Dossiê Murawara - Memórias do Povo Mura no Município de Itacoatiara

June 7, 2017 | Autor: A. Borghi Jacinto | Categoria: History and Memory, Direito Ambiental, Antropología, Amazonas, Povos Indígenas, Povo Mura
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Governador do Amazonas Omar José Abidel Aziz Secretário de Estado da Cultura Robério dos Santos Pereira Braga Secretária de Estado da Ciência e Tecnologia Marcílio de Freitas Reitor da Universidade do Estado do Amazonas José Aldemir de Oliveira

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ANO-6,Nº 10 MANAUS, JANEIRO-JUNHO,2008

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS

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Edições

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Copyright © 2007 Governo do Estado do Amazonas Secretaria de Estado da Cultura Universidade do Estado do Amazonas – UEA Universidade do Estado do Amazonas Reitor José Aldemir de Oliveira Pró-reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa Pró-Reitora Maria das Graças Vale Barbosa Escola Superior de Ciências Sociais Diretor Randolpho de Souza Bittencourt Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental Coordenador Sandro Nahmias Melo (2009); Serguei Aily Franco de Camargo (2009-atual).

Solicita-se permuta Solicitase canje Exchange desired On demande l’échange Vogliamo cambio Wir bitten um Austausch

Coordenadores(as) Prof. Dr. Serguei Aily Franco de Camargo Profa. Dra. Cristiane Derani Coordenação Editorial Prof. Dr. Serguei Aily Franco de Camargo Prof. Dr. Walmir de Albuquerque Barbosa Prof. Dr. Ozório José de Menezes Fonseca Conselho Editorial Profa. Dra. Cristiane Derani Prof. Dr. David Sánchez Rubio Prof. Dr. Fernando Antonio de Carvalho Dantas Prof. Dr. Joaquim Shiraishi Neto Prof. Dr. Luiz Edson Fachin Prof. Dr. Ozorio José de Menezes Fonseca Prof. Dr. Raymundo Juliano Feitosa Prof. Dr. Sandro Nahmias Melo Prof. Dr. Serguei Aily Franco de Camargo Profa. Dra. Solange Teles da Silva Prof. Dr. Walmir Albuquerque Barbosa Revisão Técnica e Normativa Denison Melo de Aguiar Diagramação e Projeto Gráfico Francisco Ricardo Lopes de Araújo Revisão Ortográfica Profa. Rosa Suzana Batista Farias

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS – UEA Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental Rua Leonardo Malcher, n.º 1728, 5.º andar, Centro, CEP: 69010-170 Manaus – Amazonas – Brasil Tel./Fax. 55 92 3627-2725

Ficha catalográfica Ycaro Verçosa dos Santos– CRB-11 287 Hiléia: Revista de Direito Ambiental da Amazônia. ano 6, n.º 10. UEA - Edições Governo do Estado do Amazonas / Secretaria de Estado da Cultura / Universidade do Estado do Amazonas, 2008. p. 148 ISSN: 1679-9321 (Semestral)

E-mail: [email protected] Site: www.pos.uea.edu.br/direitoambiental/

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1. Direito Ambiental – Amazônia I. Universidade do Estado do Amazonas CDD: 344.046811 CDU 344 (811)

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Universidade do Estado do Amazonas Programa de Pós-graduação em Direito Ambiental

Murawara: Memórias do Povo Mura no Município de Itacoatiara Relatos de Pesquisa

Programa Jovem Cientista Amazônida Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas - FAPEAM Colaboração: Fundação Estadual dos Povos Indígenas – FEPI Organização das Mulheres Indígenas Mura do Rio Urubu – OMIMRU Manaus/Itacoatiara – AM, setembro de 2008

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SUMÁRIO APRESENTAÇÃO...............................................................................................09 PARTE I DOSSIÊ MURAWARA: MEMÓRIAS DO POVO MURA NO MUNICÍPIO DE I-TACOATIARA - VISÕES DE PESQUISADORES..............................................................19 UM OLHAR EXTERNO SOBRE A PESQUISA: NOTÍCIAS SOBRE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA E OS MURA DE AUTAZES Rosa Helena Dias da Silva................................................................................20 TERRA INDÍGENA RIO URUBU E TERRA INDÍGENA PARANÁ DO ARAOTÓ Jéssica Heidrich...............................................................................................25 MURAWARA E EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA Klaiton Alves da Silva.......................................................................................30 PALAVRAS DOS PESQUISADORES INDÍGENAS E COLABORADORES SOBRE O PROJETO MURAWARA......................................................................................33 PARTE II DOSSIÊ MURAWARA: MEMÓRIAS DO POVO MURA NO MUNICÍPIO DE I-TACOATIARA – MATERIAL DE PESQUISA...............................................................................19 VISITA ÀS ALDEIAS E COMUNIDADES MURA – ENTREVISTAS...........................41 Aderlane Batista de Araújo Dayana da Costa Aguiar Elia da Silva Ramos Iriane Bruno dos Santos Izomar Cabral Nunes Mara Cristina Pereira Rodrigues Rosenilson Bruno dos Santos Rosilane da Silva Bruno

FICHA TÉCNICA E EQUIPE .............................................................................147

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APRESENTAÇÃO No !nal de 2009, o coordenador do Programa de Pós-graduação em Direito Ambiental - PPGDA, Serguei Aily Franco de Camargo convidou-me para publicar o presente material como uma edição comemorativa do 10º número da Hiléia – Revista de Direito Ambiental da Amazônia.1 Em um primeiro momento, hesitei por crer se tratar de um conteúdo muito particular – entrevistas realizadas por jovens indígenas Mura sobre a memória de seu povo. Com o tempo, e a orientação editorial do professor Walmir de Albuquerque Barbosa, me convenci da pertinência da publicação com esse caráter, e de sua relação com a perspectiva que a Hiléia registrou nos últimos anos, desde sua cri-ação em 2003. Dessa relação trata a presente apresentação. PARA ENTENDER ESSA PUBLICAÇÃO: MEMÓRIAS DE HILÉIA, MEMÓRIAS DE PES-QUISA Em 2003, o PPGDA passava por uma reestruturação em sua concepção, identi-dade e estrutura. A Hiléia registrou, nos números publicados nos últimos anos, momentos que marcaram o Programa durante esse período; trouxe autores que contribuíram ao seu processo de consolidação, e que representam a diversidade de idéias, perspectivas e abordagens do Direito Ambiental e de áreas a!ns, particularmente nas análises voltadas à Amazônia. Junto com isso, a Revista !rmou a proposta de divulgar e re"etir sobre o Direito Ambiental a partir de um compromisso humanista, “e, em sentido mais ampliado, em trocas geopolíticas e cognoscitivas mais iguais na correlação sul-norte, norte-sul, espiralando a seara da complexidade cultural, da sócio e biodiversidade”, como apontaram, na introdução do primeiro número da Hiléia, Cristiane Derani e Fernando Antonio de Carvalho Dantas, então coordenadora da Revista e coordenador do PPGDA, respectivamente. O prefácio deste número inaugural, escrito por Robério Braga, Secretário de Cultura do Estado do Amazonas que, à época, era mestrando em Direito Ambiental, recuperou os sentidos da expressão ‘hiléia’ a partir do uso feito por Alexandre O leitor encontrará dados referentes aos anos de 2009 e 2010 em uma revista cuja publicação é datada de 2008. Isso se deve ao fato da revista ter se atrasado em sua periodização; o presente número participa de um esforço editorial para regularizar-se essa situação. 1

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von Humboldt para designar a Amazônia; retomou outros viajantes e pesquisadores cujos trabalhos produziram registros marcantes sobre a região; e ainda tratou do polêmico projeto do Instituto Internacional da Hiléia Amazônica,- pontos que sugerem o emaranhado das relações entre ciência, política e desenvolvimento no contexto amazônico. Cito esses trechos do primeiro número porque representam, de certo modo, os desa!os colocados ao direito ambiental e enfrentados, de diferentes maneiras, pelos inúmeros artigos publicados na Hiléia em seus nove primeiros números. A relação do Direito Ambiental com a pesquisa é um desses desa!os. Primeiro porque o exercício da pesquisa acadêmica na formação em direito é relativamente re-cente e pouco disseminado2. Isso signi!ca, geralmente, que o mestrado acaba sendo o momento em que os estudantes de direito aprenderão sobre esse exercício (muitas vezes seu primeiro contato), seus objetivos, métodos e os desconhecidos que a pesquisa nos faz enfrentar. Segundo, porque o Direito Ambiental, pela complexidade dos seus objetos, impõe à pesquisa a necessidade do diálogo inter e transdisciplinar – o que signi!ca, também, convivência com visões diferentes, por vezes divergentes, sobre o que é a pesquisa, quais são seus pressupostos, procedimentos e implicações, dependendo do campo disciplinar em questão. A Revista Hiléia traz em vários de seus artigos, tanto de professores e mestran-dos do PPGDA, quanto de pesquisadores externos, diversos temas onde o diálogo entre campos de conhecimento é fundamental. Alguns desses temas ajudam também a entender o presente número: direito ambiental e direitos coletivos; o surgimento de novos sujeitos de direito e categorias jurídicas; direito ambiental e direitos culturais; a ecologia dos saberes; as relações entre território, recursos naturais e modos de criar, fazer e viver – para citar alguns. Os projetos de pesquisa desenvolvidos no Programa de Pós-graduação em Direito Ambiental ao longo desses anos oferecem outro cenário fundamental para encontros entre campos do conhecimento, contatos entre pesquisadores, mestrandos, graduandos e outros grupos e colaboradores externos. Por meio dos vários números da Hiléia e dos autores vinculados ao PPGDA, o leitor terá um panorama signi!cativo da produção intelectual do Programa relacionada a projetos de pesquisa3. Cf. Nobre, Marcos et alli. O que é pesquisa em Direito? São Paulo: Quartier Latin,2005. Desde a criação do PPGDA, foram os seguintes os projetos desenvolvidos e/ou em andamento: ”Tutela Jurídica do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais” (FAPEAM/ Coordenação: Ozório José de Menezes Fonseca:); “Processos sócio-culturais, Direitos e Identidades na Amazônia” – UEA/UFAM (FAPEAM/ Coordenação: Patrícia Sampaio e Fernando Antonio de Carvalho Dantas); “Desenvolvimento de Instrumentos

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Essas são algumas das razões que explicam o sentido da presente publicação. O material aqui apresentado é fruto de um projeto de pesquisa chamado “Murawara: Me-mórias do Povo Mura no Município de Itacoatiara”, !nanciado pela Fundação de Am-paro à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM), e desenvolvido entre 2007 e 2008. Concebido a partir de uma demanda apresentada pela Organização das Mulheres Indígenas Mura do Rio Urubu (OMIMRU), e da articulação da Fundação Estadual dos Povos Indígenas (FEPI), sua concepção foi estimulada por um edital lançado pela FAPEAM, chamado “Jovem Cientista Amazônida”. Esse edital apoiava projetos de pesquisa que articulassem universidades e escolas públicas de nível médio e fundamental, onde os principais pesquisadores fossem os alunos dessas escolas. Ainda, o edital previa uma linha especí!ca de !nanciamento para o trabalho com escolas, alunos e professores indígenas. Foi esse o estímulo à formulação da demanda, e a razão da procura ao PPGDA para a elaboração do projeto. O material apresentado aqui reúne, na maior parte do seu corpo, a coletânea de entrevistas realizadas pelos jovens pesquisadores indígenas. Na primeira parte deste número, “Visões de Pesquisadores”, constam breves textos - da professora Rosa Helena Dias da Silva, da Universidade Federal do Amazonas; de Jéssica Heidrich e Klaiton Alves da Silva, bolsistas do projeto - que buscam contextualizar histórica e politicamente a importância dessas entrevistas e de seu processo de realização. Institucionais Catalisadores de Ações para a Difusão do Exercício dos Direitos de Propriedade Intelectual” (FAPEAM/ Coordenação: Serguei A. Franco de Camargo); “Apoio à Implementação do Estatuto da Cidade nos Municípios do Estado do Amazonas” – UEA/Instituto Polis/ MPEA (FAPEAM/ Coordenação: Fernando Antonio de Carvalho Dantas); “Direito ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado: A gestão dos resíduos sólidos no estado do Amazonas” (FAPEAM/ Coordenação: Solange Teles da Silva); “Patrimônio Cultural e o Direito ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado” (FAPEAM Coordenação: Andréa Borghi Moreira Jacinto); “Direitos, Recursos Naturais e Con"itos Ambientais: O Tratado de Cooperação Amazônica” - UEA/ UNISANTOS (CNPq/ Coordenação: Solange Teles da Silva); “O Pluralismo Jurídico como Valor Fundamental: O Estatuto das Sociedades Indígenas” (CNPq/ Coordenação: Joaquim Shiraishi Neto); “As Quebradeiras de Coco Babaçu e o Direito” (CNPQ/ Joaquim Shiraishi Neto); “Consolidadação do Núcleo de Imagem, Direito e Meio Ambiente” (FAPEAM/ Coordenação: Andréa Borghi Moreira Jacinto); “Direito Pesqueiro na Bacia Amazônica”(CNPq/Coordenação: Serguei Aily Franco de Camargo); “Gestão Participativa da Pesca na Região do Rio Urubu, Boa Vista do Ramos (AM)”(FAPEAM/ Coordenação: Serguei Aily Franco de Camargo); “Limites e Potencialidades dos Instrumentos Jurídicos de Gestão das Águas Doces” (Coordenação: Solange Teles da Silva). Para outras informações, conferir: http://www.pos.uea.edu.br/direitoambiental/?dest=p pesquisa. Hiléia - Revista do Direito Ambiental da Amazônia n0 10 |Jan - Jun| 2010

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Também na primeira parte, são apresentados palavras dos jovens pesquisadores e colaboradores indígenas sobre o signi!cado do projeto em suas vidas. Na segunda parte da revista, “Visitas às aldeias e comunidades Mura”, que traz o material resultante da pesquisa, são apresentadas as entrevistas propriamente ditas. A edição desse material passou por um trabalho de transcrição, discussão e seleção que envolveu toda a equipe, nas o!cinas de trabalho que realizamos ao longo do projeto. O texto transcrito guarda as marcas da oralidade e também dos diálogos travados. Como um material quase bruto, elas são oportunidade ao estudante ou pesquisador do direito ambiental, das ciências sociais e naturais, de conhecerem um pouco da história e memória do Povo Mura. São também uma oportunidade de vislumbrarem como os direitos ambientais, culturais e sociais se articulam e estão representados no discurso e pensamento de representantes de um povo indígena na Amazônia. Essa publicação, ao trazer um material aberto a diferentes leituras e interpretações possíveis, é, portanto, um convite e uma provocação aos pesquisadores do mundo jurídico para aprofundarem e realizarem análises sobre esses temas a partir dos relatos Mura. O Povo Mura possui um histórico de contato antigo e traumático com a sociedade nacional; a historiogra!a sobre o contato reforça a “detratação institucionalizada”4 que caracterizou as narrativas colôniais a respeito dos Mura, nos séculos XVIII e XIX5. Ocupam áreas das regiões do rios Madeira, Amazonas e Purus; no estado do Amazonas, além de Itacoatiara, estão em municípios como Autazes, Borba, Careiro, Manicoré, e também em Manaus. Contemporaneamente, a luta em defesa do território associa-se à preocupação com a manutenção e reconstrução de uma cultura e identidade próprias, desa!adas por perdas como a da língua materna, e situações de evasão e con"itos. Em muitas dessas situações, esconder a identidade étnica foi estratégia diante do preconceito e da violência. Se o silêncio e o esquecimento tornaram-se saída diante da dor, o trabalho da memória pôde também ser caminho para um reencontro coletivo, de se refazer o passado a ser lembrado nos quadros sociais do presente, entre grupos de convívio6. Foi essa a aposta do projeto, construído como proposta coletiva, e objetivo abraçado pelos estudantes e professora indígenas ao longo da pesquisa, que poderá ser conhecido pelos leitores deste número da Hiléia.

Ver AMOROSO, M. R. “Os Mura Lutam para Recuperar suas Terras” in Instituto Socioambiental. Povos Indígenas no Brasil /1996-2000. Carlos Alberto Ricardo (editor). São Paulo: Instituto Socioambiental, 2000; AMOROSO, M. R. “Corsários do Caminho Fluvial – Os Mura do Rio Madeira” in Carneiro da Cunha, M. História dos Índios do Brasil. São Paulo: Fapesp, Cia. Das Letras, 1992, pp. 297-310 4

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SOBRE O MURAWARA A segunda parte da Revista traz um registro escrito do encontro de sete jovens indígenas – Dayanna, Elia, Iriane, Izomar, Mara, Rosenilson e Aderlane – com histórias e lembranças contadas por moradores das Terras Indígenas Rio Urubu e Paraná do Araotó, localizadas no município de Itacoatiara. Foram acompanhados, durante essa experiência, pela professora Mura Rosilane Bruno dos Santos. Juntos ouviram, perguntaram e descobriram sobre o passado de seu povo, e também sobre o presente e os lugares onde vivem com suas famílias. A vontade e o compromisso que tiveram com a pesquisa foi admirável. Eles enfrentaram malárias, chuvas, di!culdade de comunicação e as longas distâncias. O esforço compensou. Tiveram o apoio fundamental e a colaboração de seus entrevistados, a maioria Mura, mas também indígenas de outras etnias, como Saterés, e mesmo não-indígenas – todos, porém, comprometidos com a história Mura na região. O material de pesquisa conduzirá o leitor a diferentes assuntos: a lembrança dos tempos de fartura do Rio Urubu; a terra preta; as longas viagens até Itacoatiara, ainda à remo; as di!culdades com doenças, especialmente com a malária – que antigamente chamava sezão. Nas entrevistas, lembraram do antigo nome do rio Urubu, rio da Prata; disseram de encantarias, de botos e ouro. A lembrança chegou mesmo nos tempos da Cabanagem, como contou o mais velho entrevistado da pesquisa, Sr. André Cordovil, com as notícias que sua avó contava sobre essa revolta dos anos de 1840. Além de tempos distantes, os jovens cientistas pesquisaram também sobre passados mais próximos e sobre o presente. Ouviram e conversaram sobre as condições dos rios; sobre os con"itos que seus parentes enfrentaram; sobre a demarcação das Terras Indígenas, a formação do Pólo Base, e sobre a luta pelo direito à educação. Esses encontros de ouvir e contar foram possíveis graças ao Programa Jovem Cientista Amazônida, da Fundação de Amparo à Pesquisa do SANTOS, F. J. “Descimento dos Mura no Solimões” in Sampaio, P. M.; Erthal, R. de C. (org). Rastros da Memória – Histórias e trajetórias das populações indígenas na Amazônia. Manaus: EDUA, 2006, pp. 73-95.; UFAM/ CEDEAM. Autos da Devassa contra os Índios Mura do Rio Madeira e nações do Rio Tocantins (1738-39): fac-símiles e transcrições paleográ!cas. Introdução de Adélia Engrácia de Oliveira. Comissão de Documentação e Estudos da Amazônia (CEDEAM). Manaus: FUA; Brasília: INL, 1986. 6 Sobre esquecimento e memória social, ver POLLAK, M. “Memória, Esquecimento e Silêncio” in Estudos Históricos, 1989, Rio de Janeiro, vol. 2, no. 3, pp. 3-15; e BOSI, E. Memória e Sociedade – Lembrança dos Velhos. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. 5

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Estado do Amazonas, que !nanciou o projeto. Em 2006, quando foi lançado o Edital do Programa JCA, fui procurada por Elisabeth dos Santos, a Elisabeth Mura, representante da Organização das Mulheres Indígenas Mura do rio Urubu (OMIMRU), e por Andrea Bitencourt Prado, representante da Fundação Estadual dos Povos Indígenas (FEPI). Elas traziam a proposta de elaborarmos um projeto e concorrermos ao edital. Nessa etapa, recebemos ainda contribuições de José Mário Mura e de Maria Auxiliadora da Silva Vieira, também da FEPI. Feito um primeiro esboço, pudemos discutir o projeto com a comunidade Mura na Aldeia Unidos do Cana, num inesquecível dia de jogo do Brasil em plena copa do Mundo. Decidiu-se na reunião que o projeto deveria ser apresentado, e assim o !zemos. Em setembro de 2006, tivemos a notícia de sua aprovação. O longo tempo entre a aprovação do projeto e seu início efetivo em agosto de 2007, quase um ano depois, ocorreu principalmente em função do trâmite de documen-tos e autorizações necessárias para a realização de pesquisa junto a povos indígenas, e também mudanças na direção da OMIMRU. A continuidade do projeto, nessa fase, se deve também ao apoio das instituições envolvidas, e de pessoas como Bonifácio Bani-wa, à época presidente da FEPI; na FAPEAM, Marcelo Vallina e Elisabeth Brochi, e Idelfonso Cavalcanti da FUNAI. Em agosto de 2007, Chris Lopes, da FEPI, e Klaiton Alves da Silva, participaram de uma reunião decisiva junto à comunidade Mura, para se resolver !nalmente se começávamos o projeto, ou se iríamos cancelá-lo. A posição foi favorável ao seu início, e a partir desse momento a equipe dos Jovens Cientistas começou a ser formada. Passada a fase de organização e preparação, em dezembro de 2007, na Aldeia Maquira foi realizada a primeira o!cina de trabalho. Nela, a equipe dos Jovens Cientistas e a Professora Tutora discutiram o projeto e receberam um treinamento para iniciarem suas primeiras experiências de pesquisa. A realização dessa o!cina se deu com o trabalho de Klaiton Alves, bolsista de apoio técnico do projeto, e de Chris Lopes e da colaboração da antropóloga e professora da Universidade Federal do Amazonas, Deise Lucy de Oliviera Montardo. A partir de então, os Jovens Cientistas arregaçaram as mangas, e começaram a pesquisa, sempre com a orientação da Professora Tutora Rosilane Bruno, e do apoio de Walmir Paulino de Souza Filho, o Juca, presente em várias das entrevistas e conduzindo a rabeta rumo às aldeias. As o!cinas seguintes, de acompanhamento e discussão da metodologia e dos resultados, ocorreram em Manaus. Nelas, tivemos ainda a participação de Jéssica Heidrich, bolsista de iniciação cientí!ca, e a contribuição de Elisabeth Mura, sempre zelosa de um sonho que viu nascer; de Leonildes Praia Caldas e Marilene Vieira da Silva, ambas da OMIMRU; e de Edjone Araújo, o Caiá, que acabou se tornando um dos entrevistados do projeto. Leonardo Jaques acompanhou a equipe dos JCA em 14

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Manaus, e também deu apoio técnico e logístico em várias situações. Na UEA, Fernando Dantas, coordenador do Programa de Pós-graduação em Direito Ambiental, Carlos Francismalber e Clarissa Caminha, secretários do PPGDA, garantiram ao projeto, principalmente durante as o!cinas, condições de realização, infra-estrutura e acompanhamento técnico. Ao !nal do projeto, realizamos dois eventos de apresentação dos resultados. O primeiro deles na Aldeia Lago do Cana, contou com a presença da comunidade Mura envolvida, representantes da FEPI, FUNAI e MEC, e também com a presença marcante de Gersem Luciano Baniwa. No segundo evento, realizado na UEA, além da equipe, tivemos as contribuições da professora Rosa Helena Dias da Silva, da Universidade Federal do Amazonas; Ozório de Menezes Fonseca e Walmir de Albuquerque Barbosa, professores do PPGDA/UEA e Roselis Mazurek, que trouxeram várias conexões deste trabalho com a história do Amazonas e do Povo Mura em outras regiões. Agradecemos as famílias da Equipe JCA e às comunidades Mura, que apoiaram a realização da pesquisa. E, entre tantos acontecimentos e pessoas, duas crianças seguiram esse movimento: a pequena So!a, que com um mês de vida já participava de reuniões em Manaus; e Aristoclis, que acompanhou a professora Rosilane em várias das entrevistas entre as aldeias Mura. Que a memória e as lembranças dos Mura possam ampliar seus horizontes de futuro.

Andréa Borghi Moreira Jacinto Professora do Programa de Pós-graduação em Direito Ambiental – PPGDA/UEA Coordenadora do Projeto “Murawara: Memórias do Povo Mura no Município de Itacoatiara” Hiléia - Revista do Direito Ambiental da Amazônia n0 10 |Jan - Jun| 2010

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PARTE I

DOSSIÊ MURAWARA: MEMÓRIAS DO POVO MURANO MUNICÍPIO DE ITACOATIARA - VISÕES DE PESQUISADORES ................................19 UM OLHAR EXTERNO SOBRE A PESQUISA: NOTÍCIAS SOBRE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍ-GENA MURA E A EXPERIËNCIA DE AUTAZES Rosa Helena Dias da Silva ...................................................................20 TERRA INDÍGENA RIO URUBU E TERRA INDÍGENA PARANÁ DO ARAOTÓ Jéssica Heidrich.....................................................................................25 MURAWARA E EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA Klaiton Alves da Silva...........................................................................30 PALAVRAS DOS PESQUISADORES INDÍGENAS E COLABORADORES SOBRE O PROJETO MURAWARA ......................................33

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DOSSIÊ MURAWARA: MEMÓRIAS DO POVO MURA NO MUNICÍPIO DE I-TACOATIARA - VISÕES DE PESQUISADORES

Resumo: o conjunto de breves textos a seguir busca contextualizar o material de pesquisa produzido pelo Projeto Murawara (2007-2008), particularmente em relação a questões envolvendo o direito dos povos indígenas à educação escolar especí!ca e diferenciada; e a situação das Terras Indígenas do Povo Mura no município de Itacoatiara – AM. O primeiro texto, de Rosa Helena Dias da Silva, professora da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) traz uma perspectiva externa ao comentar o projeto Murawara, discutindo os direitos indígenas à educação escolar e sua relação com a formação de professores indígenas, e trazendo o caso particular da turma Mura no Curso de Formação de Professores Indígenas desenvolvido no município de Autazes – AM. Os textos de Jéssica Heidrich e Klaiton Alves, bolsistas de Iniciação cientí!ca e Apoio Técnico do projeto, respectivamente apresentam dados sobre as Terras Indígenas Paraná do Araotó e Rio Urubu; e sobre a situação da educação escolar indígena em Itacoatiara em 2008. O último item traz pequenos escritos sobre o signi!cado do projeto para os pesquisadores indígenas – jovens entre 14 e 18 anos, a professora indígena que coordenou a pesquisa de campo; e de colaboradoras da Organização de Mulheres Indígenas Mura do Rio Urubu (OMIMRU) e da Fundação Estadual dos Povos Indígenas (FEPI).

Abstract: the following texts aims to contextualize the research material produced by the Murawara Project (2007-2008), particularly related to questions dealing with indigenous rights to a speci!c and differentiated school education; and with the situation of Indigenous Lands of Mura People in the municipality of Itacoatiara – AM. The !rst text, of Rosa Helena Dias da Silva, professor of Amazonas Federal University (UFAM), presents an external perspective, discussing indigenous rights to school education and its relation to the formation of indigenous teachers, commenting the speci!c case of the Mura class in the Formation Course of Indigenous Teachers developed by UFAM, in the municipality of Autazes – AM. The texts of Jéssica Heidrich and Klaiton Alves da Silva, both young researchers of Murawara project, present data on the Indigenous Lands Paraná do Araotó and Rio Urubu, and on the situation of the indigenous school education in Itacoatiara in 2008. The last item of this Part I presents some words on the meaning of the project to the indigenous researchers, young students among 14 and 18 years old and the indigenous teacher which coordinated the !eld research; and to the collaborators of the Indigenous Mura Women Organization of Urubu River (OMIMRU) and of the State Foundation of Indigenous People (FEPI).

Palavras-Chave: Mura, direitos indígenas, Key-words: Mura, indigenous rights, interras indígenas, educação escolar indígena. digenous lands, indigenous scholar education.

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UM OLHAR EXTERNO SOBRE A PESQUISA: NOTÍCIAS SOBRE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA MURA E A EXPERIËNCIA DE AUTAZES Rosa Helena Dias da Silva*! A Constituição Federal do Brasil (1988) reconhece o direito dos povos indígenas a uma educação escolar especí!ca e diferenciada, intercultural e bilíngüe, que respeite seus processos próprios de ensino e aprendizagem (artigo 210). No artigo 231 da referida Constituição podemos ler que “são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas e tradições, e os direitos originários sobre as Terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”. Fica assim explicitado o direito ao reconhecimento e proteção também de seus bens culturais, o que inclui o direito uma educação escolar própria, ou seja, organizada como um sistema especí!co, com todas as suas regras, modelos e de!nições, incluindo a importante questão dos livros didáticos. O Plano Nacional de Educação - PNE (2001) rea!rma esse direito dos povos indígenas e coloca em suas Diretrizes o entendimento de que “a proposta de uma escola indígena diferenciada, de qualidade, representa uma grande novidade no sistema educacional do País e exige das instituições e órgãos responsáveis a de!nição de novas dinâmicas, concepções e mecanismos, tanto para que estas escolas sejam de fato incorporadas e bene!ciadas por sua inclusão no sistema o!cial, quanto para que sejam respeitadas em suas particularidades”. Ao falar sobre a formação inicial e continuada dos professores indígenas, o Plano estabelece ainda que este processo deve “capacitar os professores para a elaboração de currículos e programas especí!cos para Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo. Professora da UFAM – Faculdade de Educação da Universidade Federal do Amazonas; Coordenadora do Curso de Licenciatura Especí!ca para Formação de Professores Indígenas.

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as escolas indígenas; o ensino bilíngüe, no que se refere à metodologia e ensino de segundas línguas e ao estabelecimento e uso de um sistema ortográ!co das línguas maternas; a condução de pesquisas de caráter antropológico visando à sistematização e incorporação dos conhecimentos e saberes tradicionais das sociedades indígenas e à elaboração de materiais didático-pedagógicos, bilíngües ou não, para uso nas escolas instaladas em suas comunidades”. Dentre as 21 metas do PNE, há uma especi!camente voltada à produção de material das escolas indígenas que determina: “Criar, tanto no Ministério da Educação como nos órgãos estaduais de educação, programas voltados à produção e publicação de materiais didáticos e pedagógicos especí!cos para os grupos indígenas, incluindo livros, vídeos, dicionários e outros, elaborados por professores indígenas juntamente com os seus alunos e assessores” (Meta nº13). No caso especí!co dos povos indígenas do Amazonas e, em especial, quando nos referimos ao povo Mura, há escassez de produções que sejam resultado de pesquisas onde os próprios índios sejam sujeitos do processo. É neste cenário que recebemos - e comemoramos - esta importante contribuição: a publicação, em forma de Suplemento Especial da Hiléia, do Relatório da Pesquisa Murawara: Memórias do Povo Mura no Município de Itacoatiara. A presente publicação abre caminho e inspira iniciativas que possam dar continuidade a esta perspectiva de trabalho acadêmico-cientí!co onde há a possibilidade de exercício de diálogos interculturais e os resultados representam possibilidade de conhecimento mútuo: tanto interno, para o próprio povo Mura, através da socialização de suas memórias, como externo, para a sociedade envolvente, através do acesso à história e lutas deste povo. O trabalho chega ao público – com destaque ao público amazônida - também como uma resposta concreta às exigências da Lei nº 11645 de 10 de março de 2008 que coloca a obrigatoriedade da inclusão nos currículos escolares do estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena. Oportuniza, assim, às escolas e aos educadores um denso e expressivo subsídio. A pesquisa coordenada pela Profa. Dra. Andréa Borghi Moreira Jacinto, no contexto do Programa Jovem Cientista Amazônida (JCA), da Hiléia - Revista do Direito Ambiental da Amazônia n0 10 |Jan - Jun| 2010

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Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM) tendo como membros da equipe professores e alunos indígenas Mura serve de referência para pensarmos os desa!os e possibilidades do diálogo entre diferentes saberes. A leitura do texto deixa claro o entendimento - e os esforços empenhados por toda a equipe envolvida no projeto - no sentido de exercitar, no campo da atividade acadêmi-co-cientí!ca, a possibilidade de relações interculturais, ao mesmo tempo que nos convida a problematiza-las no contexto de uma sociedade de poderes e oportunidades desiguais. Enfatizamos a centralidade, neste debate, do desa!o de se efetivar diálogos e práticas interculturais no enfoque crítico e radical. Uma interculturalidade que questione os poderes desiguais, que encare a complexidade do diálogo entre diferentes lógicas, entre diferentes maneiras de explicar o mundo, de construir verdades, que estabeleça um diálogo na perspectiva da intercienti!cidade - que acolha e esteja aberto a novas sínteses teóricas, a novas abordagens metodológicas e a novas formas de avaliação. Tal perspectiva de trabalho traz consigo a necessidade de rupturas teórico-metodológicas, dentre outras, assim como de novas possibilidades de pensamento, onde o valor da diversidade cultural é ponto de pauta. Onde o diálogo com o outro – suas lógicas, saberes e valores – é algo que vale a pena. Os resultados aqui apresentados atestam para o fato de que é possível - mesmo com dúvidas, tensões e contradições - construir processos válidos, que sejam reconhecidos tanto na academia, quanto pelos povos indígenas, no caso aqui, o povo Mura, e que tragam resultados positivos para todos os participantes/agentes envolvidos. Uma utilização altamente proveitosa do Relatório – ainda em sua forma original – foi feita no contexto do Curso de Licenciatura Especí!ca para Formação de Professores Indígenas, da Universidade Federal do Amazonas (Turma Mura), nas disciplinas Língua Portuguesa e Nhengatu. O material foi fotocopiado para os alunos universitários Mura – que são também professores em suas escolas de 10 aldeias da região de Autazes para estudo durante atividade do Curso e, posteriormente, nas escolas indígenas. Os Mura da região de Autazes, através dos relatos das memórias Mura de membros deste povo que habitam hoje o Município de Itacoa22

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tiara, puderam, “além do passado, pesquisar também sobre o presente. Ouviram e conversaram sobre as condições dos rios; sobre os con!itos que seus parentes enfrentaram; sobre a demarcação das Terras Indígenas, a formação do Pólo Base, e sobre a luta pelo direito à educação”. Por "m, o valor da presente publicação pode ser resumido - com maior encantamento e singeleza - na fala de uma das alunas bolsistas JCA: “O projeto é muito legal; que isso traga melhorias para o rio Urubu, para as aldeias indígenas, para o povo Mura. Que o projeto faça acabar com os preconceitos, com as críticas das pessoas, que faça trazer mais união, mais amor nos corações das pessoas, mais con"ança nas pessoas que não con"am no valor das coisas mais interessantes. Isso que eu quero que projeto faça às pessoas: dar valor um ao outro”. (Dayana da Costa Aguiar, JCA da aldeia Nova União). A leitura do material "ca aqui como convite a um cada vez maior compromisso de nossas instituições com os povos indígenas do Estado do Amazonas. Que o desejo e a expressão da equipe de pesquisa se torne realidade: “que a memória e as lembranças dos Mura possam ampliar seus horizontes de futuro”#

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TERRA INDÍGENA PARANÁ DO ARAOTÓ TERRA INDÍGENA RIO URUBU Jéssica Heidrich*! As Terras Indígenas Paraná do Araotó e Rio Urubu estão localizadas no Município de Itacoatiara, Estado do Amazonas. O Grupo Técnico que trabalhou na delimitação das duas Terras Indígenas foi constituído pela portaria n. 389/PRES, de 31 de Maio de 1996, coordenado pelo Antropólogo Carlos Alberto Montes Perez. Os primeiros registros sobre a etnia Mura são datados de 1714. Viviam na mar-gem direita do Amazonas entre os rios Madeira, Tora e os Unicoré. A política missionária implantada por jesuítas portugueses de caráter evangelizador e a iniciativa civilizatória do Governo do Pará receberam muita resistência por parte dos Mura. Em defesa de seu território, participaram de uma série de ataques aos empreen-dimentos coloniais e missões religiosas em frente de combate à expansão portuguesa. Os Mura usaram seu conhecimento geográ"co do território para surpreender os barcos portugueses que navegavam sobre o Madeira. Por isso, "caram conhecidos como “gen-tios de corso”. O período de expansão territorial Mura, cujo ápice teria sido em cerca de 1774, foi veri"cado por ataques às então localidades de Silves, Borba, Autaz, Manacapuru, Fonte Boa, Codajás, Carvoeiro, entre outras, segundo documento da Fundação Nacional do Índio - FUNAI8. As evidências da ocupação do Rio Urubu pelos Mura, datadas de 1787, só foram registradas pelo naturalista João Barbosa Rodrigues em viagem à região em 1875. Ainda segundo o documento da FUNAI a partir do registro de Rodrigues, foram identi"cadas pelo naturalista, as malocas de Castanhal, Aníba, Dapaturu, Santal, Cana e Correnteza, descrevendo a organização do grupo também na ocupação no Paraná do Arauató, canal que liga o Rio Urubu ao Amazonas9. * Graduanda em Direito pela Universidade do Estado do Amazonas; Bolsista de Iniciação Cientí"ca (FAPEAM) vinculada ao Projeto Murawara. Hiléia - Revista do Direito Ambiental da Amazônia n0 10 |Jan - Jun| 2010

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Nesse período, alguns acontecimentos vieram enfraquecer a resistência Mura, tais como a epidemia de Sarampo e varíola, expedições punitivas e descimentos dos índios. Como conseqüência da ofensiva contra a população, da elevada mortalidade, da adoção de hábitos alheios à sua cultura e dos ataques dos Mundurucu que se estabeleceram no Madeira, foi celebrado um acordo de paz com os portugueses conhecido como “Voluntária Redução de Paz e Amizade (1784-1787).10 Os Mura deixaram de existir como “feroz nação”11 e não apresentaram mais ameaças aos Governos subseqüentes durante os séculos XIX e XX. Alguns autores es-timavam então uma população de 60.000 índios. Apesar de aldeados, existem relatos de que os Mura, por volta de 1835 e 1840, após um longe período de exploração colonial, se uniram a minorias da região durante o movimento popular de emancipação conhecido como “Cabanagem” no qual foram duramente massacrados, agravandose o declínio demográ!co sofrido pela etnia12. No século XX, de acordo com os registros do extinto Serviço de Proteção aos Índios - SPI, os Mura moradores de Autazes eram explorados no trabalho nas fazendas e plantações. Por terem perdido a língua mãe, eram espoliados de suas terras ao não serem considerados índios pelos moradores brancos. A manutenção de seus costumes nômades de circulação por vários ambientes de acordo com a estação das chuvas era considerada como invasões pelos não-indígenas13, e duramente combatidas ao limitar as terras onde os índios teriam que habitar. A imposição pela demarcação de pequenos lotes de terra impediu que os Mura mantivessem a prática de seus costumes tradicionais. As dimensões reduzidas dos lotes provocaram o deslocamento dos índios para outras regiões. Na época de sua delimitação, !nal da década de 1990, a Terra Indígena Rio Urubu era ocupada pela população das aldeias Taboca, Maquira, Correnteza e Cana, localizadas em áreas tradicionalmente ocupadas AMOROSO, Marta Rosa “Corsários no Caminho Fluvial: Os Mura do Rio Madeira”, in Carneiro da Cunha, Manuela (org.) História dos Índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, pp. 297-310. 8 Fundação Nacional do Índio. Resumo do Relatório Circunstanciado de identi!cação e Delimitação da Terra Indígena Paraná do Arauató (Carlos Alberto Monte Peres e Maria Elizabeth Brea Monteiro). 1998. 9 Idem. 10 Idem.

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pelos índios Mura. Muitos são provenientes de Autazes, Arari, Araria e outras regiões, e se deslocaram para o Rio Urubu por saberem tratar-se de uma área de ocupação Mura, o que evidencia o reconhecimento de uma identidade comum. Diante da necessidade de retomarem antigas áreas de ocupação para manutenção de seu sistema tradicional de subsistência, a de!nição da proposta de delimitação da Terra Indígena Rio Urubu foi apresentada pelo Grupo Técnico 389/PRES/96, elaborada na aldeia Taboca, e contou com a participação do grupo indígena em todas as fases durantes os trabalhos de campo. A memória dessa participação poderá ser observada em algumas das entrevistas realizadas pelo projeto Murawara, que constam na segunda parte desta publicação. Na Terra Indígena Paraná do Arauató existe uma aldeia central, denominada Limão e algumas habitações dispersas entre as matas de igapó da região. De acordo com o relatório circunstanciado da FUNAI, veri!case a existência de malocas antigas, tais como Padre, Juquiri, Coro-Coro. Constituem-se lagos e matas de igapó que sofrem anualmente a in"uência das enchentes das várzeas. Compreende os espaços necessários para reprodução física e cultural dos Mura. No relatório o!cial oferecido pela FUNAI durante o processo de demarcação, destaca-se o artigo 231 da Constituição Federal, no qual se reconhece que a terra para os indígenas tem valor de sobrevivência física e cultural; os direitos dos índios só estarão plenamente assegurados na medida em que lhes seja garantida a posse permanente e a riqueza das terras tradicionalmente ocupadas. O conceito de terra indígena implica considerá-la como base no habitat dos índios que, por meio de sua organização cultural, interagem de forma ativa com os elementos naturais, de modo a satisfazer e reelaborar suas necessidades humanas elementares. O decreto presidencial de 27 de outubro de 2004 homologou as demarcações das Terras indígenas Rio Urubu e Paraná do Arauató assegurando assim o território do povo Mura de Itacoatiara. INPA. Os Mura contemporâneos da Amazônia: Forma de sobrevivência, Dinâmica Social e Perspectiva de Organização. Relatório do Projeto “Os Mura: Culturas, Técnicas, Educação e Sustentabilidade na Amazônia. Núcleo de Pesquisas em Ciências Humanas e Sociais. Manaus: INPA, FAPEAM 2007. 12 Idem. 13 FUNAI - Resumo do Relatório Circunstanciado de Identi!cação e Delimitação da Terra Indígena Paraná do Arauató, 1998. 11

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REFERÊNCIAS AMOROSO, Marta Rosa “Corsários no Caminho Fluvial: Os Mura do Rio Madeira”, in Carneiro da Cunha, Manuela (org.) História dos Índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, pp. 297-310. FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO. Resumo do Relatório Circunstanciado de Iden-ti!cação e Delimitação da Terra Indígena Paraná do Arauató (Carlos Alberto Monte Peres e Maria Elizabeth Brea Monteiro). 1998. INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA. Os Mura contemporâ-neos da Amazônia: Forma de sobrevivência, Dinâmica Social e Perspectiva de Organi-zação. Relatório do Projeto “Os Mura: Culturas, Técnicas, Educação e Sustentabilidade na Amazônia”. Núcleo de Pesquisas em Ciências Humanas e Sociais. Manaus: INPA, FAPEAM 2007.

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Fonte: Povos Indígenas no Brasil (versão online) - Instituto Socioambiental/ 2010

TERRAS INDÍGENAS RIO URUBU E PARANÁ DO ARAOTÓ (I)

MURAWARA E EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA ESCOLA INDÍGENA INTERCULTURAL DIFERENCIADA EM ITACOATIARA, OS MURA EM QUESTÃO. Klaiton Alves da Silva.* O projeto “Murawara: Memória do Povo Mura no município de Itacoatiara” buscou ao longo de doze meses fornecer subsídios teóricos e logísticos para a realização da pesquisa, por estudantes indígenas, sobre a memória dos Mura de Itacoatiara. Oriundos, em grande parte, do município de Autazes (AM) e de outras regiões do Amazonas, os Mura de Itacoatiara residem nas aldeias e comunidades do Rio Urubu e Paranã do Araoató14. Suas terras estão o!cialmente demarcadas e homologadas desde 27/10/2004. Porém, em 2008, o município de Itacoatiara ainda não havia reconhecido os direitos indígenas no campo da educação, além de não reconhecer sua identidade étnica, desconsiderando programas educacionais pautados nas reivindicações das organizações e movimentos indígenas, incorporadas à nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de 1990. As comunidades do Rio Urubu já têm professores com formação em cursos vol-tados para educação diferenciada, mas não possuem escolas indígenas, o que faz com que as crianças Mura daquelas comunidades estudem nas escolas dos não-indígenas situadas no entorno das Terras Indígenas15.

Cientista Social, bolsista de Apoio Técnico (FAPEAM) vinculado ao Projeto Murawara. As Aldeias do Terra Indígena Rio Urubu são: Bela Vista; Taboca; Pedras; Fortaleza; Correnteza; Maquira; Média do Cana; Unidos do Cana; Parika; Nova União. Na Terra Indígena Paranã do Araoató, situa-se a Aldeia do Limão. 15 Nota da Organizadora: em 2010, pela primeira vez na relação entre os Mura e a Prefeitura do município de Itacoatiara, foram reconhecidos e contratados professores indígenas para lecionarem em escolas nas Terras Indígenas Rio Urubu e Paraná do Araotó. *

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O projeto Murawara buscou produzir, através do material registrado nas pesquisas dos jovens cientistas, das o!cinas realizadas na Universidade do Estado do Amazonas e na comunidade Mura Maquira, conhecimentos sobre os Mura de Itacoatiara. Isto foi feito através do registro das narrativas dos moradores da região e de seus familiares, suas necessidades, alegrias e tristezas, conquistas e reivindicações. Nas entrevistas coletadas pelos JCA (Jovens Cientistas Amazônidas) !caram registradas as di!culdades dos primeiros moradores do Rio Urubu e Paranã do Araoató, a luta dos Mura para se estabelecerem na região e demarcarem suas terras, as guerras contra madeireiros. En!m, o projeto Murawara buscou registrar as histórias do passado daquele povo através de entrevistas e vídeos realizados pelos jovens cientistas indígenas. Este material de pesquisa ilustra algumas demandas apresentadas pelos Mura, dentre elas, a ausência de uma escola indígena diferenciada e de qualidade na região onde vivem. Dentre outros objetivos do projeto Murawara, estavam a organização e produção dos registros colhidos pelos alunos e a construção de uma biblioteca temática instalada, estrategicamente, após de!nição dos comunitários, na aldeia Correnteza. Esta foi uma iniciativa que, aliada aos cursos de formação de professores oferecidos pela Secretária Estadual de Educação do Estado do Amazonas (SEDUC/AM)), como o Pira-Yawara, abrem a trilha de uma nova caminhada para os Mura, através de uma política indígena e indigenista de educação escolar que atenda as suas necessidades especi!cas, a exemplo dos Mura de Autazes, no Amazonas. Nos últimos anos, conquistas jurídicas têm sido de suma importância para im-plantação de escolas indígenas no Brasil. Entre elas, algumas a serem citadas são, na Constituição Federal de 1989, o artigo 210 - que assegura às comunidades indígenas, no contexto do ensino fundamental, a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem; o artigo 215, em que o Estado garante a todos o pleno exercício dos direitos culturais, comprometendo-se a proteger as manifestações das culturas indígenas; e o artigo 231, que reconhece aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam. No plano internacional, destaca-se a Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Hiléia - Revista do Direito Ambiental da Amazônia n0 10 |Jan - Jun| 2010

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de 1989, rati!cada pelo Brasil em 2002 (Decreto Legislativo no. 143), que reconhece aos povos indígenas o direito de criarem suas próprias instituições, formas de vida, e meios de educação, entre outros. No caso dos Mura de Itacoatiara alguns direitos indígenas garantidos pela Constituição, como os da educação diferenciada foram ignorados, uma vez que, as lideranças das comunidades não tem sido atendidas em suas reivindicações de uma escola indígena. Um dos principais obstáculos encontrados é o não reconhecimento de sua identidade étnica e social. Esperamos que o Projeto Murawara possa despertar nas autoridades e nos não-indígenas a importância do reconhecimento da identidade Mura, e do desenvolvimento de uma escola indígena intercultural diferenciada.

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PALAVRAS DA EQUIPE E DE COLABORADORES SOBRE O PROJETO MURAWARA “Eu, Dayana da Costa Aguiar, JCA da aldeia Nova União, vou falar um pouco sobre o projeto. O que eu acho sobre o projeto. O projeto é muito legal; que isso traga melhorias para o rio Urubu, para as aldeias indígenas, para o povo Mura. Que o projeto faça acabar com os preconceitos, com as críticas das pessoas, que faça trazer mais união, mais amor nos corações das pessoas, mais con!ança nas pessoas que não con!am no valor das coisas mais interessantes. Isso que eu quero que projeto faça às pessoas: dar valor um ao outro. O projeto é bom e está de parabéns. Eu amei o trabalho, adorei trabalhar em grupo com pessoas maravilhosas, amei mesmo do fundo do meu coração.” Dayana da Costa Aguiar – bolsista Jovem Cientista Amazônida “Em primeiro lugar agradeço a Deus por ter me concedido essa maravilhosa oportuni-dade, de poder pesquisar e disseminar este saber acumulado, pois trouxe para mim um novo caminho a ser trilhado, concedeu para mim a possibilidade de pesquisar e adquirir conhecimentos e contribuir para o desenvolvimento da sociedade. Graças ao projeto JCA que proporcionou que pela primeira vez que o indígena deixasse de ser uma !gura esquecida para se mostrar como cientista. Pois foi muito produtivo, isso foi um marco para mim” Elia da Silva Ramos – bolsista Jovem Cientista Amazônida “Eu, como bolsista do Projeto, como uma Jovem Cientista Amazônida, achei o projeto um das metas mais importantes para o crescimento, tanto me acompanhou, na minha vida onde moro, como no meu dia-a-dia na escola. Me abriu o interesse pela matéria história, uma das disciplinas que não me importava, mas com tudo isso, hoje é a disci-plina que mais gosto. Na verdade, eu conheci o interesse da minha terra e o valor que existe. No início não me importava, mas agora sei que algo que é de importante. O projeto para mim é muito importante; amei ter essa oportunidade; agradeço por tudo. Fim”. Iriane Bruno dos Santos – bolsista Jovem Cientista Amazônida Hiléia - Revista do Direito Ambiental da Amazônia n0 10 |Jan - Jun| 2010

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“Eu, Izomar, vou falar sobre o que o projeto trouxe para mim. Trouxe para mim um conhecimento sobre a história do Rio Urubu, história de muito con!ito, muitas mortes, muitas pessoas mortas na beira do Rio. Foi por isso que se chama rio Urubu. Para mim foi uma grande vitória ter resgatado e enfrentado di"culdade para resgatar a memória mura. Daqui para frente vou poder contar e ouvir mais histórias de onde eu moro. Agora eu só tenho que agradecer a equipe JCA e toda a equipe de Manaus”. Izomar Cabral Nunes – bolsista Jovem Cientista Amazônida “Eu vou falar um pouco das minhas entrevistas: achei muito bom, mas o que mais me encantou foi saber as pessoas gostaram de nossas entrevistas, de saber sobre as vidas passadas deles, como viveram. Não achei nada que me "zesse desistir, pois cada pessoa que eu entrevistava me achava uma pessoa competente e fez com que chegasse ao nosso objetivo. Nós, Mura, achamos ótimo pois só assim muitas pessoas saberão como foi a vida de cada um que nós entrevistamos. É motivo de muita alegrai saber isso; espero a Deus que esse projeto faça muito sucesso para todos. Eu, a bolsista JCA Programa Jovem Cientista Amazônida. Mara Cristina Pereira Rodrigues: agradeço” Mara Cristina Pereira Rodrigues - bolsista Jovem Cientista Amazônida “Eu, Rosenilson, vou falar um pouco do projeto. O projeto trouxe para mim uma descoberta muito importante do rio Urubu. Antes eu não sabia por que ele era chamado rio Urubu, mas agora eu sei. Porque antigamente tinha muita morte entre os povos. As pessoas morriam e os urubus comiam os corpos e por isso é chamado rio Urubu. “ Rosenilson Bruno dos Santos – Bolsista JCA “Eu trabalho como professora tutora. O objetivo do projeto está sendo realizado hoje, com o nosso trabalho sendo desenvolvido com o pessoal da Universidade, da UEA (...) Enquanto com a equipe de pesquisa, eu também estou com eles; os meninos estão trabalhando com as Aldeias durante seis meses. E esses seis meses que nós estamos trabalhando, está bem desenvolvido o trabalho (...) A gente também tem falado sobre a educação, trabalhando com os professores, alunos (...) O principal objetivo do projeto é o resgate... Do povo Mura, das histórias de antigamente, como que eles viviam, do que eles passaram, o que hoje se torna pre34

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sente para eles. Nós estivemos em muitas aldeias visitando as pessoas, os velhos; eles contaram muitas historias do que eles viviam (...) Eles contaram dos con!itos que tiveram, as di"culdades que tinham para sobreviver. E hoje eles disseram que tudo melhorou. Então tudo isso é um objetivo do trabalho do projeto, ele foi plantado, e hoje ele está sendo colhido. Plantado, bem dizer como uma árvore. Antes, ele não era nada, e hoje ele tem tudo: os frutos, queremos dizer, são as coisas que já resgatamos#” Rosilane da Silva Bruno – Professora Tutora “O projeto, em si, ele foi formado por sete aldeias que estão muito sofridas desse povo de Itacoatiara por causa da grande discriminação que eles estavam sofrendo. Então, as sete aldeias juntas, decidimos depois de várias e várias discussões, como a gente fazia pra revitalizar essa situação. Foi onde surgiu, através de várias discussões, o projeto do Jovem Cientista, de trazer alguma coisa pra valorizar esse povo e aonde foi discutido que seria uma pesquisa. Então, nós tivemos vários encontros, levamos os documentos às entidades e aos órgãos competentes... E foi um projeto, assim, muito sofrido, muito discutido. Teve o impasse em Brasília, mas, Graças a Deus ele foi aprovado. E com isso, hoje o projeto está se realizando. Eu, junto com Dra. Andrea Prado, a Dra. Andréa Borghi e assim as comunidades, a gente... foi assim muito difícil pra gente, mas a gente conseguiu e a gente deu o nome do projeto Murawara. E o projeto está aí, e hoje eu estou muito feliz, eu estou muito emocionada, porque... Não sei nem como é que eu tenho palavras para falar a respeito do projeto, de ver o rio Urubu, ver povo hoje traba-lhando, já desenvolvendo dentro desse projeto... Que com certeza, esse projeto jovem cientista indígena, ele será um grande início para a história desse povo. Agradecimentos: Tuxaua Nelson Maquine; Amadeu de Castro, Moacir Pacheco, Raimundo, Elpídio, Imperion, Adema, Ralili, Pedro Cordovil, Francisco Borges, Lucilande. A Diretoria Jurídica da OMIMRU: Edinaldo Maquine; Ioneza Pacheco; Nilce Maquine; Alice Maquine; Dorival Souza. A Dra. Anita Rocha, Dr. Francisco Balieera; Nelson Azedo e a todos associados. Hiléia - Revista do Direito Ambiental da Amazônia n0 10 |Jan - Jun| 2010

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FUNAI, FEPI, FAPEAM, COIAB, UEA. Departamento das Mulheres – COIAB, Débora Baikari; Rosemery. E especialmente às mulheres Mura, Sateré e Miranha.” Elisabeth Lima dos Santos – Colaboradora/ Oganização das Mulheres Indígenas Mura do Rio Urubu “Eu achei o projeto Murawara, dirigido pela Fapeam e UEA maravilhoso, pois trouxe muitos benefícios ao povo Mura do Rio Urubu, como a memória e costumes do Povo Mura que já estavam perdidos. E trouxe sentido aos jovens indígenas das aldeias através destes indígenas pesquisadores, pois eles mesmos aprenderam a gostar de memórias antigas que eles diziam não gostar”. Leonildes Caldas – Colaboradora/ Conselho Fiscal da Organização das Mulheres Indí-genas do Rio Urubu - OMIMRU 1º. Demarcação. A luta daquele povo foi incansável. Foi mais de dez anos para conseguir essa vitória, a homologação das terras. Hoje nós podemos dizer que as terras são nossas, de nossos !lhos. Podemos plantar, colher sem medo de sair de lá, graças a Deus. 2º. Reconhecimento. Hoje nós temos nossa organização OMIMRU – Organização das Mulheres Indígenas Mura do Rio Urubu que nos ajuda levando projetos e tantos outros, como de certo o JCA, que nos enriqueceu muito. Assim nos fez mostrar ao povo que somos indígenas e acima de tudo capazes de falar de nossas histórias e fazer um livro. Nós do rio Urubu estamos muito gratos pelo projeto que a Fapeam no ajudou. 3. Fapeam A Fapeam foi o ponto chave para esse conhecimento, foi um esteio da história. Hoje nossa realidade é outra. Com certeza nós estamos sendo mais respeitados pelos vereadores, prefeito e as outras pessoas que tem preconceito conosco.” Marilene da Silva – Colaboradora/ Organização das Mulheres Indígenas do Rio Urubu - OMIMRU

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“A FEPI se sente muito orgulhosa de ter acompanhado o desenvolvimento desse projeto e ter visto nascer sete jovens cientistas envolvidos com a atividade e com a realidade indígena. Sem dúvida, o aprendizado da equipe pode ser melhor identi!cado nas perspectivas de cada JCA, no que eles projetam para o futuro. Foram quinze meses de muito trabalho, principalmente no que antecedeu a execução do projeto. Porém, todos os ajustes e reajustes que por vezes desmotivaram a equipe, não foram su!cientes para que o projeto não acontecesse. Pelo contrário, cada ‘barreira’ serviu para fortalecer a pesquisa e para dar certeza de que deveria ser feita. E agora que chegamos ao !nal, parece que ainda está começando.... sem dúvida está começando para os jovens cientistas indígenas. Este foi apenas o seu primeiro trabalho. Certamente virão outros. Então, que todos tenham a mesma garra e resignação que viram em seus familiares na memória que se empenharam em resgatar. E esperamos que os resultados produzidos por eles, sejam alicerces para o reconhecimento de um povo especial, com memória particular enraizada em luta, resistência e conquistas. À toda a equipe Murawara, agradecemos o prazeroso tempo de convivência e um cantinho nessa memória” Chris Lopes – Colaboradora/ Fundação Estadual dos Povos Indígenas FEPI.

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PARTE II DOSSIÊ MURAWARA: MEMÓRIAS DO POVO MURA NO MUNICÍPIO DE ITACOATIARA – MATERIAL DE PESQUISA................................................................19

VISITA ÀS ALDEIAS E COMUNIDADES MURA – ENTREVISTAS.....................41 Aderlane Batista de Araújo Dayana da Costa Aguiar Elia da Silva Ramos Iriane Bruno dos Santos Izomar Cabral Nunes Mara Cristina Pereira Rodrigues Rosenilson Bruno dos Santos Rosilane da Silva Bruno 1. 1.1 2. 2.1 2.2 2.3 2.4 2.5 2.6 2.7 2.8 2.9 2.10

Terra indígena Paraná do Araotó Limão...............................................................................................................43 Terra Indígena Rio Urubu Bela Vista.........................................................................................................46 Correnteza........................................................................................................54 Fortaleza..........................................................................................................58 Lago do Cana...................................................................................................59 Maquira............................................................................................................66 Nova União......................................................................................................89 Paricá.............................................................................................................110 Santa Maria do Taboca..................................................................................115 São João das Pedras.......................................................................................128 Unidos do Cana.............................................................................................136

FICHA TÉCNICA E EQUIPE.....................................................................................147

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VISITA ÀS ALDEIAS E COMUNIDADES MURA ENTREVISTAS Aderlane Batista de Araújo; Dayana da Costa Aguiar; Elia da Silva Ramos; Iriane Bruno dos Santos; Izomar Cabral Nunes; Mara Cristina Pereira Rodrigues; Rosenilson Bruno dos Santos; Rosilane da Silva Bruno Resumo: o material apresentado na segunda parte deste número especial da Hiléia reúne entrevistas realizadas entre 2007 e 2008, por sete estudantes indígenas - Aderlane Araújo, Dayanna Aguiar, Elia Ramos, Iriane dos Santos, Izomar Nunes, Mara Rodrigues e Rosenilson dos Santos, sob a coordenação da professora Mura Roselane Bruno dos Santos -, com os moradores das Terras Indígenas Paraná do Araotó e Rio Urubu, localizadas no município de Itacoatiara - AM. As entrevistas estão agrupadas segundo localidades, chamadas no discurso nativo geralmente de ´comunidades´. Enquanto corpo de narrativas e informações, guardam as marcas da oralidade e dos diálogos travados, como um material quase bruto, oferecendo oportunidade aos estudantes e pesquisadores do direito ambiental, e áreas a!ns, de conhecerem um pouco da história e memória do povo Mura; sendo aberto a interpretações e análises diversas. Entre temas retratados, registram-se memórias dos tempos de fartura do Rio Urubu; sobre os achados arqueológicos em terra preta; das condições de deslocamento entre aldeias indígenas e a sede do município; das di!culdades com doenças, sobretudo a malária; da cabanagem; da situação e con"itos em torno de recursos ambientais; a demarcação das Terras Indígenas e a luta pelo direito à educação escolar.

Abstract: the material presented in the second part of this special number of Hiléia collects interviews conducted during 2007 and 2008, by seven indigenous students - Aderlane Araújo, Dayanna Aguiar, Elia Ramos, Iriane dos Santos, Izomar Nunes, Mara Rodrigues e Rosenilson dos Santos, under the supervision of the Mura teacher Roselane Bruno dos Santos -, with the inhabitants of the Indigenous Lands Paraná do Araotó e Rio Urubu, in the municipality of Itacoatiara – AM. The interviews are organized according localities, generally called by native discourse as ´communities´. As a collection of narratives and information, the interviews keep signs of orality and of the dialogues, as almost a row material, which offers opportunity, to students and researchers of environmental law and related areas, to know something about the history and memories of Mura people; and which is open to different interpretations and analyses. Among their themes, are presented memories and narratives about abundance times in Urubu River; about the black earth (terra preta/ archaeological soils); about conditions of transport between indigenous localities and the seat of the municipality; on the dif!culties related to illness, particularly malaria; on the Cabanagem (a popular revolt during 1845-1850, occured in the north of Brazil); on the situation and con"icts related to environment resources; and on the demarcation of indigenous land and the struggle for the right to scholar education.

Palavras-chave: Mura, Memória, Itacoa- Key-words: Mura, memory, Itacoatiara, intiara, pesquisadores indígenas, entrevistas. digenous researchers, interviews. Hiléia - Revista do Direito Ambiental da Amazônia n0 10 |Jan - Jun| 2010

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Fonte: Povos Indígenas no Brasil (versão online) / Instituto Socioambiental/ 2010

TERRAS INDÍGENAS RIO URUBU E PARANÁ DO ARAOTÓ (II)

1. TERRA INDÍGENA PARANÁ DO ARAOTÓ 1.1 Limão

Leandro da Silva Lima1 Iriane - Eu Iriane Bruno bolsista do JCA Jovem Cientista Amazônida, projeto Murawara Memória do povo Mura do município de Itacoatiara (...) junto com os três bolsistas, estamos entrevistando o senhor indígena Leandro da Silva Lima, da aldeia Limão. E agora os três bolsistas vão se apresentar. Dayana - Eu, Dayana da Costa Aguiar sou bolsista da Nova União estou aqui também para fazer algumas perguntas para o senhor Leandro, e o que ele vai nos repassar, então eu passo a palavra pra dona Mara. Mara: Meu nome é Mara Cristina da Costa Rodrigues, também sou bolsista do JCA e vamos pesquisar também o !lho do S. Raimundo, que é o Leandro... Rosenilson - Eu, Rosenilson Bruno dos Santos, da aldeia Correnteza, do projeto JCA, vamos fazer aqui um trabalho aqui, uma pesquisa na entrevista de vocês. Vamos começar a aqui o trabalho pra ouvir a palavra de vocês.

Entrevistas gravadas em Arquivo 001No Title-.wav Iriane - leandro da S.- Limão; e 003No Title-.wav Leadro LIMÃO; e 003No Title-.wav Leadro LIMAO 1

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Dayana - O senhor está morando aqui na aldeia do Limão há quantos anos? Sr. Leandro: Vinte e cinco anos. Dayana - O senhor sabe nos contar, nestes vinte e cinco anos, (...) o quê que o senhor viu por aqui? Sr. Leandro: Eu vi muita coisa! (...) Rosilane - As meninas do JCA, o trabalho delas é resgatar a história do povo Mura do Rio Urubu e Paranã do Araoató que #ca até a residência... a aldeia do Limão. Então, o que elas tão querendo no trabalho delas (...) São as histórias do povo antigo, dos mais velhos, como eles chegaram até aqui na aldeia, por que eles estão morando aqui, e qual é o objetivo deles até agora nesse momento (...) Como vocês vieram, por que vocês gostam daqui, o que vocês passaram antigamente, se teve muita epidemia, se vocês sofreram muita di#culdade, fome (...) Mara: Porque o que nós queríamos saber era assim... Por exemplo: quando ele [seu pai] chegou pra cá (...) Era uma área de limoeiro? Sr. Leandro: ... Aí, onde era agora... Aí foi caindo... Acabou Mara: Bom, isso aí já é uma pergunta... Uma pergunta que nós perguntamos e tivemos resposta... Dayana - Mas o senhor sabe dizer se eram hectares de limão por aqui? Mara: Podia ser muito limão, né? Sr. Leandro: Era muito limão... Porque a minha avó quando morava aqui, ela dizia 44

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que era grande essa área de limão, aí pra cima aí.... Que essa boca aí não era aqui; era lá fora mesmo lá. Aí foi caindo, caindo, caindo... Dayana - mas, acabaram os limões...? Sr. Leandro: Foi caindo! ... A terra foi caindo, foi destruindo... Dayana - Aí só restou a água? Sr. Leandro: Só a água, e pouca gente... Pouca gente na área... Rosilane - Hoje tem pouca gente aqui...? Sr. Leandro: É...Tem pouca gente... Pouca gente na área... Rosilane - O senhor sabe me informar quantas casas tem o pessoal indígena mesmo, aqui aldeia limão? Sr. Leandro: Aqui? (...) Tem umas dez casas... Com aqueles lá de dentro, aquele pessoal lá de dentro, também fazem parte daqui. Rosilane - Tem o número de alunos daqui? Tem mais de dezesseis alunos para trabalhar, professor indígena mesmo pra trabalhar com eles? Tem dezesseis alunos? Sr. Leandro: Tem... Tem mais de dezesseis alunos. Dayana - Aqui na Aldeia do Limão enche muito, assim... E para onde essas pessoas vão, quando enche muito que alaga a casa? Sr. Leandro: Eles vão pra Itacoatiara. Para lá que eles se deslocam daqui para ir... Dayana - E quando está numa enchente assim, não é muito perigoso?

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Sr. Leandro: Não... Para muitos é; que eles têm criança, pra não estar caindo na água, estar morrendo afogado... Rosenilson - E cobra? Sr. Leandro: Não, cobra não tem. Rosilane - A Aldeia do Limão ca na...? Sr. Leandro: ... Na margem do rio Amazonas. Rosilane - Esse Rio Amazonas ele vai Manaus - Itacoatiara... Dayana - Ele vai também para Autazes...

2. TERRA INDÍGENA RIO URUBU 2.1 Bela Vista

Moacir Gonçalves Pacheco2 Dayana - Vamos entrevistar o Seu Moacir Gonçalves Pacheco, aí vamos repassar um pouco da sua história, seu passado, da história do Rio Urubu, onde o senhor morava... Então, repasse um pouco da sua história... Sr. Moacir - Eu morava lá em Tapará, e em 1989 eu resolvi dar um passeio aqui no Rio Urubu. Eu achei bonito por aqui e aí resolvi tirar um terreno aqui... E depois dessa vez eu ainda voltei para lá, aí voltei para Os trechos acima foram retirados das gravações 004TRC_HQ_24_01_2008 13_1024012008 e 003TRC_HQ_24_01_2008 13_0424012008. As entrevistas com os senhores Moacir, Francisco e Paulo foram realizadas em 24/01/2008.

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cá de novo e comecei a trabalhar. Se não me engano, parece-me que nós estamos aqui com dezessete a dezoito anos, morando aqui. Agora a gente passou esses anos todinhos aqui, a gente criou uma netinha, e não teve mais aula para ela. E ela queria estudar, continuar estudando. Ai, ta: ‘como é que eu vou !car? Vou !car parada no meu estudo ou o senhor vai arranjar uma colocação para mim lá em Manaus’ – nós temos um !lho que mora lá -, ou lá na Vila, em Novo Remanso? (...) Eu !quei assim... Ai a mulher disse: rapaz, bora lá na Vila ver se a gente acha um terreno para gente comprar. Se a gente achar o terreno, você faz uma casa para mim lá, e eu vou !car para lá com a menina. E tu volta para cá. E assim nós combinamos. E parece que deu certo, né? (...) E ela continua estudando. Mas eu não me acostumo lá; eu vivo mais aqui do que lá. Eu passo uma semana lá, e um mês aqui. (...) Dayana - E por que o senhor, seu Moacir, o senhor gosta mais daqui do que lá da Vila? Sr. Moacir - Porque aqui é uma vida tão boa; a gente pode sair para onde a gente quer, andar... Lá é um pouco perigoso de andar de noite... E a gente vive com medo desse pessoal, que é muita coisa... Mara - Qual foi o ano que o senhor chegou aqui, seu Moacir? Sr. Moacir - Eu cheguei aqui em 1989 (...) Dayana - O senhor não tem história para contar ...? Sr. Moacir - Daí quando nós chegamos aqui não tinha escola... Daí foi chegando gente, foi chegando, foi chegando gente.. Aí já tinha quatro famílias. Aí o pessoal, um dia, chegaram aqui comigo: Seu Moacir, será que não está na hora da gente levantar uma comunidade aqui para gente? Eu disse: rapaz, é bom, né?" Ai disse, então, eu vou lá com o prefeito, vou conversar com ele lá, aí a gente vai ver o que ele vai falar. E o candidato é o senhor, dentro da comunidade. Eu digo: mas como? Que eu não sei nem como é que !ca esse negócio de comunidade [...] não tenho costume. ‘Não, mas é o senhor. Nós vamos lá levar o seu nome’. Rapaz, eu sei que !zeram Hiléia - Revista do Direito Ambiental da Amazônia n0 10 |Jan - Jun| 2010

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essa reunião para lá, aí me apontaram. Quando foi um dia chegaram aqui: seu Moacir, o senhor é o presidente da comunidade (....) Seu Moacir - E eu fui lá. Aí de lá o pessoal estava lá e me apontaram: é esse aí. Está bom. E aí eles disseram: agora seu Moacir, o senhor é o presidente da comunidade: como é que o senhor vai botar o nome da comunidade? Eu !quei assim... Porque o nome desse terreno aqui é Boa Vista. Boa Vista é o nome desse terreno... Aí eu pensei, Boa Vista; eu vou botar o nome da comunidade de Bela Vista. Aí nasceu o nome da comunidade, Bela Vista. E por esse nome ela está... Izomar - Até hoje .. Seu Moacir - Até hoje... Bela Vista. Dayanne - Por que, seu Moacir, !cou Bela Vista? Seu Moacir - Eu achei que era um nome tão assim... Daynane - Uma paisagem bonita... Seu Moacir -.. Uma paisagem... Boa Vista. Uma pessoa assim, que olha, diz, poxa vida... Eu fui lá à casa de seu fulano, assim, assim; comi uma fruta tão boa, tão gostosa. Então signi!ca assim: Bela Vista. Boa Vista é o nome desse terreno aqui, o nosso terreno; o nome da comunidade é Bela Vista. Aí !cou uma coisa quase idêntica com a outra. Izomar - Seu Moacir, meio de transporte aqui, como é que era? Seu Moacir - Rapaz, o meio de transporte, meu irmão, logo quando nós chegamos aqui, nós sofremos muito. Nós andávamos por terra daqui para Colônia; a gente ia para Itacoatiara para comprar bagulho, levar alguma coisinha, era por terra. Não tinha transporte nenhum. Passados uns cinco anos, aí apareceu um recreiozinho aí; aí foi melhorando. Foi melhorando, foi melhorando. E para encurtar a história, agora está uma beleza. Você vai para Itacoatiara de manhã e volta de tarde. Então mudou 48

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muito. Está uma coisa... Está muito bom o transporte agora. Não só para nós aqui, como para todo mundo, para todo canto. Você vai ali para [...], tem transporte lá na Beira; o pessoal está esperando lá os carroceiros. Aí você quer ir para Manaus, se quiser ir em Manaus de manhã para voltar de tarde, de tarde volta. Está demais de bom. E outra coisa: o estudo. O estudo está demais bom. Izomar – É verdade. Seu Moacir - Na minha época, que a gente era pequeno, eu era pequeno... Mas quando, meu irmão, que existia essa facilidade que existe hoje? Não existia nem professor. Nós, no Taquaral, nesse tempo, nós era [...] tudo novo, curuminzinho assim de dez, onze anos, uma senhora por nome Raimunda Pacheco (...) – já morreu; é !nada ela. Ela que era nossa professora. Nós trabalhava o dia; quando era de noite nós ia para lá, se reunia aquela curuminzada; ela ia ensinar nós. Aí quando era esses tempos, foi cinqüenta... cinqüenta e três.. Depois para Manaus; passei dois anos. Mas, teve pouco estudo também. Fui na casa do padrinho, e esse padrinho era para arrumar uma vaga na escola para mim, e a!nal que [....] Quando eu já estava gostando do estudo, o tempo que o velho foi lá, me trouxe, aí pronto esqueci tudo. Abandonei o estudo que aqui não tinha condição, não tinha nada. Depois, eu já !quei adulto... E aí me casei. Aí apareceu lá em Itacoatiara, tinha um grupozinho, inventou o Mobral, sabe? Aí a gente foi estudar Mobral. Estudei oito meses. E graças a Deus, esses oito meses que estudei valeram oito anos de estudo. (...) Izomar - E, seu Moacir, o meio de trabalho aqui, como é que era? Como era o trabalho, que vocês trabalhavam aqui? Seu Moacir - Rapaz, quando eu cheguei aqui, eu comecei meu trabalho em plantio. Comecei o plantio de roça, feijão, milho, arroz, e maracujá. Tudo eu plantei. Daí foi, aconteceu que a gente tinha um gadozinho, aí foi fazendo campo, fazendo campo, depois a gente botou o gado, daí não deu mais para fazer o serviço do plantio. Só a roça mesmo, negócio de maracujá, arroz... o negócio complicou. Hiléia - Revista do Direito Ambiental da Amazônia n0 10 |Jan - Jun| 2010

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Izomar - Quando o senhor chegou aqui, como era o primeiro nome dos moradores que morava aqui, na residência? Seu Moacir - Olha, aqui nessa... Daqui para cima tinha o seu Mistir, seu Milton e compadre João. Eram esses três moradores. Seu Moacir – (...) E, agora aqui para baixo, de Santo Antonio, já tinha esse pessoal da [...], mora tudo para lá, já tinha um porção de gente aí. Agora aqui para cima só existia essas casas. Agora você anda aí para cima – essa noite mesmo, eu fui para uma reunião... Contamos vinte famílias (...) e você anda nesse igarapé até sair na beira do Amazonas, tem casa para todo lado... E você anda atrás de um pedaço de terra para se colocar, não tem mais... Izomar - Com quantos anos, a sua idade, que o senhor chegou aqui no Bela Vista? Seu Moacir - Eu estava, quando eu cheguei aqui, mais ou menos eu estava com (...), sessenta e pouco anos de idade... Naquele tempo eu tinha muita vontade de trabalhar; depois (...) que as forças acabaram, eu vi que não dava mais para trabalhar, aí eu parei. Izomar- E agora a sua idade, quantos anos o senhor tem? Seu Moacir - Agora eu interei setenta anos dia quinze de novembro (...) Dayana - E seu Moacir, quando o senhor veio de onde o senhor morava, o que o senhor encontrou quando o senhor veio para cá? Seu Moacir - Olha, aqui eu encontrei muito foi fartura de peixe. Peixe tinha bastante, de toda qualidade. Era, só não assim negócio de tambaqui, pirarucu, essas outras coisas não... Mas peixe miúdo, de noite isso aqui estrondava" Os peixeiros !cavam ali fora, queria entrar para cá, e eu não deixava. Ai eu ia lá, botava [...] com eles, pedia para eles fora, né... Que aqui, nosso mercado era aqui. E tinha muitos que !cavam bravos comigo, aí reclamava, agoniando, chamava até de nome, mas eles iam embora. E 50

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agora, vixi! Está muito mudado! Agora você pega uma malhadeira, joga n’água e o peixe ta boiando aí perto e não cai mais na malhadeira [...]. Então, está #cando ... está #cando, não - já está ruim. E mais ruim vai #car ainda, porque o povo está crescendo...

Paulo Gonçalves Pacheco Izomar - Vamos entrevistar agora o senhor Paulo Gonçalves Pacheco. Seu Paulo, dá para o senhor contar um pouco da sua história, quando o senhor chegou aqui? Dayana - Eu sou a bolsista da Aldeia Nova União, eu estou aqui também entrevistando o senhor Paulo e ele vai repassar um pouco da sua história, a história do Rio Urubu, o que ele encontrou quando veio para cá... Mara - Eu sou Mara Cristina, sou da Aldeia Lago do Cana. Também gostaria de saber um pouco da sua história. (...) Paulo - Minha história que eu quero contar, quando eu cheguei aqui não tinha nada. Trabalhei, juntei um roçadinho ali no meu terreno, lá onde eu estou morando agora (...) Trabalhei; trabalhava de roça; plantei lá umas coisas; tem lá umas plantas: tem mangueira, (...) tem tucumanzeiro, tudo tem lá que eu plantei... Você não via nada (...). Izomar - Antes de o senhor vir para cá, onde o senhor morava antes? Paulo - Morava no Tapará (...) Nós fomos nascido e criado no Tapará. Logo depois de meu pai morrer, eu passei uns tempos no Iranduba (...) Então nós moremos lá uma porção de ano; quando meu pai morreu, #quei lá uma porção de anos. Moram lá minha mãe velha e um irmão (...) Então de lá que eu vim para cá; e estou por aqui até agora, vivendo. Dayana - Quando o seu pai era vivo, ele contou alguma história para o senhor? Paulo - Não. Nunca me contou. Também nós nunca perguntamos dele Hiléia - Revista do Direito Ambiental da Amazônia n0 10 |Jan - Jun| 2010

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essa história. Agora, negócio de história eu estou aprendendo com vocês, nunca ouvia nem falando, negócio de história... Mara - Qual foi o ano que o senhor chegou por aqui? Paulo – Mil novencentos e oitenta e nove (...) Quase vinte anos. Mara - O que o senhor acha aqui do lugar? Um lugar bom, farto? Paulo - Para mim, achei bom o lugar. Muito peixe... Quando eu cheguei tinha muito peixe; agora não tem mais (...) Gostei muito. Lugar muito bonito aqui. Gostei que... A gente encosta aí... Inverno e verão no nosso porto aqui, inverno e verão de qualquer motor. Achei bonito. Gostei e gosto muito desse lugar. (...) Mara - A sua etnia é mura mesmo ? Paulo – Mura mesmo. Meu pai era caboclo. Meu pai... Morou no Autazes, era lá do Autazes, como o teu pai era lá do Autazes.... Dayana – Seu Paulo, quando o senhor era mais novo, o senhor trabalhou muito para chegar a ter...? Qual eram os tipos de trabalho? Paulo – Rapaz, eu trabalhei... trabalhei, meu primeiro trabalho que eu sofri muito, foi juta... E trabalhava em juta, milho, melancia, essas coisas que nós plantava... [?] Trabalhei muito. Trabalhei. Só em juta eu trabalhei vinte anos. Dayana – E era difícil esse trabalho, o trabalho com a juta? Paulo – Mergulhava, cortava a juta, no fundo... Bicho batia a gente (...?) pegava na gente, arraia pegava a gente. Muito ruim. Nós ganhamos muito dinheiro, mas também era um serviço muito ruim. Por isso que nós saímos de lá. (...)

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Francisco Pinheiro de Souza Dayana - Bom Seu Francisco, o que nós queremos saber aqui do senhor, foi como o senhor veio, assim, parar na nossa comunidade, Bela Vista e como foi pro senhor se encontrar aqui neste momento. Francisco: Eu vim porque...vim me embora, né? Ai, vim pra dentro... Quando vi, já tava no Tarumã, ai eu !quei bolando no meio deles (...). Dayana - Há quanto tempo você está morando aqui na região, Seu Francisco? Francisco: Seis anos mais ou menos Dayana - E quando o senhor veio de lá (...) de onde o senhor morava, quando o senhor veio de lá, o que o senhor encontrou aqui? Era farto...? Francisco: Era muito farto mesmo... Logo quando eu entrei aqui pra dentro, que veio eu e meu cunhado, e o irmão dele...também já é morto. Nesse Rio Urubu aqui... O que mais tinha era bicho de casco de todo tamanho.. .Hoje em dia não se vê mais nada. Peixe-boi, isso ai é novidade, (...) estava dando bofete, hoje em dia você não vê. Ai você diz: Ah, por que o Rio Urubu não está farto" Não está farto porque ...quando eu vim não" É besteira... Dayana - Com quantos anos o senhor chegou aqui, Seu Francisco? Francisco: -Quantos anos? Quarenta e oito. (...) Dayana - - Qual sua etnia? É mura ou é índio mesmo? Francisco: É índio mesmo, tanto faz ser índio como ser mura, é uma coisa só, é índio mesmo; tem jeito não. Dayana - Que dizer que o senhor morava lá em Nova Soares, perto de Autazes? E sabe o que eu ia perguntar? Sobre os parentes daqui, o senhor tem parentes? Hiléia - Revista do Direito Ambiental da Amazônia n0 10 |Jan - Jun| 2010

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Francisco: Aqui só tem um irmão... Os outros moram... Estão tudo para fora... Eu não paro em casa; às vezes tem que me buscar, está na casa de um, na casa de outro. Dayana - O senhor sabe, Seu Francisco, um pouco da história daqui do Rio Urubu? Assim como o senhor falou, que como pra cá era farto... E qual era esse tipo, assim como o senhor estava falando... De peixe, pássaro, que tipo de coisa que o senhor encontrou aqui? Francisco: Paca, tatu, cutia, que se abestava e chegava perto de mim... Agora não; nem faço questão de caçar, porque não tem que preste mais. Dayana - E também, nós queremos perguntar do senhor assim o motivo do senhor morar aqui, por motivo do senhor querer mesmo? Francisco: Porque eu quero mesmo. Dayana - - Porque o senhor gosta lugar? Francisco - Porque eu gosto aqui do lugar mesmo... Graças a Deus, não tem dia ruim comigo, não. (...) Dayana - Então, acho que acabamos, já entrevistemos muito, obrigada pela entrevista, espero que o senhor tenha gostado, Obrigada!

2.2 Correnteza Graciete Batista Lima3 Aderlane - Onze de janeiro de 2008, às três horas da tarde, iniciemos o nosso primeiro trabalho JCA, com dona Graciete Batista Lima, na comunidade Aparecida do Correnteza. A etnia dela é Mura. Ela Entrevistas gravadas em 001TRC_HQ_11_01_2008 15_5311012008 e 002TRC_HQ_11_01_2008 15_5611012008.

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vai falar sobre um pouco quando ela nasceu. Dona Graciete, a senhora pode falar quando a senhora nasceu? Dona Graciete - Eu nasci em 1968. Aderlane - E como que a senhora vivia aqui, antes, aqui no Correnteza? Dona Graciete - Antes aqui era muito difícil, que não tinha transporte para gente sair por causa de doença. Não tinha como a gente sair para hospital; tudo era remo. Daí era bastante difícil. Agora sobre outras coisas, de alimento, caça e peixe e pássaro, isso tinha bastante. Daí, conforme chegou o pessoal, que começaram a entrar na área, daí foi acabando mais essas caças, esses peixes, tudo eles foram destruindo. Daí já !cou mais difícil; melhorou por uma parte, mas piorou por outra. Aderlane - E assim, sobre o trabalho, vocês trabalhavam como aqui? Dona Graciete - Trabalhavam plantando roça, juntando também fruta... Aderlane - E para conseguir assim alimento como açúcar, arroz, leite, como vocês faziam para conseguir? Dona Graciete - A gente trocava castanha, trocava tucumã (...) peixe mesmo, com marreteiro que ia aparecendo, a gente ia trocando as coisas. O alimento (...).... Aderlane - E agora, como que vocês vivem? Dona Graciete - Agora a gente vive melhor, por uma parte como eu falei. Tem transporte, tem muito marreteiro, mas a facilidade de pássaro, caça, peixe, isso !cou já difícil. (...) Aderlane - Qual era sua cultura aqui? Dona Graciete - A gente fazia tipiti, paneiro, peneira, para vender para os marreteiros.(...)

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Aderlane - E esses tipiti, paneiro, para que era? Dona Graciete - A gente vendia; eles levavam. Para peneira massa, para espremer; paneiro para carregar mandioca. Aderlane - Vocês vendiam para marreteiro... Dona Graciete - Isso. Aderlane - A troca de alimentos.

Relatório de Entrevistas “No dia 11/01/08, eu, Iriane Bruno, bolsista do JCA Jovem Cientista Amazônida, fui fazer a primeira pesquisa na casa do Tuchaua Eupídio, na Aldeia Correnteza. Fui enfrentando chuva e quando cheguei na aldeia, o mesmo tinha saído, não se encontrava na casa e então eu fui com sua mãe, a indígena Estrogilda. Pois a mesma atendeu, eu e a professora tutora que estava presente, muito bem (...) e mandou ir na casa do seu irmão, pois o mesmo sabia muita coisa sobre as Terras Indígenas e sobre os Mura que habitavam as terras. O nome do Indígena é Jogem. O seu Jogem falou que antigamente, isso era quando seu pai chegou no rio Urubu e cada igarapé tinha um nome dos índios que habitavam nas terras indígenas como: Parachico, Balbina, Jatoá, Caminho Escuro, Jacaré, Runinho, Don Paulo, Fomfom, Ferreira, Laguinho, Maria Rosa e Cristovam (...) e teve muita chuva e não deu para ele contar mais. Com isso, eu não gravei, pois não tinha conseguido levar o equipamento; a canoa do JCA, a chuva molhou pelos lados e eu não levei o equipamento com medo de molhar. Eu me apresentei para o senhor indígena Jogem, falando ‘Eu me chamo Iriane Bruno bolsista JCA, estou trabalhando com a pesquisa e o projeto Murawara... E gostaria de saber se o senhor tem algo para contar sobre as Terras Indígenas. Como era? Como foi para o mesmo chegar até o local? Se passou 56

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por muita di!culdade? Se o senhor gosta do lugar? Se a sua etnia era Mura? En!m, conversamos, mas a chuva atrapalhou muito a pesquisa, e eu deixei para próxima vez que estiver um dia bonito para eu levar o equipamento. Fim” Janeiro de 2008.

Rosilane Bruno dos Santos4 Eu me chamo Rosilane Bruno, tenho trinta e quatro anos, sou coordenadora do curso de formação dos professores indígenas, também estou no curso de formação, agora estou trabalhando no Projeto do JCA. Eu trabalho como professora tutora (...) Eu faço parte da Aldeia Correnteza (...) E com o Elpídio [tuchaua], a gente fez uma entrevista com ele, carregando as tábuas para fazer a biblioteca. E !cou de conversar mais com ele, que ele ia passar mais informação. E acabou a gente também não tendo bastante contato; e também ele está trabalhando um pouco, para fazer o aniversário da Aldeia. Então ele tem andado muito assim. Quando eu cheguei para lá eu estive conversando com as outras pessoas, com o seu Apolônio Bruno, com a dona Maria de Lourdes. Ela me contou que antigamente, quando, logo para surgir o Correnteza, aquela área lá onde hoje é a Aldeia, tinha um senhor Elpídio, que hoje ele é falecido; ele contava que ali ele protegia aquela área, aquela ilha. Que lá era dele, então ele diz que ali ele protegia. Como? Não deixando ninguém entrar na área para desmatar, para desfrutar, porque tinha coisas ali... Naquele tempo... Ela falava, ela fala hoje para nós que naquele tempo, que eles viviam de sorvo (...), de balata, de castanha – que hoje ainda não acabou, ainda existe... Então, são poucas coisas que eu tenho a informar do Correnteza. Hoje ela é uma aldeia, está com três anos fundada; ela faz aniversário 4

Depoimento dado em 18 de setembro de 2008 a Leonardo Jaques Hiléia - Revista do Direito Ambiental da Amazônia n0 10 |Jan - Jun| 2010

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dia 19 de setembro. Nós temos 24 membros da comunidade, 24 famílias na comunidade. E eu estou, hoje eu trabalho em cima dela lá, estou sendo a professora de lá – ainda não estou em sala de aula, estou no curso de formação para mim realmente poder trabalhar com as crianças em cima da aldeia. Estou trabalhando; a biblioteca está situada também na área – porque nós achamos também que ela era uma aldeia que sempre estava mais esquecida, porque ela é nova, ela quase não está tendo apoio. Ela não tem luz, ela não tem motor de luz como nas outras têm. Então, tudo agora, com esse meu conhecimento, estou ajudando o tuchaua, estou ajudando o povo, e nós estamos construindo; e nós já estamos conseguindo tudo isso.

2.3 Fortaleza Mario José Iriane - Meu nome é Iriane Bruno, bolsista do JCA. Eu estou entrevistando o senhor Mário José no dia dois de agosto de 2008, e ele vai falar um pouquinho sobre sua história, contar sobre a história Mura. O senhor sabe alguma história assim?5 Mário José: Sobre o ramal? Iriane - E sobre o senhor também.... Mário José: ... Aí eles deixaram a gente aqui... E por causa do que tudo estava indo muito bem. Tinha muita gente... Que o pessoal morava aqui... Mas só que daí a uns tempos não deu mais certo, aí o pessoal foi tudo embora... Aí cou sem ninguém aqui, o ramal... Mas estamos com esper5

Entrevista registrada na gravação 002TRC_HQ_-- JCA 23 de agosto grav 2.

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ança de levantar de novo aqui a área... Quanto mais gente... Vai chegar mais gente agora; aí eu quero ver se melhora mais um pouco. Iraiane: E aqui onde o senhor mora existe alguma comunidade por perto? Mário José: Não... Só mesmo ali o Taboca. Iriane - O senhor freqüenta lá o Taboca? Mário José: Freqüento... Meus meninos estudam lá, no Taboca. Rosenilson - Qual foi o ano que o senhor chegou aqui? Mário José: Foi o ano passado. Foi ano passado mesmo, não é? Iriane - Aqui é área indígena? Mário José: Aqui é área indígena! Rosenilson - O senhor é cadastrado como índio? Mário José: É. Fortaleza todinha; tudinho é área indígena. Rosenilson - Quer dizer que o senhor não sabe nenhuma história. Senhor: Ele sabe um bocado! Iriane - Então nós agradecemos pela entrevista.

2.4 Lago do Cana Imperion Roque de Sousa6 Mara - Boa Tarde, eu sou a jovem cientista Mara Cristina, estamos aqui na Aldeia do Cana, bem conhecida como a casa do tuchaua Imperion Roque. Vamos fazer uma entrevista, e tenho certeza que vai ser sucesso. 6

Entrevista gravada JCA 23 agosto grav 1: 007TRC_HQ_02_09_200 Hiléia - Revista do Direito Ambiental da Amazônia n0 10 |Jan - Jun| 2010

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Rosenilson - Meu nome é Rosenilson, sou aluno JCA, entrevistando aqui com o senhor, perguntar sobre a demarcação, e eu quero que o senhor dê essa colaboração pra nós. Elia - Boa tarde, meu nome é Elia, sou bolsista do Programa Jovem Cientista. Eu trabalho sobre o resgate da memória do povo Mura, e se o senhor tem algo a nos passar sobre isso? Mara – Bom, nós queremos saber do senhor, primeiramente sobre a demarcação da terra do Cana, onde a gente mora, sabemos que houve muita contenda... Quero saber assim do senhor como mais velho, aqui na terra já, sobre as histórias, se houve guerra ou não? Imperion – É, em primeiro lugar, uma boa tarde (...) É, no termo da demarcação, eu creio que foram poucas pessoas que pediram a demarcação e homologação da área. No entanto, nos conseguimos. Desde 1991 nós pedimos, junto com as outras lideranças, como o Maquira e o Correnteza, !zemos um documento, !zemos na época do nado Sinésio ... junto com o pai dele, na época do !nado Espidio, !zemos, pedindo que viesse a demarcação. No entanto, demorou um pouco, e conseguimos a demarcação em 2004. Passamos vários problemas e graças a Deus, nós conseguimos demarcar a área. No entanto, aqui mesmo não passamos di!culdade, a di!culdade mesmo foi no Correnteza; os brancos não queriam que passasse a linha da demarcação, e no entanto aqui na nossa aldeia não teve problema nenhum E hoje nós guardamos a nossa cultura no termo da reserva, nos termos de caça, pesca e meio ambiente. Hoje se nós temos alguma coisa, é por causa que nós zelamos daquilo que por direito é nosso. Nós, como, povo Mura... E também nossos pais vieram de Autazes, nós somos um povo Mura... (...) e maioria da nossa família se encontram lá, moram lá, na residência de Autazes. E graças a Deus nós conseguimos, e a maioria do povo que mora aqui nessa região do Rio Urubu, a maioria são tudo descendência quase de Autazes... 60

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Elia – O ano que o senhor chegou aqui e a sua idade? Imperion – Eu estou com trinta e seis anos. Eu cheguei na faixa de uns seis anos aqui, estou com esses anos todinhos. Mais pergunta? Rosenilson – E no tempo da demarcação, teve alguma morte ou não? Imperion – Não, não teve morte. Como eu falei ainda agora, com nós aqui, não teve problema não, nenhuma (...) Rosilane - Seu Imperion, o que fez você chegar até aqui na terra do rio Urubu? Imperion - Como eu falei ainda agora, foram nossos pais, que na época que vieram conhecer a área do rio Urubu, e na época que chegaram tinha pouco habitante. E apesar que os índios que moravam aqui, eles tinham saído, e aí começaram a chegar os habitantes e aí, as pessoas vieram de Autazes, no tempo da minha família que vieram, e nós praticamente nascemos aqui na região, construímos a família e acredito que por isso que conseguimos a demarcação no termo de nossa própria cultura. Porque até mesmo existia a terra preta, e a gente prova que já moraram muitos indígenas aqui (...) Lane – Você sabe por que foi dado o nome de Rio Urubu? Sabe me informar? Imperion - Segundo a informação dos antigos, foi por causa dos indígenas que moravam aqui, eles, deu naquela época a sezão, que foi a malária. Então, morreram muito e os urubus comiam, isso foi uma invenção que os antigos contavam, então por isso, que os urubus comiam as pessoas, devido a epidemia de malária, por isso que surgiu o Rio Urubu. Elia - Essas terras pretas que o senhor fala, o que é?

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Imperion – A terra preta é na época que os índios, eles eram da cultura, eles juntavam o lixo, queimavam e iam adubando a terra para seus legumes e para o mantimento da sua família. Por isso que nós chamávamos terra preta. Lane – O senhor é a primeira liderança por aqui? Imperion - Não, não. A primeira liderança que na época surgiu aqui foi o meu pai, Manoel Pereira de Souza, conhecido como Doquinha. Foi. Então, ele teve 15 !lhos junto com a minha mãe, e no termo dos 15 !lhos, nós !zemos a votação, por causa que ele tinha que voltar pra família dele, de onde que ele veio, e no entanto como já éramos todos pais de família, chegou na ocasião que, dos dez !lhos concorreram a eleição, então, eu !quei liderando no lugar do meu pai. Lane – E por que dá o nome aqui de Lago do Cana? Imperion – O Lago do Cana signi!ca que quando nós viemos aqui já tinha esse nome, não foi ciado por nós (...) Elia – Qual seu meio de ganho aqui, vocês vivem de que? Imperion – Aqui a gente vive num termo de agricultura e de pecuária. Por causa que quando chegamos aqui, não tinha quase ninguém, só tinha muito era a "oresta sendo destruída, e na caça e na pesca, sendo destruídos. Aí então nós viemos, começamos a chegar e hoje em dia, a nossa aldeia, a Lago do Cana é um lugar muito habitado em termos da família. Em termos de sobrinhos, tios, irmão e irmã, de outros parentes que vieram e estão chegando. Eu creio que até 2010 vai ser um lugar de muitos habitantes, em termos de nossa localidade. Por causa que os nossos parentes de Autazes, nossos parentes estão voltando; os que saíram também estão voltando. Então, eu creio que quando nós chegamos aqui não tinha quase ninguém. Pra falar a verdade, não tinha ninguém, o que tinha era ali pra baixo, no boca do Correnteza já tinha gente (...) Lane - No seu conhecimento, nessas outras comunidades, como o Cor62

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renteza, como ali as Pedras, existe o lago mesmo, assim protegido? Ou só igapó, igarapé? Imperion – Não termo do lago? Se existe? Olha... Eu creio que no caso nosso existe o nosso lago, o Lago do Cana que é o Lago do Antônio. E, no entanto ali pra fora existe o Rio Urubu, o rio. Por causa que é o lago, porque aí fecha. Aqui nós fechamos tudo. Não é realmente um Paranã, que era Paranã do Cana. Então nós colocamos Lago do Cana, porque quando seca !ca só um lago. Existe uma cabeceira que é essa, onde nós moramos aqui, que é um a"uente, que escorre dos nascentes que joga pro lago (...). Elia - Aqui era muito farto? Imperion - Realmente, não é muito farto, mas ainda tem uma fartura nos termos de caça, nos termos de pesca, nos termos de ave, porque nós preservamos. Lane - Você gosta de morar aqui no Rio Urubu? Tem assim vontade em sair daqui? Imperion - Não, por causa que em todas áreas que nos já moremos, tem lugar bom, mas como o nosso, é um lugar muito bom, por causa que nos termos de sobrevivência, e também nos termos de nossa produção, no termo da nossa criação, nossos produtos, tanto na pecuária quanto na agricultura, nós temos tudo mais facilitado de nós tirar nosso produto, de ir pra Itacoatiara e Manaus, enquanto os outros lugares é di!cultoso. Em Autazes, quando seca !ca num lugar muito difícil. Elia – Vocês preservam algum ritual? (...) Imperion - Sim, eu creio que nos termos... Você está falando nos termos da nossa crença, não é? Elia – Sim, se vocês mantêm alguma cultura?

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Imperion - Sim, nos termos de como nós curamos. No termo da terra e no termo dos remédios caseiros. Porque hoje em dia a maioria das pessoas que procuram a medicina, eu creio que tudo depende da terra... Então o que nós procuramos nos termos de remédio caseiro, no termo da nossa !oresta, no qual é muito pouco, daqui um tempo eu creio que a nossa !oresta vai "car muito pouco. No futuro, os habitantes daqui a uns 20 anos, 30 anos, eu creio que do jeito que está indo o Rio Urubu, vai "car numa situação muito difícil. Mara – Tio, logo quando vocês chegaram aqui vocês acharam alguma cultura de índio? Como vasilha, peças de barro que eles deixaram? Imperion – Com certeza, nos termos da terra preta que ainda agora eu estava falando. Na época que nós "quemos, encontramos realmente na terra preta vasilhas, copo, prato. Então isso foi uma prova que nosso antepassado já tinha passado por aqui. Mara – Porque eu até soube de uma história ali, só que não tinha como con"rmar, mas na sua presença, o senhor deve saber. O senhor há muitos anos mora aqui. Ali atrás, onde passa Balbina, dizem que ali foram enterrados uns índios, aí quando a pessoa vai lá, destrói, o enterrado depois volta ao normal de novo... Imperion – Sim, ali é uma história longa. Existe realmente um cemitério... Até mesmo, os indígenas, quando nós chegamos aqui já tinham ido embora... Os bisnetos que já estão voltando aqui, eles falaram que várias pessoas, vários indígenas tinham sido sepultados ali na Boca da Balbina. E, no entanto ali tinha o nome de Cemitério da Pedras. Segundo a informação que foi relatada é que eles esculhambavam o túmulo e quando demorava um pouco, voltava de novo as pedras. Mara – Isso que eu queria con"rmar, a verdade. E agora vamos partir um pouco para a educação, que a gente esqueceu um pouco... Em termo da educação na nossa aldeia aqui... O que o senhor acha sobre o estudo das crianças indígenas? É bom ou é ruim?

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Imperion – No termo de nosso estudo, do estudo dos nossos !lhos, a educação é uma situação muito difícil que estamos passando. Nós estamos praticamente sendo esquecidos pelas pessoas que governam nosso município. E nos termos de ter faltado muita aula, falta de professores, então a diculdade das nossas crianças na nossa região. Eu creio que não só a minha, eu creio que quase todas as aldeias estão sendo prejudicadas no termo da educação. Então eu como liderança e vocês como jovens cientistas, estão nessa luta procurando a cultura, veri!cando para que viemos ter a nossa história. Eu creio que a nossa maior história que temos e pedimos é para as pessoas dos órgãos competentes que olham pra nós, que venham a nos ajudar nos termo dos nossos !lhos, nos termos da educação, no termo na saúde, que é a coisa principal, que vivemos nessa localidade, e que passa por di!culdade. Mara – Até mesmo assim alimentação das crianças é bom, é ruim? Imperion – Até mesmo tem faltado alimentação. Até mesmo no colégio tem faltado alimentação, porque a alimentação é muito pouca, o estudo também é pouco. E como que o nosso Brasil, ele vai à frente vai ter um bom futuro? Eu creio que se os parlamentares olharem e ver o futuro do nosso pais, eu creio que no termo da educação é a chave principal que nós queremos para o futuro do nosso país, da nossa cultura. Que venha sair daqui alguém que venha governar o nosso Município, talvez o nosso Estado, o nosso País. Eu creio que estamos passando por di!culdades nos termos da educação e nos termos da saúde. Mara – Bom, aqui nos vamos encerrar com Seu Imperion Roque, Tuchaua do Cana, desejar ao Senhor Imperion Roque um feliz dia dos pais, também. Que a nossa entrevista seja boa pra ele e pra nossa população aqui do Rio Urubu, e que todos percebam que nós estamos um pouco esquecidos. Eu, como jovem cientista a Mara Cristina, termino minha entrevista. Rosenilson – Quero agradecer pela sua atenção de ter ajudado a gente, e passo a palavra pra Elia. Elia – Agradeço pela informação que você nos passou, pela sua atenção e desejo felicidade para você e sua família. Feliz dia dos pais. Hiléia - Revista do Direito Ambiental da Amazônia n0 10 |Jan - Jun| 2010

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Rosilane – Eu como a professora dos JCA, eu estou muito... pela sua simpatia e sua colaboração, pela sua atenção em ter nos recebido, com os três jovens (...) . Agradecer e parabenizo, apesar de hoje ainda estarmos na véspera do dia dos pais, que amanhã seja como sempre é, um pai dedicado aos seus !lhos, que essa não temos a menor duvida que apesar de você já ser um pai, a gente sabe que você tem muita responsabilidade, que continue sempre assim.

2.5 Maquira ANTÔNIO JOSÉ7 Iriane - Eu, Iriane Bruno bolsista do JCA, Jovem Cientista Amazônida, projeto Murawara, Memória do Povo Mura do Município de Itacoatiara, estou entrevistando o senhor indígena Antonio José, da aldeia Maquira, em 10/03/2008 e ele vai falar um pouco sobre o povo Mura, o sofrimento e as terras. Ele vai contar sua história agora (...) Antonio José - Quando nós cheguemos aqui no rio Urubu era muito di!cultoso, não tinha nada de facilidade. Porque só existia nós aqui de família, aqui no Maquira, Taboca, Cana, aí na Correnteza.. Não existia mais gente por aí. Bem pouquinha gente. A diculdade era tão grande que a gente passava dois dias pra chegar a Itacoatiara. Viajando de barco, saia dia de sábado pra chegar... Iriane - Como vocês faziam pra comprar alimento, assim, como arroz, açúcar, feijão, farinha? Antonio José - Só na cidade. Farinha ninguém comprava porque a gente plantava roça. Agora, sobre isso aí só em Itacoatiara que a gente ia; todo Foram feitas duas entrevistas com o senhor Antonio José. A primeira, pela bolsista Iriane Bruno, ocorreu em março de 2008. A segunda, pelo bolsista Izomar Nunes, em agosto de 2008, sob o registro: 008TRC_HQ_05_02_200 7

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!nal de mês a gente ia na cidade fazer o ranchinho da gente. A gente saia sábado de tarde e chegava segunda-feira a noite. A gente passava o sábado viajando e domingo chegava de tarde. Iriane - Vocês vendiam alguma coisa? Antonio José - Vendia... A gente vendia farinha, a gente vendia castanha, vendia madeira; aquela tábua, a gente lavrava tábua no machado, vendia tábua... A gente lavrava tábua de machado, a gente vendia tábua, vendia farinha. O nosso produto era esse... Peixe bem pouco. Iriane - Pra comprar o alimento? Antonio José - Para comprar alimentação... A gente lavrava tábua e vendia pra um patrão que nós tinha, que ele comprava tábua. Na época não sei nem como era o preço daquela tábua, que a gente vendia por pau. A gente fazia esse dinheiro e ia em Itacoatiara comprar (...) Só comprava de 30 em 30 dias (...) E aí, a gente deixava passar o mês, aí com um mês a gente retornava de novo na cidade para comprar, fazer nosso ranchozinho de novo e assim a gente vivia. E hoje em dia com a facilidade que a gente tem hoje, a gente pra Itacoatiara de manhã e volta a tarde; existe muita facilidade em vista de quando nós cheguemos aqui. Iriane - Em casa de doença seu Antonio, como vocês faziam? Antonio José - Em caso de doença só existia remédio caseiro mesmo, só remédio caseiro. Quando aparecia alguém com malária aqui... A SUCAM passava aqui de três em três meses, às vezes de seis em seis meses ela passava. O que acontecia quando pegava uma malária? A gente tomava casca de carpanãuba, aquela saracura-mirá; meu sogro fazia pra gente tomar. Meu sogro era índio mesmo e era Sateré... Como minha mulher é Saterê, e ele fazia esses remédios pra nós; era o que combatia a malária. Iriane - Qual a sua etnia? Antonio José - Mura. Hiléia - Revista do Direito Ambiental da Amazônia n0 10 |Jan - Jun| 2010

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Iriane - Só sua esposa que é Sateré-Mawé? Antonio José - É; minha esposa é Saterê do rio Andiara; Porto Alegre de Lábrea (...) Iriane - Como era aqui, era farto? Antonio José - Era muito farto, muita caça. Muita paca, tatu, veado, anta, porco, macaco, peixe;, todo tipo de alimentação existia demais. Agora, depois que entrou esse pessoal do turismo aqui, que ainda existe até hoje, aí foi... Ficou difícil as coisas pra gente conseguir manter. A gente pega, com muita di!culdade a gente pega, mas em vista de anterior... Tinha muito peixe, muito peixe e muita carne. Cansei de caçar de noite a gente matava três, quatro paca. Hoje em dia a gente a gente passa a noite todinha andando e não vê mais paca (...) Iriane - E o senhor gosta daqui? Antonio José - Demais" Muito, demais... do Rio Urubu... Considero o rio Urubu como um pai porque foi aonde eu me criei. Só não !z nascer, mas... Iriane - O senhor nasceu aonde? Antonio José - Eu nasci no Rio Curupira, município de Nova Olinda. Eu nasci e vim bolando por lá; a gente foi pelo Rio Uatumã, foi até a cachoeira de Balbina no Rio Uatumã voltamos fui pra ressaca do Cumaró e depois viemos pro Rio Urubu. Rodamos tudo por aí... Nossa vida foi triste... Graças a Deus encontramos esse terreno aqui, esse rio e me orgulho de morar no Rio Urubu, rio muito bom" Não tenho queixa do rio Urubu. Considero o Rio Urubu como um pai porque foi onde eu me criei. Iriane - E hoje em dia, o senhor acha que está melhor; como o senhor acha que está hoje dia? 68

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Antonio José - Muito melhor! Da vista que estava, hoje em dia está muito melhor. Muito melhor! Muito melhor! Hoje em dia, eu tenho minha rabeta, tenho meu motorzinho, tenho meu gado bem pouquinho, mas tenho. E... a#nal de contas, melhorou tudo, cem por cento... Espero que melhore mais, né? Agora, graças a Deus está tendo esse curso de formação dos professores aqui na nossa aldeia e é um orgulho pra mim, pra nós. Porque é isso nunca existiu, né? (...) hoje em dia quando eu ouvia falar, a Lane falar que ia existir o curso de professores indígenas aqui na Maquira eu me sentia orgulhoso, por causa disso... de haver esse curso. E graças a Deus ele aconteceu e me fez feliz por isso. A coordenação, com a dona Lane na frente que é uma pessoa excelente (...) Então, é isso que a gente está trabalhando... Nesse sentido aí e graças a Deus... Quando cheguei no rio Urubu, aqui as coisa eram muito difíceis, mas graças a Deus está melhorando e espero que melhore mais ainda,. Iriane - Esta ok! Então, agradeço aí pela compreensão ta. Antonio José - Está bom! Muito obrigado também! Izomar - Boa tarde seu Antonio José. Seu Antonio José, com quantos anos o senhor chegou aqui dentro do Rio Urubu? Antonio José - Cheguei aqui, eu não estou bem lembrado, não, mas eu acho que estava numa faixa de uns 11 anos, aqui dentro. E desde quando cheguei aqui, eu não sai mais daqui do Rio urubu. Aqui fui trabalhando, aqui eu fui crescendo, aqui eu fui construindo família. Hoje tenho meus #lhos, tenho minha esposa... Minha esposa é Saterê, eu sou Mura cruzado com Mundurucu; é uma mistura ai... E aqui eu estou; desde quando eu cheguei aqui, nesse período, nessa idade de onze anos, não sai mais daqui de dentro do Rio Urubu. Quando nós chegamos aqui, minha mãe, meu pai, quando nós chegamos aqui fomos parar lá no Taboca; onde é a aldeia Taboca agora. Naquela Hiléia - Revista do Direito Ambiental da Amazônia n0 10 |Jan - Jun| 2010

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aldeia lá existia umas seis famílias. Era Seu Daniel; hoje já é morta, a !nada Dona Maria Almeida; Seu Fábio; meu padrinho André; pessoal que morava naquela aldeia lá, Taboca. Ai quando a gente chegou aqui, fomos parar lá. E lá, minha mãe com meu pai pediram uma permissão deles para a gente, se a gente podia tirar um terreno aqui na área, na área Mura aqui deles. Eles permitiram que a gente podia que escolher uma paragem para gente tirar um terreno e trabalhar. E ai nós viemos, minha mãe foi, tirou esse terreno aqui onde nós mora. E estamos vivendo hoje em dia, graça a Deus. Considero o Rio urubu como um pai, porque foi onde eu me criei. Considero uma terra minha original; não nasci, mas considero minha terra original. Minha terra mesmo, onde eu nasci é dentro do Rio Curupira, município de Nova Olinda, lá foi onde nasci. Mas me criei aqui dentro do Rio Urubu. E hoje nós vivemos aqui felizes; logo que cheguei pra cá era uma coisa muito di!cultosa. A gente não tinha um ganho bom, a gente vivia lavrando madeira para sobreviver; apanhando aquelas frutas pra gente vender; transporte era a coisa mais difícil que a gente tinha para chegar até Itacoatiara pra comprar o rancho da gente. Hoje em dia, graças a Deus, a gente vive feliz; vive num pedacinho do céu. Hoje em dia a Funasa, Coiab e Funai deram as mãos para nós; um pouquinho, mas ajudaram nós, através da saúde, elas chegaram até nós. Em 1996 teve o levantamento do povo indígena aqui do Rio Urubu (...) aí onde nós fomos também cadastrados como povo indígena. Porque nós era Mura; minha esposa é Satere, e também ela é irmã do Tuchaua Ademar; Ademar é meu cunhado. E hoje em dia graças a Deus, está muito bem. (...) Antonio José - (...) A gente se sente muito feliz por que você está acompanhando nós, nosso trabalho, você fazendo seu trabalho, quem sabe daqui para frente você seja um jovem experiente, possa trabalhar direitinho e assim sucessivamente, a gente vai vivendo devagar. Izomar - E quando você chegou aqui, que tipo de etnia encontraram? Antonio José - Encontramos só os Mura. Tinha mura quando nós chegamos aqui. E eu também que já cheguei fazendo parte da família mura. Até por que eu não sou mura mesmo original; eu sou cruzado com mun70

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durucu. Aí foi a época que surgiu essas duas etnias, e ai quando chegou o povo Sateré, fez as três etnias.

Tuchaua Ademar e Antonio José8 Izomar - Uma boa tarde. Meu nome é Izomar Cabral Nunes, sou aluno do Programa Jovem Cientista Amazônida. Estou fazendo um trabalho de uma pesquisa dos povos indígenas do rio Urubu, junto com o Tuchaua Ademar, e junto com o conselheiro local do pólo base Maquira, Sr. Antonio José. Izomar - Seu Ademar ao chegar aqui, o que encontrou? Ademar - Na minha chegada aqui, eu encontrei poucos moradores, na época que nos viemos lá do rio Andirá, encontramos pouco morador aqui no Correnteza; e uma faixa de 30 famílias na época. E encontrei aqui poucas pessoas. Izomar: Ao chegar aqui, qual era o meio de sobrevivência? Ademar - Na época que nos chegamos aqui era muito farto. Tinha muito peixe, muita caça, muito açaí, muita bacaba. Isso aí vinha trazendo uma sobrevivência para o próprio nós. Porque nos vendíamos essa produção que a gente tirava da própria terra, e para manter a nossa necessidade. Izomar - Com quantos anos você chegou aqui; em que ano? Ademar - Eu cheguei aqui com 12 anos, eu cheguei em 1973. Izomar - Quantos tipos de Etnia existiam? E quantas existem hoje? Ademar - Olha, na época que eu cheguei, nós chegamos aqui no Rio Urubu, do meu conhecimento, existia só dois povos. Que era os Mura e os Mundurucu. Já com nós, povo Saterê Maué, a gente faz três povos diferentes Entrevistas gravadas em: 001TRC_HQ05_02_200 ; 002 TRC_HQ_05_02_200 ;003TRC_HQ_05_02_200; 009TRC_HQ05_02_200

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Izomar - Como foi formado essas aldeias que hoje existem aqui no Rio Urubu? Ademar - Essas aldeias foram formadas depois que as entidades entraram. Na época a gente era esquecido aqui, a gente não tinha uma entidade que nos representava, nós era um povo indígena que não tinha acompanhamento, de uma forma assim que tivesse um apoio. Aí com o tempo veio a pesquisa da FUNAI pra trazer o conhecimento, fazer a pesquisa dos povos indígenas do rio Urubu, e daí começou a levar o conhecimento a frente, até Brasília e aí foi criado, por intermédio da Coiab da Amazônia Brasileira que representa a população dos povos indígenas, ai foi criado quatro aldeias, que foi o Maquira, Taboca, Aparecida do Correnteza e Unidos do Cana. Izomar - Quem eram as lideranças das quatro aldeias e quais são os nomes delas? (...) Ademar - Os nomes das lideranças... Era o Antonio José, que é conhecido como Bibito. Eu, que sou conhecido por Adema; e o Bibito é do povo Mura, juntamente mistura de mundurucu; e eu como Saterê; e o Nelson que é Mura. O outro é Ralili; que na época era o tio dele, o Azamor, que era o Capitão na época. Izomar - E como era preparada a bebida indígena? Você sabe? Ademar - A bebida indígena, a gente tem varias formas de trabalho. Muitas vezes a gente não usa mais o costume, porque muitas vezes a gente não tem mais nem tempo quase pra fazer isso. Mas o nosso trabalho, que nós fazia na época era: fazer o tarubá; fazer o Caxirí, que também é outra bebida típica muito forte, que ela embebeda também... Para isso é uma animação pra nós no plantio da roça, no trabalho da broca de brocar a mata, ou na capoeira. Isso pra nós - na festa a gente usa muito, na dança, rituais, costumes, línguas tradições que a gente usa, - a gente usa esses tipos de bebida, e vários outros tipos de bebida que a gente usa também, típica que faça parte...

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Ademar - Bem preparada, o tarubá, ela tem varias misturas. A gente pega a mandioca, bota pra cevar; depois de cevada, a gente deixa ela abafada, oito dias abafada numa gareira. E usa as folhas de curuminzeiro, que é uma arvore que tem, bota ela pra abafar, e começa, depois de oito dias, a fazer a mistura dela com o açúcar pra ela poder apurar. Ela !ca apurada essa mandioca, ai ela vem se transformando em uma bebida forte pra gente. Izomar - Os artesanatos; como é feito aqui na aldeia? Ademar - Os artesanatos, também a gente usa de várias formas. Os artesanatos, além do que a gente não tem o preparo para trabalhar, como a serra; a gente não tem o preparo do esmeril elétrico, que... da vida real que a gente vive agora, que tem tudo isso... A gente trabalhava, e muitas vezes a gente ainda faz, por que a gente não têm... Faz do caroço de tucumaí, do caroço de inajá, faz também do coco, do caroço, da casca do coco. Faz do caroço de tucumã e outras frutas que a gente encontra na mata. Aí a gente prepara, faz aquela forma de artesanato que vem da mente, na teoria. Ai a gente começa a preparar os artesanatos e vai pensando: ah, eu vou fazer esse artesanato dessa forma aqui. Ah mas não deu certo, vou fazer dessa forma aqui. E aí !ca bonito. E cada coisa que a gente vai aperfeiçoando, a gente vai fazendo coisas mais perfeitas (...) Izomar – E as danças indígenas, como eram festejadas? Ademar – As danças indígenas, o costume, o festejo por anual. Ela... A gente usa no dia 19 de abril, que é dia do índio. Quando vai fazer uma festa também é tradicional, a gente já usa essa dança, essa cultura, esse costume que a gente tem... A gente canta também. Pra poder fazer a dança, a apresentação, e a gente faz as danças também, a gente usa. (...) Izomar – Então Ademar, ao chegar aqui, o senhor chegou sozinho ou junto com a família? Hiléia - Revista do Direito Ambiental da Amazônia n0 10 |Jan - Jun| 2010

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Ademar – Eu cheguei aqui com a família, que era meus pais, meus irmãos. Isso foi a família que chegou aqui. Naquela época era garoto, acompanhando meus pais. E dai passou a multiplicar a família... E depois que eu cresci, fui !cando rapaz, comecei a arranjar família, e depois foi tendo os !lhos, e daí chegou o momento da família aumentar. Aí minhas irmãs também foram casando, meus irmãos também foram arranjando mulher e fazendo !lho... E hoje a gente é uma população do povo Sateré pegando 180 pessoas. Até a época de agora. Izomar – Quando... o senhor lembra em que ano o barco da Funai chegou aqui fazendo cadastro indígena? Seu Antônio José e Seu Ademar, vocês se lembram? Antonio José – Em 96... Em 1996, ele chegou aqui no pólo base... Onde é o pólo base; aqui no Maquira, onde nós morava. Ele chegou aqui; até o nado Sinésio andava junto com eles, eles andavam e vieram fazer essa pesquisa aqui em 96. E até onde eles foram pro Correnteza, para lá, e foi nessa época que nós fomos cadastrados aqui no Rio Urubu como Povo Indígena, como Mura. Izomar - Quando veio a equipe pra demarcar as terras, quais foram os indígenas que acompanharam a demarcação? Ademar - A demarcação da terra indígena do Rio Urubu, acompanhou... Vou falar os nomes... Foi eu, Seu Adema; Caiá, meu sobrinho; Marques, meu sobrinho; Anísio; Davi; Emerson. Esses foram as pessoas que eu estou lembrado, seis pessoas indígenas que acompanharam a demarcação junto com o engenheiro. Izomar - Ao demarcarem as terras, teve muito con"ito ou não? Ademar - Teve, teve um. Primeiro, quando veio pra demarcar a TI Rio Urubu, teve o con"ito. Os povos indígenas (...) Não deixaram demarcar a terra. Ai foi impedida por eles. Ai foi a segunda vez; a mesma coisa aconteceu, foi impedido também. Na terceira vez veio a Policia Federal, com a Polícia Federal nós continuemos a demarcação da terra. E comecemos 74

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por aqui, pelo Correnteza. Não concluiu toda a demarcação. Paramos porque nós tinhamos que fazer outra demarcação, que era o Paraná do Arauató, e lá é várzea e estava alagando; aí nós paremos, fomos pra lá. Concluímos a demarcação no Paraná do Arauató. Voltamos para o Rio Urubu... E antes de voltar pro Rio Urubu, lá no Arauató teve um con!ito porque os não-indígenas, eles ameaçaram, falaram que nós não podia continuar a demarcação porque... E até eles falaram, discriminado nós: ‘porque lá não existia índio, que a terra era deles, não eram dos índios’. Mas com isso, com o acompanhamento da Polícia Federal (...) nós demarcamos a terra (...) Demos andamento sempre com aquela ameaça, de não demarcar a terra, porque se nós fossemos demarcar a terra, eles iam agredir, eles iam nos matar e a gente... a con"ança era em Deus e na Polícia Federal. Até por que só éramos nós, não tinha apoio de ninguém. Muitas vezes nós era até orientado pela família para nós não se envolver na demarcação. Por que depois que a Polícia Federal saísse, eles iam atacar nós (...) Muitas vezes a gente não dormia sossegado em casa (...) Então foi um problema muito grande, um con!ito muito grande. Depois que foi demarcado, aí melhorou a conseqüência. Mas, para nós ainda não está bom. Tudo que aconteceu - foi demarcada, homologada. Fez o levantamento da indenização do pessoal não indígena. Mas ainda não foi, não chegou a realidade, porque ainda não chegou a indenização do povo, que são os brancos. E a gente passa ainda por um problema difícil por que ... Quando se fala do direito, do artigo da lei do índio, que nós temos que viver tranqüilos, sem perturbação, pra nós usar nosso costume, língua, nossa tradição. Mas a gente é perturbado. Somos perseguidos pelos peixes, porque os brancos atacam os nossos peixes. Quer dizer, isso vai deixar um basta muito grande tirar da nossa reserva, tirar dos peixes, tirar da madeira (..) a gente ainda não vive sossegado. Muitas vezes a gente denuncia, vai no IBAMA (...) E às vezes eles continuam tirando madeira, tirando os peixes do nosso lago (..) Queremos que por intermédio dessa entrevista que nós estamos fazendo, explicando para você como repórter (...). A gente quer que esse conhecimento, da nossa cultura, do nosso costume, e do nosso mal assossegado pelos povos indígenas, chegue até as entidades. As entidades que possam dar esse apoio pra acontecer logo a indenização desse pessoal. Por Hiléia - Revista do Direito Ambiental da Amazônia n0 10 |Jan - Jun| 2010

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que senão sempre a gente vai estar recebendo esse mesmo problema. E a gente quer viver sossegado, né? Tranqüilo, pra gente não ter perturbação. E a gente quer assim: que por intermédio dos jovens cientistas, esse programa possa ser progredido. Possa ser levados a frente o trabalho de vocês, daqui mais um período de ano, nós estamos esperando que aconteça um histórico dessa nossa terra, sobre os con!itos, como nós vivíamos antes e como vivemos agora. E nós, isso vai "car de recordação, vindo essa história, vindo o livro, vamos ter a recordação para nossos "lhos, nosso netos, bisnetos, tataranetos, essa história vai "car no arquivo por muitos anos. Vai !car gravada com certeza, essas minha palavra, as palavras do Antônio José, que é o Bibito, que é o Tuchaua aqui do Maquira; agora ele é conselheiro. E essa é a nossa esperança, lutar sempre, lutando pela população indígena. Izomar - Como foi para surgir o Pólo Base Maquira? Seu Antônio José e Seu Adema? Vocês podem explicar isso pra mim? Antônio José – Eu vou explicar um pouquinho sobre o pólo base Maquira, que hoje é um posto grande de saúde, um mini-hospital. Através das quatro aldeias, as lideranças acharam que era melhor aqui no Maquira, onde é, está plantado o pólo base Maquira. Aí nosso conselheiro distrital, Ralili, foi para Manaus, voltou. Conseguiu os materiais através da Coiab. A Coiab veio, deu as mãos para nós, com todo o carinho; recebeu bastante nós... A Funasa, a Funai... E aí começou o trabalho aqui no Maquira; atenderam num barracãozinho, ainda que a gente começou a construir, aonde foram as primeiras pessoas que vieram trabalhar para nós. Foi Simonete, ótima técnica de enfermagem; a Dona Rosinha também; e a Dona Delma. Essas foram as primeiras técnicas de enfermagem que trabalharam conosco aqui; todo mundo achou excelente o trabalho delas, gostaram muito. E daqui pra frente a gente começou a se reunir, a população começou a crescer. E os parentes começaram a se localizar nos lo76

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cais, e achamos que era melhor formar umas aldeias, que é mais distante uma da outra, aonde o Ademar, que é meu cunhado trabalha em uma, que é Correnteza. E daqui pra frente a gente está se dando muito bem. Agora tem umas equipes aqui no pólo, também, estão trabalhando bem. A gente precisa do auxílio deles, da assistência deles; eles prestam assistência na hora, não medem di!culdade. Tem enfermeira, Vaneska, também está trabalhando com nós aqui; o seu Francisco; Simone, que é nossa microscopista, e assim por diante. Temos em Itacoatiara, também, tem a Dona Edivane ... Dona Maria que também trabalha em Itacoatiara, na casa de apoio de lá, e quando a gente precisa eles estão prontamente pra ajudar nós. Izomar - Além dessas quatro aldeias, surgiram mais aldeias ou teve só essas quatro mesmo? Antonio José – Não; tem mais aldeias. Além dessas quatro, tem mais três aldeias que estão funcionando agora; e todas essas aldeias, elas vem para o pólo base Maquira, onde é o posto médico. Onde é o pólo base mesmo. Eles vêm pra cá; o paciente que tem passar por aqui pra ir pra Itacoatiara ou Manaus. Graças a Deus, já melhorou bastante. Izomar: Ao chegar essas equipes, elas foram bem recebidas pelas quatro, agora pelas dez ou não?9 Ademar - Lá no Correnteza, logo que surgiu as quatro aldeias e a equipe com trabalho - auxiliares de enfermagem, enfermeiro, doutora -, houve um con"ito... Porque... Na época que aconteceu com a equipe pra atender a população indígena... Os brancos... não permitiam, ou não aceitavam, o atendimento da saúde indígena por descriminação. Chegou uma época... um período aí de eles se manifestaram... Foi impedido na aldeia Unidos do Cana (...) Porque eles iam fazer primeiro Correnteza, depois iam fazer Unidos do Cana, a equipe de Saúde.(...) Esse con"ito aí foi um dos mais terríveis que aconteceu também ali no Correnteza e Unidos do Cana. Esse con"ito ouve e de lá pra cá, como eu falei, aconteceram as de9

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marcações e se conformaram e parou esse problema... Hoje a gente vive assim: mais tranqüilo, mas a gente não está melhor porque (...) não está recebendo a questão dos remédios. Também sempre acontece o seguinte: sobre o pagamento dos funcionários... Isso impede muito o trabalho do pro!ssional, até dos próprios agente de saúde, que é da comunidade, que é da aldeia. Nisso aí a gente está num impacto muito grande (...) E que essa entrevista até o momento que pudesse chegar ao governo federal, de quê que está acontecendo? E porque que está acontecendo sobre o recurso? Sobre o recurso da contratação dos pro!ssionais, da contratação dos A.I.S [Agente Indígena de Saúde]. Que é das aldeias e até agora está parado... Muitas vezes, a gente chega, não tem gasolina, não tem remédio, mas a eles têm boa vontade de trabalhar.. Sobre a equipe, eles tem boa vontade de trabalhar, mas não tem, assim, a contrapartida das próprias entidades, que eles estão precisando... Izomar: Muito obrigado" Seu Ademar, seu Bibito, por pegar vocês de surpresa assim... Por não ter como comunicar você antes pra se prepararem para essa entrevista, mas de qualquer jeito eu gostaria de agradecer pela atenção de vocês. Pela humildade de vocês que me acolheram aqui para fazer essa entrevista, e eu só queria agradecer vocês de coração. Meu muito obrigado" Se querem falar, agradecer a nossa equipe, a equipe de Manaus, a equipe do projeto, pode agradecer a vontade10. Sr. Antonio José - É eu quero agradecer também vocês também, jovem, que quero agradecer você pelo seu trabalho... Desempenharam bem os seus trabalhos... Gostei de ver" (..) Deus abençoe vocês pelo trabalho de vocês e o meu muito obrigado também" Ademar - Eu quero agradecer você pela sua entrevista (...) A gente, como indígena... A gente tem o costume da tradição, a gente usa com a gente no dia-a-dia. O que a gente já aprendeu, o que a gente aprende, a gente não esquece.. E a gente repassou o que nós passamos, o con!ito, a terra demarcada, a saúde diferenciada e... Quero agradecer o seu trabalho, não só hoje... Quero agradecer também o seu trabalho permanente. Entrevistas gravadas sob o registro JCA 23 de agosto Grav 1, arquivo: 011TRC_ HQ_05_02_2007 03_3905022007

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Que o seu trabalho não seja só a primeira vez, seja sempre continuado o seu trabalho, que você desempenhe ainda melhor e ainda melhor, desempenhando o seu talento como jovem; tem muito futuro pela frente (...) Quero agradecer você, a equipe de Manaus. E também quem criou esse projeto, por intermédio também da Beth... Que também foi uma pessoa muito batalhadeira para chegar a fazer também esse projeto, de fazer o resgate da cultura (...)Eu queria agradecer toda a equipe de vocês Jovens cientistas e também a equipe de Manaus. Eu agradeço a oportunidade! Izomar: Obrigado!

Caiá (Edjone Araújo)11 Iriane - Eu Iriane Bruno, bolsista do JCA - Jovem Cientista Amazonida, projeto Murawara - Memória do Povo Mura no Município de Itacoatiara. Em 4 de julho de 2008, estou entrevistando o senhor indígena Caiá, da aldeia Maquira e o mesmo vai falar um pouco sobre sua história. Iriane - Quantos anos faz que o senhor mora em terras indígenas? Caiá - Dezoito anos. Iriane - Qual é a sua etnia? Caiá - Saterê. O problema é o seguinte: eu moro há 18 anos na região do rio Urubu. Eu vim... a minha terra legítima é rio Andirá. Nós viemos do Rio Andirá quando eu tinha a idade de oito anos de idade... Nós tiramos do rio Andirá ao Rio Urubu (...) 22 dias a remo... E cheguemos na região do rio Urubu em 1982. ... Aqui na região do rio Urubu moravam cinco moradores... Cinco moradores.. entendeu? Morava o seu Chandico, seu Monteiro (...) Seu Nezito chegou a morar... Seu André... Seu Ventura... Esses foram os moradores que nós cheguemos e encontremos primeiro no Rio Urubu... Entrevistas gravadas sob o registro JCA 23 agosto Grav 2: 006TRC_HQ_-- e 014TRC_ HQ_-Hiléia - Revista do Direito Ambiental da Amazônia n0 10 |Jan - Jun| 2010

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Então, o problema da história do Rio Urubu... Por que foi nessa ocasião, nos voltemos do rio Andirá para o rio Urubu. Con!ito de muita guerra, entre Saterê e Munduruku (...) Porque aí nós nos refugiemos no Rio Andirá para o Rio Urubu... Aí no Rio Urubu nos sofremos problemas, di"culdades, muitas di"culdades... das outras coisas sobre doença... Sobre alimentação, isso aí era farto e ainda é até hoje, um pouco, né? Então para nós conseguir nosso café, nosso açúcar, nós fazia plantio de roça, fazia farinha, fazia tessume - que eu cheguei e não tecia mesmo; era a mamãe, o papai, meus avós... Nós íamos do Rio Urubu pra Itacoatiara... Cinco dias de remo nós tirava, de canoa carregada... Eles iam pra Itacoatiara; aí de baixada já era mais perto: tirava em três dias de viagem; fazia o rancho e voltava para o rio Urubu. Isso aí foi o primeiro sofrimento; mas existia mais... Não se via muita guerra, se via mais civilização entre o branco e os Mura... Por que hoje existe muito con!ito entre Mura e branco dentro do Rio Urubu? Por que eles não querem aceitar o índio... Muitos dizem: É índio, mas não quer ser, quer ser branco# Eu de minha parte nunca escondi minha etnia, não... Eu sou Saterê e não me arrependo, eu sou e sou mesmo. Então, por quê? Por que eu me orgulho daquilo que eu sou... Hoje em dia eu não uso, não falo minha tradição, porque se for falar no meio do branco, eu vou servir de caçoada. Então, por quê? Isso aí, como eu sempre digo, a nossa linguagem é só para nós mesmos... A nossa cultura dentro do Rio Urubu, tu sabe? É farinha, abacaxi, é roça né, o cará, banana, Mandioca... O material que o índio utiliza daquilo... Tucumã .... Em 1984 ainda existia muita fartura... No ano que nós cheguemos nem cachorro podia cair na água, porque tucunaré grande corria em cima. Comia# Comia mesmo, era verdade. A gente não podia cair na água, não. Então o que eu dizia? Ainda existia muita fartura... Ainda existia marca

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de guerra. Existia; até hoje ainda dentro do Taboca tem onde os índio se escondia, os Saterê, os índio Arara, os índio Amarelão, os Tikuna... Iriane - E até hoje ainda existe essas marcas, ainda? (...) Caiá - No Taboca, existe... Eu tinha a idade de doze anos... Quando o rio secava, que apareciam as caravelas, como se diz (...) As duas que assentaram em frente ao Taboca. Ali assentadas, as duas caravelas; que eu ainda cheguei ver. Só que antes disso, sempre o !nado (?) disse: meu !lho, daí mais um tempo isso aqui vai sumir. Isso aí não vai aparecer mais; que hoje vocês estão vendo, hoje em dia não vai aparecer mais; daqui mais um tempo isso daí vai sumir. Iriane - Olha só... Escuta só uma pergunta que eu vou fazer. E por que ele falava que ia sumir? Por causa dos moradores? Caiá - Não (...) Porque (...) ia existir muito atrito entre o branco e o índio... O mura... Porque o branco ia querer ver o que tinha dentro das embarcações, e o índio não ia aceitar porque pertence a nós, pertence ao nosso lado... É assentado do lado Mura; não é assentado do lado do branco; é assentado do lado mura, em frente do Taboca. E aí... Da minha época, nos matava peixe boi de machado, porque os urubus pegavam. Os urubus cercavam mesmo; !cavam baixo, !cavam baixo mesmo. Hoje em dia, não cerca mais como antigamente cercava, do ano que nós cheguemos... (...) Numa ocasião, que eu sempre digo... Hoje eu estava falando, sempre eu falo para os meninos: o que eu sei de história dentro rio Urubu" O que aconteceu com tucunaré grande? (...) Foi em 1986, em frente a boca do Cana chamado Barreira. Tu sabe desse nome? Não, nunca ouviu falar? (...) É uma área de terra entre a boca do Cana e o rio Urubu; ele se chamava Tabuleiro. É a região mais funda que tem entre a boca do Cana, falado Tabuleiro... Lá onde morava o seu Ventura. Iriane. Perto da mata, por ali assim? Caiá - Não" Não tem a boca do Cana? Não tem aquela ilha que !ca Hiléia - Revista do Direito Ambiental da Amazônia n0 10 |Jan - Jun| 2010

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naquela parte dali - quem saí do Cana, que dobra Miracucu? Não tem aquele barrancãozão fundo ali? Aquilo secava! Iriane - Meu Deus do Céu! Caiá - Aquilo secava, e o praiado ia lá embaixo (...) Em 1986, quando nós fomos para lá – nós eramos tudo rapaz, curuminzote ainda, curumim... Curumim não, que naquele tempo chamava Cunhã... Aí a cunhãzada saiu tudo para beira; só os veteranos #cavam lá em cima... Aí um menino de dois anos (...) desceu para tomar banho; e nós sobe e ele desce para tomar banho; em cima da ponte... Ficava lá fora assim, a ponte... Ficava lá fora a ponte... Era assim umas três horas da tarde, e o menino estava tomando banho em cima da ponte... Era pequenino (...), estava tomando banho.. Quando ele jogou três cuiadas na banda das costa, que ele se abaixou pra pegar a água com a cuia, aquela onda veio lá de fora assim ZzZzZzZzZ... Iriane - Ai, meu Deus! Caiá - Pegou ele... Isso o banzeiro pegou; nós corremos, já era! Com três dias ele boiou, o peixe boiou... (...) Iriane - Tadinho... Caiá - Tinha dois anos. Aí um, um veterano que chamava Fogoió, um chegou... Arpoou ele, o peixe, no poço; aí sentou. Aí puxaram o peixe, segundaram de arpoada nele; conseguiram matar. Que peixe era? Tucunaré grande. Isso foi em 1986. Então que existe, existia muita coisa, mas que hoje em dia não acontece mais porque não tem mais o que tinha antigamente. Quando nós chegamos, nós fazia bola; nós era curumim, nós fazia bola de ovo de tartaruga (...). Então, quer dizer, (...) muitos cuidados de meu avô com nós (...); não deixava nós sair pra canto nenhum. Era dentro de casa mesmo, porque existia muita onça, muita fera. Sobre onça – onça existia demais! Hoje em dia você não vê mais, por quê? Muita gente, muita habitado, quer dizer, as feras vão se afastando... Existia juma, existia mapinguari, tudo isso existia. 82

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Iriane - Será que isso existe ainda ali no Maquira? Caiá - Só pode existir naquele grito que passa (...). Aquilo tem.... Tu te lembras aquela vez que fui atrás do Biro, eu morava lá dentro da cabeceira? Pois é, aquilo é outra coisa, aquilo é um juma. Porque só pode ser, porque o grito é demais forte. Quando grita assim... Quando ele gritava assim, chega arrepiava. Quando ele gritava, a casa tremia, cara, tremia mesmo. Foi porque eu tirei minha casa de lá, porque era perigoso ali. Eu saia, só !cava a mulher com as crianças, aí se tornava perigoso. Hoje em dia não existe. Pode, se existir, ele ainda pode existir porque eu não sei se já mataram ele, ou se já morreu... Porque não mais eu ouvi grito, nunca mais ouvi grito, movimento de nada. Naquele ramal, naquele caminho de varar Urubu e Correnteza, é perigoso, perigoso mesmo. E aí, o que acontece? Antes de nós chegarmos aqui no Rio Urubu, existia português, os portugueses e os Mura. O que acontecia? Os portugueses, quando nascia um !lho homem Mura, eles mandavam matar. Iriane - Por quê? Caiá - Para não existir outro. Para não existir outro cacique, para não existir outro coronel. Só existir um. O !lho homem, quando eles sabiam que a mulher tinha descansado !lho homem, eles mandavam pegar, mandavam iscar - iscar e jogar no meio do rio, para puxar piraíba.... Dentro do Rio Urubu existe piraíba. Caiá - É um peixe, peixe grande... (...) Os índios eram muito mal tratados, tacavam fogo; os índios se refugiavam, aí quando os portugueses iam embora eles tornavam a voltar para área deles de novo (...). Porque às vezes, muita gente não fala o que tem de falar; porque sente medo de falar. Eu... Se for para chegar uma pessoa, para chegar comigo pra fazer qualquer coisa, eu não vou contar porque eu sinto aquele receio, aquele medo, porque existia, teve muita guerra. O nome do rio Urubu não era Rio Urubu. Iriane - Qual era o nome?

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Caiá - Vila das Pratas (...) Era. Chamava Rio das Pratas; era o rio Urubu. Por que pegou esse nome de Rio Urubu? Porque morreu muito índio, morreu muito português. Ai os urubus comiam gente que nem comem peixe. Aí se tornou o rio Urubu. (...) Nós éramos muito perseguido por eles, era mal tratado... As mulheres, quando as barcas vinham dentro do rio Urubu, as mulheres corriam... Não !cava ninguém dentro da casa; corriam tudo para o mato; se escondiam.. Porque se eles pegassem, eles matavam: matavam os homens, matavam as crianças; só levavam as mulheres. As mulheres que eles queriam; os homens eles não queriam não (...) Iriane - Então eu agradeço pela entrevista. Muito obrigado pela atenção" Rosenilson - Eu, Rosenilson Bruno dos Santos, bolsistas JCA Jovem cientistas Amazônida, Projeto Murawara: Memória do Povo Mura do Município de Itacatoiara. Em 04 de julho de 2008, estou entrevistando o senhor indígena Caiá, da aldeia Maquira. E o mesmo vai falar sua história indígena nesse momento. Sr. Caiá, como era antigamente para surgir a demarcação do povo Mura e Sateré?12 Caiá - Aconteceu sobre a demarcação... Entre branco e Mura, existia muita briga entre branco e mura, briga de terra. Os brancos iam se apossar das terras dos Muras; os Mura não queriam os brancos se apossando aqui, da sua própria terra (...) Por que os brancos e os muras se matavam? Era por causa disso... Rosenilson - Por causa de terra? Caiá - Por causa de terra... Porque o branco queria desmatar, queria destruir a #oresta que pertencia ao índio, e o índio não aceitava isso. Porque você sabe que o índio vive da pesca, da caça, da sua roça, do seu plantio, então o mura se achava prejudicado sobre isso. Nós, Mura, achava prejudicado sobre isso. Então por que foi que nós pedimos a demarcação de terra, dividir a área, demarcação da terra entre o branco e o mura? 12

Entrevista gravada sob o registro 014TRC_HQ_-- (JCA 23 de agosto Grav 2)

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Rosenilson - por causa desse con!ito que estava acontecendo? Caiá - Por causa desse con!ito que estava acontecendo. Rosenilson - Você estava com as pessoas fazendo esse trabalho? Caiá - Estava. Rosenilson - Onde começou a demarcação? (...) Caiá - A demarcação começou... A primeira vez, em 2002, começou no Limão, aí fomos embargados. Os índios foram embargados na demarcação da terra; chegaram com arma em cima de nós; "zeram nós parar o pique. Nós voltemos... Eles estavam armados; nós estávamos desarmados. Nós não íamos brigar com eles que estavam com arma. Rosenilson - Vocês estavam apenas fazendo um trabalho? Caiá - Eu apenas estava fazendo um trabalho. Aí nós paremos com o pique; nós voltemos. Em 2004, 2003, veio a segunda turma para nós demarcar a terra... Fomos para o Limão de novo (...) de novo a demarcação. Fomos tornar, fomos embargado de novo... Porque não foi nenhum alto federal com nós; fomos só nós, e os engenheiros, os que vieram com eles... Aí nós se achemos ameaçados; e falaram para nós: ‘se nós tentássemos de novo voltar para demarcação da terra, eles iam matar nós. Nós não íamos mais voltar vivos ’. Rosenilson - Eles que falaram? Caiá - Eles que falaram para nós. Aí nós paramos; nós voltamos de novo. Aí em 2004 veio a última demarcação, que veio a Polícia Federal... Aí, eu acompanhei isso desde o começo; desde o começo que surgiu a demarcação de terra, entre branco e mura. Aí começou o primeiro pique, começou... entre a Boca do Guariba; o pique começou lá. Começou, nós comecemos era umas 9:00hs da manhã; a primeira, o primeiro pique nós comecemos; Boca do Guariba, Correnteza. Quando foi umas 10:00hs da Hiléia - Revista do Direito Ambiental da Amazônia n0 10 |Jan - Jun| 2010

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manhã, nós fomos embargados. Só que a Polícia Federal já estava com nós; nós estávamos acompanhados. Aí foram lá com nós, pedir para nós embargar, para nós não fazer o pique, porque nós ia se dar mal ; que se nós começasse a voltar a fazer o pique, eles iam matar nós. Então, como nós estávamos bem guarnecido com os homens da Federal que estavam lá, nós continuemos nosso trabalho (...). Nós passemos o pique da Boca do Guariba... Parou na cabeceira do Palhao. Do Palhao, começou na cabeceira do Palhao; lá foi en!ado um marco; lá tem um marco e a placa. De lá do Palhao... Furo Grande, um igarapé chamado Furo Grande. No Furo Grande (?) tem outro marco, outra placa. Aí do Furo Grande, corta, vai para o igarapé da samauma, igarapé do tarumã chamado Samauma; lá !ndou o pique. Aí pra cá já não !zemos mais, porque já o pique já era o rio, o igarapé (...) Da cota do Urubu, é a extrema. Roseninlson: Onde foi terminado? Caiá - É, !ndou na cabeceira (...) Então o pique já era o igarapé;(...) do lado esquerdo !cava a área indígena; do direito pertencia aos brancos. Rosenilson - Eles dividiram no meio? Caiá - Dividiram no meio. Então nessa área aqui !cavam os brancos; na outra área !cavam Mura. Aí o igarapé correndo; Paranã do Rio Urubu descendo no Paranã do Araotó. A extrema era o igarapé. Cheguemos no Limão era umas 6:00 horas da tarde (...) Aí comemos; dormimos. Quando foi de manhã, nós saímos para fazer o pique no mesmo dita paragem que nós comecemos o pique... Rosenilson - Continuaram de novo, no outro dia? Caiá - No outro dia, já lá no Limão, nos fomos, retornamos lá da primeira vez; comecemos o pique lá. Nós fomos embargados de novo; o pique. Que o pessoal já não estava mais com nós; tinham ido para Itacoatiara. Iam chegar para as 10:00hs. Aí como prometeram de matar nós; aí nós voltamos para o barracão de novo. Aí quando eles chegaram, nós contamos a história para eles. Quem era o manda-chuva (...) o fazendeiro 86

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forte lá, andava com pistoleiro; esse fazendeiro que não deixava a gente fazer o pique. Aí foi, ligaram para polícia federal que os fazendeiros chegaram ... Aí quando foi umas dez horas, eles chegaram e perguntaram para nós porque nós não tinha feito o pique. Aí nós falemos: ’nós não !zemos o pique porque fomos embargados desse jeito; eles vieram aqui e prometeram nós; então nós paremos’. ‘Mas então bora continuar o pique" O pique vai sair de um jeito ou de outro’. Rosenilson - Mas tinha que sair. Caiá - Mas tinha que sair o pique, como eles falaram para mim: ‘Vai sair; nós viemos preparados para isso, nós estamos sendo pagos para isso, ou matar ou morrer, mas vai sair esse pique"’ Só que o dono que era o fazendeiro, ele estava para Itacoatiara; ele foi lá e ligou para ele (..). E disse: rapaz é o seguinte, vão passar o pique com os homens da Polícia Federal... Eu queria que você viesse aqui com nós. Ele respondeu que não vinha; ele não vinha (...). Ia ser pior para ele, que ele ia estar desobedecendo a lei e a ordem. Daí, vieram; ele veio, eles conversaram lá que ia passar o pique. Quando ele foi embora, ele mandou os pistoleiros virem para poder matar nós (...) Aí foi quando a Polícia Federal pediu reforço daqui de Manaus para lá. Quando deu umas duas horas da tarde, o avião pousou na boca do Limão. Tapou a boca do Limão. Foi pousado n’água o avião; foi tampado lá, a boca do igarapé. Ai ele viu que o negócio ia pretejar para o lado deles, pronto ... Rosenilson -... Liberaram... Caiá - Liberaram... Eles foram lá, prenderam armas, espinguarda, terçado... Aí pronto, nós passemos o pique. Aí começou o pique do Quelé - no Rio Amazonas, chama Quelé... Do Quelé para o Maquira, o igarapé... Aí corta, do Maquira,o Igarapé, vem beirando o Araotó ali; chama Araotó, mas é mais conhecido como Maquira, o Igarapé. Aí entra do Araotó, do Quelé vai para o Maquira e acompanha o Araotó ali; aí entra, corta a margem da mata, e vara o Lago do Tapira. A extrema é o lago do Tapira varando para o Urubu. Rosenilson - Vai sempre só por um lado? Hiléia - Revista do Direito Ambiental da Amazônia n0 10 |Jan - Jun| 2010

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Caiá - Só de um lado. A extrema já é o Urubu; na hora que entrou na cabeceira do Tapira, aí corta, a extrema já é um lago; Lago do Tapira, e vara no Urubu; lá !ndou. Aí volta, já voltemos de novo para a Aldeia Maquira, onde a gente estava acampado. Aí fomos fazer do Fortaleza, ramal do Fortaleza. A gente varou do ramal do Fortaleza, cabeceira do Guariba, Urubu... comecemos outro pique... Rosenilson - Esse Guariba !ca lá na boca do Ramal? Caiá - Na boca do Ramal, ramal do Braga (...)Do Correnteza... Rosenilson - Vararam por trás? Caiá - Varamos por trás dele; é a extrema da área indígena e da área branca é o igarapé (...) Porque essa área indígena que vai passando, parece que... eu não sei se é cinquenta ou cem metros, daqui do ramal do Fortaleza, atravessando a pista para o outro lado... da vicinal do Novo Remanso... Atravessa para o outro lado, ali... uns 100 metros ela atravessa... para o outro lado da pista Rosenilson - Daqui vocês já !zeram a curva lá, aí já voltaram para cá, e foram para trás do Guariba... Caiá - ... do Guariba..Isso. Rosenilson - Aí de lá do Guariba é terra indígena... Caiá - ... Tudo é área Indígena... Porque a extrema lá é: Guariba, Correnteza, Palhao, Furo Grande...e igarapé do Samaúma...Isso aqui é as extremas entre branco e índio... (...) Rosenilson - Só que não morreu ninguém nesse con!lto...? Caiá - Não. Teve problema assim no começo, mas depois eles viram mesmo que (...) E muitos brancos saíram, deixaram a terra. Eles não iam mais brigar contra o índio, contra o Mura. A terra foi homologada, 88

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foi demarcada, então pronto (...). Então, é isso que eu tenho de falar. Rosenilson - Já que é só isso, eu quero agradecer um pouco da sua atenção, que foi ótima... Caiá - Precisando da gente, a gente está aqui mesmo para colaborar com vocês. O que precisar de mim, eu estou pronto a ajudar.

2.6 Nova União Idália Leite Farias Dayana - Eu, Dayana da Costa Aguiar, Bolsista da Nova União, estou aqui a (...) Dona Idália Leite Farias. Então ela vai me contar a sua história do passado e agora do presente (...) Idália - Nós morava lá no Amazonas, na Boca do Padre. E nós saímos de lá por causa da cheia também, né? E se mudemos aí para o Araotó. Mas também ali era massapé, mas foi no fundo. E quando foi... A água foi quase parar na travessa da casa. Ai apareceu uma família lá; aí conduziu nós para pra cá, pro Rio Urubu. Aí nós fomos lá pra casa dela. Aí continuamos a trabalhar lá, lá pro Cana. Moramos, ai !zemos nossa casa e !camos morando lá. Por !m, é que meu pai tornou vim e já veio pra cá pro Sucuriju. E eu já !quei pra lá, morando lá, na minha casa já, já tinha me casado. Ai foi em tempo que o meu marido morreu e também voltei com meu pai de novo. Já vim pra cá. E daqui não saí mais (...) Me casei de novo com ele. Ai, eu to vivendo. Acho que a minha vida foi essa? Coisa ruim, só mesmo da cheia que nós corremos da várzea pra terra rme. Dayana - E o que a senhora encontrou quando a senhora veio pra cá? Hiléia - Revista do Direito Ambiental da Amazônia n0 10 |Jan - Jun| 2010

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Idália - Pra cá, rapaz, a gente, a gente encontra umas coisa ruim, mas isso daí a gente esquece, ninguém pode, ninguém nem se lembra de falar mais isso, né? A gente quer saber de ir pra frente. Eu não sei mais contar, a minha história eu só conto do sofrimento que a gente passava, correndo da água pra terra rme... Mas nós vencemos. Dayana - Ah, hoje pra cá mudou muito? Do tempo do passado pra hoje mudou muito? Idália - Mudou, graças a Deus. Dayana - Então pronto, Muito obrigada Dona Idália da sua entrevista13.

Maria das Dores Lima Cordovil Dayana - -Eu, Dayana Costa Aguiar, bolsista da Nova União, to aqui entrevistando a dona Maria da Dores Lima Cordovil, ela vai nos repassar um pouco de sua história(...) Maria: Ai eu vim pro interior; ai do interior, to até hoje no interior, ai houve esse negócio de, da área indígena né? Ai tem a minha prima lá no Arauató, ai eles andaram por lá tudo; aí me falaram, ai muita gente disse -“ah por que isso, por que aquilo” Ai eu peguei, quando foi um dia, ela apareceu em casa. Eu falei pra ela, eu digo: olha, eu vou me associar, Ela disse: - Tá. Dayana - Que é a Aldenora, né? Maria - Ai eu me associei lá no Arauató. Ai quando foi depois, foi o tempo que eu vim pra cá pro Urubu. E a gente na várzea, e nunca !quemos na terra !rme, né? Ai eu vim pra cá, pra terra rme, ai foi o tempo que o meu irmão Pedro, ele falou pra mim, eu disse: E agora? (...) Ai foi quando a ApareEntrevista realizada em 07/01/2008. Gravação 001Dona Idália_SP_14_01_2008 00_3514012008.

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cida apareceu, ai eu me cadastrei com ela, ai estou aqui (...) Minha !lha também se associou lá, daí ela passou pra cá, ela está morando aqui (...) Dayana - A senhora morava na beira do Amazonas né? Maria - Morava na várzea... Dayana - E por que a senhora saiu de lá? Maria - Por causa da água, né? Por causa que a gente lá, a gente planta, todo tempo está reformando (...) Quando enche, a gente !ca, como diz o povo, “na maromba”, né? A gente ca na maromba, cuidando dos animais da gente em cima d’agua" Outros caem n’água, morre afogado, sucuriju vem e pega, a gente !ca assim. Ai, como meu !lho tirou essa área aqui, ele disse: - Mamãe é melhor a senhora ir pra lá. Está bom; aí eu vim pra cá (...) É melhor do que na várzea. Na várzea é bom que dá tudo; tudo que a gente planta, dá; a gente consegue. Aqui não dá tudo que a gente planta. Poucas coisas que dá, pelo menos só a roça né, a roça que dá. As outras coisa é mais difícil, Melancia também, ela dá. Agora eu plantei milho, só que milho não foi. Menina, a planta estava deste tamanho, o pão deu que !cou só o bagaço" Amarelou tudinho nessa beirada aí, lá embaixo né? Meti ai milho, mas não prestou não. Dayana - Com quantos anos a senhora ta morando aqui Dona Maria? Maria - Aqui faz 6 anos, efetivo mesmo, é somente 2 anos efetivo. Agora, eu morava aqui, mas ia pra várzea plantar, a casa !cava aqui, aí quando vinha a água, eu voltava pra cá. Aí resolvi fazer uma melhorzinha ainda, pra !car logo aqui mesmo. Porque a gente ia pra lá, o animal da gente !ca doente, lá vem tudo pra cá. E assim a gente !ca aqui mesmo... Dayana - Quando a senhora veio pra cá, já tinha algum morador antigo que vivia aqui e quando a senhora veio pra cá, não tava mais? Maria - Não, aqui os antigos foram embora de uma vez, não mora aqui nenhum dos antigos.. Hiléia - Revista do Direito Ambiental da Amazônia n0 10 |Jan - Jun| 2010

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Dayana - O que a senhora encontrou aqui que eles deixaram aqui? Maria - (...) Nada, não encontrei nada. O que !cou aqui deles, dos que moravam nessa área de terra, foi só aquela casa grande lá, a comunidade, foi o que !cou aqui... Que agora até a comunidade morreu. É mana, que agora não tem mais nada... Nem a Novena de São Sebastião não existe mais, esse ano não teve nada (...) Dayana - - Onde a senhora nasceu? Maria - Ah, onde eu nasci? Foi lá no Arauató. Lá que eu nasci. De lá que eu sou !lha, de lá do Arauató (...) Dayana - A senhora já andou assim em outros lugares? Já andou muito por ai? Maria - Ah eu andei" Eu andei até em Santarém (...) Dayana - E com quantos anos a senhora ganhou o seu primeiro bebe? Que a senhora teve? Maria - Meu primeiro bebe que eu ganhei, eu tinha 17 anos, a minha !lha mais velha; eu tinha 17 anos quando ganhei a primeira !lha. (...) Dayana - Quando a senhora teve a sua primeira !lha, a senhora teve muita di!culdade pra sustentar, pra criar? Maria - Não. Não, porque meus pais me ajudavam né? Ai, eu não encontrei di!culdade porque meus pais me ajudaram a criar. Eu trabalhava, todo tempo eu sempre gostei de trabalhar, trabalhava por ai, trabalhava no interior mesmo com a minha mãe fazendo roça, no plantio, essas coisas... E eu ajudava eles, e me ajudavam também, aí eu criei ela. Assim que foi minha primeira convivência, da minha primeira !lha, foi assim. Trabalhava... Depois a minha mãe precisou, queria que eu deixasse com ela a menina, ai eu deixei com ela e eu fui me embora (...) meu caçula, agora ele já está homem, é dono de si, já tem família. Minha convivência 92

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foi assim; minha passagem foi essa. Dayana - E a senhora pode me dizer, como era a vida dos seus pais, se eles contam uma história pra senhora como que era a convivência deles ? Maria - A convivência do meu pai com a minha mãe, antes de eu existir, eles vivam assim de pobreza mesmo. Só que meu pai viajava, ele trabalhava na lancha, uma lancha que viajava pra Porto Velho, ele trabalhava nessa lancha e minha mãe cava - nesse tempo nós morávamos no Arauató, - e minha mãe !cava em casa trabalhando pra sobreviver também. E aí eles me criaram assim, trabalhando, lutando pelo interior mesmo. Quando ele viu que não dava mais certo dele viver assim, ele pra lá e ela pra cá... Aí ele abandonou o emprego dele que ele tinha ai, ele veio ajudar ela a nos criar. Foi aumentando a família e antes dele formar viagem, viajar, ele trabalhava em balata ele, tirava balata. Aí nesse Rio Urubu ai pra cima, pro lado da, Lindóia, ali pro lado daquelas.. como é que é o nome daquele negócio pra lá, ai meu Deus do Céu, pras cachoeiras... Iracema, Lindóia, pra lá, nesse tempo era tudo mata. Não existia, o que hoje existe ai dentro, trabalhava pra nos dar. E ai fomos crescendo, crescendo, todo mundo foi cuidando da sua vida, aí foram !cando os dois e até hoje graças a Deus, estão lutando. Dayana - De onde eles eram, os seus pais? Maria - São daqui mesmo. O meu pai, ele é !lho lá do Conceição; a mãe dele morava lá, a mãe do meu pai. Da minha mãe também; de lá, minha mãe morava lá no Santo Antônio, para lá, de lá que a minha mãe é !lha. Meu pai morava aí. Agora os familiares do meu pai (...) é cearense, só que eles moravam aí; minha avó, a mãe do meu pai e da minha mãe, vieram do Ceará pra cá pro interior... Sabe Deus por onde eles não andavam ai nos altos... Ai pelos altos por ai, tirando seringa ai no seringal,aí foram se espalhando tudo, aí eles !caram, o resto !cou por aqui. Agora a geração da minha avó, mãe da minha mãe, é índia, que a mãe da minha avó, minha bisavó, ela era índia, ela era !lha dali de Parintins. Dayana - E essa sua avó contava assim historia de quando a senhora era mais jovem? Hiléia - Revista do Direito Ambiental da Amazônia n0 10 |Jan - Jun| 2010

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Maria: Não, ela nunca contou assim história pra gente... Porque essas pessoas antigas; era difícil eles contaram as coisas pra gente. Conversar assim como hoje a gente conversa com os !lhos da gente. Era muito difícil eles conversarem assim com a gente; muito difícil. A nossa geração foi assim, a geração da mãe da minha avó foi assim, de Parintins. Agora ela não contava assim historia pra gente, era difícil, ela não conversava; os antigos não conversavam com a gente assim não. Como hoje a gente pega os !lhos da gente, chama, conversa, conta, pergunta como era a vida, ela nunca contou pra nós, nem pra minha mãe mesmo ela nunca contou a vida dela, a historia (...) Às vezes. Uma vez só que ela disse que a geração dela tinha começado de índio, que a avó dela, avó da minha avó que era índia. Já a mãe da mamãe, a mãe da minha avó, !lha dela, era índia .(...) É, é uma mistura de índio com cearense... Que a minha avó, Deus o livre, eu queria que tu visse ela falar" Falava tudinho, tudinho mesmo, a fala dela (..) era, minha avó era assim Dayana - - Muito obrigada Dona Maria pela sua entrevista, está bom?14

Entrevista realizada em 15/01/2008, 002Dona Maria Cordovil SP_14_01_2008 21_3114012008.

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João Batista Portelo de Lima Dayana - Eu, Dayana da Costa Aguiar, JCA da Nova União, estou aqui entrevistando o Seu João Batista, então vamos repassar um pouco de sua história. João Batista - Bom, eu vou começar a contar minha história (...) Nós moravam na beira da Amazonas. Eu nasci aqui no Cana, mas nós viemos lutando e viemos com meu pai, viemos até ai a beira do Amazonas, que chama Boca do Padre, ai nós trabalhamos muito... Não conseguiu melhora nenhuma da nossa vida, ai viemos aqui pro Rio Urubu, que era falado, que era muita fartura... E sabe que era muito farto, muito farto mesmo. Quando nós chegamos aqui, e aqui nós estamos morando, era uma melhora pra mim, até agora, Graças a Deus. Pelo menos, só não foi melhor porque eu estou eu e a mulher; meu irmão e meu pai faleceram, minha avó. Minha mãe também foi embora... Então, sou eu e uma irmã minha, e a mulher. Então aqui eu estou trabalhando, graças a Deus, estou me sentindo muito bem (...) Eu conheço o Rio Urubu, acho que todo mundo conhece, que é um rio muito farto. Pra mim é... Eu acho que aqui, onde eu me criei, eu não sei se vou nele até o !m da minha vida, mas espero que vou !car, não sei. Deus é quem sabe, se Deus permitir (...)Mas a gente vai vivendo; a gente não pode viver (...) melhor por que a gente não tem condições; tem que viver conforme as providências de Deus, o que o Deus quer. Mas até agora graça as Deus, estamos nos dando bem, dona Dayana, eu acho que é só isso que eu tenho que falar. Se tiver alguma dúvida, a senhora me pergunta que eu vou lhe responder. Dayana - Quantos anos o senhor está morando aqui no Rio Urubu? João Batista - Rapaz... Mais de quarenta anos, mais de quarenta anos, logo que nós entramos aqui, talvez até mais... Eu acho que... Eu estou calculando assim, fazendo uma base desses quarenta pra lá, porque só eu Hiléia - Revista do Direito Ambiental da Amazônia n0 10 |Jan - Jun| 2010

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com a mulher, tem mais de vinte anos, quase trinta anos com ela (...) Dayana - - E quando o senhor veio pra cá, o senhor encontrou alguma coisa assim indígena... que eles deixaram aqui? Porque eles andavam muito... aí deixavam coisas, desenho no barro. Essas coisas... Quando o senhor veio para cá, o senhor encontrou alguma coisa? João Batista - Primeiro quando nós cheguemos moremos ali embaixo, aí ninguém tinha terra, aí trabalhamos no terreno do seu Rubens né? Mas era dele, ai eu sei que seu... Pedro Carvalho deu um pedaço de terra aqui pra cima pra nós, ai ninguém tinha terra, nós era... nós conseguimos um pedaço de terra. Mas graças a Deus chegou um senhor que tinha essa terra aqui, que é terra preta. E essa terra, eu tenho certeza que é terra de índio, terra dos Mura. Então, (...) eu achei muitas coisas. Primeira coisa que achamos foi uma panelinha naquele porto bem ali. Achamos cabeça desenhada de tartaruga, achemos cabeça de macaco, achemos pires de barro e muitas coisas que ninguém prestou atenção. Mas isso aí eu tenho certeza que isso aí foi tudo trabalho deles, dos índios. E outra, semana passada, nós fomos fazer um banheiro com o Paulo. Aí o Paulo achou uma panelinha assim, uma panela, mais ou menos com dois palmos de fundura, ele achou uma panelinha que tem assim, ele calculou assim que seria um bocado de osso, né? Agora não sei do que era, se era de gente, ou era de bicho, uma panelinha assim que eles cavaram e enterraram (...) mas já tava ali há tanto anos... (...) se quebrando todinho, saindo aquele pó! Então Dona Dayana, tem muitas coisas é porque a gente não presta atenção, tem muitas coisas que... dessa terra preta. Então acho que aqui nós estamos morando, vez em quando a gente acha uma coisa, só que ninguém guarda né? (...) Aonde às vezes tem até serventia... João Batista – Olha, muita gente... Veio um senhor de Manaus uma vez aqui procurar, fazer procuração dessas coisas, né? Eles queriam que a gente... Caso achasse, desse preferência 96

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até comprar. Mas isso aí ninguém ligou. Então dona Dayana, acho que é isso ai, o que eu entendi é isso... Dayana - Você andou muito tempo com a Dona Ana em outros lugares? João Batista - Não, Dona Dayana, ninguém andou muito, não. Nosso andar foi aqui mesmo pertinho, foi pra Itacoatiara, Itacoatiara pra cá. E outras viagens que nós !zemos, foi uma viagem “rapidazinha” de um dia, ninguém andou muito não, nossa convivência mais é aqui mesmo, desse jeito (...) Dayana - Por que o motivo que o senhor saiu de lá do Cana? João Batista - É porque ninguém tinha terra. Aí nós procuramos nossa melhora lá pra fora, mas também não deu certo. Ai nós tornemos a voltar de novo aqui pro Rio Urubu. Até que nós conseguimos arranjar um pedaço de terra; até agora nós estamos aqui (...) Dayana - É, os seus pais, de onde eles são? João Batista - Olha, o meu pai... Só que eu fui criado com o padrasto, quer dizer que o seu Atílio é o meu padrasto. O meu pai mesmo, ele mora na mataria, meu pai mesmo, verdadeiro. Só que quando nós viemos, eu já nasci aqui no Amazonas, o meu padrasto, ele é mato-grossense, é do Mato Grosso. E meu pai mesmo é do Peru, ele é peruano, então eu sou !lho de peruano. A minha mãe é peruana, a minha avó é peruana. Só ele que é mato-grossense, Arigó, né? Então, é isso que é o motivo do meu pai (...). Dayana - Pois é, o senhor foi criado com seu padrasto o seu Atílio, não é? Ele contou alguma historia assim dos antigos, porque ele era velho por aqui, não é? Ai ele repassou alguma historia pro senhor, contou alguma história, o senhor lembra assim pra me repassar? João Batista - Olha, a história que ele contava pra nós quando ele estava assim meio alegre, quando ele estava bem bacana (...) tudo ele conHiléia - Revista do Direito Ambiental da Amazônia n0 10 |Jan - Jun| 2010

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tava mais dos Altos, de onde ele trabalhava. Que quando ele chegou na Amazônia, ele também encontrou muita di!culdade na vida dele, com nós, ele lutou muito, ele viu as coisas meio difícil. Tinha horas que dava vontade dele voltar de novo pra lá, pra terra dele. Mas ele já tinha voltado, e o dinheiro era difícil. Aí ele conseguiu parar aqui mesmo na Amazônia mesmo e aqui nós estamos; era a história que ele contava. E quando ele chegou aqui, ele contava também... Eu não me lembro, mas ele contava para nós que ele ainda chegou a alcançar muitas pessoas antigas, que contavam que aqui era muito farto aqui, que era respeitado, que tinha muito índio. Aqui a gente não podia entrar no rio... Podia entrar, mas às vezes quando voltasse, era... Às vezes era malária, dava muita malária aqui nesse rio, muita mesmo... Muita fera, onça. Muita fartura de porco... Muita coisa ele coisa ele contava pra nós, e foi por isso que nós viemos pra cá e estamos aqui. Nessa história que ele contou e contava pra gente, até agora nós estamos aqui. E ele faleceu e nós !camos aqui no Rio Urubu. Nós estamos aqui até agora. Dayana - E a sua mãe? Ela andou muito por ai também? João Batista - Olha, a mamãe ela andou muito. A mamãe andou muito com a mãe dela. E elas andaram muito ai sobre esses Altos, seringal, tirando sova. E ela vinha lutando muito, até que chegou um dia que eles saíram pra colher a sova. A minha mãe era pequena, aí ela, em vez de ir pelo caminho certo, ela foi pro caminho errado. Aí ela se perdeu e não prestaram atenção nela, quando deram falta dela, eles vinham com a sova, com o leite na cabeça e pensavam que ela vinha atrás, quando eles deram, que olharam pra trás, hum" Ela tinha !cado muito longe. Aí nessas altura, a velha !cou meio assim... Dayana - Traumatizada? João Batista - É. Aí voltaram, e conseguiram, e não acharam a minha mãe. Andaram mais ou menos, umas quase três horas, e conseguiram e foram achar ela mais ou menos quase com umas três horas de viagem, ela ia já entrando pra outra estrada, pra outro seringal. Mas até que conseguiram achar ela no meio de viagem, ai eles voltaram de novo pra casa (...) 98

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Dayana - Que tipo de caça que seu pai topou quando veio pra cá a primeira vez? João Batista - Rapaz, quando ele chegou pra cá, o que tinha muito que eu me lembro era porco, anta, onça. Fora as caças miúdas (...) macaco... Paca, isso ai a gente matava por brincadeira. Tinha demais. Muito mesmo. Tinha fartura de peixe: pirarucu, tambaqui, isso tinha à vontade, você escolhia o peixe que queria comer. Para ver como !cou tão difícil hoje em dia para gente comer; é difícil. A gente já come aqueles peixinhos que a gente não comia. E hoje em dia... Para ver, quem alcançou esse rio, para hoje em dia, come o peixe que a gente não comia; agora a gente come. Porque não tem; acabou aquela fartura. Principalmente a caça. É difícil. Se a gente quiser comer um peixe mais, assim um tambaqui, um pirarucu, a gente tem que comprar dos outros, que a gente não podia comprar e a gente está comprando agora, dentro desse próprio rio... Dayana - Por causa dos pescadores? João Batista - ... Dos pescadores, que tiram o peixe daqui, pegam o que a tente não tem.. É o jeito a gente comprar; às vezes, a gente não pode ir atrás, é difícil. O jeito é comprar... Dayana - E o seu pai não lhe contou assim, se ele lembra, quando ele veio para cá, o motivo das guerras com os índios também? Porque existiam muitos índios que sumiram, né? João Batista - Bem, isso aí, Dayana, eu tenho um livro aí. Eu não sei bem ler; o pouquinho que eu sei, essa história é muito grande desse rio, olhe... Onde está as Pedras, eu acho que é três Pedras... E o pessoal conta que, quando os índios eram bravos aqui, que se formou uma guerra, uma guerra muito grande. Que mataram muito, muito índio mesmo. Que esse rio, por isso que chamaram rio Urubu. Porque quando eles mataram, o pessoal veio, o exército veio para matar os índios, mataram muitos índios... Conta, eles contam que essa terra !cou igualmente uma cachoeira, de sangue... Então, deu tanto urubu que não tinha quem entrasse nesse igarapé, de tanto urubu. Aí então por isso que !cou como, Hiléia - Revista do Direito Ambiental da Amazônia n0 10 |Jan - Jun| 2010

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eles colocaram rio Urubu. Mataram muito índio; (...) que o sangue corria igualmente uma cachoeira. Assim eles contam, e até no livro está escrito assim. Que eu lembro é assim. Dayana - Eu queria que, se o senhor leu a história do livro, o senhor lembra mais ou menos o que o senhor leu? João Batista - Dayana, eu estou esquecido... Do pouquinho que eu li... Primeiramente eu ainda me lembro que lá embaixo, lá... Caretas que chamam, né? ... Tem as caretas... Aí o próprio, o homem que fez esse livro... Eu esqueci o nome dele; até o nome dele está aí nesse livro... Ele diz que essas caretas, nessas Pedras, foram feitas pelos índios aquelas caretas. Os índios que !zeram, os Mura, que lá também tem outra terra preta, lá nas caretas. Aí eles disseram que o rio mais rico do Brasil, que tem, é o rio Urubu. Essa área do Brasil aqui, do rio Urubu. É a área mais rica que tem do rio Urubu. Eles disseram que lá nas caretas tem... Eles calcularam assim igualmente um encante, entendeu? Igualmente um encante... Aí eles disseram que tem... eu não sei se é uma serpente, ou é uma coisa... que pelo menos a costela dela, desse animal, dá pelo menos uns cinqüenta metros. Só a costela do animal" Aí, outro também diz: que o nosso, esse petróleo, essa riqueza que tem, os estrangeiros estavam quase tomando conta dessa riqueza por debaixo da terra. Então, quando descobriram, os presidentes, o governo... Descobriram que o estrangeiro estava puxando essa riqueza, aí eles deram em cima, até que eles conseguiram parar de tirar essa riqueza. Isso é que eu me lembro? Dayana - O governo, como o senhor disse, quando eles descobriram, eles ajudaram ou botaram para baixo, enterraram aqui no rio Urubu? João Batista - Aí eles !zeram o seguinte: aí eles pararam, daí mesmo não funcionou mais para frente. Eles (...) mandaram os estrangeiros pararem, então está parado agora, essa riqueza, esse minério que está aí. O que eu ouvi de estar falando, eu escutei essa história, eles contando, o pessoal falando. Aí parou nesse ponto, eles pararam, não funcionou mais para frente. Até agora, é por isso que os estrangeiros estão querendo ver se compra e consegue puxar de novo; mas os presidentes, o governo, essas 100

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coisas, não estão liberando essa parte aí do nosso Brasil aqui. É a parte mais rica que tem aqui, nessa área do Amazonas. Dayana - E seu João, o senhor que é o morador mais antigo daqui, o senhor ouviu falar se aqui encontraram ouro, negócio de mina? João Batista - Olha, Dayana, eu não estou lembrado. Nem meu pai mesmo... Aqui nessa área mesmo, né? Nessa área mesmo onde nós moramos, não.. Diz que tem, que ouro tem nessa área, mas ninguém ainda não achou, até agora (...) E outra que estou falando, ainda não acharam porque o pessoal... o governo, os presidentes não liberaram, porque gente, já veio gente... nesse rio Urubu atrás desse minério, desse ouro. Mas, só que o pessoal, os governos, os presidentes, quando sabem mandam na mesma hora retirar esse pessoal. Porque tem certeza que esse pessoal vai achar esse ouro, e eles não querem. Querem que esse ouro, esse minério !que aqui mesmo, dentro do nosso Brasil. É isso. Dayana - E negócio de lenda, seu João... Eles contavam? Porque dizem, que os antigos falam, que existia bicho encantado, negócio de lenda, essas coisas. O senhor ouviu alguma história, eles contando sobre essas lendas, essas coisas assim? João Batista - Olha, Dayana, eu lembro... Lembro não, eu tenho toda certeza que aqui dentro do Palhal tem ouro (...) Agora, só que não é... Que você sabe que o ouro é uma coisa muito... é segredo... É só para quem entende de aparecer mesmo. Mas que ouro tem. Olha, eu tive um sonho... eu não sei se esse sonho foi para mim, só que eu não me interessei até agora... Mas eu tive um sonho que a pessoa me trouxe, veio no meu sonho e me levou (...)E esse ouro, olha, no tempo do senhor !nado Gentil, quando nós chegamos aqui, ele contou para nós... para mim, não, ele contou para o papai. Contou que umas quatro horas da tarde, ele já vinha andando com o compadre dele, lá da mata, aí passaram por lá. Quando foi assim umas quatro e meia, escutou aquele tiro. Mas só que naquele tempo, os velhos sabiam como eram as coisas. Aí ele falou: ‘olha, fulano, espocou ouro. Mas será? Não, espocou, nesse rumo aqui. Mas ninguém pode ir atrás, porque não é para nós (...) Hiléia - Revista do Direito Ambiental da Amazônia n0 10 |Jan - Jun| 2010

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Dayana - Quantos anos o senhor está casado com a Dona Ana? João Batista - Rapaz, está fazendo uns... vinte e nove anos que nós estamos juntos. Eu calculo assim que faz vinte anos que nós estamos juntos. Dayana - Pois é, quando o senhor casou com a Dona Ana, o senhor encontrou muita di!culdade? João Batista - Não, eu não achei muita di!culdade (...) Aí ela me contou que ela trabalhava, ela não tinha quem ajudasse ela, aí eu disse: rapaz, eu não sei, mas se a senhora quiser viver comigo, a gente vai viver. Se der certo, a gente continua. Se não, não tem problema, nos se separamos de novo, não tem dúvida. Aí, até agora, graças a Deus, está dando certo. Então, estamos vivendo até agora (...) Dayana - O senhor lembra com o que a dona Ana trabalhava? João Batista - Rapaz, ela trabalhava... Era em roça. O trabalho dela quando eu cheguei a conhecer ela era mais era em roça, juta... Juta, eles trabalhavam, juta, malva... Aí eu conheci ela, ela trabalhava mais nesses produtos. Que eu lembro, era isso. Dayana - O trabalho dela era pesado? João Batista - Era tão... Eu acho que para ela era um serviço pesado. Para ela assim, sendo uma mulher; eu acho que para mim, isso aí não era trabalho para ela. Para ela, eu acho que era um trabalho mais leve. Mas, eu acho assim que, principalmente a roça – ela tinha que arrancar, carregar, os !lhos eram pequenos, e a juta, também era um serviço pesado (...) Dayana - Muito obrigada, seu João, pela sua entrevista. João Batista - Muito obrigada também. Eu espero que você faça um bom trabalho. Dayana - Obrigada"

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Ana Pereira Pena15 Elia - Boa tarde, meu nome é Elia da Silva Ramos. Estou aqui numa pesquisa do conhecimento dos povos Mura; vamos estar trabalhando em cima disso. No que vocês puderem ajudar a gente... Dayana - Bom, a senhora já me conhece. Meu nome é Dayana da Costa Aguiar. Sou a bolsista da aldeia Nova União. Estou aqui também para registrar a memória de antigamente, dos que moravam aqui no rio Urubu. Então dona Ana, a senhora nos repassa o que a senhora passou na sua vida. Dona Ana - Olha, eu vou falar. Não sei se vai dar certo... Pois é, do que eu me lembro; o que eu não me lembrar (...) Dayana – E seus pais, Dona Ana, quando a senhora era jovem, como foi a criação da senhora com eles? Dona Ana – A minha criação... Os meus pais, a minha criação que eles me deram foi de não ser mal criado com ninguém, respeitar as pessoas mais velhas, tomar benção dos mais velhos, né? Isso eles me deram. Agora de leitura eles não me deram, porque nesse tempo da minha mãe e do meu pai, só tinha aula na cidade. Mas eles eram pobres e não tinham condição de me botar pra estudar na cidade, então hoje em dia eu não sei fazer meu nome, eu faço meu nome (...) Elia – O que a senhora tem de história daqui do Rio Urubu? Dona Ana – De história aqui? Quando meu pai ... No tempo do meu pai (...) era muito farto de comida, de peixe, era farto né, das coisas, nos meus tempos quando eu tinha meu pai e minha mãe. Hoje em dia não era como 15

Entrevista realiazada em 12/04/2008; gravação 010Dona Ana_11_04_20. Hiléia - Revista do Direito Ambiental da Amazônia n0 10 |Jan - Jun| 2010

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era nesses tempos, de farto...hoje em dia está meio difícil... Elia – Dona Ana já tinha muita doença? Dona Ana – Tinha. Já tinha a malária (...) Mas do outro tempo chamava... como que dava? Tinha um nome que davam.... Hoje em dia chamam malária...Sezão! No meu tempo. De uns tempos pra cá, já chamam malária (...) Dayana – Obrigada Dona Ana pela sua entrevista.

José Pena Barbosa16 Dayana - Bom Seu José, meu nome é Dayana da Costa Aguiar, eu sou a JCA da Aldeia Nova União. Estou aqui para resgatar a sua memória do passado, que o senhor viveu. Aí eu vou passar, pedir pra minha colega se apresentar. Seu José – A mamãe era piauiense(...) e o papai era madeirense [rio Madeira]. Quando ele chegou pra cá, não existia gente como tem agora né? Naquele tempo não existia (...) naquele tempo só existia lá pelo lado do Cana, por ali, algumas pessoas (...) Agora já chegou um monte de gente, por ali no Taboca, ali na aldeia... Chegou muita gente... O Sangaua, não existia uma casa, como você vê agora (...) Aquela escola que tem ali, no Monte Sião, nunca... E hoje tem um povoado medonho, tudo aquilo, não é? Aí daí pra cima, lá em cima como tem aquelas coisas lá (...) Bonito, esse ramal aí até Itacoatiara" O pessoal vão pra lá e volta no mesmo dia. Bonito mesmo essas coisas! Quem via isso aqui como antigamente? Não tinha casa como tem agora. É casa, casa que só, até chegar 16

Entrevista realizada em 12/04/2008, gravada sob o registro de 009 Seu José_11_04_20.

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na Sudam. De um lado e de outro aqui, povoaram isso tudo... Agora tem esse Bom Jardim...que foi fundado parece que está com quase 30 anos, mais ou menos. Elia - Qual foi o ano que o senhor chegou aqui? Seu José - Eu? Eu cheguei para cá... ainda era...o papai era vivo, não era daqui, era madeirense. E a mamãe era piauiense. Elia – Qual sua idade? Seu José – É setenta e seis anos(...). Dayana - Seu José o senhor veio, pra cá jovem? Seu José - Naquele tempo... Eu fui nascer mesmo aqui no município de Itacoatiara (...) Dayana - Quando o senhor veio pra cá, no passado, sobre as característica dos indígenas, o senhor topou alguma coisa dos indígenas? Seu José – Ouvia falar, não é? Ouvia falar. Como ali embaixo, tinha aquelas caretas, ali embaixo. Diz que... O Pessoal que diz que era dos índios mesmo, aquelas pedras, nas pedras mesmo, ali embaixo, pra cá (...) da Ponte Grande. Nardeia; Nardeia era o nome mesmo (...) Dayana - Muito obrigado seu José pela sua entrevista, agora eu vou passar pra minha colega, que ela no início não se apresentou pro senhor... Elia - Bom dia Seu José, meu nome é Elia da Silva Ramos, eu estou aqui entrevistando o senhor e queria saber mais sobre a história do povo Mura. Seu José – Nequele tempo tinha mesmo, tinha o povo Mura, mesmo. Os antigos que contam bem, o Cordovil, ele conta bem mesmo... Naquele Entrevista realizada em 28/01/20008. Gravação 004Seu Nestor Rodrigues_ SP_15_01_2008 01_1015012008. 17

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tempo que ele era novo, agora tem um que tem 110 anos... Dayana - É ... noventa e oito anos! Seu José - É...parece que é... Dayana - Está bom seu José, muito obrigada pela sua entrevista!

Nestor Rodrigues17 Dayana – Eu, Dayana da Costa Aguiar, bolsista da Nova União, estou aqui na casa do senhor Nestor Rodrigues, ele vai me repassar um pouco da história do Rio Urubu e a sua história também. Nestor - ...minha história, eu sou natural de Maués, nasci em Maués, aí eu vim pro Rio Urubu, construí família , e agora não pretendo sair aqui do Rio Urubu.(...) Dayana - E o senhor saiu de Maués por que motivo Seu Nestor? Lá era...? Nestor - Tem que andar, né? E aí meus pais já tinham vindo pra Manaus, aí não foi por motivo precário, não. (...) Dayana - E quando o senhor veio pro Rio Urubu era muito farto? Nestor - Era farto, era muito farto. Dayana - Quando o senhor chegou, o que o senhor encontrou dos antigos aqui, dos índios? Nestor: O que eu encontrei dos índios? (...) Ouvi falar da Taboca (...) aquela região do Xandico, avô dele, Dona Maria, os mais velhos, outras coisas mesmo, encontrou-se sinais, né? De pedras por ai (...) Outra coisa assim, só sinais na terra preta né? Que tem muito né? Sinais na terra preta, dizem que é feito pelos índios. Os sinais né, só mesmo que eu ouvi 106

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dizer, olha, aqui era uma aldeia, ali era outra aldeia (...) Dayana - O que o senhor ouviu falar, que falaram assim pro senhor o que o senhor sabe assim que tinha nessas aldeias, nessas duas aldeias? (...) Nestor - Do Rio Urubu, acho que você já gravou, da febre amarela, tinha que buscar água do Amazonas pra tomar... O rio Urubu era muito farto naquele tempo, a historia dele quando eu cheguei pra cá. Depois que pessoal... Não existia gente, poucas pessoas, com o tempo, José Cordovil... hoje em dia o Rio Urubu está muito habitado. Dayana - Mas ouviu assim alguma história daqui do rio Urubu que contaram assim pro senhor? Nestor - Historia? Só que (...) é tipo os índios, quando o pessoal chegaram, os brancos, derramaram um veneno lá na cabeceira, Dizem, né? De lá que começou, em vez de envenenar os brancos, envenenou eles também, morreu muito índio naquela época. Eram os Mura. Morreu muito Mura. Esse pessoal conta, né? Esse antigos, O Cordovil é que deve saber disso, ele tem quase 100 anos, ele que conta mesmo. Tenho certeza que os pais deles contavam. Dayana - E quando senhor era mais jovem Seu Nestor, o senhor andou muito assim pelo lado de fora? Nestor - Não, só fui mesmo de Maués pro Careiro, do Careiro pra Manaus e de Manaus pra cá (...) Dayana - E negocio de lenda também é por que muitas pessoas antigas contam pra nós agora que é mais... Nestor - Existia, jovem. Lenda que contam, é, quer dizer, não é nenhuma lenda, que é uma coisa verdadeira, que existia um boto chamado Jandico. Que o pessoal contava que passava por aqui, esse boto. O Vilson ainda viu o rosto dele. Ele ia até nas cachoeiras, quando estava cheia. Quando ... Ele voltava e ia até pro Madeira. Por que tudo por aí conhecia Hiléia - Revista do Direito Ambiental da Amazônia n0 10 |Jan - Jun| 2010

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quando ele passava, ele gritava, Agora a lenda, né? Outras coisas Dayana - Quando esse boto que o senhor está falando? Quando ele andava por aí? O que ele andava fazendo? Nestor – Passeando, né? Ia embora, eu não vi ele nas cachoeiras, mas esses antigos como o Cordovil... ali o pessoal da Vista Alegre, aqueles que eram os nativos daqui contavam que passavam por ele assim, e ia embora...de dia, de noite, o pessoal já sabia quando ele vinha, ia embora “lá vem o Jandico” Dayana - Esses pescadores que falavam desse boto. O que eles contavam assim, a história do Rio Urubu? (...) Dayana - Com quantos anos o senhor casou com a Dona Valdira? Nestor: Era... já ta com 26...ela tava com 16 Dayana - E quando o senhor casou com ela, o senhor enfrentou muita di!culdade pra construírem o que vocês tem? Nestor: Não porque quem casa assim sempre tem di!culdade. Só quando as pessoas são ricas. Mas foi só o primeiro ano, no segundo ano já tinha roça, já tinha outras coisas... Por que ninguém saiu daqui, parou né? Plantar as coisas... Dayana - E Quais eram essas di!culdades? Nestor - Naquela época era pra tudo, por causa do transporte que não existia. Tinha que comprar as coisas da Conceição, vindo por terra. Ta !lmando, Dayana - O senhor não lembra mais de alguma historia não? Nestor: Não...O Cordovil que pode te contar outras coisas...

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Venino Pereira Pena18 Elia - Boa Tarde. Meu nome é Elia da Silva Ramos, eu sou da aldeia Bela Vista, estou aqui para pegar uma entrevista com vocês, se vocês podem nos ajudar sobre a história do povo Mura e outras coisas. Dayana - Bom, você já me conhece, seu Venino, eu sou a Dayana da Costa Aguiar, sou JCA da aldeia Nova União, estou aqui também pra resgatar a mesma coisa que minha colega quer. Que o senhor no repasse o que o senhor sabe. Venino: Olha, eu nasci aqui no rio Urubu. Vou inteirar cinqüenta anos aqui no rio Urubu. E de primeiro, quando eu me entendi, era muito legal no Urubu por causa que era muito farto. Hoje em dia, tem muita gente. De primeiro você andava quase meia hora para ir para casa de uma vizinha. Agora não, é dez minutos você está na casa de um visinho. Agora é muito importante, está muito diferente. Você topa com muitos amigos; hoje em dia, que eu nem conhecia ... Mas, outras coisas não posso nem informar, porque está muito diferente. Do tempo que eu nasci e me criei aqui, está muito diferente do que era (...) Dayana – O senhor pode contar também... O senhor trabalhou muito na sua juventude...? Venino - Aqui no Rio Urubu, não trabalhei muito, não. Não vou dizer que eu trabalhei muito. Trabalhei, mas meu trabalho mais era para fora; eu saí a para trabalhar, passava de ano, dois anos (...) Dayana - Está bem, muito obrigada seu Venino.

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Entrevista realiazada 23_4811042008.

em

12/04/2008;

gravação

011TRC_SP_11_04_2008

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2.7 Parika Senhor Clarindo Elia - Bom dia! Sou bolsista do Jovem cientista Amazonida... E o trabalho é sobre memória do povo Mura e queria saber se o senhor pode nos ajudar? Rosenilson - Bom dia seu Clarindo! Meu nome é Rosenilson Bruno, bolsista do JCA.Hoje estamos aqui pra ouvir algumas histórias do Rio Urubu... Como que aconteceu... escutar essa história melhor. Daiane: Bom dia Seu Clarindo! Meu nome é Daiane, sou bolsista da Nova União. Estou aqui também pra ouvir um pouco das histórias né. Rosilane - Muito prazer, meu nome é Rosilnane, sou professora do curso de formação de professores indígenas Sou professora também do JCA ...Então, hoje eu vim aqui pro Pariká pra ver se a gente consegue recolher um pouco das histórias daqui sua né... Daqui do local do rio Urubu. (...) Apesar de não ter vindo todos porque são seis bolsistas, mas faltaram três... Eles também estão trabalhando em outra comunidade... Às vezes, a gente #ca distante da outra comunidade, aí a gente se divide. Num #nal de semana a gente vai com três. Na outra semana, a gente vai com dois... Como hoje a gente veio em três e #caram três que já #zeram trabalho em outras comunidades e assim a gente vai se dividindo pra #car mais leve pra gente e pra não atrapalhar os estudos deles... Que eles estudam durante a semana... Sr. Clarindo - ... Eu sou novato aqui. Nós estamos aqui está com quê? Está com seis meses que nós moramos aqui, porque nós morávamos no Amazonas. Rosilane - O senhor morava próximo do Limão? 110

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Sr. Clarindo - Sim. Nós morávamos no Limão... Eu sou lho da Boca do Padre mesmo, mas aí, eu desde os dezoito anos que eu sai de casa lá da Boca do Padre pra vir morar no Limão... Daí agora eu estou aqui... Então, eu não posso contar as histórias daqui porque eu to com pouco tempo aqui. Rosilane - Qual é sua idade? Sr. Clarindo - Minha idade é... Estou com cinqüenta e nove anos (...) Rosilane - O senhor é indígena? Sr. Clarindo - Rapaz, eu sou puxado com índio. Rosilane - Qual é sua etnia? Sr. Clarindo - É Mura. Porque no tempo do João Carlos, na Boca do Padre era índio Tauari (...) Isso veio do tempo do João Carlos, que veio cadastrando o povo desde a época do Limão. Iriane - Seu Clarindo o que fez o senhor sair do Limão pra vir pra cá pro Pariká? (...) Sr. Clarindo: Foi porque minha mulher morava aqui... Aí ela convidou pra vir pra cá. Aí nos falamos com o Tuchaua pra gente vir, e o Tuxaua liberou pra gente vir pra cá. Elia: Quais são seus meio de vida aqui? Sr. Clarindo - O meio de vida aqui o que tem pra fazer é negócio de roça (...) Rosenilson - O senhor é casado? Sr. Clarindo - Sim. Sou casado.

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Rosilane - A sua esposa é daqui ou é lá do Limão? Sr. Clarindo: É lá do Limão... (...) Iriane - Sr. Clarindo quando vai pro fundo pra qual local que o senhor vai? Sr. Clarindo: Eu vou pra outra casa aí no fundo... Eu tenho outra casa aí. Rosilane - Então, no caso do Pariká e aqui do Rio Urubu, o senhor não tem nada? Sr. Clarindo - Não! Iriane - Como é as condições de saúde aqui seu Clarindo? (...) Sr. Clarindo - Olha... Aqui é difícil dar malária. Graças a Deus né! Aqui não dá malária não. Porque aqui se dá alguma doença tem a Nilse, que é enfermeira. O agente de saúde vem aqui só pra vacinar. Rosilane - Seu Clarindo a casa que tem aqui é só a do Senhor mesmo? Sr. Clarindo - Só! Rosilane - Quer dizer que o Pariká se acaba aqui? Sr. Clarindo - Se acaba aqui...? É aqui mesmo (...) Iriane - Muito obrigado Sr. Clarindo pela entrevista (...)

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Senhora Luzane Meu nome é Daiane, sou jovem cientista da aldeia nova união. Estou aqui visitando a aldeia Pariká... Conhecendo aqui sua área pra ter conhecimento aqui sobre o que a senhora viu e o que senhora não viu... a sua história. Bom dia! Meu nome é Elia da Silva Ramos, sou bolsista do JCA... Estou aqui para ouvir senhora falar sobre sua vida. Bom dia! Meu nome é Rosenilson, sou bolsista JCA e estou aqui pra saber sobre a história do Rio Urubu... Quando começou e ouvir a senhora contar um pouco da sua história. Luzane - Minha história aqui é pouca... Eu moro aqui há pouco tempo... Aqui é bom de morar, mas é difícil, né? Sobre, assim, o trabalho, porque não tem trabalho. Trabalhar, assim, pra ganhar um dinheiro... Não tem como e é difícil pra fazer a bolsa família... Tentei três vezes e não consegui... Então a gente não tem emprego nenhum... Fica muito difícil de a gente morar assim no interior. A gente veio de Manaus pra cá... Meu marido chamou a gente pra cá... A gente veio... Aí a gente #cou aqui, mas aqui é ruim porque não tem um ganho. Então #ca difícil assim da gente viver (...) Rosilane - Você é indígena? Luzane - Meu marido é (...) Iriane - Como vocês não tem condições de ter um ganho, que tipo de trabalho vocês tem, como vocês têm um ganho? Por exemplo: pra vender assim, pra comprar negócio de rancho como é que vocês fazem? Luzane - A gente... A minha sogra ajuda a gente, que é aposentada... Aí Hiléia - Revista do Direito Ambiental da Amazônia n0 10 |Jan - Jun| 2010

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assim a gente vai vivendo... Meu marido pesca, aí as vezes, ganha um dinheirinho.. Muito difícil ter algum peixe. Elia: Quanto tempo você mora aqui? Luzane - Fazem três anos já... Vai fazer três anos em Março. Iriane - Sua área vai até no fundo, não vai? Luzane - Vai. Iriane - Pois é, quando a água vem, pra onde a senhora vai? Luzane - Ali no fundo, onde meu marido faz o roçado... A plantação. Elia: Tem atendimento de saúde aqui? Luzane - Sempre vem... As vezes vem lá da Maquira dar vacina aqui (...) Luzane - Pariká... Porque essa aldeia aqui é nova, né? A gente morava ali embaixo, aí ele fez essa aldeia... Seu Amadeu.... Finado Amadeu. Por isso que foi dado esse nome de Pariká (...) Iriane - Obrigado!. A senhora nos recebeu muito bem. Quero agradecer a senhora pelo pouco das histórias que a senhora me contou aqui... Pela simpatia que a senhora nos recebeu aqui. Eu gostei muito! Eu adoro fazer esse trabalho... Eu gosto de conhecer muitas coisas... Eu gosto de histórias. Eu achei muita simpatia da senhora receber a gente bem. Elia: Dona Luzane. Muito obrigado pela atenção da senhora, pelas poucas informações que a senhora nos passou... E que a senhora continue colaborando. Rosenilson -

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Obrigada dona

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Luzane pela atenção. Nós estamos encerrando nossa entrevista do JCA. Obrigado!

2.8 Santa Maria do Taboca André Lima Cordovil Izomar - Eu me chamo Izomar Cabral Nunes, sou aluno JCA, estou aqui na aldeia Santa Maria do Taboca para entrevistar o senhor André Lima Cordovil ... Mara - Mara Cristina, também sou bolsista JCA, também estou aqui para entrevistar o senhor André Lima, e vou sentir muita satisfação de ouvir um pouco de sua história. Iriane - Eu me chamo Iriane Bruno dos Santos, estou fanzendo um projeto e uma pesquisa do JCA Jovem Cientista Amazônida. Eu queria saber o que o senhor tem para contar do povo Mura, das histórias das Terras Indígenas. Então eu vou entrevistar o senhor agora (...) Mara - Perguntar do senhor como foi sua chegada aqui no Rio Urubu, quantos anos faz que o senhor mora aqui, o ano que o senhor chegou; o senhor se lembra? Qual foi o ano que o senhor chegou aqui?19

Gravação registrada em moacyr, paulo e andré cordovil jan fev 08: arquivos 008TRC_ HQ_01_02_2008 11_4701022008; 009TRC_HQ_01_02_2008 11_5001022008; 010TRC_HQ_01_02_2008 11_5101022008 [..]; 011TRC_HQ_01_02_2008 11_5401022008; 012TRC_HQ_01_02_2008 11_5801022008; 014TRC_ HQ_01_02_2008 12_0501022008; 015TRC_HQ_01_02_2008 12_0501022008; 018TRC_HQ_01_02_2008 12_0901022008; 19

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André Cordovil - ... Eu sou lho natal daqui mesmo (...) só minha vó, era mura de lá... Mara - O senhor não nasceu aqui não? André Cordovil - Nasci, sim senhora" Eu sou urubuense. Mara - Nasceu no Rio Urubu. Qual foi o ano que o senhor chegou aqui? André Cordovil - Eu não sei, que eu vim no ventre da minha mãe; minha mãe ainda era nova (...) Izomar - É de 1913, ele. Mara - Me diga assim, como foi sua vida aqui? Foi muito sofrida? André Cordovil - Não foi fácil, não. Foi no tempo da balata. Meu pai tirava (...) Mara - Sobre a história do Rio Urubu... Quando o senhor era novo, por exemplo, quando o senhor construi sua família... O seu recurso de vida era trocar a caça, pesca? André Cordovil - Era, justamente. A senhora está falando verdade... Trocar a farinha; a farinha naquele tempo, sabe quanto era? Era um tostão. Para vender a farinha.... Deve ser na base do mil réis, do tempo do mil réis. De lá passou para quinhentos réis. Dayana - O senhor comprava a farinha por esse tanto. Aqui mesmo? André Cordovil - Aqui mesmo (...) Depois que Getúlio Vargas veio aqui no Amazonas, aí melhorou. Aí já foi ganhando quatro e quinhentos a diária; e a farinha, de quatorze mil reis o alqueire (...) Você ganhava dez todo dia, isso se fosse um bom trabalhador, se ganhasse dez no !nal 116

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do dia, se não... Era assim. Agora, depois que o Getúlio Vargas nado veio, aí melhorou, era quatro e quintentos a diária...; mas de primeiro não. Izomar - E seu André Cordovil, e naquele tempo para conseguir alimento? Como era que faziam? André Cordovil - Era trabalhando e (...) vendendo farinha de quintentos réis o quilo... Filho do André Cordovil - Conseguir alimento que ele quer dizer, pai, como é que pegava o peixe naquele tempo, se usava poronga... André Cordovil - Naquele tempo peixe tinha muito! Na !echa... Filho do André Cordovil - Pois é, era com a poronga, de noite? André Cordovil - Na "echa. Poronga não existia, não. E nem lanterna. Era na !echa. Mas naquele tempo tinha muito" O senhor estava com fome, eu vou já ali pegar ali o almoço. Pegasse uma "echa (...) Chega lá, tucunaré está só brigando, comendo os peixes (...) Se soubesse "echar bem (...) Hoje você não pega, não. Se quiser comer... Izomar - E rancho, como era que faziam para conseguir? Negócio de café, açucar. sabão? André Cordovil - Comprar lá nas Pedras. Pedro (...) Schneider (...). Fazia farinha e ia vender por lá. Fazia assim qualquer farinha de quarenta mil, chega lá... Aí você ia trazer o açúcar, café, o que fosse preciso. Mas era muito barato! Era muito barato. Agora um saco de farinha é cem, cinqüenta (...)

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André Cordovil - ... criei aqui ... tinha muito pirarucu, muito mesmo... Mara: Hoje...? André Cordovil - ... não tem mais pirarucu.... Mara - ... nem uma piabinha... André Cordovil - (...) Você olhava ali naquela praia ali... jacaré !cava, !cava lotado (...) Hoje nem ovo mais você não come de traquajá, que não tem (...), você não come. Não tem (...) Izomar - Do tempo em que o senhor morava aqui, existia muita guerra, con"ito entre os indígenas daqui e os brancos de fora? (...) Mara: O senhor sabe qual foi o ano em que surgiu essa grande confusão? André Cordovil - Não senhora, eu ainda era pequeno... O tempo da cabanagem né? Não é do meu tempo. ...Eu conto da cabanagem que a minha mãe contava, minha vó. Mais ou menos (...) Eu tenho uma !echa. Izomar: E o meio de transporte aqui, seu André, como é que era? Era rabeta?.. Antes era rabeta? ... André Cordovil - (...) Antes, nem rabeta. Aqui era no remo, meu amigo, de canoa, remando... Hoje você vai em Itacoatiara (...) quando é quatro horas, cinco horas...Naquele tempo, eu saia daqui, dormia no Araotó não sei se você já ouviu falar - chegava lá cinco horas, quatro horas da tarde, dormia lá. Amanhã que o senhor saia para Itacoatiara; vinha de lá e ia dormir no Araotó. Depois de amanhã, eram três dias quase para chegar em Itacoatiara. Hoje não# Hoje facilitou tudo. ... Facilitou muito. Agora só na rabeta; vou lá para Itacoatiara já já; tem comida hoje... daqui para cinco horas.... Facilitou muito. Naquele tempo era no remo, remando, na faia (...) Não sei se o senhor já ouviu falar em faia?(...) O pessoal ia buscar balata (...) na faia, um remo comprido (...) 118

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André Cordovil - ... eu não sei ler, não. Porque no tempo em que eu me criei era difícil, não tinha professor. Só do Ramal e Itacoatiara (...) Era difícil... Agora (...) A, B, C, D... só não aprende quem não quer. Agora no tempo em que eu me crei, não, era muito difícil. Muito mesmo. As minhas netas estão aprendendo, estão estudando (...) Izomar - André Cordovil, o que é balata? André Cordovil - Balata é uma árvore (...) Ai você (...) tira uma lata cheia de leite (...) para vender... Tinha no mato André Cordovil - naquele tempo era na faia. Sabe o que é faia? É um remo comprido assim (...) Dois dias subindo... Agora não, que agora tem muito (...) Se a senhora não tem comida? Vou já lá para Itacoatiara comprar comida. Quando é quatro horas, cinco horas, já está chegando. Naquele tempo não era assim, não... Na diária, era duzentos, quatrocentos réis (...) Não sei se vocês conhecem esse dinheiro... No tempo da minha mãe... Agora não, você ganha 25, 30 a diária. Tudo isso aqui quando Getúlio Vargas veio; nado, Getúlio Vargas veio aqui no Amazonas, liberou tudo. O couro do jacaré era quatro e quinhentos; aí foi melhorando. A farinha foi de quatorze mil reis um alqueire. Mas quando Getúlio Vargas veio; mas durante isso... não era assim não (...) Mara - Seu André, e sobre a saúde aqui, antigamente, era difícil? André Cordovil - Era perigoso. Uma tal de febre.. cezão, cezão o nome dessa doença que dava. Não tinha médico aqui, era só melhoral (...) Morreu muita gente, dona menina!... No tempo da balata, morreu muita gente. (...) Mara - Que é a mesma da malária... André Cordovil - Aqui tinha um velho que mandava fazer um fogo debaixo da rede.(...).. ele puxava uma corda, e ele assobiava. O velho era branco, um sergipano. Quando chegou ele estava vermelho, puxando aquela corda e ele assobiando. E o fogozão tava daquela altura, para passar aquele frio, e não passava aquele frio, não passava não senhor. Hiléia - Revista do Direito Ambiental da Amazônia n0 10 |Jan - Jun| 2010

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Só Assobiava e se embalava.... E ele chamava a !nada mãe dessa mulher... Assobiava: !iiuuu !uufuuru... !iuu.... Ia assobiando. (...?) Não é como agora, diferençou... Ia assoviando... Aí chamava a !lha dele. Era seu Getúlio... ‘Babá" Babá"’ ‘Senhor, que é que o senhor quer?’ (...) Morreu dormindo(...) Morreu muita gente. Muita, muita. Iriane - Por causa dessa doença? André Cordovil - Só dessa doença do sezão, que chamava. Não tinha remédio; era difícil. Hoje em dia morre quando não toma remédio. Iriane - E os seus pais? (...) Izomar - Como eles se chamavam? André Cordovil - Antonio Lima Cordovil (...)Minha mãe, Julia, também Cordovil, igual do meu pai. Minha mãe ainda morreu nova (...) Quem morreu mais velho é ele... Estou emocionado" Elia: Tinha muita festa aqui quando o senhor chegou? Rituais? (...) André Cordovil - ...Tinha, mas era pouco. Esse rio era parado, não tinha. Festa aqui era só nas Pedras, só em junho (...) André Cordovil - (...) ... Aí foi uma confusão, naquela época ainda era das Três Marias, isso aqui (...)20 Rosilane - Essas Três Marias, o senhor diz assim...? André Cordovil - Era a lei" Não tem o governo? Não tem o presidente? Não tem a Brasília? Não tem o Rio de Janeiro agora? Pois era assim, as Três Marias era o que resumia isso aí. Não fosse isso... 20 O texto a seguir se refere a uma segunda entrevista feita com o senhor André Cordovil, em agosto de 2008, no qual estavam presentes a professora turora Rosilane, e os bolsistas JCA Iriane e Rosenilson. O trecho a seguir refere-se ao registro JCA 23 agosto grav 2, arquivo: 012TRC_HQ_--.

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Quando era, era assim... Eu chegava para a senhora e dizia: ‘Dona, eu vim dar uma queixa assim assim’... Rapaz, ‘vai para as Três Marias!’ Aí #cou aquela arrumação (...) Azamor: As Três Marias eram um poder em legislação (...) Então as Três Marias simbolizava os dois governos. Então os três governos, ou dois governos simbolizavam... Deixa eu jogar lá dentro lá dentro da Bíblia para você entender melhor. Então tinha Barak e Abao; então os dois eram os dois reis perigosos. Então, aqui tinha, vamos dizer, Dr. Frederico, que era um homem cheio de poder, mantinha-se a lei, e tinha o governo lá na cidade. É isso seu André? Então os dois tinham aquela política, e queriam #car, tomar... queriam tomar não, tomaram a maior parte! (...) Rosilane - Você está dizendo que tomaram aqui a terra? Azamor: Isso, isso foi tomado...(...) Pois é, então, com o peso da outra Maria foi mais, aí a outra perdeu. Ficou liberada novamente a terra, até um tempo determinado. Como por exemplo, essa agora que nós temos, nós temos num tempo determinado, daqui a dez anos essa terra será homologada novamente. Aí ela #ca liberta; depois desses dez anos de novo, se a FUNAI quiser, ela torna a recontratar ou redemarcar, não sei. Só que isso aí, nos tempos das Duas Marias, isso foi liberada indeterminado, a terra hoje que a gente está (...) Rosilane - O senhor sabe a época em que o senhor chegou aqui, Seu André, o ano o senhor sabe? André Cordovil - Não, dona. Eu sou lho natal daqui. (...) Agora eu estou com 96 anos. Rosilane - O senhor passou di#culdade, seu André por aqui, no Rio Urubu? André Cordovil - Você sabe de primeiro quanto era uma diária? Um Hiléia - Revista do Direito Ambiental da Amazônia n0 10 |Jan - Jun| 2010

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tostão! Sim senhora, era um tostão, uma diária era um tostão! Duzentos réis, Trezentos réis, quatrocentos réis, oitocentos réis, novecentos réis, tudo era negócio de réis" Rosilane - O senhor ainda trabalhou na diária? André Cordovil - E muito. Ajudei muito minha mãe; (...) ajudei a criar. A minha mãe morreu em 1949; #quei sem mãe. Rosilane - O senhor construiu família, esposa? André Cordovil - Me casei; sou casado. Eu sou viúvo.Tem meus documentos aí. Rosilane - Hoje o senhor já tem netos... #lhos? André Cordovil - Tenho dois netos... Filhos. Rosilane - Seu André, o senhor sabe me informar se aqui, em frente aqui a comunidade Taboca, diz que tem um navio afundado... O senhor sabe dessa história? André Cordovil - Eu já ouvi falar, dona... Mas nunca vi não. Mas já ouvi falar. Tempo da cabanagem (...) Do tempo da cabanagem, minha mãe contava, minha vó. Eu não conheci minha vó (...) Tempo da cabanagem, quando via pessoal para matar os índios daqui, eles chegavam, eles estavam dormindo, deitado na rede (...) [sussurando e encenando o situação...]. Já tinham cercado isso aqui, os cabanos já tinham cercado, mas com os índios (...). Aí só #caram as mulher. Iam cercando tudinho. Os igarapés; cercavam tudinho... parece que vai fazer para pegar peixeboi. Era assim. E tudo era assim. E minha mãe dizia que minha vó contava que tinha vigia desde a boca do Paraná dali; tinha vigia. Cada um canto desse aí tinha um vigia... e via [sussurando] corria, falava com o outro [sussurando] Rosilane - só através dos sinais... 122

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André Cordovil - [sussurando]...tudo calado..! Não tinha negócio de “ah”, não senhora! Quando via... (...) eles pegavam assim na mão...(sussurando) Rosilane - Isso era para não haver nenhum con"ito? André Cordovil - (...) Aí o seu Jurandir falava...Eu ia para Itacoatiara, ele falava, num tempo aí: que vai voltar para o mesmo que era! (...) Vai voltar para o mesmo que era, tempo da cabanagem (...) Rosilane - Porque agora está se tornando difícil de novo, as coisas. Às vezes você está estudando muito, mas às vezes muita gente não está dando valor, na própria terra que tem, sua própria cultura. Aí é isso que ele falou, né? Que vai voltar tudo que era antigamente. André Cordovil - É, ele já falou, Seu Jurandir (...) de Itacoatiara, ele já falou; eu já escutei (...) Rosilane - Por que, Seu André, é Urubu? Rio Urubu? André Cordovil - Eu não sei por quê. Diz que... dizia Urubu porque era preto ... o que morava aqui... índio preto...e diz que é assim baixinho. Assim me falavam... Rosilane - Era o puro índio... André Cordovil - ... Puro índio... E botaram: rio Urubu (...) me disseram que o índio Urubu era dessa alturinha... Eu mesmo não vi, me disseram... Rosilane - Aqui era faminto ainda? André Cordovil - Era não; é, minha irmã. Aqui é ruim de comida. Ontem meu #lho foi pescar, até que ainda pegou umas piranhinhas desse tamanho... que deu para nós jantar. Mas está ruim de comida. Agora está melhorando porque está secando, mas o peixe tem que sair para fora... Rosilane - Quando seca, melhora mais... Hiléia - Revista do Direito Ambiental da Amazônia n0 10 |Jan - Jun| 2010

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André Cordovil - Melhora (...) Rosilane - Seu André, o Senhor já é aposentado? André Cordovil - Já, sim senhora. Rosilane - Graças a Deus. Quando o senhor não era aposentado o senhor sofria, tinha algum problema, com alimentação...? André Cordovil - Sofria (...) Por que não tinha dinheiro... Rosilane - No tempo da cabanagem, que vocês falam assim, o signi!cado, vamos supor... O que era a cabanagem, mais assim explicado? André Cordovil - De matar" (...) Era soldado. Eles matavam a senhora; cercavam a casa todinha, aí iam lhe matar. A senhora sabe onde terminou a cabanagem? Sabe? Rosilane - Não senhor, não sei. Sr. Andre: ... Em Borba. Quando eles foram para lá, no tempo da cabanagem (...) eu nunca fui para Borba, só conheço o Rio Madeira até a boca, aquele japonês que tem lá... E aí quando eles tiveram lá, enxergaram: soldados. Duas !las de soldado, uma na frente, outra atrás. Ai, quando da cabanagem... diz que era Santo Antonio de Borba que tem lá, eu nunca fui lá; (?)...já me disseram. Aí quando viram, eles falaram: rapaz, nós não pode brigar com soldado; duas !las de soldado" Quando acaba, não era. Era soldado porque era soldado mesmo que estava lá, mas não eram assim gente ruim... De lá acabou Rosilane - Era só a imagem... Aí de lá acabou a cabanagem... André Cordovil - ...Só a imagem... Acabou, sim senhora. Rosilane - ...cabanagem... Era sobre matança... André Cordovil - Era matar... Matar; cercava uma casa todinho...É isso. 124

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Fazia um bombardeio. Rosilane - Como que era... era uma tradição, seu André? Matava os parentes com parentes? André Cordovil - ... Era tudo; não tinha um... Rosilane - Por quê, seu André, eles faziam isso? André Cordovil - Quem sabe? Eu não sei; sei que eles matavam. No tempo da cabanagem, matavam. Cercavam diz que a casa tudinho; aí iam lhe chamar. E como a gente já sabia, saí não... Rosilane - Só por sinais.... André Cordovil - Aí diz que cercavam, aí a gente saía por aqui... Tempo da Cabanagem. Assim ela disse. Aí acabou.... E diz que essa terra aqui pertence até o Urubuí, que é dos índios...Assim o cara me disse lá de cima; eu conversando, contando, ele disse: Era não! Isso aí é dos índios até o Urubuí... Você já foi no Urubuí? Eu digo: não senhor. Rosilane - Onde #ca o Urubuí? André Cordovil - Fica aqui no Alto Urubu. Eu não sei nem onde #ca. Rosilane - Urubu é muito grande, não é, Seu André? André Cordovil - É grande... Peixe é para lá. Rosilane - Para lá é bem farto. André Cordovil - É farto. Rosilane - Os seus pais foram moradores daqui mesmo, seu André? Hiléia - Revista do Direito Ambiental da Amazônia n0 10 |Jan - Jun| 2010

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André Cordovil - Não, eu sou !lho de boliviano (...) Se eu tiver consciência minha do meu pai... Eu sou !lho de boliviano. Rosilane - Eles vieram de Bolívia para cá. André Cordovil - Meu pai veio... E eu !quei por aqui, me criei por aqui. (...) Rosilane - Quantos irmãos vocês eram, o senhor lembra? André Cordovil - Era quatro; duas meninas, e dois homens. As duas meninas e o rapazinho morreram; aí !cou eu (...) Iriane - Eles morreram quando eles eram pequenos ou agora, depois de grande? André Cordovil - ... Da febre.... Febre. Aquele tempo que agora chamam malária... Naquele tempo, eu conheci um velho aqui, que morava alí, ele assobiava...puxava no cabo e assobiava, ‘!!!rii!ii’. Era um sergipano. Mandava fazer fogo debaixo da rede dele(...) Rosilane - Isso era para melhorar a febre? André Cordovil - Era, mas não dava. Era muita. Rosilane - Como que se dava o nome daquela febre naquele tempo, era ‘coisa brava’? André Cordovil - Sezão. Sezão... Conhecia aquilo por sezão. Daí foi.... Rosilane - Não tinha como vocês irem para outro local, não tinha uma área de atendimento? André Cordovil - Tinha nada" O remédio daqui era café-aspirina, melhoral... Rosilane - ... que hoje não existe mais... 126

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André Cordovil - ... E esse vomitório... salamaco... meu remédio. Quando dava quatro horas da madrugada, (...) se levantava para dar vomitório para eu beber (...) Rosilane - O senhor chegou a conhecer o Seu Eupídio? André Cordovil - E muito!(...) Ele é meu tio; #nado Eupídio. Já morreu (...) Rosilane - Quando o senhor se entendeu... Tinha muitas casas aqui? André Cordovil - Ha! Era louco aqui, sozinho! Casa aqui era difícil, dona!(?)... As casas que tinham aqui... Umas casas, tinha assim umas dez casas, se tivesse... No Correnteza. (...) Rosilane - Em seu André, das poucas di#culdades que vocês tiveram aqui, o senhor nunca pretendeu sair daqui do Rio Urubu? O senhor sempre gostou? André Cordovil - Eu sempre gosto... Eu sou uma pessoa que gosto de tudo. Ainda mais aqui que não tem carapanã, tem pouco carapanã. Rosilane - Muito bom para se viver, né... E principalmente para dormir, você tem um descanso... André Cordovil - Ó, minha rede (...). É por isso que eu não quis #car na casa da minha sogra. Carapanãnzal! (...) Iriane - Pois é, seu André, então nós agradecemos a sua colaboração... André Cordovil - Eu agradeço que vocês estão visitando a gente; qualquer coisa a gente vai lá com vocês... Iriane - Como eu já falei para o senhor, eu sou a bolsistas Iriane, do Projeto JCA, Jovem Cientista Amazônida... Então a gente agradece. Rosenilson - Seu André, eu quero agradecer sua atenção, pela gente estar aqui na sua casa. Só. Obrigada. Hiléia - Revista do Direito Ambiental da Amazônia n0 10 |Jan - Jun| 2010

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André Cordovil - Obrigada também. Quando quiser aparecer... Já sabe (...)

2.9 São José das Pedras Francisco Façanha21

Iriane - ... A sua história... Quantos anos faz que o senhor mora aqui no Rio Urubu? Francisco Façanha - Está com 16 a 17 anos. Iriane - E o que o senhor tem para nos contar sobre a Terra aqui do Rio Urubu? Se o senhor tem alguma di!culdade... Francisco Façanha - As terras aqui do Rio Urubu, elas não são muito produtivas, mas se a pessoa se empenhar e procurar plantar a cultura certa, alguma coisa se colhe... Porque as terras não são férteis o su!ciente, elas precisam de algum complemento, de adubo químico, orgânico... Mas depende também muito da determinação de cada um, da criatividade das pessoas que aqui moram para desenvolverem uma cultura adequada com o tipo de terra que se tem aqui nessa região. Iriane - E o seu meio de sobrevivência, alimento, como que é para o senhor? Francisco Façanha - Eu tenho a plantação de cupuaçu, alguns pés de laranjas, e algumas culturas diversas, árvores diversas. Antes disso, vivia da... plantava feijão, milho, gerimum, maxixe, essas coisas eu plantava, cultivei aí no meu sítio. Mas hoje eu vivo, como eu falei, de uma produção 21

Entrevista gravada sob o registro JCA 23 agosto Grav 2, 008TRC_HQ_--; e 009TRC_HQ_.

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de cupuaçu - que ela só dá num certo período do ano -,... e ultimamente não tenho colhido bem porque eu tive problema de saúde, eu e minha família, a gente não zelou o su!ciente, e não teve uma produtividade que a gente !casse satisfeita com ela... Mas, além do cupuaçu, a gente também sobrevive da pesca, de alguma caça... Iriane - E é muito farto aqui? Francisco Façanha - De peixe, não. Nem de... A caça ainda, quando a gente vai atrás, ainda consegue. Mas o peixe mesmo, ele tem um período, é só na época de tucunaré, na seca... E na seca, os peixes daqui, eles não são muito diversi!cados, os peixes daqui são peixes de baixa qualidade. Rosilane - Qual o nome da sua comunidade aqui, Seu Façanha? Francisco Façanha - Comunidade São José das Pedras, Rio Urubu. Rosilane - O que fez o senhor vim para cá? Francisco Façanha - Eu morava na Sudam, e um tio meu que morava aqui, era presidente da comunidade há muitos anos atrás... E me viu lá em Itacoatiara e me convidou, e disse que aqui, ele disse que aqui ainda era uma terra que estava sendo desbravada naquele período, e não tinha culturas... Como eu tinha esse parentesco com ele, e tinha aquele... desempenho assim, aquela vontade de conhecer novas terras, aí eu vim para cá para uma aventura. Não tenho nada a me queixar. Rosilane - O senhor gosta muito daqui? Francisco Façanha - Gosto daqui, gosto daqui. Tenho procurado me adaptar ao sistema do lugar o máximo possível, para poder a gente ter uma convivência adequada com as pessoas, com aquilo que as pessoas praticam, com a cultura da terra e da região. Isso é que eu tenho feito.

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Rosilane - O senhor tem di!culdade com doença aqui, seu Façanha? Francisco Façanha - Malária. Às vezes alguma virose - que isso é comum em toda a região amazônica, tem umas que são mais atingidas que outras (...) Rosilane - Vocês têm bom atendimento aqui... pessoal da saúde? Francisco Façanha-: Agente de saúde aqui, atendimento é (...) precário. Eu sou cadastrado na área indígena para atendimento, sempre eles atenderam muito bem a gente, aí. De uns tempos para cá, eles pararam de nos procurar, de atender; eu não sei qual foi o motivo (...) Mas sempre que a gente vai lá, faz algum trabalho de vacina, ou qualquer outro tipo de recurso, como atendimento da malária. O atendimento médico tem sido muito bom, graças a Deus, e a gente é cadastrado para atendimento. Rosenilson - Qual foi o ano que o senhor chegou a morar para cá, na comunidade, o ano que o senhor veio para cá? Francisco Façanha - O ano, se eu não me falha a memória, foi 90. O ano de 1990. Iriane - E a sua idade? Francisco Façanha - A minha idade são 60 anos, completos... Eu pareço assim uma criança (...) Rosilane - O senhor é evangélico, a sua família? Francisco Façanha - Eu sou assembleano; a família também. Aqui a minha casa, toda a minha casa serve ao senhor. Iriane - Pois é, então a gente agradece, eu e o bolsista Rosenilson, junto com a professora tutora, pela sua colaboração de dar essa entrevista para gente. Muito obrigada (...)

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Senhora Elisabeth22 Eu Iriane Bruno, boslsita do JCA jovem cientista, estou aqui entrevistando a Senhora Elisabeth... ela vai contar um pouquinho sobre sua história... junto com o bolsista Rosenilson, que está ajudando, com a presença da professora tutora... Eu gostaria de saber a sua história, sobre o Rio Urubu, se a senhora tem algum história para contar, quantos anos faz que senhora mora na terra, quanto anos a senhora tem, então se a senhora tem alguma di!culdade também daqui...? Como é seu meio de recurso para conseguir alimento, como açúcar, arroz, como que a senhora faz...? Então, eu gostaria de saber da senhora. Sra. Elisabeth - Bom, eu nasci no Paraná da Eva; eu cheguei aqui com dois anos de idade, no Rio Urubu. E aqui eu me criei, casei, criei meus !lhos.. Tive 15 !lhos, crio treze, a maioria estão tudo casado também. E aí quando nós chegamos aqui era um pouco deserto, não existia comunidade... Comunidade só na Nova Vida e na Lindóia. Eu até cheguei a estudar só até a 4a série, já z a partir do ano passado para cá, porque... não existia aula...aí eu ainda estudei um ano, mas... Rosilane - Em 2007 a senhora começou a estudar, né? Sra. Elisabeth - Foi... 2006... aí terminei esse ano; estou terminando. Aí cheguei a concluir até a 4a. série. Aí foi quando não tinha comunidade,eu casei e meus lhos para estudar tinham que andar 6 km para Nova Vida, até onde era a escola. Aí era muito complicado. Aí chegou um senhor aqui, era Mário Gomes, ele morava na Nova Vida, e convidou a gente para formar uma comunidade aqui. Aí a gente se reuniu na época - que era sete famílias só que tinha... 22

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Rosenilson - ... Aqui nessa comunidade? Sra. Elisabeth - ...É. Aí formamos a comunidade; ela tem 15 anos... Rosilane - Como é o nome da comunidade? Sra. Elisabeth - São José das Pedras, Comunidade São José das Pedras. Por causa das crianças mesmo que precisava estudar, e não tinha aula, a aula era muito di!cultoso para chegar até lá. Mas hoje, na vista do que era, está muito adiantado, o nome da escola é Escola Pedro Rubim... Apesar de nós não termos muita ajuda da parte do prefeito; nossa escola é feia... Nós já lutemos muito para conseguir outro colégio, mas não foi possível... Rosilane - Qual o apoio que vocês têm? Sra. Elisabeth - Da parte da prefeitura? (...) Rapaz, o apoio que nós temos é só (...) que graças a Deus eles mantêm os professores aí, são cinco professores... Rosilane - Só os professores... Pela área indígena, vocês tem apoio de alguém? Sra. Elisabeth - Não. Rosilane - Aqui, ela não é área indígena? Sra. Elisabeth - É a partir daquele lado de lá é área indígena... Rosilane - Só aqui a comunidade que não? Sra. Elisabeth - É, só não aqui, a área desse lado (...) Rosenilson - Por que vocês colocaram o nome dessa comunidade das Pedras... o nome dessa comunidade? Sra. Elisabeth - Porque tem lá o rio Urubu, né, e tem o Igarapé, que é o 132

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Igarapé das Pedras, o nome do Igarapé. Aí como a comunidade ia ser efetuada aqui e... lá o cemitério é batizado como São José. Aí formaram e !zeram São José das Pedras (...) Rosilane - A senhora teve alguma di!culdade quando vocês chegaram, dona Elisabeth, com doença, com alimentação? (...) Elisabeth: Sobre a di!culdade de doença, não era doentio aqui, era sadio. Malária ninguém não ouvia falar na época, apesar de não ter outros recursos de saúde... nem de nada. Era atrasado, que era deserto... Rosilane - Vocês têm atendimento pela saúde, pela área indígena aqui? Sra. Elisabeth - Não, só pela secretaria mesmo, de saúde... Iriane - E assim, sobre alimentação, como peixe, como caça, é farto aqui? Sra. Elisabeth - No verão, é fato de peixe, dá muito peixe... Agora quando o rio enche, !ca difícil (...) Rosilane - A !nalidade da senhora vir para cá, a senhora tem assim, alguma coisa a contar? Sra. Elisabeth - A !nalidade... é que primeiro veio meu pai, aí ele achou um rio assim muito farto e não tinha carapanã. Que onde nós morávamos dava muito carapanã, e meu pai tinha pavor de carapanã. Ai ele veio para cá e gostou, por esse motivo ele trouxe a família... E aqui nós criemos, casei aqui (...) Iriane - E assim, logo quando a senhora chegou aqui, como é que era para vocês conseguir o alimento? Por que aqui é difícil para consegui, tem que ir para cidade... Para conseguir açucar, café, como é que vocês faziam? Sra. Elisabeth - Tinha que ir para Lindóia comprar. Rosilane - Quantas horas gastam daqui para Lindóia?

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Sra. Elisabeth - No verão, três horas de rabeta. E agora não, agora uma hora e quinze minutos a gente está lá... Iriane - Então nós estamos encerrando, como já falei, apresentei a professora tutora e o bolsista Rosenilson... E eu agradeço pela sua colaboração, pela sua participação, dedicação de estar aceitando a gente, porque tem muitas pessoas que recusam, diz não... Então eu agradeço, muito obrigada.

Bernardo Carvalho da Silva23 Iriane - Eu sou Iriane Bruno, boslsista da JCA, Jovem Cientista Amazônida, junto com a professora tutora Rosilane Bruno, junto com o bolsista Rosenilson, nós estamos estrevistando o senhor... Bernardo - Bernardo Carvalho da Silva. Iriane - Senhor Bernardo, nós queremos saber aqui quantos anos faz que o senhor mora aqui nas terras do Rio Urubu, se o senhor tem algum história para contar para gente, como que foi, se tem alguma di!culdade, as doenças, como que é para o senhor conseguir alimentação, como arroz, açúcar, se o senhor tem alguma di!culdade para contar para gente... é isso que nós queremos saber... Bernardo - ...di!culdade quase não... Tem pouca, porque a gente se vira. Eu trabalho, trabalho um pouco por aí pelo mato, trabalho em diária... Minha mulher tem um trabalhozinho que ela trabalha na prefeitura... A gente vai vivendo (...) Iriane - Então o senhor trabalha com esses materiais e pega o dinheiro para o senhor comprar... Bernardo - Comprar o rancho, as coisas que a gente precisa para casa... Iriane - Quantos anos o senhor tem? 23

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Bernardo - Cinquenta anos. Iriane - Quantos anos faz que o senhor mora aqui (...) Bernardo - Faz na base de trinta anos que eu cheguei aqui; é a idade que eu tenho de casado... Iriane - E sobre a alimentação, como peixe, caça, é muito farto aqui, como é? Bernardo - Rapaz, de primeiro até que era farto de conseguir o peixe aí no rio, a caça... agora (...), mais mesmo é do comprado; quando chega aquela época que !ca difícil, a gente tem que partir para o comprado, a alimentação( ...) Iriane - E sobre doenças, qual é o tipo de doenças que mais afetam? Bernardo - Rapaz, doença aqui é mais a malária (...) Iriane - E qual é o nome da comunidade aqui? Bernardo - São José das Pedras. Iriane - O senhor sabe por que ganhou esse nome? Bernardo - Rapaz, eu acho que é porque lá na entrada tem um (...) pedrão, né? [risos]. Na entrada, o nome do igarapé aqui é Igarapé das Pedras... Ai, para !car mais fácil, !cou a comunidade São José das Pedras... Iriane - Então foi por esse motivo que ganhou o nome... Bernardo - ... Ai, a escola é Escola Pedro Rubim porque o primeiro morador daqui da entrada... Iriane - E sobre o transporte, para vocês irem na cidade, comprar alimentação... Hiléia - Revista do Direito Ambiental da Amazônia n0 10 |Jan - Jun| 2010

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Bernardo - Transporte aqui é ônibus. A gente pega a moto, tem moto, né... aí lá fora pega o ônibus... Itacoatiara... Iriane - Pois é seu... (...) Seu Bernardo - era isso que a gente queria saber como que era. Então nós vamos agradecer pela sua entrevista, pela sua atenção, e nós agradecemos: muito obrigada!

2.10 Unidos do Cana Nelson Maquiné Carvalho Elisabeth: Eu sou Elisabeth Santos Mura, representante legal da OMIMRU, e estou aqui com o Rosenilson Bruno, para entrevistar o seu Nelson Maquine. E, senhor Nelson, nós vamos perguntar algumas coisas para o senhor, nós gostaríamos que o senhor nos respondesse (...) A sua entrevista, saiba que é muito importante seu Nélson, porque ela vai falar... nós queremos saber diretamente quanto tempo o senhor está aqui; de onde que o senhor veio; e que o senhor nos fale diretamente do con"ito, por que aconteceu. Rosenilson - Eu Rosenilson Bruno dos Santos estou entrevistando o senhor Nelson Maquine na Aldeia Unidos do Cana. Quero saber a história do Rio Urubu, como foi a demarcação? Nelson - Olha, a demarcação, quando nós chegamos aqui, foi em 1967... Aqui existiam dois moradores só, aqui nessa região. E nós chegamos (...) uma semana depois chegou mais dois moradores, mais duas famílias. Aí nós moramos aqui esses anos todos. As outras famílias que vieram passaram uns três anos, depois foram embora. E eu permaneço aqui dentro do rio Urubu, já completemos 21 anos nessa área. Inclusive está aí as plantas, vocês podem ver nosso trabalho, que não é de agora que nós 136

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estamos morando aqui. Então foi quando apareceu um cacique de nome Sinésio, e fez uma reunião com nós aí nessa terra preta, aonde ele falou dessa demarcação que ia haver. Ele tinha 20 anos tentando conseguir essa delimitação (...) Foi quando ele falou que ia haver um posto de saúde aqui para nós, e que nós ia ter muitas coisas que iam nos auxiliar. Pelo menos a saúde; ai surgiu o Pólo Base Maquira. E por intermédio desse pólo, logo diante dessa demarcação começar, foi quando aconteceu o con!ito pela primeira vez. A equipe da Coiab começou a vir aqui pela primeira vez; aí os brancos começaram a discordar com a coisa. Aí foi por isso que surgiu esse con!ito. Inclusive levaram refém da equipe de saúde como refém; levaram para uma área aqui atrás do Correnteza, mas logo mais trouxeram; levaram a radiofonia, a rádio comunicação (...) Comecei a trabalhar pela Coiab como agente de saúde, e nessa função estou até hoje. Realmente eu não sou nativo daqui, sou nativo da Aldeia Limão, lá no Araotó. Lá é minha terra natal. Então, nós estamos aqui nessa área, e foi quando a Funai passou por aqui e falou que a área ia ser demarcada(...) Elisabeth: Em que ano a Funai passou, seu Nelson? Nelson - A Funai passou em 1996, fazendo o levantamento das famílias, e falando que quem não fosse indígena ia ter que sair (...) E desde a primeira vez nós nos cadastremos como indígena, porque meu pai era indígena mesmo, aí do Araotó, e nisso nós estamos até hoje aqui... Rosilane - Seu Nelson, de que etnia o senhor é? Nelson - Eu sou Mura. Meu pai era Mura do rio Madeira. Rosilane - Quantos anos o senhor tem? Nelson - Eu tenho 49 anos (...) Eu vim... Do Araotó eu fui para Autazes. Aí eu morei 18 anos lá (...), também em terra indígena, inclusive lá eu constituií família, minha esposa é de lá. Ela Hiléia - Revista do Direito Ambiental da Amazônia n0 10 |Jan - Jun| 2010

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é !lha de lá; mas eu sou !lho daqui da Aldeia Limão, do Araotó. Rosilane - Quando o senhor chegou aqui encontrou muita di!culdade? Nelson - A diculdade que primeiro nós encontramos aqui era saúde... Transporte, que nós não tínhamos. O transporte que nós tinha aqui, para ir para Itacoatiara, só tinha passagem uma vez por mês. Tinha um senhor ali embaixo que tinha um barco, (...) de nome Secundino, ele era aposentado e a esposa dele. E aí todo mundo, quem tinha as suas viagens para ir, aproveitava para ir com ele. De mês em mês que nos tinha passagem para Itacoatiara. Então, quando a pessoa adoecia por aqui de malária, que sempre essa malária existia atacando... Naquele tinha um senhor de nome Aládio, que era professor daí, e ele era um agente da... naquele tempo era Sucam; ele colhia sangue e já dava o tratamento... Elisabeth: Nós gostaríamos de saber por que a sua comunidade é abandonada? Nelson - Olha, nossa comunidade ela foi abandonada desde que o atual prefeito (...) soube que a área aqui era indígena, e que nós éramos cadastrados como indígenas. E ele discriminou nós, abandonou nós totalmente. Inclusive, ele desativou a escola; porque aqui foi um núcleo de escola; funcionou com 108 alunos matriculados – já estava bem próximo o primeiro grau vir para cá... Mas aí, por causa dessa arrumação, que ele nunca aceitou e nunca aceita a classe indígena, aí nós !camos assim, abandonados e desprezados esses oito anos que ele está no mandato (...) Elisabeth: É por esse abandono que hoje vocês não tem escola, não tem posto de saúde...? Nelson - É, por essa razão que nós não temos escola, não temos posto de saúde, não temos nada aqui... Elisabeth: Mas o senhor permaneceu invicto com índio, nunca negando o seu povo?

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Nelson - Nunca neguei e nunca nego em canto nenhum... Porque eu não me !z indígena; eu já nasci indígena e sou índio até debaixo d’água. Rosilane - Seu Nelson, eu quero fazer duas perguntas para fazer o encerramento de nossa entrevista... O senhor vive de quê? Nelson - Hoje, nós vive plantando uma roça... E eu também vivo desse emprego, que eu sou agente de saúde até agora... Nós trabalhamos por uma ONG, Saúde sem Fronteiras, que nós estamos seis meses sem receber, desde janeiro (...) Estamos parados. Aí nós !zemos um documento, remetemos à Funasa...(...) Nelson - Nós trabalhava com roça, banana, abacaxi, antes desse emprego... Daí quando eu entrei nesse trabalho, eu parei, que não dá para fazer dois trabalhos ao mesmo tempo... Mas mesmo assim eu estou aqui de braços abertos para receber entidade, qualquer um órgão que aparecer, nossa aldeia está de braços abertos para receber qualquer uma pessoa. Rosilane - Eu da minha parte, como professora do JCA, quero agradecer muito e parabenizar por essa força que o senhor está nos dando (...) Rosenilson - Quero agradecer sua atenção e sua coragem de estar conversando com a gente24. Entrevista realizada durante a O!cina Pedagógica, em julho de 25 2008 . Nelson - Bem, pessoal, bom dia" Hoje nós estamos no segundo dia da o!cina. Estamos também aqui para colaborar com vocês no que for possível, nós como liderança da comunidade indígena. E estamos aqui para dar o total apoio no que for necessário. Quero agradecer a presença de 24

Entrevista registrada em gravação de Vídeo. Hiléia - Revista do Direito Ambiental da Amazônia n0 10 |Jan - Jun| 2010

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vocês. E minha palavra é essa, e um bom dia para nós todos! Seu Raimundo... Eu também estou aqui; eu sou uma liderança da Aldeia Limão, e eu estou aqui para ajudar os professores para fazer o trabalho, também para cooperar com eles. Elisabeth: Então, vamos #car de pé e fazer uma oração, e vamos iniciar para que Deus possa abençoar nossos trabalhos (...) Rapaz: Então, vamos aqui fazer umas perguntas para o seu Tuxaua Nelson, Que a gente queria saber, seu Nelson, de que veio esse casco, essa canoa que a gente chama? De onde ele veio, de qual madeira ele foi feito? Conforme o senhor puder nos dar sua sabedoria... Nelson - Bem, esse casco é itaúba de Autaz-Mirim. Ele é do Lago do Iauaçu; ele foi tirado do Igarapé chamado Marrafa, pelo mestre Junica Monteiro, #lho do parente lá da Aldeia do Murutinga que é #lho do seu Leonel com a #nada Nifa. Esse casco, a minha mãe mandou ele fazer para tirar goma. Eu não estou lembrado quanto custou; não me lembro mais. Mas esse casco, ele está numa faixa de quarenta e dois anos. Mas como a madeira é boa, madeira de Autazes – as tábuas de Autazes são muito boas... Rapaz: ... são muito resistentes, duradouras... Nelson - ... Muito resistentes... Nós já estamos aqui com vinte e um anos completos, aqui no rio Urubu, aqui no Cana, e esse casco vem acompanhando nós desde Autaz-Mirim, até nesse exato momento, quando nós estamos #lmando ele. Ok? Rapaz: Então só. O senhor já falou quem fez ele, que ano ele tem – quarenta e dois anos, que madeira, de onde ele veio. Então, é isso aí, seu Os trechos a seguir foram gravados durante a o#cina pedagógica para professores realizada em 14 de julho de 2008. Arquivos: 008TRC_HQ_01_01_200; 009TRC_ HQ_02_01_2008 15_2202012008; 010TRC_HQ_02_01_2008 19_5402012008; 011TRC_HQ_02_01_2008 20_1202012008 25

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Nelson passou a sua palavra. Muito obrigado seu Nelson. Nelson - De nada. Estamos aqui à sua disposição. Qualquer informação que a gente souber, a gente está pronto a dar. Obrigado também da minha parte.(...) Rapaz: Estamos mais uma vez aqui, eu e o meu professor, entrevistando mais uma vez seu Nelson, e a gente quer saber agora nas entrevistas de um pilão... Então, seu Nelson, a gente passa a palavra para o senhor. Nelson - Bem, boa tarde, mais uma vez. Eu quero explicar para vocês sobre esse pilão. Esse pilão foi feito assim provisório assim, porque o pilão comum sempre é outro modelo. Mas esse aqui, como nós não tínhamos material para cavar o pilão, esse pilão foi feito provisório, só mesmo com fogo. E conseguimos abrir o buraco desse pilão, que para hoje em dia é para socar o milho (...) socar (...) para fazer o mingau, bolinho, e esse pilão é essa a serventia dele. E esse pilão, a gente usa muito ele aqui, por motivo também da gente não ter um moinho, então hoje em dia nas aldeias a gente usa mais o pilão (...) Pilar café, várias coisas, vários conteúdos tem utilidade o pilão. Rapaz: E mais ou menos assim, quantos anos assim o senhor construiu ele? Nelson - Esse pilão ele vem estar oito anos nas nossas mãos. Rapaz: E ele foi construído aqui mesmo, na comunidade... Nelson - Foi, ele foi construído aqui mesmo na comunidade Unidos do Cana, e a estamos aí utilizando ele até hoje... Rapaz: E também a gente quer saber se é uma tradição Mura? Nelson - É, é uma tradição Mura. Nosso tipo de pilão, é esse pilão aqui que nós usamos.

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Rapaz: E usa até hoje; que tem serventia até hoje... Nelson - Até hoje, é verdade. Essa aqui é a mão. Essa mão aqui é feita de acuaricara, que é um pau mais pesado, então tem que ter assim um pau bastante resistente, e peso também para ajudar na esgalhação do produto que tiver aí dentro. Rapaz: Então, aqui mais uma vez a gente está encerrando a entrevista com o Tuxaua Nelson. * Baladeira de Leite de Seringa Nelson -... Cortar a seringueira; primeiro ir pegar a taboca. Pegar a taboca no mato, procurar aquela taboca mais grossa que tem... A taboca você sabe que é aquela ocada, né? Sempre ela tem... uma junta, de uma para outra. Aí você vai ter que fazer o quê?(...) É tipo cana. Cada nó daquele é uma junta. Você vai ter que cortar desse lado daqui. Que vai ser o fundo da forma. Para poder não derrubar o leite. O leite também não é defumado, é o leite puro. Quanto mais o leite grosso, melhor. Elisabeth: Quer dizer que só uma juntinha daquela... Nelson - Só uma junta, que vai servir de fundo para forma. Aí você tem que pegar aquele leite e encher por aqui com uma vasilhazinha, até bem cheinha aquela taboca. Bem cheinha. Pode !car e deixar ela dependurada lá no defumador, no sol, até ela secar. De preferência no sol, para poder secar bem. Aí você vai ver, depois que ela tiver seca, no ponto de usar, você vai tirar e você vai ter que partir aquela taboca, com uma faquinha bem !ninha... Elisabeth: Por quantos dias ela vai secar? Nelson - Acho que uns cinco dias está bem seco já, seis dias. Tem que colocar no sol ou no defumador para ela secar (...) Ai o que é que você vai fazer? Pega uma faquinha bem !ninha, e parte, para não ferir o material. Como quem tira um gesso. Aí pega; abre a taboca, aí pega só a seringa; aquele leite já está curtido, da grossura desse lápis. A sua baladeira já 142

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está pronta, se você quiser deixar secar mais, você seca. Aí vai trabalhar na baladeira, vai fazer a rede, fazer... Mulher: Forquilha, cordinha... Nelson: Pois é. Então, a baladeira, é assim que se usa a baladeira de leite de seringa.(...)

Elisabeth Mura (Elisabeth Lima dos Santos)26 Iriane - Eu, Iriane Bruno do JCA - Jovem Cientista Amazonida) e do projeto MURAWARA: Memória do povo Mura do município de Itacoatiara, estou entrevistando a senhora indígena Elizabeth Mura, da aldeia Cana, em 11/02/2008 e ela vai sobre o povo Mura, seu sofrimento e as terras. E ela vai contar a sua história agora. (...) Elisabeth Mura - E assim também, quando eu cheguei aqui, no ano de 2001, onde eu fui pra aldeia indígena Aparecida do Correnteza. Foi através da Marilene, que ela era presidente e o esposo dela, o Tuxaua Sateré-Mawé, o senhor Adema, a qual solicitou da FUNAI uma professora indígena, e foi assim que eu vim. Depois eu sai dessa aldeia, passado um ano, fui para o Unidos do Cana e lá, a gente deu continuidade. Então, parabéns! Essa equipe que está na frente... O movimento indígena é assim. Isso eu tenho um grande orgulho, porque foi uma luta minha, foi o inicio da minha história, foi Entrevista sob o registro: gravador Iriane dez 07 mar 08, Arquivo: 001Iriane Elisabeth dez 07- e Arquivo: 002Iriane Elisabet dez 0726

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eu vindo como Mura, não deste lugar, mas vindo da aldeia Jauari, vindo lá de Autazes e eu saber que eu posso fazer alguma coisa pelos meus parentes que não tinham esse conhecimento de educação, não tinha esse conhecimento de terra. E aqui eu ajudei, junto com a FEPI, junto com a FUNAI, junto com o deputado Baleira que é juiz. A gente em Brasília, lutamos; Gecinaldo da COIAB; COIAM também com o Estevão. Tiveram várias entidades, vários povos do movimento indígenas me ajudando, me defendendo. Toda vez que eu ia em Brasília, eu defendia também a questão da terra do rio Urubu. Doutora Anita Rocha, que lutou, incansavelmente, através da FEPI para gente conseguir a vitória. E hoje está aí; a Terra está demarcada, está homologada, o projeto está acontecendo e você Jovens Cientistas estão trabalhando. Eu tenho plena certeza que ao término desse projeto, ao término do desenvolvimento de vocês, vocês avançaram grande e aqui, com certeza, vai ter uma história, vai ter um livro, vai ter um grande acervo de conhecimento. Meu muito obrigado e que vocês continuem trabalhando, continuem avançando e vão a luta! Apesar de virem as di#culdades, todos os problemas, mas não deixem abater, porque comigo houve todo um problema, mas eu não deixei me abater e eu parabenizo e quero que vocês continuem e levem esse projeto, levem com amor, como se fosse eu. Porque aqui, essa é uma parte do #lho que eu pari e que hoje eu entreguei para vocês, e vocês estão criando. Iriane. Eu agradeço então pela entrevista. Meu nome é Iriane do projeto Murawara, e eu agradeço. Agora eu vou fazer algumas perguntas, senhora indígena Elizabeth Mura, sobre as pinturas indígenas que ela está usando. Elizabeth Mura: Bem, essa pintura do meu rosto que é só vermelha, essa pintura é de Urucum. Ela signi#ca sangue, mas quando ela está aqui com essa criança aqui (...) no Arlison, por exemplo, no pé esquerdo dele, o genipapo, que é utilizado a cor preta. Mas aqui, como nós não temos no momento, nós estamos utilizando aqui o carvão, que ele faz a cor preta, e o Urucum no meio. Essa cor signi#ca guerra. No braço dele, tanto no direito quanto no esquerdo, são três riscos: dois vermelhos e um preto. Isso se chama gra#smos que signi#cam guerra. Então, ele está pintando 144

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de guerreiro... Ele é guerreiro Mura e Sateré; ele é !lho de Mura com Sateré (...) Elizabeth Mura: Ele está usando aqui o grasmo dos Mura de guerra. Esse é o gra!smo de guerra, e ela, a Vanderlucia... Observe o rosto dela. A Vanderlucia, no rosto dela, ela está com dois grasmo: um assim acima do nariz, próximo à pálpebra do rosto, só preto. Esse aqui é para danças, manifestações diante as entidades, para apresentar. Então, eu pintei ela dessa forma pra apresentar a outra maneira. E uma observação importante: que o homem ele leva três, e ele é enviesado. E a mulher não, ela é redondinho; ela só é só um risco, e ela leva na perna e também no pé esquerdo. O Francinaldo se encontra só de vermelho, o gra!smo enviesado só de vermelho nos braços, e três no rosto, no peito e além da costa também: que o homem ele é pintado na costa, o homem. E, no caso dele também, o gra!smo dele é três. Ele está de guerra. A Tati, a outra indígena lá de... (...) A Tati, ela vai dançar. Vamos dizer que ela vai dançar amanhã no encerramento dos professores, e ela está pintada só de vermelho, só de Urucum: signi!ca que ela vai dançar (...) Então, isso é uma cultura nossa, passada de geração para geração, e que a gente precisa ter através do programa Jovem Cientista esse resgate e manter, levar pra sala de aula (...). Então, as crianças desde pequenos, principalmente, nesse momento histórico, que é um momento de uma revolução em Itacoatiara, no município do projeto Jovem Cientista é momento de colocar o quê? De colocar na conscientização dos professores que tem que se trabalhar (...) Já começar a trabalhar essa questão, desse conhecimento intercultural que a gente tem, para levar para a sociedade envolvente. Então, isso é o que signi!ca a pintura. De repente, eu pintasse ela aqui, eu passasse o preto aqui, o vermelho, como eu vou passar nela. Hiléia - Revista do Direito Ambiental da Amazônia n0 10 |Jan - Jun| 2010

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Nesse exato momento aqui, ela já está pintada no rosto dela. Então, ela seria assim uma guerreira. Que o povo Mura é assim: a pintura é usada pelos velhos, pelos antigos e por todas as crianças, e quando a gente sai para guerrar - como a gente tomou a FUNAI, todos nós se pintamos da nossa pintura. E quando a gente está assim, é pra gente dançar, para receber, como sábado, nós vamos estar pintados de uma forma diferente, nós não vamos estar de guerra, por quê? Porque nós vamos esperar as autoridades, nós estamos terminando a formação da segunda etapa do curso de formação de professores e a gente esta fazendo uma manifestação deixando, pra quê? Para que a sociedade envolvente do povo branco, que eles saibam e respeitem. Que aqui em Itacoatiara tem povo, tem uma diversidade cultural de povos diferentes, de Saterê Mawé e de Mura que existem aqui (...) Entrar com essa manifestação para que ele nos respeite e veja que, realmente, aqui existe - não índio, mas existem sim povos indígenas, etnias diferentes. É isso que eu quero passar, obrigada! Iriane - Obrigado pela sua atenção!

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FICHA TÉCNICA E EQUIPE ENTREVISTAS E FOTOGRAFIAS REALIZADAS POR: Aderlane Batista de Araújo Dayana da Costa Aguiar Elia da Silva Ramos Iriane Bruno dos Santos Izomar Cabral Nunes Mara Cristina Pereira Rodrigues Rosenilson Bruno dos Santos Rosilane da Silva Bruno

TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS Andréa Borghi Moreira Jacinto Jéssica Heidrich Klaiton Alves da Silva

EDIÇÃO DE TEXTO Andréa Borghi Moreira Jacinto

EQUIPE Coordenação: Andréa Borghi Moreira Jacinto Bolsista Professor Jovem Cientista Indígena – PJCI: Rosilane da Silva Bruno Bolsistas Jovem Cientista Amazônida: Aderlane Batista de Araújo Dayana da Costa Aguiar Elia da Silva Ramos Iriane Bruno dos Santos Izomar Cabral Nunes Hiléia - Revista do Direito Ambiental da Amazônia n0 10 |Jan - Jun| 2010

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Mara Cristina Pereira Rodrigues Rosenilson Bruno dos Santos Bolsista AT – Klaiton Alves da Silva Bolsista IC – UEA Manaus: Jéssica Heidrich Colaboradores: Andrea Bitencourt Prado Chris Lopes – FEPI Daniele Mamed – UEA Edjone Araújo (Caiá) Deise Lucy de Oliveira Montardo – PPGAS/UFAM Elisabeth Lima dos Santos - OMIMRU Idelfonso Cavalcante - FUNAI Leonardo David Vieira Jaques – UEA Leonildes Praia Caldas - OMIMRU Marilene Vieira da Silva – OMIMRU Walmir Paulino de Souza Filho (Juca)

Esta obra foi composta em Manaus Pela UEA Edições. 148

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