Dos Princípios à Loucura: O que são afinal os princípios? At the Principles of Madness: What are the Principles

September 27, 2017 | Autor: Luciano Del Monaco | Categoria: Philosophy, Philosophy Of Mathematics, Philosophy Of Law
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Dos Princípios à Loucura: O que são afinal os princípios? At the Principles of Madness: What are the Principles?

Luciano Del Monaco*

RESUMO: Este artigo procura expor de maneira crítica a concepção de princípio utilizada por Robert Alexy e a dificuldade que o referencial teórico de Alexy possui em determinar de maneira precisa o que vem a ser um princípio e, também, qual a diferença fundamental entre um princípio e uma regra, não no referente a sua forma de operação, mas às características formais que indicam se a norma jurídica é um princípio ou uma regra. Primeiramente será abordado um problema lógico de auto-referencialidade no relativo ao uso do conceito de racionalidade, problema que irá afetar a capacidade da teoria de distinguir entre as categorias definidas, e, posteriormente a problemática de como realizar a operação de derivação da categoria de "norma jurídica" para as categorias de princípios e regras e, em particular, o papel do intérprete nessa operação. Palavras-chave: Robert Alexy; racionalidade; auto-referencialidade.

ABSTRACT: This papers seeks to expose in a critical manner the concept of principle used by Robert Alexy and the difficult that the theoretical framework of Alexy has to ascertain, in a precise manner, what is a principle and, also, what is the fundamental difference between a principle and a rule, regarding not the way that each one of them operate, but theirs formal characteristics that determine if a legal norm is a principle or a rule. Firstly will be addressed the logical issue of self-referentiality regarding the usage of the concept of rationality, issue that dampers the theory ability to distinguish between the categories created, afterwards will be addressed the question of how to perform the derivation from the category of "legal norm" to the categories of principles and rules and, in particular, the role of the interpreter in this operation.

*

Graduando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Email: [email protected]

Key-words: Robert Alexy: rationality; self-referentiality.

A questão da fundamentação deriva, na obra de Robert Alexy, dos pressupostos iniciais da racionalidade, sendo esse ponto que não deve ser ignorado. Antes de abordar a fundamentação em si Alexy valora o sistema, ao optar por utilizar um modelo de “princípios” e “regras”, cindindo a realidade jurídica da “norma jurídica”, em duas categorias distintas, bem definidas e praticamente incomunicáveis – falamos em valoração pelo fato de que o intérprete possui papel relevante na definição dessas categorias, e que o modelo utilizado não advém expressamente da noção de racionalidade, ou seja, poderia ser escolhida outra forma pelo autor, que ao realizar essa escolha estrutural, e que também é metodológica, está valorando o sistema. No decorrer da exposição, mais do que a exposição dos conceitos, serão expostos seus aspectos críticos, os quais podemos resumir em perguntas a serem respondidas: (i) porque a argumentação deve ser racional?; (ii) como distinguir um princípio de uma regra; e (iii) qual o papel do intérprete no modelo de Alexy? Primeiramente abordemos a problemática da racionalidade, cuja necessidade é estabelecida de forma quase dogmática, tratando-se de um pressuposto que se baseia em si mesmo, pois é "racional exigir a racionalidade", em um círculo auto-referencial e tautológico, pois Alexy não realiza essa etapa prévia de questionamento, assume como parte do objetivo final da interpretação normativa. A abordagem escolhida por Alexy para como interpretar uma norma jurídica é a definição de regras de discurso, que seria a forma possível de alcançar a racionalidade no discurso:

Pode-se dizer que as regras do discurso definem um processo de tomada de decisão, por outro lado uma vantagem. A deficiência é visível. A vantagem consiste no fato de que a base geral da decisão e uma série de passos isolados no processo de tomada de decisão não são estabelecidos por quaisquer teóricos na teoria da decisão que, por sua vez, teriam de começar com as próprias opiniões, porém ficam a critério das pessoas mais diretamente implicadas. Podemos entender a tarefa da teoria do discurso precisamente como a de criar normas que, por um lado, sejam suficientemente fracas, portanto, de pouco conteúdo normativo, o que permite que indivíduos com opiniões normativas muito diferentes, possam concordar com elas e, por outro lado, sejam tão fortes, que qualquer discussão feita com base nelas seja designada como "racional".1 (grifos nossos)

1

Robert Alexy, Teoria da Argumentação Jurídica, p. 28.

Nesse trecho Alexy define as regras do discurso como as balizas do processo de tomada de decisão, balizas essas que precisam ser rígidas para manter a racionalidade da discussão, e ao mesmo tempo flexíveis o bastante para possibilitar o processo comunicativo. Em síntese, o objetivo final (racionalidade) já se encontra na premissa, por isso mesmo a sua auto-referencialidade. Útil explicitar que o sujeito habermasiano (adotado por Alexy) é, em linhas gerais, o sujeito kantiano - que se constitui como sujeito racional, e como a razão "logos" é um elemento que seria comum a todos os sujeitos humanos eles sempre poderiam se comunicar e, talvez, chegar a um consenso. Podemos compreender essa afirmação por meio de uma analogia, seria como se todos os humanos fossem computadores com o mesmo sistema operacional, de forma que os programas (os conteúdos comunicacionais) de um indivíduo pudessem ser compreendidos da mesma maneira, sem distorções, em outro indivíduo. Afastemos então a racionalidade, tiramos assim a chave mestra do sistema, em outras palavras, se todos os indivíduos não podem se comunicar sem distorções não será possível que todos possuam os mesmos valores e objetivos últimos, logo nesse quadro de divergência como distinguir um princípio de uma regra? A pedra basilar da teoria de Alexy, em seu modelo de construção de uma "Teoria dos Direitos Fundamentais" é o papel da norma jurídica, mais precisamente, a distinção entre regras e princípios. Regras e princípios são, assim, facetas do gênero maior - norma jurídica a distinção serve então para concentrar certas características em dois tipos (regras ou princípios), ou melhor, para destacar da unidade "norma" certas características que se pretende visualizar com maior clareza.

Para a teoria dos direitos fundamentais, a mais importante delas é a distinção entre regras e princípios. Essa distinção é a base da teoria da fundamentação no âmbito dos direitos fundamentais e uma chave para a solução de problemas centrais da dogmática dos direitos fundamentais. Sem ela não pode haver nem uma teoria adequada sobre as restrições a direitos fundamentais, nem uma doutrina satisfatória sobre colisões, nem uma teoria suficiente sobre o papel dos direitos fundamentais no sistema jurídico.2 (grifos nossos)

Qual o motivo da divisão em duas categorias (princípios e normas)? Tal fato só se justifica se existem apenas dois "elementos" a serem observados no todo (norma jurídica) que são relevantes. Caímos assim na discussão da relevância e do que desejamos observar. Apesar 2

Robert Alexy, Teoria dos Direitos Fundamentais, p. 85.

de Alexy invocar a "busca da racionalidade" como motivo e justificativa capaz de suportar essa escolha acreditamos que já problematizamos suficientemente a questão da racionalidade para não admiti-la irrefletidamente. Em síntese, e esse é o ponto principal de nossa crítica, a cisão da norma jurídica3 não é uma obrigatoriedade inerente ao objeto, muito menos a classificação em dois termos distintos (regras e princípios). Assim sendo, se não é possível dizer que um "princípio" (ou regra) é algo, mas que se limita a uma escolha realizada, a tomada de um elemento fracionário da totalidade da realidade jurídica - mas quem é o responsável por fazer essa escolha? Trata-se de uma função do intérprete, quer queira ele ou não, que, a depender do recorte utilizado irá entender que uma dada norma jurídica é uma "regra" e outra é um "princípio", e assim já se inicia a ciência jurídica de forma viciada, por ser possível a completa manipulação das categorias, o que torna possível que se atinja qualquer resultado final. Caso estivéssemos dentro de um quadro no qual a "racionalidade" operasse conforme pressuposto por Alexy como fazer a distinção entre regras e princípios seria uma questão trivial, pois, sendo único o conceito (estanque, universal, aceito, ou ao menos passível de ser aceito e compreendido por todos) único é o resultado possível da operação. No entanto, não existem elementos que justifiquem que estamos em tal situação e muito menos que esse quadro seja alcançável ou sequer desejável. Agora, considerando que toda a teoria se apoia integralmente na distinção entre regras e princípios, chegando ao ponto de criar consequências jurídicas diferentes para cada tipo (o princípio sendo submetido ao modelo do mandato de otimização e a regra ao modelo da subsunção) a vagueza conceitual imprime ao intérprete o poder de decidir o que a norma em discussão é, e, consequentemente, quais as consequências advindas dessa escolha. Trata-se de uma metodologia falha por ser um cheque em branco, um vazio a ser preenchido pelo intérprete. Em síntese, a conclusão maior e final é que dentro da teoria de Alexy, tendo-se devidamente desconstruído o conceito "mítico" de racionalidade, no final das contas o que importa é o que o intérprete quer, pois é ele quem faz a escolha e, dentro de um contexto complexo como a sociedade atual existem diversas opções de escolhas possíveis (dentro de diversas racionalidades e irracionalidades distintas, cada uma com base em um enfoque

3

A norma jurídica não esgota a totalidade da realidade jurídica, se assim podemos chamá-la, mas iremos utilizá-la como ponto de partida comum por ter sido esse o ponto de partida escolhido por Alexy (embora fosse possível que ele tivesse determinado outro ponto de partida).

distinto da realidade) - cabe a ele classificar a norma da maneira mais consentânea aos seus fins. Frise-se, contudo e por fim, que não se trata de um desvio de conduta ou de uma malevolência intrínseca do intérprete, não estamos aqui impingindo ao intérprete a alcunha de grande vilão, única e exclusivamente interessado em seus fins e que retorce as normas para que elas lhe sejam favoráveis. Trata-se, na verdade, de um vácuo teórico desprovido de critérios e balizas aptas a dar segurança ao intérprete quando da operacionalização da cisão, logo esse vazio será preenchido de alguma forma pelo intérprete – para o bem ou para o mal.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica. São Paulo: Landy, 2001. ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008.

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