E-commerce as an economic and taxable reality - The need to tax E-com /O comércio electrónico como realidade económica e fiscal – a necessidade de tributar o rendimento gerado através do comércio electrónico

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PUBLICADO COMO: PIRES, RITA CALÇADA, O comércio electrónico como realidade económica e fiscal – a necessidade de tributar o rendimento gerado através do comércio electrónico. Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida. Vol. IV, Almedina, Janeiro 2011, pág. 555573 SUGESTÃO DE CITAÇÃO: PIRES, RITA CALÇADA (2011). O comércio electrónico como realidade económica e fiscal – a necessidade de tributar o rendimento gerado através do comércio electrónico. Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida. Vol. IV, Almedina, Janeiro 2011, pág. 555-573

O COMÉRCIO ELECTRÓNICO COMO REALIDADE ECONÓMICA E FISCAL - A NECESSIDADE DE TRIBUTAR O RENDIMENTO GERADO ATRAVÉS DO COMÉRCIO ELECTRÓNICO

Rita Calçada Pires Resumo O comércio electrónico surge, no universo económico contemporâneo, como forma de comerciar, decorrente das novas tecnologias, que apresenta uma infinidade de potencialidades para os agentes económicos. Como realidade cada vez mais preponderante na nossa economia é uma realidade que capta a atenção pública. Quer através da sua utilização, enquanto o Estado se assume como agente económico, quer como regulador de uma economia de mercado. E a tributação surge igualmente como uma manifestação da integração da realidade do comércio electrónico na esfera pública. Porque, em face do comércio tradicional, os princípios estruturantes do sistema fiscal exigem a tributação efectiva do comércio electrónico. Palavras-Chave: Imposto; Tributação; Comércio Electrónico; Regulação; Globalização; Tecnologia Abstract: E-commerce arises in the contemporary economic world as a way of trading which features a plethora of possibilities for economic agents. And it captures the State attention. Either by their use, while the it assumes the part of economic agent, either as regulator of a open market economy. And taxation also deals with e-commerce reality. Because e-commerce, when compared with traditional commerce, must be taxed. Otherwise structural principles of the tax system will be hindered. Key

Words:

Tax;

Taxation;

E-commerce;

Regulation;

Globalization; Tecnology

1 Rita Calçada Pires

PUBLICADO COMO: PIRES, RITA CALÇADA, O comércio electrónico como realidade económica e fiscal – a necessidade de tributar o rendimento gerado através do comércio electrónico. Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida. Vol. IV, Almedina, Janeiro 2011, pág. 555573

É já um lugar comum reconhecer e afirmar que o fenómeno da globalização trouxe consigo o estabelecimento de novos elementos nos parâmetros sociais, económicos e políticos da sociedade mundial. Contudo, ainda hoje, já passado algum tempo sobre as primeiras verificações do fenómeno reaparecido e depois de muitas páginas escritas sobre o tema, o facto é ainda existir muita matéria a ser analisada, apreendida e repensada. Arrisca-se quase afirmar que aquilo que gerou a interconexão das economias e das sociedades, e sobretudo as suas consequências, é e continua a ser algo semelhante à figura mitológica do tonel das Danaides. De entre os vários motores dinamizadores da globalização, um dos mais relevantes factores transformadores das sociedades e das economias mundiais foi e continua a ser a tecnologia. Contudo, convém clarificar que a importância da tecnologia não advém tanto da realidade tecnológica em si mesma considerada, mas antes do impacto que essa realidade gerou e enraizou na economia e na sociedade. Aquilo que mais marca o impacto da tecnologia na organização económico-social é a alteração do significado e do valor do tempo e do espaço, aliado a uma segunda consequência, a desmaterialização. Afirmar a alteração do significado do tempo e do espaço é o mesmo que reconhecer ter a tecnologia trazido o imediatismo e a ampliação das possibilidades das comunicações e da informação, aliados ao derrube de muitas fronteiras físicas anteriormente difíceis de transpor ou, pelo menos, com morosidade na transposição. Reconhecer a desmaterialização como impacto da tecnologia traduz-se na aceitação de que a informatização e a digitalização de quase toda a informação e comunicação são possíveis e acontecem na generalidade dos casos. E se se avaliar a economia do ponto de vista do resultado da alteração do espaço e do tempo, bem como da desmaterialização, verifica-se que estes fenómenos criaram uma extrema mobilidade de certos factores de produção, acompanhada de uma profunda difusão da autoridade. A economia global é uma economia marcada pela possibilidade, e cada vez mais pela efectiva concretização da mobilidade de certos factores de produção. 2 Rita Calçada Pires

PUBLICADO COMO: PIRES, RITA CALÇADA, O comércio electrónico como realidade económica e fiscal – a necessidade de tributar o rendimento gerado através do comércio electrónico. Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida. Vol. IV, Almedina, Janeiro 2011, pág. 555573

O capital e o trabalho qualificado actualmente são dotados de uma enorme flexibilidade quanto à sua localização, movendo-se de acordo com os seus interesses e com os seus objectivos para o local onde melhor possam realizar o seu potencial. As fronteiras físicas já não são o limite destes elementos. Pelo contrário, o capital e o trabalho qualificado estão atentos às realidades oferecidas e escolhem o local mais aprazível para investir e desenvolver-se. E ao existir esta ampla liberdade, concedida pela possibilidade de se transferir fundos rápida e seguramente e pela aproximação física e temporal dos cinco continentes, conduzindo à integração dos mercados e ao crescimento dos investimentos, é natural que aconteça uma reorganização dos centros de poder. De facto, pelo alargamento do mundo e pela consequente abertura das economias, o poder público estatal nacional viu-se desequilibrado. O desequilíbrio adveio da partilha do poder, partilha essa que gerou a sua difusão. Não são já apenas os Estados a deterem o poder. Esse, o poder, é fortemente partilhado através da influência cada vez mais intensa e extensa do poder económico e de novos focos de pressão social, como as Organizações Não Governamentais e outros tipos de organizações com base em plataformas sociais. Com um quadro assim existente – e tenha-se em mente que este é apenas um dos vértices da questão – não pode deixar de se apreender que a economia actual está em mutação, continuando um processo de reestruturação com significativo impacto em múltiplos sectores económicos. E precisamente numa visão mais especializada e sectorial, a da actividade comercial, surge uma das grandes transformações resultantes da utilização das novas tecnologias, com inegável ligação à alteração do significado e do valor do tempo e do espaço, aliado à desmaterialização: o comércio electrónico1. Este

tipo

de

comércio

apresenta

como

características

nucleares

a

desmaterialização, a tendencial “desintermediação”, o anonimato e a extrema mobilidade, sendo precisamente destas características fundamentais que resulta o seu profundo impacto na economia. 1

Não há uma definição universal e sem controvérsia de comércio electrónico. Contudo, esta 3 Rita Calçada Pires

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A desmaterialização surge como o resultado da digitalização e da natureza intangível do processo comercial pertencente ao comércio electrónico, bem como da reduzida necessidade de presença física. A utilização das tecnologias para exercer a actividade comercial à distância, e no que aqui releva a Internet, que surge como o mercado do comércio electrónico, torna os elementos geográficos cada vez menos relevantes. O que importa para que se comercie não é o conhecimento da localização física daqueles que comerciam, mas antes e somente a sua localização no espaço electrónico. O conhecimento do espaço geográfico é irrelevante no universo digital para que ocorra a transacção electrónica. Esta, para acontecer, apenas depende das ligações tecnológicas, não implicando qualquer deslocamento físico dos sujeitos intervenientes na operação. E esta constatação é ainda mais forte quando o bem ou serviço contratado é um bem ou serviço digitalizado ou digitalizável, pois, nesse caso, a transmissão do bem ou a prestação do serviço é feita de forma totalmente intangível, incorpórea, não sendo necessário recorrer aos circuitos tradicionais de distribuição e prestação2. A crescente desnecessidade da fisicalidade assume-se como consequência notória e primordial do comércio electrónico com a consequência imediata de fomentar aquilo que se caracterizou como consequências do processo de globalização derivado da utilização das novas tecnologias, a extrema mobilidade de certos factores de produção acompanhada de uma profunda difusão da autoridade. Factores estes que são enfatizados com outra característica do comércio electrónico, a tendencial “desintermediação” dos intermediários tradicionais, acompanhada do surgimento de novos intermediários comerciais que ocupam novos pólos de conhecimento de informações preciosas na arte de comerciar. O comércio electrónico, por oposição à generalidade do comércio tradicional, abre espaço à existência de contacto directo entre a fonte dos bens e serviços e o receptor 2

Num plano de avaliação do comércio mundial total, a fatia entregue a estes bens e serviços intangíveis representa, cada vez mais, uma proporção crescente, sendo a maior parte das operações electrónicas efectuadas com entidades relacionadas entre si, onde as telecomunicações são prestadas num ambiente desregulado e global, no qual a instantaneidade é a característica nuclear. Dale Pinto, E–commerce and source–based income taxation. Amsterdam: International Bureau of Fiscal Documentation. Doctoral Series (2003), pp. 59 e 60 4 Rita Calçada Pires

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desses bens e serviços. E esta realidade potencia o desaparecimento dos múltiplos intermediários existentes na cadeia comercial tradicional3. Contudo, embora as novas tecnologias permitam ao produtor/vendedor agregar nas suas funções, funções que são normalmente deixadas para os intermediários, o que favorece em muito a diminuição dos intervenientes e a actuação o mais directa possível, porque se tem a consciência de que as funções dos intermediários podem ainda trazer benefícios para os produtores4, o que a mais das vezes surge associado ao processo de “desintermediação” de alguns intermediários é a selecção daqueles intermediários tradicionais que apresentam uma posição mais forte e estratégica, capaz de promover o comércio segundo a forma electrónica. E a par desta reformulação do papel de alguns intermediários tradicionais, neste âmbito, pela sua própria natureza tecnológica e pela sua forma de funcionamento, o comércio electrónico permite ainda o aparecimento de novos intermediários – aquilo a que geralmente se apelida de intermediários tecnológicos ou cybermediaries.5 Alguns destes novos intermediários surgem como intermediários fortes financeiramente e com um elevado grau de qualificação, sendo capazes de surgir como forma de garantia e como área de negócio apetecível.6 O aparecimento destes novos intermediários, típicos de um universo electrónico, aliado à reformulação do papel de alguns tradicionais 3

No referente ao comércio electrónico directo, o desaparecimento pode mesmo ser total. No caso do comércio electrónico indirecto, apenas uma parte dos intermediários classicamente necessários permanece. 4 Nomeadamente, através da criação e disseminação de informação do produto e serviço, da capacidade de influenciar as compras, da promoção de informação para o cliente, da criação de espaço de destaque para o produto ou serviço, da redução do risco de exposição do produtor e do consumidor, bem como da redução dos custos de distribuição através de economias de escala. Ao intermediário caberia ainda a possibilidade de actuar como apaziguador no caso de interesses conflituantes entre o consumidor e o produtor. Mitra Sarkar, Brian Butler e Charles Steinfield, Intermediaries and cybermediaries: a continuing role for mediating players in the electronic marketplace. Journal of Computer Mediated Communications. 1:3 (1995) 5 Para uma lista de tipos de intermediários tecnológicos, cfr. OCDE, The economic and social impact of electronic commerce. Preliminary findings and research agenda (1999), pp. 69 6 As companhias telefónicas, as empresas provedoras de Internet – incluindo os casos de hospedagem de websites (webhosting) e os de armazenagem de websites (webstoring companies) – e até mesmo as autoridades de certificação, assim como todas as novas profissões associadas ao universo da Internet e do comércio electrónico, tais como os designers de páginas da Web ou os peritos em segurança na Internet, surgem como as novas entidades que medeiam a comunicação entre o comerciante e o comprador, pois o canal de comunicação entre estes dois últimos é a Internet e esta, enquanto universo com vida própria, tem bases física e virtuais necessárias à implementação e à existência do canal de comunicação virtual. 5 Rita Calçada Pires

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intermediários, acaba por produzir uma reintermediação, reintermediação essa que auxilia a disseminar o produto comerciado e o interesse dos que o pretendem adquirir.7 Ainda como características do comércio electrónico, aponta-se o anonimato. O tendencial

desconhecimento

das

partes

envolvidas

resulta

da

desmaterialização, no sentido indicado, e da ausência de presença física no local da transacção. Se não há a necessidade de as partes se encontrarem fisicamente para que haja a transacção, se os intermediários tradicionais, entre o produtor e o consumidor final, podem não existir e, no caso de continuarem a existir, reformularem a sua presença ao ponto de tendencialmente também não se conhecer quem é quem, então o anonimato está explicado. Mas este elemento

caracterizador

surge

igualmente

como

consequência

da

impossibilidade de controlar a globalidade da Internet, bem como é auxiliado pelo fenómeno da encriptação, técnica de codificação dos dados que permite que o conhecimento da identidade e do conteúdo transmitido só aconteça para quem dispõe de chave electrónica especificamente criada para o caso concreto.8 Porém, a par deste anonimato surge ainda uma outra característica do comércio electrónico, a sua extrema mobilidade. Sendo este uma forma de comerciar imediata, ilimitada no tempo e no espaço, acessível a qualquer pessoa, não relevando qual o ponto do globo onde se encontra, desde que tenha a possibilidade de utilizar os mecanismos de acesso à rede, as

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“Some intermediaries will remain. For example, financial institutions are critical players in ecommerce since they provide the means of Exchange, mostly via credit card at present. New intermediaries will appear, such as agencies that provide security for e-commerce transactions, agencies that provide authentication or identification of transacting parties, and transaction managers (network service providers that provide transaction services to users).” Jinyan Li, Rethinking Canada’s source rule in the age of electronic commerce: Part 2. Canadian Tax Journal/Revue Fiscale Canadienne. 47: 6 (1999), pp. 1416 8 Todavia, apesar de o anonimato ser comummente apontado como uma característica do comércio electrónico, que efectivamente o é, trata-se apenas de uma característica tendencial uma vez que existem formas de encontrar, pelo menos em algumas situações bem determinadas, a identificação dos agentes económicos envolvidos na transacção. Designadamente através das informações conhecidas pelos intermediários financeiros a propósito dos pagamentos electrónicos. Sobre o tema, cfr. Rita Calçada Pires, Tributação Internacional do rendimento empresarial gerado através do comércio electrónico. Desvendar mitos e construir realidades (no prelo). 6 Rita Calçada Pires

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possibilidades de vender e comprar tudo e em qualquer parte do mundo são infinitas. O comércio electrónico permite igualmente a deslocalização das actividades, dos intervenientes, assim como dos bens e serviços. Por tal, porque apresenta uma extrema mobilidade, o comércio electrónico acelera e difunde as mudanças já em curso, assumindo um notável efeito de propagação, capaz de aumentar de forma vasta a interactividade da economia, tal como gera uma nova temporalidade, onde o tempo é reajustado, permitindo um aumento da velocidade dos ciclos de produção9, bem como da satisfação das necessidades dos consumidores. Mas em quê que este novo tipo de comércio favorece a economia? Porquê afirmar a sua importância e a potencialidade? Porquê valorizar esta realidade económica? A resposta às questões colocadas encontram-se precisamente nas consequências derivadas das suas características, no impacto que estas têm nos sujeitos económicos, constituindo uma influência na forma de estes se organizarem e de agirem. O comércio electrónico representa um universo de oportunidades para os empresários. Através deste tipo de comércio à distância, os mercados já existentes amplificam-se tanto quanto abrem oportunidades de acesso e desenvolvimento de mercados novos e inovadores. Conquista-se aquilo a que se pode apelidar de um verdadeiro mercado global10, contribuindo para tal a ausência de barreiras físicas conjugada com a infinidade e rapidez das comunicações, permitindo-se a presença dos negócios virtualmente em qualquer parte do mundo. Abrem-se portas a mercados que, anteriormente, pelos elevados custos de implementação da presença física, não estavam acessíveis a grande parte das empresas. Mas também novos mercados são susceptíveis de serem criados, uma vez que, com as novas tecnologias, o único limite parece ser a imaginação. Num ambiente como o descrito, a abertura dos mercados, em conjugação com as tecnologias disponíveis, gera

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OCDE, The economic and social impact of electronic commerce. Preliminary findings and research agenda (1999), pp. 10 e ss 10 “Os limites deste tipo de comércio não são definidos geograficamente, mas antes pela cobertura das redes informáticas, o que permite aos consumidores proceder a uma escolha global […].”ANACOM – O comércio electrónico em Portugal: o quadro legal e o negócio. 2ª ed. [s. l.]: ICP – Autoridade Nacional de Comunicação, 2004, pp. 22 7 Rita Calçada Pires

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espaço para a criação de novos produtos e melhoramento de anteriores produtos, tal como intensifica a liberalização e a disponibilidade, quantitativa e qualitativa, da prestação de serviços. Este factor assume uma especial importância para as pequenas e médias empresas que obtêm agora um estatuto global antes dificilmente conseguido, podendo pelo menos aumentar o nível de competitividade em face das grandes empresas.11 Com esta nova forma comercial, novos modos de cooperação e de concorrência empresariais são desenvolvidos por forma a facilitar a gestão empresarial e a maximizar o seu funcionamento. Surge como profunda influência numa cultura empresarial fundada cada vez mais em novos modelos de negócio e numa renovada gestão empresarial12. Com a fragmentação da actividade económica, aumenta a divisão de funções e de tarefas, ainda que combinada com uma, aparentemente incongruente, maior integração de funções produtivas e comerciais. O que se passa é que a Empresa já não tem necessidade de albergar na sua esfera individual todas as funções necessárias ao desenvolvimento da sua actividade, existindo antes, e cada vez mais, o recurso a outras entidades ultra-especializadas que oferecem esses serviços, dinamizando a rapidez e a eficiência. Dá-se uma descentralização das estruturas hierárquicas13. A par dessa polarização das funções e dos sujeitos que as desempenham, observa-se ser possível, com as novas tecnologias, a produção ininterrupta dessas funções, feita através das continuidades asseguradas pelos vários fusos horários, onde a possibilidade de transferência e recepção imediatas dos materiais digitalizados asseguram as mesmas continuidades14. Com o descrito, a integração de funções empresariais é optimizada, tal como se consegue um aumento da flexibilidade, valor tão fundamental num mundo globalizado como o de hoje. Através desta nova organização empresarial e destes novos mecanismos, novos canais de

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OCDE, The economic and social impact of electronic commerce. Preliminary findings and research agenda (1999), pp. 17 12 SILVA, Miguel Mira da [et. al.] – Comércio electrónico na internet. Lisboa: FCA – Editora de Informática, 1999, pp. 97 13 Stefan Schlossmacher, Tax issues affecting virtual enterprises. Intertax. 30:3 (2002), pp. 96 14 US Department of Commerce, The emerging digital economy, pp. 49 8 Rita Calçada Pires

PUBLICADO COMO: PIRES, RITA CALÇADA, O comércio electrónico como realidade económica e fiscal – a necessidade de tributar o rendimento gerado através do comércio electrónico. Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida. Vol. IV, Almedina, Janeiro 2011, pág. 555573

distribuição surgem, tal como as cadeias de distribuição são aligeiradas15, tudo isto a par do enraizamento de novas formas de trabalho16. O comércio electrónico assume-se como um fenómeno que apadrinha a eficiência económica, apresentando um impacto extremamente positivo na diminuição dos custos e no aumento da produtividade17. O comércio electrónico, em confronto com o comércio tradicional, apresenta espaço para uma melhor gestão da imagem do negócio, para uma centralização das decisões e das actuações no mercado, suscitando maisvalias a nível da gestão do factor Tempo. Numa lógica empresarial, os ganhos temporais assumem tanta importância quanto os ganhos financeiros. Com o comércio electrónico observa-se a possibilidade da maximização na gestão de ambos os elementos e esse é, certamente, um factor que auxilia na decisão de escolher o comércio electrónico como campo de actuação negocial. Mais. O facto de o comércio electrónico permitir a redução de custos e consequente poupança, surge como novo incentivo para escolha do comércio electrónico em detrimento do comércio tradicional. Em qualquer negócio, a preocupação base é torná-lo lucrativo e uma das vias de obter uma maximização dos lucros é diminuir os custos envolventes. Como vimos, o comércio electrónico permite a

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ANACOM – O comércio electrónico em Portugal: o quadro legal e o negócio. 2ª ed. [s. l.]: ICP – Autoridade Nacional de Comunicação, 2004, pp. 23 16 No relatório do US Department of Commerce, apontam-se como principais transformações para os trabalhadores na era digital a mudança do quadro das exigências quanto à capacidade de trabalho que se tornam muito mais elevadas, bem como à extrema necessidade de flexibilidade acrescida na força laboral. US DEPARTMENT OF COMMERCE – The emerging digital economy. [s. l.]: Environmental Compliance Reporter, Incorporat, 1998, pp. 46 e ss 17 O impacto nos custos da empresa verifica-se ao nível das reduções decorrentes da desnecessidade de manter, operar e implementar um estabelecimento físico, tal como as melhorias decorrentes da diminuição dos custos de inventário, dos custos ao nível da promoção dos produtos e/ou serviços. A eficiência é igualmente alcançada através da melhoria da produtividade, visível na simplificação dos processos, na forma como passa a acontecer o processo de venda – incluindo a sua distribuição – e o suporte ao cliente no período pósvenda. Observa-se, com o comércio electrónico, a maximização de sinergias, sendo a sua utilização cada vez mais facilitada atendendo ao decréscimo dos custos de informação e com as tecnologias de comunicação. Cfr. OCDE, The economic and social impact of electronic commerce. Preliminary findings and research agenda (1999), pp. 13 e 14, mais pormenorizadamente, pp. 55 e ss Pode mesmo tentar agrupar-se as vantagens decorrentes paras empresas da utilização do comércio electrónico e afirmar que os benefícios actuam no âmbito da distribuição – a Internet e o comércio electrónico surgem como um novo canal de distribuição –, da comunicação e do marketing, bem como no âmbito operacional. Donna Hoffman, Thomas Novak e Patrali Chatterjee, Commercial scenarios for the web: opportunities and challenges [Em linha] Disponível http://jcmc.indiana.edu/vol1/issue3/hoffman.html 9 Rita Calçada Pires

PUBLICADO COMO: PIRES, RITA CALÇADA, O comércio electrónico como realidade económica e fiscal – a necessidade de tributar o rendimento gerado através do comércio electrónico. Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida. Vol. IV, Almedina, Janeiro 2011, pág. 555573

redução de custos que se apresentam como custos fixos no comércio tradicional18. Ao permitir redução de custos fixos, aumenta a poupança e a disponibilidade de capital para aplicação em outras áreas de desenvolvimento do negócio e, como é óbvio, a possibilidade de aumento do lucro, objectivo máximo do comércio privado. Se vantagens se apresentam no campo comercial e no campo financeiro através da possibilidade de redução de custos, então a produtividade tem espaço para poder crescer e encontrar novos níveis de estabilização. O espaço oferecido à maximização produtiva é uma certeza garantida pela reorganização dos recursos e dos espaços ocupados. A susceptibilidade de alcançar a presença efectiva num mercado verdadeiramente global é um forte incentivo à crescente produtividade e sua maximização. É forçoso reconhecer que, quanto mais aberto e livre for o envolvente comercial, maior será o esforço produtivo exigido, maior será o incentivo nesse sentido e maior a sua necessidade de implementação real e eficaz. Mas as potencialidades do comércio electrónico não existem apenas para os comerciantes. Também os consumidores podem retirar benefícios do comércio electrónico. Para o consumidor, o comércio electrónico assume-se como um novo modo de adquirir bens e serviços, trazendo a vantagem de melhor e mais completa informação, de mais escolha e de maior conveniência, bem como uma crescente personalização do consumo19. Do ponto de vista do consumidor ocorrem largos benefícios decorrentes de um maior mercado disponível e da inovação nascida dos novos produtos. O consumidor passa a ter maior controlo na procura, quase não tendo limites para a investigação do produto ou serviço pretendido, uma vez que, através da Internet, a busca é simples, quase sem custos (só tem os custos do acesso à navegação na Internet) e permitindo a 18

A título de exemplo, a existência de infra-estruturas físicas – como as lojas que permitem a apresentação dos produtos ao consumidor, os escritórios e outras instalações para o apoio ao cliente e para o serviço pós-venda – e a necessidade de intermediários em outros locais que não na sede do negócio, de modo a dispersar e alcançar mais procura. 19 US DEPARTMENT OF COMMERCE – The emerging digital economy. [s. l.]: Environmental Compliance Reporter, Incorporat, 1998, pp. 41 e ss e Karl Frieden, Cybertaxation: the taxation of e–commerce. Chicago: CCH Incorporated ; Arthur Andersen, 2000, pp. 42 e ss 10 Rita Calçada Pires

PUBLICADO COMO: PIRES, RITA CALÇADA, O comércio electrónico como realidade económica e fiscal – a necessidade de tributar o rendimento gerado através do comércio electrónico. Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida. Vol. IV, Almedina, Janeiro 2011, pág. 555573

comparação com um maior número de ofertas20. O valor e a disponibilidade da informação é uma vantagem significativa e de extrema importância para a escolha e para o consumo.21 Verifica-se uma transformação profunda na forma como o mercado da oferta e da procura se organiza, uma vez que este aprofunda a sua tendência de se centrar no cliente. As regras da relação comercial alteram-se, passando a maior parte do domínio da capacidade de decidir a feitura de um negócio para a esfera do comprador, em detrimento do vendedor. Tal é justificado pelo facto de, com a múltipla oferta presente na Internet para o comércio electrónico, o risco de o vendedor perder mais facilmente o potencial comprador ser uma realidade hoje já inalterável. Em face de tamanha oferta, prender a atenção do cliente surge como a necessidade primeira do vendedor, mais ainda do que no âmbito do comércio tradicional, uma vez que as necessidades dos clientes expandem-se a todos os outros domínios empresariais e não apenas ao marketing, às vendas ou ao serviço de cliente22. Daí que a estratégia assuma um lugar de destaque na lógica empresarial moderna do comércio electrónico23. De uma análise conjugada resulta que tanto para as empresas como para os consumidores, o comércio electrónico enceta vantagens significativas, o que o

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No tocante aos preços, pode dizer-se ser comum verificar que alguns vendedores disponibilizam descontos significativos nos seus produtos, se adquiridos por via electrónica. Todavia, ainda que essa seja uma técnica usual, não é absolutamente generalizada. Aliás, a OCDE defende não ser muito nítida a relação entre o comércio electrónico e a redução dos preços, mas é possível que a médio/longo prazo se verifique, pelo menos, a tendência para a redução dos preços. OCDE, OCDE, The economic and social impact of electronic commerce. Preliminary findings and research agenda (1999), pp. 16. Todavia, um aspecto deve ainda ser referido a propósito do comércio electrónico indirecto e a questão dos preços. Como é sabido, o comércio electrónico indirecto utiliza os canais físicos de distribuição para fazer chegar o bem ao consumidor. Por isso, pode acontecer que preço reduzido seja afectado negativamente pelos custos de transporte. 21 Donna Hoffman, Thomas Novak e Patrali Chatterjee, Commercial scenarios for the web: opportunities and challenges [Em linha] Disponível http://jcmc.indiana.edu/vol1/issue3/hoffman.html 22 “A primeira implicação de um mundo centrado no cliente é que a gestão da relação com o cliente, torna-se na actividade central de qualquer eBusiness. Funcionalmente, esta alteração significa que o universo das unidades empresariais e processos tocam o cliente – antes isso limitava-se ao marketing, vendas e serviço ao cliente – é necessário expandir para incluir engenharia, produção e distribuição.” Dicionário de eBusiness, pp. 55 23 Francisco Ferrão, E–Business. Lisboa: Escolar Editora, 2000, pp. 49 e 56. Cfr. igualmente Martin V. Deise [et. al] – Executive’s guide to e–business. From tactics to strategy. New York [etc]: John Willey & Sons, Inc., 2000. Pricewaterhouse Coopers, pp. xv 11 Rita Calçada Pires

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tornam num novo universo pleno de atractivos. A maior rapidez, a maior flexibilidade, as maiores eficiência e eficácia, acompanhadas de maiores poupança, personalização e facilidades tornam o comércio electrónico um meio apetecível para comerciar e gerir a vida empresarial. Estas vantagens são maximizadas no caso de os bens e serviços envolvidos na transacção serem bens e serviços digitalizados ou digitalizáveis (comércio electrónico on-line). Por tudo isto se compreende a importância do comércio electrónico no campo económico contemporâneo e o espaço que tem para crescer e se aprimorar. E de facto é o que acontece.24 Este retrato oferece a compreensão da importância e das potencialidades oferecidas pelo comércio electrónico. A utilização crescente desta forma comercial concede-lhe uma cada vez maior importância no quadro económico. Daí a necessidade de ser uma realidade considerada no plano jurídico. Não pode ser menosprezada, nem muito menos diminuída. Isto porque coloca novas questões e necessariamente fará com que seja necessário proceder a ajustamentos na estrutura jurídica em face da sua novidade, inovação e especificidades. Por entre tantas vantagens e alguns inconvenientes, com interesses diversificados a alimentar o seu âmago, não pode deixar de ser colocada a questão da ligação entre o comércio electrónico e a realidade pública. O Estado contemporâneo poderia ser efectivamente cada vez mais um Estadomínimo e ultra-especializado, mas é também crescentemente um Estado marcado por uma cada vez maior necessidade de presença na economia. As formas por que intervém são cada vez mais diversificadas. Assim, também ao universo do comércio electrónico a realidade pública envolve-o. Parecem ser três os principais patamares de ligação entre a realidade do comércio 24

A cada ano que passa a utilização do comércio electrónico é crescente, tanto ao nível intraempresarial (comércio electrónico entre empresas – o Business-2-Business), como em paralelo ao comércio em retalho (o Business-2-Consumer), assumindo uma presença notória o comércio electrónico entre consumidores através de plataformas digitais disponibilizadas por intermediários tecnológicos (o Consumer-2-Consumer). Demonstrando esta utilização crescente do comércio electrónico, cfr. e.g., OCDE, Working Party on Indicators for the Information Society. DSTI/ICCP/IE(2004)18/FINAL – Online payment systems for e–commerce (April 2006), p. 5 e ACEP/NETSONDA. Estudo sobre o comércio electrónico em Portugal. 2008 12 Rita Calçada Pires

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electrónico e a realidade pública: utilização do comércio electrónico pelas entidades públicas, regulação do comércio electrónico e a sua tributação. Em face das múltiplas vantagens que este tipo de comércio apresenta, o Estado é também ele um agente utilizador. O comércio electrónico e as novas tecnologias associadas surgem como uma realidade imperiosamente integrada na forma de actuação pública contemporânea. A utilização das novas tecnologias no funcionamento público dá azo à criação daquilo que se designa por Governo em Linha (E-Government). O conceito cada vez mais utilizado surge para retratar um tipo de Estado que assume e integra as virtualidades das novas tecnologias, uma componente moderna e cada vez mais actual da relação do poder público com as empresas e os cidadãos. Especificamente no plano fiscal, cresce aquilo que se apelida de Fisco Digital, uma forma de revitalização da máquina administrativa fiscal, assente na tentativa de diminuir a burocracia, de promover a economia e o interesse público, tanto quanto proceder a uma optimização de recursos, garantindo maior celeridade e maior simplificação nos procedimentos e processos. E aqui surge a informatização da Administração Pública como ponto crucial para garantir a satisfação desses objectivos.25 Contudo, ainda que esta nova face do funcionamento público seja de extrema relevância, esta apenas revela a integração de novas tecnologias no funcionamento da máquina pública, não a utilização do comércio electrónico pelo Estado. A utilização do comércio electrónico como meio de contratação pública surge como uma especificidade de entre a integração das novas tecnologias no espaço público. A utilização pública do comércio electrónico nasce como forma de incentivar, de promover e de desenvolver este tipo comercial. Se o Estado o utiliza, então essa utilização revelar-se-á um sinal de que é um meio fiável e adequado. Da utilização pública do comércio electrónico gera-se espaço para o incentivo, para a promoção e para o desenvolvimento da utilização privada do comércio electrónico, uma vez que também a utilização

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Designadamente no referente às relações do Estado com os cidadãos, mas igualmente no funcionamento interno mais eficiente. Neste último aspecto, o espaço aberto para a integração dos vários sistemas públicos, permitindo um adequado cruzamento de dados surge como motor de incentivo à utilização das novas tecnologias no espaço público. 13 Rita Calçada Pires

PUBLICADO COMO: PIRES, RITA CALÇADA, O comércio electrónico como realidade económica e fiscal – a necessidade de tributar o rendimento gerado através do comércio electrónico. Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida. Vol. IV, Almedina, Janeiro 2011, pág. 555573

pública transmite a ideia de segurança, de integridade e de funcionalidade das novas tecnologias. Mesmo que o objectivo da utilização do comércio pelas estruturas públicas surja como forma de o poder público aproveitar os benefícios revelados por esta forma de comércio em face do comércio tradicional, o facto é não poder ser desconsiderada a mensagem que esta utilização cria na consciência privada. O dinamismo público influenciará o dinamismo privado. Um outro patamar de ligação entre a realidade do comércio electrónico e a realidade pública é o da regulação. Num Estado crescentemente regulador, onde a intervenção económica é cada vez mais uma intervenção indirecta procurando influenciar, controlar e condicionar a intervenção dos privados em áreas fundamentais onde os princípios em jogo impõem uma intervenção pública reguladora, o comércio electrónico surge precisamente como uma dessas áreas de intervenção pública reguladora necessária. O facto de, entre muitos outros, valores como a protecção de dados pessoais e a segurança das operações

comerciais

e

financeiras

estarem

em

causa,

impele

à

imprescindibilidade da regulação do comércio electrónico. Até porque esta forma de comerciar é actualmente considerada pelos Estados um pilar fundamental da sociedade de informação, e sendo a sociedade de informação um

dos

elementos

nucleares

daquilo

que

caracteriza

a

sociedade

contemporânea, o seu valor e a sua protecção impõem-se. Não é de estranhar, por tal, que a regulação esteja presente. Questiono mesmo se a regulação não será também ela imprescindível para efectivamente legitimar o comércio electrónico no plano económico, dotando-o do espaço necessário para assumir verdadeiramente todas as suas potencialidades. Mas procurando o presente estudo apelar ao âmbito económico e fiscal, ainda que os dois anteriores patamares de ligação sejam de extrema importância, um outro patamar surge com destaque na visão que se apresenta. O patamar da tributação do comércio electrónico.

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PUBLICADO COMO: PIRES, RITA CALÇADA, O comércio electrónico como realidade económica e fiscal – a necessidade de tributar o rendimento gerado através do comércio electrónico. Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida. Vol. IV, Almedina, Janeiro 2011, pág. 555573

Precisamente por ser uma forma de actuação comercial nova, cheia de potencial e que tem apresentado um forte crescimento na sua utilização, várias são as vozes que, desde o início, defendem não dever ser o comércio electrónico tributado. Afinal de contas, a tributação seria uma forma de distorcer as potencialidades do comércio electrónico, afastando os agentes económicos desta inovação comercial. Em última análise, não se defendendo uma não tributação permanente e definitiva, há quem tente suavizar, sustentando uma moratória na tributação, com a intenção de atrair mais utilizadores, desenvolvendo e enraizando a via electrónica das trocas comerciais26. Mas estas são posições indefensáveis. O comércio electrónico deve ser efectivamente tributado. Não por meras razões monetárias, mas antes por verdadeiras razões jurídicas, para além das económicas . Um dos princípios centrais do direito fiscal, base de toda a sua construção, é o princípio da igualdade, também conhecido por equidade. Este princípio é um corolário inevitável do princípio da justiça que percorre todas as áreas jurídicas. E é precisamente o princípio da igualdade a impor a efectiva tributação do comércio electrónico. O princípio da igualdade determina que não deve ocorrer discriminação na tributação, que todos os contribuintes devem ser tratados de igual forma perante o imposto. Contudo, com algumas nuances. Determina a igualdade de tratamento no caso de situações idênticas, sendo que para situações desiguais, precisamente em nome da diferença, os tratamentos devem ser diferenciados e na medida da diferença. Ora, no que agora se refere, a questão da tributação do comércio electrónico, o patamar de comparação será o do comércio tradicional. Sendo o comércio tradicional uma actividade tributada, como explicar que o

comércio electrónico não o seja? É precisamente do

estabelecimento do elo comparativo entre o comércio tradicional e o comércio

26

Defendida pelos Estados-Unidos da América, logo no seu primeiro documento-chave sobre a problemática US DEPARTMENT OF THE TREASURY – OFFICE OF TAX POLICY – Selected tax policy implications of global electronic commerce, November, 1996, tendo posteriormente sido implementada nacionalmente por sucessivos actos legislativos, como The Internet Tax Freedom Act em 1998, com prorrogações sucessivas em 2001, 2004 (Internet Tax Non Discrimination Act) e 2007. Esta última estendeu o prazo até 2014. 15 Rita Calçada Pires

PUBLICADO COMO: PIRES, RITA CALÇADA, O comércio electrónico como realidade económica e fiscal – a necessidade de tributar o rendimento gerado através do comércio electrónico. Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida. Vol. IV, Almedina, Janeiro 2011, pág. 555573

electrónico que nasce a certeza e a justificação da tributação do comércio electrónico. A análise comparativa entre os dois modos de comerciar revela que ambos representam a mesma actividade e que ambos têm o mesmo fundamento de tributação. Aquilo que os distingue é a forma como desenvolvem a sua actividade, não a substância dessa actividade. E se é apenas a forma que os distingue, então daqui apenas poderá resultar que igualmente apenas a forma como serão tributados deve ser diferenciada, não a existência de tributação. Como foi apresentado, o comércio electrónico é uma forma de exercer a actividade comercial. Uma forma assente em plataformas tecnológicas, mas não deixa de ser uma forma de actividade comercial, sendo uma forma de comércio paralela ao comércio tradicional. O objectivo de ambos é o mesmo: comerciar. Aquilo que os distingue é a forma como são exercidos, não a substância. Diz-se serem formas paralelas, mas não se nega a realidade de integração dos dois tipos de comércio. O facto é existir cada vez uma maior tendência para a integração das novas tecnologias no plano do comércio tradicional. As novas tecnologias são intensivamente integradas no plano comercial tradicional, como forma de aproveitar as suas potencialidades, oferecendo a possibilidade de concorrência efectiva também com o comércio electrónico. As virtualidades deste último tipo comercial não ficou por reconhecer nos comerciantes em espaços físicos. Por isso, estes comerciantes recorrem também a uma presença nos espaços electrónicos. Contudo, a realidade demonstra que essa presença e essa integração desta nova forma digital de comerciar surge apenas para os negócios físicos como mais uma esfera de actuação, surge apenas como meio auxiliar de exercício da sua actividade27. E é aqui que reside a grande diferença. Para o comércio electrónico, o espaço digital não é um meio auxiliar ao desempenho da actividade, é antes o seu próprio mercado, é o seu exclusivo espaço de acção. O comércio electrónico nasce e desenrola-se no chamado marketspace por 27

A actuação no espaço virtual surge maioritariamente, no plano do comércio tradicional, como forma de divulgação, isto é, como meio de informação sobre o negócio em causa e sobre os produtos disponibilizados. 16 Rita Calçada Pires

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oposição

ao

marketplace

do

comércio

tradicional28.

Daqui

decorrem,

naturalmente, profundas consequências na forma como a actividade comercial é desenvolvida. Por se compreender que a realidade substancial é a mesma, sendo apenas divergente a realidade formal, não pode deixar de se defender a tributação efectiva do comércio electrónico. O que concretiza a fundamentação da tributação do comércio? O primeiro elemento a ser avançado é desde logo o princípio da capacidade contributiva. Corolário do princípio da igualdade, impõe que a tributação para existir dependa da existência de possibilidade de contribuir. Apenas quem tiver ou o que revelar capacidade contributiva poderá ser tributado. E essa tributação deverá acontecer de acordo com as circunstâncias individuais. Ora o comércio electrónico gera rendimento e é precisamente o rendimento que revela a existência de capacidade contributiva. Qualquer actividade comercial, sendo uma actividade económica, assenta em receitas e despesas, e é essa realidade que revela a justificação da tributação. E sendo que o comércio electrónico não foge à regra da lógica económica, a sua capacidade contributiva fica desvendada. E se demonstra ter capacidade contributiva, então deve ser efectivamente tributado. Porém, não apenas o princípio da capacidade contributiva revela a ideia de igualdade no tratamento tributário da realidade comercial tradicional em face da realidade comercial digital. Também a neutralidade fiscal assim o exige. Ao falar-se da neutralidade pede-se que o aspecto fiscal influencie o menos possível as escolhas dos contribuintes. Pretende-se garantir a menor interferência possível na esfera dos particulares do elemento fiscal, tudo com o objectivo de não criar uma distorção dessa mesma escolha, afastando a maximização da eficiência e da eficácia económicas nas escolhas privadas. Compreende-se que a neutralidade está profundamente ligada à preocupação de racionalidade económica que sempre fará parte das ambições do direito fiscal. Mais uma vez, se se fosse criar um 28

Nomenclaturas inglesas retiradas de Jeffrey F. Rayport e John J. Sviokla, Exploiting the virtual value chain. Harvard Business Review. (November/December 1995), pp. 75 e ss 17 Rita Calçada Pires

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espaço de não tributação para o comércio electrónico, certamente a racionalidade económica das escolhas privadas seria fortemente abalada, uma vez que se privilegiaria o comércio electrónico em detrimento do comércio tradicional. E isso é exactamente aquilo que não se pretende. Urge ainda apontar um terceiro elemento que concretiza a fundamentação da tributação do comércio electrónico. A integridade do sistema fiscal. É apenas mais uma consequência do que foi apontado. Sendo a capacidade contributiva e a neutralidade elementos estruturantes de um sistema fiscal, a integridade desse sistema fiscal exigirá o seu cumprimento. Caso não sejam atendidos esses elementos estruturantes, o sistema fiscal verá a sua integridade afectada. Se não se tributasse o comércio electrónico criar-se-ia um espaço demasiado propício a questionar o funcionamento do sistema fiscal, uma vez que os seus pilares fundamentais seriam fortemente abalados, o que conduziria a afectar a eficiência do sistema fiscal, com profundo impacto na sua legitimidade e naturalmente na sua integridade. Porque o comércio electrónico e o comércio tradicional partilham a sua substância e é essa substância que justifica a tributação, não pode haver espaço para defender uma não tributação do comércio electrónico. O comércio electrónico deve ser efectivamente tributado. Contudo, atendendo ao facto de a actividade comercial ser efectuada de diferente forma no comércio electrónico por contraste com o funcionamento do comércio tradicional, tal deve igualmente impor o reconhecimento de que a forma como essa tributação é efectuada deve ser diferenciada. Há, todavia, que frisar tal pressupor a tributação do comércio electrónico, não a sua não tributação. Porém, apesar desta nota, poder-se-ia cair no erro de afirmar que, ainda que se tribute o comércio electrónico, como a forma da sua tributação deve ser diferente da do comércio tradicional, então esta tributação deveria ser privilegiada. Utilizar-se-iam as suas especificidades de funcionamento para justificar uma tributação mais vantajosa para o comércio electrónico. Mas não. A posição defendida não significa uma tributação privilegiada. Esta é 18 Rita Calçada Pires

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igualmente uma posição a recusar. O comércio electrónico não tem espaço para uma tributação privilegiada. Ao contrário do que algumas vozes defendem, precisamente por o comércio electrónico ser uma forma diferente de comerciar e por ter tantas potencialidades justificaria uma tributação mais favorável do que a do comércio tradicional. Também com esta posição não se concorda. Embora o direito fiscal tenha, em algumas das suas vertentes, uma inegável finalidade extrafiscal, o facto é que na área do comércio electrónico não deve caber ao direito fiscal o auxílio ao seu desenvolvimento. Esta não é uma preocupação nuclear no âmbito fiscal, é antes questão que deve ser considerada no âmbito do Direito da Internet e das Comunicações Electrónicas. E a justificação é simples. Os elementos que mais contribuem para o desenvolvimento do comércio electrónico passam pela garantia da segurança das comunicações e das transmissões de dados, pela rapidez das comunicações e pela possibilidade de personalização dos bens e serviços comerciados no âmbito digital.29 Ora essas são questões que não ocupam o escopo fiscal. Por isso, afirma-se que o auxílio ao desenvolvimento do comércio electrónico não é uma função fiscal. Mas, por outro lado, pode ainda acrescentar-se outra razão. Havendo espaço para uma tributação privilegiada quem garante que os benefícios retirados pelo comerciante de uma menor carga fiscal reverteriam automaticamente e directamente também para os utilizadores/consumidores digitais? No espaço do comércio tradicional, em sede de tributação sobre o consumo, quando houve a diminuição da taxa de imposto sobre o valor acrescentado percebeu-se que os preços praticados não tiveram qualquer diminuição. Isso significa que não há uma real vantagem para o consumidor, o que em muito diminuirá a potencialidade de promover o crescimento da utilização do comércio electrónico. Este crescimento depende 29

Curioso é atender aos resultados apresentados no Estudo sobre o comércio electrónico em Portugal, produzido em Maio de 2008 pela ACEP/NETSONDA (ACEP/NETSONDA. Estudo sobre o comércio electrónico em Portugal. 2008). Ainda que limitado ao território nacional, este estudo veio apresentar que, em relação aos inquiridos que não realizam compras através da Internet, os principais motivos são a falta de confiança nos sistemas de pagamento com 58,7% (46,7% em 2007), o gostar de ver e experimentar um produto antes de o adquirir com 55,8% (54,1% em 2007), e as preocupações com segurança ou privacidade (50%). Daqui se pode concluir que as principais razões que podem levar a uma actuação do universo jurídico com o intuito de promover o crescimento da utilização do comércio electrónico estão presentes, nomeadamente, ao nível da segurança e da confiança. 19 Rita Calçada Pires

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de elementos exógenos ao direito fiscal, logo, não deverá haver uma absorção, absorção essa que, como foi visto, representaria profundos impactos negativos: desrespeito do princípio da igualdade, nomeadamente da capacidade contributiva, afastamento da neutralidade fiscal e integridade do sistema fiscal corrompida. Não parece que a avaliação daquilo que está em causa justifique os riscos que se correria com absorção desses elementos estranhos ao direito fiscal. Estas parecem ser razões mais do que suficientes para demonstrar a recusa de um espaço de tributação privilegiada do comércio electrónico em face do comércio tradicional. Falta, não obstante, uma breve clarificação. Quando se defende uma forma de tributação diferenciada para o comércio electrónico, aquilo que se exige é que as regras de tributação plena do comércio electrónico sejam regras próprias, que atendam às suas especificidades de funcionamento, pois apenas assim se irá conseguir efectivamente tributar o comércio electrónico. Porém, ainda aqui deve ser feita uma advertência. As normas específicas devem ser criadas atendendo à realidade que se pretende efectivamente tributar. Isto significa que as normas devem procurar tributar o rendimento gerado através do comércio electrónico e não outras realidades que sejam aparentemente mais fáceis de detectar mas que nada revelam sobre o objecto da tributação.30 Aquilo que se pretendeu apresentar passou por revelar a importância do comércio electrónico no universo económico contemporâneo, como forma de comerciar decorrente das novas tecnologias que apresenta uma infinidade de potencialidades para os agentes económicos. Como realidade cada vez mais preponderante na nossa economia é uma realidade que capta a atenção 30

Com isto pretende recusar-se propostas de tributação da realidade do comércio electrónico que o ligam a tributação ao número de bits trocados nas comunicações electrónicas, independentemente de estas serem ou não comunicações comerciais (Bit Tax), tributos sobre o acto de registo do nome de domínio, taxa para concessão de endereço IP, tributação da publicidade na Internet ou até mesmo tributo sobre o acesso aos websites (Hit Tax). A razão da recusa é comum a todas as hipóteses: existir neste tipo de soluções a tributação dos reflexos das novas tecnologias e não a tributação do comércio electrónico em si mesmo considerado, isto é, a tributação do rendimento gerado através do comércio electrónico. Para mais desenvolvimentos sobre as figuras mencionadas, cfr., Antonio Uricchio, Some thoughts for e–reforming the tax system: beyond the bit tax. Intertax. 34: 12 (2006) pp. 617 e ss 20 Rita Calçada Pires

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pública. Quer através da sua utilização, enquanto o Estado se assume como agente económico, quer como regulador de uma economia de mercado. E a tributação surge igualmente como uma manifestação da integração da realidade do comércio electrónico na esfera pública. Porque, em face do comércio tradicional, os princípios estruturantes do sistema fiscal exigem a tributação efectiva do comércio electrónico. Rita Calçada Pires Lisboa, Dezembro de 2009 SUGESTÃO DE CITAÇÃO: PIRES, RITA CALÇADA (2011). O comércio electrónico como realidade económica e fiscal – a necessidade de tributar o rendimento gerado através do comércio electrónico. Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida. Vol. IV, Almedina, Janeiro 2011, pág. 555-573

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