E agora, o que fazemos à nossa cultura?

July 9, 2017 | Autor: Andre Morgado | Categoria: Marketing, Organizational Culture, Postal Service
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DOSSIER l APOSTA 126

E agora,

o que fazemos à nossa cultura?

Os temas valores e cultura corporativa marcaram o debate académico após ter ocorrido o Caso Enron. Comunicação, Respeito, Integridade e Excelência eram os valores corporativos desta empresa . E quem os pode questionar? Pelo contrário, estes valores eram, e são, reconhecidos e aceites pela generalidade dos gestores. Neste artigo, a importância dos valores corporativos não será colocada em causa, mas sim a sua vivência no seio da empresa, em concreto através dos seus dirigentes e colaboradores. 1

ENRON ANNUAL REPORT 1998

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Professor André Vilares Morgado

No contexto da gestão, a cultura corporativa corresponde à ideologia dominante na organização. É composta pelo conjunto de valores da empresa e pelas normas de convivência que se estabelecem onde esta se desenvolve e movimenta. A cultura de um grupo reveste-se de uma ação implícita, mas também de comportamentos explícitos, visíveis e conscientes. As manifestações culturais constituem, conjuntamente com a personalidade corporativa, a área mais visível da identidade da empresa. Este padrão de comportamentos coletivos e suposições é ensinado aos novos membros duma organização, como forma de os moldar numa forma distinta de pensar, de os fazer perceber o contexto onde se movem e, até mesmo, de sentir. A cultura afeta, assim, o modo como as pessoas e os grupos interagem uns com os outros. Ou seja, a cultura organizacional consiste num conjunto de crenças partilhadas que guia a interpretação e a ação dos indivíduos nas organizações, definindo o comportamento adequado segundo as distintas situações. Neste sentido, a cultura tem efeitos marcantes nas empresas, na medida em que ajuda a definir, não só quem são os seus empregados, clientes, fornecedores e concorrentes, mas também como irá interagir com estes atores. O sucesso que empresas como a IBM, a Hewlett-Packard, a Procter & Gamble e a McDonalds tiveram nos últimos anos foi alvo de várias tentativas de explicação. Uma investigação realizada apontou os valores e os sistemas de crenças incorporados nestas organizações como justificações prováveis para a sua competitividade. Os resultados sugerem que as empresas que apresentam um desempenho financeiro superior sustentado caracterizam-se por possuir um quadro de valores fundamentais, através dos quais estruturam a condução dos seus negócios. Ou seja, é em torno destes valores que estas empresas constroem as suas políticas corporativas, por exemplo, aquelas que

indicam como tratar os diversos stakeholders com os quais se relacionam. Para ser fonte de vantagem competitiva, a cultura de uma empresa deve atender a três condições. Em primeiro lugar, a cultura deve ser valiosa, ou seja, deve permitir aumentar as vendas, baixar os custos, incrementar as margens ou estar na origem de outras formas de adicionar valor financeiro à empresa. Em segundo lugar, a cultura deve ser distinta das demais. Em concreto, deve possuir atributos e características que não são comuns nos seus concorrentes. Finalmente, a cultura não deve ser imitável. Idealmente, quando algum dos concorrentes procura copiar uma empresa que apresenta traços culturais distintivos, deverá encontrar barreiras que o colocam em desvantagem com quem está a tentar imitar. Em síntese, a cultura de uma empresa pode ser uma fonte de vantagem competitiva quando é valiosa, rara e inimitável. O desempenho de empresas de referência é, pelo menos em parte, reflexo das suas culturas organizacionais. Empresas com culturas que são fonte de vantagem competitiva devem nutrir essas mesmas culturas. Em sentido oposto, empresas com culturas fracas não podem esperar que elas sejam fonte de vantagem competitiva. Onde existe uma cultura forte, os funcionários respondem a estímulos organizacionais, quer externos, quer internos, alinhando as suas decisões com os valores corporativos estabelecidos. Em tais ambientes, as empresas operam como máquinas bem lubrificadas, através de uma execução eficiente, necessitando apenas de pequenos ajustes nos procedimentos existentes, conforme necessário. Em sentido contrário, diz-se existir uma cultura fraca quando o alinhamento dos colaboradores com os valores da organização é ténue. Nestas situações, o controle da organização necessita de ser exercido através de normas e

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A CULTURA É UM ELEMENTO CRÍTICO DO DESENVOLVIMENTO E MANUTENÇÃO DOS ELEVADOS NÍVEIS DE INTENSIDADE E COMPROMISSO QUE CARACTERIZAM AS EMPRESAS DE SUCESSO procedimentos que muitas vezes são extensos, correctivos e burocráticos. Como se depreende, a cultura corporativa pode ser parte integrante do ativo da empresa tal como qualquer outro fator de produção, como, por exemplo, o capital, a tecnologia, a gestão ou as matérias primas. Todos estes elementos contribuem para a produtividade da empresa. A intangibilidade deste ativo está patente na sua própria definição. De fato, a cultura da organização constitui o seu inconsciente coletivo. Por vezes, os valores corporativos dão lugar a uma autêntica ideologia corporativa, isto é, a um conjunto restrito de ideias dominantes que se sobrepõem às demais e, quando tal acontece, não devemos ter dúvidas quanto ao seu valor para a organização. A coesão cultural manifesta-se no “sentido de pertença” a um grupo. Quando uma organização é muito coesa estabelece limites precisos que diferenciam quem está dentro ou fora dela, independentemente do vínculo formal que liga os seus membros. O mecanismo mais natural para estabelecer o “sentido de pertença” é a assunção de um conjunto reduzido de valores, induzidos por um líder carismático, que depois são celebrados em rituais. A cultura oferece, também, instrumentos de consenso sobre quem deve ostentar o poder, legitimando assim a selecção do líder. Nesse sentido, converte-se num mecanismo auto regulador de poder. A cultura é um elemento crítico do desenvolvimento e manutenção dos elevados níveis de intensidade e compromisso que caracterizam as empresas de sucesso. O envolvimento dos colaboradores resulta duma situação de congruência entre o sistema de valores da empresa e os do indivíduo que nela trabalha. Quando tal tem lugar,

o colaborador encontra-se preparado para aceitar os objetivos da organização, agindo na sua direção. Um sistema de valores corporativos sólido pode, assim, substituir ou complementar sistemas de motivação de colaboradores incumbentes. É difícil resumir por que razão determinada empresa deve existir. É por essa razão que se pode perguntar aos dirigentes das empresas “quando a sua empresa morrer, alguém dará pela sua falta?” Esta é a questão que serve de critério para aferir se qualquer decisão coloca, ou não, a empresa na direção do quadro de valores que norteia a sua ação, em concreto o seu propósito corporativo ou finalidade. Desta forma, a cultura da empresa dá lugar à ideologia da organização: a sua raison d’être. A forma mais simples de encontrar o propósito corporativo consiste em estudar o passado da empresa, procurando identificar as motivações da sua fundação e os desafios ou problemas que procurou resolver. Por exemplo, as histórias que retratam o fundador mantêm muitas organizações alinhadas com o seu quadro de valores. O benefício é elevado, uma vez que estes episódios podem ajudar na identificação e construção dos elementos fundacionais da cultura empresarial. A cultura desenha-se, assim, no sistema requerido para a satisfação da necessidade de possuir valores e consolida-se mediante a recordação contínua e vivida dos heróis da empresa, através de histórias, contos, mitos, anedotas, etc. Vários exemplos ilustram o poder que uma ideologia sólida tem na construção de uma marca forte. A Apple promove a criatividade e a autoexpressão dos seus clientes, transformando a sua relação com a tecnologia. A Benetton luta contra o preconceito. A Coca-Cola existe para inspirar

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momentos de felicidade e a harmonia entre os povos. A Dove celebra a beleza real das suas clientes. A eBay cria o mercado perfeito. A Google organiza a informação do mundo e torna-a universalmente acessível e útil. A Greenpeace combate por um mundo mais amigo do ambiente. A H3 existe porque “os clientes não são de plástico”. A Harley Davidson protagoniza a liberdade no contexto do sonho americano. A Louis Vuitton oferece a arte de viajar com exclusividade. A IKEA defende que o mobiliário de interiores com design pode ter preços acessíveis. A Red Bull dá energia (e asas!). A Virgin de Richard Branson tem o objectivo de desafiar os incumbentes que não têm consideração pelos seus clientes. A Walt Disney distribui magia e capacidade de sonhar a todas as crianças. A Wikipédia é o arquivo de conhecimento que resulta da capacidade de colaboração entre os seres humanos. A Zara democratiza a moda. E os CTT? Com uma história de quase 500 anos, os CTT são sinónimo de serviço de correio e de proximidade entre as populações. Para cumprir esta missão contribuem os valores corporativos da empresa, em concreto: confiança, solidez, idoneidade e conhecimento. Os ideais que estas marcas apresentam são as suas propostas para melhorar a vida dos seus clientes. É através de um sistema cultural forte e único que é possível construir um posicionamento consistente no mercado. Onde a cultura é forte, os colaboradores despoletam ações e protagonizam determinados comportamentos porque acreditam que se trata da “coisa certa a fazer”. Nutrir uma cultura consiste em recrutar, formar, motivar, recompensar, promover e despedir os colaboradores com base num quadro de valores muito claro. Gerir uma empresa com este objetivo em mente implica que os líderes devem tomar decisões críticas com base na ideia de cultura que se quer ver promovida, não a flexibilizando em qualquer circunstância.

André Vilares Morgado licenciou-se em Administração de Marketing e fez o Executive MBA AESE/IESE. Frequentou vários programas para executivos em diversas escolas de negócios, entre as quais: IESE, Indian Institute of Management de Ahmedabad e Ross Business Scholl da Universidade de Michigan. É doutorando em gestão no ISEG e membro do Industrial Marketing and Purchasing Group. Começou a sua actividade profissional na indústria de bens de grande consumo tendo, posteriormente, mudado para a área das telecomunicações. Atualmente, é Professor de Política Comercial e de Marketing, investigador e membro fundador do Centro de Investigação em Marketing da AESE.

É frequente ouvir-se dizer que a cultura de uma empresa revela “a maneira como aqui fazemos as coisas”, isto é, na sua ação a empresa exibe uma forma própria de trabalhar e de tomar decisões. As organizações que têm valores claros promovem uma cultura específica e dão aos seus funcionários um propósito ou uma razão sólida para a abraçar. A ação corporativa, em concreto aquela que resulta dos colaboradores da empresa, converte-se assim na fiel depositária da imagem de marca da instituição onde trabalham. Muitas empresas esgotam a sua fonte de diferenciação e terminam a competir em preço, fruto da ‘comoditização’ da sua oferta. No atual contexto competitivo, a diferenciação entre concorrentes pode ser encontrada em muitas fontes. A diferenciação que galvaniza e fideliza os clientes pode ter lugar no seio do quadro de valores que a marca representa e protagoniza na sua ação corporativa. Neste capítulo, todos os colaboradores da empresa são chamados a dar o seu contributo. Colaboradores motivados por valores trabalham mais arduamente, defendem e promovem a cultura da empresa e convertem-se em verdadeiros embaixadores desta última junto dos seus clientes. É por este motivo que é vital conseguir alinhar a cultura, os valores e a marca CTT com harmonia e propósito. ●

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