DOS BEATS AOS ARCOS: um estudo da televisão narrativa (From Beats to Arcs Tradução Portugues Brazil PT BR)

May 26, 2017 | Autor: Jéssica Figueiredo | Categoria: Television Studies, Narrative Analysis, Narrativa Audiovisual, TV shows, Séries De Televisão, US TV Shows
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Jess, fica atenta a uma distinção aqui. Tem uma diferença entre episódios em sentido estrito com episódios em sentido amplo. Episódio em sentido amplo significa episódio segundo o senso comum, como o episódio de uma série, de uma novela etc. Em sentido estrito, na verdade, o termo episódio designa especificamente um formato de narrativa em que cada episódio traz uma história completa em si, de maneira que o seguinte abordará uma história ou tema diferente, como em Law & Order, White Collar, CSI ou outra série, criminal, por exemplo, em que cada episódio lida com a solução de crimes e histórias distintas e sem relação alguma entre si.
Quando é mencionado "formato de episódios", estou me referindo ao sentido estrito, e não simplesmente a episódio em si (sentido amplo). Fica ligada nisso porque este termo será mencionado ao longo do artigo e é um dos pontos centrais para entender o que o autor quer dizer.
Brit milá (literalmente, aliança da circuncisão), também chamado de bris milá, é o nome dado à cerimônia religiosa dentro do Judaísmo na qual o prepúcio dos recém-nascidos é cortado ao oitavo dia como símbolo da aliança entre Deus e o povo de Israel.
Jess, emotional through line é um termo técnico utilizado por quem trabalha com atuação. A ideia é que o ator deve saber qual é o seu objetivo em uma cena, assim como saber a linha que liga um objetivo ao próximo, conectando todos eles. A interpretação fica comprometida quando o ator pula de uma emoção para a outra sem haver a demonstração do que efetivamente causou esta mudança; algo precisa acontecer para causá-la. Esta progressão é o que se costuma chamar de emotional through line e conduz as emoções do personagem ao longo da história.
Sweep é um termo técnico usado no meio televisivo inglês. Sweeps são períodos nos quais as redes e estações de televisão normalmente agendam a sua programação para atrair mais telespectadores do que o normal, sobretudo devido a fins publicitários. Tais períodos ocorrem quatro vezes no ano: fevereiro, maio, julho e novembro.
A escala Nielsen (Nielsen ratings, em inglês) é o que nós chamamos no Brasil de Ibope, ou seja, é o sistema de medição de audiência utilizado nos Estados Unidos.
DOS BEATS AOS ARCOS: um estudo da televisão narrativa
Por Michael Z. Newman

A televisão é uma máquina de fazer histórias. Todo dia, milhares de horas de narrativa voam através de ondas eletromagnéticas e cabos para dentro de nossas TVs e mentes. A televisão faz mais do que simplesmente contar histórias, obviamente, mas sua função quanto meio de narrativa exige uma análise e, com este estudo, eu proponho uma delimitação para analisar um tipo de narrativa televisiva. Diferente de alguns que descreveram a TV como um meio de narrativa, o presente trabalho não isolará o texto de seus realizadores e usuários. Meu propósito aqui é iniciar um estudo da televisão, um trabalho descritivo das estratégias dos comunicadores em moldar narrativas que provocarão certos efeitos nos telespectadores como suspense e surpresa, esperança e medo e apreciação estética. Tal estudo pode ajudar a explicar por que muitas pessoas sentem tanto prazer nas histórias veiculadas pela televisão.
Em particular, estou interessado em uma forma de drama televisivo nos EUA, o contemporâneo e roteirizado prime-time serial ou PTS. Pelos últimos 25 anos, houve duas formas principais de programas de horário nobre (prime-time shows). Serials como St. Elsewhere (NBC, 1982-88) dramatizam longas histórias de maneira similar às novelas. Series como Law & Order (NBC, 1990-) seguem o formato de episódios no qual todos os problemas apresentados no início de um episódio são resolvidos quando chega ao final, de forma que as questões não se arrastam semanas após semanas. Séries noturnas tornaram-se uma importante forma de programação televisiva nos EUA na década de 80 após o sucesso de Dallas (CBS, 1978-91) e o sucesso e a consagração de Hill Street Blues (NBC, 1981-87). Esse modelo televisivo ganhou força na década de 90 com programas como The X-Files (Fox, 1993-2002) e ER (NBC, 1994-), ganhando, ambos, altas classificações e elogios da crítica especializada. Mais tarde na década de 90 e no começo dos anos 2000, programas do tipo serial viram sua presença diminuir à medida que programas no formato de episódios e reality shows cresceram em popularidade, no entanto, os programas seriados (serial) estão voltando ao mesmo tempo em que várias sitcoms (Arrested Development, Fox, 2003-) e reality shows (Survivor, CBS, 2000-) estão sendo serializados.
Por mais de 25 anos desde a ascensão do serial, a televisão dos EUA tem passado por enormes mudanças com a introdução de mais de cem novos canais, com novas e dominantes estruturas de apropriação e colaboração midiáticas e com transformações nas tecnologias de produção e distribuição de mídias. Mas apesar de todos estes avanços, os últimos 25 anos têm visto uma estagnação segundo a qual as mais básicas convenções de PTS não foram significativamente alteradas. Ao longo do período entre Hill Street Blues e Lost (ABC, 2004-), as práticas de produção geral da televisão voltada para o horário nobre permaneceram bem constante. Um programa é supervisionado por um apresentador que revisa todos os scripts e orienta a narrativa da história: cada episódio no modelo serial resolve algumas questões, mas deixa muitas outras pendentes; Serials tendem a focar em conjuntos, com cada episódio entrelaçando diversas linhas para construir uma só narrativa; uma temporada tem cerca de 24 episódios, começando no outono e terminando na primavera; e oferece reprises a cada novembro, fevereiro e maio.
Como a crítica especializada costuma observar nos dramas da MTM Productions de 1980, Hill Street Blues e St. Elsewhere, o formato PTS é de fato um misto de dramas do formato de episódios e dos serials como novelas e minisséries. Muito embora serials que passam à noite tenham muito mais em comum com os demais programas durante o dia, os PTS ainda têm menos episódios, elencos menores e finais conclusivos em cada episódio. E muito embora os PTS compartilhem diversas qualidades com os dramas de formato de episódios, eles oferecem uma maneira diferente de investir nos personagens, que nada mais são do que verdadeiros produtos do seu formato de longa exibição. Começando com aqueles dramas da MTM Productions comumente considerados "TV de qualidade", os programas PTS têm funcionado como um distinto "estilo de grupo" cujas normas de produção artística são compartilhadas entre seus realizadores. Por "estilo de grupo" entende-se um compartilhamento básico de formas dos mais diversos e diferentes programas. Esse compartilhamento não leva em consideração se um programa é considerado de "qualidade", policial, documentário, sci-fi, para famílias, para adolescentes, ou sobre espionagem. Programas que parecem um tanto diferentes um do outro podem ainda compartilhar princípios básicos de narrativa.
Quais estruturas de narrativa os programas PTS adotam? Para quais funções suas convenções narrativas servem em relação à lógica da televisão comercial, e como estas convenções parecem afetar os telespectadores? Para responder estas questões, precisamos considerar a interação entre comércio e arte na indústria televisiva. Pela perspectiva das redes de televisão, programar é um meio de vender telespectadores para os publicitários. Os produtores seguem um comando de comércio: semanalmente, eles "entregam" uma grande quantidade de telespectadores aos publicitários. Os programas procuraram "fisgar" os telespectadores e fazê-los querer assistir. O formato de narrativa dos PTS é produto desta prática, deste objetivo eterno de angariar milhões de pessoas e ligá-las à programação e mantê-las assim. Esta condição e as estratégias que ela implica não mudaram ao longo das últimas décadas.
Contrariamente ao que alguns críticos alegam, o autor afirma que, em meio a esse contexto mercadológico, a rede de televisão floresce artisticamente e agrada ao público e aos publicitários ao mesmo tempo. E é por causa dessa lógica da TV comercial que o PTS conquista seus efeitos. Com o incentivo de produzir narrativas que prendem o público semana após semana, a TV se desenvolveu como um poderoso meio narrativo. As práticas de narrativa que se originaram da maximização dos lucros das redes de TV, tais como, diálogos repetitivos para rememorar os telespectadores de algum detalhe que possa lhes ter passado despercebido e intervalos regulares para os comerciais, podem parecer que inibem a expressão artística, mas no formato PTS, estas e outras práticas que aumentaram os lucros dos publicitários foram adaptadas de maneira a aprofundar e enriquecer a experiência dos telespectadores. Observando o formato de narrativa dos programas PTS, podemos dizer que há três níveis de narrativa para análise: o nível da cena ou beats, o nível do episódio e o nível da narrativa geral, consubstanciada no conjunto da narrativa de cada episódio. Em todos os três níveis, os objetivos comerciais e estéticos da narrativa televisiva são orquestrados através de um equilíbrio mútuo. (Os objetivos políticos e ideológicos da televisão, óbvios ou implícitos, são uma questão à parte. Nestas áreas, os efeitos dos objetivos comerciais são bem menos adequados).
A missão da televisão estadunidense de vender produtos e serviços aos telespectadores-consumidores não nega suas possibilidades de expressão criativa. Pelo contrário, se uma das funções da arte é dar prazer ao seu público, um incentivo comercial para disseminar e intensificar esse prazer se encaixa perfeitamente aos objetivos do artista, isto, é claro, pressupondo que o artista está mais interessado em agradar do que desafiar o público, o que alguns intelectuais costumam dizer que é o que a arte deveria fazer. Entretanto, na televisão de massa, não há essa intenção vanguardista. A arte para as massas busca acessibilidade e fácil compreensão. Uma maneira de fazer isso é apelando para as emoções, como medo, raiva, alegria e surpresa. Os programas PTS almejam a alcançar estes objetivos desenvolvendo histórias coerentes e contínuas sobre personagens lidando com obstáculos difíceis. Tais programas prendem os telespectadores uma vez que satisfazem seus desejos por informação sobre estes personagens e fazem-nos criar uma conexão emocional com eles. Como a televisão alcança tais efeitos é o assunto deste estudo.

O primeiro nível: Beats

Seguir uma narrativa é um processo de acumular informação. Os dramaturgos buscam parcelar essa informação de maneira que pareça urgente, surpreendente e afete emocionalmente o telespectador. A maneira como a história se desenrola pouco a pouco estimula o telespectador a se interessar por ela e, sobretudo, à medida que o desenrolar da trama avança, o narrador busca intensificar tal interesse. Assim, os objetivos estéticos e econômicos mais básicos da televisão se entrelaçam: envolver a atenção do telespectador. Isso começa no nível mais baixo (micro level), o menor ponto da narrativa: os beats.
Nesse nível, a maior parte das narrativas televisivas é parecida. Sitcoms e dramas organizam suas histórias com base em segmentos curtos, muitas vezes em menos de dois minutos. Os telespectadores chamam isso de "cena", mas os dramaturgos o chamam de "beats"; trata-se da unidade mais básica da narrativa. O comprimento de um beat, e consequentemente o número deles num episódio, varia, mas também dificilmente serão longos, sendo bastante raro encontrar beats longos na televisão do horário nobre. Nota-se certa objeção a cenas que levem mais de duas páginas e meia de script, sendo que uma página equivale aproximadamente a um minuto na tela. Acredita-se que a atenção do público não será mantida por muito mais tempo do que isso. No formato de história rápida, uma cena longa pode comprometer a impressão de evolução da narrativa. Considerando o ditame mercadológico de manter o público interessado, a maior parte dos programas apresenta uma rápida sucessão de segmentos curtos.
Elaborar segmentos curtos é uma necessidade para os dramaturgos, exigindo que suas narrativas sejam claras e eficientes. Todo momento deve desempenhar uma função dramática e nenhuma cena pode ser redundante comparada com outra cena ou regredir na sequência narrativa. Isso não quer dizer que cada beat desenvolve o enredo de maneira tradicional. Diversos beats consistem em reações mais do que ações, sobretudo em programas centrados majoritariamente nas narrativas acerca das relações interpessoais. A "reação" é um elemento novo da informação narrativa e é frequentemente o centro de um beat. Cada beat conta-nos algo novo, algo que nós queremos – precisamos – saber e amplifica nosso desejo de saber mais. Cada um provoca sentimentos em relação à informação, tais como satisfação, excitação, preocupação, confusão ou frustração por algum personagem. Cada beat também nos relembra diversos elementos anteriores da informação antes de oferecer um novo. Com esta missão cumprida, um beat leva ao outro.
Quando dramaturgos criam um script para televisão, sua primeira tarefa é de fragmentar a história em um modelo "momento-a-momento", tarefa esta muitas vezes feita de maneira colaborativa por uma equipe. Os dramaturgos sabem em detalhes o que o episódio tem que alcançar antes de elaborarem o beat, de modo que a história só ganha forma quando eles começam a concebê-la como uma sequência de momentos. Cada episódio tem um total de vinte a quarenta beats, a média sendo normalmente de 25. Isso significa que cada um dos quatro atos em um programa de uma hora tem cerca de seis beats. PTS (programas do horário nobre) são geralmente dramas complexos, e cada episódio tem enredos múltiplos e interligados. Enredos principais (no jargão televisivo, enredos do tipo A – A plots, em inglês) envolvendo o protagonista têm ao menos seis beats, às vezes mais. Um episódio tem geralmente dois ou mais enredos A e vários enredos B e C com um número menor de beats cada. Cada ato, a princípio, inclui no mínimo um beat de todos os demais enredos do episódio.
Na tarefa de fragmentar a história de Judging Amy (1999-2005) para adequá-la ao modelo "momento-a-momento", seus produtores pediram que o enredo focasse na corte de julgamento e que tivesse de seis a oito beats para torná-lo dramático e envolvente, pois apenas três beats não seriam suficientes. Em entrevista, os produtores disseram que freelancers foram contratados para apontar ideias que não eram compatíveis com o formato PTS: "Por exemplo, uma criança se perde. Os beats são: 1) uma criança se perde; 2) a polícia é chamada e; 3) os policiais encontram-na ou não. Isso não é suficiente. Essa é uma ideia que não leva a lugar algum". Para tornar essa ideia compatível com um programa de uma hora, seria necessário desenvolver um enredo mais intrincado, com um padrão exato de revelações e desenvolvimentos que nos conduzisse por uma cadeia de eventos e prendesse nossa atenção durante quatro pausas comerciais ao longo de uma hora de programa. Já que os enredos A envolvem os personagens interpretados pelas principais celebridades do programa, dar-lhes oito beats por episódio mantém-nos na tela em intervalos regulares. Histórias muito enroladas ou simplistas não são adequadas para o formato PTS, por isso investe-se em viradas repentinas no enredo (plot twist), que nada mais é do que uma maneira de acrescentar beats a uma história linear através da introdução de complicações e reviravoltas. Ao exigir que tais cenas sejam curtas, criam-se as condições para um tipo sofisticado de narrativa.
Portanto, em geral, o padrão de beats de dois minutos almeja a segurar a atenção do público e tornar o enredo imprevisível de uma forma inteligente. Com as demandas da indústria televisiva vêm também as estratégias de estética. Considerando um horário fixo de programação semanal, um elenco de atores contratados e a necessidade de mostrar ao público algo novo no mínimo a cada dois minutos, os dramaturgos adotam um método de fragmentação da narrativa em pequenas partes que se alternam regularmente, cada uma destas fazendo um novo apelo ao interesse do público e visando a intensificar sua resposta emocional.
Além de novas informações, muitas cenas contêm também o que poderíamos chamar de "informação antiga", que os telespectadores habituais já conhecem bem. Recapitular é uma característica bastante comum na televisão em todos os gêneros de programas. A televisão pressupõe que as pessoas não assistem tudo e podem precisar rememorar os pontos principais da trama. Em narrativas de formato de série, recapitular é especialmente importante por causa da grande quantidade de informações relativas ao universo da história. É necessário várias formas, uma das quais é o constante uso de nomes dos personagens: em cada beat, personagens dirigem-se uns aos outros pelo nome, repetindo-os diversas vezes dentro dos segmentos de dois minutos. Junto com os nomes há igualmente a reiteração dos papéis: Alias (ABC, 2001 - ) relembra-nos constantemente que Jack e Irina são os pais de Sydney; Giles sempre lembra Buffy de que ele é seu guardião (Buffy The Vampire Slayer, WB, 1997-2001; UPN, 2001-03); Joel de Northern Exposure (CBS, 1990-95) é frequentemente chamado de "Dr. Fleishman", mesmo quando não está em seu ambiente de trabalho, e sua atividade favorita de lazer, golfe, reforça o estereótipo de seu papel.
Uma forma bem elaborada de recapitular a história reafirma as premissas básicas do programa episódio após episódio. A narrativa de Veronica Mars (UPN, 2004 - ) em sua primeira temporada reitera os detalhes já conhecidos do assassinato de Lily Kane e sua respectiva investigação, assim como reitera a exclusão de Veronica do seu grupo de colegas populares em Neptune High. Os personagens de Buffy relembram-nos com certa frequência que Sunnydale está exatamente situada acima do portal para o inferno (Hellmouth). Cada episódio de Northern Exposure traz referências à cidade natal de Joel, Nova York; muitos outros episódios reforçam o acordo que ele fez com o estado do Alaska segundo o qual, em troca de financiar seus estudos de medicina, o estado utilizaria seus serviços de médico.
Os diálogos sempre recapitulam os acontecimentos recentes, muitas vezes de forma redundante com o trecho "Previously on ..." que precede a maior parte dos programas, mas de modo a contextualizar a história e esclarecer sua relevância para a situação seguinte. É uma norma para as narrativas PTS de que os acontecimentos sejam recapitulados e, devido a esta obrigação, dramaturgos precisam achar maneiras de recapitular a história sem, no entanto, desinteressar o público com a redundância. De fato, tal norma parece produzir efeito contrário ao da redundância, vez que costuma prender ainda mais o público à tela da TV. Frequentemente, esta redundância é alcançada com sutileza e sem excessos a fim de não se parecer com uma recapitulação desorganizada.
Um jeito de fazer isso é através da estruturação da narrativa como uma sequência de revelações de um personagem para o outro, isto é, uma estratégia narrativa padrão do melodrama em filme e em televisão, tornando a ação menos significante do que reação e interação. Na quinta temporada de Gilmore Girls (WB, 2000 - ), Rory encontra-se algumas vezes com a família rica de seu namorado, estudante da prestigiada Universidade de Yale, Logan Huntzberger. Após sentir-se ofendida pelos Huntzbergers durante o jantar em que eles abertamente desaprovaram a relação dos dois, pois Rory não estaria à altura de Logan, em contrapartida, é oferecido a Rory um estágio na empresa jornalística da família. Ao fim do estágio, o senhor Huntzberger diz a Rory que ela não é adequada para a carreira de jornalista, a qual sempre foi o seu sonho, e então Rory sente-se humilhada. Estes acontecimentos são recapitulados por Rory em conversas com sua mãe, Lorelai, e por Lorelai em conversas com seus pais, Richard and Emily.
Todavia, tais conversas não repetem simplesmente algo que já sabemos; os momentos em que a história é recapitulada são trechos importantes do enredo porque retomam revelações e nos faz perceber melhor a reação dos personagens. Para muitos telespectadores, um dos maiores prazeres da narrativa seriada é o da tensão de antecipar como um personagem reagirá a um determinado acontecimento que os telespectadores já conhecem e o de presenciar o momento da revelação. Por exemplo, Rory hesita em contar à sua mãe, Lorelai, sobre o estágio na empresa da família Huntzberger porque sua mãe desaprova a relação com Logan. Quando Rory deixa a notícia escapar, segue-se um momento de incerteza entre mãe e filha, que frequentemente agem mais como melhores amigas do que como família, e então o telespectador é levado a se indagar se a felicidade de Lorelai ao ouvir a notícia da filha é verdadeira ou não. Dessa forma, relembrar o estágio de Rory na empresa dos Huntzbergers torna-se um beat na relação mãe-filha e uma oportunidade de explorar as emoções dos personagens. É também uma tática direcionada às emoções do telespectador, alimentando a nossa insegurança de que Logan causará uma ruptura no relacionamento com Rory e a esperança do telespectador de que isso não venha a acontecer.
Um acontecimento ainda mais importante vem na season finale, após Rory ficar devastada pela conversa com o senhor Huntzberger. Lorelai relata para seus pais não só sobre Rory escutar que é inadequada para a carreira de jornalista, mas também como os Huntzbergers a ofenderam durante o jantar, rememorando acontecimentos de diversos episódios anteriores e que são essenciais para a compreensão do problema. Essa é a primeira vez que Richard e Emily ouvem a notícia, ficando furiosos com a família de Logan, indignados pelo comportamento deles e solidários a Rory, mudando, assim, a vontade deles de verem os dois jovens casados. Novamente, essa recapitulação provoca uma conexão emocional: telespectadores habituais já estavam irritados com os Huntzbergers e frustrados e desapontados por Rory, mas nesta cena o telespectador é levado a compartilhar a raiva e solidariedade de Richard e Emily mesmo se tivéssemos uma satisfação maior em vê-los perceber que estavam equivocados sobre a família de Logan. Uma vez que as relações dos personagens são múltiplas e complexas, apresentar uma informação antiga em um contexto novo produz um novo sentimento no telespectador.
A repetição da narrativa PTS advém da função mercadológica de fazer a narrativa facilmente compreensível até mesmo para os telespectadores que assistem ao programa esporadicamente, que prestam atenção apenas parcialmente ou que perdem uma parte do episódio quando o telefone toca ou o bebê chora. Estes mesmos fatores resultam em formas similares de repetição em diversos outros tipos de narrativa, de novelas e jornais a reality shows e sitcoms. Considere, por exemplo, a quantidade de vezes em um episódio de Survivor em que somos lembrados dos nomes dos candidatos: quando o anfitrião se dirige aos candidatos, quando eles são citados em entrevistas concedidas por outros candidatos, quando os candidatos se dirigem uns aos outros e quando seus nomes e profissões são exibidos na tela durante suas próprias entrevistas. A redundância, nas mais diversas formas de televisão, almeja a ampliar a acessibilidade. Isso tem um benefício adicional. Ela se origina da necessidade de tornar as narrativas inteligíveis, porém, no fim das contas, permite igualmente que até telespectadores regulares gostem de serem constantemente relembrados de quem os personagens são, o que eles fazem, por que eles fazem e o que está em jogo na história. Nosso interesse e envolvimento podem aumentar quando a narrativa torna seus pontos principais mais claros e relevantes, destacando com maestria aquilo no qual deveríamos prestar bastante atenção ou com o qual deveríamos nos importar mais. A redundância funciona não somente para tornar as histórias compreensíveis, mas também, sobretudo, para tornar as histórias mais interessantes e aprofundar nossa experiência através de apelos a nossas emoções.
Parafraseando Christian Metz, não há polícia para a televisão. Ninguém nos força a assistir aos programas semanais, mas a estrutura da narrativa televisiva em seu primeiro nível (micro level), isto é, a maneira como a história é fragmentada em beats e a maneira como cada beat funciona, prende a atenção do telespectador. Os narradores na televisão têm, mais do que seus colegas na literatura, na narrativa dramática e na narrativa para cinemas, a obrigação de constantemente provocar o nosso interesse. A maneira como eles fazem para dividir a história em beats tem uma força retórica muito grande, dando-nos razões para importar-se com os personagens e querer saber mais a respeito.

O nível intermediário: Episódios

Devido à natureza contínua de suas histórias, pode-se pensar que o formato PTS não oferece um encerramento quando se fala de episódio. De acordo com alguns críticos, os programas seriados dispensam introduções e encerramentos em benefício de um programa que possa ser expandido indefinidamente. Os estudiosos referem-se ao formato seriado como se fosse um formato "aberto", e alguns alegam que o prazer de os assistir é fortemente baseado nesta "abertura/deixa". Os telespectadores de novelas, segundo John Fiske, sentem uma "satisfação do tipo contínua e cíclica em vez de uma satisfação definitiva e proporcionada pelo clímax". Nesta seção, o autor Michael Newman argumenta, entretanto, que a ênfase na tal "abertura/deixa" típica do formato PTS deixa de fora muitas coisas que o tornam interessante. Cada episódio de um PTS deixa alguma cadeia de acontecimentos em aberto, mas raramente isso se dará em detrimento da conclusão e da coerência ou de maneira a provocar instabilidade na história. As séries que o autor considera no seu estudo têm não só encerramento da história, o que também acontece em novelas, mas também uma rigorosa unidade em nível de episódio, qualidade essa que poucos dramas possuem. Assim, existem duas formas de encerramento e deixa que devem ser consideradas: a conclusão da cadeia causa-efeito da narrativa, por exemplo, como um namoro que culmina em casamento, e a unificação de temas e motivos em um todo integrado e ordenado. Estes dois tipos de unidade formal permitem dar suporte a outros apelos da narrativa.
Ao passo que algumas deixas se estendem por meses em um programa do tipo PTS, a ação principal de um dado episódio tende a ser resolvida até o seu fim. Tipicamente, algumas questões permanecem sem resposta episódio após episódio, porém, elas não são o tipo de questão que obstrui a clareza da narrativa. Questões centrais que determinam as consequências dos acontecimentos principais de um episódio em particular podem ser postergadas por um final inacabado para causar suspense e ser tão logo respondidas no começo do episódio seguinte, o que acontece com frequência em suspenses como Alias, por outro lado, questões menos centrais podem ser postergadas por muito mais tempo. Este equilíbrio entre encerramento e postergação é padrão em muitas formas de narrativa seriada, de ficções sobre a Era Vitoriana a produções hollywoodianas contemporâneas como Star Wars. Uma forte dose de episódios com unidade compensa qualquer instabilidade causada pelas deixas de um episódio a outro. Sem esta unidade, é menos provável que os telespectadores esporádicos assistam ao programa. E enquanto o público regular pode parecer gostar de ficar preso à história, ele também pode não gostar de se sentir frustrado ao fim de um determinado episódio. Como todas as considerações que o autor faz em seu estudo, os efeitos de encerramento são pensados para satisfazer o público, neste caso, seu desejo não só por conclusões, mas também por coerência.
Há um raciocínio mercadológico que dá suporte a esses efeitos além da importância para os produtores e para a rede de televisão de que seus programas contem boas histórias. PTSs (programas de horário nobre), diferentemente dos programas dos demais horários, dependem de contratos coletivos para obterem lucros. Os produtores de PTS querem que seus programas obtenham boas audiências quando reexibidos. De acordo com as convenções da indústria televisiva, narrativas muito seriadas tornam a reexibição menos atraente aos olhos dos telespectadores. Nos anos 90 e no começo dos anos 2000, o surpreendente sucesso das reexibições de Law & Order nos canais A&E e TNT demonstrou que narrativas em episódios longos podem alcançar impressionantes classificações a ponto de a audiência aumentar. Law & Order é o drama mais lucrativo da televisão e é igualmente um sucesso em mercados estrangeiros. O encerramento dos episódios é, pois, produto de um contexto voltado para o mercado, no qual séries estão sob uma crescente pressão para propiciar satisfação para telespectadores esporádicos ao mesmo tempo em que eles propiciam uma nova satisfação aos telespectadores fiéis. A unidade dos episódios é boa para o telespectador, esporádico ou habitual, assim como também o é para os produtores e para a rede de televisão.
Os programas PTS padronizam seus episódios semanais em esquemas de problemas e soluções para que o conflito central apresentado no começo do episódio seja superado até o seu final. A estrutura padrão do PTS organiza sua duração de uma hora em quatro atos de comprimento aproximadamente igual, cada um deles seguido por um intervalo comercial. O primeiro e último ato de um episódio de quatro atos correspondem ao primeiro e último ato de um filme hollywoodiano de três atos. Em ambas as mídias, o primeiro ato é a apresentação do problema e o último ato, a resolução. Os dois atos intermediários de um programa televisivo correspondem ao segundo ato de um filme: complicação e desenvolvimento. Os dramas televisivos apresentam o problema no primeiro ato e finaliza-o com uma surpresa. Os personagens reagem às complicações causadas por esta surpresa no segundo ato, lidam com o problema no terceiro ato e resolvem-no no quarto ato.
Diferentemente dos filmes, os atos na televisão têm fins bem demarcados, frequentemente com uma questão central em foco, às vezes com um final repentino e inacabado, comumente seguido por um intervalo comercial. Diferentes escritores atribuem diferentes nomes aos finais de um ato. Seguindo a praxe teatral, o autor do estudo os chama de "cortinas". Os dramaturgos normalmente escrevem de trás para frente, a partir da "cortina", começando com a cortina do quarto ato que encerra o episódio. No episódio The Fugue (2 de março de 1999) do programa Felicity (WB, 1998-2002), a cortina do quarto ato, o momento mais significante e dramático do episódio, acontece quando Felicity decide dormir com alguém que conheceu em sua turma de arte, Eli. Isso visa a responder à questão principal apresentada no primeiro ato: Felicity e seu namorado, Noel, ficarão juntos ou terminarão o relacionamento? Na cortina do quarto ato, não só estão eles separados como também vemos que Felicity partiu para outro relacionamento. Cada uma das cortinas anteriores serve para colocar uma questão ou um problema. No caso em análise, logo no início, questiona-se o que a ex-namorada de Noel, Hannah, estaria fazendo em Nova Iorque. A cortina do primeiro ato traz o beijo entre Noel e Hannah. A cortina do segundo ato traz a confrontação entre Noel e Felicity. Na cortina do terceiro ato, Noel deixa Felicity por Hannah. Por fim, no quarto ato, Felicity conversa com Eli para restaurar alguns projetos do estúdio de arte, focando na questão se ela ficará com ele, o que é respondido na cortina do quarto ato.
Como em uma peça teatral, as cortinas de um programa televisivo cristalizam o desenvolvimento dramático do ato e, às vezes, introduzem uma surpresa, também chamada de coup de théâtre, como na cortina do primeiro ato do episódio The Fugue, quando Noel e Hannah se beijam. Assim como a estrutura de beats dos programas PTS, as cortinas servem para prender os telespectadores à tela. Um ditado no meio televisivo diz o seguinte: "Lembre-se de seu objetivo: trazê-los de volta da geladeira". Trata-se, pois, de uma prática comum que os dramaturgos guardem seus beats mais fortes para as cortinas. É igualmente comum uma cortina centrar-se na reação do personagem principal, uma prática clássica típica das novelas e que intensifica nosso interesse pela psicologia do personagem.
Esta estrutura de atos é mais um exemplo de como a interação entre as funções comerciais e estéticas determinam a narrativa televisiva. Não há uma razão natural para a fragmentação da narrativa em quatro atos com intervalos comerciais a cada 15 minutos, todavia, esta organização serve a uma variedade de interesses, sobretudo o interesse econômico de repartir a publicidade em intervalos regulares durante a transmissão. Pela perspectiva estética, a estrutura de quatro atos confere uma impressão de proporção e simetria, garante uma ação progressiva e controla os padrões de atenção e expectativa, com os primeiros atos abrindo sequências que serão levadas adiante no segundo e terceiro ato e serão resolvidas, ao menos parcialmente, no quarto ato.
Em séries sobre casos judiciais, o primeiro ato apresenta o caso, o quarto ato, a decisão do juiz. Buffy revela uma ameaça a Sunnydale no primeiro ato e resolve-a no quarto ato. Dramas com um foco maior nas relações familiares levantam as questões centrais no primeiro ato, como no episódio Prelude To A Bris (29 de setembro de 1990) do programa Thirtysomething (ABC, 1987-1991). No nascimento do filho, Leo, Hope e Michael devem decidir se ele passará pela cerimônia judaica do bris milá e Michael deve decidir se ser judeu é uma parte importante de sua identidade. No quarto ato, realiza-se a cerimônia, isto é, um momento simbólico que representa não só a chegada do menino ao mundo, como também a aceitação por Michael de sua ancestralidade. Obviamente, estes episódios possuem ainda elementos narrativos que continuam ao longo da temporada e da série (o nascimento do menino Leo é um momento importante para linha genealógica da família Steadman), mas sem desconsiderar cada episódio, de maneira que, a cada semana, os episódios individualmente levantam e resolvem problemas significativos.
Esta estrutura de atos, concisa e dramática, satisfaz o desejo do público por conclusões, se não totalmente, ao menos adequadamente. É recompensador descobrir novas soluções para problemas bem colocados, tal como as narrativas televisivas fazem comumente, semana após semana. Entretanto, esse não é o único meio pelo qual a estrutura de episódios atinge os telespectadores. Outra opção muito constante na TV é o paralelismo temático (thematic parallelism). Pareceria óbvio demais quando se tratasse de enredos com múltiplas histórias: deixar que os episódios se sobrepusessem uns aos outros, revelando contrastes e semelhanças. O tipo mais direto, sem rodeios, de paralelismo traz enredos do tipo A, aqueles enredos principais da história, compartilhando um tema em comum. O ato final do episódio The Fugue utiliza a técnica de interligar os acontecimentos para estabelecer paralelismo. Cenas de Noel e Hannah são alternadas com cenas de Felicity e Eli, enquanto o som de chuva e de Hannah tocando piano faz a transição de uma cena para outra a fim de uni-las. Esta técnica temática é ainda frequente e ironicamente invertida, como no episódio Do No Harm (6 de abril de 2005) de Lost, no qual um personagem nasce ao mesmo tempo em que outro morre.
Em um típico episódio de Judging Amy, a história de Amy e de sua mãe, Maxine, e várias outras histórias de família estão todas ligadas por um mesmo padrão temático, com inversões e variações, um acumulando o outro. O episódio Spoil the Child (11 de janeiro de 2000) traz Amy e Maxine ambas lidando com circunstâncias relacionadas a crianças e violência. Em diversos outros exemplos, não só em Judging Amy, como também em Rescue Me (FX, 2004 - ) e Once and Again (ABC, 1999-2002), o título do episódio já nos introduz ao tema em questão. No caso de Amy, a custódia de um pai é colocada à prova sob alegação de espancar suas crianças. No caso de Maxine, é a criança que é violenta, atacando Maxine sempre quando esta tenta orientá-la. Igualmente, os personagens principais deparam-se com questões que podem mudar suas carreiras: Amy almeja a uma promoção do tribunal juvenil para o tribunal penal, enquanto Maxine cogita deixar seu emprego no Departamento de Crianças e Famílias por causa do estresse que o emprego lhe causa. Ao oferecer uma promoção a Amy, seu chefe desmerece seu trabalho no tribunal juvenil, considerando-o como um simples serviço social qualquer, deixando claro para o público que Amy e sua mãe trabalham com a mesma coisa apesar das diferenças. O trabalho de ajudar crianças e famílias é central nas escolhas de ambos os personagens.
Tal como na maioria dos episódios de Judging Amy, as problemáticas famílias retratadas na série são um contraponto à família Gray. No entanto, neste episódio Spoil the Child, as obrigações maternas de Amy e Maxine são colocadas à prova. Como sempre, Amy deve equilibrar suas obrigações de juíza com as de mãe solteira e, no primeiro ato do episódio, ela leva sua filha de seis anos de idade, Lauren, para comprar uma roupa específica com estampa de borboleta necessária para seu recital de dança. Como sua vida está sempre muito ocupada, Amy deixa para levá-la de última hora, de maneira que a loja não tinha mais a roupa específica e Lauren explode de raiva. A única opção que lhes resta é Amy fazer ela mesma a roupa e Lauren receia que sua roupa fique diferente da das demais crianças. Durante um jantar que reuniu a família, Lauren se excede e grita "Você é uma mãe ruim e eu te odeio. Você arruinou a minha vida!" Enquanto isso, Amy está com raiva de Maxine, sua mãe, porque esta nunca veio ver seu trabalho e quando ela lhe conta isso, Maxine irrita-se e diz "Não é meu dever fazê-la se sentir melhor." Assim, o recital de dança da filha de Amy e o emprego da filha de Maxine são situações paralelas em que as mães, Amy e Maxine, devem estar presentes e fazer a criança sentir-se orgulhosa. Cada uma das mães, tanto Amy como Maxine, é acusada de falhar em fazer isso acontecer.
Frequentemente, uma questão delicada com a qual Amy se depara no tribunal – como um pai deveria tratar seu filho? – é também uma questão com a qual ela lida em sua própria família. É curioso observar que a incapacidade de Amy de ter uma vida tranquila é um contraste irônico ao seu papel de juíza, tomando decisões cruciais que afetam a vida de outras pessoas. É típico de Judging Amy que os episódios sejam construídos de acordo com essa estrutura complexa de coerência narrativa.
De que maneira o episódio Spoil the Child resolve estas situações? Amy permanece no tribunal juvenil, afirmando seu comprometimento com o "trabalho social" que faz. Maxine continua em seu emprego, batalhando pelo tratamento psiquiátrico do agressor de cujo caso se encarregou. Estas duas mulheres da família Gray afirmam seu comprometimento com o serviço público em nome das crianças e famílias. Ademais, Amy fica acordada até tarde para fazer a roupa de Lauren e o recital de dança da filha é um sucesso. Mais importante, Maxine visita uma sessão de julgamento do tribunal de Amy e presencia-a proferir a decisão no caso de espancamento. Amy alega que um pai não pode agredir seu filho e aprofunda-se na importância do elo pai-filho, absorvendo e reiterando todos os ensinamentos de sua mãe. Maxine emociona-se e seus olhos ficam marejados. Após Amy finalizar a sessão, sua mãe vira-se para a pessoa mais próxima e diz "Essa é minha filha." Esta cena serve perfeitamente para mostrar como Judging Amy funciona: em um único momento, toda a sequência narrativa do episódio é resumida na afirmação das obrigações e satisfações familiares recíprocas.
Como este episódio deixa claro, um encerramento não se trata simplesmente de responder as questões do episódio ou de resolver os problemas. Um episódio bem amarrado (closed episode) implica reunir todos os elementos em um todo integrado. O paralelismo de Spoil the Child dá ao episódio forma clara e pode fazer a experiência de assisti-lo algo agradável não só por causa da temática de importância ética da qual o público provavelmente compartilha, não só por causa da carga emocional do final, mas também por causa de uma sofisticação estética na estrutura do episódio que traz uma recompensa ao seu final. Este episódio tem uma harmonia que um episódio comum (open episode) não tem, ou seja, um contraponto da narrativa que satisfaz o desejo não só pela solução como também pela unidade e clareza temática. Judging Amy obteve resultados similares semana após semana, balanceando os casos de família com a história da família de Amy e de seus colegas e integrando-os todos sob um mesmo tema. É uma prática comum nas séries pós-Law & Order a fim de prender a atenção dos telespectadores esporádicos enquanto satisfaz também os fãs leais semanalmente.

O terceiro nível: Arcos

A principal característica que distingue o formato PTS dos demais formatos de programação é como o primeiro investe em seus personagens. Não se trata meramente de enredos que se arrastam semana após semana, mas personagens cujas vidas estes enredos definem. Nós não queremos apenas saber o que vai acontecer, queremos saber o que vai acontecer a Pembleton e Bayliss (Homicide: Life on the Street, NBC, 1993-99), Buffy e Spike (Buffy The Vampire Slayer, WB, 1997-2001; UPN, 2001-03), Angela e Jordan (My So-Called Life, ABC, 1994-95). Continuar uma história faz com que os personagens passem por acontecimentos e mudanças significativas em suas vidas. Em resposta a estas mudanças de circunstâncias, os próprios personagens tendem a mudar ou, ao menos, a crescer.
Personagens em programas seriados exigem um maior investimento em tempo. Eles envolvem os telespectadores por mais tempo, ao demonstrar uma progressão de acontecimentos na vida dos personagens. É verdade que, no formato de episódio, tais como os tradicionais sitcoms, pode haver também um grande investimento nos personagens, investimento este, porém, de natureza distinta, fundamentada mais pela familiaridade causada pela repetição do que um verdadeiro compromisso com os acontecimentos em si. Em um determinado episódio de Happy Days (ABC, 1974-84), o interesse do telespectador no personagem é muito mais uma consequência de reconhecer-se em partes do episódio que tragam algo com o qual se identifiquem, como ter um encontro com o namorado no Inspiration Point, comer no Arnold's, pedir conselhos a Fonzie no banheiro masculino, cardigãs azuis para os meninos, saias longas para as meninas, a jaqueta do Fonzie, a bandana do Chachi, "Aaaay", "Yowza", "I found my thrill", "I still got it", "Mrs. C", "wa wa wa". Em contrapartida, o investimento em um personagem de série é baseado mais numa progressão duradoura de acontecimentos típica dos romances literários, com episódios funcionando como capítulos de uma saga contínua em vez de histórias isoladas. (Argumenta-se que, em suas últimas temporadas, Happy Days começou a apresentar esta característica à medida que os personagens cresciam e mudavam). A criação de personagens dentro do formato PTS é mais provável de ter certa profundidade, já que o público conhece mais a respeito da intimidade da vida dos personagens num programa seriado do que em programas de formato de episódios cujos temas-centrais mudam de um episódio para o outro. Especialmente em comparação aos dramas de formato de episódios representados recentemente nos moldes introduzidos pela série Law & Order, o PTS é um modelo centrado nos personagens, e isso é algo que o torna mais facilmente classificado como "TV de qualidade" pelo público e pelos críticos.
Às vezes, diz-se incorretamente que, em programas de formato de episódio, os personagens parecem não terem memória alguma dos acontecimentos da semana anterior. O que é mais importante do que a memória dos personagens, no entanto, é que os telespectadores em si desses programas não precisam de memória dos episódios anteriores para entender e gostar do episódio atual. Nestes programas, os episódios podem ser assistidos em ordem aleatória e podemos pular um ou outro episódio sem comprometer a compreensão e o envolvimento com a história. O formato PTS, por outro lado, exige muito mais do público, quem ele premia ao permitir uma experiência mais gratificante no que concerne a personagens envolventes. Idealisticamente, espera-se que o público assista aos episódios de um PTS em sequência, para acompanhar detalhadamente o desenvolvimento do enredo e dos personagens, e ligue a TV toda semana.
O recurso que melhor assegura este comprometimento com a narrativa é o "arco do personagem" (character arc, em inglês). O arco é para o personagem o que o enredo é para a história. Em outras palavras, o arco é o enredo quando se trata de personagens. Um arco é uma jornada do personagem do ponto A através dos pontos B, C, D até o ponto E. Esta expressão tem uma utilidade considerável para descrever a narrativa PTS: apesar de cada episódio, temporada e série poderem ter sua própria forma e unidade, a história de cada personagem pode ser individualizada e desenvolvida como um arco que liga o personagem a outros elementos da narrativa e inclusive a outros personagens.
Os arcos dos personagens podem delongar-se por muitos episódios, temporadas e até pela série inteira. Os arcos mais extensos podem contemplar várias fases da vida, com sua progressão a partir da adolescência à fase adulta, da inocência à experiência. Alguns chamam isso de "emotional through line" de um programa. Não se trata apenas de personagens adolescentes, como Angela Chase (My So-Called Life), Lindsay Weir (Freaks and Geeks) e Willow Rosenberg (Buffy The Vampire Slayer), que alcançam a maturidade ao longo da história do programa televisivo. Joel Fleishman (Northern Exposure) obtém um pouco de sabedoria popular de seus vizinhos no Alaska como um complemento à sua educação universitária. Boomer em St. Elsewhere começa como um inexperiente estagiário e amadurece aos poucos através da superação de diversos traumas. Os detetives em Homicide lidam, em algum momento, com um acontecimento que pode mudar suas vidas e que marca a passagem para uma maturidade ainda maior.
Estes arcos que contemplam várias fases da vida do personagem funcionam dentro dos parâmetros adequados para uma série, porém, há muito mais arcos de extensão variável com os quais os dramaturgos lidam frequentemente ao elaborarem uma história. Como as estruturas do beat (primeiro nível) e do episódio (nível intermediário), as estruturas do arco (terceiro nível) funcionam segundo obrigações mercadológicas e estéticas. Existem duas obrigações comerciais proeminentes. Primeiramente, além dos finais inacabados de um episódio que conectam este ao começo do seguinte, as questões que permanecem sem resolução semana após semana servem para manter o suspense. Em Dawson's Creek (WB, 1998-2003), Joey contará a Dawson que ela está apaixonada por ele? Em Homicide, qual consequência Kellerman enfrentará por ter assassinado Luther Mahoney? Estes suspenses que pairam no ar têm uma expressão própria: será ou não será (will-they-or-won't-they, em inglês); como em Moonlighting (ABC, 1985-89): Maddie e David dormirão juntos ou não? Ao apresentar estas questões, os programas buscam manter a audiência, mantê-la interessada e aumentar o ibope.
Outra obrigação mercadológica refere-se à organização da temporada em segmentos. Esta deve ter no mínimo cinco segmentos bem definidos: estreia (setembro-outubro), sweeps de outono (novembro), período de reexibição durante os feriados de fim de ano (dezembro-janeiro), sweeps de inverno (fevereiro), outro período de reexibição (março-abril) e sweeps de primavera e season finale (maio). A maioria dos programas PTS exibe em média 24 episódios por temporada. As redes de televisão guardam os episódios novos para os períodos "sweep", em que os índices de publicidade são calculados nos padrões da escala Nielsen. Elas evitam reexibições no começo da estação do ano, pois supõem que novos episódios manterão e aumentarão o interesse no programa. Isso dá às redes de televisão, no mínimo, oito semanas de episódios para começar a temporada e outras oito para exibir durante os sweeps de inverno e primavera, no total de dezesseis episódios. Os episódios remanescentes são exibidos em dezembro, janeiro, março ou abril.
As consequências desta segmentação da temporada atendendo a formas narrativas são claras. Assim como os episódios são concebidos com vistas a produzir cortinas atraentes para os telespectadores, as temporadas são concebidas com vistas a produzir sweeps que conquistem a audiência. Alguns programas têm arcos flexíveis que podem se estender por toda uma temporada, porém, as exigências dos três períodos sweep tornam os arcos mais facilmente concebíveis em unidades de cerca de seis ou oito episódios do que em unidades de 24. Portanto, podemos considerar que tanto a temporada como o episódio contêm atos. Cada temporada tem três.
Quando os dramaturgos começam a trabalhar em uma temporada, eles já destacam as partes mais importantes para o desenvolvimento do enredo referentes ao ano inteiro de programa, por isso que os escritórios de alguns deles têm murais na parede com estas informações para auxiliá-los na produção da narrativa. Porém, mesmo em programas como 24 (Fox, 2001 - ), cujas temporadas têm uma estrutura enxuta e centrada, o conceito de arcos se dá de uma maneira gradual. 24 não estabelece todo o seu enredo com antecedência. Sua equipe de dramaturgos divide a história em grupos de seis ou oito episódios. Oito termina sendo mais fácil e flexível para dividir a história. Isso não é dizer que os oitos episódios tenham o mesmo tipo de coerência que um episódio concebido individualmente, todavia, através desses segmentos maiores da história, chamados de atos, problemas são apresentados, desenvolvidos e resolvidos. Ademais, faz sentido que os telespectadores prefiram histórias em segmentos maiores do que episódios, porém menores do que temporadas. Envolvemo-nos com a narrativa de maneira constante, mas certamente não temos memória que nos permita reter toda uma temporada em nossas cabeças.
Já que os enredos principais de qualquer episódio de um programa PTS podem ser bastante completos, um arco é desenvolvido episódio após episódio com poucas linhas de diálogo ou cenas o suficiente para apenas conduzir o enredo adiante. Em Judging Amy, o objetivo de Peter e Gillian de ter uma criança leva duas temporadas para se resolver completamente. Ele é, no entanto, dividido em unidades menores de narrativa, começando já no episódio piloto, como: considerar a possibilidade da concepção in vitro e tentá-la; recorrer à adoção, mas vê-la desconstituir-se quando a mãe biológica do Ned desiste de dá-lo para adoção; e assim sucessivamente até que, no sweep de maio da segunda temporada, eles conseguem uma criança. Apesar de este ser um arco muito longo, ele é dividido em partes mais maleáveis que se entrelaçam com os demais atos da temporada.
Os atos da temporada, compostos de vários episódios, nem sempre coincidem perfeitamente com os arcos dos personagens, e esta ideia de arco sugere que o de cada personagem pode começar e terminar em pontos diferentes. Contudo, os atos da temporada e os arcos dos personagens normalmente costumam coincidir porque enredo e personagens não são independentes um do outro. O arco de Rory nos episódios da quinta temporada de Gilmore Girls já mencionado anteriormente é um ótimo exemplo disso. A forma do terceiro ato da temporada é definida pelos encontros de Rory com os Huntzbergers. Do mesmo jeito que episódios isolados apresentam problemas e soluções, os atos da temporada também. O que acontecerá a Rory e Logan? Como reagirão os Huntzbergers, Lorelai, Richard e Emily? Que consequências estes acontecimentos terão no futuro de Rory? Estas questões se arrastam pelos episódios e culminam na season finale, quando Rory decide deixar Yale e muda-se para a casa de seus avós.
Igualmente, os arcos compartilham um modo comum com os atos da temporada porque as vidas dos personagens estão entrelaçadas, estando os objetivos de cada personagem moldados pelos objetivos dos outros personagens. O arco de Lorelai Gilmore no ato da terceira temporada poderia ser independente do de Rory e frequentemente parece o ser. Lorelai lida com um conjunto de questões que raramente envolvem sua filha, Rory. Que tipo de relação ela deveria ter com seus pais esnobes e intrometidos? Ela deveria vender o Dragonfly Inn e aceitar o emprego que poderá a fazer se mudar de Stars Hollow? O que acontecerá em sua relação com Luke? Lorelai não sabe, mas durante todo este tempo, Luke planeja pedi-la em casamento, comprar uma nova casa onde os dois possam viver juntos e espera um dia ter filhos com ela. Então, o arco de Rory com Logan e com o estágio e o arco de Lorelai com Richard e Emily, o Dragonfly Inn e Luke estão ambos dificilmente entrelaçados.
Na season finale, A House Is Not A Home (17 de maio de 2005), os arcos de ambas as personagens unem-se quando Lorelai responde a decisão de Rory de deixar a universidade. Lorelai relutantemente vai até seus pais para pedi-los ajuda para convencer Rory a retornar a Yale, e eles concordam, conquanto que ela volte a morar com os avós e tire um tempo de descanso. Isso responde a questão número um: Lorelai retornará ao seu costume de não ter nenhum contato com Richard e Emily. Quando ela conta a Luke, ele fica seriamente irritado e insiste que eles deveriam deter Rory e forçá-la a ir à universidade todos os dias. Neste momento, Lorelai fica tão comovida pela preocupação de Luke que ela o pede em casamento, uma cortina bastante inesperada para o fim de uma temporada. Isso sugere prováveis respostas para a questão número dois e três: no final da quinta temporada, parece provável que Lorelai não venderá o Dragonfly Inn e que ela se casará com Luke, ou mesmo mudar-se com ele para uma nova casa e ter filhos. O que é mais importante nessa discussão, entretanto, é o jeito como os arcos de diversos personagens se cruzam. A decisão de Rory de deixar Yale e mudar-se para a casa de seus avôs e a proposta de Lorelai para casar-se com Luke ocorrem numa mesma progressão dramática. As ações de Rory afetam as de Lorelai, que afetam as de Luke, que afetam as de Lorelai novamente. Os arcos resolvem-se como se fossem um só, tornando os episódios do sweep de maio coerentes em termos de unidade narrativa. Esse padrão de unir arcos significa que, em qualquer episódio, vários enredos parecem conectados. Eles podem ser unidos como parte de um único padrão de resolução dramática. Novamente, o formato PTS tende para a unidade e coerência narrativas.
E as unidades de narrativa maiores do que um ato de temporada? E a temporada como uma unidade de narrativa? Dramas como Nip/Tuck (FX, 2003 - ) e The L Word (Showtime, 2004 - ) tem temporadas de treze episódios, tornando mais fácil de enxergar a temporada como um todo narrativo. Cada temporada de Buffy traz um conflito no qual os personagens confrontam um "mal maior", porém, cada temporada tem vários episódios nos quais o "mal maior" divide espaço com os conflitos pessoais dos personagens.
Arcos, como beats e episódios, têm suas próprias funções e efeitos. Trata-se de um jeito de administrar o conteúdo da história, de elaborá-lo conforme um todo significativo. Arcos e atos de temporadas são, não diferentemente de beats e episódios, um produto de toda uma indústria publicitária na produção narrativa. Eles são um meio de atrair audiência semanalmente e de maximizar o ibope no que diz respeito às redes televisivas, além da função estética de gerar o interesse no personagem, de envolver a audiência nos sufocos e descobertas dos personagens, as vidas e amores, e de privilegiar a unidade formal. Como em todos os níveis da narrativa televisiva, o terceiro nível é projetado para agradar ao público da melhor forma.

Conclusão

Essas foram algumas das técnicas narrativas mais conhecidas pelos dramaturgos e telespectadores de centenas de diferentes programas. Beats, episódios e arcos proporcionam um meio de conquistar audiências. No entanto, a produção criativa não se dá unilateralmente, dos produtores para os dramaturgos apenas. Apesar de estes três elementos atenderem a finalidades comerciais, uma vez que a produção narrativa estabelece determinadas práticas, as redes televisivas reconhecem a sua utilidade narrativa e, então, uma espécie de diálogo surge entre os produtores e dramaturgos, que trocam feedbacks entre si. Um recurso como a recapitulação constante dos acontecimentos da história deve servir ao interesse de todos. Os executivos de uma rede televisiva podem não apreciar a originalidade, entretanto, respeitam as tradições de criação na narrativa televisiva. Outros recursos para aumentar os lucros além dos já mencionados estão atrelados aos próprios lucros (i.e., interatividade, apresentação do produto, os finais inesperados e que deixam diversos aspectos para serem resolvidos no episódio seguinte e episódios longos). Ainda que eles se originem no escritório dos dramaturgos ou na mesa de reunião dos executivos, se eles não contribuírem para que a televisão aprimore sua forma de contar histórias, tais recursos dificilmente serão integrados à tradição de criação narrativa.
Uma dramaturga de longa data resume seu trabalho da seguinte forma: "uma vez decidida a história que irei contar, eu então utilizo todos os recursos de escritor a fim de fazer o público sentir o que eu preciso fazê-lo sentir, do contrário, eu não conseguirei mantê-lo interessado e ele não ouvirá nada do que tenho para falar... Eu sempre escrevo tendo o público em mente". Todos os recursos de escritor, tendo o público em mente: o artista da televisão é tão adequado quanto qualquer narrador para os efeitos da narrativa. Os programas discutidos pelo autor são simultaneamente fontes de lucros e prazeres. Estes lucros e prazeres transcendem os julgamentos críticos de qualidade. As práticas que os produzem, isto é, os recursos e técnicas dos escritores que produzem lucros e prazeres, atraem a atenção de qualquer um interessado na narrativa da cultura popular.

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