Educação médica para controle do câncer: avaliação de egressos de um curso de medicina e a contribuição das ligas acadêmicas como mais uma estratégia de ensino

June 23, 2017 | Autor: Diogo Ferreira | Categoria: Oncology, Medical Education, Public Health, Cancer Education
Share Embed


Descrição do Produto

Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro Biomédico Faculdade de Ciências Médicas

Diogo Antonio Valente Ferreira

Educação Médica para controle do câncer: avaliação de egressos de um curso de Medicina e a contribuição das ligas acadêmicas como mais uma estratégia de ensino

Rio de Janeiro 2014

Diogo Antonio Valente Ferreira

Educação Médica para controle do câncer: avaliação de egressos de um curso de Medicina e a contribuição das ligas acadêmicas como mais uma estratégia de ensino

Dissertação apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-graduação em Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Orientadora: Prof.ª Dra. Maria Helena Faria Ornellas de Souza Coorientadora: Prof.ª Dra. Renata Nunes Aranha

Rio de Janeiro 2014

CATALOGAÇÃO NA FONTE UERJ/REDE SIRIUS/BIBLIOTECA CB-A

F383

Ferreira, Diogo Antonio Valente. Educação Médica para controle do câncer: avaliação de egressos de um curso de Medicina e a contribuição das ligas acadêmicas como mais uma estratégia de ensino / Diogo Antonio Valente Ferreira. - 2014. 149 f. Orientadora: Maria Helena Faria Ornellas de Souza. Coorientadora: Renata Nunes Aranha. Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Faculdade de Ciências Médicas. Pós-graduação em Ciências Médicas. 1. Medicina - Estudo e ensino (Superior) - Teses. 2. Educação médica - Teses. 3. Estudantes de medicina - Teses. 4. Câncer – Prevenção - Teses. 6. Política de saúde - Teses. I. Souza, Maria Helena Faria Ornellas de. II. Aranha, Renata Nunes. III. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Faculdade de Ciências Médicas. IV. Título. CDU 616-006:378.147

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação, desde que citada a fonte.

______________________________________________

Assinatura

_____________________

Data

Diogo Antonio Valente Ferreira

Educação Médica para controle do câncer: avaliação de egressos de um curso de Medicina e a contribuição das ligas acadêmicas como mais uma estratégia de ensino Dissertação apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-graduação em Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Aprovada em 24 de outubro de 2014.

Coorientadora: Prof.ª Dra. Renata Nunes Aranha Faculdade de Ciências Médicas – UERJ

Banca Examinadora: __________________________________________________ Prof.ª Dra. Maria Helena Faria Ornellas de Souza (Orientadora) Faculdade de Ciências Médicas – UERJ __________________________________________________ Prof.ª Dra. Mary Therezinha Alexandre Simen Rangel Faculdade de Ciências Médicas – UERJ __________________________________________________ Prof.ª Dra Kátia Regina Xavier da Silva Colégio Pedro II __________________________________________________ Prof.ª Dra. Gulnar Azevedo e Silva Mendonça Instituto de Medicina Social – UERJ

Rio de Janeiro 2014

DEDICATÓRIA

A Antonio Rodrigues Valente e Braz Isidoro Ferreira, queridos avôs que sempre me apoiaram desde meus primeiros e pequenos passos.

AGRADECIMENTOS

À minha família, em especial meus pais (Geraldo e Oraci), meu irmão (Alexandre) e minha avó (Maria) pelo apoio em todos os momentos, pelos valores que me ensinaram e pelo caminho que me ajudaram a construir. Às minhas orientadoras, Maria Helena Ornellas e Renata Aranha – professoras e amigas. Presenças seguras e estimulantes. À eterna amiga Chrisleide Nascimento da Silva, companheira de todas as horas, que muito contribuiu para a concretização desta dissertação. Às amigas Helena Taveira Cruz, Thabata Costa Moraes, Paula Medina, Rosilene C. Ferreira de Moraes e Faila Miranda dos Santos, por toda ajuda com que me deram. A Lucas Lennon Mendes pela cumplicidade e apoio em grande parte desta jornada. Aos amigos e colegas alunos do curso de Medicina da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, pelo apoio, prestatividade e paciência na coleta de dados e participação nesta pesquisa. A todos os colegas da Disciplina de Patologia Geral e da secretaria da Faculdade de Ciências Médicas. Ao amigo Adriano Arnóbio por toda contribuição com a parte estatística. À minha equipe de trabalho pela força nestas últimas etapas: Ana Luiza Pinto, Regina Padilha, Amanda Figueirol e todos os profissionais da Clínica da Família Ana Maria Conceição dos Santos Correia. E, finalmente, a Deus por todas as oportunidades apresentadas e por ter colocado todas essas pessoas maravilhosas pelo meu caminho.

[...] Viva, contudo, sem ficar nervoso, mas sabendo que é muito perigoso (lá disse o Rosa) e que viver dá câncer. Já que você nasceu… Ah, não sabia deste resumo da sabedoria? Nascer, mero sinônimo de câncer. [...]

Carlos Drummond de Andrade

RESUMO

FERREIRA, Diogo Antonio Valente. Educação Médica para controle do câncer: avaliação de egressos de um curso de Medicina e a contribuição das ligas acadêmicas como mais uma estratégia de ensino. 2014. 149 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Médicas) – Faculdade de Ciências Médicas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014. O câncer ganha cada vez mais destaque como problema de saúde pública. Desta forma, diversas estratégias somam-se com objetivo de reduzir a morbi-mortalidade associada a este conjunto de doenças. Para o pleno sucesso das políticas de controle, o profissional de saúde, em especial o médico, assume papel fundamental. Contudo, depara-se com a deficiência encontrada nos currículos das escolas médicas (EM), principalmente no que tange ao ensino de ações desenvolvidas dentro da atenção primária em saúde. No Brasil, diversos projetos genericamente denominados de Ligas Acadêmicas (LA) têm ganhado destaque como propostas para ensino, enquanto atividades extracurriculares, através da iniciativa discente. Esta dissertação tem como objetivos: (1) avaliar a capacitação de alunos de Medicina quanto a conhecimentos e práticas para prevenção, rastreamento e diagnóstico precoce das neoplasias mais frequentes no Brasil e (2) avaliar a repercussão e as propostas das LA como complementação de ensino. Foi realizada a adaptação transcultural de um questionário autopreenchível utilizado em estudos norte-americanos como instrumento para coleta de dados. Os dados foram obtidos de alunos do último ano de uma universidade pública no Rio de Janeiro. Dos 78 alunos elegíveis, 74 participaram do estudo. Destes, 87% consideram que o estudo de câncer no currículo é insuficiente. Apenas 4% souberam informar corretamente as neoplasias com protocolo de rastreamento recomendados no Brasil. Os resultados mostram que o treinamento em habilidades para o controle do câncer é fraco: quanto ao aconselhamento de pacientes, 30% receberam treinamento para orientar a cessação do tabagismo e um percentual ainda menor (15%) chegam ao final do curso sem terem sido treinados para avaliar a história nutricional dos pacientes. Em relação ao exame físico, quase 60% nunca foram treinados a realizar o exame clínico da pele, 50% terminam a graduação sem terem executado um preventivo ginecológico e quase 20% sem realizar o exame clínico das mamas. Já em relação a autopercepção, os alunos sentem-se muito mais preparados a aconselhar pacientes quanto a hábitos para prevenção do câncer. Outras variáveis estudadas (gênero, sistema de ingresso no vestibular e familiares/pessoas próximas com câncer) não afetaram o desempenho dos alunos nas dimensões avaliadas (treinamento, prática e autopercepção). Para avaliar o efeito graduação, foi utilizado um grupo controle formado por alunos do primeiro ano (n=77). Houve ganho significativo nas dimensões treinamento e prática quando comparamos os dois grupos e, numa proporção bem menor, na dimensão autopercepção. Para avaliação das LA, foi realizado um levantamento de todas as EM no Brasil que iniciaram suas atividades antes do ano de 2010 e, após relação nominal, foram identificadas aquelas com LA e com LA relacionada ao estudo do câncer. Contudo, o verdadeiro impacto destes projetos só pode ser entendido com uma análise qualitativa dos mesmos. Observa-se que, nas LA, os alunos são estimulados a desenvolver habilidades pouco abordadas nos currículos tradicionais, fundamentais para a formação profissional, como gestão, liderança, empreendedorismo, inovação, extensão universitária e construção da cidadania. Palavras-chave: Educação médica. Cancerologia. Ligas acadêmicas. Políticas públicas de saúde.

ABSTRACT

FERREIRA, Diogo Antonio Valente. Medical education for cancer control: evaluation of graduates of a medical school and the contribution of academic leagues as a teaching strategy. 2014. 149 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Médicas) – Faculdade de Ciências Médicas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014. Cancer is increasingly widespread as a public health problem. In order to reduce the morbidity and mortality associated, several strategies are being implemented. When it comes to control it, the role of health professionals, particularly the physician, is of paramount importance. However, deficiencies are observed in the medical schools' (MS) curricula, especially with regard to teaching activities developed in primary health care. In Brazil, projects generically called academic leagues (AL) have been gaining attention, as extracurricular activities proposals for education, through student initiative. This work aims to: (1) evaluate the training of medical students in knowledge and practices for prevention, screening and early diagnosis of the main malignancies in Brazil and (2) evaluate the impact of the proposals of AL as supplementary teaching. Data were obtained from students in the last year at a public university in Rio de Janeiro through a self-administered questionnaire conducted in American studies, previously subjected to a cross-cultural adaptation. Seventy- eight students were considered eligible and 74 participated in the study. Of these, 87% consider that cancer studies of medical school curriculum is insufficient. Only 4% were able to correctly inform the recommended protocol for cancer screening in Brazil. Similarly, our results show that skill training for cancer control is weak: on the advice of patients, 30% received training to guide to smoking cessation and an even smaller percentage (15%) reach the end of the course without having been trained to assess the nutritional history of patients. In according to physical examination, almost 60% have never been trained to perform the clinical examination of the skin, 50% end up graduating without having executed a preventive gynecological examination and almost 20% without performing the clinical breast exam. With regard to self-perception, students feel more prepared to advise patients about cancer prevention habits. Other variables (gender, quotas for university access and family/friends with cancer) did not affect the performance of students in the dimensions evaluated (training, practice and self-perception). In order to evaluate the effect of graduation, a control group of first year students (n=77) was used. There was a significant gain in training and practice dimension comparing the two groups, and in a lower proportion, self-perception dimension. To evaluate the AL, a survey involving all MS registered in Brazil, which started academic activities before 2010 was undertaken. Despite that, we can only truly understand the real impact and the potential of these projects by undertaking qualitative analysis of their activities. It is observed that in AL, students are encouraged to develop skills not addressed in traditional curricula, such as management, leadership, entrepreneurship, innovation, health education and construction of citizenship. Keywords: Medical education. Academic leagues. Oncology. Public-health policies.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 -

Fluxograma representando o processo de adaptação do instrumento de coleta de dados................................................

Figura 2 -

38

Abordagem estatística de acordo com cronograma de coleta de dados...................................................................................

41

Figura 3 -

Fluxograma mostrando organização do estudo........................ 46

Figura 4 -

Fluxograma mostrando resultados do levantamento das ligas.

Figura 5 -

Distribuição de escolas médicas (MS), ligas acadêmicas (LA)

55

e ligas de Cancerologia, por regiões, no Brasil......................... 56 Quadro 1 -

Sete papéis essenciais para o profissional médico..................

Figura 6 -

Representação

das

habilidades

desenvolvidas

63

pelos

estudantes que participam das ligas acadêmicas..................... 64

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 -

Análise de confiabilidade pelo o alfa de Cronbach no grupo de alunos do 6º ano..............................................

Tabela 2 -

Análise

de

reprodutibilidade

do

questionário

45

no

intervalo de 15 dias.........................................................

45

Tabela 3 -

Descrição da população de estudo.................................

47

Tabela 4 -

Conhecimento sobre protocolos para rastreamento do câncer no Brasil..............................................................

Tabela 5 -

49

Treinamento para controle do câncer durante a graduação.......................................................................

51

Tabela 6 -

Prática de habilidades para controle do câncer..............

52

Tabela 7 -

Autopercepção

quanto

à

habilidades

para

aconselhamento e execução e exames para controle do câncer........................................................................ Tabela 8 -

Distribuição de médias (escores) estratificadas por gênero, cotas, familiares com câncer.............................

Tabela 9 -

53

Variação

entre

sexto

e

primeiro

ano,

54

segundo

dimensões treinamento, prática e autopercepção..........

54

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CATHCUM

Cancer Teaching and Curriculum Enhancement in Undergraduate Medicine

CDC

Center for Diseases Control and Prevention

CEP

Comitê de Ética em Pesquisa

CES

Câmara de Educação Superior

CID – 10

Classificação Internacional de Doenças

CNE

Conselho Nacional de Educação

DRCCU

Diretrizes para Rastreamento do Câncer de Colo Uterino

DST

Doenças Sexualmente Transmissíveis

EM

Escolas Médicas

HUPE

Hospital Universitário Pedro Ernesto

IARC

International Agency of Research on Cancer

IC

Intervalo de confiança (95%)

IES

Instituição de Ensino Superior

INCA

Instituto Nacional do Câncer

LA

Liga Acadêmica

LDB

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MEC

Ministério da Educação

MS

Ministério da Saúde

OMS

Organização Mundial da Saúde

PIDAAC

Projeto de Integração Docente-Assistencial na Área do Câncer

PSA

Antígeno Prostático Específico

SBD

Sociedade Brasileira de Dermatologia

SBM

Sociedade Brasileira de Mastologia

SOBED

Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva

SUS

Sistema Único de Saúde

UV

Ultravioleta

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..............................................................................

14

1

REFERENCIAL TEÓRICO............................................................

15

1.1

Políticas de controle do câncer..................................................

15

1.1.1

Prevenção primária: controle do tabagismo..................................

16

1.1.2

Prevenção primária: exposição ao sol...........................................

18

1.1.3

Câncer de mama............................................................................

19

1.1.4

Câncer de colo uterino...................................................................

21

1.1.5

Câncer de próstata........................................................................

24

1.1.6

Câncer de cólon e reto...................................................................

24

1.1.7

Câncer de pulmão..........................................................................

26

1.2

Câncer: desafios no ensino........................................................

27

2

OBJETIVOS...................................................................................

33

2.1

Objetivo geral...............................................................................

33

2.2

Objetivos específicos..................................................................

33

3

MATERIAL E MÉTODOS..............................................................

34

3.1

Delineamento do estudo.............................................................

34

3.2

Revisão bibliográfica...................................................................

34

3.2.1

Critérios de elegibilidade................................................................

35

3.2.1.1

Políticas de controle do câncer......................................................

35

3.2.1.2

Ensino da Cancerologia no currículo médico................................

35

3.3

População alvo e população do estudo....................................

35

3.3.1

Critérios de inclusão.......................................................................

36

3.3.2

Critérios de exclusão......................................................................

36

3.4

Instrumento de coleta de dados ...............................................

36

3.4.1

Adaptação do instrumento.............................................................

37

3.4.1.1

Tradução........................................................................................

39

3.4.1.2

Grupo focal.....................................................................................

39

3.5

Procedimentos.............................................................................

40

3.5.1

Treinamento pessoal......................................................................

40

3.5.2

Coleta de dados.............................................................................

40

3.6

Variáveis.......................................................................................

41

3.6.1

Variável central..............................................................................

41

3.6.2

Variáveis secundárias....................................................................

41

3.7

Abordagem estatística.................................................................

41

3.7.1

Estudo de confiabilidade................................................................

42

3.7.2

Estudo de frequências...................................................................

42

3.7.3

Análise bivariada............................................................................

42

3.8

Banco de dados...........................................................................

43

3.9

Apreciação ética..........................................................................

43

3.10

Levantamento das ligas acadêmicas.........................................

43

3.10.1

Critérios de inclusão.......................................................................

44

3.10.2

Critérios de exclusão......................................................................

44

3.10.3

Análises..........................................................................................

44

4

RESULTADOS...............................................................................

45

4.1

Estudo de confiabilidade.............................................................

45

4.2

Avaliação de conhecimentos e prática para controle de câncer............................................................................................

46

4.2.1

Características da população do estudo .......................................

47

4.2.2

Conhecimentos sobre protocolos de rastreamento.......................

49

4.2.3

Treinamento durante a graduação.................................................

50

4.2.4

Práticas ao longo da graduação....................................................

52

4.2.5

Autopercepção quanto habilidades................................................

53

4.2.6

Fatores associados ao conhecimento de câncer...........................

53

4.2.7

Estudo comparativo.......................................................................

54

4.3

Levantamento das ligas acadêmicas.........................................

55

5

DISCUSSÃO .................................................................................

58

CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................

69

REFERÊNCIAS..............................................................................

71

APÊNDICE A – Treinamento para controle do câncer durante a graduação .....................................................................................

83

APÊNDICE B – Cancer education in Brazil: are students being prepared for cancer control?..........................................................

86

APÊNCIDE C – Academic Leagues: a Brazilian way to teach about cancer in medical universities. ........................................... APÊNDICE

D



Autoavaliação

de

egressos

quanto

103

à

capacitação para práticas de controle do câncer..........................

117

APÊNDICE E – Ligas Acadêmicas: uma proposta discente para ensino, pesquisa e extensão............................................................... ANEXO

A



Questionário

proposto

por

Wilkerson

128

e

colaboradores (2002)................................,....................................

139

ANEXO B – Questionário Síntese (pós tradução e grupo focal)...

142

ANEXO C – Grade de respostas do questionário.........................

147

ANEXO D – Parecer consubstanciado do CEP nº 102.679..........

148

14

INTRODUÇÃO

A transição epidemiológica vivenciada no Brasil na segunda metade do século XX traduziu-se em importantes mudanças no perfil de morbimortalidade da população.

As

doenças

infecto-parasitárias,

antes

as

mais

numerosas

e

responsáveis pelo adoecimento e morte foram substituídas pelas doenças crônicodegenerativas (CNDSS, 2008). Neste processo, além das reformas sanitárias que garantiram melhores condições de vida, o maior acesso à saúde e o consequente aumento da expectativa de vida também foram fatores determinantes (WALDMAN, 2000). A faixa etária referente à população idosa cresce cada vez mais, o que significa o aumento das doenças relacionadas ao envelhecimento, dentre as quais as neoplasias destacam-se como a segunda causa de morte na população do país desde 2003 (INCA, 2010). Para a Agência Internacional para Pesquisa em Câncer (IARC) da Organização Mundial da Saúde (OMS), o impacto global do câncer mais que dobrou em 30 anos (WORLD CANCER REPORT, 2008). Dados recentes mostram um número aproximado de 14 milhões novos casos e 8 milhões de mortes relacionadas ao câncer no ano de 2012, afetando a população de todos os países e em todas as regiões (FORMAN et al., 2014). Segundo o dados do Instituto Nacional de Cancer (INCA), no Brasil são estimados mais de 576 mil novos casos para os anos de 2014 e 2015. Excluindo-se os cânceres de pele não-melanoma, estima-se 394 mil casos. Os mais prevalentes serão: próstata (68 mil novos casos), mama feminina (57 mil), cólon e reto (32 mil), pulmão (27 mil), estômago (20 mil) e colo uterino (15 mil). Na população masculina serão os mais comuns, em ordem de prevalência: próstata, pulmão, cólon e reto e estômago. Para o sexo feminino, em ordem: mama, cólon e reto, colo do útero, e pulmão (INCA 2014). Neste capítulo, abordaremos as recomendações para rastreamento populacional das neoplasias mais frequentes no Brasil. Em seguida, realizaremos uma revisão sobre o que tem sido discutido sobre esta temática dentro da Educação Médica.

15

1 REFERENCIAL TEÓRICO

1.1 Políticas de controle do câncer

Frente ao impacto das doenças neoplásicas, são preconizadas ações voltadas desde prevenção, rastreamento e a realização de diagnóstico precoce até atendimentos de alta complexidade no tratamento. Fica evidente a necessidade de políticas abrangentes em diferentes níveis de atuação, desde a promoção em saúde, detecção, assistência, vigilância, formação de recursos humanos, comunicação e mobilização social e na pesquisa e gestão do Sistema Único de Saúde (SUS). De acordo com o INCA, a prevenção e o controle devem ter o mesmo foco que área de serviços assistenciais, pois com aumento do número de casos, não haverá recursos suficientes para dar conta das necessidades de diagnóstico, tratamento e acompanhamento. O conceito de prevenção, contudo, é amplo e está presente em todos os níveis de cuidados em saúde. A prevenção de doenças compreende três categorias: manutenção de baixo risco, redução de risco e detecção precoce. Para o controle eficaz do câncer, as estratégias devem ser traçadas priorizando a promoção de saúde e a detecção precoce, pois: (1) são menos onerosos para os sistemas de saúde; (2) são mais racionais do ponto de vista epidemiológico e (3) são menos prejudiciais para os pacientes. Neste cenário, a atenção primária em saúde assume papel fundamental (SMITH et al., 2007) não só através de cuidados em saúde de pacientes com câncer, mas principalmente por desenvolver estratégias para prevenção primária e secundária (HELFAND et al., 2001; BROSE et al., 2002; HUMPHREY et al., 2002; HARRIS & LOHR, 2002; BERG, 2003). A prevenção primária é a estratégia utilizada para remover causas e fatores de risco de um problema de saúde individual ou populacional antes do desenvolvimento de uma condição clínica específica (por exemplo: imunização, alimentação, atividade física, tabagismo) (MS, 2010). De fato, Byers e colaboradores (1999) mostraram em um estudo uma redução de 25% na incidência e de 50% na mortalidade por câncer através de mudanças de hábitos de vida. A prevenção secundária por sua vez pode ser definida como a conscientização dos sinais precoces de problemas de saúde e rastrear pessoas sob risco, de modo a identificar um problema de saúde em fase inicial, quando esta identificação precoce traz mais benefícios do que prejuízo aos indivíduos (MS,

16

2010). Desta forma, a detecção precoce pode acontecer através do diagnóstico precoce e do rastreamento populacional. Define-se diagnóstico precoce como ações destinadas a identificar doenças em estágios iniciais através de sinais e sintomas clínicos (MS, 2010). Entende-se rastreamento como o exame das pessoas assintomáticas objetivando identificar aquelas com maiores chances de apresentar doença (ROTHMAN, 1998), com impacto significativo na redução da morbidade e mortalidade. O rastreamento é dito organizado quando acontece de forma estruturada, com programas efetivos e compromissados com o acompanhamento da população rastreada desde do diagnóstico até o tratamento do problema, quando detectado, com ações intersetoriais pactuadas. São critérios para um programa de rastreamento: (1) a doença a ser rastreada deve representar um importante problema

de

saúde

pública,

considerando

magnitude,

transcendência

e

vulnerabilidade; (2) a história natural do agravo deve ser bem conhecida; (3) deve ter estágio assintomático bem definido, no qual a doença deve ser rastreada; (4) comprovado benefício com a detecção e tratamento precoce com o rastreamento; (5) os exames que detectam a condição clínica no estágio assintomático devem estar disponíveis, serem aceitáveis e confiáveis; (6) custo aceitável e compatível com o orçamento do sistema de saúde e (7) o rastreamento deve ser um processo contínuo e sistemático (WILSON E JUNGNER, 1969).

1.1.1 Prevenção primária: controle do tabagismo

O tabagismo hoje é reconhecido hoje como doença crônica causada pela dependência à nicotina estando inserido na Classificação Internacional de Doenças (CID 10) da OMS. É o mais importante fator de risco isolado para doenças graves e fatais (DOLL et al., 2005). É também uma das principais causas de mortalidade precoce das doenças isquêmicas do coração, doenças cerebrovasculares e doença pulmonar obstrutiva crônica. Na Cancerologia, além do câncer de pulmão, está associado a neoplasias de laringe, pâncreas, fígado, bexiga, rim, leucemia mielóide e, quando associado ao álcool, câncer de cavidade oral e de esôfago (OMS, 2009). Quando associado ao HPV, também ao câncer de colo de útero (KJELLBERG et al., 2000). Costuma ser mais facilmente associado ao câncer de pulmão, representando uma mortalidade 15 vezes maior daquela observada em pacientes com neoplasia de pulmão que nunca fumaram. Em ex-fumantes, a mortalidade por câncer reduz

17

significativamente após cessação do tabagismo, contudo apresenta-se 4 vezes maior quando comparado com não fumantes (CDC, 2008). A partir da década de 1980, o tabagismo passivo passou a ser considerado fator de risco, representando uma mortalidade 30% de câncer quando comparado à população não fumante e não exposta (CDC, 2006). Neste cenário, o MS vem desenvolvendo o Programa Nacional de Combate ao Tabagismo como parte da Política Nacional de Controle do Câncer desde 1989, coordenado pelo INCA. As diretrizes do programa abrangem: (1) construção de um contexto social e político favorável ao controle do tabagismo; (2) equidade, integralidade e intersetorialidade nas ações; (3) criação de parcerias para enfrentamento das resistências ao controle do tabagismo; (4) redução da aceitação social do tabagismo; (5) redução dos estímulos à iniciação; (6) redução do acesso aos produtos derivados do tabaco; (7) promoção de ambientes livres da poluição da fumaça do tabaco; (8) redução das barreiras sociais que dificultam a cessação de fumar; (9) aumento do acesso físico e econômico ao tratamento de dependência do tabaco; (10) controle e monitoramento dos produtos de tabaco, de conteúdos, emissões e embalagens a estratégias de marketing e promoção; (11) monitoramento e vigilância das tendências de consumo e de seus efeitos sobre a saúde, a economia e o meio ambiente (INCA, 2006). Desta forma, pode-se concluir que muito se avançou no Brasil a respeito do controle do tabagismo, o que pode ser facilmente percebido pela mudança da publicidade do tabaco e pelos avanços na legislação. Contudo deve-se salientar a importância do profissional de saúde, em especial o médico, neste cenário. É fundamental a sensibilização e o entendimento do tabagismo enquanto doença e como fator de risco para outros 50 males (INCA, 2011). Infelizmente, boa parte dos estudantes de medicina termina seu curso sem saber reconhecer ou tratar o dependente do tabaco além de não estarem sensibilizados para pesquisar o consumo e recomendarem a cessação. Em um levantamento dos dados dos inquéritos do Sistema Internacional de Vigilância do Tabagismo da OMS, realizados no Brasil entre 2002 e 2009, apenas 57% dos fumantes ou ex-fumantes que procuraram um serviço de saúde foram aconselhados a parar de fumar. Em um estudo envolvendo 132 programas curriculares nos Estados Unidos, Houston e colaboradores (2009) afirmam que o treinamento de futuros profissionais de saúde está deficiente na abordagem ao tabagismo. Especificamente em relação às escolas

18

médicas, dados mostram que a maior parte das instituições americanas não oferece treinamento na abordagem ao tabagismo (SPANGLER et al., 2002).

1.1.2 Prevenção primária: exposição ao sol

A radiação ultravioleta (UV) proveniente do sol é considerada a principal causa de câncer de pele no mundo (GALLAGHER & LEE, 2006). O câncer de pele, por sua vez, é considerado o mais incidente na população brasileira e pode ser dividido em dois grupos com características bem distintas. Os do tipo não melanoma são os mais frequentes. São tumores intimamente relacionados à exposição solar e apresentam um crescimento em geral lento e pouco invasivo. A mortalidade é baixa, contudo, pode resultar em ulcerações e deformidades físicas graves. Representam os carcinomas basocelulares e os carcinomas espinocelulares. O outro tipo de câncer de pele é o melanoma. É mais raro, contudo muito mais agressivo e letal. Além da exposição solar, consideram-se como mais importantes fatores de risco a história pessoal ou familiar de melanoma (HEMMINKI et al., 2003). Outros fatores de risco conhecidos são: sensibilidade da pele ao sol, imunodeficiências e exposição ocupacional. No Brasil, um país tropical, espera-se que os números referentes à incidência do câncer de pele ainda estejam longe da realidade. Para prevenção e controle dessas doenças são fundamentais medidas de educação em saúde e atenção primária que visem estimular a proteção contra a luz solar, além de orientar a busca por auxílio médico quando qualquer alteração de cor, forma e tamanho de lesões prévias for identificada. Quanto à exposição solar, a população deve ser orientada a adotar medidas de proteção que incluem: (1) evitar a exposição solar entre 10 e 16 horas; (2) usar chapéu, óculos escuros, bonés; (3) usar filtro solar com fator de proteção 15 ou mais, 30 minutos antes da exposição e sempre quando sair da água (INCA, 2006). A infância é uma fase particularmente vulnerável aos efeitos do sol. Portanto, medidas preventivas e educativas para esta população devem ser estimuladas, principalmente nos profissionais envolvidos com a pediatria. Nesta lógica, o Center for Diseases Control and Prevention (CDC) preconiza desde 2002 que as escolas norte-americanas promovam ações educativas para as crianças (GLANZ et al., 2002; BULLER et al., 2008). Nessa mesma perspectiva, a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) promove anualmente a Campanha Nacional de

19

Prevenção ao Câncer de Pele. Contudo, trata-se de uma ação pontual na qual médicos dermatologistas examinam gratuitamente a população e orientam sobre hábitos de exposição ao sol em várias cidades do país (SBD, 2006).

1.1.3 Câncer de mama

O câncer de mama é o segundo câncer mais frequente no mundo e o mais comum em mulheres. Segundo a OMS, ocorrem mais de 1.050.000 novos casos no mundo, anualmente. Nos países desenvolvidos, tem-se observado o aumento da incidência acompanhado pela redução da mortalidade. Contudo, em países como o Brasil, a situação ainda é diferente, com o aumento da incidência acompanhado pelo aumento da mortalidade, o que pode ser atribuído ao retardo no diagnóstico e na instituição da terapêutica adequada (INCA, 2004). A idade é um dos principais fatores de risco sendo acompanhada por fatores relacionados à vida reprodutiva da mulher e exposição a esteróides sexuais (TIEZZI, 2009), como menarca precoce, nuliparidade, idade da primeira gestação a termo após 30 anos, uso de anticoncepcionais orais, menopausa tardia e terapia de reposição hormonal (MACMAHON, 2006; OPDAHL et al., 2011; SCHONFELD et al., 2011; MILLION WOMEN STUDY COLABORATORS, 2003). Outros fatores como tabagismo (TERRY & ROHAN, 2002) e etilismo (ELLISON et al., 2001) também aumentam o risco de câncer. Além disso, mulheres que apresentaram câncer de mama apresentam um elevado risco de desenvolver câncer na mama contralateral (FLETNER, 2002). Alguns autores salientam a exposição à radiação ionizante, mesmo em doses baixas, como importante fator de risco, sobretudo durante puberdade (RONCKERS et al., 2005). O câncer de mama está relacionado a melhores condições socioeconômicas, estando intimamente associado ao grau de urbanização (FAN et al., 2009; TORIO et al., 2009; WONG et al., 2007). Alterações genéticas também representam importantes fatores de risco para o desenvolvimento do câncer de mama (ZHANG et al., 2011). Mulheres com mutações nos genes BRCA 1 e BRCA 2 apresentam risco elevado de desenvolverem a doença (ESTEVES et al., 2009). Por outro lado, amamentação, alimentação saudável e prática de atividades físicas são apresentadas como fatores associados a um menor risco de câncer de mama (BAGLIETTO et al., 2011).

20

Frente à dificuldade de implementação de ações preventivas junto à população, as intervenções do ponto de vista da saúde pública focaram-se na detecção precoce através do rastreamento populacional. Assim, o Ministério da Saúde (MS) juntamente com o INCA e a Área Técnica da Saúde da Mulher, em parceria com a Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) elaboraram um consenso com as recomendações para o controle do câncer de mama no Brasil, publicado em 2004 (INCA, 2004). Neste documento, recomenda-se: (1) rastreamento anual através do exame clínico da mama para todas as mulheres com idade maior ou igual a 40 anos. Este procedimento é compreendido como parte do atendimento integral à saúde da mulher, devendo ser realizado em todas as consultas clínicas independente da faixa etária; (2) rastreamento com mamografia para todas as mulheres com idade entre 50 e 69 anos com o máximo de 2 anos entre os exames; (3) exame clínico da mama e mamografia anual a partir de 35 anos para as mulheres pertencentes a grupos populacionais considerados de risco para o desenvolvimento do câncer de mama; (4) garantia de acesso ao diagnóstico, tratamento e seguimento para todas as mulheres com alterações encontradas nos exames realizados (BARTON et al., 1999; CUZICK et al., 2003; FLETCHER & ELMORE, 2003). O documento define também os grupos considerados de risco para a doença: (1) mulheres com história familiar de pelo menos um parente de primeiro grau (mãe, irmã ou filha) com diagnóstico de câncer de mama abaixo de 50 anos de idade; (2) mulheres com história familiar de pelo menos um parente de primeiro grau (mãe, irmã ou filha) com diagnóstico de câncer de mama bilateral e ou câncer de ovário em qualquer faixa etária; (3) mulheres com história familiar de câncer de mama masculino; (4) mulheres com diagnóstico histopatológico de lesão mamária proliferativa com atipia ou neoplasia lobular in situ (INCA, 2004). O exame clínico constitui a base para solicitação de exames complementares. Deve seguir os seguintes passos: inspeção estática e dinâmica, palpação das axilas e palpação das mamas com a paciente em decúbito dorsal. Em lesões diagnosticadas em mulheres com idade inferior a 35 anos, o exame de imagem de escolha é a ultrassonografia das mamas. Estas estratégias de detecção precoce podem reduzir em até um terço a mortalidade das mulheres na faixa etária entre 50 e 69 anos (INCA, 2006). Thuler, em uma revisão em 2003 de nove ensaios clínicos publicados, afirma que a redução da mortalidade por câncer pode chegar até 25% com o rastreio mamográfico de

21

rotina e que evidências indiretas sugerem também diminuição de mortalidade pelo exame clínico das mamas. Por outro lado, não há evidências científicas que mostrem a redução da mortalidade com o autoexame da mama, antes tão difundido e preconizado. Para o INCA, a capacidade instalada do SUS é suficiente para oferecer a cobertura de pelo menos 50% da população-alvo de todas as regiões do Brasil. Contudo, são muitas barreiras em relação à mamografia, como o acesso aos serviços de saúde e de acompanhamento médico regular (SOX et al., 1998; FINNEY et al., 2004; ROETZHAIM et al., 1999). Da mesma forma, Ahmed e colaboradores (2009) mostraram uma forte associação entre os conhecimentos das pacientes sobre câncer de mama e o rastreamento por mamografia, apresentando este fator como importante barreira modificável e um ponto de intervenção importante na atenção primária.

1.1.4 Câncer de colo do útero

Segundo o INCA, as estimativas para os anos de 2014 sugerem incidência de 15,33 casos de câncer de colo uterino para cada 100 mil mulheres, representando, portanto, um grave problema de saúde pública (INCA, 2014). Mundialmente, representa o terceiro tipo de câncer mais comum entre mulheres, sendo maior a incidência nos países em desenvolvimento. Sabe-se que o processo de carcinogênese tem como causa principal a infecção por determinados tipos do vírus do papiloma humano (HPV), em especial o HPV16 e o HPV18 (HADZISEJDIC et al., 2006). Contudo, a infecção por si só não é suficiente para desencadear o desenvolvimento do câncer, estando relacionados fatores como imunidade, carga genética e comportamento sexual que, por mecanismos ainda incertos, determinam a regressão ou a persistência da lesão e, consequentemente, a progressão para lesões precursoras e câncer (SELLORS & SANKARANARAYANAN, 2003). A idade mais avançada e o tabagismo também se apresentam como importantes fatores de risco. A principal estratégia de controle desta neoplasia é através do rastreamento com o exame citopatológico convencional (o preventivo ginecológico) (WHO, 2010). Embora diversas novas modalidades de rastreamento estejam surgindo, como a pesquisa do DNA do HPV e citologia automatizada, fatores operacionais e os custos envolvidos ainda impedem sua aplicação no nosso país.

22

No Brasil, as Diretrizes para o Rastreamento do Câncer do Colo do Útero (DRCCU) publicado pelo INCA em 2011 trazem as seguintes recomendações: (1) o método a ser utilizado é o citopatológico, com intervalo anual, podendo se estender para intervalos de 3 anos após dois exames com resultados negativos; (2) início da coleta aos 25 anos para mulheres que já tiveram atividade sexual; (3) interromper os exames aos 64 anos, quando, após essa idade, essas mulheres tiverem dois exames negativos consecutivos nos últimos 5 anos; (4) para mulheres com mais de 64 anos que nunca realizaram exame citopatológico, deve-se realizar dois exames com intervalo de 1 a 3 anos, sendo dispensadas de exames adicionais se ambos forem negativos. O rastreamento antes dos 25 anos não deve ser realizado já que a incidência deste tipo de câncer é baixa nesta faixa etária. Além disso, as lesões são diagnosticadas na maioria das vezes no estágio I e o rastreamento é menos eficiente para detectá-los (SASIENI, 2009). Da mesma forma, o tratamento das lesões precursoras do câncer de colo em adolescentes e mulheres jovens está associado à maior morbidade obstétrica e neonatal (KYRGIOU et al., 2006). Nesta faixa-etária, deve-se orientar quanto à anticoncepção, doenças sexualmente transmissíveis e sexo seguro. Quanto ao término do rastreamento, não há dados objetivos de que ele seja útil após 65 anos (SASIENI, 2010). O material do exame deve conter células do canal cervical coletadas com escova própria e da ectocérvice, coletadas com espátula do tipo ponta longa. À análise, o citopatologista poderá classificar a amostra como satisfatória ou não satisfatória. Nos casos de amostra insatisfatória, deve-se colher outro exame num intervalo entre 6 e 12 semanas com a correção, quando possível, do fator que motivou o resultado insatisfatório. As DRCCU também definem situações especiais quanto ao rastreamento: (1) gestantes: devem seguir as recomendações de periodicidade e faixa etária como as demais mulheres, sendo que a procura para o pré-natal deve ser sempre considerada uma oportunidade de rastreio; (2) mulheres na pós-menopausa: devem seguir as recomendações para as demais mulheres; (3) mulheres submetidas à histerectomia: se histerectomia total sem o diagnóstico ou tratamento de lesões de alto-grau, podem ser excluídas do rastreamento se os exames anteriores forem normais; se histerectomia por lesão precursora ou câncer de colo uterino, a mulher deverá ser acompanhada de acordo com a lesão tratada; (4) mulheres que nunca

23

tiveram atividade sexual: devem ser excluídas do programa de rastreamento; (5) imunossuprimidas: rastreamento deve começar após início da atividade sexual e se repetir semestralmente durante um ano e, se normais, manter seguimento anualmente até correção do fator de imunossupressão; em mulheres com HIV e CD4 abaixo de 200 cél/mm³, deve ser priorizado a correção dos níveis de CD4 e, enquanto isso, rastreamento citológico a cada seis meses. Diante de um resultado de um exame citopatológico com resultado de atipia de células escamosas de significado indeterminado em mulher com mais de 30 anos, o exame deve ser repetido em 6 meses e, nas mulheres com menos de 30 anos, em 12 meses. Após dois resultados negativos, segue-se novamente o exame trienal. Caso seja visualizada alguma alteração, a paciente deve ser encaminhada para a realização da colposcopia. Destaque especial é dado às imunossuprimidas, que deverão ser encaminhadas imediatamente à colposcopia. Em mulheres com demais atipias e alterações encontradas deverão ser encaminhadas à colposcopia (INCA, 2011). No âmbito da atenção primária, muitas ações devem ser executadas para o controle do câncer do colo do útero, tanto voltadas para prevenção de doenças sexualmente transmissíveis (DST), quanto voltadas para detecção precoce, o que inclui: informação e esclarecimento da população, identificação da faixa etária prioritária, identificação de fatores de risco, convocação para realização do exame, coleta da amostra para análise citopatológica, recebimento de laudos e encaminhamentos à atenção secundária ou terciária quando necessário. Também é de responsabilidade da atenção primária a vigilância dos casos encaminhados e a aplicação de diversas modalidades de tratamento curativo ou paliativo (INCA, 2011). Em resumo, pode-se dizer que o papel mais importante da atenção primária no que se refere ao controle do câncer de colo do útero é atingir alta cobertura da população definida como alvo. A realidade brasileira, contudo, mostra importantes fatores limitantes para o rastreamento desta neoplasia. O recrutamento da população-alvo é prejudicado pela falta de um cadastro universal de base populacional. Assim, o atual sistema de rastreamento não tem controle sobre quem esta fazendo os exames e tampouco sobre o intervalo em que os exames têm sido realizados. Trata-se de um programa oportunístico, no qual as mulheres não são seguidas uma vez que a maioria só realiza os exames quando procura o serviço de saúde por alguma outra razão. A

24

consequência óbvia é um contingente de mulheres super-rastreadas e outro em falta com os controles.

1.1.5 Câncer de próstata

O câncer de próstata é o mais comum no sexo masculino na população brasileira, excluindo-se o câncer de pele tipo não melanoma. A taxa mundial cresceu mais de 25 vezes, principalmente em países desenvolvidos o que pode estar associado ao rastreamento através do Antígeno Prostático Específico (PSA). No Brasil, o aumento da incidência está relacionado ao envelhecimento populacional, à evolução dos métodos de diagnóstico e a melhoria dos sistemas de informação (INCA, 2012). O principal fator de risco atribuído a esta neoplasia é a idade. Além da idade, etnia, dieta e história familiar também são consideradas fatores de risco (CRAWFORD, 2009; SANTILO & LOWE, 2006). Estudos recentes têm mostrado a associação de diabetes mellitus tipo 2 e a chamada síndrome metabólica ao desenvolvimento do câncer de próstata (WATERS et al., 2009). A história natural da doença ainda não é completamente conhecida, o que dificulta a utilização de métodos de rastreamento populacional (SELLEY, 1997). Uma revisão sistemática publicada em 2007 demonstra que os ensaios clínicos realizados até o momento não apontam para uma redução da mortalidade com o rastreamento seja pelo PSA, toque retal ou ultrassonografia transretal (ILIC, 2007). Por outro lado, dois grandes estudos têm demonstrado excesso de diagnóstico de câncer de próstata nos grupos rastreados e a maior probabilidade de detecção de tumores de melhor prognóstico (SHRÖEDER et al., 2007; POSTMA et al., 2007; AUS G et al., 2007). Assim, salienta-se a necessidade de maior tempo de acompanhamento para avaliar se há redução de mortalidade com o rastreamento do câncer de próstata (ANDRIOLE, 2005). Diante disto, o INCA não recomenda ações de rastreamento para esta neoplasia no Brasil.

1.1.6 Câncer de cólon e reto

O câncer de cólon e reto apresenta-se como o terceiro mais frequente entre o sexo masculino e o segundo entre o sexo feminino. De acordo com o INCA, 60% dos casos ocorrem em regiões mais desenvolvidas, estando intimamente

25

relacionado com o envelhecimento da população. O mais notável fator associado à carcinogênese dos tumores de cólon e reto é a dieta (CHAN & GIOVANNUCCI, 2010). Uma dieta rica em fibras aliada a atividades físicas estão relacionadas a um baixo desenvolvimento desta neoplasia (LEVI et al., 2001). Por outro lado, o consumo excessivo de carne vermelha, embutidos, bebidas alcoólicas, tabagismo, obesidade e sobrepeso são apresentados como fatores de risco. Contudo, os fatores de risco mais importantes são a história familiar e a predisposição genética ao desenvolvimento de doenças crônicas do intestino (TAYLOR et al., 2010). A história natural desta neoplasia propicia a detecção precoce com importante impacto na mortalidade. De modo geral, a doença é considerada de bom prognóstico quando diagnosticada em estágios iniciais. Os métodos endoscópicos são os mais indicados, sendo úteis ao diagnóstico e na remoção de lesões pré-neoplásicas. Embora muitos protocolos tenham sido publicados, não há consenso da melhor estratégia de rastreamento (WEINBERG et al., 2009). Infelizmente, a relação custobenefício para investimentos tem limitado a implantação do rastreamento populacional (INCA, 2011). Embora diversos estudos tenham demonstrado a redução na mortalidade e na incidência através do rastreamento populacional (SMITH et al., 2007; WALSH & TERDIMAN, 2003), observa-se que mesmo em países desenvolvidos, apenas cerca de metade da população acima de 50 anos sejam rastreadas nos intervalos recomendados (CDC, 2006). De acordo com as Diretrizes da Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva (SOBED) de 2008, o método de escolha recomendado é a colonoscopia para todos os pacientes com idade maior ou igual a 50 anos, independente de sintomas ou história familiar. Para Potter e colaboradores (2009), é necessário estratégias para estimular esta prática, fundamentalmente

na

atenção

primária.

Em

outro

estudo,

Oxentenko

e

colaboradores (2007) levantam pontos importantes de intervenção no currículo com o objetivo de melhorar o rastreamento do câncer de cólon e reto na atenção primária. Existem evidências na literatura que sustentam a realização do rastreamento de rotina (WALSH & TERDIMAN, 2003) para todos os indivíduos com mais de 50 anos e mais precocemente para aqueles com história familiar para câncer de cólon e reto (US PREVENTIVE SERVICES TASK FORCE, 2005). Contudo, muitos médicos falham na hora de solicitar o rastreamento quando este está indicado pelas diretrizes (ASANO et al., 2004; DULAI et al., 2004; HISLDEN et al., 2005; MCGREGOR et al.,

26

2004). Para Walsh & Terdiman (2003), muitas barreiras impedem o rastreamento adequado, incluindo o desconhecimento do profissional médico a respeito das recomendações (HAWLEY et al., 2001). Hauer e colaboradores (2008) mostraram que parte deste problema pode ser atribuído à formação ineficiente do estudante de medicina no que se refere a práticas de prevenção, diagnóstico precoce e rastreamento do câncer. Para Stacy e colaboradores (2008), outro fator importante é a percepção do paciente no que tange suas crenças e barreiras diante o rastreamento do câncer de cólon e reto.

1.1.7 Câncer de pulmão

O câncer de pulmão é a principal causa de mortalidade por câncer no mundo. Sabe-se que a incidência desta neoplasia é diretamente proporcional ao consumo de cigarros da população, uma vez que tabagistas tem um risco 20 a 30 vezes maior para câncer de pulmão quando comparado com não tabagistas. Além do tabaco, outras substâncias, ambientais e ocupacionais, estão relacionadas à carcinogênese, como arsênico, amianto e hidrocarbonetos aromáticos policíclicos. Infecções pulmonares de repetição, histórico de tuberculose e distúrbios da vitamina A também são considerados fatores de risco (INCA, 2014), dentre muitos outros (SUN et al., 2007). Ainda não há evidências científicas para sustentar o rastreamento para o câncer de pulmão. Contudo, trabalhos recentes têm demonstrado resultados positivos com o rastreamento através de tomografia de baixa dose (THE NATIONAL LUNG SCREENING TRIAL RESEARCH TEAM, 2013). Novos protocolos do US Preventive Services Task Force recomendam o rastreamento anual com este método para pacientes tabagistas entre 55 e 80 anos que tenham carga tabágica de pelo menos 30 maços-ano ou para ex-fumantes que cumpram esses critérios e que tenham cessado consumo em menos de 15 anos (US PREVENTIVE TASK FORCE, 2014).

27

1.2 Câncer: desafios no ensino

Embora muitas vezes entendido como uma única doença, o câncer, na verdade, corresponde a um conjunto complexo de entidades clínicas diferentes, que apresentam em comum o fato de serem constituídos por um conjunto de células anormais, cujo crescimento ultrapassa e não é coordenado com os tecidos normais, mesmo após a interrupção dos estímulos que deram origem a essa mudança (WILLIS, 1952). Já no início do século XX, vem sendo pauta de discussões, como a implementação dos primórdios das políticas de controle no Brasil. (CARVALHO, 2006). Foi no ano de 1922 em São Paulo, meses depois de uma reviravolta cultural com a Semana de Arte Moderna, que Fernando Magalhães apresentou o primeiro plano de combate ao câncer brasileiro, durante o Primeiro Congresso Nacional dos Práticos (MAGALHÃES, 1922, p.231). Ao mesmo tempo em que se consolidou como importante causa de mortalidade, firmou-se na cultura e no imaginário popular. Ganhou forma, conotação religiosa (STAROBINSKI, 1963, p.38) e até eufemismos. Não é difícil encontrar alguém que prefere dizer “tal pessoa tem aquela doença ruim” ao invés de “tal pessoa tem câncer” (KLAFKE, 1990, p.28). Foi temática de livros, poemas, filmes e dramas de telenovela. Kumar e colaboradores (2005) afirmam categoricamente que “a única forma de evitar o câncer é não nascer”. Para eles, “chega até a parecer que tudo que as pessoas fazem para ganhar a vida ou por prazer engorda, é imoral, ilegal ou, pior ainda, oncogênico”. Se, por um lado, as apocalípticas vias da carcinogênese apontam para um problema irremediável, algumas situações e fatores são caracteristicamente reconhecidos como importantes fatores de risco. Desde os estudos iniciais que buscavam uma etiologia para o câncer, diversos fatores considerados de risco foram listados, tornando-se importante foco para o controle destas doenças. Identificar e atuar diretamente nestes fatores, seja através de técnicas de prevenção ou do diagnóstico precoce, representa, talvez, a tática mais eficaz para o controle do câncer. Sabidamente, é o que menos onera o sistema de saúde, com menores custos, menos prejudicial ao paciente e mais racional sob o ponto de vista epidemiológico. Neste cenário, é de fundamental importância a atuação do profissional de saúde.

28

Com este entendimento, o Ministério da Saúde lançou uma proposta de integração ensino-serviço que começou a ser instalado no final dos anos 80 e tinha como público-alvo alunos de graduação de enfermagem e medicina. Tal proposta se concretizou através do Projeto de Integração Docente-Assistencial na Área do Câncer (PIDAAC) que tinha como objetivo difundir temas da Cancerologia dentro dos currículos das universidades. Além disso, recentemente, o INCA tem oferecido gratuitamente um curso online com foco em aspectos essenciais sobre câncer, como epidemiologia, prevenção e rastreamento (INCA, 2011). Gaffan e colaboradores (2006) mostraram que esta não é uma estratégia adotada só no Brasil. Em uma revisão da literatura internacional, estes autores mostraram que inúmeras metodologias de ensino estão sendo aplicadas nas mais diversas instituições para o aprendizado em câncer. (GAFFAN et al., 2006). Na mesma lógica, o CDC defende que um componente fundamental para as políticas de controle deve incluir profissionais que tenham conhecimentos quanto ao risco de câncer e ao manejo do mesmo (ABED et al., 2000). A importância da formação do profissional médico no controle do câncer, no Brasil, ganhou ainda mais destaque com a resolução da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação (resolução CNE/CES nº4 de 7 de novembro de 2001), com a criação das atuais Diretrizes Curriculares para o Curso de Graduação em Medicina. Tal resolução preconiza uma formação generalista, numa postura humanista e reflexiva, focada nos problemas mais comuns relacionados à realidade epidemiológica e profissional numa abordagem do paciente como sujeito integral, sob a ótica biológica, psíquica, social e ambiental. Assim, na área da Cancerologia, espera-se que os currículos forneçam, aos estudantes, conhecimentos que permitam realizar o diagnóstico, tratamento, prevenção, rastreamento, cuidados paliativos e também o acompanhamento dos pacientes que obtiveram cura após o tratamento (UIJTDEHAAGE et al., 2009; HAUER et al., 2008; LEE et al., 2006). Sendo uma área multidisciplinar, os conteúdos da Cancerologia são muitas vezes ministrados de forma fragmentada ao longo das cadeiras de Clínica Médica, Cirurgia, Patologia dentre outros. Infelizmente, essa fragmentação pode prejudicar a construção do conhecimento, uma vez que os conteúdos passam a ser ministrados de forma isolada em cada uma dessas disciplinas. Assim, na maioria das universidades brasileiras falta uma formação voltada para a compreensão integral e complexa das doenças neoplásicas, o que se traduz na

29

formação deficitária principalmente quando se trata da prevenção. Muitos estudos mostraram que a integração no ensino da Cancerologia não é apropriada na maioria das escolas médicas em todo mundo, principalmente em relação à prevenção, bedside teaching e cuidados paliativos (PAVLIDS et al., 2005). Com isto, saem perdendo os alunos que vivenciam sua graduação incompleta, os pacientes que muitas vezes deixam de ter o atendimento ideal e as políticas de saúde pública que encontram dificuldades no controle do câncer. Desta forma, iniciativas internacionais somam-se aos esforços em prol de uma formação que contemple as doenças neoplásicas

nesta

lógica

generalista

fundamentando-se

principalmente

no

rastreamento e na prevenção, como o Cancer Education Projects (CEP) que acontece na Califórnia (ZHANG et al., 2006) e o Cancer Teaching and Curriculum Enhancement in Undergraduate Medicine (CATHCUM), no Texas. No Brasil, entretanto, estas iniciativas encontram obstáculos nas rígidas estruturas curriculares das Instituições de Ensino Superior (IES), principalmente no sistema público de ensino. Nesse processo, ganham força as atividades extracurriculares (PERES et al., 2007). Mesmo que não sejam obrigatórias, essas atividades fazem parte da formação do profissional. No entanto, o crescimento e a busca por essas atividades levam a reflexões sobre quais seriam os fatores relacionados a esse aumento. Diversos estudos apontam para a relevância destas atividades na formação dos médicos brasileiros (FERREIRA, 2010; TAVARES et al., 2007; TAQUETE et al., 2003; PEREZ et al., 2007). Taquete e colaboradores verificaram que 93,7% dos estudantes entrevistados da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro tinham realizado pelo menos um estágio extracurricular durante a graduação. Para Tavares e colaboradores (2007), estas atividades são extremamente comuns e representam “parte importante do treinamento da maioria dos estudantes de Medicina brasileiros, servindo claramente como complementação de seu treinamento sabidamente deficiente na maioria de nossas escolas”. Dentre as atividades extracurriculares, incluem-se estágios externos, monitorias, programas de iniciação científica, projetos de tutoria e, mais recentemente, as ligas acadêmicas. As Ligas Acadêmicas (LA) são entidades primordialmente estudantis caracterizadas pela iniciativa de um grupo de alunos em estudar e se aprofundar em determinado tema frente aos problemas da população. Guardam semelhanças com as Learning Communities encontradas em universidades nos Estados Unidos e

30

Canadá (SMITH, 2014), contudo, com algumas particularidades que merecem ser discutidas. Surgem através da iniciativa dos estudantes, que com o auxílio de um professor orientador, definem os objetivos e são responsáveis por processo de organização e planejamento. Uma LA é, antes de tudo, uma associação estudantil, na qual alunos e professores pactuam em prol do fortalecimento da educação médica, abordando temas que muitas vezes são deixados de lado pela rígida estrutura curricular das universidades. Caberia aos estudantes a definição dos rumos da Liga, sob orientação de um ou mais professores. (FERREIRA et al., 2011) Desta forma, além de aulas, cursos, atividades de pesquisa e assistência em diferentes cenários da prática médica é importante a inserção dos alunos na comunidade, por meio de atividades educativas, preventivas ou de promoção à saúde. Nos últimos anos houve profundas mudanças na sociedade brasileira, as quais influenciaram as abordagens de atenção à saúde e de reformas curriculares e fortaleceram o aparecimento das LA. Entre elas vale mencionar a Constituição de 1988, que elaborou o princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Outro fato marcante foi a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), criada em 1996, que definiu o papel da educação superior na prática, destacando o estímulo ao conhecimento dos problemas do mundo presente, assim como os nacionais e regionais. O resultado prático seria evidenciado na prestação de serviços à comunidade e no estabelecimento de uma relação de reciprocidade com a mesma. Dessa forma, atividades de extensão universitária procuram fazer com que pesquisas e estudos acadêmicos cheguem mais rapidamente à comunidade por meio da prática profissional (SALGADO FILHO, 2007). No ensino, as LA visam à capacitação dos estudantes para a atuação com a comunidade e para o desenvolvimento de novos conhecimentos e a produção científica. Objetiva o desenvolvimento do “saber fazer” e acontece através de aulas, palestras, discussões de caso, grupos de estudos, simpósios, etc. Deve-se ressaltar, no entanto, que as LA não tem por objetivo uma especialização precoce, mas sim complementar uma formação que a estrutura curricular não é capaz promover, sempre visando o conceito atual de saúde e a formação generalista (RODRIGUEZ, 2007). A pesquisa fundamenta-se tanto em levantamentos epidemiológicos como em atividades próprias de pesquisa básica e aplicada, focando a produção de conhecimento a partir de observação de um fato, levantamento de literatura associada e de

31

tentativas de solucionar problemas. A extensão corresponde na interface estudantes – comunidade, transformando o aluno em um agente de promoção de saúde e transformação social. Portanto, as ligas também representam um elemento para construção da cidadania, formando indivíduos mais críticos com uma visão social mais humanista. As atividades extensionistas das LA focam-se na promoção em saúde e prevenção de doenças, sempre considerando a realidade do público-alvo. Aqui, observa-se outro ponto importante: o foco na medicina preventiva, muitas vezes deixada em segundo plano nos currículos tradicionais. Busca-se orientar quanto a hábitos de vida saudáveis, tendo a compreensão do indivíduo não como uma entidade meramente biológica, abandonando-se a medicina focada nos processos de patológicos (BRIANI, 2003). Desta forma, as Ligas representam um espaço de vivências que superam o simples assistencialismo sendo, na verdade, uma troca de aprendizado entre os futuros profissionais médicos e a comunidade, objetivando a busca por produtos palpáveis que atendam as demandas da população (AZEVEDO & DINI, 2006) e a formação de um profissional apto a empregar uma medicina mais humanizada e condizente com as verdadeiras necessidades dos brasileiros. De modo geral, as LA representam hoje uma expressividade marcante dentro do Ensino Médico no Brasil. Marcam as lacunas da estrutura curricular e apontam para verdadeiras necessidades da sociedade nem sempre contempladas ao longo dos tradicionais seis anos de graduação e permitem o aprofundamento em temas em que os alunos tenham particular interesse. Além disso, ressaltam o papel ativo do aluno na construção do conhecimento, tornando a universidade como um verdadeiro espaço para a construção da “aprendizagem ao longo da vida”. Representam um campo no qual se constroem novos papéis e novas aplicações para uma sociedade nova, marcada pela globalização e pela grande dinâmica social e demográfica, com constantes e novas demandas coletivas e individuais. Contribuem para o exercício da cidadania, a humanização da medicina e possibilitam a aplicação prática do profissional médico apto a trabalhar em equipe, lidando com todos os ramos profissionais da área da saúde. Da mesma forma, permitem a aquisição de conhecimentos da área de administração, através da responsabilidade dos discentes de gerir o caminho das ligas, tão necessários no atual mercado de trabalho (FERREIRA et al., 2011).

32

Dentre as LA, as Ligas de Cancerologia tentam preencher as lacunas existentes no ensino da Cancerologia ao longo da graduação médica, através de cursos teórico-práticos, atividades de pesquisa e extensão, tendo foco na formação generalista com ênfase nas manifestações clínicas, salientando o diagnóstico precoce e as repercussões das doenças, seguindo propostas do Global Core Curriculum in Medical Oncology (HANSEN et al., 2004).

33

2 OBJETIVOS

2.1 Objetivo geral

Descrever o perfil dos alunos de um curso de Medicina de uma universidade pública no Rio de Janeiro quanto ao conhecimento e habilidades em promoção de saúde e detecção precoce do câncer e avaliar a repercussão e as propostas relacionadas às ligas acadêmicas como complementação do ensino.

2.2 Objetivos específicos

1. Realizar revisão narrativa da literatura sobre Cancerologia na educação médica; 2. Adaptar questionário autopreenchível (Wilkerson et al., 2002) para avaliação de conhecimentos e habilidades relacionadas ao controle do câncer Realizar estudo de confiabilidade do instrumento utilizado para coleta de dados; 3. Avaliar diferenças quanto a construção do conhecimento sobre câncer: percepção sobre o que o curso convencional oferece, conhecimento adquirido e autopercepção em atividades práticas; 4. Avaliar a diferença quanto ao conhecimento sobre prevenção e rastreamento do câncer entre os alunos do primeiro ano e último do curso de medicina de uma universidade pública na cidade do Rio de Janeiro (efeito graduação); 5. Avaliar se fatores como gênero, sistema de ingresso na universidade e possuir familiares ou pessoas próximas com câncer estão associados a maior conhecimento sobre Cancerologia. 6. Avaliar a repercussão das ligas acadêmicas nas Escolas de Medicina do Brasil. 7. Analisar criticamente as contribuições das ligas acadêmicas para a formação dos alunos de Medicina.

34

3 MATERIAL E MÉTODOS

3.1 Delineamento do estudo

Trata-se de um estudo transversal, descritivo, que utiliza dados seccionais. Foi conduzido em 3 etapas: (1) processo de adaptação de questionário, avaliandose confiabilidade e reprodutibilidade; (2) avaliação de conhecimentos e práticas sobre controle, prevenção e rastreamento do câncer entre os estudantes de medicina de uma IES; e (3) realização de um levantamento das ligas acadêmicas no Brasil, em especial das ligas de Cancerologia, e uma reflexão crítica a respeito do potencial destes projetos na educação médica. . 3.2 Revisão bibliográfica

Foi realizada a revisão bibliográfica, do tipo narrativa, em dois momentos distintos. O primeiro momento teve como foco as diretrizes para o rastreamento do câncer (políticas de controle do câncer). Para tal, utilizou-se as recomendações do INCA disponibilizadas em seu portal eletrônico e artigos obtidos numa busca usando a interface PubMed e o conjunto de dados disponibilizados na base Medline. O segundo momento teve como foco o ensino da Cancerologia no currículo médico. Nesta busca, foi utilizado também o banco de dados Medline através da interface PubMed, com termos do vocabulário Medical Subject Headings (MeSH): “Medical Oncology/education”[Mesh] e “Sudents, Medical” [Mesh]. Nesse primeiro momento, foram incluídos todos os resultados que apresentassem o artigo completo ou o resumo. A pesquisa foi restrita a artigos publicados em inglês e português. Em relação às diretrizes de rastreamento, foram incluídas publicações norte-americanas, brasileiras e da Europa Ocidental. Os artigos foram selecionados pelo título e pelo resumo, segundo os critérios de elegibilidade citados abaixo.

35

3.2.1 Critérios de elegibilidade

3.2.1.1 Políticas de controle do câncer

Foram considerados critérios de elegibilidade: revisões sistemáticas e estudos de metanálise, estudos de caso-controle, recomendações de sociedades e grupos médicos e diretrizes de políticas de saúde de governos.

3.2.1.2 Ensino da Cancerologia no currículo médico

Nesta sessão, foram incluídos apenas estudos que envolvessem alunos de medicina e trabalhos que não envolvessem conhecimentos específicos (radioterapia, quimioterapia, cuidados paliativos), mas sim uma abordagem generalista do tema. Foram excluídos trabalhos que tivessem como população médicos já formados, residentes e outros profissionais ou estudantes da área da saúde.

3.3 População alvo e população do estudo

A população elegível para a coleta de dados é composta dos alunos do curso de Medicina de uma universidade pública no Rio de Janeiro no ano de 2012. Por critérios éticos, optou-se por não citar o nome da instituição de ensino no qual o estudo foi realizado. Foi garantido aos respondentes uma participação anônima e voluntária. A assinatura de um termo de consentimento informado, livre e esclarecido, é exigência para participar de qualquer etapa deste trabalho.

3.3.1 Critérios de inclusão

Foram incluídos apenas alunos matriculados no curso de Medicina da IES selecionada para o estudo. A amostra consiste em alunos do primeiro, segundo e último ano desta instituição que concordarem em participar da pesquisa.

36

3.3.2 Critérios de exclusão

Foram excluídos alunos que ingressaram no curso por transferência ex officio e alunos que não estavam frequentando o curso no momento da pesquisa (trancamento de matrícula, abandono de curso). Foram excluídos da análise final dos alunos que participaram do grupo focal durante o processo de adaptação do instrumento de coleta de dados.

3.4 Instrumento de coleta de dados

Foi utilizado um questionário autopreenchível com perguntas estruturadas seguindo o modelo proposto por Wilkerson e colaboradores (2002) na Universidade da Califórnia – Los Angeles (UCLA) (anexo F). Este estudo, envolveu 333 estudantes e foram avaliadas as questões relacionadas ao conhecimento geral sobre câncer, além do câncer relacionado ao tabaco, e das neoplasias de mama, próstata, cervical (colo do útero) e cólon e reto. O instrumento também abordava a autoavaliação quanto à habilidade para execução do exame da pele, mama, toque retal e exame preventivo ginecológico (Papanicolau). Além disso, avaliava o treinamento dos alunos para controle do câncer, através do número de vezes que os alunos realizaram, observaram ou receberam instruções diretas referentes à prevenção e rastreamento. Embora originalmente utilizado para avaliar as mudanças no currículo, o instrumento também tem validade para diagnóstico quanto aos conhecimentos e práticas a respeito das estratégias para controle do câncer. Contudo, fazia-se necessário avaliar se, contextualmente, o questionário seria aplicável na realidade do Brasil. Para tal, foi realizada uma ampla revisão bibliográfica utilizando o banco de dados PubMed, fontes bibliográficas do MS e do INCA. Com esses subsídios, pôde-se conduzir o processo de adaptação do instrumento, cumprindo-se o máximo possível dos procedimentos para adaptação transcultural. Ao final, foram acrescentados itens ao instrumento objetivando contemplar dimensões deixadas de lado no original, envolvendo tanto a realidade brasileira quanto a identificação de variáveis que possam influenciar o resultado do estudo.

37

3.4.1 Adaptação do instrumento

A adaptação do instrumento de coleta de dados foi realizada com objetivo de traduzir tanto a intenção denotativa, isto é, do significado próprio, literal, das palavras quanto à intenção conotativa dos autores, isto é, do significado subjetivo das palavras ou expressões. Desta forma, houve a preocupação de não fazer simplesmente uma tradução livre, mas sim em sintonizar as escolhas terminológicas à população-alvo. Para Reicheinhem e colaboradores (2007), não há um consenso quanto às estratégias de execução da adaptação transcultural de um instrumento, tornando a síntese operacional nada além de um mosaico de procedimento oriundo de diversas fontes. Neste mesmo estudo, os autores propõem para avaliação da equivalência transcultural dos instrumentos de aferição, que consistiria nas etapas: (1) Equivalência Conceitual – através da revisão bibliográfica envolvendo publicações da cultura do instrumento original e da população-alvo, discussão com especialistas no assunto e discussão com a população-alvo; (2) Equivalência de Itens - através de discussões com os especialistas e a população alvo; (3) Equivalência Semântica – através de traduções, retraduções, comparação entre as retraduções e o original, discussão com a população alvo e especialistas e realização de um pré-teste da versão; (4) Equivalência Operacional – através da avaliação do grupo de pesquisa quanto à pertinência e adequação do veículo e formato das questões, cenário de administração, modo de aplicação e de categorização; (5) Equivalência de Mensuração – através de estudos psicométricos; (6) Equivalência Funcional – dada pelas equivalências identificadas nas demais etapas de avaliação. Através da revisão da literatura e do levantamento das recomendações a respeito da prevenção e rastreamento do câncer, cumpriu-se a equivalência conceitual e de itens, sendo todos considerados pertinentes. Não foram realizadas todas as etapas do processo de adaptação transcultural, porém, foram cumpridas etapas importantes desse processo: tradução e retradução e grupo focal (figura 1). A versão final foi submetida a um estudo de confiabilidade.

38

Figura 1 - Fluxograma representando o processo de adaptação do instrumento de coleta de dados.

Legenda: Em azul, versões na Língua Portuguesa. Em verde, na Língua Inglesa. As linhas tracejadas indicam quando houve comparação entre as versões.

Ao final, foram acrescentados itens que identificassem outras dimensões não contempladas pelo original, numa tentativa de se aproximar do contexto do controle de câncer no Brasil e a realidade da IES que será objeto do estudo. Foram acrescentados mais 20 itens ao instrumento, divididas em dois grupos. O primeiro grupo de questões refere-se às recomendações para o rastreamento do câncer no Brasil, considerando-se as doenças neoplásicas mais frequentes na população (itens 30 a 35). O segundo grupo de questões tem por objetivo fornecer informações a respeito da população de estudo, principalmente quanto às características que possam influenciar no interesse e conhecimento destas doenças (item 36 a 50).

39

3.4.1.1 Tradução

O próximo passo consistiu na tradução do questionário aplicado na UCLA do inglês para o português por dois pesquisadores, ambos com bom domínio da língua original do instrumento, de forma cega e independente. Após as traduções, as versões traduzidas foram comparadas e o resultado foi uma primeira versão do instrumento. Nesta primeira versão, termos e expressões foram adaptados para o contexto brasileiro, na tentativa de deixar as questões com a maior clareza possível, de modo a aproximar as duas versões tanto denotativa quanto conotativamente. Em seguida, a adaptação foi submetida a uma retradução para o inglês por um tradutor experiente de forma cega e independente, isto é, sem conhecer o instrumento original. As versões foram comparadas para avaliar a equivalência e, por fim, obteve-se a uma versão-síntese que foi submetida a um pré-teste com a realização de um grupo focal.

3.4.1.2 Grupo focal

O grupo focal que consistiu numa amostra aleatória da população-alvo na seguinte composição: 3 alunos do primeiro ano e 3 alunos do último ano. Foram sorteados 15 alunos de cada grupo, sendo os 3 primeiros convidados. A participação foi voluntária, sem ônus ou bônus. Caso algum aluno não aceitasse, outro seria convidado de acordo com a ordem estabelecida por sorteio. Dos 6 alunos sorteados, 5 compareceram na data marcada para o grupo focal, sendo 2 do 6º ano e 3 do 1º ano. Inicialmente, os alunos preencheram o questionário de forma individual, num tempo médio de 20 minutos. Em seguida, foi realizada uma discussão para debater possíveis pontos que houvesse gerado dúvidas durante o preenchimento, bem como questionar a pertinência dos temas abordados (tanto do original quanto das perguntas propostas no final), avaliar críticas e ponderar opiniões. Esta discussão foi registrada com um gravador de voz, sendo o conteúdo redigido e apresentado aos participantes, para que fizessem as alterações que julgassem necessárias, com uma duração de 29 minutos e 30 segundos. Os participantes do grupo focal consideraram que o instrumento e a pesquisa eram pertinentes e condizentes com a realidade do Brasil. Consideraram como

40

importante característica o fato de apresentar questões que tentam mensurar o grau de capacitação, permitindo, inclusive, identificar importantes pontos que não receberam a devida importância ao longo da graduação. Mencionaram que serve até mesmo como um autodiagnóstico, sendo subsídio para mais estudos e procura individual por capacitação. Comentaram também sobre a importância de instrumentos como este na avaliação e subsídio para reformas curriculares. Consideraram que os itens incluídos ao final do questionário original eram válidos e deveriam ser mantidos. Foram feitas sugestões, principalmente em relação ao vocabulário, com a substituição de termos: “indiferente” por “não sei” (itens de 1 a 6), “sigmoidoscopia” por “colonoscopia” (item 13), “capaz” e “incapaz” por “preparado” e despreparado” (item 16), “indiferente” por “prefiro não dizer (questão 16), “incerto” por “não sei” (item 18 e 24)”. Sugeriram também acrescentar o termo “durante a graduação” no item 14. Após as alterações, apresentamos o instrumento final no anexo G, utilizado para coleta de dados.

3.5 Procedimentos

3.5.1 Treinamento pessoal

O questionário foi aplicado por dois pesquisadores que aguardaram o preenchimento do mesmo, não sendo permitidas consultas ou trocas de informações entre respondentes ou entre respondentes e pesquisadores. Não houve tempo estipulado para o preenchimento.

3.5.2 Coleta de dados

Os dados foram coletados no período entre os meses de julho e dezembro. Os alunos foram convidados a participar do estudo durante intervalos das atividades curriculares (aulas teóricas em anfiteatros, ambulatórios, sessões clínicas das disciplinas de Clínica Médica, Cirurgia Geral, Ginecologia e Pediatria). O tempo médio para preenchimento foi de 20 minutos. Os dados coletados foram arquivados e transferidos para um banco de dados eletrônico. Os dados foram obtidos no ano de 2012 de 3 grupos de alunos (primeiro, segundo e último ano).

41

3.6 Variáveis analisadas

3.6.1 Variável de interesse central

Grau de capacitação e conhecimento sobre controle, prevenção e rastreamento do câncer avaliado pelo preenchimento de questionário, em 4 dimensões: conhecimento dos protocolos, treinamento durante graduação, prática e autopercepção.

3.6.2 Outras variáveis

Avaliar a influência de fatores que possam estar relacionados ao conhecimento do câncer: pessoas próximas ou familiares com câncer, sistema de ingresso na universidade (cotas), gênero e o efeito da graduação.

3.7 Abordagem estatística

A análise estatística seguiu os passos apresentados na figura 2. Figura 2 – Abordagem estatística de acordo com cronograma de coleta de dados.

42

3.7.1 Estudo de confiabilidade

A confiabilidade do questionário foi avaliada através do valor de alfa de Cronbach utilizando as 4 dimensões: conhecimento, treinamento, prática e autopercepção. Para avaliação de reprodutibilidade, o questionário foi aplicado para a turma de segundo ano de 2012 em dois momentos, com um intervalo de tempo de 2 semanas entre eles. Foi utilizado o valor alfa de Cronbach com intervalo de confiança de 95% para expressar o grau de concordância.

3.7.2 Estudo de frequências

Sendo todos os dados categóricos, a quantidade de observações em cada categoria foram apresentadas através de medidas de frequências (absolutas ou relativas), expressadas através de porcentagens. Para cálculos, foram utilizado o software Epi InfoTM e BioStat.

3.7.3 Análise bivariada

Foi realizada análise através de escore calculado pela média aritmética nas dimensões treinamento, prática e autopercepção, comparando alunos do primeiro (grupo controle) e último ano do curso. Para cálculo dos escores, foi considerado o ponto médio de cada uma das categorias das dimensões treinamento e prática, considerando os valores de de cada uma das respostas possíveis do questionário. Para a dimensão autopercepção, foi atribuído valor zero para a categoria "prefiro não dizer" e valores para cada uma das demais categorias, de forma ordinal: muito despreparado (1), despreparado (2), preparado (4) e muito preparado (5). Em seguida, foi calculado o escore também através de média aritmética. Para análise dos escores treinamento, prática e autopercepção comparando o primeiro e sexto ano foi utilizado o teste de Mann-Whitney. Nestas mesmas dimensões, foi realizada estratificação para avaliar associação entre as variáveis gênero, sistema de ingresso na Universidade e familiares com câncer na população de estudo (alunos do último ano). Para análise dos escores treinamento, prática e autopercepção do sexto ano estratificado por gênero, cotas e familiares com câncer foi utilizado o teste de MannWhitney.

43

3.8 Banco de dados

O banco de dados foi construído após a digitação das informações do questionários, com revisão crítica. Os dados referentes ao treinamento (instrução) e às práticas ao longo da graduação foram categorizados por um grupo de especialistas, definindo-se pontos de corte que mais se aproximassem do considerado ideal para uma boa prática profissional. Para a avaliação do treinamento, os dados foram categorizados em: “insuficiente ou pouco” (< 3 vezes), “moderado” (4-9 vezes) e “suficiente” (>10 vezes). Da mesma forma, aqueles que responderam terem praticado pelo menos mais de 10 vezes as habilidades foram considerados com treinamento "suficiente". Os alunos que praticaram entre 1 e 9 vezes estão representados na categoria de "pouco". Já aqueles que nunca colocaram em prática as habilidades em questão foram alocados

na categoria

"nunca". Dados em relação ao conhecimento sobre os protocolos de rastreamento foram reagrupados e apresentados de forma dicotômica: "sim" ou "não".

3.9 Apreciação ética

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) conforme a Resolução nº 196 sobre pesquisa envolvendo seres humanos de 10 de outubro de 1996 do Conselho Nacional de Saúde (número de parecer 102.679- CEP/HUPE; Anexo 4).

3.10 Levantamento das ligas acadêmicas

Foi conduzido o levantamento do total de Escolas Médicas (EM) que estavam oficialmente registradas no banco de dados do Ministério da Educação (MEC) em junho de 2014.

44

3.10.1 Critérios de inclusão:

Foram incluídas EM que iniciaram as atividades curriculares antes do ano de 2010. Este critério foi adotado considerando-se o currículo das Escolas de Medicina no Brasil, que tem um total de 6 anos divididos em dois momentos: conteúdo teóricoprático (do 1º ao 4º ano do curso) e estágio curricular obrigatório supervisionado (em período integral nos 2 últimos anos do curso). Desta forma, houve a garantia de que todas as instituições selecionadas estivessem com o módulo teórico-prático estruturado e em atividade.

3.10.2 Critérios de exclusão

Foram excluídas EM que se encontravam inativas ou em processo de descredenciamento no momento da pesquisa.

3.10.3 Análises

Foi levantado o total de EM que obedeciam aos critérios de inclusão e exclusão. Após relação nominal das EM, foi conduzida uma grey literature review (ESCOFFERY, 2014) com objetivo de identificar àquelas que apresentavam ligas acadêmicas e àquelas com ligas relacionadas ao estudo do câncer. A grey literature review, termo ainda sem um correspondente em Português, é um metodologia de pesquisa difundido nas ciências sociais que considera materiais publicados e não publicados, que normalmente não são identificáveis nas pesquisas bibliográficos convencionais (HART, 2001), como por exemplo: capítulos de livros, resumos de congressos, relatórios, dissertações de dados não publicados, documentos políticos e correspondência pessoal (HOPWELL, 2007). Foram avaliados: artigos, anais de congressos científicos, projetos políticopedagógico, sites das escolas médicas, sites de pesquisa como Google®, blogs, perfis em redes sociais e fórum de discussões em comunidades virtuais. A distribuição territorial das EM e das LA e a existência de projetos interinstitucionais foram considerados na análise.

45

4 RESULTADOS

4.1 Estudo de confiabilidade

Foi realizado estudo de confiabilidade do questionário utilizando as 4 dimensões avaliadas (conhecimento, treinamento, prática e autopercepção) através do cálculo do alfa de Cronbach. O resultado é apresentado na tabela 1. Para o valor de alfa calculado, pode-se considerar o questionário como tendo confiabilidade satisfatória (BLAND & ALTMAN, 1997).

Tabela 1 - Análise de confiabilidade pelo o alfa de Cronbach no grupo de alunos do 6º ano. Amostra

Total de itens avaliados Alfa de Cronbach no questionário

74 alunos

68

0,792

Para avaliar a reprodutibilidade, o questionário foi aplicado em dois momentos distintos para a mesma população, composta por alunos do segundo ano do curso de Medicina da IES na qual o estudo foi conduzido. Foi calculado o valor de alfa de Cronbach nos dois momentos, sendo os resultados comparados através do teste G (tabela 2).

Tabela 2 - Análise de reprodutibilidade do questionário no intervalo de 15 dias. Amostra

Alfa de Cronbach

Tempo 1: 49 alunos

0,684

Tempo 2: 49 alunos

0,788

p-valor* > 0,05

* p-valor calculado pelo teste G.

Para o p-valor encontrado, pode-se dizer que os valores alfa encontrado nos dois momentos confirma a hipótese de confiabilidade igual nos dois momentos. Desta forma, pode-se concluir que o questionário tem reprodutibilidade.

46

4.2 Avaliação de conhecimentos e prática para controle de câncer

Foram incluídos 74 alunos dos 84 matriculados no último ano do curso de Medicina da instituição de ensino. Dos 10 alunos restantes, 6 alunos obedeciam os critérios de exclusão: 2 eram pesquisadores do estudo, 3 participaram do pré-teste do instrumento de coleta de dados durante o grupo focal, 1 aluno não estava frequentando o curso no momento do estudo; 4 alunos optaram por não participar. Para intervalo de confiança (IC) de 95%, a amostra estatisticamente significativa é de 70 alunos destes 84. Já em relação ao primeiro ano (grupo controle), foram obtidos questionários de 77 dos 93 alunos matriculados (82,8%). Para o mesmo intervalo de confiança, a amostra para ter significado estatístico dever ser de pelo menos 76 alunos.

Figura 3 - Fluxograma mostrando organização do estudo

47

4.2.1 Características da população de estudo

A tabela 3 resume as principais características da população (alunos do 6º ano), tendo como foco principal, possíveis variáveis que possam influenciar o conhecimento sobre Cancerologia (itens 36 a 50 do questionário e itens 21e 22). Tabela 3 - Descrição da população de estudo. % Idade 20-25 anos >25 anos

61 39

Sexo Masculino Feminino Ingresso na faculdade Sem reserva de vagas Cotas – negros Cotas – Escola Pública Cotas – Deficiente Físico Especialidade definida Sim Não Familiares/pessoas próximas com câncer Sim Não Participação na Liga de Cancerologia Sim Não Participação em outra atividade que envolvesse o conhecimento de Cancerologia Sim Não Considera o estudo da Cancerologia no currículo Suficiente Insuficiente Indiferente Nível de interesse pela Cancerologia Grande Moderado Pequeno Considera que o conhecimento sobre controle do câncer é de domínio Generalista Especialista (em cada área)

p-valor 0,05 46 54
Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.