciatura em 2005 com a média final de 16 valores. Efectua o estágio profissional no “Atelier 15”, sob a responsabilidade do arquiteto Alexandre Alves Costa. Entre 2006 e 2008 colabora no projeto de investigação “Bombaim antes dos ingleses”, coordenados pelos professores Walter Rossa e Paulo Varela Gomes e sedeado no Departamento de Arquitectura da Universidade de Coimbra. Entre 2008 e 2012 realiza a dissertação de doutoramento com o título “Dispositivos do sistema defensivo da Província do Norte do Estado da Índia, 1521-1739”, com a orientação dos professores Walter Rossa e Paulo Varela Gomes, aprovada na Universidade de Coimbra “com distinção e louvor, por unanimidade”. Em 2013 inicia o seu projecto de pós-doutoramento com o tema “ Construção identitária: paisagens urbanas e arquitectura de origem Católica em Bombaim (séculos XVI-XX)”.

Porto, fevereiro de 2013.

Desenhos do candidato em: http://www.flickr.com/photos/8705565@N05/sets/72157632634513854/

 

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