Duas cidades, duas medidas. A ação empreendedora diferenciada na origem de duas cidades novas: Águas de São Pedro e Andradina (SP, Brasil)

May 23, 2017 | Autor: Ricardo Trevisan | Categoria: Morfologia Urbana, Cidades Novas, História Do Urbanismo
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DUAS CIDADES, DUAS MEDIDAS. A AÇÃO EMPREENDEDORA DIFERENCIADA NA ORIGEM DE DUAS CIDADES NOVAS: ÁGUAS DE SÃO PEDRO E ANDRADINA (SÃO PAULO, BRASIL) TREVISAN, Ricardo (1); SILVA, Ricardo Siloto da (2) (1) Arquiteto, Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Engenharia Urbana da UFSCar, Bolsista FAPESP e-mail: [email protected] (2) Arquiteto, Professor Doutor no Programa de Pós-graduação em Engenharia Urbana da UFSCar Rod. Washington Luís, km 235 – CEP: 13560-970 – UFSCar – São Carlos – SP – Brasil Telefone: (+55 16 2608262 ramal 227) e-mail: [email protected]

RESUMO

Duas cidades, duas medidas. Embora as Cidades Novas de Águas de São Pedro e Andradina sejam ações provenientes de um mesmo empreendedor (irmãos Moura Andrade), cabe a este trabalho revelar como foi possível, de acordo com os interesses em jogo, criar ao mesmo tempo duas cidades tão antagônicas entre si. Para isso, buscar-se-á construir um panorama social, político e econômico da época (primeiras décadas do século XX) de implantação destas cidades no interior do Estado de São Paulo (Brasil), analisar as finalidades para as quais elas foram construídas – turística e de colonização do território – e, finalmente, identificar através dos projetos urbanísticos os cuidados diferenciados recebidos por cada cidade. Palavras-chaves: História do Urbanismo / Cidades Novas / Empreendimento urbano ABSTRACT Two cities, two measures. Although the New Towns Águas de São Pedro and Andradina are actions proceeding from one same entrepreneur (Moura Andrade brothers), it fits to this work how possible was, in accordance with the interests of them, to create at the same time two so antagonistic towns between itself. For this, we will construct a social, economic and politician panorama at the time of implantation of these towns (first decades of last century) in the interior of São Paulo State (Brazil); also analyze the purposes for which they had been constructed – tourism and settling territory –; and, finally, we will identify through the urban projects the differentiated actions received for each town. Keywords: Urban History / New Towns / Town Planning

1. INTRODUÇÃO As Cidades Novas de Águas de São Pedro e Andradina são contemporâneas de uma época na qual a criação de novos aglomerados urbanos caracterizou a interiorização urbana no Brasil, principalmente nos Estados de São Paulo e Paraná (MONBEIG, 1949). Tratou-se de um período ímpar na história da urbanização brasileira no qual dezenas de novas cidades foram criadas em curtos espaços de

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tempo se comparado a qualquer outro processo semelhante ocorrido na história nacional. O plano destas cidades, planejadas em maior ou menor grau, sendo de iniciativa privada ou de companhias loteadoras, constituíram o que é hoje a região mais urbanizada e uma das mais desenvolvidas do interior do país. Mas como se deu este processo de interiorização da urbanização, particularmente, no Estado de São Paulo? Quais os fatores político-econômico-social que alavancaram tal transformação? Respondendo a estas questões, entenderemos não somente, no plano geral, o processo de ocupação e colonização do território como poderemos adentrar, em âmbito mais restrito, no universo de pessoas ou empresas que tomaram a iniciativa de criar novos núcleos urbanos. No século XX, a ocupação do interior do território nacional esteve atrelada a estratégia política do governo do presidente Getúlio Vargas (1930-1945) e de governos estaduais para colonizar e expandir os territórios econômicos do país, como o próprio ex-presidente afirmou na época: “... a civilização brasileira, a mercê dos fatores geológicos, estendeu-se no sentido da longitude, ocupando o vasto litoral, onde se localizavam os centros principais de atividade, riqueza e vida. Mais do que uma simples imagem, é uma realidade urgente e necessária galgar a montanha, transpor os planaltos e expandir-nos no sentido das latitudes. Retomando a trilha dos pioneiros que plantaram no coração do Continente, em vigorosa e épica arremetida, os marcos das fronteiras territoriais, precisamos de novo suprimir os obstáculos, encurtar as distâncias, abrir e estender as fronteiras econômicas, consolidando, definitivamente, os alicerces da Nação. O verdadeiro sentido de brasilidade é a marcha para o Oeste. No século XVII, de lá jorrou o caudal de ouro que transbordou na Europa e fez da América o Continente das cobiças e tentativas aventurosas. E lá teremos de ir buscar: dos vales férteis e vastos, o produto das culturas variadas e fartas; das entranhas da terra, o metal com que forjar os instrumentos de nossa defesa e do nosso progresso industrial ...” (Getúlio Vargas in NEIVA, 1942). Com esta iniciativa de colonizar regiões com baixíssima taxa de ocupação e expandir internamente o mercado econômico do país, o Estado pretendia modificar a base econômica produtiva nacional e, simultaneamente, solucionar problemas existentes na época como: as altas taxas de desemprego, o acúmulo de pessoas nas grandes cidades, a segurança das divisas territoriais e a falta de uma urbanização mais densa na região oeste do Brasil. Economicamente, o propósito do governo Vargas era de iniciar um processo de inversão na relação de dependência entre campo e cidade. O modelo econômico nacional, baseado tradicionalmente na monocultura agro-exportadora, dava sinais de enfraquecimento pela crise na lavoura cafeeira (anos 1920), o que cedia espaço para um novo e mais atraente modelo: o industrial. Desta forma, a importância do meio rural, enquanto espaço do processo de produção, retraía ao mesmo tempo em que a importância do meio urbano, devido à estrutura do processo industrial, expandia de forma acelerada. A instalação de uma rede urbana (inexistente até então) propiciaria espaço físico para a implantação destas indústrias, criaria um mercado consumidor para os produtos fabricados nos grandes centros industriais,

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além de servirem de entrepostos e fornecedores dos produtos agrícolas (matériaprima para as indústrias) produzidos na zona rural. Quanto aos problemas sociais, destaca-se o alto crescimento populacional urbano (entre 1890 e 1920), principalmente nas cidades dos Estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. A mão-de-obra já não era mais a escrava, mas a de trabalhadores remunerados. Os milhares de imigrantes e migrantes, que se dirigiram para essas regiões para trabalharem nas plantações de café, deixaram a zona rural para buscarem nas cidades uma melhor qualidade de vida e emprego, o que se acentuou após a crise cafeeira. Este contigente populacional, desacreditado pelo trabalho na lavoura, engrossou o número de habitantes existentes nas cidades. Como a porcentagem de núcleos urbanos ainda era muito baixa (SINGER, 1974), estes se tornaram saturados e repletos de mazelas como a falta de moradia, de saneamento, de infra-estrutura, de emprego, etc. Como uma das soluções encontrada pelo governo, apresentou-se a transferência desta população – atraídos ou subvencionados por políticas públicas – para novos núcleos a serem implantados no interior. Para o Estado, a criação de novas cidades incentivaria ou instigaria o imaginativo do mais aflitos a começar uma nova vida, teoricamente em melhores condições, nestes empreendimentos, em detrimento de continuar vivendo na precária situação das grandes cidades da época. Territorialmente, o país não apresentava uma ocupação homogênea. Por questões político-econômicas, a urbanização brasileira até o século XIX foi contida em sua linha litorânea, sendo insignificantes as exceções: algumas cidades ou vilas em São Paulo e outras geradas ao longo do ciclo mineral no século XVIII. O restante do país se encontrava intocado e com suas divisas desprotegidas em relação aos países limítrofes a sua face oeste. Ocupar o interior, rumo ao ocidente, facilitaria ao governo se apossar de seu território como um todo e garantir tanto a proteção do espaço nacional quanto expandir a rede urbana. Diante deste panorama, coube ao Estado gerenciar a forma como se daria este processo de ocupação. Dentre os instrumentos utilizados pelo poder público, o mais eficiente foi a implantação de uma rede ferroviária rumo ao oeste. Tal ação ocorreu de forma mais acentuada no estado de São Paulo, prolongando-se ao norte do Paraná, leste de Mato Grosso e sul de Minas; como maneira de perpetuar a hegemonia da região Sudeste sobre as demais (MARX, 1980). Eram quatro linhas principais (Fig.1) implantadas em períodos próximos – Estrada de Ferro Araraquarense, Estrada de ferro Noroeste do Brasil, Companhia Paulista de Estradas de Ferro e Estrada de Ferro Sorocabana – e paralelas geograficamente aos principais rios que cortam o Estado (MONBEIG, 1949). Ao longo destas linhas, companhias privadas, retalhadoras de terras ou donos de imensas glebas de terra loteavam-nas e vendiam aos “pioneiros” que vinham do leste. Fig. 1. Ferrovias no Estado de São Paulo. Fonte: arquivo pessoal

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Áreas antes cobertas por florestas (ANDRADE, s/d) cederam lugar à lavoura e à criação de gado, na época, presentes em fazendas, sítios e chácaras, atendendo as necessidades do mercado nacional e internacional e contribuindo para a economia estadual. Após a introdução da ferrovia e a ocupação de áreas rurais, começaram a despontar cidades como centros de apoio à população residente nesta região. Estas eram rapidamente planejadas e traçadas na picada aberta no meio da floresta, empreendimentos financiados por companhias privadas ou iniciativas individuais, como o caso de Andradina. A maioria delas situavam-se no traçado da linha férrea, correspondendo cada núcleo a uma parada do trem (estação), caracterizando-se portanto como um importante veículo de transporte tanto para locomover pessoas como para escoar a produção agrícola. Dentre estas cidades, surgiram aquelas que despontaram como centros regionais: Andradina, Votuporanga, Jales, Marília, Bauru e São José do Rio Preto, além de Londrina e Maringá no estado do Paraná. O geógrafo francês Pierre Monbeig (1949) resumiu este processo de colonização através do seguinte relato: “Tudo se passa como se este país conhecesse em setenta e cinco anos, um século no máximo, o que se levou milênios para fazer na Europa. E certamente é isso: nascimento e formação da paisagem rural, fundação e crescimento das cidades, construção duma rede de comunicações, mistura de raças, elaboração de uma mentalidade regional.” Assim, o processo de ocupação e urbanização do território paulista, iniciado nas primeiras décadas do século XX e intensificado entre os anos 1930-1950, gerou dezenas de cidades. Andradina, diretamente relacionada à colonização via ferrovia, e Águas de São Pedro, uma estância hidromineral criada para atender a elite dos grandes centros urbanos paulistas, estão entre estas cidades. Mesmo apresentando diferentes finalidades, um fator as entrelaça: ter o mesmo empreendedor no comando de seus projetos: os irmãos Moura Andrade.

2. OS IRMÃOS MOURA ANDRADE Nascidos no início do século XX na cidade de Brotas, interior de São Paulo, a história destes irmãos (conhecidos como Bandeirantes Modernos) assemelha-se a de outros patrícios que iniciaram sua vida no campo de forma simples e humilde e, posteriormente, migraram para a grande cidade em busca de oportunidades. Tanto Antonio Joaquim de Moura Andrade quanto Octavio Moura Andrade, já na cidade de São Paulo, começam a obter lucros provenientes da comercialização do café. Em Santos, montaram a firma comissária Moura, Andrade & Cia, comandada pelo advogado e diretor da Comissão Comercial de Santos: Octavio Andrade. Com o acumulo de capital, Antonio parte para o sertão paulista em busca de terras a baixo custo para comprar e implantar fazendas voltadas à produção agropecuária. Em 1932, os irmãos Moura Andrade adquiriram glebas de terra próxima à Estrada de Ferro Noroeste do Brasil e deram início ao retalhamento do terreno. Assim como as demais cidades criadas naquela região, criavam-se primeiro as unidades rurais e em seguida riscava-se um quadrilátero de vias entre a mata cerrada, dando a conformação física urbana do futuro núcleo. Os lotes eram divididos quadra a quadra e comercializados aos aventureiros que vinham do leste iniciar uma nova vida. 4

Quanto a infra-estrutura, pouco se fazia (quase inexistente) cabendo aos esforços dos futuros habitantes de providenciar as melhorias necessárias. Assim fundou-se a cidade de Andradina, cujo nome está diretamente relacionada ao sobrenome dos irmãos Moura Andrade. A criação de gado bovino nas fazendas de Antonio Andrade prosperou intensamente, tornando-se ele o responsável, em grande parte, pelo abastecimento de carne à população de São Paulo, “estando abatendo cerca de 400 rezes por dia, no seu frigorifico instalado em Andradina. Só para o transporte de carne, a empresa de Andrade possuía 42 vagões frigoríficos”. Na época, Antonio J. de Moura Andrade ficou conhecido no Brasil e fora do nosso país como o “Rei da Carne Bovina” (JORNAL ÁGUAS DE SÃO PEDRO, 1959). Como conseqüência, fundou-se outra cidade: Nova Andradina, agora no estado de Mato Grosso, para ampliar o número de fazendas para criação e engorda de gado para o abate e é dono do grande frigorifico de Andradina. Uma das formas de aplicar o capital que entrava rapidamente nas empresas Moura Andrade foi a compra de aviões, chegando a possuir uma dezena de aviões e outros tantos campos de aviação em suas propriedades e nas cidades que construíram. Outra iniciativa empreendedora dos irmãos Andrade foi a criação de uma estância turística no estado de São Paulo, que se via em desvantagem em relação à Minas Gerais e Rio de Janeiro por estas apresentarem confortáveis cidades balneárias. Em 1937, os irmãos Moura Andrade deram início ao empreendimento: a criação da estância hidromineral de Águas de São Pedro. Com finalidade diferenciada de Andradina (com origem na colonização e voltada a exploração agropecuária), o destino deste balneário era voltado para o recreio e para o tratamento hidroterápico, em moda na época. A consolidação lucrativa deste empreendimento estava presente na existência de balneários como os de Poços de Caldas, de Caxambu e de Araxá. Situados no estado de Minas Gerais, atraiam inúmeros turistas de diversos estados, inclusive de São Paulo, que para lá se dirigiam em busca de lazer e que por lá deixavam suas reservas econômicas em hospedagem, banhos termais, jogos de azar, restaurantes, etc. Porém, era necessário ao êxito do empreendimento de Águas de São Pedro criar condições físicas mínimas para atrair turistas. Sendo assim, diferente da ação sobre Andradina, Águas de São Pedro recebeu, como empreendimento urbanístico, os mais diversos cuidados como veremos a seguir ao analisar o plano de cada cidade.

3. O PLANO PARA A CIDADE DE COLONIZAÇÃO DE ANDRADINA A cidade de Andradina, primeiro empreendimento urbanístico dos irmãos Moura Andrade, surgiu próxima a antiga estação de Ilha Seca na linha da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (terra de propriedade de Antonio Andrade), situada à margem esquerda do rio Tietê. “Milhares de heróis anônimos foram sacrificadas na sua edificação; uns pela violência da luta e outras pelas epidemias. A malária tinha aqui seu reinado, nos banhados dos rios, nos córregos e nas lagoas; as onças e as serpentes traiçoeiras completavam o ambiente agressivo, onde se forjou uma metrópole de pioneiros, gravando para São Paulo uma página épica na história de sua grandeza.” (IBGE, 1953). 5

Fig.2. Plano de Andradina Fonte: arquivo pessoal Legenda Ferrovia Estação Ferroviária Avenida Principal Comércio Centro Cívico Cemitério

A área inicial de Andradina correspondia a mais de 100 mil hectares. Quando começou a formação da cidade, foi feita a correção da linha férrea para que cruzasse o local onde iria ser implantada a cidade. O dia da inauguração da nova estação, coincidentemente, também foi o dia de inauguração da cidade, em 1937. Projetualmente, traçou-se o núcleo urbano (Fig.2) a partir de um quadrilátero de vias quase perfeito, adequando-se a topografia pouco acidentada da região. Tal morfologia era tida como típica da cidade de colonização como analisou Le Corbusier em A Carta de Atenas: “Quando era uma cidade de colonização, organizavam-na como um acampamento, com eixos de ângulos retos e cercada de paliçadas retilíneas. Tudo nela era organizado segundo a proporção, a hierarquia e a conveniência” (CORBUSIER, 1993). Planejado seu traçado viário, o plano de Andradina chama a atenção para as suas dimensões. A cidade, atualmente com 50 mil habitantes, insere-se em todo plano original, sem haver necessidade de expansão. O desenvolvimento imobiliário dessa área contemplava a seguinte situação: saindo da área urbana tinham-se pequenas chácaras. Pretendia-se, com isso, criar um cinturão verde envolvendo o quadrilátero. Logo após vinham sítios e depois fazendas. No espaço intra-urbano, a linha férrea corta o plano de forma coesa, separando a cidade em parte alta e parte baixa. À frente da estação ferroviária localiza-se a 6

avenida Guanabara, porta de entrada da cidade e elemento unificador dos principais espaços públicos (prefeitura, igreja matriz, praças, cemitério, etc.). Na parte acima da ferrovia estão 310 quadras, onde se instalaram grande parte das residências e equipamentos públicos. As vias mantiveram largura ampla constante. A parte abaixo, com quantidade menor de quadras, próxima ao fundo do vale, incorporou os estabelecimentos comerciais e de serviço da cidade. Ademais, o planejamento de infra-estrutura, legislação, paisagismo e detalhes mais trabalhosos ficaram por conta de seus habitantes. Diferente do que se apresentou no plano da estância de Águas.

4. O PLANO PARA A ESTÂNCIA HIDROMINERAL DE ÁGUAS DE SÃO PEDRO O conhecimento preliminar de formação de cidades novas levou os irmãos Moura Andrade a construir outra cidade: Águas de São Pedro. Diferente do contexto de Andradina, tratava-se, nesse momento, de criar uma cidade para atrair pessoas de grande potencial econômico, para que fossem ali, numa estância paulista, gastar suas reservas e não mais despendendo gastos em estâncias de outros estados.

Fig.3. Plano de Águas de São Pedro Fonte: arquivo pessoal

Legenda

Parque Municipal

Praças Públicas em Esquinas

Córrego Canalizado

Praças Públicas em Talvegs

Park-way

Vielas Sanitárias

A elaboração do projeto desta estância balneária teve início em 1937 pelas mãos do engenheiro Jorge de Macedo Vieira (Fig.3). Contratado pela empresa dos irmãos Andrade Águas Sulphídricas e Thermaes de São Pedro S/A, o engenheiro seria 7

responsável em planejar o assentamento para 10 mil habitantes e setorizar toda a infra-estrutura necessária para atender o balneário e suas atividades específicas (lazer). O local de implantação já havia sido pré-selecionado pela Empresa, inserindo-se no território do município de São Pedro com 3 km quadrados de área total (este limite municipal caracterizava-se como um Cinturão Verde, impedindo o futuro crescimento da estância) e próximo as três fontes de águas minerais (Juventude, Gioconda e Almeida Salles). Os limites do sítio eram dados pelo topo de um espigão, que compreendia o terreno na forma de uma ferradura, e pelo rio Araquá, fazendo o fechamento desta ferradura, dando ao plano um isolamento visual em relação ao entorno. Ao centro, o vale era perpassado pelo córrego Bebedouro, que em sua jusante ia de encontro ao rio. Desta topografia côncava e irregular Vieira tomou partido para implantar seu projeto, intensamente permeado pelos conceitos de Cidade-Jardim. Em 1939, somaram-se aos esforços de Vieira a contribuição do Escritório de Engenharia Civil e Sanitária de Saturnino de Brito Filho, que seria responsável pelo “projeto completo de saneamento das termas e abastecimento de água potável, assim como os de adução das águas das fontes Gioconda e Almeida Salles à ‘buvette’ projetada e a secção de engarrafamento” (MEMORIAL DESCRITIVO DE ÁGUAS DE SÃO PEDRO, 1939) . Tanto no Memorial Descritivo de 1939 como no desenho do projeto pode-se observar as medidas tomadas por Vieira na concepção de um plano único na história do urbanismo brasileiro. Um dos dados que primeiro salta ao olhar do observador é que 60% da área total foi destinada aos parques e jardins públicos (sem contar calçadas e vielas arborizadas) e os 40% restantes serviram à implantação do loteamento e do arruamento. A disposição espacial do assentamento obedeceu a um zoneamento urbanístico, estabelecido conforme os usos diferenciados propostos: residencial, comercial e serviços, industrial, lazer, saneamento e circulação. Na montante do córrego que corta o centro da cidade foi reservada uma ampla gleba de terra para a construção do parque municipal, do Grande Hotel, do cassino e do balneário. Nesta área, a recuperação da vegetação nativa, extinta pela lavoura cafeeira, foi de fundamental importância para preservar a nascente do córrego e compor um ambiente de lazer para os moradores e visitantes da cidade. Primeiramente, plantou-se milhares de mudas de eucaliptos que, posteriormente, possibilitaram o crescimento de uma flora local. Curiosamente, o traçado do percurso para pedestres no interior deste parque foi dimensionado cientificamente para que seus usuários conseguissem, ao percorrê-lo em sua totalidade, atingir resultados benéficos a sua saúde física. Após esta área, o córrego Bebedouro foi canalizado segundo as técnicas de Saturnino de Brito, com o canal aberto e avenidas arborizadas laterais. A primeira tentativa de retificação do córrego foi feito com tubulações fechadas de 1,60 m. de diâmetro, que romperam com as primeiras chuvas. Nesta região setorizaram-se o comércio, os serviços, os hotéis menores e a única indústria, de engarrafamento da água (hoje desativada). Em sua jusante, este córrego foi limitado por um parque linear (park-way), rebaixado em relação ao nível das avenidas periféricas no ponto

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próximo a sua junção com o rio Araquá para evitar possíveis inundações nas margens edificadas. Os loteamentos residenciais foram dispostos nas encostas dos morros adequandoos da melhor forma possível ao desnível do terreno. Simultaneamente, o sistema viário foi traçado atentando-se para que as inclinações das vias não excedessem um patamar que incomodasse o caminhar dos pedestres. Com isso, as quadras ganharam conformações irregulares e diferenciadas entre si, porém seus lotes obedeciam ao padrão de 300 metros quadrados de área. A ocupação de cada lote deveria ser feita segundo normas pré-estabelecidas pelos projetistas para impedir altas taxas de adensamento e respeitar medidas higienistas da época. À área livre dos lotes, reservadas aos jardins e hortas particulares, adicionavam-se pequenas praças resultantes das quinas angulosas das quadras. Os talvegs, região de grande confluência de águas pluviais, receberam um tratamento paisagístico a fim de evitar processos erosivos no solo arenoso do local, criando-se mais praças e jardins públicos. Por fim, o sistema de esgotamento sanitário das quadras residenciais foi pensado para diminuir os custos de sua implantação e se beneficiar da energia gravitacional para transportar seus efluentes. Além disso, em determinadas áreas articulou-se a passagem destas vielas com a passagem para pedestres, facilitando o percurso ao pedestre.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS O intuito maior deste artigo foi apontar as diferenças entre duas cidades novas construídas pela iniciativa do mesmo empreendedor numa mesma época. Paralelamente, buscou-se revelar, através de um panorama contextualizado do Brasil do início do século XX, as causas que possibilitaram tais ações no cenário histórico do planejamento urbano. O acúmulo de capital possibilitado com a lavoura cafeeira permitiu a um grupo restrito da população aplicá-lo da forma que melhor lhe beneficiasse. No caso dos irmãos Moura Andrade, a forma de reverter este capital excedente numa nova fonte de lucro foi, num primeiro momento, investir na compra de terras a baixo custo e transformá-las em fazendas produtivas, e, num segundo momento, explorar o setor de turismo através de uma estação balneária e suas infra-estruturas necessárias. Em ambos os casos, o instrumento utilizado para concretizar estes ideais foi a construção de cidades. Andradina e Águas de São Pedro atenderam as expectativas de seus criadores tanto pela finalidade para qual foram projetadas como pela lucratividade que proporcionaram. No caso de Andradina, a cidade foi implantada de forma rápida, simples, prática e dispondo apenas das estruturas mais elementares. A abertura do traçado quadriculado de suas vias adequava-se ao terreno plano daquela região, além de ser de rápida implementação e de facilitar a futura expansão da cidade de forma ordenada. Buscava-se com isso a venda dos lotes urbanos e atrair um contingente

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de mão-de-obra para trabalhar nas propriedades rurais. A ferrovia facilitaria a vinda desta mão-de-obra e permitiria o escoamento dos produtos ali produzidos. Já em Águas de São Pedro, o lucro seria obtido não apenas com os banhos termais como pela venda do espaço urbano. Para isso foi de relevante importância o projeto urbanístico ser detalhado nas mais variadas escalas, proporcionando ambientes, infra-estruturas e condições propícias para acolher visitantes e turistas. Sua conformação urbanística, caracterizada pela forma fechada, adequava-se a topografia irregular (cidade implantada entre colinas) e garantia ao plano uma especificidade única na escola urbanística brasileira. O marketing da cidade era a própria cidade; sendo ela atraente, um maior número de pessoas a freqüentaria e, talvez, se interessaria a comprar um lote para construção de residência de veraneio. Assim, o presente trabalho apresentou-se como um agente de resgate no passado de uma produção urbanística que refletia os processos intrínsecos à economia capitalista, refletindo os mecanismos do cenário econômico na construção de cidades. Aplicar apenas o necessário para se obter o maior lucro possível. O desenho urbano refletindo este processo: projetar cidades com intuito de usufrui-las de acordo com os interesses pessoais.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRADE, Edgard Lage de. SERTÕES DO NOROESTE 1859 – 1945. S/L ; S/E. 19-? CORBUSIER, Le. A CARTA DE ATENAS. Editora Hucitec/edUSP. São Paulo, 1993 (1941). IBGE. ENCICLOPÉDIA DOS MUNICÍPIOS BRASILEIROS. Rio de Janeiro, 1953. JORNAL ÁGUAS DE SÃO PEDRO. Águas de São Pedro, Redação e oficina: Avenida Esquerda. Diretor e redator: Waldemar Arruda; cooperação: Octavio Moura Andrade. Ano I – II (26/04/59 – 02/04/61); ns. 1 – 51. JORNAL CALDAS DE SÃO PEDRO. Piracicaba, Typographia Paulista. Redator-chefe: Auro Soares Andrade; diretor-gerente: Patrício Miguel Carretta. Ano I – IV (29/01/1936 – 16/10/1940); ns. 1 – 106. KOHLSDORF, Maria Elaine. BREVE HISTÓRICO DO ESPAÇO URBANO COMO CAMPO DISCIPLINAR. In: FARRET, Ricardo Libanez (org.). O ESPAÇO DA CIDADE – CONTRIBUIÇÃO À ANÁLISE URBANA. São Paulo, Projeto Editores Associados, 1985. MARX, Murillo. CIDADE BRASILEIRA. EdUSP e Comp. Melhoramentos de São Paulo. São Paulo, 1980. MEMORIAL DESCRITIVO DE ÁGUAS DE SÃO PEDRO. São Pedro, Águas Sulfídricas e Termais de São Pedro S/A, 15/12/1939. MONBEIG, Pierre. PIONEIROS E FAZENDEIROS DE SÃO PAULO. Editora Hucitec e Editora Polis. São Paulo, 1949. NEIVA, Arthur H. GETÚLIO VARGAS E O PROBLEMA DA IMIGRAÇÃO E DA COLONIZAÇÃO. Revista de Imigração e Colonização, nº.1, ano 3, abril. Rio de Janeiro, 1942. REIS FILHO, Nestor Goulart.. NOTAS SOBRE O URBANISMO NO BRASIL. SEGUNDA PARTE: SÉCULOS XIX E XX. Caderno de Pesquisa do LAP, FAU-USP, nº.9. São Paulo, 1995. SINGER, Paul. DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E EVOLUÇÃO URBANA. Companhia Editora Nacional. São Paulo, 1974

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