Educação Popular do Campo e Território: uma análise da prática educativa do GETEPAR-NEP na Amazônia ribeirinha.

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Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências Sociais e Educação Programa de Pós-Graduação em Educação - Mestrado Linha de Pesquisa: Saberes Culturais em Educação na Amazônia

Adolfo da Costa Oliveira Neto

Educação Popular do Campo e Território: uma análise da prática educativa do GETEPAR-NEP na Amazônia ribeirinha.

Belém – PA 2011

Adolfo da Costa Oliveira Neto

Educação Popular do Campo e Território: uma análise da prática educativa do GETEPAR-NEP na Amazônia ribeirinha.

Texto apresentado como requisito parcial para a obtenção do título de “Mestre em Educação” no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Pará e no Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Linha de Pesquisa: Saberes Culturais em Educação na Amazônia Orientadora: Prof. Dra. Ivanilde Apoluceno de Oliveira

Belém – PA 2011

Dados internacionais de catalogação-na-publicação (CIP). Biblioteca do Centro de Ciências Sociais e Educação, UEPA, Belém - PA. OLIVEIRA NETO, Adolfo da Costa. Educação Popular do Campo e Território: uma análise da prática educativa do GETEPAR-NEP na Amazônia ribeirinha/ Adolfo da Costa Oliveira Neto; Orientadora Ivanilde Apoluceno de Oliveira. __ Belém: [ s.n.], 2011. 203f.

Dissertação de Mestrado (Mestrado em Educação) – Universidade do Estado do Pará, Belém, 2011.

1. Educação popular; 2. Educação do campo; 3. Território; 4. Espaço geográfico.

Adolfo da Costa Oliveira Neto

Educação Popular do Campo e Território: uma análise da prática educativa do GETEPAR-NEP na Amazônia ribeirinha.

Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de “Mestre em Educação” pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Pará e pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Linha de Pesquisa: Saberes Culturais em Educação na Amazônia Orientadora: Prof. Dra. Ivanilde Apoluceno de Oliveira

Data de aprovação: ___/___/_____ Banca Examinadora ________________________________ - Orientadora Profª. Ivanilde Apoluceno de Oliveira Drª. em Educação Universidade do Estado do Pará

________________________________ - Examinador Externo Prof. Salomão Antônio Mufarrej Hage Dr. Em Educação Universidade Federal do Pará

________________________________ - Examinadora Interna Profª. Denise de Souza Simões Rodrigues Dra. em Educação Universidade do Estado do Pará

________________________________ - Examinadora Interna Profª Maria das Graças da Silva Dra. em Planejamento Urbano e Regional Universidade do Estado do Pará

Para os que não envelheceram e que, por isso, continuam indignados com o mundo, lutando com armas, letras, canções, suor, sangue, gestos, pedras, flores e poemas para transformar os sonhos em realidade cheia de fraternidade e amor.

AGRADECIMENTOS A Deus por nunca faltar em minha caminhada. À minha mãe Neide e meu pai Paulo, pelos gestos de carinho e compreensão e pelo incentivo permanente. Ao meu irmão André e minha sobrinha Yasmim, pela alegria que é tê-los sempre ao meu lado. À minha noiva, Brendha Madruga, por compartilhar importantes momentos da construção deste trabalho e com quem compartilho os sonhos dos dias que virão. À querida profª. Drª. Ivanilde Apoluceno de Oliveira, mestra sempre fraterna, por acompanhar meus passos a anos nesta e em outras tantas lutas, mostrando-se atenciosa, compreensiva e companheira em todos os momentos, cuja presença ao seu lado apenas me honra. Aos professores José Maurício Arruti, Graça Mesquita, Denise Simões, Bernardo Mançano, Rui Moreira, Carlos Walter, Clay Anderson, João Márcio Palheta, Edmilson Rodrigues, Elizabeth Teixeira e Maria Inês, que com carinho estendo aos demais professores que contribuíram em minha formação. Aos colegas e as colegas Jose, Cris, Mada, Cirlene, Darinez, Arlete, Luis, Paula, Dani, Vanessa, Berg, Mauro, Albenize e Luciano a quem estendo meus cumprimentos aos demais colegas de turma do Mestrado da UEPA, da PUC e da UFF pelas discussões em torno da educação que me auxiliaram na construção deste estudo. Aos sujeitos das comunidades que, aprendendo, nos ensinam cotidianamente novas lições. Ao NEP, que em sua prática vem me formando como educador popular a serviço da mudança do mundo. Aos companheiros da Ação Popular Socialista e do PSOL, que muito contribuem no meu processo de amadurecimento político e intelectual e com quem compartilho a esperança de que outros outubros virão. Aos incontáveis amigos e parceiros intelectuais que muito me ajudaram para que eu seja quem verdadeiramente hoje eu sou e para que este trabalho fosse concluído.

E vamos à luta. Eu acredito É na rapaziada Que segue em frente E segura o rojão Eu ponho fé É na fé da moçada Que não foge da fera E enfrenta o leão Eu vou à luta É com essa juventude Que não corre da raia À troco de nada Eu vou no bloco Dessa mocidade Que não tá na saudade E constrói A manhã desejada Gonzaguinha.

RESUMO OLIVEIRA NETO, Adolfo. Educação Popular do Campo e Território: uma análise da prática educativa do GETEPAR-NEP na Amazônia ribeirinha. 2000. 203f. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade do Estado do Pará, Belém, 2011.

O presente estudo busca analisar a prática educativa em educação popular do campo de alfabetização e pós-alfabetização com jovens, adultos e idosos em três comunidades rurais-ribeirinhas do município de São Domingos do Capim, no estado do Pará. Objetiva identificar como o território e as práticas sociais cotidianas dos sujeitos destas comunidades têm relação direta com o desenvolvimento de uma prática educativa libertadora. Trata-se de uma pesquisa de campo de abordagem histórico-dialética e de cunho qualitativo do tipo participante. A contribuição deste estudo vem da tentativa de compreender como se relacionam a construção do território com a educação popular no campo, buscando traçar alternativas teóricas e metodológicas para a consolidação desta modalidade educacional. Analisamos ainda, na prática educativa do GETEPAR-NEP a importância do território como elemento educativo, sendo ele um dos grandes eixos articuladores dos conteúdos trabalhados com os educandos e a importância do saber espacial para a comunidade.

Palavras-Chave: 1. Educação popular; 2. Educação do campo; 3. Território; 4. Espaço geográfico.

RÉSUMÉ

OLIVEIRA NETO, Adolfo. Educação Popular do Campo e Território: uma análise da prática educativa do GETEPAR-NEP na Amazônia ribeirinha. 2000. 203f. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade do Estado do Pará, Belém, 2011.

Cette étude évalue la pratique éducative dans le domaine de l'éducation populaire la zone rurale en alphabétisation et post-alphabétisation auprès des jeunes, adultes et personnes âgées dans trois communautés rurales, commune côtière de São Domingos Capim, l'État du Pará. Le objectif a pour de déterminer comment le territoire et les pratiques sociales quotidiennes des sujets de ces collectivités sont directement liés à l'élaboration d'une pratique de libération d'enseignement. Il s'agit d'une enquête sur le terrain de l'approche historique et dialectique et une de type qualitatif participant. La contribution de cette étude est d'essayer de comprendre comment ils se rapportent à la construction du territoire avec l'éducation populaire dans le domaine, cherchant à attirer des alternatives théoriques et méthodologiques pour la consolidation de cette modalité d'enseignement. Nous analysons également les pratiques éducatives de la NEP-GETEPAR l'importance du territoire comme l'éducation, étant l'un des principaux domaines d'organisateurs contenu travaillé avec les élèves et l'importance de l'espace de connaissances pour la communauté.

Mots-clés: 1. Educação popular; 2. Educação do campo; 3. Território; 4. Espaço geográfico.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

MAPA 01

Município de São Domingos do Capim.................................

IMAGEM 01

IMAGEM 03

Ramal que leva às comunidades “São Bento”, “São José do S” e “Jesus por Nós”................................................................. 101 Ramal que liga a comunidade “São Bento” as roças dos 103 moradores............................................................................ Produção de farinha de mandioca............................................ 105

IMAGEM 04

Casa de farinha........................................................................

106

IMAGEM 05

Veículo de um atravessador de farinha de mandioca..............

107

IMAGEM 06

IMAGEM 08

Barco carregado com a produção de farinha para comercializar na sede de São Domingos do Capim................. 108 Local aonde os pequenos agricultores vindos do espaço agrário do município comercializam a sua produção............................................................................ 109 Igarapé da Comunidade do São Bento..................................... 111

IMAGEM 09

Gerador de energia da comunidade “São Bento”.....................

113

IMAGEM 10

Ponto de apoio para extração ilegal de madeira nobre...........

114

IMAGEM 11

Fazenda localizada a beira do rio Capim..................................

115

IMAGEM 12

Local da antiga escola..........................................................

116

IMAGEM 13

Igreja construída no encontro do rio Capim com o rio Guamá, que deu origem à cidade...................................................... Comparativo entre o Índice de desenvolvimento da Educação Básica do município de São Domingos do Capim, do Estado do Pará e do Brasil nos anos iniciais do Ensino Fundamental......................................................................... Número de matrículas nas séries iniciais do ensino fundamental na área urbana e área rural de São Domingos do Capim por tipo de estabelecimento educacional.......................................................................... Escola multisseriada em pleno funcionamento......................

IMAGEM 02

IMAGEM 07

GRÁFICO 01

GRÁFICO 02

IMAGEM 14 IMAGEM 15 IMAGEM 16 IMAGEM 17 IMAGEM 18 IMAGEM 19 IMAGEM 20 IMAGEM 21 IMAGEM 22

100

119

121

122 123

E. M. E. F São Benedito – a única escola de alvenaria no espaço agrário do município................................................ 127 Escola da Comunidade São José do “S”............................... 148 Escola de Multisseriada de Ensino Fundamental da Comunidade “Jesus por Nós”................................................. Escola de Educação infantil e de EJA da Comunidade “Jesus por Nós”............................................................................... Formação Continuada com os membros da comunidade....................................................................... Foto do arraial da comunidade “Jesus por Nós”...............

149 149 152 159

Igarapé que atende parcialmente a comunidade “São José 163 do S”......................................................................... Crianças brincando no “quintal” na comunidade “São José do 169 S”.........................................................................

IMAGEM 23 IMAGEM 24 IMAGEM 25 IMAGEM 26 IMAGEM 27

Menina lavando a louça da família no igarapé na comunidade “São Bento”.................................................. Duas crianças brincando em uma montaria na margem do rio Capim..................................................................... Duas crianças brincando no quintal próximo a casa de farinha............................................................................... Família reunida descascando a mandioca para fazer a farinha............................................................................... Carregando o barco na “beira” do rio para levar a farinha para a Sede de São Domingos do Capim............

171 172 173 174 175

LISTA DE SIGLAS

NEP

Núcleo de Educação Popular Paulo Freire.........................

14

UEPA

Universidade do Estado do Pará........................................

14

GETEPAR

Grupo de Estudo e Trabalho em Educação Popular na Amazônia Rural..................................................................

14

UFPA

Universidade Federal do Pará............................................

17

PPGED

Programa de Pós-Graduação em Educação......................

17

SDC

São Domingos do Capim....................................................

39

MOVA

Movimento Nacional de Alfabetização................................

40

CNEC

Conferência Nacional Por Uma Educação do Campo........

66

I ENERA CNBB

I Encontro Nacional de Educadores e Educadoras da Reforma 87 Agrária.................................................................. Conferência Nacional dos Bispos do Brasil........................ 87

UnB

Universidade de Brasília.....................................................

UNESCO

Organização das Nações Unidas para Ciência, Educação e 87 Cultura............................................................................. Fundo das Nações Unidas para a Infância......................... 87

UNICEF SECAD

87

MMC

Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização Diversidade......................................................................... Movimento de Mulheres Camponesas...............................

MDA

Ministério do Desenvolvimento Agrário..............................

90

MEC

Ministério da Educação.......................................................

90

FEAB

Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil..........

90

CNTE

Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação

90

SINASEFE

Sindicato Nacional dos Trabalhadores Federais Educação............................................................................ Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior....

ANDES SEAP-PR

e

90 90

de

90 90

MMA

Secretaria de Estado de Administração e da Previdência do 90 Estado do Paraná.......................................................... Ministério do Meio Ambiente............................................... 90

MinC

Ministério da Cultura...........................................................

90

AGB

Associação dos Geógrafos do Brasil..................................

90

CONSED

Conselho Nacional de Secretários de Educação...............

90

FETRAF

Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar.......

90

CPT

Comissão Pastoral da Terra...............................................

90

CIMI

Conselho Indigenista Missionário.......................................

90

MEB

Movimento de Educação de Base......................................

90

PJR

Pastoral da Juventude Rural...............................................

90

CERIS

Centro de Estatísticas Religiosas e Investigações Sociais

90

MOC

Movimento de Organização Comunitária............................

90

RESAB

Rede de Educação do Semi-Árido Brasileiro......................

90

SERTA

Serviço de Tecnologia Alternativa......................................

90

IRPAA

Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada...

90

SUL-NORTE

Associação Regional das Casas Familiares Rurais...........

90

PRONERA

Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária.......

91

UFRA

Universidade Federal Rural da Amazônia..........................

92

UNDIME

União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação...

92

MTE

Ministério do Trabalho e Emprego......................................

92

ICED

Instituto de Ciências da Educação......................................

93

SEDUC

Secretaria Estadual de Educação.......................................

93

FPEC

Fórum Paraense de Educação do Campo..........................

93

FETAGRI

Federação dos Trabalhadores da Agricultura....................

93

MAB

Movimento dos Atingidos por Barragens............................

93

CNE

Conselho Nacional de Educação........................................

97

LDB

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional...............

97

EJA

Educação de Jovens e Adultos...........................................

126

PROALTO CCSE

Programa de Alfabetização de Jovens e Adultos: processo social para a libertação....................................... 130 Centro de Ciências Sociais e Educação ............................ 130

CAPE

Centro Acadêmico de Pedagogia.......................................

130

GET

Grupo de Estudo e Trabalho...............................................

134

UFOPA

Universidade Federal do Oeste do Pará.............................

137

IFPA UFAM

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará..................................................................................... 137 Universidade Federal do Amazonas................................... 137

UEAM

Universidade Estadual do Amazonas.................................

137

UFSCAR

Universidade Federal de São Carlos..................................

137

ARCAFAR

SUMÁRIO INTRODUÇÃO..........................................................................................................

13

1.

CAMINHOS METODOLÓGICOS....................................................................

20

1.1. A Opção Pela Abordagem Histórico-Dialética............................................ a) Massimo Quaini e a relação entre a dialética e a problemática espacial................................................................................................ b) Soja e a dialética sócio-espacial........................................................... c) Santos: a nova geografia e a dialética.................................................. 1.2. Estratégias metodológicas........................................................................

20

2. MATRIZES DA EDUCAÇÃO POPULAR NA EDUCAÇÃO DO CAMPO: construção de um projeto de mudança social............................................ 2.1 Os caminhos que ligam a educação popular e a disputa de projeto nacional................................................................................................... 2.2. Matrizes teórico-metodológicas da Educação Popular na Educação do Campo..................................................................................................... 2.2.1 Raízes filosóficas da educação popular na educação do campo................ a) Pressupostos antropológicos da educação popular e sua relação com a educação do campo.............................................................................. b) Pressupostos gnosiológicos da educação popular e a sua relação com a educação popular do campo................................................................ c) Visão histórico-dialética de mundo da educação popular freireana e a sua relação com a educação do campo................................................... 2.2.2 Pressupostos Pedagógicos...................................................................... a) O respeito à cultura e ao saber local como elementos educativos........... b) Espaço e tempo como elementos educativos.......................................... c) A importância do diálogo e da práxis.................................................... 2.2.3 Dimensão política da educação................................................................. a) A educação como questionadora da ordem social..................................... b) A educação como processo de formação intelectual e política...............

25 29 33 39

49 50 58 60 60 63 66 67 67 72 77 80 80 83

3. O MOVIMENTO PELA EDUCAÇÃO E A EDUCAÇÃO EM MOVIMENTO: o processo de mobilização pela educação do campo...................................

86

3.1. O Movimento pela Educação e a Educação em Movimento: a mobilização dos movimentos sociais pela educação do campo....................................

87

4. A EDUCAÇÃO POPULAR DO CAMPO EM COMUNIDADES RIBEIRINHAS: realidade camponesa nas comunidades rurais-ribeirinhas e o trabalho educativo do GETEPAR-NEP....................................................

99

4.1. Trabalho, território e temporalidade na formação das comunidades ruraisribeirinhas: o caso do “São Bento”, do “São José do S” e da comunidade “Jesus por Nós”........................................................................................... 4.2. A educação do campo em comunidades rurais-ribeirinhas: o trabalho educativo do GETEPAR-NEP.......................................................................... 4.2.1. Núcleo de Educação Popular Paulo Freire: história, organização e projetos.. a) Ensino-extensão.......................................................................................... b) Pesquisas.................................................................................................... c) Eventos....................................................................................................... d) Publicações.................................................................................................

99 129 130 138 140 143 144

4.3 As ações do GETEPAR -NEP em São Domingos do Capim.......................... 4.3.1.O trabalho pedagógico do GETEPAR-NEP em turmas de alfabetização..........................................................................................

145

151 5. A RELAÇÃO ENTRE A EDUCAÇÃO POPULAR DO CAMPO E O TERRITÓRIO: o caso das comunidades rurais-ribeirinhas de São Domingos do Capim................................................................................. 5.1. A vivência como matriz do processo educativo: o território como elemento educativo................................................................................ 5.2. Entorno vivido como produtor de sua própria pedagogia: o saber espacial como elemento educativo........................................................

155

157 168

CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................

182

REFERÊNCIAS .......................................................................................................

186

ANEXOS...................................................................................................................

193

APÊNDICES.............................................................................................................

196

13

INTRODUÇÃO

Em sociedade que exclui dois terços de sua população e que impõe ainda profundas restrições à grande parte do terço para o qual funciona, é urgente que a questão da leitura e da escrita seja vista enfaticamente sob o ângulo da luta política a que a compreensão científica do problema traz a sua colaboração. Paulo Freire (2006a, p. 09)

A sociedade brasileira é caracterizada por uma imoral contradição entre déficits e excessos que marca toda a nossa história como colônia e como país. De um lado, temos uma pequena parcela da população que vive com excesso de elementos supérfluos, excesso de privilégios, excesso de recursos financeiros, excesso de bens e excesso de cegueira que não os permite ver o quanto a manutenção de um padrão de vida absolutamente incompatível com o que o país destina ao seu povo gera uma pressão sobre a camada mais pobre da população que passa a ter como única alternativa a inclusão absolutamente precária em nossa sociedade. Por outro lado, para a maioria do nosso povo, sobra uma sociedade dos déficits. Déficit de moradia, déficit de alimentação, déficit de educação, déficit de saúde, déficit financeiro, déficit de direitos, déficit de cidadania. A experiência de 511 anos de construção do Brasil levado a cabo por diferentes grupos dominantes, mais do que limitada na tentativa de construir um país, já que sempre serviu a apenas uma pequena parcela do seu povo, procurou abortar o projeto da construção de uma nação. Hoje temos um país incompleto, formado por um Estado autoritário que não garante a efetivação dos direitos sociais básicos e a prevalência dos direitos humanos no seu território e que tenta abandonar o projeto de construção nacional em favor da construção de um projeto de dependência macroeconômica, cultural e política. Este projeto, no entanto, não consegue avançar sem contestações. Um dos exemplos que temos na tentativa da construção de um caminho contrário ao exposto acima é protagonizado pelos movimentos sociais que tomam o campo educacional como arena política, entre os quais se destaca o movimento de educação do campo, movimento este que procuramos analisar em alguns traços

14

neste trabalho. A análise foi feita a partir de uma experiência desenvolvida pelo Núcleo de Educação Popular Paulo Freire (NEP) da Universidade do Estado do Pará (UEPA) através do Grupo de Estudo e Trabalho em Educação Popular na Amazônia Rural (GETEPAR). Durante a construção da pesquisa que subsidiou este trabalho, nossa intenção foi analisar como na materialidade do espaço há possibilidades para uma construção subjetiva rebelde, tendo como apoio um modelo educacional que busca potencializar essa rebeldia como ponto de sustentação das classes populares, já que esse modelo educacional surge como afirmação de uma cultura e uma classe, buscando elementos não reprodutivistas capazes de servir de base à análise e à ação popular. Modelo que garante a interpretação do mundo como um ato eminentemente político, como identificação-ação, em que a leitura não se esgota na simples decodificação da palavra, se alongando pela leitura da “palavramundo” como ação criadora ou, como define Freire (2006b), em uma “ação cultural para a liberdade” que se contrapõe à educação “bancária” (FREIRE, 2005). Durante a pesquisa buscamos compreender: qual é a relação existente entre a produção e a utilização do espaço geográfico com os saberes sociais identificados no cotidiano dos sujeitos de três comunidades rurais-ribeirinhas de São Domingos do Capim? Como questões norteadoras buscamos entender, por um lado, como a relação entre o espaço geográfico e o cotidiano das comunidades é produtora de saberes que podem ser utilizados na educação popular do campo? Por outro lado, cabe analisar como os saberes dos educandos das comunidades rurais-ribeirinhas de São Domingos do Capim são trabalhados pedagogicamente nas turmas de educação popular do campo? Caso sejam utilizados, como isto é feito? Caso não sejam, por quê? Buscamos aprofundar o debate sobre a dimensão pedagógica do espaço geográfico, tomando como referência o território, em uma concepção de educação popular do campo que tem como característica, dentre outras, a busca a emancipação dos povos do campo a partir da análise crítica sobre a sua própria realidade.

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Dentre o largo espectro da atuação da educação popular do campo, buscamos ressaltar a especificidade do espaço rural-ribeirinho da Amazônia paraense valorizando o território como categoria de análise. Um dos momentos importante deste trabalho se deu na tentativa de compreender qual é a relação existente entre os saberes sócio-territoriais identificados no cotidiano dos sujeitos de três comunidades rurais-ribeirinhas do município de São Domingos do Capim com o processo de educação popular do campo desenvolvido pelas turmas de alfabetização e pós-alfabetização de jovens, adultos e idosos do NEP nestas comunidades1. Durante a realização da pesquisa, outros dois objetivos se impõem à análise como complementares a fim de podermos compreender de forma mais abrangente o tema. Por um lado, buscamos analisar a relação entre o território e o cotidiano das comunidades a fim de entendermos como esta relação é produtora de saberes que podem ser utilizados na educação popular. Por outro lado, analisamos como os saberes dos educandos das comunidades rurais-ribeirinhas de São Domingos do Capim são trabalhados pedagogicamente nas turmas de educação popular do campo que tem relação com a ação educativa do GETEPAR-NEP. Assim, este trabalho tem as marcas de uma questão que nos acompanha a alguns anos: como a geografia se relaciona com a educação? Sem dúvida esta é uma das perguntas que mais influenciaram a construção deste trabalho, mesmo não sendo o problema central aqui desenvolvido ou mesmo nem fazendo parte como uma das questões norteadoras. Em geral, acreditamos que a resposta para esta pergunta revela uma relação assimétrica entre a geografia e os estudos da área da educação, sendo que a parte mais visível dela é a construção da disciplina escolar geografia, a partir de uma reconstrução da ciência geografia. Acreditamos que a construção da disciplina escolar tem pelo menos três consequências distintas: a primeira é a contribuição que a disciplina dá na legitimação da geografia como ciência perante uma grande parcela da sociedade. A segunda é a influência que o campo educacional exerce sobre a formação deste profissional, já que ele é ao mesmo tempo formado como

1

Em relação as quais serão as comunidades analisadas e os critérios de seleção ver páginas 39-40.

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geógrafo e como educador. A terceira é a transformação dos elementos da ciência geográfica em conteúdos escolares, a partir de critérios pedagógicos. No entanto, como a geografia influência o campo educacional? Esta pergunta está presente nessa construção porque ela tem como marca o questionamento das duas áreas (geografia e educação) a partir de quatro dimensões: a ontológica, a gnosiológica, a epistemológica e a política. Isto principalmente porque a relação que observamos do espaço geográfico (elemento do campo geográfico) com os saberes e os conhecimentos (elementos do campo educacional) é diametralmente oposto a relação que observamos entre a geografia e o campo educacional. Muitos caminhos nos levaram a estes questionamentos. Um dos primeiros foi a reflexão sobre o pensamento de Freire quando o autor afirma que: por isso é que é importante afirmar que não basta reconhecer que a Cidade é educativa, independentemente do nosso querer ou do nosso desejo. A cidade se faz educativa pela necessidade de educar, de aprender, de ensinar, de conhecer, de criar, de sonhar, de imaginar de que todos nós, mulheres e homens, impregnamos seus campos, suas montanhas, seus vales, seus rios, impregnamos suas ruas, suas praças, suas fontes, suas casas, seus edifícios, deixando em tudo o selo de certo tempo, o estilo, o gosto de certa época. A cidade é cultura, criação, não só pelo que fazemos nela e dela, pelo que criamos nela e com ela, mas também é cultura pela própria mirada estética ou de espanto, gratuita, que lhe damos. A Cidade somos nós e nós somos a Cidade. (FREIRE, 2003b, p. 22-3).

Esta passagem foi uma das primeiras que nos inquietou do ponto de vista teórico para a reflexão sobre a possibilidade de o espaço conter entre tantas dimensões, uma que vem sendo sistematicamente negligenciada pelo pensamento pedagógico tradicional, que é a dimensão educativa. O aprofundamento na teoria freireana e o desenvolvimento de atividades como educador popular em comunidades na periferia de Belém nos levaram ao constante reencontro desta problemática. Isto porque passo-a-passo fomos fortalecendo a impressão (e naquele momento era apenas impressão) de que o desvelamento da realidade na perspectiva freireana parte eminentemente de uma relação sócio-espacial e que, a partir daí, a materialidade do espaço e o conjunto de relações que lhe atribui significado são um fio condutor privilegiado para a prática educativa. No entanto, esta impressão ainda não havia ganhado os contornos de um objeto teórico que, mesmo sempre tendo me enfrentado, eu ainda não havia

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decidido enfrentar. Foi no processo de aproximação do trabalho desenvolvido pelo GETEPAR nas comunidades rurais-ribeirinhas de São Domingos do Capim que, de fato, a impressão começou a tomar demarcações de objeto. Durante a vivência dos cursos de licenciatura plena em pedagogia na UEPA e de licenciatura e bacharelado em geografia na Universidade Federal do Pará (UFPA) o contato com outras obras foram fortalecendo ainda mais a convicção de que este é um campo imenso de possibilidades, entre as quais destaco os trabalhos de: Santos (2008a; 2002), Gadotti; Padilha e Cabeduzo (2004), Caldart (2004b), Arroyo; Caldart e Molina (2004); Gadotti (2008), Alves (2004) e Cavalcanti (2008) dentre tantos outros incontáveis volumes, textos e debates. A vivência nas comunidades de São Domingos do Capim como integrante do GETEPAR-NEP a partir do ano de 2004 foi uma das experiências mais significativas para o enfrentamento desta questão2. O fato dos povos do campo protagonizarem relações sociais completamente diferentes das vivenciadas na cidade, tendo grande ligação com o território e com a construção de um tempo social de marcas próprias, além do fato destes sujeitos serem protagonistas de uma forma híbrida de propriedade, que mescla elementos da propriedade privada e da propriedade comunal, foram alguns dos elementos que nos levaram a escolher estas comunidades como parceiras no processo de enfrentamento desta questão3. Desta maneira, ao ingressarmos no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGED) da UEPA em 2008 nos interrogamos se não havia chego a hora de enfrentar decisivamente esta inquietação e analisar de forma integrada estes dois elementos (espaço geográfico e educação) que geralmente são vistos como elementos distantes tanto por geógrafo quanto por educadores. O desenvolvimento do trabalho nos possibilitou entender a especificidade desta relação em comunidades rurais-ribeirinhas da Amazônia paraense, que é a formação sócio espacial que optamos para análise. A tentativa de elucidação destas perguntas nos permitiu o desenvolvimento de um percurso analítico que pretende aprofundar o debate sobre a dimensão pedagógica do espaço geográfico em práticas de educação popular, debate este em

2

Sobre os critérios para a escolha das comunidades para participarem da pesquisa, a caracterização e o trabalho educativo do GETEPAR-NEP, ver capítulo 4. 3 Os procedimentos metodológicos da pesquisa serão discutidos no capítulo 1.

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que alguns dos elementos iniciais podem ser encontrados em Oliveira Neto (2007), Oliveira Neto & Rodrigues (2008) e em Oliveira (2008) de maneira mais geral. Tomamos como base a relação existente entre a produção e a utilização do espaço geográfico e dos saberes sociais identificados no cotidiano dos sujeitos de comunidades rurais-ribeirinhas no município de São Domingos do Capim, na Amazônia paraense, com o processo educativo desenvolvido na perspectiva da educação popular do campo nestas comunidades em turmas de alfabetização e pósalfabetização de jovens, adultos e idosos. Esta análise só é possível, entre outras coisas, por dois motivos. O primeiro é que há um ponto forte de encontro entre o espaço geográfico e a educação na vida cotidiana dos sujeitos. Isto porque a produção e utilização do espaço jamais podem ser vistas apenas como uma relação entre os seres humanos e objetos materiais. A construção material do espaço supõe uma construção simbólica que é feita paralelamente e é difundida socialmente. Esta construção simbólica situa-se no campo dos saberes, dos imaginários, das representações sociais, dos sentimentos, das frustrações e dos sonhos. É no campo dos saberes sociais que nos encontramos para analisar esta relação, mesmo que sua fronteira com o imaginário e a representação social seja frágil e difícil de definir. O segundo ponto é que os saberes populares são construídos a partir de um conjunto de teias que formam a personalidade dos indivíduos e que auxiliam na construção dos sentidos que orientam as ações práticas dos sujeitos. Há no saber popular uma lógica e uma episteme voltados para a realização prática do ser e que é construída por um conjunto de relações, signos e significados, exigindo que estes sejam estudados como uma totalidade,

articulando reflexões sociológicas,

geográficas, históricas, econômicas e psicológicas, devendo a educação popular se apropriar de todo esse material. Assim, como esta multiplicidade de questões e elementos pôde ser construída na forma de um objeto de estudo? Buscamos desenvolver um percurso analítico onde se evidenciou a relação entre o espaço geográfico e a educação popular do campo. No entanto, só entender esta relação não foi suficiente. É trivial a ideia de que a construção do espaço é, também, uma construção simbólica que, por si só, já é educativa. Neste momento final, o texto do trabalho apresenta como primeiro elemento a introdução. No capítulo 1 apresentamos a metodologia construída para o

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desenvolvimento da pesquisa. Neste capítulo consta as bases epistemológicas e procedimentos metodológicos nos quais nos baseamos e utilizamos para o desenvolvimento da pesquisa e para a construção deste texto. No capítulo 2 apresentamos alguns dos elementos da educação popular que são assumidos pela educação do campo, evidenciando: a) a relação entre a educação e o projeto nacional, mostrando como a educação é assumida como arena política no processo de efetivação de projetos diferentes de nação e; b) as matrizes teórico-metodológicas da educação popular presentes na educação do campo, analisando principalmente as raízes filosóficas, as bases pedagógicas e a dimensão política da educação. No capítulo 3 apresentamos o processo de construção do movimento em defesa da educação do campo no Brasil e no estado do Pará, levando em consideração alguns de seus atores, movimentos, encontros e publicações que nos permitem reconstruir parcialmente esta história. Buscamos apresentar, também, algumas das mudanças que foram acontecendo desde os primeiros anos deste movimento até os dias atuais, que nos permitem identificar alguns avanços no que tange a garantia do direito à educação aos povos do campo. No capítulo 4 apresentamos o trabalho em educação popular do campo desenvolvido pelo GETEPAR-NEP em comunidades rurais-ribeirinhas de São Domingos do Capim, no nordeste paraense. Para tanto, nos envolvemos em um esforço de resgate de um pouco da história do NEP e do GETEPAR, além de fazermos uma caracterização da situação sócio-espacial das comunidades em que desenvolvemos a pesquisa. No capítulo 5, analisamos a importância do território e do saber espacial como elementos educativos nas turmas de educação popular do campo desenvolvidas pelo NEP. Finalizamos com as considerações finais.

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1. CAMINHOS METODOLÓGICOS

1.1. A opção pela abordagem histórico-dialética

Durante a construção da pesquisa buscamos construir nossas análises tomando como referência a abordagem teórico-metodológica histórico-dialética para entendermos a relação existente entre o processo histórico de construção do espaço do ser humano e a forma como esse espaço concreto é representado pelos sujeitos, adquirindo um papel privilegiado na construção do saber, podendo ser encarado, então, a partir de uma função educativa. Muito discutida atualmente, a dialética é quase uma constante nas dissertações e teses nas ciências sociais e educação, seja como método ou como objeto. No entanto, durante a pesquisa nos questionamos: qual é a origem deste pensamento? Quais foram as transformações por que ela passou durante a sua história? Em que momento ela se estabeleceu como método e se difundiu no pensamento social? Quais são as possibilidades de análise que ela nos abre no atual contexto histórico? Etimologicamente, segundo Japiassú; Marcondes (2006, p. 73), a palavra dialética deriva do latim dialectica, que tem sua origem na palavra grega dialektike, que significa discussão. Em sua origem, na Grécia, dialética era entendida como a arte do diálogo, ou da discussão. No entanto, com Heráclito (aprox. 540-480 a.C.) a dialética passa a significar o pensamento pelo qual a realidade é entendida de forma contraditória e em permanente mudança. Segundo Andery, Micheletto; Sério (2007, p. 47), em Heráclito, os fenômenos eram ao mesmo tempo uno e múltiplo “porque continham em si opostos que se encontravam em perpétua tensão, em perpétua busca de equilíbrio, em que, a cada momento, predominava um dos pólos dos contrários em tensão”. Durante a idade média, a dialética é pressionada por um pensamento baseado na imutabilidade do ser e do real que, agora, tem em sua base teológica o centro da explicação do universo, tirando do ser humano esta faculdade. No século XVIII, após um conjunto de profundas mudanças sociais, Kant (1724-1804) lança uma das pedras fundadoras para a concepção moderna de dialética. Segundo Konder (2008, p. 20), para Kant “a consciência humana não se

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limita a registrar passivamente impressões provenientes do mundo exterior, que ela é sempre consciência de um ser que interfere ativamente na realidade”. Essa apropriação que a consciência faz da realidade a partir das ações que o sujeito estabelece com esta, faz com que a apropriação da realidade pela consciência não se dê de forma pura e sim, entrelaçada por um conjunto de contradições. Por sua vez, Hegel (1770-1831) retoma Kant e aprofunda a ideia da contradição como elemento constitutivo da consciência. No entanto, em Hegel, segundo Konder (2008, p. 22): a contradição não era apenas uma dimensão essencial na consciência do sujeito do conhecimento, conforme Kant tinha concluído; era um princípio básico que não podia ser suprimido nem da consciência do sujeito nem da realidade objetiva.

A maneira como o sujeito se relaciona com a realidade é a partir da mediação feita pelo trabalho, se tornando este um elemento constitutivo do próprio sujeito. É pelo trabalho que há a possibilidade do sujeito vencer a resistência que existe no objeto, imprimindo-lhe novas características. A partir do desenvolvimento da categoria trabalho, Hegel formula a ideia de superação dialética. Em sua origem, a ideia de superação dialética guarda estreita relação com a ideia de suspensão que, por sua vez, segundo Konder (2008, p. 25) possui três sentidos, onde:

o primeiro sentido é o de negar, anular, cancelar (...). O segundo sentido é o de erguer alguma coisa e mantê-la erguida para protegêla (...). E o terceiro sentido é o de elevar a qualidade, promover a passagem de alguma coisa, para um plano superior, suspender de nível.

Assim, em Hegel, superação dialética possuía, ao mesmo tempo, a negação ou anulação das características do objeto, a sua conservação e a passagem a um estágio onde este objeto modificado, encontra-se em um estágio diferente, notadamente superior. Hegel analisava o trabalho a partir de uma visão idealista e o subordinava ao que chamava de ideia absoluta. O trabalho, em Hegel, assume uma dimensão unilateral, como trabalho intelectual, desvalorizando o trabalho físico, material, e sua

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consequência na formação da consciência do sujeito e da estruturação da sociedade, ideia desenvolvida posteriormente por Marx. Quaini (1979, p. 32) analisando o tema e relacionando com a produção espacial, afirma que em Hegel a dialética é vista como método para instituir as correlações entre estruturas geográficas e modos de vida dos povos. É assim importante ver como se coloca a dialética hegeliana não apenas em relação a Kant, mas também em relação a Marx. Em poucas palavras, a dialética de Hegel mostra, de um lado, sua verdade lógica e metodológica (e portanto seu lado progressivo em relação a Kant) enquanto unidade de opostos (ser-pensamento, liberdadenecessidade e etc.) e, portanto, por aquilo que nos interessa aqui enquanto unidade natureza e história, mas por outro lado, demonstra seu caráter regressivo (mesmo em relação a Kant) e mistificador enquanto tal unidade é unidade no pensamento, enquanto não é dialética do trabalho humano, na relação concreta e histórica com a natureza (como em Marx) mas, essencialmente, dialética do trabalho espiritual, da ideia.

No entanto, a dialética Hegeliana, mesmo tendo uma constituição muito próxima da concepção de dialética desenvolvida posteriormente por Marx, é vista de maneira diferente, como elemento mistificador das relações sociais. Em uma das passagens em que trata de Hegel, Marx (2008b, p. 29) afirma que: a mistificação por que passa a dialética nas mãos de Hegel não o impediu de ser o primeiro a apresentar suas formas gerais de movimento, de maneira ampla e consistente. É necessário pô-la de cabeça para cima, a fim de descobrir a substância racional dentro do invólucro místico.

Marx e Engels (2008) operam, assim, uma inversão da lógica hegeliana, propondo que as ideias sejam entendidas a partir das relações que os sujeitos estabelecem com o mundo material e não o contrário, desarmando a ideia de consciência absoluta desenvolvida por Hegel. Isso fica evidente quando Marx e Engels (2008, p. 51) afirmam que: são os homens os produtores de suas representações, de suas ideias, mas os homens reais e atuantes, tal como são condicionados por um determinado desenvolvimento de suas forças produtivas e das relações a eles correspondentes, até chegar as suas mais amplas formações. A consciência nunca pode ser outra coisa que o ser consciente, e o ser dos homens é o seu processo de vida real.

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Neste sentido, Marx e Engels mostram claramente que haviam assumido a categoria trabalho desenvolvida por Hegel, mas a utilizavam em outra dimensão. O que importava para ambos era o trabalho material que permeava a construção da realidade objetiva. Para os autores, é a partir da construção da realidade objetiva que os sujeitos construíam as suas representações sobre o mundo, e não o contrário, como afirmava Hegel. Nessa perspectiva, a dialética passa a consolidar-se como o método de análise que sustentará o pensamento marxiano e o pensamento marxista. Isto porque Marx trabalhará com a visão de totalidade e entenderá a realidade como um todo complexo e contraditório que só pode ser entendido a partir do entendimento do processo (movimento) que foi responsável pela sua formação em seus movimentos e contradições, e este processo se desenvolve claramente, para Marx (2008a, 2008b, 2000), de maneira dialética. A análise da totalidade só pode ser desenvolvida pelo pensamento dialético exercendo-se sobre o real devido à capacidade que este tem de superar o pensamento mecânico, buscando entender os nexos constitutivos do real. Konder (2008, p. 43-44), ao analisar a relação entre a totalidade e o pensamento dialético afirma que: para reconhecer as totalidades em que a realidade está efetivamente articulada (em vez de inventar totalidades e tentar enquadrar nelas a realidade), o pensamento dialético é obrigado a um paciente trabalho: é obrigado a identificar com esforço, gradualmente, as contradições concretas e as mediações específicas que constituem o tecido de cada totalidade, que dão vida a cada totalidade

Marx, em uma das poucas passagens que usa para discutir a dialética e a maneira ela está presente no seu método, utiliza-se de uma das críticas feitas ao O Capital publicada em um periódico denominado “Mensageiro Europeu”, de São Petersburgo em maio de 1872, crítica essa que o próprio Marx publicará no pósfácio de O Capital para tentar evidenciar o seu pensamento. Neste número do periódico Russo um opositor de Marx ao construir sua crítica busca explicar como funciona o método marxiano afirmando que: para Marx, só uma coisa importa: descobrir a lei dos fenômenos que ele pesquisa. Importa-lhe não apenas a lei que os rege, enquanto têm forma definida e os liga relação observada em dado período histórico. O mais

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importante de tudo, para ele, é a lei de sua transformação, de seu desenvolvimento, isto é, a transição de uma forma para outra, de uma ordem de relações para outra. Descoberta esta lei, investiga ele, em pormenor, os efeitos pelos quais ela se manifesta na vida social. [...] Marx observa o movimento social como um processo histórico-natural, governados por leis independentes da vontade, da consciência e das intenções dos seres humanos, e que, ao contrário, determinam a vontade, a consciência e as intenções (...). Se o elemento consciente desempenha papel tão subordinado na história da civilização, não pode ter por fundamento as formas ou os produtos da consciência. O que lhe pode servir de ponto de partida, não é a ideia, mas, exclusivamente, o fenômeno externo. A inquirição crítica limitar-se-á a comparar, a confrontar um fato, não com a ideia, mas com outro fato. (MARX, 2008b, p. 26-27)

E Marx (2008b, p. 28) reitera o escrito acima ao perguntar o “que faz o autor [da crítica a Marx] senão caracterizar o método dialético?”. Nele está expresso, como afirmará pouco mais adiante Marx, um dos elementos fundamentais de separação da dialética Hegeliana, que desce do céu à terra, da Marxista, que vai da terra à consciência. Engels, segundo Konder (2008, p. 55), na tentativa de evitar que a dialética tal como ele e Marx a concebiam, sofresse interpretações equivocadas, tenta definir a origem ontológica do pensamento dialético e suas leis. A dialética humana só poderia existir porque havia uma dialética também na natureza e o ser humano, como parte da natureza, a absorveu. Para sistematizar seu pensamento Engels, segundo Konder (2008, p. 56), “concentrou, então, sua atenção no exame daquilo que ele chamou de dialética da natureza”, a partir da qual Engels admitiu que suas características pudessem ser divididas em três leis. A primeira consta a passagem da quantidade à qualidade e vice-versa. Nesta lei Engels afirma que os elementos de um fenômeno mudam quantitativamente e qualitativamente, alterando suas características numéricas e qualitativas a todo tempo. A segunda é a lei de interpenetração dos contrários. Esta lei mostra que a contradição é um elemento constituinte do objeto e não uma faculdade qualquer. É a partir da tensão entre o ser e o não ser, entre o objeto e sua negação, que este existe efetivamente. A subsunção de um dos contrários impede a existência do ser ou do objeto.

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A terceira é a lei da negação da negação. Nesta lei, Engels busca dar racionalidade ao movimento dialético. A superação da afirmação pela negação não é um movimento aleatório. A negação não prevalece por ter superado a afirmação inicial. O movimento de contradição em que a afirmação é superada pela negação gera um novo movimento de superação da negação pela negação da negação, que se institui como síntese do movimento constitutivo do ser. Quando Engels define as leis da dialética, por um lado, explicita as características que ele e Marx acreditavam ser essenciais ao pensamento dialético. No entanto, por outro lado, passa a ser criticado por fixar em leis a estrutura do pensamento dialético, conferindo-lhe a imutabilidade típica do pensamento positivo que a dialética se propôs a superar. No entanto, esta observação não tira a fecundidade das suas contribuições ao pensamento dialético. Ainda na tradição marxista, podemos encontrar outras contribuições, como de Stálin, para o qual a dialética não possuía três leis, como afirmava Engels, e sim, quatro traços fundamentais. O primeiro estava ligado à conexão universal e interdependência dos fenômenos; o segundo afirma a existência do movimento, da transformação, do desenvolvimento como elementos necessários à realidade; o terceiro mostra a passagem de um estado qualitativo a outro sem que isto inviabilize o ser e, por fim; o quarto afirma a luta dos contrários como elemento interno de constituição do ser. Assim, o contrário é um elemento interno ao próprio ser e não um elemento externo. Essa definição de Stálin dá a dialética uma menor rigorosidade, mas, também, uma maior didaticidade. A maneira como a dialética foi assumida pelo marxismo no que tange a problemática espacial, o papel dos sujeitos na produção do seu espaço e de sua consequente apropriação simbólica também foi marcada pela construção de perspectivas diferentes. No caso brasileiro, podemos citar pelo menos três correntes que influenciaram a construção das escolas de geografia no território nacional. Uma é representada pela interpretação de Quaini. Outra pela interpretação de Soja. A terceira, sem dúvida hegemônica, é representada pela interpretação de Santos, na qual nos orientamos de maneira parcial.

a) Massimo Quaini e a relação entre dialética e a problemática espacial. O geógrafo italiano Massimo Quaini ao analisar a relação entre o marxismo e a problemática espacial constrói uma argumentação que leva em conta a maneira

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como a geografia assumiu a dialética como orientação teórico-metodológica, analisando principalmente as repercussões da dialética no pensamento geográfico. Começa afirmando que a crise da geografia não pode ser entendida nem superada pela disputa infrutífera que marcou os séculos XVIII e XIX que se centrava na dualidade possibilismo versus o determinismo geográfico. Isso fica evidente quando Quaini (1979, p 22) afirma que “a geografia revela ainda hoje uma alma dualista: oscila, continua oscilando entre determinismo e possibilismo, entre naturalismo e historicismo idealista, entre uma causalidade materialista e um finalismo indeterminado”. Para o autor, a crise da geografia não foi superada devido o debate em torno de suas raízes epistemológicas estarem travados na polêmica em que se fundaram as duas principais correntes do pensamento geográfico e os dualismos que consolidaram seus pressupostos. A saída, então, deveria ser radical e romper com ambas vertentes. Para Quaini (1979, p. 22-23): a única saída para esta antinomia consiste em sair fora dela radicalmente mediante o materialismo histórico, enquanto teoria científica que supera a dissociação entre natureza e história, considerando simultaneamente a relação do homem com a natureza e a relação do homem com o homem.

Assim, Quaini admite que a única saída realmente inovadora para a geografia é aceitar o marxismo como matriz teórica. A assunção do marxismo pela geografia no pensamento de Quaini se deu pela transposição dos conceitos básicos do marxismo para a geografia, atribuindo a esta, a função de analisar o desenvolvimento espacial do capitalismo. Quaini ressalta várias vezes a visão marxiana de que a única ciência verdadeira é a história. No entanto, esta visão, apesar de parecer inicialmente um desvio historicista, é justificada pela necessidade de defender o papel do ser humano na construção social e alteração do real, sendo a visão de história marxiana superior a disciplina moderna história, transcendendo os campos de conhecimento modernos e se ligando pela dimensão ontológica do ser humano realizando-se socialmente. Assim, como afirma Quaini (1979, p. 50): não podemos, portanto pretender fechar, aprisionar o pensamento de Marx nestas categorias estreitas (economia, sociologia, geografia, antropologia), nem por outro lado podemos identificá-lo com o que se chama concepção interdisciplinar.

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No que se refere à dialética e a geografia, algumas considerações sobre o pensamento de Quaini merecem ser feitas. Em primeiro lugar, cabe ressaltar que Quaini não trata especificamente da dialética e a problemática espacial. Sua referência a dialética se faz quando discute a superação da dialética idealista de Hegel pela dialética materialista marxiana. No entanto, como método, é presente na estruturação do pensamento de Quaini a questão da dialética aplicada à problemática espacial. Entre as questões ressaltadas por Quaini, uma das principais diz respeito à dominação do espaço geográfico como uma dominação que transcende a relação entre sociedade e natureza. O processo de transformação da natureza em história é um processo de dominação do ser humano sobre a própria natureza e que auxiliou a dominação de uma classe sobre outra, a partir da inserção da tecnologia e da ciência no território, o que gerou possibilidades de uma construção e utilização desigual do espaço. Isso fica evidente quando o Quaini (1979, p. 48) afirma que:

esta paradoxal reviravolta da natureza em história e da história em natureza se realiza na sociedade capitalista, que enquanto amplia a esfera do domínio científico e tecnológico sobre as forças naturais cria uma natureza social ou uma sociedade natural que se opõe e domina os homens muito mais que a natureza natural dominava as próprias sociedades pré-capitalistas.

Dentre alguns dos temas do marxismo clássico que devem ser desenvolvidos para auxiliar na análise, Quaini cita o fetichismo da mercadoria, a alienação, análise da relação natureza-história nas sociedades pré-capitalistas e capitalistas, o comunismo como elemento de superação da dicotomia estabelecida entre a natureza e a história e do ponto de vista metodológico a superação da visão dicotômica entre ciências da natureza e de ciências sociais, baseadas em uma visão neo-kantiana. Nestas passagens, podemos perceber três elementos importantes do pensamento de Quaini. O primeiro está relacionado ao método utilizado, o segundo está relacionado a alguns dos temas que devem ser desenvolvidos para a análise da problemática espacial no sistema capitalista e a terceira ligada a própria função da geografia.

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No que se refere ao método em Quaini, especialmente na utilização da dialética, o autor nos mostra como há um movimento intrínseco à ideia de espaço. Este movimento está ligado à transformação operada pelo ser humano sobre a natureza transformando-a a partir da história, como sua negação constituinte da formação do ser espacial. A natureza, assim, não é a natureza empírica, abstrata, mas sim, a natureza envolvida na práxis humana, envolvida e formatada por sua própria negação. Movimento este contraditório e que produz efeitos inesperados, sendo o espaço sempre uma síntese de inúmeras determinações históricas e naturais e que tem diversas finalidades sociais. Em relação aos temas enumerados por Quaini, podemos perceber que o desenvolvimento da temática espacial está ligado como reflexo do entendimento de como se deu o desenvolvimento e a consolidação do capitalismo como sistema hegemônico. Ao entrelaçar a geografia com este tema do marxismo clássico, mesmo não restringindo apenas a estes, Quaini demonstra sua visão de como a geografia deve relacionar-se com o marxismo. O marxismo oferece as bases gerais de análise sobre a sociedade e a geografia, a partir de sua fração, analisa com o arcabouço marxista o seu objeto específico, parecendo haver uma via única de oxigenação do pensamento. Parece-nos que para Quaini a geografia adentra o pensamento crítico analisando a temática espacial, mas parece não ter desenvolvido o seu arsenal categorial

de

maneira

suficientemente

sólida

para

poder

interferir

no

desenvolvimento do marxismo. O terceiro elemento que propomos para debate é a função que Quaini pretende atribuir à geografia. Neste ponto nos é cara a visão de Moreira (1994, p. 12) que afirma que “a história da geografia, como a história do pensamento em geral, está contida na história de como os homens fazem sua história”. Nesse ponto de vista, Quaini, inserido no movimento socialista propõe que a geografia tenha um caráter profundamente marcado pelo corte de classe e sirva como elemento de desolcutação da forma como o capitalismo estrutura o espaço para o seu próprio desenvolvimento. Assim, resgata a idéia de uma geografia definitivamente comprometida com a classe trabalhadora e que sirva para instrumentar a revolução socialista. Em Edward Soja, geógrafo americano que compõe a tradição marxista, o caminho é bastante diferente, tanto do ponto de vista da forma como este vê a influência do marxismo sobre a geografia quanto às conclusões de seu pensamento,

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mostrando um caminho que vem sendo trilhado de maneira alternativa pelos geógrafos marxistas e desenvolvendo os conceitos de “materialismo históricogeográfico” e de “dialética sócio-espacial”.

b) Soja e a dialética sócio-espacial O autor busca analisar o papel dado à geografia na teoria social crítica durante os séculos XIX e XX e sua relação com o marxismo do ponto de vista do método, das categorias e das teorias produzidas assim como o quanto a geografia influenciou o marxismo e o quanto o marxismo influenciou a geografia, ressaltando suas repercussões. Assim, Soja (1993, p. 17) afirma que “a obsessão do século XIX com a história, como Foucault a descreveu, não morreu no fin de siècle. Tampouco foi substituída por uma especialização do pensamento e da experiência”. Para Soja, este é um elemento de extrema importância porque a geografia teria se comportado no século XIX e no século XX de maneira ingênua em relação ao marxismo. Isto porque havia no marxismo, notadamente o ocidental, um predomínio da história e do tempo como elemento explicativo em detrimento da geografia e do espaço, constituindo-se no que seria uma espécie de historicismo. Para Soja (1993, p. 23) o historicismo seria:

uma contextualização histórica hiperdesenvolvida da vida social e da teoria social, que obscurece e periferializa ativamente a imaginação geográfica ou espacial. Essa definição não nega o poder e a importância da historiografia como modalidade de discernimento emancipatório, mas identifica o historicismo com a criação de um silencio crítico, com uma subordinação implícita do espaço ao tempo.

Soja, no entanto, foge de uma dicotomização improdutiva entre o tempo e o espaço e afirma que o historicismo só pode ser superado por uma operação realizada dentro dos próprios limites do marxismo e que ela não poderá ser operada por quem optar por anular o tempo pondo em relevância apenas o espaço. Isso fica explícito quando Soja (1993, p. 19) afirma que: em resposta, os intrusos decididos tendem, muitas vezes, a enfatizar demais suas colocações, criando uma alma contraproducente de antihistória e exagerando inflexivelmente o privilégio crítico da espacialidade contemporânea, isolada de uma abrangência temporal que é cada vez mais silenciada.

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A superação do historicismo é o principal elemento para a superação do período moderno para o pensamento crítico. Sua dimensão “pós-moderna” reside na superação da separação infrutífera do ser, do tempo e do espaço e na quebra do isolamento protagonizando pelos geógrafos em relação aos outros campos do saber científico. Esta ligação entre o ser, o tempo e o espaço é a matriz ontológica do ser-nomundo. Sendo assim, para o autor, a instituição da “pós-modernidade” no pensamento crítico é caracterizada pela reconfiguração do pensamento marxista a partir do reconhecimento da espacialização do ser junto a sua temporalização no processo de devir social, reconstruindo a capacidade explicativa da teoria crítica. Em outras palavras, Soja (1993, p. 35) afirma que:

o modo como esse nexo ontológico de espaço-tempo-ser é conceitualmente especificado e recebe um sentido particular na explicação dos eventos e ocorrências concretas é a fonte geradora de todas as teorias sociais, sejam elas críticas ou outras.

É neste contexto que podemos perceber o desenvolvimento do método dialético no pensamento de Soja. Cabe a ressalva de que, diferente de Quaini, Soja propõe um caminho muito mais profunda. Enquanto o primeiro se limita a falar da importância do marxismo para a superação do embate epistemológico entre o possibilismo e o determinismo e suas repercussões para a formação da geografia moderna, o segundo propõe que a geografia renovada seja um ponto de apoio para a reformulação da teoria crítica, notadamente de base marxista. Essa formulação é superior em profundidade e em complexidade em relação à proposta de Quaini, buscando alterar as bases da teoria que serviu de eixo estruturante da geografia moderna. Assim, Soja (1993, p. 72) protagoniza “uma inversão provocadora”, propondo alterar as bases do marxismo a partir das contribuições da geografia, superando certo historicismo que foi predominante no marxismo durante os séculos XIX e XX. As bases para que ele faça esta formulação encontram-se, especialmente, na geografia francesa onde se destaca Lefebvre pelo movimento de crítica feito a fenomenologia existencial e ao estruturalismo althuseriano, resgatando destes os elementos capazes de renovar o marxismo. Isto porque, segundo Soja (1993, p. 63):

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nos últimos trinta anos, Lefebvre recorreu seletivamente a esses movimentos, numa tentativa insistente de recontextualizar o marxismo na teoria e na práxis; e é nessa recontextualização que podemos descobrir muitas das fontes imediatas de uma interpretação materialista da espacialidade e, por conseguinte, do desenvolvimento da geografia marxista e do materialismo histórico-geográfico.

Definida as bases para sua formulação, Soja (1993, p. 73) encontra na tese de que “a organização do espaço não era apenas um produto social, mas, simultaneamente, repercutia na moldagem das relações sociais” o principal eixo teórico de sobrevivência da tentativa de espacializar o marxismo. Esta afirmação é de tal forma sólida que é capaz de superar a visão predominante até então de que a construção do espaço é apenas um produto derivado do desenvolvimento do sistema produtivo, sem força explicativa própria que justificasse a construção de um campo próprio na teoria crítica. No movimento de renovação do marxismo a partir das contribuições da problemática espacial, mais do que um simples reflexo das ações humanas, o espaço é um elemento condicionador do ser que se desenvolve historicamente, sendo ao mesmo tempo produto e meio de realização da sociedade. Se olharmos de maneira mais profunda, perceberemos o quanto esta afirmação é importante. A problemática espacial deixa de ser reflexa e passa a ser um elemento inerente à construção social. Deixa de haver um materialismo histórico que explica questões geográficas e lançam-se as bases para a construção do materialismo históricogeográfico. Essa mudança qualitativa na forma de relação da geografia com os outros campos teóricos da teoria crítica atribuiu um caráter atual à geografia e ao marxismo, renovando o seu poder de análise em um período onde a problemática espacial parece não poder ser entendida sem a problemática temporal em qualquer esforço analítico. A formulação de um materialismo histórico-geográfico impõe a Soja o desenvolvimento de um método que lhe permita sistematizar a profundeza de suas colocações. A saída foi o desenvolvimento da dialética sócio-espacial. Esta dialética permite a superação da teorização vazia de cunho causal que estabelecia um jogo categórico para sustentar suas afirmações. O desenvolvimento da dialética sócioespacial está ligado ao reconhecimento de que há um constante processo de

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unidade, contradição e oposição entre o espaço e a sociedade. Um como constituinte do outro mesmo que sociedade e espaço sejam coisas ontologicamente diferentes, constituídas a partir de realidades próprias. No entanto, um não tendo existência independente do outro. Enfatizando as relações de produção gerais, Soja (1993, p. 99) afirma que:

a estrutura do espaço organizado não é uma estrutura separada, com suas leis autônomas de construção e transformação, nem tampouco é simplesmente uma expressão da estrutura de classes que emerge das relações sociais (e, por isso, a - espaciais?) de produção. Ela representa, ao contrário, um componente dialeticamente definido das relações de produção gerais, relações estas que são simultaneamente sociais e espaciais.

Esta relação dialética entre sociedade e natureza, segundo Soja, está presente no marxismo desde as primeiras contribuições de Marx & Engels, diferente do que afirma Quaini, que via um ensaio da problemática espacial em Marx & Engels apenas quando tratavam das questões naturais e suas relações com o desenvolvimento do capitalismo, na relação entre natureza e segunda natureza e na transformação do território em mercadoria. Soja, por sua vez, afirma que há embriões desta relação quando os autores falam de temas como a antítese entre campo e cidade, a divisão territorial do trabalho, a transferência setorial de excedente, a renda da terra e da dialética da natureza, entre outros. No entanto, coloca a culpa na tradição marxista pelo subdesenvolvimento destes temas quando afirma que “cem anos de marxismo não foram suficientes para desenvolver a lógica e o alcance destes discernimentos” (SOJA, 1993, p. 100). Este movimento seria a base da geografia “pós-moderna”. Neste momento, cabe uma consideração importantíssima para o entendimento do pensamento de Soja: esta pós-modernidade definida por Soja não corresponde a superação das bases da racionalidade moderna como propõem outros autores quando discutem “pós-modernidade” e sim, a superação do historicismo e reafirmação do espaço na teoria social crítica. Para Soja (1993) há três correntes em que podemos perceber esta superação do historicismo. Uma é protagonizada pelo desenvolvimento do pensamento de Lefebvre que busca reequilibrar a relação entre a história, geografia e sociedade.

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Este movimento funda-se numa reformulação fundamental da natureza e do ser social. A segunda, ligada à economia política, busca nas análises do mundo material reencontrar as bases do desenvolvimento da quarta modernização capitalista, que é de caráter eminentemente sócio-espacial e que tem na geografia um de seus principais eixos de desenvolvimento. A terceira é notadamente de caráter cultural e está ligada a uma “modificação do sentido vivencial da modernidade, de uma nova cultura pós-moderna do tempo e do espaço” (SOJA, 1993, P. 79). Esta modificação tem repercussões em diversos campos do saber como a arte, a filosofia, a ciência e a política, superando os elementos típicos do fordismo e do estruturalismo.

c) Santos: a geografia nova e a dialética Santos propõe um caminho analítico mais longo que os dois autores precedentes. Se fossemos buscar um ponto de onde começar a desvendar a dialética no pensamento do autor, talvez esse pudesse ser localizado na proposta de construção de uma geografia nova. Isto porque, para o autor, existem, basicamente, dois movimentos que as disciplinas devem estar atentas para a renovação de seu quadro analítico. O primeiro é quando a uma mudança significativa no movimento da sociedade, alterando profundamente a maneira como os seres se relacionam entre si. O segundo é quando as interpretações dos fatos o do modo de existir dos seres humanos conhecem uma importante alteração. No atual período, vivemos as duas transformações. Segundo Santos (2008b, p. 18):

estamos longe da elaboração de um sistema ou, em outras palavras, apenas algumas categorias são analisadas segundo um paradigma novo, enquanto outros continuam a ser estudadas sob o influxo de uma construção teórica já ultrapassada. O resultado, neste caso, é a impossibilidade de uma análise coerente. A geografia se encontra nesta situação.

Neste sentido, Santos lança-se em um projeto ambicioso. Buscando as origens do pensamento geográfico, propõe uma renovação do pensamento geográfico a partir da instituição de uma geografia crítica propondo, paralelamente, uma teoria e uma epistemologia para a geografia, ou seja, segundo Santos (2008b, p. 23-24), a

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“ambição é fornecer, ao mesmo tempo, a explicação da realidade espacial e os instrumentos para a sua análise”. Santos parte de uma forte influência marxista para a proposição da renovação da geografia crítica. No entanto, esta influência é seletiva. Há uma clara aceitação das análises e categorias do marxismo que, quando transpostas à geografia, passam por um crivo analítico. Um dos principais exemplos é a apropriação que Santos (2005) faz do conceito de Formação Econômico Social (FES) desenvolvida por Marx e que recebe uma releitura por Santos, se transformado em Formação Sócio-espacial. Isso não quer dizer que a categoria FES, produzida pelo marxismo, tenha sido totalmente invalidada. Muito pelo contrario. Santos (2005, p. 22) ressalva que:

se a geografia pretende interpretar o espaço humano como o fato histórico que ele é, somente a história da sociedade mundial aliada à sociedade local pode servir como fundamento da compreensão da realidade espacial e permitir a sua transformação a serviço do homem. Pois a história não se escreve fora do espaço e não há sociedade a-espacial. O espaço, ele mesmo, é social. Daí a categoria Formação Econômica e Social parecer-nos a mais adequada para auxiliar a formação de uma teoria válida sobre o espaço.

Essa ligação entre o espaço e a sociedade, no entanto, mostra que é impossível pensar uma categoria de tal importância que não traga o espaço como elemento de análise já que não é possível pensar a sociedade realizando-se sem uma base material que seja, ao mesmo tempo, produto e condicionante do fazer humano. É sobre a base territorial que o modo de produção também se torna concreto, palpável aos sujeitos e consegue realizar a produção e a circulação do capital. É pelo espaço que o modo de produção é escrito e interpretado pelos sujeitos. Assim, segundo Santos (2005, p. 22), “trata-se, de fato, de uma categoria de Formação Econômica, Social e Espacial mais do que de uma simples Formação Econômica e Social, tal qual foi interpretada até hoje”. Deste ponto, podemos perceber uma primeira característica do método dialético no pensamento de Santos. A identificação de que o espaço só pode ser analisado a partir da relação complementar e contraditória entre a história da sociedade mundial e entre a sociedade local. Esta história poderia ser interpretada

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pela relação entre continuidades e descontinuidades entre o modo de produção dominante a as FES que constroem cada sociedade. Não há, no pensamento de Santos, uma determinação do global para o local nem uma existência isolada, nos dias atuais, de qualquer fração do espaço que não seja síntese de um conjunto de relações que extrapola a sua dimensão imediata. Isto fica evidente quando, em outra passagem, Santos (2005, p. 33) afirma que: o espaço reproduz a totalidade social na medida em que essas transformações são determinadas por necessidades sociais, econômicas e políticas. Assim, o espaço reproduz-se, ele mesmo, no interior da totalidade, quando evolui em função do modo de produção e de seus momentos sucessivos.

Podemos perceber que para Santos a relação entre o global e o local, que nesta relação é expressa entre a relação entre o espaço e o modo de produção parece não ser nem sincrônica nem diacrônica, mas antes, as duas coisas. É a partir de uma simbiose onde o espaço resiste ao mesmo tempo em que aceita a sua transformação pelo modo de produção que ele é formado. Isto tudo porque ele é a temporalização

desigual

da

sociedade

realizando-se

sobre

outros

tempos

cristalizados. Outra categoria importante para entender a dialética no pensamento do autor é a categoria totalidade que já aparece na passagem anterior. Para Santos (2008a, p. 113) “a questão da totalidade tem sido enfrentada pela geografia de maneira tímida”. Em outra passagem mais adiante, Santos (2008a, p. 115) afirma que atualmente “não foi tirado todo o proveito da noção de totalidade como categoria analítica capaz de ajudar a construir uma teoria e uma epistemologia do espaço geográfico”. No entanto, o que o autor entende por totalidade? Para esta questão, é importante diferenciar como o autor define a totalidade do ponto de vista estruturalista e funcionalista, até chegar a uma aproximação do que ele entende por totalidade. Para os funcionalistas, a totalidade é percebida por uma forma de análise adicional, onde o todo é reconstruído pela soma das partes. Para os estruturalistas, a crítica é outra. Segundo Santos (2007b, p. 56) “os estruturalistas dizem trabalhar com a categoria totalidade, mas, para eles, a estrutura tem um papel preestabelecido, definido a priori, que torna a totalidade praticamente imóvel”,

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estabelecendo o movimento da totalidade como elemento sincrônico e que só permite a reprodução das determinações da estrutura. A maneira como o autor vê a totalidade é outra. Para Santos (2007b, p. 57) “a totalidade, que supõe um movimento comum da estrutura, da função e da forma, é dialética e concreta”. Algumas de suas características são: o fato da totalidade não ser fixa; a diferenciação qualitativa e quantitativa de seus elementos; sua evolução diacrônica e o estabelecimento do valor relativo de suas variáveis, estando o valor absoluto apenas no seu movimento totalizante, entre outras. Agora, voltemos à relação entre totalidade e espaço. Em outro período o autor explicita várias das características citadas anteriormente quando discute a relação entre espaço e a totalidade, usando, notadamente, o método dialético. Para ele, “os movimentos da totalidade social modificando as relações entre os componentes da sociedade, alteram os processos, incitam novas funções. Do mesmo modo, as formas geográficas se alteram ou mudam de valor; e o espaço se modifica para atender às transformações da sociedade” (SANTOS, 2007b, p. 55). Neste período, fica evidente o movimento que é intrínseco a totalidade e a maneira como este mesmo movimento se transforma em uma das marcas do espaço. Outra característica é que a mudança não é apenas quantitativa, mas também qualitativa, quando iniciam novas funções baseadas nas necessidades pautadas pela estrutura na forma, que pode ou não se manter. A relação entre estrutura, forma e função também é marcante no período. Dessa forma, não há uma determinação unilateral entre qualquer um dos elementos em relação aos outros. Estes elementos alteram-se mutuamente. A relação entre o todo e as partes é entendida de maneira dinâmica, onde há uma relação mútua. No entanto, a inteligibilidade do processo encontra-se no todo e não nas partes. Isto porque, segundo Santos (2008a, p. 120): o todo somente pode ser conhecido através do conhecimento das partes e as partes somente podem ser conhecidas através do conhecimento do todo. Essas duas verdades são, porém, parciais. Para alcançar a verdade total, é necessário reconhecer o movimento conjunto do todo e das partes, através do processo de totalização.

Cabe a ressalva que Santos admite para as noções de totalidade e totalização o sentido desenvolvido por Sartre, para quem a ultima é o processo que forma e renova a todo tempo a totalidade, que, por sua vez, é a fase final do processo,

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quando ele conclui a totalização até ser superado por uma nova totalidade. Em outras palavras, Santos (2008a, p. 119) afirma que: devemos distinguir totalidade produzida e totalidade em produção, mas as duas convivem, no mesmo momento e nos mesmos lugares. Para a análise geográfica, essa convergência e essa distinção são fundamentais ao encontro de um método.

O movimento da totalidade permite perceber que em um primeiro momento ela apresenta-se como integral e em um segundo momento, diferencial. “enquanto integral, a totalidade é vista como algo uno e, freqüentemente, em abstrato. Enquanto diferencial, ela é apreciada em suas manifestações particulares de forma, de função, de valor, de relação, isto é, em concreto” (SANTOS, 2008a, p. 122). Neste ponto, começamos a perceber a materialização da visão teórica e do método dialético nas análises de Santos. Qual é a maneira como devemos proceder em nossas análises para que este movimento possa ser aprendido? Como ele se manifesta na realidade concreta? Para responder a estas questões, Santos (2008a, p. 115) parte da premissa de que “a totalidade não é uma simples soma das partes. As partes que formam a totalidade não bastam para explicá-la. Ao contrário, é a Totalidade que explica as partes”. O caminho metodológico para entendê-la seria partir da relação entre a totalidade diferencial, ou seja, como a totalidade se manifesta em suas diversas formas, e as partes em uma relação contínua de idas e vindas. Para isso, é necessário analisar, também, o processo de totalização. Do ponto de vista do espaço geográfico, seria necessário analisar a “totalidade concreta como ela se apresenta neste período de globalização – uma totalidade empírica – para examinar a relação efetiva entre a totalidade-Mundo e os Lugares” (SANTOS, 2008a, p. 115). A totalização pode ser entendida como a realização concreta da Formação Sócio-Espacial. Espantando qualquer leitura economicista que possa ser construída sobre o seu pensamento quando discute a relação entre a totalidade e o espaço, Santos (2008b, p. 217-218) afirma que “a força motriz é a totalidade social que se encaixa em uma adequação dinâmica às condições preexistentes através de uma variedade de processos políticos, econômicos, culturais, ideológicos e etc.”.

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Assim, podemos perceber o percurso teórico metodológico traçado por Santos e o como a dialética se apresenta em sua interpretação da realidade espacial como um dos elementos da totalidade concreta. Neste sentido, buscamos construir uma interpretação baseada na dialética materialista e encaramos a problemática espacial com referência de base principalmente Santiana. A escolha pelo materialismo histórico-dialético como abordagem teórica elegida para o estudo se dá pela necessidade latente de entendermos como o território, através da efetivação da contradição do uso local e condicionamentos globais são construídos e a partir de uma relação, também, de significação, na qual os tempos e os saberes sociais cotidianos tomam uma dimensão objetiva. O materialismo histórico dialético se apresenta como alternativa, pois nos permite entender como que a contradição entre estes dois elementos (a produção capitalista do espaço e a produção local do espaço vivido) gera um território de disputas que frustra tanto a integralidade das expectativas dos sujeitos locais, já que não é o espaço pretendido por eles, como frustra a produção capitalista do espaço, gerando uma síntese rebelde. O materialismo histórico-dialético baseado em polos contraditórios e complementares cuja relação estabelece a síntese, de modo em que o processo é ininterrupto, histórico e fundamental ao entendimento do resultado que é sempre parcial e impossível de ser entendido em sua complexidade, ou, como diria Sant’Anna (2OO5, p: 21): os dois princípios que entram em contradição não se excluem um ao outro como no paradigma dualista, mas da contradição há uma complementação recíproca de um para com o outro, de modo que a tese a antítese gerem uma síntese.

É a partir desta perspectiva que procuramos construir nossas análises e, tomando como referência o seu arcabouço, procuramos entender os elementos responsáveis pela estruturação concreta da realidade das comunidades ruraisribeirinhas que lutam no seu dia-a-dia para garantir a sua vivência e que, sem saber, fazem desta luta um elemento muito maior de questionamento da ordem social que hoje é hegemônica.

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1.2. Estratégias metodológicas

Como locus de estudo optamos por três comunidades ribeirinhas localizadas no espaço agrário do município de São Domingos do Capim (SDC), no Estado do Pará, que são: comunidade do São Bento; Comunidade São José do S e; comunidade Jesus por Nós. Algumas destas comunidades apresentam turmas de educação popular assistidas pelo NEP desde o ano de 2002. Nelas prevalecem a temporalidade e o imaginário ribeirinho (resguardadas as grandes diferenças que marcam as três comunidades) e foram escolhidas por que nelas o NEP desenvolveu ou ficou prestes a desenvolver turmas de alfabetização de adultos no ano de 2009. Soma-se a isto o fato de que em duas destas comunidades termos desenvolvido a pesquisa “Saberes, Imaginários e Representações Sociais Cotidianos de Jovens, Adultos e Idosos em Comunidades Rurais-Ribeirinhas do Município de São Domingos do Capim”4 pelo NEP no ano de 2004 e o desenvolvimento do Trabalho de Conclusão do Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia da UEPA no ano de 20075. A especificidade do locus de investigação dá-se, ainda, pela possibilidade de análise de como um espaço impar pela diversidade biológica e cultural, que se constitui como periferia técnica de um país subdesenvolvido e que sofre influência do mundo hegemônico, e como isso pode servir de um ponto de apoio à emancipação da população amazônica a partir da construção que fazem do seu espaço próprio e da utilização do seu tempo, resignificando socialmente a relação espaço-tempo na comunidade como elementos de socialização. Estas comunidades têm como características uma relação de trabalho notadamente construída a partir de elementos não capitalistas, como a cooperação e compadrio, sendo que a principal atividade desenvolvida é o cultivo da mandioca e a produção de farinha. As condições infraestruturais, em geral, são precárias. A energia, quando há, é gerada por motores movidos a diesel e o combustível é de responsabilidade da comunidade. Há carência de espaços adequados para o desenvolvimento de atividades educativas. A água, geralmente, é recolhida diretamente de poços artesianos de profundidade rasa ou direto dos igarapés que se localizam na comunidade, sendo tratada com hipoclorito para o consumo. Uma 4 5

Sobre os resultados desta pesquisa ver OLIVEIRA, 2008a. Sobre os resultados deste trabalho ver OLIVEIRA NETO, 2007.

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melhor caracterização destas comunidades pode ser encontrada no capítulo 4 deste trabalho. No total da pesquisa, foram realizadas 11 entrevistas. A utilização das entrevistas se deu pela tentativa de reconhecer a importância das falas dos sujeitos no desvelamento da dinâmica sócio-espacial e pedagógica nas comunidades. A opção pela definição dos sujeitos como fonte de informações faz-se necessária porque, segundo Chizzotti (2009, p. 17), “o testemunho oral das pessoas presentes em eventos, suas percepções e análises podem esclarecer muitos aspectos ignorados e indicar fatos inexplorados do problema”. A escolha dos sujeitos foi distribuída da seguinte forma: a)

03 educandos que participam ou que tenham participado das turmas de educação popular da comunidade, sendo um 01 educando de cada comunidade. Tiveram prioridade os educandos que participam a mais tempo das turmas. Os três sujeitos são moradores de suas comunidades a mais de 15 anos e possuem mais de 50 anos de idade, ainda estando ativos no processo de produção da farinha de mandioca. Ambos moram no “centro” da comunidade e dois são do sexo masculino e uma é do sexo feminino. Das três comunidades onde residem os sujeitos, em duas tivemos trabalho efetivo em 2009 e em outra a turma foi cadastrada para receber o auxílio financeiro do Movimento Nacional de Alfabetização (MOVA), mas não iniciou;

b)

02

educadores,

sendo

um

de

cada

comunidade

que

estava

desenvolvendo trabalhos nas turmas de educação popular em 2009. Um é do sexo masculino e outra do sexo feminino. Ambos participam a mais de um ano das atividades do NEP (tomando como referência o ano de 2009). O tempo de vivência e a relação com a comunidade é diferenciada. Em um caso, temos uma residente na comunidade, sendo que mora no local a mais de 08 anos e, em outro caso, temos um professor visitante, sendo que ele passa a semana na comunidade e no final de semana segue para a sua residência ou para SDC. No que tange a formação acadêmica, uma possui ensino médio completo e o outro é graduando em pedagogia em uma faculdade particular que funciona com aulas quinzenais aos domingos na sede do município;

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c)

04 integrantes do NEP responsáveis por assessorar o trabalho educativo, sendo que 02 fazem parte do grupo de Belém e 02 desenvolveram atividades de coordenação dos trabalhos de educação de jovens e adultos no município, ficando responsáveis pelas turmas em que o trabalho é desenvolvido pelo GETEPAR-NEP e por turmas onde o trabalho é desenvolvido por outros grupos. Ambos integrantes do grupo de Belém possui pós-graduação stritu sensu e das integrantes do município uma é graduanda e a outra possui ensino médio completo. Ambas

exercem

atividades

remuneradas

além

da

função

de

coordenação local das turmas, onde recebem uma pequena ajuda de custo do MOVA, no valor de R$ 300,00. Já os integrantes de Belém atualmente exercem atividades de docência em nível superior. O membro mais antigo deste grupo iniciou suas atividades no núcleo em 2001 e o mais recente em 2003. d)

01 coordenadora geral do NEP, que exerce a docência no ensino superior em nível lato e stritu senso.

Além destes sujeitos, foi realizada uma entrevista onde participaram, ao mesmo tempo, diversos sujeitos. Esta entrevista foi realizada na reunião da associação da comunidade “Jesus por Nós” e contou com a participação de 16 integrantes

da

comunidade,

onde,

aproximadamente,

08

se

expressaram

verbalmente durante a entrevista. Por questões éticas, todos os nomes foram substituídos por nomes fictícios para preservar a identidade dos sujeitos. Além das entrevistas, tomamos como referência para a análise a rede temática construída para subsidiar a prática educativa nas comunidades ribeirinhas de São Domingos. (Anexo I) Como método de pesquisa, buscamos construir uma pesquisa de campo de abordagem qualitativa do tipo pesquisa participante, fato que foi comprometido pelas dificuldades que tivemos para acompanhar mais proximamente as atividades das comunidades. A opção pela pesquisa qualitativa deu-se por considerar que, mesmo sendo a pesquisa qualitativa uma designação genérica e que abriga correntes metodológicas extremamente diversas, ela se fundamenta na ideia de que há “uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência viva entre o sujeito e o objeto, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade

42

do sujeito” (CHIZZOTTI, 2008, p. 79), sendo viável para a compreensão do problema enunciado. Buscamos construir a pesquisa participante pelo fato de que corroboramos com Brandão (1984, p. 86) para quem, “a pesquisa participante de hoje é a junção da observação participante, que representa a convivência e a participação da pesquisa, e a sua dimensão política”, admitindo também pensar pesquisa participante sob essa óptica constitui um pensamento engajado com as classes populares e com a transformação política da sociedade. Esta visão da pesquisa participante se articula com o materialismo histórico-dialético, entre outras coisas, pelo fato de que, segundo Frigotto (2008 p. 81): no processo dialético de conhecimento da realidade, o que importa fundamentalmente não é a crítica pela crítica, o conhecimento pelo conhecimento, mas a crítica e o conhecimento crítico para uma prática que altere e transforme a realidade anterior no plano do conhecimento e no plano histórico social.

Além do pressuposto político enunciado nos trechos acima, a pesquisa participante apresenta outros princípios que a caracterizam e dão a esta metodologia de pesquisa um caráter impar. O primeiro deles é a possibilidade do reconhecimento do outro na relação que se estabelece na pesquisa, já que possibilita formas de interação entre o pesquisador e o sujeito, permitindo uma abordagem pessoal e abrindo fontes de informação que outras metodologias não tornariam possível. O segundo, é que a pesquisa participante não é um método objetivo do trabalho científico que determina a priori a qualidade da relação entre os sujeitos da pesquisa. O seu desenvolvimento está condicionado pela realidade concreta. Está relacionada com a intenção premeditada de uma aproximação ou evidência realizada de uma relação pessoal e política que sugere a escolha dos modos concretos da realização do trabalho e do pensar à pesquisa. O terceiro elemento importante é que o objeto da pesquisa não se constitui em algo que antecipadamente se encontra em seu estado final. A lógica, a técnica e a estratégia de uma pesquisa de campo dependem tanto dos pressupostos teóricos, quanto da maneira como o pesquisador se coloca na pesquisa e a partir dela constitui simbolicamente o outro que investiga.

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Durante a pesquisa de campo, utilizamos entrevistas semi-estruturadas6, e buscamos registrar as práticas sociais cotidianas desenvolvidas pelos diversos sujeitos das comunidades, por meio de fotografias. As entrevistas foram realizadas nos mais diversos locais (em casas, escolas, na beira do igarapé, no quintal e no barracão) e foi realizada de acordo com a disponibilidade dos sujeitos. Foi comum entre educadores e educandos o relato das dificuldades para o desenvolvimento do processo educativo nas comunidades assim como também foi elemento comum a associação entre a educação e um profundo sentimento de esperança. Esperança que se manifesta em pelo menos três perspectivas: a primeira expressando o desejo de mudança de vida, no sentido de superação da condição concreta de opressão a que estão submetidos; a segunda no que tange a apropriação dos códigos de leitura e de escrita, auxiliando-os com a confecção de documentos, desenvolvimento de melhores negócios, apreensão de informação e etc.; a terceira refere-se à relação dos sujeitos com o sagrado, sendo um elemento importante para a leitura do boletim religioso, da bíblia e da apreensão da palavra divina. Elementos como a precariedade dos espaços onde ocorrem as atividades educativas, a falta de material didático e o limitadíssimo apoio do poder público para o desenvolvimento das turmas foram temas abordados por todos os entrevistados. Cabe ressaltar que este elemento diz respeito principalmente no que se refere à gestão municipal na figura dos gestores em seus respectivos mandatos, o atual prefeito e o passado. Outros elementos como currículo, organização do trabalho pedagógico, cotidiano da comunidade, trabalho, território, a relação com a cidade e a religiosidade também foram analisados, sendo que estes aparecem em diferentes graus na fala de todos os sujeitos. As entrevistas foram gravadas em um gravador de áudio e foram transcritas, analisadas e categorizadas a partir do contexto em que elas se apresentam e do discurso que elas expressam. No que tange as imagens, cabe ressaltar que elas buscaram preservar de toda forma os sujeitos e a comunidade, evitando qualquer tipo de exposição indevida que agrida aos direitos humanos e que afrontem questões éticas e culturais e que 6

Os formulários de entrevistas utilizados com os assessores, os educadores e os educandos encontram-se, respectivamente, nos apêndices 1, 2 e 3 desta dissertação.

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buscasse representar fidedignamente a comunidade, sendo feita somente após autorização oral dos sujeitos envolvidos. Esta observação também vale às entrevistas. Algumas foram autorizadas por escrito. Outras, por questões objetivas e para tentar uma aproximação dos sujeitos, foram gravadas e só constam neste trabalho porque foram autorizados verbalmente pelos sujeitos durante os momentos de coleta de dados. Cabe destacar que a tentamos fazer com que todo o material fosse devidamente autorização pelos sujeitos de maneira escrita, a partir do preenchimento do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). No entanto, problemas operacionais impediram com que este desejo fosse efetivado. Para o desenvolvimento do nosso estudo, duas categorias de análise foram importantes: o território, e a educação popular do campo. É no desenvolvimento destas categorias de análise e no reconhecimento de suas relações que encontraremos o nosso objeto. Para tanto, cabe perguntarmo-nos por que elas são tão importantes? Quais são os fundamentos empíricos e os fundamentos teóricos para que elas sejam as bases de nosso trabalho? Do ponto de vista empírico, estas comunidades têm uma relação práticoimediata com o espaço privilegiada e constroem um território rico e complexo. Elas são caracterizadas pela ligação entre o trabalho social e a convivência familiar e extra familiar. Usam o território como elemento de lazer, moradia, trabalho, disputa e convivência, em relações que se estruturam em uma imensa carga de ensinos e aprendizados. Do ponto de vista teórico, é preciso estabelecer a relação e a diferenciação entre espaço geográfico e território. O espaço geográfico é fundamental devido ser a base material de desenvolvimento das relações sociais, ou como destaca Santos ao falar da atividade humana e realização da sociedade afirmando que “essa realização se dá sobre uma base material: o espaço e seu uso; o tempo e seu uso; a materialidade e suas diversas formas; as ações e suas diversas feições” (SANTOS, 2008a, p. 54). Ainda tratando da especificidade do espaço geográfico, Santos (2008a, p. 55) afirma que: o espaço se impõe através das condições que ele oferece para a produção, para a circulação, para a residência, para a comunicação, para o exercício da política, para o exercício das crenças, para o lazer e como condição de

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“viver bem”. Como meio operacional, presta-se a uma avaliação objetiva e como meio percebido está subordinado a uma avaliação subjetiva.

Santos (2005, p. 22), afirmando a importância do espaço a nível teórico como elemento importante nas análises e retomando a categoria marxiana de formação econômica e social, ressalta que: deveríamos até perguntar se é possível falar de Formação Econômica e Social sem incluir a categoria do espaço. Trata-se, de fato, de uma Formação Econômica, Social e Espacial mais do que uma simples Formação Econômica e Social, tal qual foi interpretada até hoje.

Tomando como referência o exposto, compartilhamos da visão de Santos (2008b, p. 78) para quem o espaço é: um conjunto de objetos e de relações que se realizam sobre estes objetos, não entre eles especificamente, mas para as quais eles servem de intermediários. Os objetos ajudam a concretizar uma série de relações. O espaço é resultado da ação dos homens sobre o próprio espaço, intermediados pelos objetos, naturais e artificiais.

O conceito de território, por sua vez, mantém relações com o espaço, mas se configura como um elemento diferente. Para o debate em torno do território tomamos como referência as contribuições de Raffestin (2009) e Fernandes (2009; 2006; 1999). Em relação ao território Raffestin (2009, p. 26) afirma que: Espaço e território não são termos equivalentes e nem sinônimos. (...) É fundamental entender como o espaço está em posição que antecede ao território porque este é gerado a partir do espaço, constituindo o resultado de uma ação conduzida por um ator que realiza um programa em qualquer nível. Apropriando-se concretamente ou abstratamente (por exemplo, através da representação) de um espaço, o ator o territorializa.

Fernandes (2009) propõe a análise do território como uma totalidade, levando em consideração o conjunto de elementos materiais e imateriais que o constitui e considerando a sua multiescalaridade. Para o autor, Quando compreendemos o território como um todo, estamos entendendo a sua multidimensionalidade. Isto significa que ao analisar os territórios por meio de uma ou mais dimensões, é somente uma opção, o que não implica desconsiderar as outras. (FERNANDES, 2009, p. 202).

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Neste sentido, o território possui uma dimensão eminentemente política, já que é construído a partir de relações de poder, mas também cultural, econômica, social e, porque não, pedagógica, já que ao mesmo tempo em que nele se realizam uma infinidade de relações, ele se constitui como elemento sob o qual e a partir do qual os sujeitos constroem saberes e práticas. Outra aproximação importante deste conceito é feita por Arruti (2006). Baseando-se em Pacheco, Arruti afirma que “o território deve ser tomado como a dimensão estratégica para pensarmos a inclusão de populações etnicamente diferenciadas” (2006, p. 40). Derivado desta posição, afirma que territorialização: indicaria, portanto, o movimento pelo qual um objeto político-administrativo se transforma em uma coletividade organizada, implicando: a criação de uma nova unidade sociocultural mediante o estabelecimento de uma identidade étnica diferenciada, a construção de mecanismos políticos especializados, a redefinição do controle social sobre os recursos ambientais e a reelaboração da cultura e redefinição do controle social sobre os recursos ambientais e a reelaboração da cultura e da relação com o passado. (ARRUTI, 2006, p. 41)

Esta concepção de território embasa a primeira delimitação dos indicadores de análise dos dados que, no decorrer do trabalho, acabou sendo substituída, mesmo que ainda tenha grande validade para próximos estudos. A definição dos indicadores levou em consideração o fato de que no decorrer da pesquisa, progressivamente a categoria território ter surgido como elemento importante em substituição da categoria espaço, definida anteriormente. Outra categoria importante para o desenvolvimento do nosso trabalho é a educação e, em especial, a educação popular do campo que aqui é vista tanto de maneira de maneira lato, como um processo amplo de construção de significados que está imerso em um vasto processo cultural, quanto de maneira strito, considerando-a como um movimento que tem uma das suas raízes na educação popular e que se insere na luta pela garantia dos direitos dos povos do campo à educação, ao território e a sua identidade social. Brandão (2002, p. 139), analisando o tema da educação visto como processo amplo de relação entre saberes, atribuindo uma forte dimensão antropológica, afirma que: olhando desde o horizonte da antropologia, toda a educação é cultura. Toda a teoria da educação é uma dimensão parcelar de alguns sistemas

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motivados de símbolos e de significados de uma dada cultura, ou do lugar social de um entrecruzamento de culturas.

A origem da educação está, segundo Brandão (2006, p. 21), na capacidade desenvolvida pelo ser humano de, “por sobre as tarefas de reprodução da vida física, aprender a criar a vida simbólica”. Esta afirmação complementa-se com a visão defendida por Freire (2004, p. 151) quando afirma que “estou [Freire] absolutamente convencido de que os homens e as mulheres não começaram, na história da sua presença no mundo, fazendo saber científico. Eles começaram exatamente pelo saber ingênuo. Este é o ponto de partida histórico”. A partir destas afirmações, lançam-se as bases para a possibilidade de uma ligação profunda entre a educação e as diversas formas das sociedades realizaremse, sendo a educação uma atividade eminentemente cultural. Assim, segundo Brandão (2007, p. 9) “não há uma forma única nem um único modelo de educação; a escola não é o único lugar onde ela acontece e talvez nem seja o melhor”. A divisão social do saber imposta nas sociedades modernas é um dos embriões para a sua separação em classes. Por isso é que a educação popular é entendida como um ato político. Isto fica evidente quando Freire (2006b, p. 59) afirma que “dizer a palavra em um sentido verdadeiro é o direito de expressar-se e expressar o mundo, de criar e recriar, de decidir e optar”. Corroborando com Freire ao ressaltar a função política da educação popular, Brandão (2006, p. 12-13) afirma que “diferente é a condição de sociedades regidas pela desigualdade, mundo que obriga a pensar, na educação, a necessidade de uma estranha educação popular”. Assim, pelo que foi tratado anteriormente, dentro da educação, é especificamente na educação popular que nós nos encontramos. Nesta perspectiva, segundo Freire (2005, p. 78) a educação popular como educação libertadora “já não pode ser o ato de depositar, ou de narrar, ou de transferir, ou de transmitir conhecimentos e valores aos educandos, meros pacientes, à maneira da educação bancária, mas um ato cognoscente”. A educação do campo alimenta-se desta perspectiva e vai mais além. Ela insere-se na luta dos povos do campo pela garantia dos seus direitos enquanto cidadãos que possuem especificidades em relação ao espaço urbano e, com isso, inserem-se em uma luta contra o modelo de campo levado a cabo de maneira hegemônica pelo Estado Brasileiro. É nesta perspectiva que Arroyo; Caldart; Molina (2004, p. 13) admitem que:

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quanto mais se afirma a especificidade do campo mais se afirma a especificidade da educação e da escola do campo. Mais se torna urgente um pensamento educacional e uma cultura escolar e docente que se alimentem dessa dinâmica formadora. Também mais se afirma a necessidade de equacionar a função da educação e da escola em um projeto de inserção do campo no conjunto da sociedade.

Optamos por analisar como se relacionam estas duas categorias, território e educação popular do campo, na tentativa de entender como os saberes sociais construídos na produção e na utilização cotidiana do território se relacionam na tentativa da construção de um projeto educativo libertador. O desenvolvimento do trabalho nos fez construir dois indicadores de análise, que são os dois grandes eixos temático do capítulo de análise de campo. O primeiro é o território enquanto conteúdo escolar vivo, onde buscamos identificar como o território e elementos econômicos, políticos, sociais e culturais ligados a ele foram transformados no eixo estruturador dos conteúdos das turmas de educação do campo do GETEPAR-NEP. O segundo é o que estamos entendendo como saber espacial. O saber espacial é uma dimensão do saber popular, semelhante ao saber econômico, ao saber musical, ao saber artístico e etc. e que é construído sobre bases eminentemente espaciais, mesmo reconhecendo que o saber, diferentemente da ciência, não opera a partir da lógica da fragmentação. No que tange a ele, nossa preocupação foi entender como os sujeitos desenvolvem práticas sociais cotidianas no e com o território, conferindo-lhe grande carga educativa e servindo de base para a estruturação das relações pedagógicas cotidianas da comunidade. Assim, o desenvolvimento da pesquisa se deu como um constante processo de enfrentamento da teoria e da realidade, onde estas constantemente se colocavam como um desafio a ser interpretado e reinterpretado, nos fazendo mudar a metodologia inúmeras vezes até que chegássemos a um ponto em que pudéssemos ter uma interpretação adequada da complexa realidade social a que estes sujeitos estão emersos.

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2. MATRIZES DA EDUCAÇÃO POPULAR NA EDUCAÇÃO DO CAMPO: CONSTRUÇÃO DE UM PROJETO DE MUDANÇA SOCIAL.

Os sonhos são projetos pelos quais se luta. Sua realização não se verifica facilmente, sem obstáculos. Implica, pelo contrário, avanços, recuos, marchas às vezes demoradas. Implica luta. Na verdade, a transformação do mundo a que o sonho aspira é um ato político e seria uma ingenuidade não reconhecer que os sonhos têm seus contra-sonhos. (FREIRE, 2000, p. 54)

Discutir sobre como a educação popular e a educação do campo se relacionam na tentativa da construção de um projeto de mudança da estrutura social brasileira é, sem dúvida alguma, uma tentativa instigadora. Este debate é profundamente marcado pela tentativa de entender como um país construído historicamente sob os desígnios da classe dominante, excluindo a maioria de sua população da condição de cidadão e cidadã e implementando autoritariamente um projeto de país absolutamente excludente de um ideal de nação socialmente justa e ambientalmente responsável, conseguiu desenvolver um conjunto tão significativo de experiências que extrapolam o campo educacional, estendendo-se à organização política das classes populares, que questiona frontalmente o projeto ainda hoje hegemônico de país. Assim, tentando entender esta relação entre as disputas travadas na sociedade brasileira entre projetos de sociabilidade antagônicos, que possuem como correspondentes projetos de educação também antagônicos, que buscaremos discutir neste momento dois elementos: como a educação popular se relaciona com a perspectiva de construção de projeto de país contra hegemônico e; quais são as matrizes da educação popular que foram assumidas pela educação do campo na tentativa da construção da sua perspectiva educacional.

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2.1 Os caminhos que ligam a educação popular e a disputa de projeto nacional.

O século XX foi de grandes e rápidas transformações para o Brasil. Estas transformações, como todo movimento histórico, é fruto de disputas pelo exercício do poder entre grupos diferentes na sociedade, que optam pela definição de uma configuração ou outra do Estado. As prioridades do país, o modelo de desenvolvimento, a maneira como o Estado trata o povo do seu país e outros elementos são manifestações de como se desenvolvem as disputas e as contradições entre projetos diferentes de futuro. Neste contexto, a educação é uma arena privilegiada de embate político, abrigando representantes conservadores e movimentos progressistas. Assim, é marcante a atual relação entre a educação do campo, os movimentos sociais e o projeto de nação. Este é um dos principais elementos que caracterizam a identidade da educação do campo no Brasil. Essa perspectiva é assinada por diversos pesquisadores da área, como Molina (2006) para a qual: a especificidade da Educação do Campo, em relação a outros diálogos sobre educação deve-se ao fato de sua permanente associação com as questões do desenvolvimento e do território no qual ela se enraíza. A afirmação de que só há sentido no debate sobre Educação do Campo como parte de uma reflexão maior sobre a construção de um Projeto de Nação, popular e revolucionário, é o chão inicial capaz de garantir o consenso dos que se reúnem em torno desta bandeira (p.10).

O projeto de nação defendido pelo movimento de educação do campo é significativamente diferente e qualitativamente superior ao projeto de país levado acabo atualmente pelas elites brasileiras, porque considera como prioridade o seu povo e a efetivação dos direitos sociais. Nutre como referência o respeito e a autodeterminação dos povos e é incontestavelmente defensor da igualdade econômica, da diversidade cultural, da sustentabilidade ambiental e dos direitos da pessoa humana. Por essas características, o projeto de nação que a educação do campo defende pode ser definido como um projeto popular de nação. Benjamim (2000), analisando a necessidade de um projeto popular para o Brasil e a educação do campo, afirma que: Quando dizemos que nosso projeto é popular, queremos dizer que ele pretende organizar a sociedade em torno dos interesses, do potencial humano e dos valores dos grupos sociais que vivem do trabalho e da

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cultura, que, como vimos, são a imensa maioria. Só assim, a solidariedade, em vez do egoísmo, pode passar a ser o princípio organizador da nossa vida em comum. [grifo do autor] (p.13).

A relação entre educação e o projeto popular de país é um elemento fundamental para a educação do campo. No entanto, cabe buscarmos de onde ela traz esta característica e qual foi o quadro de disputas políticas que se desenvolveram para que tivéssemos esta conjuntura. Neste debate podemos retomar o início do século XX, que foi um período de grandes transformações políticas, econômicas e sociais para o Brasil. Há o início da reorganização das estruturas de dominação que passam a estar ligadas a transferência do poder político e econômico das tradicionais oligarquias agrárias para uma crescente burguesia industrial, iniciando o que, para Florestan Fernandes, poderia ser considerada como a revolução burguesa. A “revolução burguesa” denota um conjunto de transformações econômicas, tecnológicas, sociais, psicoculturais e políticas que só se realizam quando desenvolvimento capitalista atinge o clímax de sua evolução industrial (FERNANDES, 2004, p. 425).

É evidente que neste sentido, a “revolução burguesa” torna-se um projeto tão inacabado quanto inviável já que o clímax capitalista é um projeto insustentável por três motivos principais: o primeiro, é que o nível de produção e acumulação de capital em todas as épocas é para a burguesia apenas um estágio intermediário para um nível superior. O segundo, porque o aumento do nível de acumulação está ligado a uma sucessiva alteração da fração da burguesia que em determinado momento histórico consegue acumular capital. Não há homogeneidade na acumulação capitalista nem mesmo na burguesia mesmo que, em alguns momentos, essa acumulação consiga beneficiar grande parte da classe dominante. O terceiro, porque o processo de desenvolvimento capitalista é portador de um conjunto de contradições, que inviabiliza em médio prazo o projeto econômicopolítico atual, que a cada crise é apenas remendado com soluções conjunturais que se direcionam apenas aos elementos aparentes do problema, transferindo-o para outras áreas, mostrando que em algum tempo os remendos não gerarão mais os efeitos esperados.

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O processo de consolidação da burguesia industrial como classe dominante que inicia nas primeiras décadas do século XX, como destaca Florestan Fernandes (2004, p. 434), não tinha a burguesia industrial “em confronto de vida e morte com a aristocracia agrária”, o que vai ficar evidente em todo o século XX, onde há uma grande conciliação entre dois projetos: o de país urbano-industrial e o de país agrário-exportador. Assim, o projeto construído durante o século XX, como podemos observar nas ultimas décadas, é uma conciliação entre o projeto latifundiarista das elites agrárias, pautadas na lógica do agronegócio para a exportação, e o da industrialização tardia, dependente, acelerada, não acumulativa e conservadora, levado a cabo pela burguesia nacional. Para Freire, estas características definiam a sociedade brasileira na década de 1950 como uma sociedade fechada que tem: o centro de decisão de sua economia fora dela. Economia, por isso mesmo, comandada por um mercado externo. Exportadora de matérias-primas. Crescendo para fora. Predatória. Sociedade reflexa na sua economia. Reflexa na sua cultura. Por isso alienada. Objeto e não sujeito de si mesma. Sem povo. Antidialogal, dificultando a mobilidade social vertical ascendente. Sem vida urbana ou com precária vida urbana. Com alarmantes índices de analfabetismo, ainda hoje persistentes. Atrasada. Comandada por uma elite superposta a seu mundo, ao invés de com ele integrada. (FREIRE, 2008, 56-57)

Mesmo caracterizando-a como uma sociedade fechada, o autor admitia que o Brasil encontrava-se em trânsito para tornar-se uma sociedade aberta. Isto pelo embate que havia entre as forças conservadoras e as progressistas naquele contexto. As progressistas eram compostas por um imenso conjunto de movimentos sociais que, no campo e na cidade, buscavam construir uma alternativa popular ao projeto hegemônico. Esta alternativa tinha como base a problematização da situação concreta de opressão e exploração a que se encontrava submetida a maioria do povo brasileiro, buscando na participação política e na organização popular o caminho para a superação desta situação. No contexto brasileiro da década de 50 do século XX, Freire (2008) assume a educação como ato político de libertação dos oprimidos. Recusa o assistencialismo e o sectarismo e propõe uma educação que, tendo como base o diálogo, se constitui como um processo de problematização da realidade e de organização política em busca da superação desta situação concreta.

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A sua ação educativa concilia três grandes elementos: a) uma profunda rigorosidade científica, com a qual estrutura o seu pensamento e suas teorias sobre a educação, o ser humano e o mundo; b) uma ligação estruturante com os movimentos sociais, o que lhe permite estruturar todo o seu pensamento e sua prática com a finalidade da mudança das estruturas perversas da sociedade brasileira e; c) uma profunda sensibilidade que lhe permitia sofrer junto com os que sofrem no mundo e, com eles, lutar pela superação desta situação. Estes elementos fizeram com que a prática freireana, que sempre foi um elemento muito presente em sua vida, fosse uma práxis. Ana Freire (1996) discutindo a práxis como elemento formador da pedagogia freireana e do próprio Paulo Freire, afirma que: Freire forjava-se, pela práxis vivida, como pedagogo do oprimido – mesmo sem ter ainda escrito a Pedagogia do Oprimido - porque partia do saber popular, da linguagem popular, da necessidade popular, respeitando o concreto deles, o cotidiano de limitações deles (p.37).

A partir das experiências educativas em Angicos, no interior do Rio Grande do Norte, Freire ganhou notoriedade nacional e foi convidado para comandar a campanha nacional de alfabetização de adultos no governo João Goulart. Neste período, havia um processo de acúmulo de forças dos movimentos progressistas, o que fez com que Freire (2008) admitisse que a sociedade brasileira encontrava-se em transição, rompendo com o modelo de sociedade fechada rumo a uma sociedade aberta. Transição esta que foi abortada pela ditadura militar que no Brasil vai de 1964 a 1985, onde há um grande incentivo ao desenvolvimento econômico predatório dos recursos naturais e de exploração intensiva do trabalho, associado a severa repressão dos movimentos sociais, intelectuais e partidos políticos que buscassem construir uma alternativa popular a esta proposta. É neste contexto que o movimento social brasileiro vive um período de imenso retrocesso e Freire, assim como outros intelectuais e militantes, passa a viver no exílio. Após este período nebuloso, na ultima década do século XX, era corrente a denúncia da opção feita pelo governo, pelas elites e oligarquias nacionais da opção de desenvolvimento dependente e centralizador de riquezas. Benjamin et al (1998), comentando a configuração da macroeconomia brasileira nas ultimas décadas do século XX, destaca que:

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o governo sabe que esse modelo só tem uma chance de encontrar algum equilíbrio macroeconômico: que o crescimento futuro – se ele existir – seja liderado pelas exportações, porque esta é a condição para crescermos sem pressionar ainda mais as contas externas (p. 48).

O afirmado pelo autor nos últimos anos do século XX foi o que aconteceu na primeira década do século XXI. No início deste século, o Brasil é caracterizado do ponto de vista econômico como um grande exportador de commodities e produtor de bens industrializados duráveis e não duráveis que têm a finalidade de atender ao mercado interno e ao mercado externo na nova configuração da economia regionalglobal, atendendo industrialmente basicamente a América Latina. Consideramos que os constrangimentos ao processo de desenvolvimento autônomo do país gerado pelas opções de desenvolvimento adotadas, como a dependência econômica, política de juros altos, desoneração das grandes fortunas, tributação regressiva e precarização da infraestrutura nacional são geradores de diversos problemas sociais como os baixos índices de escolarização, dificuldade de acesso aos serviços médicos, insegurança alimentar, o êxodo rural e favelização, que são postos para a sociedade como herança perversa da ação de um sujeito social, o camponês, e o modelo de desenvolvimento supostamente a ele associado, o modelo agrário. Ainda hoje é facilmente percebida a tentativa de responsabilizar o sujeito social explorado como o responsável pelo “fracasso” das tentativas anteriores de desenvolvimento, como fica evidente no discurso de Belluzzo (2009, p. 04) quando afirma que: a economia brasileira havia mudado e evoluído entre 1930 e 1945. O fazendão atrasado do Jeca Tatu cedia espaço para a urbanidade industrial incipiente. Mas a velha economia primário-exportadora deixou uma herança de deficiências na infraestrutura – energia elétrica, petróleo, transportes, comunicações –, nas desigualdades regionais e na péssima distribuição de renda.

Há, em relação a esta afirmação, duas considerações a fazer. A primeira que é um equívoco atribuir ao camponês, representado pejorativamente no discurso das elites brasileiras como Jeca Tatu, a culpa pela ausência de infraestruturas e pelo “atraso” social e econômico do Brasil, isto porque, como destaca Prado Junior (2004, p. 104):

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a grande propriedade brasileira, o nosso “latifúndio” é na parte essencial e fundamental da economia agrária brasileira, a grande exploração rural, o empreendimento em grande escala, centralizado e sob direção efetiva (seja embora ineficiente, desleixada, que nada disso muda essencialmente a situação) do proprietário que a essa qualidade de “proprietário” alia a de empresário da produção.

Assim, segundo este autor, a principal e mais perversa forma produtiva do país no período estava articulada ao latifúndio e a monocultura, fazendo com que as normas do espaço agrário, a definição de projetos e as políticas não estejam ligadas a ação direta dos povos do campo e sim, às elites agrárias, principalmente pela relação diferenciada que os governos civis e militares estabeleceram e continuam estabelecendo com os dois grupos de sujeitos. Em outra perspectiva analítica, Becker e Egler (2006) também chegam a conclusões interessantes. Ao analisarem o papel desempenhado pelo Brasil na economia-mundo na transição do século XX para o XXI, os autores destacam a forma como o capitalismo se desenvolveu no Brasil e o papel desempenhado pela ditadura militar no seu desenvolvimento durante as décadas de 60, 70 e 80 que, em grande medida, pode ser responsável por explicar o Brasil atual. Explicam que: a combinação do projeto geopolítico com o autoritarismo histórico resultou numa modernização conservadora, implicando profundas transformações e contradições que acabaram desestabilizando o regime no início dos anos oitenta. É esta modernização conservadora responsável pela emergência do país como potência regional. (BECKER; EGLER, 2006, p.124)

Segundo os autores, é esta modernização conservadora a grande responsável pelo desenvolvimento dependente, pela modernização da pobreza, pela desfiguração do território, pela consolidação do Estado sem nação e pela dependência tecno(eco)lógica. No campo, a política implementada pela ditadura militar em um acordo tácito com a burguesia nacional tem como característica, segundo Fernandes (1999, p. 33), a tentativa de “controlar a questão agrária, por meio da violência e com a implantação de seu modelo de desenvolvimento econômico para o campo, que priorizou a agricultura capitalista em detrimento da agricultura camponesa”.

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Como resultado desta política, tivemos a redução dos créditos aos pequenos agricultores, a falta de apoio técnico, o desrespeito aos direitos sociais no campo, o privilégio à plantation7 em detrimento a pequena agricultura dos povos do campo. No entanto, a construção do projeto de país não está finalizada e não conseguiu abortar as aspirações populares pela construção de um projeto de nação. Há um conjunto de atores sociais que se mobilizam cada vez mais na tentativa de traçar outros caminho e colocar em pautas outras perspectivas de país, associadas a perspectivas de educação que consolidem uma nova opção brasileira. No que se refere à questão agrária, há, por um lado, as entidades representativas da oligarquia agrária, das quais dois exemplos significativos são a Sociedade Nacional da Agricultura (RJ) e Sociedade Rural Brasileira (SP). Ambas apoiaram o golpe de 64 e a ditadura militar e cobravam dos governos militares a defesa dos seus interesses por meio do direito à propriedade, mantendo a estrutura agrária conservadora de base latifundiarista do Brasil. Estas entidades pautadas na ideia de modernização do campo e construção da empresa rural buscaram inviabilizar o projeto de reforma agrária defendida pelos movimentos sociais ao defender o avanço do capitalismo agrário como forma de aumentar a produtividade no campo, como destaca Mendonça (2006): o processo de “modernização agrícola” verificado no país durante os anos de 1960 e 1970 teve como uma de suas pré-condições a derrota de qualquer proposta de uma efetiva reforma agrária, já que sua premissa consistiu na afirmação do desenvolvimento do capitalismo no campo com a manutenção da estrutura fundiária (p. 51).

Em contrapartida, durante a década de 1980, vários movimentos sociais retomam a ofensiva tentando articular a luta contra a ditadura militar à luta por uma nova perspectiva de país. Neste contexto: os inúmeros retrocessos no território do camponês, devido os projetos de modernização da agricultura no país, levaram à criação da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em Goiânia no ano de 1975 e, posteriormente, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em Cascavel no ano de 1984. Ambos nascem da luta pela terra e recriação camponesa (SOUZA, 2009, p. 02).

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Consideramos plantation a monocultura realizada em grandes áreas e que é direcionada, principalmente, ao mercado externo. Tem como característica principal do trabalho a semiproletarização ou formas análogas à escravidão.

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Nesta década, destacaram-se três frentes de luta no campo. Uma protagonizada pelos assalariados rurais, que, dentro dos parâmetros impostos pelo capitalismo agrário, buscavam melhores salários e melhores condições de trabalho. A segunda foi protagonizada pelos posseiros, que, tentando garantir o título definitivo de propriedade da terra, definiu como sujeito a ser combatido o grileiro e a estrutura burocrática que sustenta este sujeito. Por ultimo, temos os sem-terra que, como frutos do processo de industrialização nacional e modernização da agricultura, começam a lutar politicamente para retornarem ao campo que outrora foram expulsos por uma associação da expansão do capitalismo agrário e o desenvolvimento industrial e comercial na cidade. A organização política deste terceiro segmento e a formação de um sujeito coletivo traz à tona a relação entre os diversos projetos nacionais e os projetos educativos, principalmente para o campo. Para Souza (2009, p. 02), “a preocupação do MST se estende para a educação do campo e, desse modo, o Movimento assume uma formação pedagógica em que as pessoas que o constituem são seus principais sujeitos”. A luta pela terra é transformada em um dos elementos que buscam articular a construção de um novo projeto de nação, no qual, mais tarde, é associada à retomada da luta desenvolvida na década de 1950 pelos movimentos populares que reconheciam a importância da construção de um projeto educativo que corrobore com a perspectiva de luta do movimento. Mesmo não tendo no primeiro programa de reforma agrária do MST uma clara articulação da luta pela terra a luta pela educação, nele há uma definição dos marcos políticos em que o movimento atuará. Neste documento, lançado no primeiro encontro nacional do movimento, em 1984, nos princípios gerais, há a afirmação no item dois, que é necessário “lutar por uma sociedade igualitária, acabando com o capitalismo” (MST, 2005). É a partir desta perspectiva que se retoma todo o arcabouço construído no Brasil no período de ascensão dos movimentos populares que a ditadura militar tentou encerrar. É neste contexto que as principais matrizes da educação desenvolvida pelo movimento em parceria com um conjunto muito maior de organizações e sujeitos retomam a educação popular para, interpretando-a a luz de sua realidade específica, pensar uma proposta educacional que se encontre com os anseios do movimento.

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2.2.

Matrizes teórico-metodológicas da Educação Popular na Educação do

Campo.

Em geral, a maioria dos movimentos que tomam a educação como elemento de luta política por transformações sociais guarda algum tipo de referência na educação popular. Não é diferente no que tange a educação do campo. Diversas são as perspectivas de análise que tratam esta relação. Uma delas pode ser encontrada em Molina (2006, p. 12), que ao tratar da educação do campo, afirma: compreendemo-nos como parte desse legado que enriquece sobremaneira a construção dos paradigmas da Educação do Campo, pois, um dos objetivos da Educação Popular é contribuir para criar condições do povo ser sujeito do processo de produção do conhecimento e de sua própria vida.

Outra perspectiva que trata o assunto pode ser encontrada em Silva (2006), que analisando as matrizes da educação do campo, mostra que esta mantém em sua estrutura pelo menos três elementos da educação popular: (a) a educação como formação humana; (b) a educação como emancipação humana; (c) educação como ação cultural. Neste contexto, o autor tentando relacionar a educação do campo à educação popular enfoca elementos que levam em consideração, principalmente, os pressupostos antropológicos, gnosiológicos e pedagógicos. Em uma terceira perspectiva, que não é conflitante com as duas anteriores, mas que enfoca outros elementos é encontrada em Ramos; Moreira e Santos (2004). Para os autores podem ser definidos, pelo menos, seis princípios para a educação do campo: (a) o papel da escola enquanto formadora de sujeitos articulada a um projeto de emancipação humana; (b) a valorização dos diferentes saberes no processo educativo; (c) valorização dos espaços e tempos de formação dos sujeitos da aprendizagem; (d) a escola vinculada à realidade dos sujeitos; (e) a educação como estratégia para o desenvolvimento sustentável; (f) a autonomia e a colaboração entre os sujeitos do campo. Os autores, por sua vez, levam em consideração elementos que se relacionam com pressupostos políticos e pedagógicos na tentativa de relacionar a educação do campo à educação popular. Propomos o entendimento da relação entre a educação do campo e a educação popular a partir de uma análise que leve em consideração três elementos

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básicos: a) suas raízes filosóficas; b) os pressupostos pedagógicos e; c) os pressupostos políticos, que explicitaremos a seguir. Por esta alternativa de análise podemos enfocar os movimentos, contextos, disputas e sujeitos que se mobilizaram e continuam se mobilizando na tentativa de construção, englobando os elementos ressaltados anteriormente e encontrando o caminho para o seu aprofundamento. E a partir dele podemos, também entender em que estas duas propostas se encontram e se diferenciam, encontrando que tipo de relação é estabelecido. Os elementos levantados por Silva (2006) e por Ramos; Moreira e Santos (2004) são válidos, mas só são possíveis por uma relação muito mais profunda, que pode ser encontrada no fato de a educação do campo em grande medida tomar para si a estrutura filosófico-pedagógico-política construída pela educação popular para subsidiar a sua prática educativa. As concepções de ser humano, mundo, conhecimento, história, processo, educação e a dimensão política da educação defendida pela educação do campo são frutos dos acúmulos históricos dos movimentos sociais brasileiros, tendo em grande medida a sua prática referenciada em ações de educação popular. Percebemos que em poucos momentos a educação do campo constrói avanços significativos que se dão isoladamente da estrutura da educação popular. Definitivamente este não é o seu mérito, o que não nos permite afirmar que o paradigma da educação do campo possui força teórico-filosófica de se afirmar como uma concepção educacional. Seu mérito é outro. Acreditamos que a educação do campo tem como grande contribuição e especificidade a capacidade que tem de ir além da educação popular na tentativa de construção de uma educação (popular) do campo, e que leva em consideração sujeitos específicos em tempo e espaço determinados, construindo uma espécie de tradução da educação popular para o espaço do campo que guarda inúmeras especificidades em relação ao espaço da cidade. No entanto, esta relação não se estabelece como transposição de uma matriz de pensamento da cidade para o campo. Pelo contrário, ela é uma tradução, que só é possível no enfretamento de uma situação concreta que desafia os sujeitos igualmente concretos, historicizados e especializados. Ela é fruto de um debate exaustivo e enriquecedor que continua assumindo-se como processo e que teve e tem como principal característica a tentativa de colocar na agenda política os sujeitos que historicamente tiveram os seus direitos negados pelo Estado em favor

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do desenvolvimento de uma (des)ordem perversa para os trabalhadores e ambientalmente irresponsável no espaço agrário brasileiro. A educação do campo vem assumindo-se na tentativa de ecoar a voz historicamente silenciada dos diversos sujeitos que vivem, trabalham e constroem o campo como algo completamente específico em relação à cidade.

2.2.1 Raízes filosóficas da educação popular na educação do campo.

Dentre o arcabouço produzido pela educação popular, optamos por analisar três elementos: a) os pressupostos antropológicos; b) os pressupostos gnosiológicos e; c) a visão de mundo defendida pela educação popular freireana.

a) Pressupostos antropológicos da educação popular e sua relação com a educação do campo.

A definição dos pressupostos antropológicos da educação popular parte da constatação de que o ser humano é um ser histórico, inconcluso e consciente de sua inconclusão. Como ser histórico, é no desenvolvimento do seu percurso que o ser humano se realiza como tal, não podendo ser entendido sequer distante do processo que o formou. Em Freire (2003b, p.79), esta afirmação está presente quando afirma que “ninguém nasce feito. Vamos nos fazendo aos poucos, na prática social de que tomamos parte”. Para Freire (1996, p. 41), assumir-se enquanto ser, significa mais que saberse enquanto ser e implica a sua assunção como ser histórico-social: como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de amar. Assumir-se como sujeito porque capaz de reconhecer-se como objeto. A assunção de nós mesmos não significa a exclusão dos outros. É a outredade do não eu, ou do tu, que me faz assumir a radicalidade do meu eu (p.41)

Freire (1996) relaciona os seus pressupostos antropológicos à estruturação social que o condiciona como ser social já que como pressupostos realizando-se no tempo e no espaço, não estão livres dos condicionamentos que estruturam a sociedade. Por este motivo, a educação libertadora admite que, mesmo como

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sujeitos da história, os seres humanos, mulheres e homens, não constroem a história da mesma forma. Ambos estão presos a condicionamentos de classes, de gênero, de raça, de tempo, de espaço, culturais, políticos e outros, que relacionados atribuem uma condição diferenciada de fazer-se na história, sem, no entanto, tirarlhe a sua dimensão de sujeito criador da história. Em outras palavras, Freire (1996) reafirma o ser humano como histórico e fazedor da história ao afirmar: gosto de ser homem, de ser gente, porque não está dado como certo, inequívoco, irrevogável que sou ou serei decente, que testemunharei sempre gestos puros, que sou e que serei justo, que respeitarei os outros, que não mentirei escondendo o seu valor porque a inveja de sua presença no mundo me incomoda e me enraivece. Gosto de ser homem, de ser gente, porque sei que minha passagem pelo mundo não é predeterminada, preestabelecida. Que o meu destino não é um dado mas algo que precisa ser feito e de cuja responsabilidade não posso me eximir (p. 52-53).

Outro ponto importante levantado pela educação libertadora em sua visão de ser humano é que, como decorrência de ser histórico, o ser humano é necessariamente inconcluso, consciente de sua inconclusão e que exatamente por isso, busca a todo o momento ser mais. Assim, homens e mulheres como seres inacabados, mas conscientes de seu inacabamento, como seres históricos, culturais, sociais, que é aprendente, pode ensinar, ama, busca, constata, avalia, valora, fala do que vê como também fala do que sonha, do que sente, assumindo o processo educativo como desafio, como criação. Na visão de Freire (1996, p. 69): somos os únicos em que aprender é uma aventura criadora, algo, por isso mesmo, muito mais rico de que meramente repetir a lição dada. Aprender, para nós, é construir, reconstruir, constatar para mudar, o que não se faz sem o risco e à aventura do espírito.

Na educação libertadora o ser humano é considerado como um ser total, limitado, finito, de relações, de práxis, de intervenção, de busca, onde a educação só possui sentido se responde a essa vocação ontológica do ser humano de ser mais. Justamente porque é um ser de relações que ele transcende a sua própria existência, se temporaliza e se especializa. Por ser um ser de relações que ele interfere no mundo e se distancia de si mesmo e do mundo, constrói projetos, sonha,

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sofre. Como ser de relações o ser humano diferencia-se dos outros seres que têm na vida um conjunto de contatos com outros elementos enquanto nossa vida, mais do que vida, em um conjunto de relações, que se torna existência. É um ser capaz de amar e, por amar, capaz de ter raiva, de se indignar contra tudo o que proclama o desamor e a desumanização. Graças à capacidade de amar que o ser humano coloca-se em constante questionamento desta ordem perversa e põe-se em movimento em busca de sua superação. Esta superação é uma resposta concreta a agressão a ontologia humana que é feita cotidianamente à vocação ontológica do ser (FREIRE, 2005). Considera Freire (2005, p. 49) que: “a opressão só existe quando constitui um ato proibitivo do ser mais dos homens”. Então, a relação social que se estabelece e que coloca a possibilidade desumana de uns oprimirem, põe à grande maioria apenas a possibilidade de sofrerem os males da opressão, que se constitui em uma profunda violência a ontologia humana. No que tange à educação do campo, a assunção deste pressuposto como elemento estruturador da sua prática educativa possibilita o entendimento de que o ser está no mundo e com o mundo. Por isso ele é banhado de uma história e constrói uma temporalidade e uma espacialidade. A educação do campo admitindo este pressuposto afirma que o ser humano só se encontra com a sua verdadeira vocação ontológica quando se encontra na luta para restaurar a sua condição de ser mais. O processo de luta pelo reconhecimento do direito do povo do campo em viver em seu espaço com a garantia de todos os seus direitos só pode ser entendida nesta dimensão, de reencontro do ser humano com a sua humanidade roubada. É neste sentido que Caldart (2004a, p. 126), analisando a relação entre educação do campo e o processo de formação do sujeito, afirma que: sem movimento não há ambiente educativo; sem movimento não há escola do campo em movimento. Por isso não se trata de construir modelos de escola ou de pedagogia, mas sim de desencadear processos movidos por valores e princípios, estes sim referências duradouras para o próprio movimento.

Nesta perspectiva, o processo de formação do sujeito do campo insere-se em um ambiente educativo que tem a luta política pela sua afirmação como elemento fundamental da busca de sua humanidade. É um processo que leva em consideração os elementos necessários a formação teórica aliados a prática que lhe

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serve de base na tentativa de construção de uma sociedade que respeite as características dos sujeitos do campo em suas especificidades territoriais, sociais, temporais e culturais.

b) Pressupostos Gnosiológicos da Educação Popular e a sua relação com a Educação popular do Campo.

A visão gnosiológica defendida por Freire está intimamente ligada a sua visão antropológica e a sua visão de mundo e é fortemente assumida pela educação do campo. Não há uma quebra entre estas três dimensões. Muito pelo contrário. Há uma complementariedade. Em Freire (1979), o saber encontra-se em relação dialética com a sua negação, a ignorância. Por este motivo “a educação tem caráter permanente. Não há seres educados e não educados” (FREIRE, 1979, p. 28). Há o entendimento de que nem o saber e nem tampouco a ignorância são elementos absolutos que se encontram as bases da sua visão gnosiológica. Esta constatação tem relação com outras mais, sendo importante destacar a inconclusão do ser humano. É por conta do ser humano ser inconcluso e consciente de sua inconclusão que podemos falar em educação. Educação que para realizar-se exige que os sujeitos do conhecimento encontrem-se em uma postura humilde, curiosa, amorosa, dialógica e praxiológica em um movimento de encontro, re-encontro, leitura, releitura e interpretação e re-interpretação do mundo. Assim, a visão gnosiológica assumida por Freire (1996) admite que: toda prática educativa demanda a existência de sujeitos, um que, ensinando, aprende, outro que, aprendendo, ensina, daí o seu cunho gnosiológico; a existência de objetos, conteúdos a serem ensinados e aprendidos; envolve o uso de métodos, de técnicas, de materiais; implica, em função do seu caráter diretivo, objetivo, sonhos, utopias, ideais (p.70).

Deste modo, o processo educativo é o encontro entre sujeitos cognoscentes mediatizados pelo mundo. Ensinar, portanto, não é adestrar, treinar ou alienar, constituindo-se em um processo criador. Por isso, na visão de Freire (2006a):

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a compreensão crítica do ato de ler, que não se esgota na decodificação pura da palavra escrita ou da linguagem escrita, mas se antecipa e se alonga na inteligência do mundo. A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele (p.11).

Neste sentido, a leitura alonga-se na compreensão crítica do mundo real em que o sujeito está inscrito e não há um momento específico para a educação, que se constitui em um processo ininterrupto e sempre inacabado no qual o ser humano encontra-se completamente imerso. Estudo e realidade tornam-se dois elementos de um mesmo processo que tem como resultado o desvelamento desta realidade e a organização dos oprimidos para a superação de sua opressão. O ser humano, direcionando-se ao mundo que é construído por ele em um conjunto infinito de relações sociais, consegue apreendê-lo como um não-eu que interfere diretamente na configuração do um eu. Isso fica explícito quando Freire (1977) afirma: o homem é um corpo consciente. Sua consciência “intencionada” ao mundo é sempre consciência de em constante despego até a realidade. Daí que seja próprio do homem estar em constantes relações com o mundo. Relações em que a subjetividade, que toma corpo na objetividade, constitui, com esta, uma unidade dialética, onde se gera um conhecer solidário com o agir e vice-e-versa. Por isto mesmo é que as explicações unilateralmente objetivista e subjetivista, que rompem esta dialetização, dicotomizando o indicotomizável, não são capazes de compreendê-lo. Ambas carecem de sentido teleológico (p.74-75).

Na tentativa de afirmar a relação dialética que existe entre a objetividade, que é externa ao ser, e a subjetividade, que é interna ao ser, que Freire se situa. Neste sentido, todo o conhecimento só é possível na medida em que a realidade seja algo exterior ao ser, que se passa fora dele. O conhecimento é o entendimento por meio das faculdades mentais da característica do movimento que o objeto realiza. Esta realização é dinâmica e histórica e deve ser entendida dentro do conjunto de relações que o constitui. Aprender como sujeito, de forma crítica, é uma necessidade da educação como prática da liberdade. É como tal, que o ato verdadeiramente cognoscente se realiza. Por este motivo, considera Freire (1996, p. 24-25), que “quanto mais criticamente se exerça a capacidade de aprender, tanto mais se constrói e se desenvolve o que venho chamando curiosidade epistemológica”.

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O caminho epistemológico proposto pela educação libertadora é que, partindo da curiosidade, como fonte do conhecimento, ela vá ganhando em criticidade e rigorosidade no sentido de tornar-se “curiosidade epistemológica”. É neste sentido que a educação do campo, tal como Freire (2006, 2003, 2001, 1996, 1977), propõe o respeito aos saberes dos educandos, justamente pelo entendimento de que estes saberes são frutos do processo histórico de formação do ser. É a partir deste pressuposto que a educação do campo desconstrói o discurso falacioso que busca oprimir os povos do campo, atribuindo a sua cultura e ao seu conhecimento uma dimensão de inferioridade em relação aos conhecimentos da cidade, além de impor a cultura do silêncio como única maneira destes sujeitos “escaparem” das humilhações que, segundo o discurso dominante, são frutos da sua própria ignorância. Associado a esta questão está o fato de que se construiu na sociedade um pensamento que atribuía ao campo um papel secundário e atrasado no contexto nacional se comparado a cidade. Este pensamento serviu de suporte ao desrespeito a cultura do homem do campo. Sobre esta questão Arroyo; Caldart e Molina (2004, p. 11) destacam que: por muito tempo a visão que prevaleceu na sociedade, continuamente majoritária em muitos setores, é a que considera o campo como lugar atrasado, do inferior, do arcaico. Nas ultimas décadas consolidou-se um imaginário que projetou o espaço urbano como o caminho natural e único do desenvolvimento, do progresso, do sucesso econômico, tanto para indivíduos como para a sociedade.

O território ganha especial dimensão a partir da tentativa de desconstrução desta imagem. Isto porque entender o campo como território, e não como setor da economia, nos permite levar em consideração os processos sociais que formam e dão sustentabilidade ao campo. Isto significa o entendimento de que o campo é formado por um conjunto de lógicas de utilização do espaço e é apropriado de maneira diferente pelos diversos grupos de sujeitos. Esta apropriação guarda relação direta com a maneira como o sujeito está inserido no processo de construção do território.

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c) Visão histórico-dialética de mundo da educação popular freireana e a sua relação com a educação do campo.

Admitir o ser humano como histórico-cultural, inacabado, em busca, em processo, em relação com os outros e com o mundo, um ser da ética, de opção, de ação-reflexão-ação e de ruptura, como admite a educação libertadora, exige, por outro lado, que o mundo não seja visto como estático e acabado. Exige que o mundo seja visto também como processo, como possibilidade, como estando sendo algo e não como algo que brotou, naturalmente. Freire (1996) admite que o mundo não é naturalmente perverso e ligado à negação do ser humano. O mundo é construído por um conjunto de relações sociais traçadas historicamente sobre e com ele e isso é o que o faz possuir determinada característica ao invés de outra. Neste sentido, não é algo dado. É algo a ser questionado, desconstruído e reconstituído historicamente. Ao discutir a historicidade do mundo, Freire (1996, p. 56) ressalta que “o mundo da cultura que se alonga no mundo da história é um mundo de liberdade, de opção, de decisão, mundo de possibilidade em que a decência pode ser negada, a liberdade ofendida e recusada”. No entanto, o entendimento da possibilidade da negação da liberdade e decência não significa a sua aceitação, que sempre é negação do próprio ser humano, e sim o reconhecimento que como possibilidade histórica, o mundo é construção, conquista, luta pelo que sonhamos na busca de nossa humanização. Neste sentido, o mundo é o conjunto dos elementos naturais e sociais que permite a realização da vida humana como ser de relações. Ratificando essa postura, Freire (1996) afirma que entender a historicidade do mundo é saber da história como: possibilidade e não como determinação. O mundo não é. O mundo está sendo. Como subjetividade curiosa, inteligente, interferidora na objetividade com que dialeticamente me relaciono, meu papel no mundo não é só de quem constata o que ocorre, mas também o de quem intervêm como sujeito de ocorrências (p.76-77).

Este pressuposto é fortemente encarado pela educação do campo. Isto fica evidente quando na declaração final da II Conferência Nacional de Educação do Campo (CNEC) o movimento subscreve que “temos denunciado a grave situação

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vivida pelo povo brasileiro que vive no e do campo, e as conseqüências sociais e humanas de um modelo de desenvolvimento baseado na exclusão e na miséria da maioria.” (II CNEC, 2004, p. 01). Reconhecendo a situação concreta de opressão e de

exploração,

o

movimento

lança-se

na

luta

pela

sua

transformação,

reconhecendo-se como sujeito ativo no processo de construção histórica ao afirmar que ”Reafirmamos a luta social por um campo visto como espaço de vida e por políticas públicas específicas para sua população” (II CNEC, 2004, p. 01). Há a tentativa de construir um processo educativo que seja ao mesmo tempo construído por um processo de denúncia da situação perversa a que se encontra a população do campo, o que só pode ser feito a partir de um entendimento rigoroso do processo de opressão, associado a um processo de anúncio de uma alternativa de mudança, que tem como base a organização dos trabalhadores do campo.

2.2.2 Pressupostos Pedagógicos

Além da educação do campo referenciar-se nos pressupostos gnosiológicos, antropológicos e na visão de mundo defendida pela educação popular, ela também tem forte referência nos pressupostos pedagógicos que orientam a prática educativa. Dentre os pressupostos pedagógicos, destacamos: a) o respeito à cultura e ao saber local; b) o entendimento do espaço e do tempo como elementos educativos e; c) a necessidade do diálogo e da práxis no processo educativo.

a) O respeito à cultura e ao saber local como elementos educativos.

Dentre os pressupostos pedagógicos da educação popular assumidos pela educação do campo, um dos mais significativos é o entendimento da cultura e do saber local como elemento educativo. Este processo é resultado direto do entendimento de que a luta pela terra é uma luta cultural por um projeto de sociedade que é antagônico ao projeto do latifúndio e da monocultura para a exportação. A defesa da cultura dos povos do campo no processo educativo é um alongamento da defesa do seu modo de vida se opondo ao projeto que busca

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expulsá-los do campo ou submetê-los a lógica do capitalismo agrário. Para Arroyo; Caldart; Molina (2004, p. 12), “esta é uma lição importantíssima para o pensamento pedagógico: não esquecer dos sujeitos da ação educativa, do seus processos formadores”. Este debate sobre a defesa da cultura dos oprimidos é enfrentado pela educação popular desde a década de 60. Em um dos seus primeiros trabalhos nos núcleos de educação de base, Freire (1979) confronta-se com a situação concreta dos camponeses e analisa o papel educativo desempenhado por um conjunto de técnicos que tinham a função de auxiliar os camponeses. Na década de 60, nos primeiros passos para o desenvolvimento da educação popular, já é evidente a opção freireana pelo respeito à cultura local. Ao analisar a relação entre os conhecimentos dos camponeses e a ação dos técnicos, Freire (1979), afirma que:

ao desconhecer que tanto a sua técnica quanto os procedimentos empíricos dos camponeses são manifestações culturais e, deste ponto de vista, ambas válidas, cada qual em sua medida, e que, por isso, não podem ser mecanicamente substituídos enganam-se e já não podem comprometer-se (p.23).

Esta análise revela mais que a relação direta entre camponeses e os técnicos. Ela revela o papel da cultura local na estruturação da vida social e a importância de, respeitando e partindo destas técnicas, haja um processo de superação e não de negação arbitrária. A relação entre os saberes é uma questão política e que envolve o reconhecimento ou não dos sujeitos e da sua cultura como elementos válidos a serem considerados na ação dos técnicos. Partir da cultura local para encontrar novas respostas é diametralmente oposto a sua negação apriorística. Neste sentido, é posta em questão o fato de se respeitar ou negar o sujeito, já que a cultura e os saberes são partes integrantes do ser. Freire analisa essa questão como elemento político, considerando que: subestimar a capacidade criadora e recriadora dos camponeses, desprezar seus conhecimentos, não importa o nível em que se achem, tentar enchêlos com ao que os técnicos lhes parece certo são expressões, em ultima análise, da ideologia dominante. (FREIRE, 2006b, p. 36)

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Essa preocupação também esteve presente nos debates realizados durante a I Conferência. No texto preparatório Fernandes; Cerioli; Caldart (2004, p. 27) ao tratar da relação entre a tecnologia e a produção dos povos do campo, afirmam que “não estamos falando da enxada, estamos falando da tecnologia apropriada. Estamos defendendo a reforma agrária e uma política agrícola para a agricultura camponesa”. Defender a tecnologia apropriada e uma política agrícola voltada para os povos do campo vai ao sentido de fortalecer a luta por um modelo de sociedade em que os povos do campo não sejam sujeitos de direitos negados ou invisibilizados na política social. Defender a tecnologia apropriada e a política agrícola vai no sentido de construir com os povos do campo o caminho adequado para o necessário aumento de sua produtividade sem que isto signifique a sua submissão ao agronegócio ou a sua subsunção como grupo social. Outra contribuição importante para o entendimento da questão nos é oferecida por Brandão (2002) ao estabelecer uma relação entre a cultura e a educação e mostrar como a cultura, passada da cultura do povo à cultura popular, pode contribuir na transformação de uma educação do povo à educação de classe.

De modo concreto, a cultura inclui objetos, instrumentos, técnicas e atividades humanas socializadas e padronizadas de produção de bens, da ordem social, de normas, palavras, idéias, valores, símbolos, preceitos, crenças e sentimentos. Destarte, ela abrange o universo do mundo criado pelo trabalho do homem sobre o mundo da natureza de que o homem é parte. Aquilo que ele faz sobre o que lhe foi dado (BRANDÃO, 2002, p.37).

A análise da cultura de massa, como cultura alienada, surge da constatação de uma dupla possibilidade que vem sendo exercida na história. A primeira “é a possibilidade teórica de alienação da cultura” (BRANDÃO, 2002, p. 42) e a segunda “é a realização histórica desta possibilidade em conjunturas concretas, como no caso da formação social dividida antagonicamente entre o capital e o trabalho” (idem). Cultura de massa, assim, é aquela que assume a possibilidade histórica de servir para a alienação e a dominação do próprio povo. É desenvolvida sob um prisma acrítico e tem como característica legitimar as relações sociais desiguais, assumindo um caráter distante do trabalho social desenvolvido pelo sujeito e/ou vendo este trabalho de maneira natural.

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Em outras palavras, quando analisa o caso brasileiro durante as décadas de 60 e 70, Brandão (2002, p. 45) destaca ser a cultura de massas, utilizada para a dominação, que ao expressar “a desigualdade e a dominação das relações sociais de trabalho, poder e saber, não reflete para todos a realidade brasileira e não permite que os dominados criem e expressem livremente sua cultura” A cultura popular tem outro sentido. Ela não é a cultura do povo, mas surge dela. Ela é a possibilidade histórica de se usar politicamente a cultura do povo como elemento que se contraponha a cultura alienada (cultura de massa), servindo para a libertação. Gohn (2005) ao discutir as diferenças entre cultura popular e cultura de massa destaca que: a cultura popular foi redefinida como sinônimo de resistência popular (...). E a cultura popular foi diferenciada da cultura de massa. A primeira seria produzida pelos seus participantes, criada e recriada continuamente. A segunda seria pré-fabricada para integrar os indivíduos, como meros consumidores passivos (p. 32).

A cultura popular tem um caráter nitidamente político já que, segundo Brandão (2002, p. 32) ela pode ser entendida como “uma cultura de classe: consciente, crítica, politicamente mobilizadora, capaz de transformar tanto os símbolos com que se representa e ao seu mundo, quanto sua própria realidade material”. Em outras palavras, é: importante considerar a idéia costumeira e tradicionalmente oficial de cultura popular – um sinônimo de folclore – transforma-se na proposta de criação de uma Cultura Popular e identifica o trabalho político de conscientização e organização militante dos trabalhadores rurais e urbanos (BRANDÃO, 2002, p. 35).

Paralelo a isto, como práxis, a cultura adquire no desenvolvimento do conceito de cultura popular feito pelos movimentos populares um caráter nitidamente mobilizador, já que se passa a investir grande parte da militância dos grupos políticos “em experiências políticas de expressão cultural com o propósito de obter transformações sociais e simbólicas que gerassem a reorganização e mobilização de grupos populares e o fortalecimento do seu poder de classe”. (BRANDÃO, 2002, p. 33)‫‏‬

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Assim, em suas análises, Brandão considera os processos educativos formais e não formais e seu argumento se constrói sobre a égide de que é a cultura que criamos para dar significado à vida e, por isso, ela é parte fundamental na transformação da vida em vida humana e que a educação deve levar em consideração este processo. Em relação à importância política da assunção crítica da cultura no processo educativo, Brandão (2002) afirma que: no cruzamento entre uma cultura do povo e uma cultura popular é possível ocorrer a passagem de uma educação do povo para uma educação de classe. Isso através de um processo interno de transformações de posições e alianças, de práticas e símbolos das classes populares (p.12).

A educação do campo assume esta perspectiva ressignificando o papel da educação na luta política dos sujeitos do campo. Tenta construir a sua prática educativa no caminho do reconhecimento dos sujeitos do campo como portadores de direitos. Neste sentido, dois elementos são importantes: o reconhecimento da identidade e a construção da autonomia. Essa opção é assinalada por Arroyo; Caldart; Molina (2004, p. 15) ao afirmarem que: um traço aparece com destaque: a construção do direito do povo brasileiro do campo à educação, às letras, ao conhecimento, à cultura universal somente acontecerá vinculada à construção da pluralidade de direitos negados. Sobretudo, vinculada à realização do primeiro direito: a terra. Que é trabalho, vida e dignidade. Que é educação.

A partir desta perspectiva, que a assunção da cultura como elemento educativo se dá como um elemento político, de contestação do que foi socialmente instituído e tornou-se lógica hegemônica na sociedade. É por este motivo que a educação do campo traz, também, como elemento estruturante de sua ação, o pressuposto da educação popular de que a educação é um dos elementos da luta política por uma sociedade justa, ética e sustentável. É pela assunção da cultura que temos o reconhecimento de que o cotidiano e os seus elementos estruturantes são elementos educativos e, mais do que isso, elementos de luta política, em que sua defesa está relacionado ao entendimento dos projetos societários que sustentam diferentes formas de (com)viver.

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b) Espaço e tempo como elementos educativos.

A importância do espaço e do tempo como elementos educativos também estão presentes na educação popular, mesmo que espaço e tempo não tenham sido objetos de reflexão profunda de Paulo Freire. No entanto, não é difícil perceber o quanto o autor faz referência a estes dois elementos. Um dos momentos é quando trata da questão do espaço como elemento educativo é quando analisa as cidades educativas. Freire (Política e educação, p. 16) explica que as cidades “não apenas acolhem a prática educativa, como prática social, mas também se constituem, através de suas múltiplas atividades, em contextos educativos em si mesmo”. Além disso, Freire (2003b, p. 22) destaca que: os conteúdos, os objetivos, os métodos, os processos, os instrumentos tecnológicos a serviço da educação permanente, estes sim, não apenas podem mas devem variar de espaço tempo a espaço tempo. A ontológica necessidade da educação, da formação a que a cidade, que se torna educativa em função desta mesma necessidade, se obriga a responder. Esta e universal.

Partindo deste pressuposto e superando a leitura da cidade, a educação do campo analisa a partir do que é essencial, que é o papel do espaço e do tempo como elementos educativos. O espaço, ainda, analisado a partir da sua dimensão territorial e dos processos de territorialização. Os processos de territorialização indicam que o espaço é heterogêneo e é diversamente utilizado pelos diversos grupos sociais que nele, disputam projetos que podem ser complementares, diferentes ou antagônicos, mesmo que convivam no mesmo lugar. Para Santos (2008a, p. 317), “o espaço se dá ao conjunto dos homens que nele se exercem como um conjunto de virtualidades de valor desigual, cujo uso tem que ser disputado a cada instante em função da força de cada qual”. Não é apenas a força de ação que diferencia o uso do espaço. Como um todo complexo, o espaço é percebido pelos diversos sujeitos sociais em seu cotidiano. Além disto, soma-se a globalização como elemento fragmentador da nossa visão do espaço. Isto porque, segundo Santos (2007a, p. 79) “a percepção do espaço é

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parcial, truncada e, ao mesmo tempo em que o espaço se mundializa, ele nos aparece como um espaço fragmentado”. A concepção de espaço definida pelo o autor é algo extremamente complexo. Uma aproximação da maneira como o autor entende o espaço pode ser feita a partir da relação que ele estabelece entre os objetos e as relações que constroem o espaço geográfico. Para Santos (2008b): o espaço seria um conjunto de objetos e de relações; não entre eles especificamente, mas para as quais eles servem de intermediários. Os objetos ajudam a concretizar uma série de relações. O espaço é o resultado da ação dos homens sobre o próprio espaço, intermediados pelos objetos, naturais e artificiais (p.78).

Continuando o processo de aproximação da concepção de Santos sobre o espaço geográfico, em outro trabalho, o autor complementa a visão esboçada acima. Nele, Santos (2008d, p. 86) afirma que: propomos entender o espaço como um conjunto indissociável entre sistemas de objetos e sistemas de ações. Os sistemas de objetos não funcionam e não tem realidade filosófica, isto é, não nos permitem conhecimentos, se os vemos separados dos sistemas de ações. Os sistemas de ações também não se dão sem os sistemas de objetos.

Neste sentido, podemos identificar que para o autor, o espaço é o conjunto indissociável entre sistemas de objetos e sistemas de ações, sendo uma construção histórica da técnica e moldada pela a intencionalidade. Esta afirmação coloca o debate relativo ao espaço geográfico em um patamar que associa ações e objetos que são entendidos em forma de sistema, e não isoladamente. Ações e objetos, isoladamente, contribuem pouco para a compreensão do que é o espaço geográfico. O que nos interessa é como os objetos e as ações configuram o espaço geográfico como um grande sistema que, como não poderia deixar de ser, traz em si elementos de continuidade e descontinuidades, e que gera um todo complexo, contraditório e prenhe de múltiplas intenções e intencionalidades. Como sistema, ações e objetos estão intimamente ligados e não podem ser analisados individualmente. O cotidiano, que é imposto para a maioria das pessoas, ganha uma dimensão política quando fica evidente que “a capacidade de usar o território não apenas

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divide como separa os homens, ainda como se eles apareçam como se estivessem juntos” (SANTOS, 2007a, p. 80). No entanto, como isto é escamoteado, se produz um cotidiano que se torna alienado pela maneira como são construídas estas relações com e sobre o espaço, fazendo com que este seja um elemento que rompe com a capacidade do sujeito entender a totalidade do processo social. Isto consiste um uso político do território feito a partir de relações sociais desiguais e que primam por esta desigualdade. O uso político é sempre uma possibilidade que se viabiliza historicamente, tornando-se fato. A maior característica da possibilidade é que ela só torna-se real na dialética entre o existir e o deixar de existir historicamente. A possibilidade existe como fato para ser superada por uma nova possibilidade que existe como projeto. Então, o espaço possui uma dimensão eminentemente educativa que pode dar-se no sentido de estruturar uma visão crítica sobre a realidade, quando ele torna-se matriz da análise intelectual que busca a totalidade, ou pode dar-se como elemento alienador quando ele, imposto exoticamente a sociedade, reforça a visão fragmentada sobre a realidade. A função alienadora do espaço pode ser superada por um trabalho político de superação crítica de tal situação. Sobre o tema, Santos (2007a) afirma que: da atividade alienada resultam objetos alienados, esse prático-inerte que, no dizer de Sartre, é o Diabo, pois inverte nossas ações. Quando o homem se defronta com um espaço que não ajudou a criar, cuja história desconhece, cuja memória lhe é estranha, esse lugar é a sede de uma vigorosa alienação. Mas o homem, um ser dotado de sensibilidade, busca reaprender o que nunca lhe foi ensinado, e vai pouco a pouco substituindo sua ignorância do entorno pelo conhecimento, ainda que fragmentário. O entorno vivido é lugar de troca, matriz de um processo intelectual (p.81).

Como elemento que serve para desalienação, o espaço é o suporte de uma ação intelectual e de uma ação prática que só pode ser levada a cabo pelos grupos populares lutando pela sua libertação. Neste ponto, o uso político do espaço pelas classes populares faz daquele mesmo um espaço popular, em seu sentido mais profundo do termo. É esta dimensão que é assumida pela educação do campo, mesmo usando o conceito de território que mais adiante trataremos com a devida atenção.

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Esta aceitação é feita quando o movimento por uma educação do campo assume o campo para além de um setor da economia, que é uma redução estéril e pouco explicativa. Está muito presente nos trabalhos sobre essa educação o entendimento do campo como um território, marcado por toda a riqueza, diversidade e complexidade que este impõe à análise. Um exemplo é encontrado nos trabalhos de Fernandes, para o qual: o significado territorial é mais amplo que o significado setorial que entende o campo simplesmente como espaço de produção de mercadorias. Pensar o campo como território significa compreendê-lo como espaço de vida, ou como um tipo de espaço geográfico onde se realizam todas as dimensões da existência humana. O conceito de campo como espaço de vida é multidimensional e nos possibilita leituras e políticas mais amplas do que o conceito de campo ou de rural somente como espaço de produção de mercadorias. A economia não é uma totalidade, ela é uma dimensão do território. (FERNANDES, 2006, p. 28-9)

No entanto, um das possibilidades perigosas desta análise é a reificação do conceito de território, como se fosse elemento externo a realidade social que lhe estrutura. A única forma de fugir desta reificação e entender a relação entre território e sociedade é a partir de uma análise que leve em consideração os elementos constitutivos do território e a maneira como ele se relaciona com os outros elementos que constituem a realidade. Nesta perspectiva, Fernandes (2006), admite que: as relações sociais e os territórios devem ser analisados em suas completividades. Neste sentido, os territórios são espaços geográficos e políticos, onde os sujeitos sociais executam seus projetos de vida para o desenvolvimento. Os sujeitos sociais organizam-se por meios das relações de classe para desenvolver seus territórios. No campo, os territórios do campesinato e do agronegócio são organizados de formas distintas, a partir de diferentes classes e relações sociais (p.30).

É a partir da analise desta relação, que leva em consideração a importância de se fortalecer a relação entre a educação do campo e o território, que Fernandes sustenta seu argumento. A ligação entre estes dois elementos busca reconhecer que: educação, cultura, produção, trabalho, infra-estrutura, organização política, mercado etc, são relações sociais constituintes das dimensões territoriais. São concomitantemente interativas e completivas. Elas não existem em separado. A educação não existe fora do território, assim como a cultura, a economia e todas as outras dimensões. (FERNANDES, 2006, p. 30)

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No entanto, porque este movimento opta pelo conceito de território ao invés do conceito de espaço? Quais são os elementos que os diferenciam e que fazem o movimento acumular posições em defesa de um, subutilizando o outro conceito? Quando analisamos inicialmente os conceitos de espaço e território, percebemos que eles guardam relação entre si. Entretanto, Fernandes (2006) afirma que: território é espaço geográfico, mas nem todo espaço geográfico é território. Lembrando que território é um tipo de espaço geográfico, há outros tipos como lugar e região. Também é importante lembrar que território não é apenas espaço geográfico, também pode ser espaço político. Os espaços políticos diferem dos espaços geográficos em forma e conteúdo. Os espaços políticos, necessariamente, não possuem área, mas somente dimensões. Podem ser formados por pensamentos, ideias ou ideologias (p.32).

Em relação ao território, Fernandes (2006, p. 33) afirma que ele é, “ao mesmo tempo, uma convenção e uma confrontação”. O autor admite nitidamente o território a partir das disputas pelo exercício do poder (econômico, político, religioso, ideológico) e pela apropriação simbólica que gera nos sujeitos. Neste sentido, o território relaciona-se com o processo de disputa entre hegemonia e contra-hegemonia, já que nele há as mais diversas relações de dominação e de convencimento. Isto fica evidente quando o autor destaca que “sua configuração como território refere-se às dimensões de poder e controle social que lhes são inerentes” (FERNANDES: 2006, p. 33). O território também deve ser entendido em multidimensionalidade e em sua multiescalaridade. A multidimensionalidade está ligada a sua forma de manifestação, aglutinando dimensões diversas que são relações sociais diversas e que tem como resultado os mais diversos juízos e sentimentos. Destaca Fernandes (2006, p. 34) que “a contradição, a solidariedade e a conflitividade são relações explicitadas quando compreendemos o território em sua multidimensionalidade”. Todo território é acompanhado por um ou por vários processos de territorialização. A territorialização é levada a cabo por sujeitos ou grupos sociais e está ligado a um projeto de uso do território. O uso é resultado de um processo

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concomitante de apropriação e dominação que este sujeito ou grupo social. Assim, como ressalta Fernandes (2006, p. 36), “a territorialização é resultado da expansão do território, contínuo ou interrupto”. Nesta perspectiva, a educação do campo entende a luta pela educação articulada à luta pela sua territorialização. Ela é o elemento que auxilia o processo de organização e que ajuda a construir um projeto coletivo de uso do território. Por isso, a luta pelo território e pela educação que se articule a um projeto popular de nação são elementos diferentes e complementares de uma mesma luta.

c) A importância do diálogo e da práxis.

Outra característica importante para a educação popular que é assumida pela educação do campo é a necessidade da assunção do diálogo e da práxis como elementos estruturantes da prática educativa. Nos processos educativos em que é predominante a “cultura do silêncio” o diálogo é entendido algo descomprometido, demorado ou como não sendo capaz de responder às necessidades educativas dos educandos. No entanto, para Freire (1977) o diálogo é fundamental à prática educativa progressista, pois: ser dialógico, para o humanismo verdadeiro, não é dizer-se descomprometidamente dialógico; é vivenciar o diálogo. Ser dialógico é não invadir, é não manipular, é não sloganizar. Ser dialógico é empenharse na transformação constante da realidade. Esta é a razão pela qual, sendo o diálogo o conteúdo da forma de ser própria da existência humana, está excluído de toda relação na qual alguns homens, transformados em “seres para o outro” por homens que são falsos “seres para si”. É que o diálogo não pode travar-se em uma relação antagônica (p.43).

A negação do diálogo no processo ensino-aprendizagem é a negação da possibilidade do encontro de sujeitos no processo educativos, convergindo na interpretação da realidade. É negar a possibilidade de ser dos sujeitos assumindo-se como atores sociais em permanente construção. Em Freire (1977), as práticas pedagógicas baseadas na “cultura do silêncio” podem ser agrupadas no que pode ser definido como o paradigma da educação

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bancária. Ao analisar o medo da educação bancária em assumir a dialogicidade como prática educativa, Freire (1977) indica que: rejeitar em qualquer nível a problematização dialógica é insistir num injustificável pessimismo em relação aos homens e a vida. É cair na prática depositante de um falso saber que, anestesiando o espírito crítico do ser humano, serve à domesticação e instrumentaliza a invasão cultural (p.55).

Para justificar a negação do diálogo no processo ensino-aprendizagemensino, a educação bancária utiliza-se de uma grande quantidade de justificativas falsas, buscando ocultar o verdadeiro motivo de sua opção, notoriamente política com vistas à domesticação dos educandos. Entre essas justificativas, Freire (1977, p. 51) destaca que: a demora do diálogo argumentada pela educação tradicional é simplesmente “ilusória, pois, significa um tempo em que se ganha em solidez, em segurança, em autoconfiança e interconfiança que a antidialogicidade não oferece”. O verdadeiro motivo da negação da prática dialógica, segundo Freire (1977) é devido ao fato de que: o diálogo e a problematização não adormecem a ninguém. Conscientizam; Na dialogicidade, na problematização, educador-educando e educandoeducador, vão ambos desenvolvendo uma postura crítica da qual resulta a percepção de que este conjunto de saber se encontra em interação (p.55).

A razão de ser desta justificativa encontra-se no fato do diálogo ser uma prática respeitosa, que zela pela horizontalidade do processo, respeitando as diversas posições que podem surgir sobre determinado tema ou, em outras palavras, “ao fundar-se no amor, na humildade, na fé nos homens, o diálogo se faz uma relação horizontal, em que a confiança de um pólo no outro é conseqüência óbvia” (FREIRE, 2003a, p.94). Por sua vez, a práxis para a educação popular é uma exigência própria do processo educacional. Isto porque, como conhecimento autêntico, implica de imediato o comprometimento de quem conhece com a transformação do conhecido. Sem esse comprometimento, sem a práxis, o poder transformador da educação fica comprometido. Para Freire (1992, p. 32), “é preciso, por isso, deixar claro que, no domínio das estruturas sócio-econômicas, o conhecimento mais crítico da realidade, que

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adquirimos através do seu desvelamento, não opera, por si só, a mudança da realidade”. Assim, o processo de desvelamento deve ser acompanhado do processo de organização dos povos do campo para a construção de outra realidade. No domínio da educação do campo, isto fica evidente quando na declaração final da II Conferência Nacional Por Uma Educação do Campo, os presentes afirmam que lutam “por um projeto de desenvolvimento do campo onde a educação desempenhe um papel estratégico no processo de sua construção e implementação” (II CNEC, 2004, p. 02). Como prática da liberdade, a educação popular é necessariamente uma educação de práxis, característica essa assumida pela educação do campo. Isso porque, como sujeito imerso em um mundo de relações com outros sujeitos e com o próprio mundo, reconhece a necessidade da palavra-ação como exigência intrínseca ao processo de libertação. Nas análises de Freire (1977) isso se dá pelo fato de que o ser humano: não pode ser compreendido fora de suas relações com o mundo, de vez que é um ser-em-situação, ser também um ser do trabalho e da transformação do mundo. O homem é um ser de práxis; da ação e da reflexão (p.28).

Palavra critica que se alongando na ação ao lado da ação fundada em um esforço de compreensão da realidade, possibilita um agir autêntico, pois, é solidário com o pensar, no caminho da transformação da realidade opressora, na qual tanto a palavra sem a ação (que Freire chama de verbalismo) quanto a ação sem a palavra (ativismo) podem oferecer. Assim, a práxis exige a presença de sujeitos reflexivos, que possuem a capacidade de agir e de pensar sobre o seu agir para melhor agir novamente. Isto se dá porque, para Freire (1977, p. 80) é na “práxis na qual a ação e a reflexão solidárias, se iluminam constante e mutuamente. Na qual a prática, implicando na teoria da qual não se separa, implica também numa postura de quem busca o saber, e não de quem passivamente o recebe”.

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2.2.3 Dimensão Política da Educação

Por fim, como terceira característica da educação popular que estrutura a educação do campo, cabe analisar a dimensão política. Ela tem diversas interfaces. Optamos por analisá-la partindo de: a) a educação como questionadora da ordem social e; b) a educação como processo de formação intelectual e política.

a) A educação como questionadora da ordem social.

A politicidade da prática educativa se expressa de várias maneiras. Uma delas é quando a partir dos seus conteúdos e práticas, ela, direcionando-se ao mundo, constrói um processo de compreensão crítica do mundo e, consequentemente, de questionamento da ordem social. Este processo se dá na educação popular quando a prática é transformada em conteúdo e, como conteúdo é desafiada intelectualmente pelo educando. Esta questão é assumida pela educação popular quando admite que transformar a realidade social é condição sine qua non ao conhecimento, entendendo estes dois elementos como pólos dialéticos. Freire (2006a), ao refletir sobre essa questão, questiona sobre os rumos de uma sociedade que:

exclui dois terços de sua população e que impõe ainda profundas injustiças à grande parte do terço para o qual funciona, é urgente que a questão da leitura e da escrita seja vista enfaticamente sob o ângulo da luta política a que a compreensão científica do problema traz sua colaboração (p.09).

Assim, destaca Freire o papel que a educação possui na transformação social e o seu caráter político. Localiza na raiz própria da educação como ato formador, diretivo e consciente a sua dimensão política, já que, para o autor, “é na diretividade da educação, esta relação que ela tem, como vocação especificamente humana, de endereçar-se até sonhos, ideais, utopias e objetivos, que se acha o que venho chamando de politicidade da educação” (FREIRE, 1996, p. 110). A questão fundamental para a educação libertadora é assumir-se como prática política e diretiva, defendendo o fato de que a opção do educador deve ser coerente com a proposta levado a cabo pela educação popular e pelos sujeitos que

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a constroem e que isto esteja claro aos educandos como co-agentes do processo. Afirma Freire (1992): minha questão não é negar a politicidade e a diretividade da educação, tarefa de resto impossível de ser convertida em ato, mas, assumindo-as, viver plenamente a coerência entre minha opção democrática e minha prática educativa, igualmente democrática (p.79).

Desta maneira, a educação está imersa em um processo de luta política contra a ordem social que é injusta e insustentável. Esta luta política é encarada por Freire como manifestação da luta protagonizada na sociedade entre opressores e oprimidos. Freire (2008, 2006a, 2006b, 2005, 2004, 2003a, 2003b, 2001, 2000, 1996, 1992, 1979, 1977) assume uma terminologia muito presente nos primeiros trabalhos marxianos, que ora toma como referência para análise a separação na sociedade entre opressores e oprimidos e ora elege como referência a diferença entre exploradores e explorados. Toma como referência a relação de opressão e analisa as diferenças entre estes dois grupos de sujeitos e aponta para a importância da superação da situação de oprimido e da absorção da figura do opressor pelo oprimido, comumente não tomando como referência a categoria explorado. No entanto, isso não impede que em sua obra esteja presente a superação da situação de exploração, já que sua obra busca, a partir da prática educativa, construir as condições para a superação da situação concreta de exploração em que os oprimidos também estão imersos. As relações de classe e, consequentemente, de exploração são assumidas de maneira mais explícita pela educação do campo. Movimentos sociais, como o MST, pesquisadores e os povos do campo reconhecem-se em uma luta contra um projeto de desenvolvimento que busca construir a subordinação deles ao capitalismo agrário, tendo geralmente como resultado ou a expulsão destes pequenos agricultores do campo ou a sua subordinação a outras formas de produção. Há, também, um processo acentuado de denúncia das atuais condições a que os povos do campo estão submetidos. Esta denúncia passa por questões como a falta de crédito, saneamento, água tratada, a atenção à saúde e à precariedade da infraestrutura.

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No que tange à educação, percebemos que há um processo acentuado de denúncia das atuais condições das escolas do campo. Foi elemento presente nas falas dos educandos e dos educadores denúncias em relação à insuficiência e precariedade das instalações físicas da maioria das escolas; dificuldades de acesso dos professores e alunos às escolas, em razão da falta de um sistema adequado de transporte escolar; falta de professores habilitados e efetivados, o que provoca constante rotatividade; falta de conhecimento especializado sobre políticas de educação básica para o meio rural, com currículos inadequados que privilegiam uma visão urbana de educação e desenvolvimento; ausência de assistência pedagógica e supervisão escolar nas escolas rurais; predomínio de classes multisseriadas com educação de baixa qualidade; falta de atualização das propostas pedagógicas das escolas rurais; baixo desempenho escolar dos alunos e elevadas taxas de distorção idade-série; baixos salários e sobrecarga de trabalho dos professores, quando comparados com os que atuam na zona urbana; necessidade de reavaliação das políticas de nucleação das escolas e de implementação de calendário escolar adequado às necessidades do meio rural, elementos estes que serão melhor desenvolvidos no capítulo 4. Estas denúncias mostram que há uma forte tendência de concentração do direito à educação, já que no campo há um déficit quantitativo e qualitativo de escolas para atender a esta demanda. Este processo vem sendo amplamente debatido pelos movimentos sociais que, articulados aos diversos povos do campo, buscam construir a educação do campo. Um exemplo é quando, analisando o papel do movimento social do campo no processo de articulação entre a luta pela educação com a devida denúncia da situação a que estão submetidos os povos do campo, Arroyo (2004) ressalta que: O movimento social do campo represente uma nova consciência do direito à terra, ao trabalho, à justiça, à igualdade, ao conhecimento, à cultura, à saúde e è educação. O conjunto de lutas e ações que os homens e mulheres do campo realizam, os riscos que assumem, mostram que se reconhecem como sujeitos de direitos (p.73).

Neste sentido, nas palavras de Arroyo podemos perceber um conjunto de elementos que constroem o movimento pela educação do campo. O mais fundamental é a assunção dos povos do campo como pessoas de direitos. Ser

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pessoa de direito significa lutar para que o Estado garanta políticas públicas que atendam em quantidade e qualidade aos anseios destes grupos sociais para que tenham uma vida baseada na experiência da cidadania.

b) A educação como processo de formação intelectual e política.

Outra característica importante da dimensão política da educação popular que é assumida pela educação do campo é o entendimento da educação como um processo que associa uma séria formação intelectual a um processo de formação política que busque criar as condições para um engajamento no processo de transformação da sociedade. Este processo parte do pressuposto de que o processo educativo não é um processo neutro. Pelo contrário. Ele é sempre envolvido de uma teleologia que busca a realização de projetos societários. Segundo Freire (2006a): o mito da neutralidade da educação, que leva à negação da natureza política do processo educativo e a tomá-lo como um quefazer puro, em que nos engajamos a serviço da humanidade entendida como uma abstração, é o ponto de partida para compreendermos as diferenças fundamentais entre a prática ingênua, uma prática astuta e outra crítica. Do ponto de vista crítico, é tão impossível negar a natureza política do processo educativo quanto negar o caráter educativo do ato político (p.23).

Esta visão é reforçada em diversos trabalhos elaborados pelo autor para discutir a sua prática educativa e a sua concepção educacional, sempre havendo um grande nexo de continuidade entre uma obra e outra. Um exemplo disto é quando Freire (2001, p. 28) afirma: “a natureza da prática educativa, a sua necessária diretividade, os objetivos, os sonhos que se perseguem na prática não permitem que ela seja neutra, mas política sempre”. Nesta perspectiva, considerando a natureza política da prática educativa, a educação popular direciona-se para que o desenvolvimento da prática educativa, no fundo, constitua-se como um processo de reconhecimento da necessidade do educando engajar-se no processo de sua libertação. É envolto neste processo de reconhecimento da necessidade da luta experienciado na prática educativa que a

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educação popular torna-se, também, um processo de formação e luta política. Nesta perspectiva Freire (1996) admite que: Uma das tarefas mais importantes da prática educativo-crítica é propiciar as condições em que os educandos em suas relações uns com os outros, e todos com o professor ou a professora ensaiam a experiência profunda de assumir-se. Assumir-se como ser social e histórico como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de amar. Assumir-se como sujeito porque capaz de reconhecer-se como objeto. A assunção de nós mesmos não significa a exclusão dos outros. É a outredade do não eu, ou do tu, que me faz assumir a radicalidade do meu eu (p.41).

Aliado a este processo de formação política dos educando, que implica a recusa da posição atribuída a ele de objeto e a assunção da posição de sujeito, a educação popular defende um processo de séria formação intelectual. Esta formação, que também é função do processo educativo, tem como base a capacidade do sujeito de, reconhecendo-se inacabado, buscar sua permanente formação. Assim, somente por meio de um engajamento intelectual, que busca no campo do pensamento entender a realidade empírica em que está imerso, que a tarefa educativa se completa. Freire (2003b), afirma que o ser humano: na sua condição de ser histórico-social, experimentando continuamente a tensão de estar sendo para poder ser e de estar sendo não apenas o que herda mas também o que adquire e não de forma mecânica. Isto significa ser o ser humano, enquanto histórico, um ser finito, limitado, inconcluso, mas consciente de sua inconclusão. Por isso, um ser ininterruptamente em busca, naturalmente em processo. Um ser que, tendo por vocação a humanização, se confronta, no entanto, com o incessante desafio da desumanização, como distorção daquela vocação (p.18).

Essa opção é assumida pela educação do campo em sua diversidade de sujeitos. Para o movimento, o sólido processo de formação intelectual deve ser acompanhado de uma rigorosa formação política que a ela se corresponda. O processo de formação intelectual deve servir como elemento estruturador da formação política assim como o processo de formação política deve ter como base uma profunda vontade de avançar em uma contínua formação intelectual. Um dos exemplos que nos permite entender esta relação pode ser extraído do Manifesto dos Educadores e Educadoras da Reforma Agrária ao Povo Brasileiro, no qual educadores(as) ligados ao MST buscam articular em um documento oficial

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do movimento elementos típicos do processo de formação política do movimento a elementos pedagógicos e intelectuais que lhes permitem o melhor desenvolvimento de suas práticas educativas. O documento assim expressa: entendemos que para participar da construção desta nova escola, nós, educadores e educadoras, precisamos construir coletivos pedagógicos com clareza política, competência técnica, valores humanistas e socialistas. (MST, 1997, item 10)

Este processo é complementado com a tentativa de segmentos do movimento de educação do campo de utilizarem esta dimensão política na tentativa de construir com os sujeitos um sujeito coletivo, tendo a característica de movimento social e que contribua no processo de fortalecimento das lutas pelos direitos sociais básicos dos povos do campo.

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3. O MOVIMENTO PELA EDUCAÇÃO E A EDUCAÇÃO EM MOVIMENTO: o processo de mobilização pela educação do campo.

A educação do campo é um projeto e um processo, devendo ser entendida pelos sujeitos individuais e coletivos como tal e disputado no seio da sociedade civil. Por isso, a sua construção só pode ser entendida como uma luta. No âmbito das políticas públicas para a educação, era corrente nos trabalhos acadêmicos e nos documentos oficiais a ideia de que o problema educacional das populações que vivem fora das cidades poderia ser resolvido com investimentos no transporte escolar e na construção de escolas multiseriadas. Esta visão era fruto do entendimento que se tinha que o problema da escola do campo decorria apenas da localização geográfica das instituições de ensino de maior porte, que ofertam os anos finais do ensino fundamental, o ensino médio e o nível superior, e a baixa densidade populacional nas regiões rurais. Como conseqüência temos, entre outras coisas, a necessidade das populações do campo percorrerem grandes distâncias entre casa e escola de maior porte ou forçar estas populações a “contentarem-se” com o atendimento de um número reduzido de alunos, geralmente com baixa qualidade no ensino, na forma de escola unidocente multisseriada. Ainda persiste a acusação de que o grande número de escolas nesta situação na zona rural são as responsáveis diretas pelo grande comprometimento do orçamento público para a educação na manutenção do então denominado ensino rural. No entanto, o que percebemos é que a luta da educação do campo é muito mais profunda do que a resolução do problema do transporte escolar e a construção de mais escolas. A perspectiva da educação popular do campo é fruto da luta política e da organização popular em defesa da educação dos povos do campo. Esta luta trás uma história de mobilizações dos movimentos sociais brasileiros por um projeto popular de nação que tem como correspondência um projeto popular de educação que atenda o interesse destes sujeitos, definido sob o rótulo genérico e expressivo de educação do campo. Essas mobilizações têm como marca a pressão dos movimentos sociais pela construção de políticas públicas e pelo reconhecimento na legislação educacional nacional do direito dos povos do campo à educação.

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Neste capítulo, nossa intenção é analisar os traços gerais dessa mobilização dos movimentos sociais por um projeto de nação e por uma perspectiva educacional. Analisaremos, também, como a legislação educacional veio sofrendo modificações para reconhecer o direito dos povos do campo à educação. Por fim, refletiremos sobre qual é a relação entre a educação popular e a educação popular do campo, buscando definir alguns dos fundamentos da educação do campo relacionada com a educação popular.

3.1 O Movimento pela Educação e a Educação em Movimento: a mobilização dos movimentos sociais pela educação do campo.

A articulação entre as lutas pela terra e pela educação será pauta presente na década de 1990, quando o Movimento de Educação do Campo passa a organizar vários encontros para discutir a proposta educativa a ser assumida pelo MST, nos acampamentos e nos assentamentos. O I Encontro Nacional de Educadores e Educadoras da Reforma Agrária (I ENERA) em 1997 foi realizado em Brasília no qual também participaram representantes da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), da Universidade de Brasília (UnB), da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). Este Encontro possibilitou que os debates sobre a educação nos assentamentos e acampamentos do MST ganhassem uma dimensão maior que a projetada inicialmente, construindo um grande movimento nacional “Por uma Educação do Campo”. No ano seguinte, em 1998, foi formada a “Articulação Nacional Por Uma Educação do Campo”, também conhecida como “Movimento Nacional Por Uma Educação do Campo”, que se constituiu em uma articulação supra organizacional, e passou a promover e gerir as ações conjuntas pela escolarização dos povos do campo em nível nacional. Um dos seus primeiros méritos foi a realização em agosto do mesmo ano da “I Conferência Nacional Por Uma Educação Básica do Campo”, em Luziânia, Goiás, com a finalidade de demarcar as opções políticas a que se vincula este movimento, afirmando seus principais atores e bandeiras, demarcando

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claramente que a luta pelo território e a luta pela educação encontram-se definitivamente articuladas. Uma primeira demarcação importante deste Movimento é a assunção do seu sujeito histórico (o camponês) e a sua definição como um sujeito social específico, na tentativa de demarcá-lo com especificidade de classe social. No texto preparatório para a I Conferência Nacional Por uma Educação Básica do Campo, Fernandes, Cerioli e Caldart (2004, p. 25) afirmam que: embora com esta preocupação mais ampla, temos uma preocupação especial com o resgate do conceito de camponês. Um conceito histórico e político, Seu significado é extraordinariamente genérico e representa uma diversidade de sujeitos. No Brasil, em algumas porções do Centro-Sul, tem a denominação de caipira. Caipira é uma variação de caipora, que vem do tupi kaa’pora, em que kaa’ significa mato e porá significa habitante. No Nordeste é curumba, tabaréu, sertanejo, capiau, lavrador... No norte é sitiano, seringueiro. No Sul é colono, caboclo... Há um conjunto de outras derivações para as diversas regiões do País: caiçara, chapadeiro, catrunano, roceiro, agregado, meeiro, parceiro, parceleiro entre muitas outras denominações, e as mais recentes são sem terra e assentado (p. 25).

No entanto, Fernandes, Cerioli e Caldart não definem o conceito de camponês, lançando mão apenas de algumas das formas de manifestação do campesinato na realidade brasileira. Uma definição mais precisa do sentido deste conceito é encontrado a partir da compreensão da unidade camponesa como elemento articulador destes diversos atores sociais em seus diferentes tempoespaços. É isto que propõe Maestri (2005) ao afirmar que: compreendemos como unidade produtiva camponesa o núcleo dedicado a uma produção agrícola e artesanal autônoma que, apoiado essencialmente na força e na divisão familiar do trabalho, orienta a sua produção, por um lado, à satisfação das necessidades familiares de subsistência e, por outro lado, mercantiliza parte da produção a fim de obter recursos monetários necessários à compra de produtos e serviços que não produz; ao pagamento de impostos (218-219).

Assim, a partir da unidade camponesa é que podemos definir o campesinato e entender porque os diversos sujeitos acima mencionados, mesmo contendo diferenças nos seus modos de viver, podem ser entendidos como manifestações do campesinato nacional. O projeto educativo definido pelo Movimento passa, então, a ressaltar o trabalho

coletivo

e

os

elementos

político-pedagógicos

que

articulem

o

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desenvolvimento pleno do educando com a formação que construa a identidade política destes sujeitos com o intuito de desmistificar as ideologias comumente difundidas sobre o campo e articular as lutas por condições dignas de vida. Esta perspectiva já está presente desde o 1º ENERA, realizado de 28 a 21 de julho de 1997, em Brasília, quando os educadores da reforma agrária afirmam no Item 10 que:

para participar desta nova escola, nós, educadores e educadoras, precisamos constituir coletivos pedagógicos com clareza política, competência técnica, valores humanistas e socialistas. (MST, 1997)

É neste Encontro que há a articulação definitiva entre a luta pela terra e o projeto de país defendido desde a década de 1980 pelo MST com um movimento mais amplo que entende que esta luta está diretamente ligada à luta por uma educação que auxilie os sujeitos na construção deste projeto. É neste momento, também, que o MST lança mão de uma opção educativa mais ampla que o próprio sujeito histórico do movimento. A articulação por uma educação do campo, mesmo nascendo com forte influência do MST, consegue aglutinar uma diversidade de movimentos e atores que buscam dar conta da diversidade do campesinato nacional. A consolidação desta relação é presente nos documentos e encontros seguintes, como por exemplo, o que ocorreu no ano seguinte, denominado de Primeira Conferência Nacional “Por Uma Educação Básica do Campo”. No documento preparatório, há a defesa veemente de uma educação do campo e uma explicação do porque do movimento articular-se em torno da luta “por uma educação básica do campo”. A defesa da Educação Básica tem dois motivos: o primeiro, é que “a escolarização não é toda a educação, mas é um direito social fundamental a ser garantido (e hoje ainda vergonhosamente desrespeitado) para todo o nosso povo, seja do campo ou da cidade” (FERNANDES; CERIOLI; CALDART, 2004, p. 24). Segundo, porque “a expressão educação básica carrega em si a luta popular pela ampliação da noção de escola pública” (ibidem, p. 24). A expressão do campo, presente no documento faz referência à necessidade da escola assumir a cultura e o trabalho local como elementos estruturadores do seu planejamento e de sua ação educativa. Mais do que uma escola que está no campo,

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a escola do campo tem que ter o seu “projeto político-pedagógico vinculado às causas, aos desafios, aos sonhos, à história, e à cultura do povo trabalhador do campo”. (idem, p. 27) A expressão Por Uma indica a necessidade de luta pela construção desta perspectiva educacional que respeite o tempo e o território camponês. Esta necessidade é apontada por que: nem temos satisfatoriamente atendido o direito à educação básica no campo (muito longe disso) e nem temos delineada, senão de modo muito parcial e fragmentado, através de algumas experiências alternativas e pontuais, o que seria uma proposta de educação básica que assumisse, de fato, a identidade do meio rural, não só como forma cultural diferenciada, mas principalmente, como ajuda efetiva no contexto específico de um novo projeto de desenvolvimento do campo. (idem, p. 27)

Neste sentido, um dos principais elementos construídos neste processo é a definição de uma perspectiva educacional que não é propriedade de assentamentos, acampamentos, povos da floresta, posseiros, meeiros ou qualquer outra denominação que possa ser dado ao homem e a mulher do campo. Não é uma perspectiva que busque desenvolver as habilidades agrícolas ou da pecuária nas crianças desde a tenra idade para que esta seja sua perspectiva inconteste de futuro. Entre 02 e 06 de agosto de 2004 foi realizada a II Conferência Nacional Por Uma Educação do Campo. Nesta conferência, que reuniu mais de mil pessoas e o documento final assinado por 32 entidades8 manifesta explicitamente como a luta pela educação do campo foi se desenvolvendo entre a primeira e a segunda conferência.

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CNBB, MST, UNICEF, Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Ministério da Educação (MEC), Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil (FEAB), Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Sindicato Nacional dos Trabalhadores Federais de Educação (SINASEFE), Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior (ANDES), Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados, Secretaria de Estado de Administração e da Previdência do Estado do Paraná (SEAP-PR), Ministério do Meio Ambiente (MMA), Ministério da Cultura (MinC), Associação dos Geógrafos do Brasil (AGB), Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED), Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (FETRAF), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Movimento de Educação de Base (MEB), Pastoral da Juventude Rural (PJR), Cáritas, Centro de Estatísticas Religiosas e Investigações Sociais (CERIS), Movimento de Organização Comunitária (MOC), Rede de Educação do Semi-Árido Brasileiro (RESAB), Serviço de Tecnologia Alternativa (SERTA), Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (IRPAA), Caatinga, Associação Regional das Casas Familiares Rurais (ARCAFAR SUL-NORTE).

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O documento final traz uma pequena caracterização das condições do campo, um conjunto de bandeiras de luta, a articulação destas lutas com a luta por um projeto popular de país e os novos caminhos para o Movimento, que já conta com um crescimento expressivo, se comparado com a primeira conferência, realizada seis anos antes. Ainda em 2004, no âmbito do Ministério da Educação foi criada a SECAD, à qual está vinculada a Coordenação Geral de Educação do Campo, que para muitos significa a inclusão na estrutura estatal federal de uma instância responsável, especificamente, pelo atendimento da demanda da educação do campo. Em 2005, de 19 a 21 de setembro, foi realizado o I Encontro Nacional de Pesquisa em Educação do Campo. Este evento foi promovido pelo MDA através do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA) e pelo MEC, através da SECAD. Este constitui-se no primeiro encontro nacional organizado com a finalidade de discutir entre pesquisadores e movimentos sociais que já vinham construindo a educação do campo o quadro nacional das pesquisas em educação do campo no país e contou com a presença de representantes de 24 unidades da federação. O debate da educação do campo caminha na perspectiva de construção de um projeto educacional que tenta respeitar a temporalidade, a cultura, o trabalho e o território do grupo em que está vinculada. Sendo assim, não é fechada ao mundo e nem acrítica a ele. É uma abertura crítica ao mundo e que disputa politicamente o projeto de futuro e não o oferece como caminho determinado. É uma perspectiva onde os sujeitos encontram-se com seus pares em seus espaços educativos para, mais do que discutir como o mundo é, discutir qual será o próximo passo para fazêlo como nós queremos, em um constante processo educativo. No Estado do Pará, apesar da presença marcante do MST em diversas ações, como na ocupação do latifúndio Rio Branco9, em 1992, do cinturão verde10, em 1994, e o latifúndio Macaxeira 11, ocupado em 1996, o MST não se tornou o 9

Latifúndio de vinte e dois mil hectares ocupado em 16 de julho de 1992 e foi desocupada imediatamente com a ação da polícia apoiada por jagunços particulares, côo comprova as denúncias do MST vinculadas nos jornais da época. 10 Segundo Fernandes (1999) o cinturão verde se constitui em uma área de aproximadamente quatrocentos e onze mil hectares de responsabilidade da Companhia Vale do Rio Doce com autorização emitida pelo Senado Federal em 1986 e que foi ocupada por cerca de duas mil e quinhentas famílias ligadas ao MST. 11 Latifúndio de quarenta e dois mil hectares, localizado no município de Eldorado dos Carajás. Foi por conta da marcha realizada pelo MST do município para Belém que, em 17 de abril de 1996, sob ordem do então

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principal sujeito da educação do campo no estado. No Pará uma série de movimentos sociais, pesquisadores e estudantes vêm levando em frente à luta pela educação do campo do Pará, vinculando a luta estadual à luta nacional. Um marco importante do início desta luta no Pará foi o “Encontro Estadual de Educação do Campo”, realizado em novembro de 2003 na Escola Agrotécnica de Castanhal. A partir deste primeiro Encontro, iniciou-se uma rede de debates e articulações para colocar em pauta no estado a questão da educação do campo. Em 2004 dois eventos se destacaram: o “I Seminário Estadual de Educação do Campo”, realizado em fevereiro de 2004 na Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA). Em 2005 o Pará teve mais dois eventos de destaque: o “II Seminário Estadual de Educação do Campo”, que conseguiu manter a periodicidade de um ano de intervalo entre o I e o II, sendo realizado em julho de 2005 no Seminário Pio X; e o “Programa Saberes da Terra da Amazônia Paraense”, que iniciou em 2005 e estendeu-se até 2008. Este Programa teve como executores a UFPA, UEPA e a União Nacional de Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME) e como agentes financiadores o MEC, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e o MDA. Qualificou cerca de 760 jovens entre 15 e 29 anos em 15 municípios do Estado do Pará12 com o ensino fundamental e qualificação profissional. As ações do Programa baseiam-se na pedagogia da alternância e no currículo integrado, organizado pelo tema gerador “Agricultura familiar e Sustentabilidade na Amazônia”. Contou, ainda, com a participação da Escola Agrotécnica de Castanhal, que foi a responsável por emitir os certificados. O ano de 2006 foi um ano de grandes desencontros para os movimentos sociais e pesquisadores e demais ativistas da educação do campo no Estado do Pará, não sendo registradas ações significativas do Movimento. No entanto, em 2007 o Movimento retoma seu vigor. Dentre as ações, destacam-se três. A primeira foi a criação do portal da educação do campo

governador do estado do Pará, Almir Gabriel, a polícia militar iniciou uma violenta ação para desocupar a PA150, no período conhecido como curva do “s”, que teve como saldo o massacre de dezenove trabalhadores sem terra, como denunciou o MST. 12

Os municípios atendidos pelo projeto foram: Juruti, Concórdia do Pará, Ipixuna do Pará, Santa Luzia, Paragominas, Viseu, Breves, Portel, São Sebastião da Boa Vista, Igarapé-Miri, Moju, Marabá, Xinguara, Medicilândia e uruará.

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paraense13 que é um espaço virtual que tem a finalidade de socializar os debates e o acúmulo sobre a educação do campo no Estado do Pará, bem como facilitar a articulação e a circulação de informações sobre a educação do campo. Neste portal é possível encontrar livros, artigos, trabalhos de conclusão de cursos, monografias, dissertações, teses, documentos, legislação e uma infinidade de notícias sobre a educação do campo no Estado do Pará. A segunda foi a realização do “III Seminário Estadual de Educação do Campo”, realizado em Junho de 2007 no Seminário Pio X. E a terceira, a realização do “I Seminário Estadual da Juventude do Campo”, no mesmo local. Em maio de 2008 foi realizado o “I Encontro de Pesquisa em Educação do Campo do Estado do Pará”, na UFPA e em 2010 o “II Encontro de Pesquisa em Educação do Campo do Estado do Pará” também na UFPA. Em 2009 foi criado o curso de Pós-Graduação Lato Sensu em “Educação do Campo, Desenvolvimento e Sustentabilidade” no Instituto de Ciências da Educação (ICED) da UFPA, para atender principalmente a estudantes e pesquisadores que já possuíam algum tipo de vínculo com a temática e que buscavam aprofundar temáticas específicas. Dentre as ações governamentais, destacam-se a realização do seminário para definir a política de educação do campo para a rede pública estadual de ensino no Pará, organizado pela Secretaria Estadual de Educação (SEDUC) em 2008, na cidade de Benevides, Pará, e a criação da Coordenação de Educação do Campo, das Águas e da Floresta na SEDUC, que é responsável pelos projetos de escolas que se assumam ligados à educação do campo. Entre as ações mais comuns no Movimento, estão as “Rodas de Conversa” e os “Cafés Pedagógicos”, que são encontros dialogados sobre temas ligados a educação do campo em espaços abertos e públicos e tem a finalidade de discutir estes temas de maneira acessível, constante e horizontal. Atualmente o Movimento Paraense de Educação do Campo é composto basicamente pelo Fórum Paraense de Educação do Campo (FPEC), Programa Educação Cidadã/Pronera, Federação dos Trabalhadores da Agricultura (FETAGRI), FETRAF, Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e o MST, entre outros. O

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http://www.educampoparaense.org

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FPEC se constitui atualmente como um fórum que reúne entidades governamentais, movimentos sociais, instituições de ensino, pesquisa e extensão e a sociedade civil. O desenvolvimento desta luta trouxe embates também no que refere à legislação educacional, sendo importante analisarmos as mudanças legais no contexto de lutas por uma educação do campo. Este processo de luta social pela garantia de uma educação do campo veio se dando na legislação geral e na legislação educacional do país, bem como, entender como as políticas públicas foram construídas. As duas primeiras constituições brasileiras, a de 1824 e a de 1891, silenciaram completamente sobre a educação do campo, não havendo qualquer tipo dúvida sobre os motivos que levaram a isso. Mesmo o Brasil se constituindo basicamente como um país agrário-exportador, a sua população camponesa era invisível ao estado no que tange aos direitos sociais. Segundo a autora do Parecer nº 36/2001 do Conselho Nacional de Educação (CNE) que institui as Diretrizes Operacionais para a Educação do Campo, o não aparecimento da educação do campo nos dois documentos evidencia “de um lado, o descaso dos dirigentes com a educação do campo e, de outro, os resquícios de matrizes culturais vinculados a uma economia agrária apoiada no latifúndio e no trabalho escravo”. (CNE: 2001, p. 03) O descrito no parecer fica evidente quando analisamos que entre essas duas constituições foi promulgada a lei de terras, que se constituiu em uma movimentação do campo conservador se preparando para as futuras transformações sociais por qual o Brasil passaria nos anos posteriores e, apenas em 1871, foi promulgação a lei do ventre livre. O campesinato brasileiro era constituído, principalmente, por pessoas vistas como “sem” direitos pelas elites tradicionais e pelo estado, como negros (livres e escravos), mulheres, pardos, índios, brancos pobres e outros. No final do século XIX ainda resistiam as grandes oligarquias agrárias e seu ideário de progresso baseado principalmente no latifúndio, na monocultura e no abastecimento do mercado externo. Esse contexto passa a mudar nas primeiras décadas do século XX, principalmente com o fortalecimento da elite industrial, a defesa do ideário desenvolvimentista que tem como uma das bases a educação e a proletarização de grandes setores do campesinato nacional.

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A educação no espaço rural é posta em pauta no Brasil pela primeira vez no início do século XX pelo setor patronal no 1º Congresso da Agricultura do Nordeste Brasileiro, realizado em 1923, e tem como marca: (a) o tratamento messiânico da elite agrária nacional para com o campesinato; (b) a tentativa de conter o fluxo migratório em direção às cidades; (c) a tentativa de aumentar a produtividade rural, que era marcada pela existência de técnicas rústicas em que a necessidade de estudos era muito limitada. (CNE, 2001) Na Constituição de 1934 há uma mudança em relação às constituições anteriores. Nela é definida ao Estado a função de financiar a educação e a educação do campo. Segundo o Parecer nº 36/2001 do CNE “no âmbito de um federalismo nacional ainda frágil, o financiamento do atendimento escolar da zona rural está sob a responsabilidade da União e passa a contar, nos termos da legislação vigente, com recursos vinculados a sua manutenção e desenvolvimento” (CNE, 2001, p. 06). Poucos elementos novos sobre o tema foram observados na constituição de 1937. Em relação à de 1946 um elemento é significativo. Retomando os princípios de 1934 e incorporando novos debates que surgiram nos 14 anos de diferença entre as duas constituições, a constituição de 1946 é marcante no que se refere à educação do campo, principalmente, na transferência de responsabilidade que ela opera, colocando a responsabilidade pela oferta de educação na zona rural às empresas privadas, desresponsabilizando o estado. Esta responsabilidade era dada às empresas industriais, comerciais e agrícolas com mais de cem funcionários e a educação deveria ser oferecida aos seus funcionários e aos filhos deles. Nos demais casos, a responsabilidade mantinha-se no estado. No entanto, a lei complementar a esta constituição, assim como aconteceu em 1937, definiu que apenas as empresas industriais e comerciais eram obrigadas a oferecer o ensino aos seus funcionários e aos filhos destes, excluindo da responsabilidade as empresas agrícolas, fato que demonstra a maneira como o estado e as elites entendem a importância da educação camponesa. Esta política vai se repetir na constituição de 1967 e só vai ser alterada na Emenda Constitucional promulgada pelo regime militar, em 1969, que passa a definir a obrigatoriedade da educação rural aos filhos dos trabalhadores que tinham entre sete e quatorze anos, sendo que esta obrigação pode ser assumida de maneira direta pela empresa ou de maneira indireta, pelo pagamento de um auxílio financeiro as famílias que recebe o nome de “salário educação”.

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Só na Constituição Federal de 1988 que é consolidada a visão do estado educador, que inicia na Constituição de 1937. A Constituição de 1988 proclama a educação como “direito de todos e dever do Estado, transformando-a em direito subjetivo, independentemente dos cidadãos residirem nas áreas urbanas ou rurais” (CNE, 2004, p. 187). Há uma diferença fundamental entre as Constituições de 1937, 1946, 1967 e a Constituição de 1988 que nos permite falar, hoje, em educação do campo. As constituições anteriores são explícitas ao definirem a responsabilidade pela educação na zona rural à iniciativa privada, mesmo que essa definição de responsabilidade não signifique obrigatoriedade, fazendo com que a maioria absoluta

das

empresas

agrícolas

desviassem

de

suas

responsabilidades

constitucionais. No entanto, esta responsabilização demonstra que o horizonte de expansão da educação na zona rural estava eminentemente ligado ao avanço do capitalismo agrário. Neste contexto, a educação não era oferecida ao camponês e sim ao proletariado rural ou ao campesinato semi-proletariado. A educação não era tida como um direito de todos os que moram no campo, como os pequenos agricultores, os coletores, os pescadores e etc., mas sim um direito dos que moravam no campo e vendiam a sua força de trabalho a uma grande empresa agrícola. Portanto, historicamente não existiram dois elementos fundamentais para a consolidação da educação no espaço agrário brasileiro: (a) a formulação de diretrizes políticas e pedagógicas específicas que regulamentassem como a escola deveria funcionar e se organizar, definindo sua estrutura, currículo e diretrizes operacionais; (b) a dotação financeira que possibilitasse a institucionalização e manutenção de uma escola em todos os níveis no espaço agrário com qualidade. Neste sentido, não há como falar em educação do campo já que este processo busca a subtração do principal sujeito da educação do campo: o camponês, que, definitivamente, não pode ser confundido com o proletariado rural. É neste sentido, que podemos definir esta visão educacional como a educação rural. Nesta perspectiva, concordamos com Fernandes (2006), quando afirma que para compreendermos:

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a origem deste conceito [educação do campo] é necessário salientar que a Educação do Campo nasceu das demandas dos movimentos camponeses na construção de uma política educacional para os assentamentos de reforma agrária (p.28).

Este debate já realizamos no capítulo anterior, mas nos permitimos voltar ao assunto para mostrar como a educação rural (e não a educação do campo) foi um elemento importante, inclusive, para as elites agrárias, construindo um arcabouço normativo próprio que teve de ser significativamente alterado com a mudança de paradigma. A perspectiva da educação do campo já pode ser vista na lei nº 9394/96, conhecida como Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) onde há o reconhecimento da necessidade de adequação da educação a vida do campo. Na LDB destacamos:

Art. 28º. Na oferta da educação básica para a população rural, os sistemas de ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente: I. Conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural. II. Organização escolar própria, incluindo a adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e as condições climáticas. III. Adequação à natureza do trabalho na zona rural.

Neste mesmo ritmo percebemos que outras legislações vêem ao encontro da demanda por uma educação do campo que respeite as comunidades locais e que integre a vida no campo como forma de garantir que os filhos dos camponeses não tenham uma educação que a todos os momentos lhe inculque ideologicamente que o caminho da cidade é o único possível para que essa população tenha uma vida digna. Também podemos perceber essa perspectiva na Resolução do CNE para as escolas do campo. Na resolução do CNE/CEB 1/2002 o CNE define que: Art. 4º. O projeto institucional das escolas do campo, expressão do trabalho compartilhado de todos os setores comprometidos com a universalização da educação escolar com qualidade social, constituir-se-á num espaço público de investigação e articulação de experiências e estudos direcionados para o mundo do trabalho, bem como para o desenvolvimento social, economicamente justo e ecologicamente sustentável.

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No entanto, mesmo havendo grandes avanços na legislação recente sobre a educação do campo é importante colocarmos em questão um elemento: a legislação atual é fruto de uma disputa intensa por projetos diferentes para o campo brasileiro representada, de um lado, pelos movimentos sociais, camponeses, igreja e outros setores progressistas e, de outro lado, pelos latifundiários, grandes produtores, oligarquias agrárias e grileiros e, assim como registrou avanços, também registrou retrocessos, como o observado nas alterações do código florestal e do índice de produtividade das propriedades agrícolas, onde prevalece na nova legislação um caráter conservador da injusta estrutura fundiária brasileira e um projeto de campo ligado aos interesses do agronegócio latifundiarista. Além dos próprios sujeitos, vem crescendo a formação de movimentos sociais e a participação de intelectuais e estudantes nesta disputa, tomando como referência o lado dos povos do campo, mesmo considerando que uma parcela significativa das universidades, a partir de suas políticas, intelectuais, estudantes e o conhecimento produzido ainda esteja visceralmente ligada ao projeto de modernização conservadora do campo que é construído sobre bases latifundiaristas. Nessa disputa, ainda há no campo um déficit e cidadania muito acentuado, marcado pela omissão do estado em garantir a integridade dos direitos sociais e humanos que vem gerando como consequência a exclusão da escola de gerações e gerações de trabalhadores do campo. Isso fica evidente quando analisamos os indicadores nacionais sobre a educação no campo e, em especial, sobre a educação no campo na Amazônia, como evidência o capítulo seguinte.

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4. A EDUCAÇÃO POPULAR DO CAMPO EM COMUNIDADES RIBEIRINHAS: REALIDADE CAMPONESA NAS COMUNIDADES RURAIS-RIBEIRINHAS E O TRABALHO EDUCATIVO DO GETEPAR-NEP.

Quando analisamos o caso brasileiro, percebemos que a realidade vivenciada pelos povos do campo é, em geral, marcada por uma grande precariedade no que tange aos direitos sociais básicos. Questões como a precariedade ou até mesmo a falta de assistência à saúde, o acesso e a permanência à escola, a assistência social, o saneamento básico, a proteção ao trabalhador e a habitação são nós que ainda não foram desatados. Neste contexto, há a produção da invisibilidade social dos povos do campo, sendo que em sua grande maioria só poderiam ser reconhecidos como sujeitos plenos de direito na medida em que fossem aos centros urbanos para terem acesso aos serviços prestados pelo Estado. Infelizmente a realidade amazônica, e em especial a realidade das comunidades analisadas, não foge desta regra. Nelas, estão presentes com grande intensidade as marcas históricas do processo de estruturação e reestruturação do espaço amazônico, assim como as marcas do papel destinado ao campo e aos povos do campo na sociedade brasileira e na sociedade paraense. Neste contexto, para nos aproximar da realidade destas comunidades, cabe perguntarmos qual é a dinâmica da estrutura sócio-espacial presente nestas comunidades e qual é o seu papel no desenvolvimento das práticas sociais cotidianas destes sujeitos? A aproximação território, trabalho e temporalidade serão os nossos elementos de referência na dinâmica sócio-espacial.

4.1 Trabalho, território e temporalidade na formação das comunidades ruraisribeirinhas: o caso do “São Bento”, do “São José do S” e da comunidade “Jesus por Nós”. As comunidades “São Bento” (ou simplesmente Bento, como tratam os moradores), “São José do S” (ou simplesmente “S”) e “Jesus por Nós” fazem parte

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do espaço agrário do município de São Domingos do Capim, localizado no nordeste paraense. (ver mapa 1 – mapa de localização). MAPA 01 – Município de São Domingos do Capim.

Fonte: LAIG-UFPA

O município hoje possui uma área territorial estimada em 37.612 km2 e faz fronteira com os municípios de São Miguel do Guamá (ao norte), à Irituia (ao leste), à Mãe do Rio (ao Sudeste), à Aurora do Pará (ao sul), à Concórdia do Pará (ao sudoeste) e à Bujarú (ao oeste) Atualmente, segundo o resultado preliminar do censo realizado no ano de 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o município conta com 29.827 habitantes, dos quais aproximadamente 22,12% (cerca de 6.599 habitantes) encontram-se na área urbana do município, conhecida pelos moradores como a “cidade” e os outros 77,88% (cerca de 23.228 habitantes) ocupam a área rural, denominada pelos moradores locais como “interior”.

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Uma das primeiras dificuldades que estas comunidades encontram é no que tange a própria localização pela ausência de um mapa que represente fidedignamente o local onde elas estão instaladas. As comunidades analisadas localizam-se a sudoeste da cidade sendo que a primeira, a comunidade “São José do S”, localiza-se entre 1 hora e 1 hora e 30 minutos de navegação14 em direção à montante do Rio Capim, partindo da sede do município de São Domingos do Capim, onde encontramos o ramal 15 em terra firme, que leva às três comunidades (Imagem 01).

Imagem 01 – Ramal que leva às comunidades “São Bento”, “São José do S” e “Jesus por Nós”

Fonte: trabalho de campo, maio de 2010. Foto: Adolfo O. Neto

A partir do rio em direção à comunidade do “São Bento”, que é a mais próxima, soma-se cerca de 1 hora de caminhada em estrada de terra, onde a

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Optamos por colocar o tempo do percurso porque é pelo tempo que os moradores locais costumam mensurar as distâncias. 15 Ramal, para estas comunidades, é uma pequena estrada de terra batida no meio da floresta.

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paisagem que prevalece é a mata, entrecortada por capoeiras16, pequenas roças e grandes fazendas improdutivas, demarcando claramente um conflito não somente em relação ao mundo do trabalho entre pequenos agricultores de características camponesas e fazendeiros, mas também em relação ao modo de apropriação do solo, da floresta dos animais e do rio, assim como de todos elementos simbólicos que envolvem esta relação. A comunidade do “São Bento” localiza-se na mesma estrada da comunidade do “São José do S”, sendo que se soma ao percurso inicial cerca de 1 hora e 30 minutos de caminhada a partir daquela. Enfoca-se aqui a navegação e a caminhada como mensuradores da distância e do tempo pelo fato de serem os meios de transportes mais utilizados pelos sujeitos que vivem nestas comunidades. Partindo da Comunidade do “São Bento” em direção à comunidade “Jesus por Nós” soma-se, aproximadamente, mais 30 minutos de caminhada. Esta caminhada é feita em estradas que se encontram em situação precária, devido ao completo descaso do poder público, principalmente em relação às estradas que levam da beira do rio capim até as comunidades, como é o caso do ramal das Comunidades do “Bento”, do “S” e de “Jesus por Nós” No que tange aos ramais que ligam o centro da comunidade as roças, a situação não é diferente. Como a manutenção é feita manualmente pelos próprios moradores, já que as comunidades não possuem máquinas pesadas, em geral, a situação destes ramais encontra-se precária, com grandes pontos de atoleiro no período chuvoso e com a vegetação dificultando a passagem, como mostra a imagem 02. Estas características são típicas do espaço rural amazônico formado até a primeira metade do século XX, onde a ocupação do território deu-se margeando os grandes rios que cortam a região e a população foi fixando-se mata a dentro para o desenvolvimento de atividades agrícolas e extrativas, formando o sujeito regional tido como caboclo, que possui grande conhecimento sobre a vida amazônida em locais de floresta em pé.

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Capoeira é o nome dado pelos moradores locais para as áreas de vegetação em regeneração.

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Imagem 02 – Ramal que liga a comunidade “São Bento” as roças dos moradores.

Fonte: trabalho de campo, maio de 2010. Foto: Adolfo O. Neto

A formação histórica do município de São Domingos do Capim está diretamente ligada ao processo de colonização pelo qual o vale Amazônico passou durante o transcorrer dos séculos XVI, XVII e XVIII. Segundo Rodrigues e Mota Jr. (2008, p. 22): Sob o nome inicial de São Domingos da Boa Vista e a categoria de povoado, a construção histórica deste espaço geográfico fez parte do plano político de ação maior idealizado e levado a cabo pelo primeiro ministro português José Sebastião de Melo e Carvalho, o marquês de pombal.

Este projeto, no entanto, segundo Rodrigues e Mota Jr. (2008) foi executado pelo seu irmão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, que com mãos de ferro, descia os rios da região do vale amazônico demarcando a presença portuguesa no domínio do território, colonizando índios e construindo bem feitorias na tentativa de inibir a entrada de estrangeiros nos solos pouco conhecidos e pessimamente explorados e guardados pela coroa ibérica.

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O processo de colonização da Amazônia tinha uma visão eminentemente territorial e possuía quatro grandes objetivos: fortificar, delimitar, povoar e desenvolver o território. Para a execução destes objetivos, três grandes eixos basearam o processo de colonização, sendo o eixo religioso, o eixo militar e o eixo econômico. Este processo demarca a importância da associação entre o Estado Português e a igreja no processo de conquista do território do novo mundo, ambas associadas a fim de garantir os interesses da coroa e da burguesia portuguesa. Um ano antes de acabar o governo do Marquês de Pombal sobre as províncias do Grão-Pará e Maranhão, no ponto de encontro dos rios Guamá e Capim, Mendonça Furtado ergue o povoado que em 1833 passaria para a categoria de Freguesia por conta da nova forma de divisão interna do estado do Grão-Pará. Sobre a formação da população local Rodrigues; Mota Jr. (2008, p. 25) afirmam que: a ênfase nos casamentos mistos como estratégia de povoamento possibilitou a formação de uma população mestiça de várias matizes. (...) O biótipo característico do ribeirinho amazônico e seu modo de vida, como percebemos nas comunidades ribeirinhas de São Domingos do Capim, são frutos da mescla de indivíduos de etnias e culturas diferentes que conformaram o processo histórico de formação territorial e populacional,

Isso demarca a emergência de uma sócio-diversidade ampla e complexa, impossível de ser generalizada através do contexto amazônico, mesmo que a forma de ocupação do território e povoamento possa ter características semelhantes. Nas comunidades analisadas, é marcante a presença de características típicas de comunidades rurais e de comunidades ribeirinhas, ficando na fronteira entre estes dois conceitos, mesmo que hora aproximando-se mais de um, hora aproximando-se mais de outro. O Rio é uma presença constante na estruturação da vida social. No entanto, a principal forma de trabalho dos sujeitos é a produção da farinha de mandioca (Imagem 03), sendo que a maioria do tempo dedicado ao trabalho é dispensado nas roças que são feitas na mata, o que faz com que eles tenham forte ligação com a agricultura, mesmo tendo grande ligação com o extrativismo e com a caça, que são desenvolvidos sem fins comerciais.

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Imagem 03 – Produção da farinha de mandioca.

Fonte: trabalho de campo, agosto de 2010. Foto: Adolfo O. Neto

A produção da farinha é feita em “casas de farinha” que podem ser comunitárias, servindo a todos, ou privadas, sendo de propriedade de uma família ou de alguns membros da comunidade. Para Corrêa (2008, p. 30), “nessas comunidades, as relações de produção centram-se predominantemente na agricultura, no cultivo da mandioca, sendo a produção da farinha a atividade propulsora da economia, geradora da renda delas”. No “São Bento”, no “São José do S” e no “Jesus por Nós”, além do cultivo da mandioca e da produção da farinha outros cultivos complementares são feitos, no entanto, geralmente sem fim comercial, como o caso do milho. Há também uma grande ligação destas comunidades com o extrativismo (açaí, buriti e etc.) e com a caça, que serve de elemento complementar para a alimentação das famílias e de momento de diversão. A casa de farinha se constitui como o principal núcleo de produtivo das comunidades e possui características semi-industriais onde predominam técnicas

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aprendidas a partir de anos de experiência com a produção da farinha associadas algumas alterações tecnológicas. O trabalho, geralmente, é feito de forma cooperada a partir da parceria, onde um sujeito ajuda o outro a aprontar a sua produção para que, ao final, ele possa ser ajudado na sua. Além de núcleo produtivo, a casa de farinha constitui-se como um importante núcleo social, cultural e pedagógico, sendo um dos principais elementos de estruturação da vida social das comunidades, estando presente desde cedo no imaginário, no trabalho e nas práticas sociais cotidianas dos sujeitos das comunidades, inclusive das crianças que crescem tendo a casa de farinha como um dos contextos de diversão e de aprendizagem permanente (Imagem 04). Imagem 04 – Casa de farinha.

Fonte: trabalho de campo, agosto de 2010. Foto: Adolfo O. Neto

Em geral, o escoamento da farinha de mandioca produzida nas comunidades se dá de duas maneiras: uma maneira é quando ela é vendida por um preço abaixo do que é pago pelo produto na sede do município ao atravessador, geralmente

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conhecido como “marreteiro” (Imagem 05), que vem até as comunidades comprar a produção e leva para vender em outras cidades mais distantes, onde o preço pago pela farinha é maior. ou os produtores agrupam-se em pequenos grupos, alugam um pequeno barco e levam a farinha para ser vendida na sede do município (Imagem 06), geralmente em uma feira que se forma aos finais de semana no porto da cidade (Imagem 07). Imagem 05 – Veículo de um atravessador de farinha de mandioca.

Fonte: trabalho de campo, agosto de 2010. Foto: Adolfo O. Neto

Neste caso, o preço pago é menor. No entanto, não há o desgaste físico gerado pelo transporte do produto até a cidade e não há a necessidade de ficar horas na beira do cais para vender o produto. Esta alternativa é fruto, principalmente, das péssimas condições em que se encontram as estradas e da dificuldade de transporte para levar o produto até a margem do rio e, de lá, até a cidade, onde teriam uma remuneração maior pelos

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seus produtos. Um dos momentos em que percebemos isto foi quando na reunião de membros da comunidade Jesus por Nós, os sujeitos relataram que:

A maior dificuldade pra nós aqui é o transporte. Agente luta com esse negócio, lavrando o campo e se acaba aqui mesmo porque não tem como agente sair lá fora. Não vende porque... tem vender aqui mesmo porque não tem como agente sair pra fora. A produção agente tem que vender aqui pro dono do carro, porque se agente tiver 30 pacotes, vamos dizer, pra vender lá em são domingos, ai ele agarra no frete, bem dizer, com tudo na farinha ai não dá lucro. A dificuldade maior é essa parte do transporte. No caso, pra gente sair daqui pra são domingos de pé, tem que sair 3h da madrugada. (Informação oral obtida em reunião na comunidade Jesus por Nós) Nada, nada, é umas 3h de tempo daqui pra lá (beira do rio capim) ou mais. Andando devagar é mais. A minha esposa anda devagar. De casa até lá na beira do rio é quatro horas de viajem. Quatro horas de viajem, ela puxando, diz ela. Quatro horas de relógio. (Informação oral obtida em reunião na comunidade Jesus por Nós) A segunda possibilidade de escoamento da produção é quando os produtores da comunidade se agrupam em uma quantidade que lhes permitam compartilhar o transporte da farinha da comunidade até a beira e de lá alugam um pequeno barco que leva a farinha para ser vendida na sede do município (Imagem 06). Imagem 06 – Barco carregado com a produção de farinha para comercializar na sede de São Domingos do Capim.

Fonte: trabalho de campo, agosto de 2010. Foto: Adolfo O. Neto

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A produção geralmente é comercializada em uma pequena feira de produtores que se forma aos finais de semana no cais da cidade (Imagem 07), onde os agricultores trazem sua produção (farinha, banana, abacaxi, melancia, bichos). A venda dos produtos na sede se constitui como uma alternativa para conseguir uma renda melhor, já que a maioria das famílias da região vivem com uma renda baixíssima, fato que pode ser comprovado pela fala da educanda Regina ao relatar que “trabalho com 75 famílias. 60 famílias recebem bolsa família”. Imagem 07 – Local aonde os pequenos agricultores vindos do espaço agrário do município comercializam a sua produção.

Fonte: trabalho de campo, agosto de 2010. Foto: Adolfo O. Neto

No segundo, o valor recebido pela farinha é bem superiores aos observados no primeiro. É neste espaço, também, que os agricultores costumam comprar os elementos básicos para a subsistência, como o combustível (para o motor da comunidade e para as motos), gêneros alimentícios que não produzem, velas,

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fósforos, produtos de higiene pessoal e etc. Nas próprias comunidades ainda é comum a presença da taberna, que se constitui em um local onde é comercializado os estes produtos de maneira fracionada e por um preço bem acima do praticado na cidade. É comum, ainda, nas relações comerciais a existência das relações de confiança, onde os membros da comunidade pegam alguns produtos fiado17 e seus débitos vão parar no caderno18. Como as comunidades do “Bento”, do “S” e do “Jesus por Nós” localizam-se distantes do rio Capim, a sua relação é mais forte com os igarapés que as entrecruzam do que com o próprio rio. Os igarapés são o local onde as comunidades desenvolvem atividades de lazer, trabalho, higiene pessoal, lavam as roupas, lavam algumas louças e coletam água para diversas atividades, que vão desde o consumo animal até o consumo humano. Em algumas comunidades, como na comunidade do “Bento”, há uma caixa d’água localizada no centro da comunidade e que é de uso coletivo. Nela há um pequeno espaço feito de madeira e que vai do chão até, aproximadamente, 1,65m e é destinado para tomar banho, sendo o único chuveiro de toda a comunidade. Há, ainda uma torneira que geralmente é utilizada para lavar algumas roupas e uma pia, onde alguns moradores lavam louças. Esta caixa d’água é abastecida por uma bomba que retira água de um poço artesiano e é movida à energia do gerador da comunidade, criando um “padrão de conforto” que não existe nas outras duas comunidades analisadas. Nesta comunidade, em geral, a água utilizada para lavar louça, cozinhar e beber é retirada diretamente do igarapé, mesmo ele encontrando-se, atualmente, com problemas que podem ser observados a olho nu, como o assoreamento, a turvação da água e o pequeno volume que na parte represada pela comunidade gera um pequeno lago com água quase que parada, como mostra a imagem 08. Nas comunidades “Jesus por Nós” e “São José do S” a situação mesmo sendo um pouco melhor, também é precária. Nestas comunidades toda a água utilizada é retirada diretamente do igarapé, que em ambas também estão assoreados. A diferença é que nestas comunidades o volume de água é um pouco

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Termo muito comum na região para designar a compra feita a prazo baseada em relações de confiança, onde quem compra se compromete a pagar em um prazo extremamente flexível e previamente negociado. 18 Geralmente os débitos são anotados em um caderno onde cada página é destinada a um núcleo familiar ou a um responsável pela dívida.

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maior, o que permite aos sujeitos ter uma água sem os problemas de estar parada durante muito tempo. Imagem 08 – Igarapé da Comunidade do São Bento

Fonte: trabalho de campo, agosto de 2010. Foto: Adolfo O. Neto

O modo de vida dessas populações que se encontram nas comunidades ribeirinhas da zona rural do município permite que nos a consideremos como populações tradicionais. Este conceito, segundo Conceição e Maneschy (apud NEP, 2004, p. 12), pode ser entendido como referindo-se: a categorias sociais típicas da região – como o ribeirinho, o caboclo, o pescador, o vaqueiro, o seringueiro, o coletor de castanha, o marreteiro, o regatão e etc. Em uma perspectiva sociológica, é necessário evidenciar, na ligação que mantém com os ecossistemas, seu dinamismo social próprio, em contraposição as representações recorrentes de marasmo, indolência e rudimentarismo tecnológico.

No entanto, cabe ressaltar que mesmo sendo um espaço rico ecológica, social, antropológica e pedagogicamente, as comunidades rurais ribeirinhas de São Domingos do Capim, e em especial as estudadas nesta dissertação, possuem

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grandes carências infra-estruturais, o que demarca o desrespeito com que o poder público local trata essas comunidades. Corrêa (2008, p. 30) analisando a realidade destas comunidades afirma que elas “apresentam traços característicos afins e heterogêneos, que desenham suas paisagens identitárias sociais, culturais, políticas, econômicas e ambientais num mapa amplo e complexo que caracterizam as sociedades rurais amazônicas”. Mesmo assim, a (falta de) atenção dispensada para as comunidades por parte do poder público é um dos elementos potencializadores das dificuldades encontradas pelos sujeitos. Do ponto de vista infra-estrutural podemos afirmar que a situação destas comunidades é precária. Inexiste nestas comunidades saneamento básico, sendo que as fossas são feitas no terreno das residências. Não há água tratada e a água utilizada para beber e para o preparo de alimentos é tirada do Igarapé ou do rio, sem receber o tratamento adequado. Em relação à saúde, não há posto de saúde nestas comunidades, a atenção é feita pela ação de uma Agente comunitária de Saúde (ACS) que atende diversas comunidades e que, de tempo em tempo, passa na comunidade. Qualquer atendimento que necessite de maior atenção tem que ser feito no posto de saúde da sede do município. Se for um caso de maior complexidade, o paciente deve ser removido para o município de Castanhal ou Belém. Em relação à energia elétrica, estas comunidades estão inseridas no programa nacional de eletrificação rural e ainda hoje aguardam o início das obras que no cronograma inicial da concessionária de energia deveriam ter sido concluídas no ano de 2008. Atualmente, na comunidade do “São Bento” e do “S” a energia é oriunda de geradores movidos a diesel (Imagem 09) que são mantidos (assistência técnica e combustível) pela comunidade. Ele é ligado manualmente pelos próprios sujeitos que geralmente são adolescentes ou adultos e é distribuída por uma pequena rede improvisada pelos próprios moradores, não indo muito além dos domínios do centro da comunidade. Na comunidade “Jesus por Nós” não há energia elétrica, sendo que ela é a mais próxima da rede de distribuição o que, provavelmente, poderá levar a ser a primeira a ter energia fornecida pela concessionária de energia.

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Imagem 09 – Gerador de energia da comunidade “São Bento”.

Fonte: trabalho de campo, maio de 2010. Foto: Adolfo O. Neto

O combustível é de responsabilidade da comunidade e o gerador geralmente é posto em funcionamento apenas quando seca a caixa d’água da comunidade e no início da noite, para iluminar a comunidade e para que as pessoas assistam a televisão em seu horário de descanso. Alguns agricultores estão comercializando madeira nativa, sendo que estes são os que geralmente moram próximo as comunidades, mas não “fazem parte”, recebendo forte crítica dos demais justamente pelos problemas ambientais que criam, geralmente relacionados ao enfraquecimento do solo, diminuição das áreas de mata, diminuição da fauna e alteração da harmonia da comunidade. Esta atividade é dirigida por madeireiras ilegais que vem aumentando a sua atuação na região.

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Geralmente elas abrem pequenos caminhos na floresta nativa, conhecidos como trilhas, buscando apenas alguns tipos de madeira (geralmente madeira nobre) e em determinados estágios de desenvolvimento. Ao contrário do que possa parecer, esta prática está longe de representar uma prática sustentável. Tem como característica a precarização completa do trabalho, já que as pessoas recrutadas para tais atividades ganham por produção e não possuem qualquer tipo de proteção formal aos seus direitos como trabalhador. A partir destas pequenas trilhas são abertas clareiras na mata nativa que se localizam, por vezes, a quilômetros de distância da estrada em que elas são escoadas, O transporte da madeira do seu local de corte até a estrada é feita por tratores e a única maneira de se reconhecer estes pontos na mata é a partir do ponto de apoio que estas madeireiras constroem nas estradas para depositar a madeira até a passada do caminhão, como demonstra a imagem 10. Imagem 10 – Ponto de apoio para extração ilegal de madeira nobre.

Fonte: trabalho de campo, maio de 2010. Foto: Adolfo O. Neto

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Também vem crescendo próximo das comunidades a quantidade de grandes fazendas (Imagem 11). Estas fazendas geralmente têm a finalidade agrícola, mas a sua maioria é improdutiva. A produção de gado ainda não avançou na região principalmente pela dificuldade de escoar o rebanho, devido à precariedade e a quase inexistência de estradas na zona rural do município. Imagem 11 – Fazenda localizada a beira do Rio Capim.

Fonte: trabalho de campo, maio de 2010. Foto: Adolfo O. Neto

Mesmo assim, é possível de se observar com grande facilidade os conflitos que vem sendo gerados nas comunidades devido a este avanço. Em um dos casos mais emblemáticos, um fazendeiro que se instalou na região comprou diversos terrenos de pequenos agricultores de forma que, atualmente são de propriedade deste fazendeiro ambos os lados de um ramal que liga uma comunidade à outra. Sobre a questão, os moradores da comunidade “Jesus por Nós” afirmam que:

Varou um fazendeiro ai... esse dias não tenham vendido, mas um dia atrás... a maior parte que tu vem do São Bento, ai, abeirando o lado de lá

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até aqui, até onde tem energia é do fazendeiro, a maior parte. Lá do São Bento. Ai tem alguns terrenos que tão no meio, só tem três que tão no meio. O resto venderam tudo de lá pra cá. (depoimento oral na reunião da comunidade Jesus por Nós) Nesta localidade, outro fato marcante é que com a saída dos sujeitos que moravam na região, a antiga escola foi destruída e a casa do zelador foi completamente abandonada, como mostra a imagem 12. O que resta atualmente são apenas as marcas do cimento no chão da antiga escola e ao fundo uma casa completamente abandonada que servia de moradia ao antigo zelador da escola. À esquerda, já que se que completamente tomado pelo mato, temos o antigo ramal. Imagem 12 – Local da antiga escola.

Fonte: trabalho de campo, agosto de 2010. Foto: Adolfo O. Neto

Na região, com o avanço da energia e a partir do incentivo de empresas de combustíveis, como a Petrobrás, vem crescendo a especulação em torno da terra para a produção de dendê, matéria prima para o biocombustível, e para a criação de

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gado.

Após a compra da terra, os sujeitos são completamente ignorados. As

fazendas avançam na região sem que os sujeitos locais tenham, sequer, noção da finalidade que será dada para a terra. como fica evidente quando os moradores da comunidade “Jesus por Nós” afirmam que:

Olha, não sei se é fazenda, se é dendê, uns já ouviram falar que ele vai vender pro cara do dendê, outros dizem que é fazenda, mas acho que ele tá mais de olho na fazendo porque ai pra frente tem energia e já é fazenda. (Informação oral obtida em reunião com membros da comunidade Jesus por Nós) Quando comparamos a forma e os objetivos de utilização do espaço dos fazendeiros que vem se instalando na região com a dos pequenos agricultores, percebemos que ambas são antagônicas, demarcando claramente um conflito de territorialidades. Enquanto os fazendeiros pautam-se na lógica do lucro, utilizam-se mão-de-obra assalariada, semi-assalariada ou análoga a escravidão e tem na sua propriedade reserva de capital, os sujeitos rurais-ribeirinhos pautam-se na lógica do convívio e do respeito ao próximo e a natureza. Suas ações são balizadas por uma ética que tem como base a sustentabilidade ambiental e a justiça social. A expansão das fazendas geralmente agride as comunidades, seja pela retirada da floresta, seja pela diminuição da caça, fazendo com que muitos agricultores lancem mão de um novo ramal na mata em busca de outro terreno onde possam construir uma nova casa e cultivarem uma nova roça, fato este que está na origem de muitas das atuais comunidades. O resultado mais imediato é o êxodo rural, onde os sujeitos mudam para a cidade tentando se instalar com o pouco dinheiro obtido com a venda da terra. Este processo, mesmo tendo acontecido alguns casos na região, é amplamente questionado pelos membros da comunidade. Segundo eles, quando vendem a terra:

Uns vão pra cidade, outros ficam andando prum lado, pro outro, ficam trabalhando no terreno de um, de outro. Como sempre eu digo: tem esse meu compadre aqui que tem área dele. Tá tudo dividido. Ai eu vejo falar que vai vender a área dele, pra ir pra outro lugar. Eu digo: o, meu compadre, não faça isso. Fique no seu lugar que você foi nascido e criado aqui, não faça isso que pra você vender... vender não! Dá de presente, né. Ai pra onde ele vai? Chega lá e não da certo, aqui ele sabe. Ele foi nascido e criado aqui então ele sabe como é o esquema do pessoal, Conhece tudinho, mas pra ir pra outro lugar não

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conhece, né. Ai fica ruim pra gente. (Informação oral obtida em reunião com membros da comunidade Jesus por Nós) Nesta perspectiva, os sujeitos revelam uma ligação entre eles e o próprio espaço, a partir da identificação do espaço como um elemento constitutivo do próprio sujeito, a partir de sua história, hábitos, cultura, trabalho, cotidiano e etc. Ainda debatendo o êxodo rural, o educador André afirma que:

acontece o seguinte. É que as pessoas são iludidas por outras pessoas, porque: ah, na cidade tem energia, tem água gelada, tem televisão, tem alimentação próxima, você não faz tanto esforço. Isso é o que a pessoa pensa. É uma fantasia que ela põe na mente que depois quando ela cai, ela vende a sua terra e quando vai pra cidade e ve que a realidade é outra e querem voltar, infelizmente não tem mais volta porque venderam, venderam não, deram a sua terra, a preço de banana. (...) São várias pessoas que cometeram o erro de mudar daqui pra cidade, né porque muitos, tem o caso de uma senhora que tinha os filhos todos trabalhadores, que já tavam construindo as suas famílias, que já estavam trabalhando bem no terreno, ai o que que aconteceu? Foram pra cidade, se meteram com pessoas, não tinha trabalho para eles, porque eles não tinha o estudo adequado, não tinha mesmo como sobreviver, se meteram no caminho das drogas, venda, consumo, e tudo mais, sendo que um ainda ta preso, outros estão foragido, se meteram com traficantes, querem assassinar ele a qualquer custa e tá escondido, sabe deus por onde, então, essa consequência de um planejamento errado. Um pensamento importuno colocado na cabeça dessas pessoas que se deixaram iludir, achando que lá é melhor. Eu não considero lá melhor, claro que lá tem coisas melhor do que aqui. Mas aqui tem uma vida tranquila ainda, graças a Deus que aqui é normal. Um elemento importante foi muito comum nas falas é que muitos sujeitos abandonam as comunidades para os seus filhos estudares ou por questões infraestruturais, como energia, água e transporte sem, no entanto, romper os laços afetivos com a comunidade, como revela a educanda Diana ao afirmar que:

a maioria dessas pessoas, eu tenho certeza. Se essa energia chegar aqui eles vão voltar para o São Bento. Escola, energia. Eu tenho certeza que o povo que já foi vai voltar para o São Bento. Tão pra São Domingos. Levar filho pra estudar... Se estas duas coisas acontecer, eles voltam. Ai a comunidade fica assim, mais pessoas, por causa disso [falta de escola e energia] ta fraquinha a comunidade. (Diana – comunidade “São Bento”)

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Um dos elementos que preocupa os sujeitos em relação a terra é a faltas de títulos, devido a pouca importância que os sujeitos atribuem a questão, como destaca a educanda Diana ao afirmar que “nem todos tem o documento. Fizeram o processo, devem ter alguma declaração, né, mas título mesmo, definitivo, não tem. E os que pegaram mesmo esse título, também nem foram reconhecer”. Os que não se dirigem à cidade buscam novos terrenos mata adentro. No entanto, quando os sujeitos entram na mata, se deparam com novos problemas. Entre eles está o isolamento e a ampliação de problemas que haviam parcialmente sido resolvidos na comunidade, como a falta de infra-estrutura, a falta do título de propriedade e a dificuldade de acesso aos serviços básicos (saúde, educação energia e etc.) Outro ponto comum é a forte religiosidade católica das comunidades, como marca de um processo histórico de colonização pelo qual a região amazônica passou durante os séculos XVII e XVIII, sendo que um dos elementos fundadores do próprio município de São Domingos é a igreja católica, construída na junção do Rio Guamá com o Rio Capim para demarcar todo o poder da igreja no processo de colonização amazônica (imagem 13). Imagem 13 – Igreja construída no encontro do Rio Capim com o Rio Guamá que deu origem à cidade.

Fonte: trabalho de campo, agosto de 2010. Foto: Adolfo O. Neto

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Analisando a religiosidade de membros de comunidades ribeirinhas que já participaram do trabalho educativo do GETEPAR-NEP, Oliveira (2008b, p. 55) admite que “a religiosidade é manifesta pelos educandos por meio da referência a alguns atos que estão associados à sua religião”. Para Mota Neto e Mota Júnior (2008) algumas das manifestações religiosas que são elementos constitutivos da vida religiosa destes sujeitos são a celebração dominical, as festas de santos, as crenças e os ritos de origem ameríndia e as atitudes/gestos religiosos nas práticas sociais cotidianas. Além destes elementos ligados a manifestação religiosa na vida dos sujeitos, podemos destacar como elementos coletivos a dimensão histórica e a dimensão espacial em que se manifesta esta religiosidade. Do ponto de vista histórico, é comum a denominação destas comunidades a partir de elementos religiosos, que podem ser nome de santo, como no caso do São Bento, festividade religiosa, elemento sagrado, como a comunidade da Santíssima Trindade, ou expressão da fé, como a comunidade “Jesus por Nós”. É interessante destacar a relação entre a religiosidade e a realidade dos sujeitos expressa, por exemplo, no nome da comunidade “São José do S”, onde temos o nome formado pela junção de um nome de santo (São José), com um elemento espacial, no caso o formato da estrada (formato de “S”). Do ponto de vista da educação, temos que nas comunidades do espaço agrário do município o ensino fundamental é predominantemente oferecido pela prefeitura na forma multisseriada, sendo comum a presença do professor leigo ou do professor sem a formação adequada (apenas com o ensino fundamental ou médio). No entanto, as atividades de EJA não são desenvolvidas pelo poder municipal. Esta carência é parcialmente suprida pelas ações de entidades, ONG, sindicatos e a igreja que organizam trabalhos educativos, como por exemplo, o trabalho desenvolvido pelo NEP. A precariedade das condições de ensino observados no espaço agrário do município explica em parte o fato de o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) dos anos iniciais do ensino fundamental do município do ano de 2007, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Educacional (INEP), ser menor que a média estadual e quase a metade do índice nacional, mesmo o município tendo

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registrado uma pequena melhora em relação ao ano de 2005, como demonstra o gráfico 01. Gráfico 01 – Comparativo entre o Índice de desenvolvimento da Educação Básica do município de São Domingos do Capim, do Estado do Pará e do Brasil nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

IDEB dos anos iniciais do Ensino Fundamental

í n d i c e

4,2

3,8

4,5 4 3,5

2,8

3

2,8

2,5 2 1,5

2,3

2

1 0,5 0 2005 2007 São domingos do capim

Pará

Brasil

Fonte: INEP

Mesmo este índice não fazendo referência entre as diferenças existentes na atenção dispensada pelo poder público para o espaço agrário e para o espaço urbano do município, dados do Censo Nacional da Educação de 2009 referentes às matrículas no município demarcam que isto é devido, sobretudo, as precárias condições das escolas da zona rural do município, já que, no que se refere ao número de matrículas nas séries iniciais, os números das escolas da zona rural são muito superiores ao número de matrículas registrados nas escolas localizadas na sede do município, como demonstra o gráfico 2.

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Gráfico 2 – Número de matrículas nas séries iniciais do ensino fundamental na área urbana e área rural de São Domingos do Capim por tipo de estabelecimento educacional.

Matrículas nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental 14% Municipal - Rural Estadual - Rural Municipal - Urbana 17% Estadual - Urbana

64% 5%

Fonte: INEP

Em relação aos anos finais do ensino fundamental a situação do espaço agrário do município e, em especial, a realidade das comunidades analisadas é mais preocupante ainda, principalmente por não haver o atendimento desta demanda na maioria das comunidades fazendo com que as crianças, jovens e adultos tenham de se deslocar para a sede municipal. Em relação à organização das escolas do espaço rural do município, a maioria delas oferecem o ensino fundamental de 1ª a 4ª série são formadas, exclusivamente, por turmas multisseriadas ou unidocentes. Essas turmas têm um único professor que ministra o conteúdo relativo às quatro séries iniciais do ensino fundamental e entre as principais dificuldades enfrentadas pelas escolas multisseriadas estão, de um lado, a precariedade da estrutura física e, de outro, a falta de condições e a sobrecarga de trabalho dos professores, condição que se repete nas escolas das comunidades analisadas, como mostra a imagem 14.

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Imagem 14 – Escola multisseriada em pleno funcionamento.

Fonte: trabalho de campo, maio de 2010.

Levando em consideração a infra-estrutura das escolas, o tamanho é um dos elementos que consegue mostrar a diferença de tratamento dado às escolas do campo em relação às escolas da cidade. Segundo Pinto (et al, 2006, p. 31): Considerando o número de salas de aula como um indicador do tamanho da escola, nas escolas urbanas 75% daquelas que oferecem o Ensino Fundamental tem mais de cinco salas de aula. Para aquelas localizadas na zona rural o perfil é diferente, ou seja, 94% das escolas têm menos que cinco salas de aula.

As condições das escolas refletem diretamente na interpretação que os sujeitos fazem da educação do campo. Um dos exemplos é quando o educador André, refletindo sobre as diferenças entre a escola da comunidade e a da cidade afirma que:

A escola da cidade é bem mais estruturada que a do interior. Da pra perceber que na cidade dá pra ti chamar o nome de escola, quando que

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no interior tem que chamar de grupo, sala de aula, coisa bem menor. Porque pra falar a verdade, aqui nessa nossa região aqui, na região do são bento, que é o setor em nível de paróquia é o setor 8 e em nível de secretaria é o setor c, essa nossa região aqui não tem uma escola, tem apenas os grupos, sendo que alguns são barracões das comunidades, outros casas, porque em uma outra escola mais aqui a diante, a outra escola é uma casa de uma pessoa, então, por exemplo, se o poder público tivesse mais interesse na área de educação, eu tenho certeza que a educação, não só aqui no município mas no Pará e no Brasil inteiro poderia mudar, se tivesse mais interesse desse pessoal que estão, diz que, nos representando em Brasília e até mesmo aqui no município. No caso das comunidades analisadas, as escolas são de madeira e encontramse em péssimas condições de conservação, infestadas por cupins e muitas goteiras. Em uma comunidade ela funciona no barracão e em outras duas a comunidade construiu um espaço específico para servir de escola. Esta relação entre a comunidade e a prefeitura para o desenvolvimento de turmas multisseriadas para as crianças é alvo de crítica de membros da comunidade, principalmente porque, segundo eles, a prefeitura rotineiramente os engana em relação a educação e trata o tema nas comunidades com descaso. Isto podemos apreender quando o educando Mário afirma que:

O barraco é da comunidade. Durante cinco anos foi doado para ensinar. Ai não fizeram nada ai decidimos, né, que seria alugado. Não por dinheiro mas por material pra gente construir um negócio ai para as crianças. Ainda não fizeram nada e chegaram este ano ai pra alugar ai eu disse: olha, por mim não doava, não alugava mais, né, porque é muita bandalheira. É muita bandalheira. Nem doava e nem alugava mais. Eles tinham que da o jeito deles porque quem ia ficar culpado pelas crianças era ele. O governo do município. Eles que tem que fazer escola para os meninos estudar. Nada, nada nós vamos lá na Seduc, né. Não quer trabalhar. Ai veio o outro coordenador e alugou o barraco. Este problema sentido pelas comunidades não é recente. Ainda tratando sobre a questão o educando Mário revela o descaso de várias gestões municipais com a escola da comunidade ao afirmar que:

Entra prefeito, sai prefeito. Prometeram fazer uma escola pólo aqui, né, até a oitava série, já ta com dois anos. Ai, só prometendo e nada feito. Ai os meninos tudo, da quarta série para a quinta série tem que sair. Os pais que tem condição leva os filhos para a cidade. Se tivesse essa escola aqui ai ficavam tudo ai, né. O pessoal ta indo pros filhos estudar. Tão indo

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pra lá pra são domingos. Alguns mantém (a roça na comunidade). É fica, difícil, fica difícil mesmo. Se tivesse a escola ai. Em relação ao material oferecido pela prefeitura, também podemos encontrar graves problemas. As carteiras são pesadas e inapropriadas para as crianças e a manutenção do espaço é precária, sendo que tanto nos espaços construídos pela comunidade para servir de escola quanto no barracão temos a luminosidade e a ventilação inadequados, aumentando a dificuldade de desenvolvimento do trabalho educativo, como afirma o educador André. Em relação a escola da comunidade, para ele:

pra falar a verdade agente não tem a escola mesmo, agente já tocou tanto nessa tecla que já ta até enjoado. Falta de interesse digamos que, na área da educação é preciso muito mais investimento. Se a pessoa não investir na educação como é que pode melhorar só na base do improviso. Olha, quando é de manhã, um hora dessa, tem o barracão e tem aquela salinha lá do lado. Não tem condição. É sol, sol, sol no rosto da gente, tanto do professor quando das crianças, dos adultos que estão estudando lá. Não presta. É um lugar ruim. Pra gente tá passando... Carteira não tem, são bancos improvisados, então são umas tábuas pregadas de comprido umas nas outras atravessadas ai pra gente atravessar pra atender um aluno que tá lá na frente tem que ser um atleta pra ta passando. Pula pra cá, pula pra li, pula pra li. As vezes agente acaba até se machucando e machucando as outras pessoas. O professor é um batalhador, é uma pessoa que luta muitas vezes pelo bem estar da comunidade, to falando do interior, né, luta pelo bem estar da comunidade, das pessoas que ali habita e as vezes, é tipo, não é valorizado. É humilhado as vezes, eu até posso dizer esta palavra, humilhado. A falta de um espaço apropriado para o desenvolvimento das turmas de educação de adultos também é relatado pela educanda Regina que afirma que:

No período das férias era na escola, quando não agente ficava lá naquele barraquinho perto da igreja. A professora cedeu algumas cadeiras que tavam sobrando e agente pegava uns banquinhos lá da igreja, colocava na mesa e ficava bem confortável. Lá no barracãozinho. Do ponto de vista da educação no município, podemos perceber que é prioridade para os sujeitos a educação das crianças, já que os próprios sujeitos, por conta da omissão do poder público, constroem ou cedem o espaço para o desenvolvimento das turmas enquanto que a merenda e o pagamento dos

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professores é assumido pela prefeitura. Já no que tange a educação de adultos, não há espaço específico, sendo que a turma é desenvolvida em algum local da comunidade onde seja possível o desenvolvimento das atividades e no período de férias das crianças, quando as turmas de Educação de Jovens e Adultos (EJA) continuam são desenvolvidas no espaço cedido para as turmas das crianças. Outra dificuldade é a ausência de moradia e transporte para os professores que não são da própria comunidade. Muitas vezes eles têm que ficar no espaço destinado para depósito da escola ou na casa de algum membro da comunidade, como relata o educador Andre:

Moro lá na beira do rio. Eu trabalho aqui mas moro lá no S. Esse é o terceiro ano que eu trabalho aqui na comunidade e eu gosto. Uma comunidade que eu, tipo, eu adotei. Você é minha comunidade. As pessoas daqui são como se fossem irmãos, tios, primos pra mim e até mesmo pais, porque as vezes, agente vê, tem tantas coisas que em outros locais com o tempo estão se perdendo que é tipo, calor humano, carinho que uma pessoas sente pelo outro que graças a deus ainda tem aqui. (...) Passo a semana toda. De segunda a sexta. Retorno pra casa só na sexta feira a noite. Não tem horário pra eu chegar em casa. Eu fico na casa de uma amiga. Dona Sandra com o seu Brígido. Como a energia é de gerador, a escola não conta com recursos áudios-visuais e quando a professora vai desenvolver alguma atividade que necessite destes recursos, cabe pegar emprestado com algum membro da comunidade. Outra dificuldade é o acompanhamento das turmas por parte dos assessores do NEP que moram no município. Isto porque o trabalho do NEP caracteriza-se como uma atividade voluntária e sem o apoio do poder público, muitas vezes as assessoras tinham que pagar todos os custos das viagens, o que se manteve mesmo quando as turmas foram assumidas financeiramente pelo MOVA, como destaca a assessora Cris ao afirmar que:

Questão financeira, questão de apoio, agente não tem, porque no caso, quando agente vai fazer o assessoramento, muitas fezes sai do nosso bolso. Quando era do NEP, saiu várias vezes do nosso bolso pra gente sair pra fazer o assessoramento, mas agente ia, com todo o sacrifício, com toda a boa vontade, agente ia, passava dificuldade, chegamos a cair de moto e assim por diante, caímos várias vezes, e agente vinha na prefeitura, ai tinha aquele impasse de não favorecer o nosso lado e é essa a questão. Mas já com o mova, né, tem aquele outro lado. Da gente, como não tem vínculo cm a prefeitura, já tem que tirar do que a gente

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ganha, no caso, pra fazer toda essa nossa vistoria, assessoramento, tem que tirar o gasto todinho do nosso bolso. No final disso tudo, no caso, não fica com nada. Fica com uma pouca parte, né, mas é complicado, porque agente trabalha muito e... porque agente poderia ter um apoio da prefeitura, no caso e isso ai não ta tendo. Agora este ano, conversei com a prefeitura, conversei com a secretária pra ver de que forma eles poderiam nos ajudar este ano. Pra isso, é preciso levar um documento, né, é... tipo assim, o levantamento de todas estas turmas, este ano, pra que agente possa ter um... pra eles ver no que eles podem ajudar. Segundo informações prestadas pelos moradores locais, na zona rural do município há, apenas, uma escola de alvenaria, que funciona no regime multisseriado, atendendo aos alunos da comunidade onde ela está instalada e as crianças de algumas outras comunidades próximas. Esta escola (imagem 15), mesmo sendo recente e com instalações relativamente melhor que as demais, apresenta uma grande precariedade na sua infra-estrutura. Imagem 15 – E. M. E. F São Benedito – a única escola de alvenaria no espaço agrário do município.

Fonte: trabalho de campo, agosto de 2010. Foto: Adolfo O. Neto

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Mesmo sendo a única escola de alvenaria na região, a escola São Benedito conta com apenas uma sala e um depósito. A iluminação e a ventilação não são adequadas e o quadro ainda é de giz, oferecendo risco à saúde dos educandos e do educador. Mesmo com toda a dificuldade que apresenta a escola na zona rural do município, há uma forte identificação dos sujeitos com a educação. Isto fica expresso em vários momentos onde destacamos dois. O primeiro é quando o educador André afirma que:

eu posso te adiantar que o sonho da maioria das pessoas daqui, daqueles que não sabem ler ou escrever, é assinar o próprio nome. A maioria do pessoal querem isso. Agente se sente orgulhoso de ter contribuído para essas pessoas. A folha de papel, as vezes, quando agente ta trabalhando com alguma coisa escrita é ruim porque eles perdem. Chegam em casa colocam e algum lugar e vão perdendo. Digamos, tendo um caderno pra essas pessoas é bom porque, futuramente quando eles tiverem uma idade mais avançada ainda, quando os filhos deles tiverem maior, tipo pra ta mostrando como se fosse uma prova, como se fosse não, é uma prova de que eles estudaram um dia. Por que coisa simples, que pra nós é simples, né, que a escrita, pra eles é uma conquista, é como se fosse um tesoure que eles tivessem alcançado. Gosto muito de sentar, tipo, andar na casa dos alunos, que eu me lembre já andei em todas. Em todas mesmo, eu prometi pra mim mesmo que eu iria andar pra conhecer a realidade deles. Outro quando o educando Mário, ratificando o exposto acima pelo educador André, remete a sua própria história de vida e as dificuldades que enfrentou e afirma que:

agente ta pretendendo muito este estudo, porque eu sou analfabeto, né. Sei assinar só o meu nome mesmo e não tenho nenhum comprovante de estudo. Comecei a estudar quando eu era moleque e naquele tempo, aqui era uma coisa ruim. Vinha professor, não tinha professor aqui do lugar, né. Vinha professor ai quando via já era outro. Ai eu parei de estudar. O professor não parava. Ai estudei só uma cartilha mesmo. Ai quando eu passei pra primeira série, a segunda agora, né. A primeira é a alfabetização. Ai quando eu passei para a segunda, não estudei mais. Né. Aprendi um pouquinho, né. Assim, por causa, que como acabei de falar, não tenho nenhum comprovante de escolaridade, mas aprendi um pouquinho. A ler... Não assim, coisa muito grande, né, mas aprendi um pouquinho. Ai eu leio um pouquinho. Pouquinha coisa mesmo, ainda leio.

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Estas características todas demarcam ao mesmo tempo a existência de um espaço de exclusão, caracterizado pelo desrespeito do poder público municipal, estadual e federal para com estas comunidades associado à construção de um território de resistência dos sujeitos que teimam em resistir nestas comunidades tendo como referência o trabalho, a cultura, a memória e a identidade de gerações que é reconstruída cotidianamente a partir de novas respostas que diariamente os sujeitos tem que dar aos problemas concretos que os atinge, articulando todo este processo de resistência a luta por uma educação popular do campo, como forma de organização e mobilização pela mudança da situação concreta de opressão em que eles estão submetidos.

4.2 A educação do campo em comunidades rurais-ribeirinhas: o trabalho educativo do GETEPAR-NEP.

O movimento por uma educação do campo da Amazônia está inserido na luta nacional por uma educação do campo. No entanto, assim como nas demais regiões do país, possui seus próprios traços, seus atores e territórios. O campo amazônico é marcado por uma realidade social complexa encontrando-se projetos educacionais diferenciados em função da disputa de interesses econômicos e políticos. Neste contexto, um dos marcos na construção de uma educação que responda aos interesses das classes populares, é o Núcleo de Educação Popular Paulo Freire – NEP, da Universidade do Estado do Pará, que desenvolve ações educacionais junto a camponeses, sindicatos e movimentos sociais de algumas comunidades rurais-ribeirinhas do município de São Domingos do Capim. A sua história e atuação vincula-se a tentativa de construir, junto aos trabalhadores, propostas educativas que garantam o direito de acesso a cultura escrita e ao conhecimento socialmente produzido, ao mesmo tempo em que sirva de fortalecimento à luta dos trabalhadores por condições dignas de vida no campo, exigindo que o Estado atenda a plenitude dos seus direitos. O entendimento da ação, história e objetivos deste Núcleo é um dos elementos necessários para o entendimento do processo do movimento por uma educação do campo nas comunidades ribeirinhas analisadas.

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Neste capítulo, explicitamos como o NEP funciona; qual a sua história e estrutura; como se organiza, em que espaços atua e como realiza suas ações educacionais.

4.2.1 – Núcleo de Educação Popular Paulo Freire: História, organização e projetos.

Em 2011 o NEP comemora seus 16 anos de existência, tendo passado por momentos de maior e outros de menos dificuldade. O trabalho acadêmico mais antigo nos arquivos do NEP a registrar a prática do núcleo foi desenvolvido por Oliveira (1998). Nele a autora relata um pouco das atividades desenvolvida até então pelo “Programa de Alfabetização de Jovens e Adultos: processo social para a libertação” (PROALTO), antiga forma do NEP e analisa a importância do pensamento freireano para o desenvolvimento da prática educativa do grupo. O trabalho de conclusão de curso mais antigo presente nos arquivos do núcleo é da autoria de Sarmento (2003) teve como título “A interação ensinopesquisa-extensão na formação do pedagogo: a experiência do NEP” e enfocou basicamente três elementos: a) o processo de formação acadêmica na universidade pública brasileira; b) o NEP como lócus de formação integrada entre ensinopesquisa-extensão e; c) a formação acadêmica dos alunos de pedagogia do Centro de Ciência Sociais e Educação (CCSE) da UEPA A história do NEP pode ser dividida em dois períodos. O primeiro que retoma o ano de 1995 e se estende até 2002 e o segundo que vai de 2003 até os dias atuais. No primeiro período temos o início do trabalho educativo com jovens e adultos, por meio de um projeto, o PROALTO, idealizado por um grupo de estudantes de pedagogia, vinculados ao Centro Acadêmico de Pedagogia – CAPE e envolvidos em movimentos sociais no Distrito de Icoarací, no município de Belém. O Programa foi assumido por professores da instituição que auxiliaram na organização e no assessoramento do programa. Analisando a história do NEP, Carvalho (2010, p. 37) afirma que o PROALTO “visava compreender os fatores que intensificam o processo de exclusão social de

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jovens e adultos para que, com isso, pudesse garantir a inclusão dos mesmos no sistema formal de ensino”. O PROALTO surgiu com uma organização tímida, à margem da estrutura organizacional da universidade, com o objetivo de formar uma turma de jovens e adultos na Vila da Barca a partir da ação política dos alunos da universidade, que se expressava na visão acadêmica defendida pelo grupo. Isto está presente no primeiro projeto do PROALTO, datado de 1997. Segundo o documento? Este programa de alfabetização de adultos pretende assumir o compromisso político-pedagógico com a alfabetização da classe trabalhadora numa dimensão libertadora, através do estabelecimento de uma leitura e compreensão da vida e do mundo, permitindo ao educando refletir sobre a sua própria realidade e desenvolver, sobretudo, o ato de pensar, partindo do conceito de senso comum, para chegar a uma compreensão mais rigorosa da realidade. (PROALTO, 1997, p. 01)

Em 1997 houve um dos primeiros momentos de aproximação formal do PROALTO com Nita, coordenadora que permanece até os dias atuais. Relatando como se deu esta aproximação, Nita afirma que:

O projeto foi criado pela professora Luzimar Dias e a professora Helena Lima que coordenavam o PROALTO. Quando eu cheguei do meu mestrado os alunos estavam sem coordenação, então eles estavam ameaçados de extinguir o PROALTO, então eles me convidaram para participar, então eu passei a coordenar o PROALTO, tanto que a partir daí eu tenho uma portaria me nomeando para coordenar o PROALTO. A partir daí nós passamos a reestruturar o PROALTO, a rediscutir o projeto. Neste período o programa contava apenas com uma turma de educação de adultos. A partir de sucessivas reestruturações do projeto inicial, o PROALTO passou a desenvolver atividade de educação popular com jovens e adultos. Com grandes dificuldades financeiras e baseado na ação voluntária dos seus integrantes, o PROALTO buscava articulava na sua formação três elementos: (a) os conhecimentos teóricos sobre a educação popular dos estudantes de pedagogia; (b) a relação entre a universidade e a sociedade; (c) a construção de um movimento social que tem no desenvolvimento de turmas de educação popular a sua ação, bem como o questionamento da realidade educacional e social do país o seu horizonte político.

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Entre os anos de 1998 e 2002 o PROALTO enfrentou pelo menos mais duas grandes dificuldades. A primeira está relacionada a coordenação do Programa. Segundo Nita:

Quando eu fui para o doutorado o NEP ficou basicamente com problemas na coordenação e eu fiquei preocupada, tanto que eu tinha convidado o Salomão que tinha defendido a tese dele para assumir o NEP porque eu tinha a preocupação de ter algum problema, porque o NEP não podia ficar sem professor. Tinha que ter alguém coordenando. Não podia ficar só os alunos. Quem sempre manteve o NEP foram os alunos. Sempre foram os alunos que mantiveram mas você precisaria ter um grupo de professor para manter a institucionalidade, porque uma coisa é o aluno fazer o trabalho e a outra é institucionalizar. Tem que ter um professor respondendo e esse foi o único momento que eu senti um pouco de... não que fosse acabar o NEP, mas de de repente inviabilizar o NEP. Esta institucionalização do NEP gerou a necessidade dele estar vinculado a estrutura universitária. Neste momento o novo projeto já contempla a desvinculação do então PROALTO do CAPE. Como a UEPA não previa em sua estrutura (e ainda não prevê) núcleos, o NEP acabou sendo vinculado ao Departamento de Filosofia e Ciências Sociais do CSE.. Segundo Nita, isso se deu porque:

eu era do departamento de filosofia e para institucionalizar eu criei o vinculo com o departamento. Na verdade é um vinculo só formal porque não tem... está só institucionalizado. Até porque o NEP foi o primeiro. Não foi uma política da universidade. Nós que criamos, nós que fomos atrás e implantamos, tanto que não existe na estrutura administrativa da universidade. O outro problema está relacionado ao desenvolvimento das turmas. O contexto vivenciado pela cidade de Belém no governo do povo, no período de 1996 a 2004 também é um elemento importante para a história do PROALTO, mesmo o grupo não se vinculando as ações do governo municipal, porque coloca em pauta a questão da educação popular, ecoando na universidade, na medida em que diversos integrantes do programa participam de ações ligadas ao governo municipal, como o MOVA-Belém. Entretanto, por outro lado, houve por parte do NEP a não oferta de turma de educação de jovens e adultos, ficando reduzida sua ação aos grupos de estudos, como destaca Nita ao afirmar que:

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O problema quando surgiu o primeiro mova é que as turmas do NEP foram passadas para o mova, em 98, 99. Então neste período ficamos sem turmas de alfabetização, então esse foi o problema. Quando nós retornamos em 2002, nós estávamos sem turmas, foi então que nós retomamos. Foi criada uma turma da vila da barca, foi criada uma turma da fasuepa, da construção civil, foi criada o Guamá, foi criado na AVAO. No ano de 2001, a partir da relação pessoal que um dos educadores do PROALTO tinha com os moradores de algumas comunidades rurais-ribeirinhas de São Domingos do Capim, foi elaborado o projeto: Educação de Jovens e Adultos em Comunidades Rurais-Ribeirinhas de São Domingos do Capim, cuja finalidade inicial era desenvolver ações de alfabetização de jovens e adultos nestas comunidades. Segundo relato dos educandos mais antigos, os primeiros educadores do próprio município que integraram o grupo foram Paulo, Diva, Marlene, Irielson, Rosivaldo. Os integrantes de Belém que iniciaram o trabalho foram Sérgio e Rose, ambos do curso de graduação em pedagogia. No entanto, neste momento inicial do projeto, o objetivo não foi alcançado devido à ausência de recursos financeiros e de uma estrutura organizacional que possibilitasse atender aquela demanda já que os gastos com transporte, material didático e alimentação eram muito superiores às possibilidades de ação de um movimento social que não possuía qualquer fonte de financiamento. Mesmo a ação não tendo sido concretizada no primeiro ano do projeto, ele teve como mérito pelo menos dois pontos: (a) possibilitou a formação de um grupo, que pode ser considerado um sujeito coletivo, com os sujeitos das comunidades, do município e de Belém, que se dispuseram a construir o trabalho; (b) colocou em pauta a necessidade de uma educação popular nestas comunidades que enfrente o problema do déficit educacional vivenciado nestes espaço e que seja elemento de mobilização política para a conquista de novos direitos. Ainda neste primeiro período os pressupostos que constituíam a base pedagógica do PROALTO, segundo Oliveira (2001), eram: (a) o diálogo; (b) o respeito a oralidade; (c) a práxis; (d) a criticidade; (e) a ação a partir dos temas geradores; (f) a utilização de situações variadas de aprendizagem e; (g) utilização em sala do cotidiano, do ético, do estético e dos conflitos sociais. O ano de 2002 consiste no momento de transição entre o PROALTO e o NEP, porque se discute a reformulação da estrutura organizacional do Programa, na

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perspectiva de ampliar a sua atuação e fortalecer a indissociabilidade entre o ensino, a pesquisa e a extensão. Segundo Nita, o contexto desta reformulação se deu:

quando eu voltei do doutorado agente rediscutiu o PROALTO e transformamos no Núcleo de Educação Popular. Porque a perspectiva minha era que a educação popular não poderia ficar só restrita a EJA. A educação popular é mais ampla que a EJA. A EJA é só mais um elemento da educação popular. Então para a educação popular ele tinha que ampliar as ações. E também já pensava na pesquisa. Pensava em criar linhas de pesquisa em torno da educação popular. Esta mudança está expressa no primeiro projeto pedagógico do NEP, datado de 2002. Nele há a afirmação da história do PROALTO e de suas práticas ao mesmo tempo em que se propõe um alargamento das ações. Segundo o projeto de 2002: O Núcleo de Educação Popular Paulo Freire consolida, através do Programa de Educação Popular de Jovens e Adultos, as ações desenvolvidas pelo PROALTO e as amplia, com o Programa de Educação Popular e Escolarização Básica. Apresenta ainda a perspectiva de criação de dois novos programas/linhas de investigação: educação popular e movimentos sociais e; educação popular rural. (NEP, 2002, p. 03)

Os objetivos do NEP são organizados no sentido de desenvolver atividades educativas sob a égide da educação popular considerando a indissociabilidade entre a pesquisa, o ensino e a extensão. A partir desta perspectiva o Programa de Educação Popular de Jovens e Adultos, segundo o projeto pedagógico de 2002 (NEP, 2002, p. 06-07), apresentava as seguintes ações educativas: 

Estudos e pesquisas na área da educação de adultos;



Cursos de educação de jovens e adultos;



Capacitação de educadores de jovens e adultos;



Assessoria a projetos de educação de jovens e adultos;



Produção de materiais didáticos na área de educação de adultos;



Eventos na área da educação de adultos;

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Já o “Grupo de Estudo/Trabalho de Educação de Jovens e Adultos: processo de inclusão escolar e social” surge, segundo o projeto pedagógico de 2002 (NEP, 2002, p. 10-11), com as seguintes ações: 

Seleção de discentes do CCSE-UEPA para desenvolver ações educativas no Programa;



Capacitação de discentes do CCSE-UEPA selecionados, através de treinamentos sobre alfabetização de jovens e adultos e pesquisa de campo;



Contatos com movimentos populares, comunitários e grupos de alfabetizadores, entre outros;



Levantamento sociocultural das famílias das áreas, através da aplicação de questionários e da sistematização e análise dos dados, para o conhecimento da realidade dos alfabetizandos, objetivando subsidiar a elaboração do projeto pedagógico do curso;



Matrícula dos educandos e formação das turmas de alfabetização/séries finais do ensino fundamental;



Planejamento participativo das ações pedagógicas e da pesquisa-ação a ser desenvolvida no Programa;



Desenvolvimento das atividades pedagógicas, de forma sistemática, numa dinâmica de planejamento-ação-avaliação;



Elaboração do relatório final das atividades pedagógicas;



Articulação com a SEDUC e outros órgãos afins, visando a integração interinstitucional para o encaminhamento dos alunos egressos do programa;



Realização de estudos e pesquisa-ação sobre as atividades pedagógicas desenvolvidas nas turmas de alfabetização/séries finais do ensino fundamental efetivadas com as comunidades periféricas em Belém do Pará.

Neste mesmo processo, há uma afirmação, por parte dos educadores, dos princípios freireanos, explicitando-o no seu horizonte teórico e prático, indo, portanto, além da educação de jovens e adultos, como nasce o programa, assumindo a sua

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vinculação à educação popular freireana, buscando traduzir e repensar a educação popular nos mais diversos espaços de ação, onde hajam demandas educativas, a partir da realidade dos mais diversos sujeitos. Segundo Nita, o NEP:

assume o pensamento do Freire como uma referência teórica. Não só ele porque também há outras referências. Mas assume o Freire como uma referência teórica e eu acho que isso é um elemento que mantém a identidade do grupo. Porque desde quando o PROALTO nasceu, já nasceu com a linha freireana e ele mantém até hoje e acho que hoje está mais fortalecido. Essa busca por uma identidade possibilitou redimensionar o conceito de educação popular, visto que este é na maioria das vezes entendido apenas como educação de jovens e adultos e realizado em espaços não-formais de educação, passando atuar em espaços formais, não-formais e com alfabetização e pósalfabetização de crianças, jovens, adultos e idosos. Do ponto de vista teórico, o novo projeto do NEP (2002, p. 14-15) define como diretrizes freireanas para o desenvolvimento da prática educativa os seguintes elementos: (a) a educação dialógica, construída a partir da oralidade, do diálogo e das formas do educando expressar sua própria realidade; (b) a educação problematizadora, baseado na pedagogia da pergunta, do exercício da criticidade; (c) autonomia, reconhecendo o educando como sujeito da ação educativa; (d) educação calcada em bases ético-políticas, com estímulo a ação coletiva, a solidariedade, o respeito às diferenças e a convivência coletiva; (e) educação rigorosa, baseada na práxis e no cotidiano do educando. Essa reestruturação efetivada no ano de 2002 possibilitou a transformação do PROALTO no Núcleo de Educação Popular Paulo Freire - NEP, cujo projeto pedagógico foi aprovado pela Resolução nº 903/03, de 17 de dezembro de 2003, do Conselho Universitário da UEPA, aumentando os seus objetivos e alterando completamente a sua estrutura. A institucionalização do NEP, em 2003, o vinculou ao Centro de Ciências Sociais e Educação – CCSE, da Universidade do Estado do Pará. Entretanto, o Núcleo não possuía recursos financeiros nem de pessoal para operacionalização de suas ações. Segundo Nita:

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A luta foi muito grande porque mesmo aprovado pelo conselho universitário o NEP, recurso nós nunca tivemos. Toda vez que solicitávamos, fazíamos o planejamento, encaminhávamos e não tinha dinheiro. Nós nunca tivemos um dinheiro específico para o NEP. A manutenção das atividades dos grupos era feita a partir de aprovação de projetos de ensino, de pesquisa e de extensão nos editais abertos pela UEPA para financiar projetos ligados a instituição. Somente em abril de 2009 foi que a universidade disponibilizou ao Núcleo um servidor técnico de nível superior para desenvolver atividades de assessoramento pedagógico. A reestruturação do Núcleo e o seu reconhecimento como parte integrante da universidade trouxe um enorme avanço na sua consolidação como espaço acadêmico, mas não trouxe ainda os benefícios esperados no campo financeiro. Essa ausência de financiamento por parte da Universidade vem interferindo na manutenção das ações do Núcleo que se desenvolvem tanto nas comunidades rurais-ribeirinhas de São Domingos do Capim quanto em outras localidades, como comunidades situadas na periferia de Belém, espaços hospitalares, entre outros. A turma mais antiga do NEP em funcionamento é a que é desenvolvida na Associação Comunitária “Lar Feliz”, no bairro do Guamá, sendo desenvolvida com idosos, e as turmas do município de São Domingos do Capim, especialmente a da comunidade do “São Bento”, que foi a primeira comunidade a ser atingida pelo projeto, ambas com efetividade a partir de 2002. Quando fazemos um levantamento aproximado da quantidade de pessoas que já participaram de atividades do NEP nestes 16 anos seja como educador, educando, coordenador, assessor, ou nos debates e formações, os números são impressionantes. Nita relata que fez:

um levantamento estimativo. Neste último projeto que eu fiz para o PET, nele eu fiz uma estimativa. Eu fui pegando os relatórios e estimando antes, com uma turma de tantas pessoas, quantos mais ou menos eram, é mais de 1000 pessoas, com certeza. Mais de 1000. Porque eu to considerando que os espaços onde agente atua são pequenos. Você não tem uma turma de 40 pessoas, mas tem uma circulação de pessoas que passam um período, depois saem e entra outras e assim vai. Isso sem contar a formação, porque se tu fores contar as formações que nós tivemos também, temos um número bem significativo. Fora os eventos,

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porque se você for considerar o evento como um momento formador, este número é bastante significativo. A nova organização do NEP foi estruturada por meio de Programas que, posteriormente, devido a expansão dos Programas, passou a ser organizado por meio da construção de linhas de pesquisas e nessas, a formação de diversos Grupos de Estudo e Trabalho (GET). Essa organização busca responder ao objetivo de consolidar o NEP como um espaço de ensino, pesquisa e extensão. Atualmente o NEP realiza as seguintes ações: manutenção de turmas de alfabetização e pós-alfabetização com crianças, jovens, adultos e idosos em ambientes não formais de educação nos municípios de Belém, São Domingos do Capim e São João da Ponta; ensino de filosofia com crianças na abordagem freireana em escolas públicas dos municípios de Belém e Ananindeua; pesquisas; eventos sobre educação nos municípios de Belém e São Domingos do Capim; publicações; assessoria pedagógica e formações de educadores em diversos municípios do Estado do Pará. Assim, as atividades podem ser divididas em dois grupos: (a) atividades de ensino-extensão; (b) atividades de pesquisa; (c) eventos e; (d) publicações.

a) Ensino-Extensão As linhas de pesquisa unem os integrantes do Núcleo em torno de um interesse comum de pesquisa, construindo desde o primeiro momento a perspectiva da pesquisa na formação acadêmica e direcionando os integrantes a se envolverem nas atividades de ensino e extensão que mais lhe despertem o interesse. A reestruturação possibilitou o redimensionamento das ações do NEP nas comunidades rurais ribeirinhas, pois foi criada a linha de pesquisa Educação Popular na Amazônia Rural e, vinculada a ela, o GET de São Domingos do Capim que passou a ser denominado de Grupo de Estudo e Trabalho em Educação Popular na Amazônia Rural (GETEPAR). Em 2010, o NEP contou com seis linhas de pesquisa: (a) educação inclusiva; (b) educação popular de jovens e adultos; (c) educação popular e saúde; (d) educação popular infantil e escolarização básica; (e) educação popular na amazônia rural e (f)educação e filosofia.

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Essas linhas de pesquisas abrigam, conforme a Coordenadora Geral do NEP, seis Grupos de Estudos e Trabalhos: (1) GET em Educação de Jovens e Adultos, que desenvolve atividades no Hospital das Clínicas, no Hospital Santa Casa de Misericórdia do Pará, no Lar da Providência e no Centro Comunitário Lar Feliz, no Bairro do Guamá, em Belém. (2) GET em Educação Infantil, que desenvolve atividades no Hospital das Clínicas e no Hospital Ophir Loyola. (3) GET em Educação Popular na Amazônia Rural, que desenvolve ações em comunidades rurais-ribeirinhas do município de São Domingos do Capim e do município de São João da Ponta, no Estado do Pará; (4) Educação e Filosofia, que desenvolve suas atividades em duas escolas públicas, uma em Belém e outra no município de Ananindeua; (5) GET de Educação de Surdos, que desenvolve estudos sobre a educação de surdos no Estado do Pará; e

(6) Formação de Professores, que

desenvolveu em 2009 atividades nos municípios de Belém, São Domingos do Capim, São João da Ponta, Paragominas, Abaetetuba, Acará, Mojú, Parauapebas e Santarém. Além destes Grupos, o NEP coordena a Rede Educação Inclusiva na Amazônia Paraense que envolve pesquisadores de quatro instituições do Estado do Pará: UEPA (Belém, Barcarena, Paragominas e Tucuruí), UFPA (Belém, Marabá), Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), em Santarém, e o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA), em Belém. Participa ainda do Projeto “Centro de Documentação e Memória da Educação de Jovens e Adultos da Amazônia” em parceria com a UFPA, UNINTINS, Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e a Universidade do Estadual do Amazonas (UEAM), além do Observatório Nacional de Educação Especial em parceria com a Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR) e mais 20 universidades brasileiras. O NEP conta com um conjunto de formações continuadas, de periodicidade variada, e que busca responder a demanda de formação teórica do grupo. Em relação à formação continuada, apresenta três tipos: (a) uma organizada pelo Núcleo, que responde aos interesses gerais do núcleo; (b) outra organizada pelos próprios GET, que são abertas a todo o núcleo mas respondem a pautas específicas da realidade de cada GET e c) direcionadas às comunidades, em parceria com Secretarias Municipais de Educação e Instituições Formadoras em âmbito nacional e local.

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Em 2010 o NEP conta com seis professores que são responsáveis pela assessoria pedagógica dos grupos em suas áreas de interesse, sendo dois doutores, um doutorando e três mestres, e possuem membros nos grupos que são mestres, mestrandos, graduados ou graduandos.

b) Pesquisas As pesquisas são desenvolvidas constantemente pelo NEP em todos os seus GETs e possuem pelo menos quatro finalidades: (a) formar pesquisadores; (b) subsidiar a prática dos GET; (c) contribuir nos estudos sobre educação popular; (d) divulgar o trabalho desenvolvido pelo núcleo com vistas ao fortalecimento de intercâmbio de experiências. Em relação a formação de pesquisadores, o Núcleo vem conseguindo resultados relevantes. Pelo menos 15 integrantes do NEP estão realizando ou já realizaram pesquisa de mestrado e/ou doutorado no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGED) da própria instituição ou em outras instituições relacionadas à sua área de estudo no Núcleo ou a sua prática educativa. Outro elemento importante é a relação estabelecida entre a pesquisa e a ação educativa nos GET. Neste contexto o NEP assume a pesquisa como elemento educativo e os resultados são socializados em livros e artigos em encontros, e seminários. Além disto, todo o material produzido fica disponível no núcleo para auxiliar a formação dos novos integrantes. As pesquisas do NEP vêm ajudando a repensar também as práticas de educação popular, já que o grupo trabalha com uma gama muito ampla de sujeitos e locais, tendo experiência com jovens, adultos, idosos, em comunidades ribeirinhas, periféricas, hospitalares e escolares. Atualmente o NEP está realizando as seguintes pesquisas: 

“O(a) professor(a) da educação infantil e das séries iniciais do ensino fundamental na Amazônia Paraense: singularidade, diversidade e heterogeneidade”. Ano: 2009. Financiamento: PROCAD-CAPES e UEPA;



“A prática da escolarização inclusiva e o atendimento especializado na Amazônia Paraense”. Ano 2010. Financiamento: PROESP-CAPES.



“Centro de Documentação e Memória da Educação de Jovens e Adultos da Amazônia”. Ano 2010. Financiamento: MEC.

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Dentro do grupo que realiza a pesquisa “A prática da escolarização inclusiva e o atendimento especializado na Amazônia paraense” foram desenvolvidas outras pesquisas, como: 

“Olhar, escutar e vivenciar a educação inclusiva em municípios do Pará”. Ano: 2008/2009. Financiamento: CNPq;



“Travessias na educação de jovens e adultos: saberes do cuidar na práxis alfabetizadora do NEP/CCSE em comunidades hospitalares”. Ano: 2008/2009. Financiamento: CNPq;



“Educação popular com jovens e adultos em tratamento psiquiátrico: um diálogo com a comunicação livre”. Ano: 2008. Financiamento: UEPA;



“Travessias de saberes na educação popular: avaliação das repercussões do programa quartas saudáveis no cotidiano das mulheres da Ilha de Caratateua”. Ano: 2008. Financiamento: CNPq;



“Política de Educação Inclusiva e Formação de Professores”. Ano: 2007. Financiamento: PROESP-CAPES;



“Inventário de experiências de educação do campo”. Ano: 2007. Financiamento: UNICEF e UEPA;



“Cartografia dos saberes de alfabetizandos de comunidades periféricas, hospitalares e rurais-ribeirinhas do NEP-CCSE-UEPA”. Ano: 2006. Financiamento: CNPq e UEPA;



“Cartografias

de

saberes:

representações

de

alfabetizandos

de

comunidades hospitalares e periféricas de Belém e rurais-ribeirinhas de São Domingos do Capim sobre a cultura amazônica”. Ano: 2006; Financiamento: UEPA. 

“Para

repensar

a

práxis

alfabetizadora:

Representações

sobre

religiosidade de alfabetizandos do NEP/CCSE/UEPA”. Ano: 2005. Financiamento: UEPA. No entanto, destaca-se neste contexto o projeto “Cartografia de Saberes dos Educandos do NEP”. Este projeto constitui um conjunto de pesquisas realizadas entre os anos de 2003 e 2007 e teve como foco o trabalho, a religiosidade e a

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cultura amazônica. Estas pesquisas foram realizadas nas turmas de SDC e enfocaram que saberes os educandos jovens, adultos e idosos que estão em processo de alfabetização possuem sobre a vida e a educação. A primeira pesquisa analisou os saberes sociais cotidianos de jovens, adultos e idosos de três comunidades rurais ribeirinhas de SDC e teve como foco o trabalho. Nesta pesquisa, foram destacados elementos significativos sobre a vida e a cultura, debatendo questões como: a importância do rio; da terra; da mata; da roça; da pesca; da caça; da criação; do extrativismo; a educação como estudo; a educação como cuidar; a cultura de conversa e a fonética. Os resultados desta pesquisa podem ser consultados em Oliveira (2008a). A pesquisa sobre a religiosidade é outro momento importante das pesquisas do NEP em SDC. Esta pesquisa indica a presença de uma pluralidade de religiões e rituais no espaço ribeirinho, mesmo que haja e predominância da religião católica, em primeiro lugar, e protestante, em segundo, e o seu resultado pode ser observado em Oliveira (2008b). Além disto, foram analisados o poder mobilizador da igreja e da religião, as representações sobre deus e sobre o sagrado. Dentre os elementos de destaque da pesquisa estão os sabres religiosos institucionalizados, onde os ensinamentos religiosos transmitidos por padres, pastores e pelo Evangelho/Bíblia vistos como orientadores da prática cotidiana e como a religiosidade perante a doença se apresenta, em alguns casos, como aceitação passiva de um destino ou resignação. A pesquisa realizada em 2007 sobre a cultura amazônica teve como eixo central o mapeamento simbólico de saberes sobre lendas e mitos, culinária, o vocabulário e a música da Amazônia que possuem os alfabetizandos das comunidades rurais-ribeirinhas onde o NEP atua. Dentro destes saberes, podemos perceber que as lendas e mitos são contados como histórias verdadeiras, em espaços de comunhão (familiar ou comunitário) a partir da cultura de conversa que estas comunidades preservam e, geralmente, possuem como plano de fundo lições de respeito a natureza e a cultura local. A culinária e o vocabulário têm grande influência das matrizes indígenas e africana e a culinária possui grande relação com mitos e a presença de tabus alimentares, que impedem de realizar determinadas misturas ou de comer determinado alimento em uma condição de saúde ou social determinada.

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Outra pesquisa importante do projeto foi a pesquisa sobre a cartografia de saberes ligados ao cuidar, a saúde e a doença. Nele, é analisado os saberes, imaginários e representações dos educando do NEP de turmas desenvolvidas em hospitais sobre o cuidar, a saúde e a doença e o resultado foi socializado por Teixeira (2010). No entanto, dentre estas pesquisas ainda há um aspecto pouco trabalhado, que está ligado ao entendimento da relação que existe entre o território destes sujeitos e o processo educativo que é desenvolvido nestas comunidades, e que este estudo irá contribuir para este debate.

c) Eventos Além das pesquisas institucionais, o NEP conta com eventos que são periódicos e buscam debater questões relacionadas a educação popular e a ação dos GET, dentre eles destacam-se: 

Jornada Paulo Freire: realizada anualmente pelo núcleo para discutir questões mais gerais relacionadas ao pensamento freireano e socializar a prática educativa desenvolvida pelo grupo.



Seminários Temáticos: podem ser desenvolvidos tanto pelo núcleo ou por um GET para discutir questões mais específicas do pensamento freireano, como, por exemplo, a relação entre a teoria freireana e a prática educativa em hospitais ou com idosos.



Seminários sobre Educação Popular na Amazônia Rural: é construído com os sujeitos das próprias comunidades e articulam a discussão sobre a educação popular do campo, desenvolvida na perspectiva freireana, com o debate em torno do desenvolvimento local e os direitos humanos. Já ocorreram na sede do município de SDC no centro de algumas comunidades.



Seminários sobre Educação Popular em Ambientes Hospitalares: organizado pelos GET vinculados a temática para socializar experiências de educação popular nestes ambientes.

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d) Publicações Entre as publicações, temos seis livros já publicados e outros esperando recursos para publicação. Os publicados são: •

Cartografia de Saberes: o cuidar, a saúde e a doença em práticas educativas populares em comunidades hospitalares de Belém (TEXEIRA, 2010).



Caderno de Atividades Pedagógicas em Educação Popular: relatos de pesquisas e de experiências dos grupos de estudo e trabalho (OLIVEIRA, 2009).



Cartografia de saberes: representações sobre religiosidade em práticas educativas populares (OLIVEIRA, 2008b).



Cartografia de Saberes: representações sobre a cultura amazônica em práticas de educação popular. EDUEPA. Belém-Pará (2007a).



Política de Educação Inclusiva e Formação de Professores no Município de Ananindeua- Pará. (OLIVEIRA, 2007b).



Cartografias ribeirinhas: saberes e representações sobre práticas sociais de alfabetizandos amazônidas. (OLIVEIRA, 2008a).



Caderno de Atividades pedagógicas em Educação Popular: pesquisas e práticas educativas de inclusão social. (oliveira, 2004).



Palavra-ação em Educação de Jovens e Adultos (OLIVEIRA, 2002).

Destes seis, apenas o livro “Política de Educação inclusiva e Formação de Professores no Município de Ananindeua – PA” não tem trabalhos relacionados ao trabalho desenvolvido em SDC. Estes são alguns dos indicadores que nos permitem conhecer como a história do núcleo veio se desenvolvendo em seus poucos anos. As publicações, pesquisas, turmas e debates desenvolvidos pelo NEP mostram a atualidade sobre educação popular nos mais diversos contextos amazônicos e a vitalidade com o que grupo veio se formando nos últimos anos. Todas estas ações foram possíveis a partir do questionamento e do enfrentamento da realidade educacional paraense. É neste sentido que todas as ações do NEP se desenvolvem nos mais diversos grupos. É neste sentido, também,

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que precisamos entender mais sobre a realidade camponesa nas comunidades rurais-ribeirinhas em que são desenvolvidas as ações educativas no município de São Domingos do Capim.

4.3. As ações do GETEPAR -NEP em São Domingos do Capim

Em geral, o NEP financia suas ações a partir da aprovação de projetos de pesquisa, ensino e extensão aprovados nas chamadas anuais da UEPA, o que possibilitou o desenvolvimento dos trabalhos em SDC nos anos de 2003, 2004 e 2005 e de agências de fomento de pesquisa como o CNPq e a CAPES, cujos recursos viabilizam a compra de equipamentos e materiais de consumo. No entanto, desde o ano de 2005, por mudanças nas normas para a inscrição de projetos na área de ensino, os projetos de formação de educadores deixaram de ser contemplados, prejudicando a periodicidade das formações e o acompanhamento dos trabalhos nas turmas do NEP em SDC que deixou de ser mensal e assumiu uma periodicidade irregular, dependendo de outras fontes de recursos esporádicas ou dos recursos dos próprios integrantes do Núcleo. Essa situação afetou diretamente a qualidade dos trabalhos desenvolvidos durante os anos de 2006 e 2007, gerando diversas dificuldades para a formação de novas turmas e a manutenção das turmas já existentes. Segundo uma das assessoras do NEP no município, no ano de 2009:

do NEP, nós tivemos assim. O NEP era a turma que o MOVA... Nós montamos a turma e o MOVA assumiu no caso lá do “S”, foi a única turma que tivemos, mas com a parceria do MOVA. Tipo assim, o mova pegou os alunos do NEP pra poder ser trabalhado com eles, até por causa da bolsa que contribuía... que ajudou, no caso a Diana. Jesus por Nós foi a mesma situação que, no caso, o André pegou os alunos do NEP a uns anos atrás, que nós tínhamos a turma de 2003 até 2005 nós tínhamos a turma, ai como parou, né, os professores tiveram que se ausentar pra ir pra outras comunidades, tiveram que ir pra bem distante, ai sem professor também parou as turmas mas eles sempre foram do NEP, né, ainda hoje se consideram do NEP. Consideram mesmo alunos do NEP, quando chega lá e pergunta: não, nós fazemos parte do NEP, mas estamos estudando no MOVA. É assim que é o nosso contrato com eles. No caso, a glória e o diego, são os dois professores que estão na frente dessas turmas de lá, agora no momento. (Cris – assessora)

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Outra dificuldade encontrada pelo GETEPAR-NEP é a manutenção do grupo local em SDC. Como os projetos apoiados pela UEPA previam apenas a formação de educadores e a realização de pesquisas, as bolsas podem ser pagas apenas para as pessoas que tenham vinculo com a instituição, o que não é o caso do grupo local, não havendo, assim, como remunerar os educadores e os assessores locais, gerando grande dispersão no grupo devido as dificuldades financeiras apresentadas pelos integrantes locais, que lutam constantemente para manter suas atividades, mas muitas vezes são forçados a secundarizar a atuação no NEP pela necessidade de sustento próprio e de sua família. As parcerias do NEP com outros programas governamentais e nãogovernamentais possibilitaram o pagamento de uma bolsa no valor de R$ 250,00 para cada educador durante oito meses por ano, período em que foram desenvolvidas as atividades educativas. Além das bolsas destinadas aos educadores, a parceria pode oferecer uma bolsa para alguns membros do NEP em SDC que, devido a sua experiência em educação popular do campo no município, foram selecionadas para coordenarem o MOVA no município, ficando responsáveis pelas turmas que eram vinculadas ao trabalho do NEP e as outras que aconteceram no município. Antes do desenvolvimento da parceria, a situação era ainda mais difícil, no que tange aos recursos financeiros. Segundo a assessora Cris:

no caso do NEP, agente trabalhou voluntário. De princípio os meninos tentaram nos dar uma bolsa... uma ajuda, no caso não era uma bolsa era uma ajuda de apenas R$ 50,00, foi quanto agente recebeu, onde uns recebiam R$ 120,00, no caso eu, a Lene, a Deuzuite. Não era uma bolsa, era uma gratificação, e o MOVA, ele já entra com uma bolsa de R$ 250,00 durante oito meses. Dentre as dificuldades que esta parceria apresentou está: (a) a dificuldade encontrada pelos educadores e os coordenadores locais de conseguirem a liberação do material didático para o início das turmas; (b) precária infra-estrutura das escolas, já que os espaços foram doados pela própria comunidade e, em geral, as atividades educativas eram desenvolvidas no barracão da comunidade ou em escolas precárias construídas pelos próprios agricultores; (c) a existência de diversos problemas de saúde entre os agricultores, destacando-se o problema de visão, o que prejudica as atividades.

147

Para a escolha dos educadores que ficaram responsáveis pelas turmas de responsabilidade do NEP foram definidos dois critérios: (a) deveria residir na própria comunidade ou pelo menos ter uma presença constante nela e; (b) participar das atividades de formação e acompanhamento do NEP, assumindo o compromisso político-pedagógico de construção da educação do campo. Neste sentido, em 2009 havia a previsão do desenvolvimento de três turmas ligadas ao NEP. No entanto, em apenas duas comunidades foram concretizadas as turmas. Na comunidade São José do “S” a educadora é da própria comunidade. Além da função de educadora do MOVA, ela desenvolve a função de Agente Comunitária de Saúde, sendo responsável pela visita na própria comunidade e nas demais comunidades da região do São Bento19, tendo grande ligação com as famílias locais. As turmas foram desenvolvidas nos espaços escolares construídos pela própria comunidade a partir do sistema de mutirões a muitos anos e que, atualmente, se encontra em estado precário devido a falta de apoio do poder público para a manutenção da escola. Dentre os principais problemas encontrados na escola, podemos destacar a grande quantidade de goteiras, o sério comprometimento de parte da estrutura do telhado da escola que foi comido por cupins, a grande quantidade de tábuas comidas por cupins, úmidas ou quebradas, a existência de quadro de giz, o que gera problemas à saúde, carteiras inadequadas devido ao seu tamanha e ao seu peso, dificultando o trabalho em educação infantil, a quantidade de carteiras que é insuficiente, a iluminação que é feita por uma lâmpada incandescente, o que gera uma luminosidade inapropriada para o período noturno, agravado pelos problemas de vista dos sujeitos adultos e idosos. Esta realidade pode ser em parte percebida quando se olha por fora as condições da escola, como mostra a imagem 16.

19

Região do São Bento é como os moradores definem o conjunto de comunidades que são polarizadas pela comunidade do São Bento, como, por exemplo, as comunidade: São José do “S”, São Bento, Ourinho, Jesus por Nós, Fé em Deus e São Benedito, entre outras.

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Imagem 16 – Escola da Comunidade São José do “S”

Fonte: trabalho de campo realizado em maio de 2010. Foto: Adolfo O. Neto

A outra turma foi desenvolvida na comunidade “Jesus por Nós”, sendo que 2009 foi o primeiro ano que esta comunidade foi atendida pela ação do NEP. Esta comunidade é recente se comparada às demais20 e foi constituída por um desmembramento da comunidade do “São Bento”. Nesta comunidade o educador não era do local, no entanto, foi escolhido por possuir um vínculo com a comunidade e por não ter na própria comunidade moradores que pudessem assumir as turmas do MOVA. Nesta comunidade há uma especificidade em relação às demais. Nela os moradores construíram duas escolas. Em uma são desenvolvidas as atividades de ensino fundamental na modalidade multisseriada (imagem 17) e na outra são desenvolvidas, em horários diferentes, as atividades de educação infantil e de EJA (imagem 18).

20

Segundo os moradores, na área da comunidade possuem pessoas morando a aproximadamente 15 anos e esta se reconhece como uma comunidade independente a aproximadamente 10 anos.

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Imagem 17 – Escola de Multisseriada de Ensino Fundamental da Comunidade “Jesus por Nós”.

Fonte: Trabalho de campo realizado em agosto de 2010. Foto: Adolfo O. Neto

Imagem 18 – Escola de Educação infantil e de EJA da Comunidade “Jesus por Nós”

Fonte: Trabalho de campo realizado em agosto de 2010. Foto: Adolfo O. Neto

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É interessante perceber a importância que os sujeitos dão ao processo educativo. Em uma das falas registradas na comunidade Jesus por Nós, é possível perceber o quanto a educação está presente entre todos os membros da família. Isto fica evidente quando o sujeito afirma que: Eles (as crianças) estudam lá naquele barraco, lá. Estudavam até dentro da igreja ai quando foi um dia foi passado lá pra um barraco, tudo meio apertado. Escola mesmo não tem lá. Eu sou um deles, ai veio uma professora pra lá e eu disse: opa, vou pra lá, né, vou estudar também. Só que eu não sabia nada, nada, ai depois que ela começou a ensinar e eu comecei a estudar, graças a Deus, já sei um pouco, não sei tudo, a metade já garanto, ainda não sei fazer completo (o seu nome), e agradeço muito a deus, né. Quando é de manhã cuido da mandioca aqui e quando é meio dia eu tomo banho que é pra ir pra lá. Lá de casa somos três. É eu, a mulher e uma filinha, ai todos três somos alunos. As filhas de manhã, a mulher de manhã com a filha também, depois eu vou de tarde. (Informação oral obtida em reunião com os membros da comunidade Jesus por Nós).

Na terceira comunidade, o trabalho não pode ser desenvolvido em virtude de um fato político. Os educandos negaram-se a participar da turma em função da educadora possuir visão política diferente da visão do prefeito municipal, demonstrando medo desta diferença poder gerar algum tipo de descontentamento ou perseguição do poder público para com a comunidade. Esta seria a primeira vez que o NEP desenvolveria trabalho nela e o fato aponta a necessidade latente de se avançar na educação do campo nas comunidades rurais-ribeirinhas de São Domingos do Capim. A compreensão acumulada no grupo e nos movimentos sociais participantes da Educação do Campo, é que uma das formas de se melhorar a qualidade da educação das escolas é investir na formação de professores que tenham não só o nível de escolaridade formal exigido pela legislação, mas que tenham também identidade e vínculo com as comunidades rurais nas quais atuarão. Por isso a preferência foi dada aos moradores da própria comunidade ou pessoas que mantenham algum vínculo com esta. Desta maneira, os educadores são, preferencialmente, membros da comunidade ou possuem relação com esta, sendo que a formação continuada é feitos pelos integrantes do NEP de Belém e o assessoramento pelos integrantes do NEP do próprio município.

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4.3.1. O trabalho pedagógico do GETEPAR-NEP em turmas de alfabetização

Em relação ao desenvolvimento do trabalho pedagógico em SDC, em 2002, foi feita uma pesquisa sócio-antropológica nas comunidades atendidas pelo projeto e como resultado foi a criação de uma rede temática que subsidiou os trabalhos nas turmas nos dois anos seguintes (anexo I). A finalidade da pesquisa é ter uma primeira aproximação da realidade social das comunidades e do seu universo vocabular, selecionando algumas palavras com elevado grau de significância para a comunidade com o intuito de construir uma rede temática que pudesse servir de base ao processo de alfabetização. A rede temática subsidia a organização do currículo das turmas, e possibilita a relação entre os diversos elementos sociais captados pela pesquisa sócioantropológica e a sua relação com o desenvolvimento da consciência crítica, com os saberes sociais cotidianos e com os conhecimentos que serão trabalhados. No entanto, o trabalho organizado pela rede temática se constitui como um desafio também para os integrantes do grupo (educadores e assessores). Assim, segundo a assessora Cris, o trabalho com a rede temática não foi completamente efetivado. Isto fica explícito quanto ela afirma que:

olha, agente tentou. Agente tentou um pouco. Como na época foi um sufoco, agente resolveu pegar só uma parte do nosso trabalho, discutir o tema e fizemos assim um pequeno planejamento em cima ds propostas que agente conversou, né, como as falas e fomos levantando, fomos fazendo isso ai. (Cris – assessora) Além do que já foi relatado, percebemos mais dois problemas relacionados à continuidade do trabalho baseado nesta rede temática: (a) até o momento, não houve por parte do grupo uma ressistematização desta rede, sendo ainda a mesma do ano de 2003. Ela ainda possui grande validade e mantém-se ligada a realidade local, no entanto, a desatualização faz com que novos elementos ainda não tenham sido incorporados a ela; (b) como há uma rotatividade no trabalho das turmas do NEP, diversas comunidades que receberam turmas depois do ano de 2002 não

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passaram pela pesquisa sócio-antropológica, como a Comunidade do Ourinho. Nestes casos ou a rede temática não é trabalhada, ou ela é de maneira secundária. No total, desde o início do projeto até o ano de 2009 o GETEPAR-NEP já desenvolveu atividades educativas nas comunidades do “Pirateua”, “Nossa Senhora de Nazaré”, “São Benedito”, “Santíssima Trindade”, “Ourinho”, “Santo Antônio”, “São José do S”, “São Bento”, “Monte Ourebe”, “Jesus por Nós” e “Santa Rita de Cássia”. Além das atividades de ensino nas comunidades é desenvolvido um trabalho direcionado à formação política, debatendo temas como a organização política das comunidades e os direitos humanos21. Este trabalho é desenvolvido pelos integrantes do NEP de Belém responsáveis pela formação continuada e acompanhamento pedagógico das atividades de ensino e é desenvolvido diretamente com os sujeitos da própria comunidade em espaços cedidos para a reunião, como mostra a imagem 19. Imagem 19 – Formação Continuada com os membros da comunidade

Fonte: Trabalho de campo realizado em maio de 2010. Foto: Adolfo O. Neto. 21

Ver anexo II

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Desta maneira, o GETEPAR-NEP vem desenvolvendo atividades ligadas ao ensino, com turmas regulares de alfabetização e pós-alfabetização de jovens, adultos e idosos, e atividades de formação política dos membros da comunidade. Os momentos são vistos como complementares, na medida em que os atividades de ensino desenvolvidas nas turmas de alfabetização devem auxiliar o desenvolvimento da organização da comunidade e a organização política da comunidade deve ser fortalecido no sentido de forçar o Estado a garantir os direitos sociais básicos para os sujeitos dos campo, entre os quais, encontra-se a educação de qualidade. Analisando o papel das formações com os membros da comunidade, o assessor Gabriel afirma que

A metodologia é baseada na interação formador-alfabetizadorcomunidade, do ponto de vista interpessoal, com a construção de relações dialógicas, respeitosas e solidárias; epistemológico, com a relação entre saberes científicos, populares, didáticos, pedagógicos e; cultural a partir da relação intercultural mediante a qual o processo formativo é mais que um aprendizado de técnicas de ensino, dimensionando-se em um aprendizado para a convivência democrática e solidária. Proposta metodológica que estimulava a curiosidade dos alfabetizadores e da comunidade, o ato de perguntar, a criticidade, a problematização do contexto social, econômico, político, cultural, ambiental da região amazônica e das comunidades ribeirinhas, particularmente. A metodologia também baseada na pesquisa e no trabalho como princípios formativos. Constantemente, trabalhávamos a pesquisa como um recurso do processo formativo, ou a pesquisa como uma dimensão mesma da prática educativa, na medida em que o educador deve estar sempre investigando a efetividade da aprendizagem dos alunos, as dificuldades enfrentadas, as soluções possíveis... (Gabriel) O trabalho de assessoria22 feito com a comunidade é reconhecido pelos membros da comunidade, sendo um dos elementos de diferenciação entre a escola “tradicional” e as turmas do NEP. Um dos exemplos desse reconhecimento dos membros da comunidade é quando a educanda Diana afirma que

Era tão bom se retomasse de novo. A maioria dos sócios da associação eles estavam matriculados até porque na reunião passada eu falei pra eles: olha, vocês tem que estudar. Porque não pode ser o pascoal e o 22

Em relação aos temas trabalhados na reunião de maio de 2010, ver anexo II

154

Alexandre o presidente. Vocês também tem que fazer parte desta diretoria assim como presidente, mas. Por exemplo, algum projeto pra assinar você vão ter essa dificuldade parece que vão apertando. Ah, não sabe assinar, né, então ta fora. Isso fica difícil pra vocês. (Diana) As repercussões deste processo são identificadas pelos próprios sujeitos quando, analisando a situação concreta que estão imersos e o processo histórico que o construiu se reconhecem como sujeitos de direitos e passam a querer questionar o poder público para que este assista aos interesses das comunidades, como destaca o educando Paulo ao afirmar que:

Ajudou, ajudou assim. Eu acho não, que ajudou mesmo, né. Até por causa que agente não conhecia mesmo os direitos da gente, agente sempre ficou todo o tempo calado, e depois dessas visita do NEP, depois e todo esse trabalho deles foi incentivando agente dizendo que nos temos os nossos direitos, né. Nós temos que reivindicar os nossos direitos. Agente até que não fiz totalmente isso ai mas agente já sabe que agente tem o direito de reivindicar os nossos direitos. Olha, nesse caso ai, que nós temos precisado deste motor ai, né, agente sempre levava pra consertar agente mesmo, né. E agora, conversa com o prefeito, vê se o prefeito faz alguma coisa pra gente, né, porque o Sérgio sempre dizia assim, e todos eles que vinham, sempre diziam assim, mas vocês têm direito, vocês tem que reivindicar o que vocês estão precisando também e ir lá com o prefeito. Vocês tem que ir lá com ele porque vocês todo tempo ficam abandonados e ai quando chega no tempo de eleições eles vem, começam a pedir votos e depois não conhece mais agente, né. E agente não vai. Mas depois agente já passou a conhecer isso eu sempre venho dizendo: olha, depois desse mandato que tá, eu tenho dito para o pessoal, pra gente ir conversar com o prefeito porque da maneira como tá essa estrada aqui, né, já foram oito anos de mandato e o prefeito não fez nada. (Paulo) Neste sentido, o trabalho educativo desenvolvido pelo GETEPAR-NEP é muito superior ao desenvolvimento de turmas de alfabetização e pós-alfabetização de adultos. Ele se configura como um processo de reconhecimento dos sujeitos do campo côo portadores de direitos que, operando a partir do desvelamento crítico da sua realidade, envolvem-se em um processo de superação da situação concreta de opressão e de exploração usando como uma das ferramentas a leitura e a escrita.

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5. A RELAÇÃO ENTRE A EDUCAÇÃO POPULAR DO CAMPO E O TERRITÓRIO: o caso das comunidades rurais-ribeirinhas de São Domingos do Capim.

Nós temos que recuperar os vínculos entre educação e terra, trabalho, produção, vida, cotidiano de existência: ai é que está o educativo. (Arroyo, 2004, p. 77)

A observação e participação dos trabalhos educativos desenvolvidos pelo NEP nas comunidades rurais-ribeirinhas de São Domingos do Capim são experiências absolutamente instigantes. De um lado, pela forma como o processo educativo

vem

se

desenvolvendo

nas

comunidades,

tendo

uma

enorme

peculiaridade espaço-temporal. De outro, porque a própria vivência da comunidade é algo desafiador, pelos limites impostos pelas questões estruturais e pela grande dimensão cultural que ela exige. Baseada em um conjunto de valores e de relações completamente diferenciadas das vivenciadas no espaço urbano, estas comunidades fazem das suas práticas sociais cotidianas momentos privilegiados de interação entre saberes. Esta interação é o que, em grande medida, confere sentido e unidade política e cultural a todo o grupo. As formas de se relacionar no e com o espaço também são bastante específicas. A produção territorial é marca de uma vivência que, mesmo possuindo características privadas, possui grande dimensão coletiva. A produção territorial é característica da forma como as comunidades estruturam a sua temporalidade e a sua espacialidade. Nela estão presentes elementos materiais e simbólicos que demarcam a luta pela terra, pelo território, pela cultura, pela história, pelo trabalho e pela a temporalidade ribeirinha. Na análise da prática educativa desenvolvida pelo NEP podemos identificar como o território, não como conceito, mas como conteúdo vivo, a partir das suas contradições, conflitos, disputas e sentidos, é trabalhado nas salas turmas de alfabetização

e

pós-alfabetização

de

adultos.

Além

desta

característica,

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identificamos que o território é muito mais que conteúdo e sua carga educativa está para muito além do espaço de sala de aula. Ele, em si, é educativo e a vivência da comunidade comprova que, nas relações cotidianas, o território é um elemento importante das trocas e vivências (materiais e simbólicas) que estruturam a vida destes grupos sociais. O território assume esta dimensão a partir da relação que os sujeitos e seus respectivos grupos sociais estabeleceram com este espaço, conferindo-lhe sentido a sua materialidade, ao mesmo tempo em que conferem novos sentidos e reconstroem novas materialidades. A convivência nas comunidades nos fez melhor entender a observação de Fernandes (2006, p. 29) de que:

educação, cultura, produção, trabalho, infra-estrutura, organização política, mercado etc, são relações sociais constituintes das dimensões territoriais. São concomitantemente interativas e contemplativas. Elas não existem em separado. A educação não existe fora do território, assim como a cultura, a economia e todas as outras dimensões.

Neste sentido, a prática educativa do NEP direciona-se para que educação e território sejam elementos que se retroalimentem nas turmas de alfabetização e pósalfabetização, já que na prática social cotidiana destas comunidades, este é um elemento presente. Esta questão aparece na fala do assessor do NEP, Gabriel, ao afirmar que na educação popular do campo devemos

considerar os desafios postos pela realidade ambiental, social, cultural, econômica dessas comunidades, assim como as motivações e os desejos existenciais dos seus sujeitos, com uma perspectiva claramente democrática, inclusiva, multi/intercultural e transformadora de educação. O que se espera é que o trabalho educativo contribua para a mobilização política dos moradores, para a elevação da consciência e o desenvolvimento dos saberes relacionados à tradição escolar (leitura, escrita, cálculo, conhecimentos sobre o mundo social e natural, linguagens e códigos artísticos), e que essas aquisições se convertam em um motor para a própria transformação da realidade social dessas comunidades (GABRIEL. Assessor do NEP). O entendimento disto pela educação popular do campo se constitui em um avanço significativo do ponto de vista da luta que estes sujeitos mantém pela garantia do direito de (re)existirem enquanto grupo social que deva ter os seus direitos garantidos pelo Estado.

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Assim, esta seção está dividida em duas partes. Na primeira, analisaremos como o território enquanto um conteúdo vivo e complexo serve de base para o desenvolvimento das atividades educativas nas turmas mantidas pelo NEP. Na segunda, abordaremos como o território é a base para a formação do que estamos entendendo como saber espacial e como este serve de base para que o cotidiano da comunidade seja entendido sob o um ponto de vista educativo.

5.1 – A vivência como matriz do processo educativo: o território como elemento educativo.

Um dos princípios fundamentais da educação popular na perspectiva freireana é que “não há educação fora das sociedades humanas assim como não há homens no vazio” (FREIRE, 2008, p. 43). A grande questão imposta aos que se colocam nesta perspectiva, e em especial à educação popular do campo, é como traduzir este princípio para a prática educativa. O desenvolvimento deste princípio e a construção de uma educação que tenha como base o respeito à comunidade e aos sujeitos do campo, exige que a prática educativa leve em consideração questões como, por exemplo, a história da comunidade e dos sujeitos, o respeito e o entendimento das suas temporalidades, o entendimento dos conflitos sociais a que estes sujeitos estão envolvidos em sua territorialização, o entendimento dos símbolos das comunidades, o entendimento dos seus significados, a organização social, política e especial das comunidades, as disputas territoriais e as diversas lógicas de uso e representação do espaço que estão em jogo na construção das ações cotidianas, entre outras. São estes elementos que estamos utilizando como indicadores para identificar como o território, como conteúdo vivo está presente na prática educativa. Todos eles relacionam-se com o território, direta ou indiretamente e eles são os alguns dos elementos que acreditamos que nos permitem entender a dinâmica do território e o processo de territorialização em que estes sujeitos estão imersos. A presença destes elementos na prática educativa permitiu que a reflexão sobre os elementos da comunidade tornassem pauta para o desvelamento crítico dos sujeitos. Isto corrobora com a afirmação de Freire (2006a, p. 44) de que:

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o exercício desta atividade crítica, na análise da prática social, da realidade em processo de transformação possibilita aos alfabetizandos, de um lado, aprofundar o ato de conhecimento na pós-alfabetização; de outro, assumir diante da sua quotidianidade uma posição curiosa. A posição de quem se indaga constantemente em torno da própria prática, em torno da razão de ser dos fatos em que se acha envolvido.

Um dos elementos que indica esta relação e que está presente na rede temática é a disposição espacial do arraial das comunidades. É comum que nas comunidades da região o arraial seja formado por uma pequena igreja, um barracão e uma escola (quando o próprio barracão não serve de escola). É comum encontrar, também, elementos ligados ao trabalho (casa de farinha, açude), igarapés (geralmente são bem próximos) e elementos de lazer (geralmente o campo de futebol). Esta disposição indica pelo menos dois elementos. O primeiro é a importância da educação para a estruturação das comunidades, já que no arraial geralmente são construídos elementos de uso coletivo que tenha a finalidade agregadora. Neste sentido, a escola, além de ser um elemento comum, é um elemento estruturador das comunidades. O segundo é que a estruturação do arraial dá traços indicativos do processo de territorialização destes sujeitos. A interpelação entre elementos sagrados, religiosos, de lazer, de trabalho, construído sobre características naturais locais acabam por revelar a dinâmica e a importância destes elementos na produção territorial. Na imagem 20 podemos perceber a estruturação espacial do arraial da comunidade “Jesus por Nós”. Nela, da esquerda para a direita, encontram-se a igreja (prédio branco), a escola de ensino fundamental com a casa da professora (prédio aberto), a escola de educação infantil e onde foram desenvolvidos os trabalhos educativos do NEP de alfabetização de adultos (prédio pequeno e com a parede até meio corpo), uma casa de farinha e o barracão da comunidade. Além destes elementos, logo atrás das duas escolas e da casa de farinha há um igarapé que é usado pela comunidade.

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Imagem 20 – Foto do arraial da comunidade “Jesus por Nós”

Fonte: Trabalho de campo realizado em agosto de 2010. Foto: Adolfo O. Neto.

Este processo de territorialização, que se expressa na construção e utilização do espaço, é um dos principais eixos estruturantes das ações educativas do NEP. Isto porque estas ações educativas desenvolvidas em 2009 nas comunidades do “São José do S” e de “Jesus por Nós” em parte foram estruturados em torno da rede temática construída através da pesquisa sócio-antropológica em 2003 (ANEXO 1). Esta rede temática, apesar de ser rica e complexa, em grande medida precisa ser atualizada levando em consideração os elementos presentes nas comunidades que na época não foram analisadas, incluindo a comunidade “Jesus por Nós”. Elementos como o caráter recente de formação da comunidade, a produção cooperada e a criação de peixes, que são elementos característicos da comunidade “Jesus por Nós” ainda não estão presentes na rede temática de 2003. Ela foi estruturada a partir da seguinte frase geradora: “a derrubada e a queimada agente faz por necessidade, porque foi assim que agente aprendeu”. A partir dela, elementos como a desterritorialização, as relações de trabalho, as

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relações de convivência, as relações com o sagrado, a importância da espacialidade e da territorialidade e a relação com a natureza foram articuladas tomando como referência as próprias falas significativas dos sujeitos. A rede temática teve como elemento educativo central a “exploração racional dos recursos naturais e o equilíbrio ecológico nas comunidades rurais”. A partir daí, elementos como políticas públics, assistência técnica, organização política, leitura, escrita, operações matemáticas simples, noções iniciais de cartografia, noções básicas de geografia e história foram trabalhadas23. A estruturação do trabalho educativo tomando como referência a rede temática é um dos principais elementos que buscam garantir a vinculação dos conteúdos trabalhados nas turmas com a realidade social das comunidades, o que vai ao encontro do esforço relatado pelo educador André, que questionado sobre a maneira como é a preparação das aulas, afirmou que: Olha, o planejamento das aulas é o seguinte: eles são montados em cima da realidade das pessoas da comunidade porque, adianta muito no caso de eu, por exemplo, tipo, ta me atualizando fora, lendo e assistindo jornais, revistas e alguma coisa assim, assistindo televisão, porque? Porque, tipo, pelas ciosas que acontecem lá fora que eu vou me organizar na comunidade, mas as aulas são em cima dos problemas, das questões, que existem na comunidade. É assim que são montadas as minhas aulas. (ANDRÉ – Jesus por Nós)

Questionada sobre o mesmo tema, a educadora Regina vai mais além e mostra a relação entre a educação popular do campo e a história social da comunidade, tomando como referência um dos trabalhos desenvolvidos durante o processo de alfabetização. Segundo Regina, ela trabalhou a fundação da comunidade, quem fundou, como fundou. A história, né. Agente trabalhou muito com isso. Eles gostavam porque era coisas assim que eles achavam até que estavam esquecido e agente podia lembrar, né, como agente lembrou muito isso agente fez até um trabalho em cartolina, como era a comunidade e algo assim, ai eles fizeram aqueles desenhos bonitos. Foi muito bonito e eles gostaram muito disso porque nem eu sabia como fundou porque eu to a doze anos aqui, eu sou do município de concórdia, ai eu já to a doze anos aqui e ninguém fazia essa lembrança e eles gostavam muito que nós ficássemos lembrando porque eles diziam assim, que ninguém jamais ficou fazendo essa pergunta, como foi que fundou. (REGINA – São José do S)

23

Sobre o assunto, ver Oliveira Neto (2007).

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Dentre outras questões, a importância do desenvolvimento do trabalho levando em consideração a história da comunidade é pelo fato de nela os sujeitos se verem e verem suas tradições, origens e, em alguns casos, o processo de reconstrução da história é um processo de reconstrução da memória do sujeito, que com o tempo ia perdendo sua jovialidade. Além da história, outro elemento importante constituinte da territorialidade dos sujeitos é a temporalidade a que eles estão imersos. Esta questão aparece em vários momentos, no entanto, ganha destaque na adequação do horário das turmas a dinâmica dos sujeitos. Segundo os educadores, o processo de escolha do horário e dos dias dos encontros é definido em comum acordo com os sujeitos, sendo que podem variar de uma semana para a outra e de um dia para o outro. Segundo a educadora Regina, da comunidade São José do S, as turmas mudavam devido a vontade dos educandos. A educadora relata que os educandos falavam: “ah, não vai dar essa semana, agente vai fazer farinha, agente tem outra coisa pra fazer. Ai agente mudava o dia, né, ficou assim, mas era terça, quarta e sexta. Por causa do trabalho deles. Todos trabalhavam em roça” (REGINA – São José do S). Esta fala, além de mostrar a importância da temporalidade dos sujeitos na definição do tempo das turmas, mostra a forte ligação entre o cotidiano dos sujeitos e o trabalho, em especial, as atividades relacionadas com a produção de farinha de mandioca (preparação do solo, plantação, cuidado da roça, colheita, produção da farinha). A temporalidade dos sujeitos é construída a partir de um entrelaçamento entre o tempo da natureza, o tempo do indivíduo, o tempo social, o tempo da religiosidade, o tempo do trabalho. Estes elementos configuram uma temporalidade complexa que tem como característica prioritária o respeito à natureza e a valorização dos elementos culturais da comunidade, já que a imposição da temporalidade externa à comunidade que prega a velocidade e o domínio absoluto sobre os elementos naturais para diminuir o tempo social necessário a produção sofre com uma espécie de barreira que é construída pelo cotidiano destas comunidades, mesmo que esta barreira não seja total e não seja produzida de maneira por vezes até contraditória com os desejos dos próprios sujeitos. A temporalidade destas mesmas comunidades é analisada por Corrêa (2008, p. 44) afirma que:

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No bojo dessas múltiplas atividades, é notória a forte relação entre , ou seja, essas populações sustentam-se nos saberes sobre o tempo, as marés, os igarapés, a terra, a mata, o período de desova das espécies e o período de chuva e sol para explicar as suas práticas sociais, técnica e racionalidade produtiva.

Diante do exposto, torna-se quase um pleonasmo a afirmação de que a temporalidade destas comunidades é construída eminentemente por elementos espaciais e pelos usos culturais destes elementos espaciais. Assim, o espaço, o uso culturalmente determinado que estas comunidades constroem e a temporalidade que dele deriva são elementos absolutamente indissociáveis. O trabalho direciona-se basicamente para suprir as necessidades dos indivíduos e, de maneira residual, possuem finalidade acumulativa. Um dos limites que os sujeitos estabelecem para o seu próprio trabalho é o da natureza. Foi comum nas falas dos sujeitos e, é elemento presente na rede temática, que o limite da natureza é um condicionante para o desenvolvimento do trabalho, seja pelo fato de que quando alcançado determinado nível de desgaste dos recursos naturais é criado uma barreira ao desenvolvimento da atividade agrícola, seja porque a deterioração da natureza significa a deterioração da qualidade de vida dos sujeitos e das características do grupo social. A relação entre os limites do uso da natureza e os da produção está presente na rede temática quando o documento registra que os sujeitos das comunidades afirmam que “toda terra nossa está virando capoeirinha, terra fraca. A produção está diminuindo, só ta ficando o lugar da floresta”. Já a relação entre a deterioração da natureza e a da qualidade de vida dos sujeitos aparece quando a rede temática registra que os sujeitos das comunidades afirmam que “agente já não pode mais nem caçar, porque não tem mais o que caçar” ou então quando afirmam que “está muito quente na região e os igarapés estão secando. Não tem mais peixe. Agente está adoecendo”. Esta também é uma preocupação presente na fala do educador André quando afirma que:

Por exemplo. Questão de desmatamento. Meio ambiente, é claro que, por exemplo, que se eu for desmatar a cabeceira dos igarapés, as matas, as margens, as consequências. As consequências, por exemplo, do desmatamento das margens dos igarapés, é a seca. Vai secar o igarapé e a agua não vai mas correr. O assoreamento, a areia desce, né. Quando

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tem as árvores, a areia agarra na raiz das arvores e não passa. Tem as folhas que protegem e aquilo não tem como escorrer. Mas, a partir do momento que faz o desmatamento a areia cai para dentro do igarapé e vai morrendo, o assoreamento. Montava a aula aqui, como: na busca de conscientização dessas pessoas, na busca de cada vez mais mostrando que é da natureza que eles tiram o sustento deles, a maior parte. As nossas aulas é montada sempre em cima da realidade dessas pessoas. Hoje agente ve muito a questão da exploração de menores, né, de criança, de pais não deixar os filhos com qualquer pessoa ou sempre orientar os filhos e tudo mais, é mais ou menos assim que são montadas as minhas aulas. (André – Comunidade “Jesus por Nós”) A questão ambiental vem se tornando um problema grave na região, o que justifica a preocupação dos moradores e a importância do tema na rede temática e nas falas dos educadores e educandos. Uma das comunidades que mais vem sofrendo com a questão é a Comunidade São José do S, principalmente no que tange ao igarapé que atende parcialmente à comunidade, que, atualmente, encontra-se em uma situação de completa precariedade e com um volume de água extremamente reduzido, como mostra a imagem 21. Imagem 21 – Igarapé que atende parcialmente a comunidade “São José do S”

Fonte: Trabalho de campo realizado em agosto de 2010. Foto: Adolfo O. Neto.

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Outro elemento presente nas ações educativas é o anseio dos sujeitos pela melhoria das suas condições de trabalho. Mesmo valorizando o trabalho e a sua dimensão histórica e cultural, reconhecem a necessidade de atualização das formas de produção para aumentar a produtividade e para diminuir o cansaço, geralmente expresso pelas dores no corpo que a idade potencializam. Esta ânsia pela melhoria das condições de trabalho é registrada na rede temática quando aponta que os sujeitos afirmam que “trabalha assim na roça faz parte da nossa necessidade e da nossa cultura, aprendemos com nossos antepassados” e que “falta de apoio técnico de associações e cooperativas”. Este problema também é colocado pelo educador André quando em uma de suas falas relata que:

Chega uma época do verão, pra cá, que desde de manhã, a fumaça baixa, ela desce que agente não enxerga o azul do céu normal, não enxerga a outra margem do rio, e isso quem é que causa? Somos nós mesmos. A pessoa fazendo roça e tudo mais. É necessário? É. Claro que é necessário, mas só que tem que fazer, porque agente não adota outro método. Outro método, tipo, de ta trabalhando com o cultivo da mandioca de maneira diferente, mais saudável, sem prejudicar nem agente, nem o planeta nem outras pessoas que estão sem nem culpa e poderão ser prejudicadas por isso, né. (André – Comunidade “Jesus por Nós”) A articulação destas falas significativas na construção da rede temática procuraram orientar a prática educativa para trabalhar questões relativas ao trabalho infantil, transporte nas comunidades, políticas de saúde, políticas agrícolas, políticas educacionais e culturais e políticas ambientais. As ações buscaram valorizar a observação do espaço local e a vivência da comunidade como estratégias pedagógicas. Neste sentido, o local onde é desenvolvido as turmas torna-se um ponto de centralidade social. As turmas e o cotidiano dos sujeitos reencontram-se, tornando-se parceira no processo ensinoaprendizado-ensino, onde o cotidiano constrói a cultura, o saber e o território e as turmas, através do processo educativo, busca reconstruí-los, agora sobe bases críticas. Entre as estratégias pedagógicas para aumentar o vínculo entre a comunidade e as turmas esteve o desenvolvimento de atividades educativas fora do espaço das salas de aula. Elas tinham como objetivo facilitar o processo de

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reconhecimento crítico da realidade pelo educando, tomando como referência sua própria realidade local como a base para o desenvolvimento da consciência crítica. Uma destas atividades foi desenvolvida pelo educador André, que relata que:

Fazia atividades fora do tipo pesquisa e de observação do meio que agente vivia. Por exemplo, como era que era e como estava naquele momento, as transformações que estavam ocorrendo na natureza e tudo mais. As vezes agente usava as estações do ano, quais eram as estações que as arvores floresciam, davam fruto e tudo mais. As vezes perguntavam quais eram as estações que as folhas caiam e tudo mais. E fizemos trabalho também com ervas medicinais, sendo que as pessoas tiveram um prazo para organizarmos que na semana seguinte que cada pessoa levaria 3 tipos de ervas medicinais e agente fez uma roda e agente foi debater aqueles assuntos. Por exemplo, essa aqui é a erva tal, ela cura tal doença, nos fizemos isso e eu lembro que eu anotei mas só que, eu coloquei no relatório e entreguei para a responsável para ela enviar pra Belém. (André – Comunidade “Jesus por Nós”) O trabalho educativo que tem a educação popular do campo como referência central passa a ser entendido, então, como um instrumento de reforço da identidade social dos sujeitos, ao fortalecer o processo organizativo das comunidades e valorizar os elementos que estruturam a formação sócio-espacial que os caracterizam, ao mesmo tempo em que atende ao interesse dos sujeitos de escolarizarem-se para romper com a invisibilidade social que a eles é imposta por não participarem como protagonistas da sociedade que tem como norma a leitura e a escrita. Paralelamente constrói os elementos necessários para o rompimento com o processo de opressão e de exploração que tem elemento central de sustentação a condição de analfabetos ou semi-analfabetos dos sujeitos. Assim, os sujeitos acabam atribuindo uma grande importância a escola e sentem-se contemplados ao perceber que as turmas são elementos de afirmação social da comunidade. Isto fica evidente, entre outros momentos, quando o educador André tratando da importância da escola do campo e do trabalho desenvolvido pelo NEP afirma que:

ela auxilia, ajuda muito, mas ajuda quando o professor que está naquela sala de aula ele incentiva o seu aluno a participar da comunidade, da igreja porque desde criança tem esse incentivo, quando chegar na adolescência ele não vai querer seguir o mal, o caminho errado, e vai ta participando da igreja, da comunidade, porque isso que é bonito. (...) ela ajuda, tanto é que toda comunidade pra cá tem que ter a igreja, o arraial,

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é claro, a escola e o campo [de futebol], porque o campo tem que ter uma diversão porque se for se prender só em sala de aula, só em sala de aula, não vai. Uma aula muita chata... tem as vezes que sair com os alunos, fazer, tipo, um passeio pela comunidade, porque agente pode morar um bom tempo em um local mas de vez enquanto, sempre há algo novo a ser descoberto naquele local, né. (André – Comunidade “Jesus por Nós”) Este processo também é reconhecido pelos educandos quando percebe a importância das turmas de educação popular do campo para as comunidades. Uma das falas que se direcionam neste sentido é a da educanda Diana, da comunidade do “São Bento”. Para ela, as turmas de alfabetização desenvolvidas na perspectiva da educação popular do campo

Ajuda sim. Porque esse projeto ai que vocês trabalham ele não vem só com essa educação só de aprender a ler e a escrever. Ele tem agricultura, né. Desenvolvimento de outras e outras coisas e, com certeza, se for encaixar tudo, tudo é ótimo. E agente precisava tanto que se desenvolvesse aqui, mas sozinho... (Diana – Comunidade do “São Bento”)

Um dos elementos presentes na fala da educanda, que ao afirmar que “agente precisava tanto que se desenvolvesse aqui, mas sozinho...” revela a fragilidade ainda presente no processo de organização política da comunidade. Este é dos elementos mais presentes ultimamente no processo de formação que vem sendo desenvolvido diretamente com os membros da comunidade. Um dos exemplos disto é a formação “O papel das associações para o desenvolvimento rural de São Domingos do Capim”, realizado em maio de 2010 na comunidade do São Bento (Anexo II). Nela, entre outras coisas, foi debatida a importância das associações para o desenvolvimento do campo do município; a diferença entre associação e sindicato; a importância da ação dialógica na construção das associações; a diferença entre a ação dialógica e a ação antidialógica; os objetivos de uma associação dos moradores das comunidades ruraisribeirinhas e; algumas das políticas públicas que podem auxiliar o desenvolvimento das comunidades. A observação das comunidades levou-nos a refletir sobre a importância do território como conteúdo vivo para o desenvolvimento das ações educativas nas comunidades analisadas. Isto significa dizer que o território sempre esteve presente

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na ação educativa, mesmo que os sujeitos não tenham em mente um conceito de território para responder quando questionados de imediato. Muito pelo contrário, o território não esteve presente como um elemento teórico e artificial que é ensinado com prazo de validade, tendo o dia e a hora exata para ser esquecido. O território esteve presente como conteúdo vivo, presente na vida social dos sujeitos e entendido em toda a sua complexidade, demarcando as características específicas que são as marcas da sua formação. Esta constatação nos aproxima do conceito de consciência espacial que é apresentado por Resende (1986). Este conceito é baseado na ideia de que: é fazendo a sua história, vale dizer, inserindo-se nas relações de trabalho e produzindo, em condições sociais dadas, a sua própria vida, que elas vão construindo esta consciência. Os conceitos brotam da prática, que é essencialmente uma prática de trabalho. Eles não são absolutamente elaborados fora dela e depois aplicados a ela. Ao contrário: são o antienxerto, vêm, se podemos usar a imagem que as entrevistas a toda hora surgem, da própria terra, são tão naturais – no sentido de orgânicos – quanto ela, (RESENDE, 1986, p. 132).

A análise das turmas nos possibilitou entender como esta relação se dá na prática, tendo como referência educativa o território. Na prática educativa desenvolvida pelo NEP fica explícito que a vida dos sujeitos é um elemento central na ação das turmas e o território, como junção de elementos materiais e simbólicos, é um instrumento privilegiado na ação educativa. Neste sentido, o território se revela imbricado de mais uma função. Além das funções tradicionalmente impostas a ele, como a função política, a jurídica, a cultural, a simbólica e etc., o território mostra-se construído a partir de uma função eminentemente educativa. Mesmo considerando a relevância do conceito de consciência espacial apresentado pela autora, acreditamos que, de fato, o que ocorre é um processo de estruturação dos saberes a partir da espacialidade e da temporalidade, já que a vivência humana é marcadamente espacial e temporal e é a partir desta vivência concreta que os sujeitos constroem as suas representações e seus sistemas explicativos. As análises da maneira como os saberes populares presentes nas falas e na rede temática se relacionaram com os conhecimentos científicos e com a vida das comunidades nos possibilitaram acreditar que os saberes sociais possuem uma fortíssima dimensão social, cultural, temporal e, também, espacial. Além do que,

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assim como os sujeitos constroem e reconstroem saberes sobre a alimentação, sobre a saúde, sobre o lazer e sobre o trabalho, eles constroem e reconstroem saberes sobre a relação deles com o espaço, nos permitindo então identificar o que seriam o (s) saber (s) espacial (s). O espaço, aqui abordado sobre a matriz territorial, além de suporte para as ações dos sujeitos, torna-se conteúdo. É neste sentido, também, que podemos entender melhor a compreensão do que seria a escola do campo defendida por Fernandes; Cerioli; Caldart (2004, p. 34) para quem “uma escola do campo não precisa ser uma escola agrícola, mas será necessariamente uma escola vinculada à cultura que se produz através de relações sociais mediadas pelo trabalho na terra”. É esta tentativa que o NEP, através do GETEPAR, vem tentando construir lado a lado com os sujeitos das comunidades analisadas.

5.2 – Entorno vivido como produtor de sua própria pedagogia: o saber espacial como elemento educativo. Ao direcionarmos as nossas análises para “dentro” das turmas de educação popular do campo desenvolvidas pelo NEP, a dinâmica das atividades logo desviaram nosso olhar para “fora”, ou seja, foi a própria dinâmica das turmas que nos questionou sobre a importância de observarmos a prática educativa que se desenvolve fora da escola, isto porque, como afirma Arroyo (2004, p. 77-8) “a escola é mais um dos lugares onde nos educamos. Os processos educativos acontecem fundamentalmente no movimento social, nas lutas, no trabalho, na produção, na vivência cotidiana”. Essa constatação nos fez perceber que é extremamente possível o desenvolvimento da prática educativa com qualidade sem escola. O que não é possível é o desenvolvimento de uma boa prática educativa sem bons educadores. A prática cotidiana nos fez entender os sujeitos das comunidades como educadoreseducandos e o espaço da comunidade como uma grande escola, onde saberes, representações, conhecimentos e práticas são (re)construídos e compartilhados socialmente. Esta (re)construção é fruto de um conjunto complexo de interações sociais, culturais, temporais e espaciais que marcam a dinâmica cotidiana da comunidade,

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construindo o que poderíamos considerar como um gênero de vida específico. Cada gênero de vida, por sua vez, corresponde a um conjunto de práticas espaciais e, portanto, de saberes espaciais que são específicos e respondem a determinada situação concreta a que os sujeitos estão submetidos. Ela é construída desde o momento da tenra infância, onde os sujeitos passam a relacionar-se com os elementos historicamente construídos. Nas comunidades analisadas, é forte a relação das crianças com os objetos que definem a configuração espacial da comunidade, como demonstra a imagem 22. Imagem 22 – Crianças brincando no “quintal” na comunidade “São José do S”

Fonte: Trabalho de campo realizado em agosto de 2010. Foto: Adolfo O. Neto.

Nesta perspectiva, as histórias de vida das crianças desde cedo seguem criando espaços de vida, que são espaços em que “o conjunto dessas relações faz com que, cada vez mais, o meio se torne o seu lugar, que é vista como parte integrante da identidade destes sujeitos” (OLIVEIRA NETO; RODRIGUES. 2008, p.

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31). A vivência destes elementos constroem as matrizes culturais sobre as quais estes sujeitos constroem o seu sistema simbólico. Como ela é construída sobre base eminentemente espacial, há a possibilidade de que as alterações na vivência dos elementos geográficos provoquem alterações no sistema de pensamento e nas ações dos sujeitos. Isso acontece quando, por exemplo, a maneira como os sujeitos vem produzindo a mandioca provoca alterações no espaço geográfico, como o assoreamento dos igarapés, forçando com que os sujeitos tomem novas atitudes diante da nova realidade. Cabe destacar que a espacialidade é efetivamente vivida pelo sujeito, mas é socialmente criada. Assim, ela tem forte dimensão social e se apresenta frente ao indivíduo como um concreto abstrato, ou seja, ela é formada a partir de uma interação complexa entre elementos concretos (materiais e imateriais), mas se apresenta ao indivíduo não como um problema teórico que deva ser entendido, mas como um elemento prático que deva ser vivenciado. Este processo de socialização é, também e concomitante, um processo de interação com a cultura, de vivência da temporalidade e de interação como a espacialidade da comunidade. Este responde a imperativos ontológicos e tem ligação com a visão freireana de ser humano e da relação que este estabelece com o mundo. Para Freire (2008, p. 47): o conceito de relações, da esfera puramente humana, guarda em si, como veremos, conotações de pluralidade, de transcendência, de criticidade, de consequência e de temporalidade. As relações que o homem trava no mundo com o mundo (pessoais, impessoais, corpóreas e incorpóreas) apresentam uma ordem tal de características que as distinguem totalmente dos puros contatos, típicos da outra esfera animal. Entendemos que, para o homem, o mundo é uma realidade objetiva, independente dele, possível de ser conhecida. É fundamental, contudo, partirmos de que o homem, ser de relações e não só de contatos, não apenas está no mundo, mas com o mundo. Estar com o mundo resulta de sua abertura à realidade, que o faz ser o ente de relações que é.

Esta relação pode ser percebida não apenas no que tange ao lazer das crianças. É comum nas comunidades perceber as crianças ajudando na realização de tarefas cotidianas, tanto no espaço do arraial, quanto da casa, da roça e do igarapé. Um destes momentos é registrado na imagem 23, onde uma pequena menina ajuda na tarefa domestica ao lavar as louças em um igarapé perto de casa, na comunidade do São Bento.

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Imagem 23 – Menina lavando a louça da família no igarapé na comunidade “São Bento”

Fonte: Trabalho de campo realizado em agosto de 2010. Foto: Adolfo O. Neto.

Esta relação se reproduz, também, em outros espaços da comunidade e em outras comunidades. Elementos que para os habitantes da cidade são tomados como perigosos e inapropriados para as crianças, desde cedo passam a ser objeto de manuseio das crianças destas comunidades, já que elementos presentes no cotidiano e que elas devem aprender a cuidar, zelar e manusear. Um destes elementos é o rio. Portador de grandes perigos e mistérios, o rio também possui um grande significado para algumas das comunidades de São Domingos, em especial para as comunidades que se localizam a beira dele. Nele são desenvolvidas atividades ligadas ao trabalho, ao lazer, ao convívio, a alimentação e etc. Desde cedo as crianças são incentivadas a manterem contato com o rio para que consigam desfrutar de mais este elemento estruturador do tempo social da comunidade (Imagem 24).

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Imagem 24 – Duas crianças brincando em uma montaria na margem do rio Capim.

Fonte: Trabalho de campo realizado em agosto de 2010. Foto: Adolfo O. Neto.

É comum, ainda, que as crianças tenham contato com todos os espaços que constroem a territorialidade da comunidade, tendo a possibilidade de vivenciar o território por inteiro, mesmo que atribuindo funções diferenciadas ao território das funções que são atribuídas pelos adultos. Um dos exemplos característicos desta questão é exemplificado na imagem 25. Nela podemos perceber duas crianças brincando no “quintal”, próximo a casa de farinha. Para elas, a vivência da casa em um momento que não é o da produção da farinha dá-se como um lugar de lazer. Elas, vivenciando um dos elementos estruturadores do cotidiano da comunidade, o reconstroem sob os seus próprios interesses.

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Imagem 25 – Duas crianças brincando no quintal próximo a casa de farinha.

Fonte: Trabalho de campo realizado em agosto de 2010. Foto: Adolfo O. Neto.

Neste sentido, podemos perceber que há uma recriação do direito à comunidade, como recriação do direito ao território da comunidade. Os sujeitos têm acesso a todo o território na medida em que zelam por ele e cuidam para que ele continue servindo a todos, sendo o contrário do que existe na cidade, onde há um forte movimento de privatização dos espaços públicos e de segregação sócioespacial. É comum observarmos, também, as crianças acompanhando os adultos nas atividades de trabalho. Este “acompanhar” tem um dimensão econômica, já que elas ajudam a aumentar a produção, mas também uma forte dimensão sociocultural e pedagógica. É acompanhando os adultos que desde cedo as crianças participam da vida produtiva da comunidade e se inserem em um conjunto complexo de trocas simbólicas e construção de representações.

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O aprendizado da vida na comunidade dá-se no cotidiano, onde o trabalho é mais um dos elementos. Este processo envolve as mais diversas gerações que se encontram, a partir das suas especificidades e das suas limitações físicas, de idade e de gênero em um processo em que um complementa o outro, como mostra a imagem 26, onde três gerações diferentes se encontram para descascar no igarapé a mandioca que, em breve, será processada para virar farinha. Imagem 26 – Família reunida descascando a mandioca para fazer a farinha.

Fonte: Trabalho de campo realizado em agosto de 2010. Foto: Adolfo O. Neto.

Este processo de ajuda mútua entre os integrantes da família também aparece na fala da educanda Diana, da comunidade do “São Bento”. Para ela:

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Eu trabalho também. To toda velha mas na hora do trabalho me visto e vou. E, mas eu também vou pra roça. Ajudo sim. No fim de semana. Ai quando eu faço uma visita, ai ajudo ele. A roça é pertinho ali. Tem três tarefas. Até porque o Manoel tá com um problema sério, acho que de coluna. Ele trabalha três dias na semana, na outra semana ele não garante porque é muita dor que ele tem assim, na cadeira, nas pernas, por baixo assim. (...) Ai ta levando ai, roça... (Diana – Comunidade do São Bento)

É importante destacar também o caráter comunitário do trabalho que se manifesta tanto no momento de produção quanto de escoamento da produção. Um dos exemplos é quando os agricultores se unem para mandar a farinha para ser vendida na sede de São Domingos do Capim. Neste caso, utilizam um veículo para levar a produção até a beira do Rio e lá utilizam um barco que fará o restante do percurso. Nestes momentos também é muito comum observarmos a presença das crianças como expectadoras ou ajudando no desenvolvimento da atividade, mesmo sendo desenvolvida ainda nas primeiras horas do dia, como mostra a imagem 27. Imagem 27 – Carregando o barco na “beira” do rio para levar a farinha para a Sede de São Domingos do Capim.

Fonte: Trabalho de campo realizado em agosto de 2010. Foto: Adolfo O. Neto.

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Além da dimensão coletiva, o trabalho nas comunidades mostra-se, no mínimo a partir de mais quatro dimensões: a dimensão do cuidar, onde as relações de ajuda no processo de trabalho também são uma forma de se preocupar com o outro para evitar um grande desgaste; a segunda é a dimensão do respeito às tradições, a comunidade e a natureza, ou seja, há limites para o exercício do trabalho, os da natureza e os culturais das comunidades; a terceira dimensão é a pedagógica, que se caracteriza por uma forte dimensão educativa e; em quarto, a própria dimensão produtiva, onde o trabalho é visto como meio de subsistência material destas comunidades. Este fato nos remete a consideração de Brandão sobre a relação entre a objetividade e a subjetividade e como esta é construída a partir de uma dinâmica marcadamente cultural. Para o autor: Se por um lado, a cultura de uma aldeia indígena da Amazônia ou de um grupo humano habitante de uma grande cidade não se reduz aos seus produtos materiais de criação, de outro lado ela também não existe apenas na mente das pessoas. Sob a forma de algum inconsciente coletivo ou de uma abstração de comportamento. Subjetividade (dentro de nós) e igualmente objetividade (entre nós), a experiência social da cultura constitui todo o complexo e diferenciado aparato de ordenação da própria vida social. Aí estão tanto os cantos e danças, os ritos e crenças de um povo, quanto os seus mapas simbólicos de roteiros de preceitos e princípios que configuram os diferentes códigos e as gramáticas dos rituais e jogos de trocas de bens, de pessoas e de mensagens com o que recriamos a cada dia a experiência da reciprocidade. (BRANDÃO, 2002, p. 24)

A observação do cotidiano das comunidades articulada com as considerações acima de Brandão nos permitem identificar que é somente partindo da espacialização da história, das temporalidades e da cultura dos sujeitos é possível se chegar aos saberes socialmente construídos. A natureza do saber popular, que é construído por relações entre sujeitos e sujeitos, além de sujeito-mundo atribui a ele uma lógica e uma metodologia própria, sendo transmitido por processos pedagógicos enraizados no cotidiano destes sujeitos. Partindo da realidade das comunidades ribeirinhas do município, Corrêa (2008, p. 43) analisa a relação entre os saberes e as práticas cotidianas dos sujeitos e afirma que:

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cabe ressaltar que, se de um lado, essas populações são acumuladoras histórica e tradicionalmente de saberes e valores sobre todo esse complexo de biodiversidade: roça-mata-rio-igarapé-quintal, de outro, no entanto, as condições concretas de opressão e de exclusão delas as desafia, também historicamente, a buscar condições necessárias de vida material e simbólica sobre, nesse e desse complexo, razão porque estão criando e recriando saberes sobre si e sobre a natureza e, por conseguinte, produzindo-se e reproduzindo-se social e culturalmente, por meio do processo de reordenação social.

A construção do complexo roça-mata-rio-igarapé-quintal busca, a partir de elementos espaciais, demarcar toda a pluralidade social e cultural que envolve as práticas sociais cotidianas. A definição de elementos espaciais para a configuração teórica dos marcos da complexidade social não são aleatórios. Eles expressam a importância que o espaço tem para a estruturação da vida social dos sujeitos. Caso contrário, a categorização levaria em conta outros elementos. Essa afirmação nos remete a concepção de território de Raffestin (2009, p. 17), para quem: o ambiente constitui a matéria-prima sobre a qual o homem trabalha, socialmente, para produzir o território que resulta, eventualmente, mais tarde, por intermédio da observação, em uma paisagem. Esta não é uma construção material, mas a representação ideal da construção. Isso significa que o território não resultará, obrigatoriamente, em paisagem, sem a intermediação da imaginação condicionada por um mediador peculiar. Existe uma observação utilitária que nem sempre se torna contemplativa.

Neste sentido, o processo de formação territorial é agregador de múltiplas dimensões e de múltiplos saberes. Toda ação humana é um processo de produção cultural e de trabalho, assim como todo processo de trabalho e a cultura apresentam dimensões territoriais que o liga a dinâmica dos acontecimentos e que enxerta sobre as bases materiais do território os elementos simbólicos que estruturam a vida dos sujeitos. Além destes elementos, soma-se a forte ligação que os sujeitos possuem com o espaço da comunidade. Questionada sobre a possibilidade de saída, a educanda Diana da comunidade do “São Bento” afirma que:

Eu saio nada. Eu to colada aqui no meu lugar. Gostoso, a água não é tão tratada, mas eu tenho água de graça. Ainda to lutando pra criar o pintinho. Quando ta grande faz a comida que em São Domingos é um pouco longe e agente come um franguinho. E açaí, agora, ta no tempo do açaí, agente

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não tem pra vender, mas pro consumo agente tem. A farinha... Agente ainda faz uma farinha boa e ainda pega ao menos R$ 25 numa lata, e o clima aqui. Quando eu venho de São Domingos, ontem eu tive uma dor de cabeça tão grande... e chega aqui, eu disse: Manoel, eu tive uma dor de cabeça muito forte em São Domingos devido a tanta quentura. Aqui eu não sinto quase essa dor de cabeça. (Diana – Comunidade do “São Bento”)

E, ainda, questionada entre a diferença entre o campo e a cidade, e a definição de qual seria o melhor lugar para viver a educanda afirma que:

Deus te livre. Só esse fresquinho das árvores que ta até quebrando telha ai atrás. É muito bom. Em tempo de manga menino come manga até o bucho tufar e não tem ninguém com diarreia, é muito difícil. (Diana – Comunidade do “São Bento”) A fala da educanda revela o conjunto de relações que ela estabelece na comunidade, tendo como suporte e como meio o espaço (cultivar, criar, colher e etc.). Assim, podemos perceber que os sujeitos se relacionam com espaço com determinado objetivo, que é fortemente condicionado pela cultura e é marcadamente característico de determinada formação sócio-espacial. Assim, como se aprende a utilizar o espaço? Como se aprende a plantar? Como se aprende a nadar? Como se aprende a produzir a farinha de mandioca? Como se aprende a cuidar do quintal ou dos bichos? A resposta para estes questionamentos parecem óbvias. Aprende-se a fazer fazendo a partir do cotidiano no qual os sujeitos estão imersos. No entanto, estes questionamentos nos revelam dois elementos fundamentais para pensarmos os saberes sociais, em especial o saber espacial, e a educação do campo. O primeiro é que há uma metodologia espontânea que é a base dos processos de ensino-aprendizado de determinada cultura. Essa metodologia tem forte dimensão empírica e é banhada por causos, lendas, brincadeiras, jogos e etc. Ou seja, esta metodologia é fortemente marcada pelo desenvolvimento da vida social em sua plenitude. A segunda é que a relação que os sujeitos estabelecem entre si e com o espaço, cotidianamente produz novos (re)arranjos espaciais, que são formas de produzir e circular saberes. Desta maneira, o saber coexiste por um processo pedagógico de forte dimensão territorial.

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Acreditamos, então, que o saber espacial pode ser considerado como um conjunto de elementos simbólicos construídos a partir de uma metodologia espontânea de caráter cotidiano e que tem finalidade prática. Este saber é orientado a partir de elementos presentes no processo de produção e utilização do espaço geográfico (espacialização, territorialização e etc.). Assim, espaço e território não são apenas suportes para a produção e circulação de saberes. Eles são elementos centrais. Isso porque o saber possui uma dimensão existencial, só existindo como saber humano realizando-se social espacial e temporalmente, já que ele existe em contexto (social, cultural, temporal, espacial) e como dimensão concreta da vida social. Toda relação homem-meio é sempre uma prática espacial. As comunidades em questão vivem, assim, o cotidiano como um cotidiano de práticas espaciais e se orientam por um conjunto de saberes, onde existe o saber espacial. Esta transformação dos elementos materiais do espaço em elementos simbólicos é explicada por Arruti (2006, p. 323) quando o autor admite que: Todo elemento, físico ou histórico, que entra na sua composição, passa pelo crivo de um processo de simbolização que o desmaterializa ao mesmo tempo em que, por outro lado, há entrada de novos elementos que provoca rearranjos no conjunto.

Assim, podemos considerar o processo de construção do saber popular como a elaboração crítica que fazemos sobre o nosso próprio mundo, a partir de um processo de ressignificação. Em todo caso, os fatos, os acontecimentos e as histórias se dão mais por uma relação espacial do que cronológica. Isso não significa obstruir a importância do tempo nos acontecimento e sim afirmar que há na espacialidade uma condição privilegiada no entendimento dos acontecimentos. Há uma supremacia do espacial sobre o cronológico, o que não significa o abandono do tempo e da temporalidade, já que a vivência espacial é sempre uma vivência espaço-temporal. A vivência espacial dá-se aos sujeitos ao mesmo tempo como região e como redes espaciais, ou seja, ao mesmo tempo em que vivem sobre um espaço de base horizontal, que é percebido de maneira contínua, mesmo que esta continuidade se forme de maneira contraditória, como no caso da convivência entre a roça e a fazenda, eles vivem uma rede espacial, tanto porque há porções do território que

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são formados por lógicas alheias a dinâmica local, quanto porque eles relacionam-se pontualmente com outros locais distantes, como as outras cidades em que vão pontualmente. Isso faz com que o conjunto simbólico que é formado sobre a base material do espaço e a sua vivência (relações sociais) indique que a espacialização transcende a dimensão objetiva do espaço, ligando-se na forma de redes de acontecimentos, relações, sujeitos e sentidos. Essas

redes

possuem

uma

dimensão

eminentemente

educativa,

principalmente por duas questões: primeiro é porque estas redes se formam a partir de relações sociais que são relações de ensino-aprendizagem. Segundo é porque a memória coletiva e a identidade têm marca territorial e a sua socialização e reprodução se dão como reprodução territorial das comunidades. Assim, estas redes espaciais em que os sujeitos estão imersos são igualmente redes socioespaciais. Dessa maneira, acreditamos que estas redes podem ser definidas como redes sociopedagógicas de caráter espacial ou, em outros termos, redes sócio-espaço-pedagógicas. Este elemento já é anunciado por Arruti (2006, 2010) em uma tentativa de sistematizar sobre a importância do território como um dos elementos definidores do que seria uma educação diferenciada para atender as expectativas de grupos específicos, como quilombolas, ribeirinhos e indígenas, dentre outros. No primeiro trabalho, o autor mostra a forte relação entre o território e a rede simbólica de estruturação de uma comunidade quilombola. No segundo, o autor constrói um ensaio sobre uma antropologia dos modos de lembrar e sobre a ideia de “memória territorial”. Uma das passagens que evidencia a relação entre o espaço e a memória é quando Arruti (2010, p. 07), tomando como referência para diálogo as ideias de Halbwachs, afirma que: o arranjo espacial não apenas reflete ou representa a memória do grupo, ele desempenha também um papel ativo sobre ela: “Quando um grupo está inserido numa parte do espaço, ele a transforma à sua imagem, ao mesmo tempo em que se sujeita e se adapta às coisas materiais que a ele resistem”. Isso porque, explica Halbwachs, a configuração material do grupo segue apenas muito lentamente as suas transformações sociais, criando e sustentando resistências a elas e fazendo com que à observação de uma transformação significativa do ambiente material deva corresponder uma transformação social da mesma importância, ou mesmo a produção de uma outra memória coletiva. Se o desígnio dos antigos homens ganha corpo num arranjo material, a força da tradição local emana também desse arranjo, da qual ele é a imagem.

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E complementa afirmando que “é justamente a partir da descrição do território que se passa à recuperação de histórias já quase esquecidas, ou à atribuição de novos lugares para histórias tradicionais”. (ARRUTI, 2010, p.17) Neste sentido, justifica-se a afirmação de Arroyo (2004, p. 77) para quem, considerando a realidade da educação do campo, “a terra é mais do que terra. A produção é mais do que produção. Por quê? Porque ela produz a gente. A cultura da roça, do milho, é mais do que cultura. É cultivo do ser humano. É o processo em que ele se constitui sujeito cultural”. É este processo que está fortemente presente nas turmas de educação popular do campo nas comunidades ribeirinhas de São Domingos do Capim. A experiência das turmas do NEP nas comunidades de São Domingos do Capim mostra como é que a educação pode se inserir na luta dos sujeitos para a manutenção do seu espaço e do seu gênero de vida e, mais do que isso, como ela pode aceitar como legítimo os processos formadores dos sujeitos e do território destas comunidades, contribuindo fortemente para a construção do processo de resistência que estes sujeitos protagonizam diariamente ao defenderem as suas tradições, o seu trabalho, o seu território, os seus símbolos e etc. Para Arroyo; Caldart; Molina (2004, p. 12) Esta é uma lição importantíssima para o pensamento pedagógico: não esquecer dos sujeitos da ação educativa, dos seus processos formadores. Não vê-los como destinatários passivos de propostas. O que há de mais surpreendente no campo brasileiro são os múltiplos processos de quebra de imagens estereotipadas da mulher e do homem que trabalham e vivem no e do campo.

Neste sentido, uma das lições importantes oferecidas pela educação popular do campo desenvolvida pelo NEP é que, assim como não há como se esquecer dos sujeitos do campo no processo educativo, igualmente não se pode esquecer-se das suas tradições, do seu trabalho, dos seus sonhos, das suas lutas, dos seus desejos e, consequentemente, dos seus territórios e maneiras de se territorializar.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Estudar a relação entre a educação popular do campo e o território é, como já falamos

anteriormente,

uma

experiência

completamente

instigante.

No

desenvolvimento deste trabalho analisamos como alguns elementos que compõem a dinâmica territorial de algumas comunidades rurais-ribeirinhas de São Domingos do Capim e que são utilizados nas turmas de alfabetização de adultos que ocorreram no ano de 2009 em duas comunidades e como a dinâmica de três comunidades: a comunidade “São Bento”, “São José do S” e “Santíssima Trindade”. Acreditamos que a prática educativa desenvolvida nestas comunidades a partir do paradigma da educação popular do campo indica a existência de um conjunto de saberes que tem como referência estruturante o espaço da comunidade, sendo o que estamos chamando de saber espacial. A formulação da ideia de saber espacial busca responder teoricamente a maneira prática de como os sujeitos constroem e mobilizam uma parcela específica do saber popular, que é o saber espacial, como elemento educativo, seja em processos educativos formais ou informais. É a partir de então que a problematização das “casas de farinha”, da “roça”, do “quintal” ou do “igarapé” ganham sentido e nos permitem perceber o caráter educativo do espaço, não só com a percepção do conhecimento científico que envolve todas as práticas sociais dos seres humanos uns com os outros e com o meio (representados pelos conhecimentos da matemática, da história, da biologia, da química, da geografia, da saúde, da política, da psicologia) como os saberes e imaginários, que não são científicos e que caracterizam a produção e reprodução da cultura local. É nesse sentido que podemos perceber que a escola ou o espaço para o desenvolvimento de turmas de alfabetização e pós-alfabetização é apenas mais um dos lugares onde nos educamos. A vivência nas comunidades solidificou a idéia de que os processos educativos acontecem fundamentalmente no trabalho, na produção, na família, na religiosidade, no lazer, enfim... na vivência cotidiana. Além destes, não há como não reconhecer que é desta relação que surgem os saberes ligados as disputas por territorialidades entre os pequenos agricultores e os fazendeiros, ou entre os produtores de farinha e os marreteiros, fazendo com que o saber popular seja, em si, elemento de luta política. E o que dizer, então, da

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relação que se estabelece entre o tempo social destas comunidades e o tempo social da produção? Ou sobre a imposição das informações pelos meios de “comunicação” hegemônicos que acabam por abalar as relações sociais locais? Ou sobre o juízo de valor que é atribuído a vida ribeirinha e a vida da cidade? Em todas as direções da comunidade onde observarmos, uma coisa é bem evidente. Há uma constante relação entre os sujeitos e o espaço. Essa relação é portadora de conhecimentos e significados que atendem a uma lógica própria e se estruturam de maneira diferente da ciência e que nisto reside a sua originalidade, o que nos leva a refletir sobre alguns pontos. O primeiro diz respeito à importância do espaço para a teoria social crítica, que vem sendo recuperado. Para nós, está evidente que o espaço tem uma dimensão privilegiada na luta social e que, por isso, inclusive o projeto político da esquerda deve ser especializado. Esta constatação é acompanhada da necessidade de construção de uma epistemologia que leve em conta a especialização do pensamento e da experiência, tomando como referência o materialismo-histórico e dialético e considerando a vida concreta de sujeitos concretos, no seu desenvolvimento cotidiano. Daí o papel e a natureza do que Soja (1993) define como dialética tríplice de espaço, tempo e ser social. Isto porque acreditamos que o indivíduo vive uma biografia, uma historiografia e, de alguma forma, uma espaçografia, ou em outros termos uma biografia espaço-temporal. É esta afirmativa que procuramos defender durante o desenvolvimento de todo este trabalho. Se é fato que o pensamento crítico defendeu a ideia de que a vida humana é mutualmente marcada pela experimentação da temporalidade e da espacialidade também nos parece importante salientar que atualmente há uma experimentação não só do tempo mas também da temporalidade dos sujeitos a partir das relações que estes estabelecem, individual e coletivamente, com o espaço, o que gera a superação da visão do espaço como elemento morto, fixo e não-dialético. O segundo ponto é que estamos suficientemente convencidos da existência de um tipo específico de saber popular, que é aquele gerado e que tem como objeto as relações do sujeito no e com o espaço, que é o saber espacial. Acreditamos e procuramos desenvolver durante este trabalho esta ideia para que, em momentos futuros, ela se apresente definitivamente estruturada.

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Ela tem como base a ideia de que estamos imersos em uma multiplicidade complexa de experiências e lugares que, devido ao movimento cotidiano da sociedade, constrói uma pedagogicidade inscrita na materialidade espacial. Multiplicidade também de lugares que, por sua vez, cristaliza os sonhos, os pesadelos, as vontades, os valores, os usos, os tempo, os medos, o controle, a tolerância e a alegria de sujeitos diferentes. Demarca diversas temporalidades que se historicizam e confluem em um tempo presente que também é, por isso, um tempo de descobertas. O terceiro ponto é que a nossa vivência espacial é, concomitantemente, uma vivência em formato regional e em formato de rede espacial e, por isso, construímos cotidianamente redes que podem ser definidas como redes sócio-espaçopedagógicas, pela função educativa que elas desempenham na vida dos sujeitos. O quarto ponto é a importância de reconhecermos a relação entre educação e território, quando tratamos de processos educativos que tenham que ser diferenciados a determinados grupos sociais e que tenham como referência o engajamento político na defesa destes grupos. O território não é apenas o conteúdo abstrato desta educação. Ele é conteúdo vivo e eixo estruturador da prática educativa, já que este geralmente tem esta função na vida social dos sujeitos e das comunidades. Assim, há uma transposição dialética dos elementos estruturadores da vida social para a estruturação do trabalho educativo. Como quinto elemento, gostaria de destacar a importância que tem a educação popular do campo para as comunidades analisadas. Para elas, a educação vem constituindo-se como a realização de sonhos individuais e coletivos. Individuais porque ela dá a possibilidade dos sujeitos romperem com o analfabetismo a que foram submetidos, possibilitando-lhes o acesso ao mundo da leitura e da escrita. Coletivo porque a educação popular do campo insere-se nestas comunidades em um movimento político de afirmação dos direitos sociais destas comunidades e como elemento de reforço da identidade local, contribuindo para a manutenção resignificada da estrutura social, combatendo os elementos reprodutivistas que buscam oprimir e explorar os sujeitos e reforçando os elementos positivos da vivência comunitária.

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Por fim, cabe ressaltar a importância das ações do NEP no que tangem à educação popular. O núcleo vem desafiando-se constantemente e desafiando a teoria freireana em um confronto permanente com a prática, atuando atualmente nos mais diversos espaços e desenvolvendo práticas educativas com os mais diversos sujeitos, tendo como unidade, sempre, as bases freireanas de educação. A partir das ações desenvolvidas pelo NEP podemos perceber uma elevação da criticidade dos sujeitos e um processo, as vezes conflituoso, as vezes cansativo, de luta pelo seus direitos de serem homens, mulheres, jovens e idosos. De luta pelo direito das crianças serem crianças e, principalmente, de garantirem com dignidade a sua sobrevivência a partir de suas temporalidades e espacialidades. Neste processo, os sujeitos reconhecem-se como sujeitos de direitos que vivem no e do campo e, a partir daí, lutam para terem acesso a educação, a saúde, a energia e etc. na própria comunidade. Como um elemento reforçador da identidade social. É este pequeno e bravo grupo que através de um dos seus grupos de estudo e trabalho, vem construindo experiências que vem recontando a história dos sujeitos das comunidades e intervindo decisivamente para que, finalmente, o Estado cumpra o seu papel. É a partir da prática educativa desenvolvida pelo grupo que elementos como o convívio, o trabalho, o igarapé, a história, a temporalidade, a organização espacial, a organização política, a roça, a venda de terras e os direitos sociais, todos estes elementos constituintes do território ribeirinho destas comunidades, se constituem como elementos educativos fazendo do território e, conseqüentemente da comunidade, um espaço educativo.

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193

ANEXOS

194 ANEXO I REDE TEMÁTICA DAS TURMAS DE EDUCAÇÃO POPULAR DO NEP EM SDC REDE TEMÁTICA 2003 TRABALHO INFANTIL

EXPLORAÇÃO RACIONAL DOS RECURSOS NATURAIS E EQUILIBRIO ECOLÓGICO NAS COMUNIDADES RURAIS

• ECA e trabalho infantil

TRANSPORTE

POLÍTICA AMBIENTAL

VISÃO DO (A) EDUCADOR (A)

POLÍTICA DE SAÚDE

AGENTE JÁ NÃO PODE MAIS NEM CAÇAR, PORQUE NÃO TEM MAIS O QUE CAÇAR AS FAZENDAS ESTÃO AUMENTANDO NA REGIÃO PORQUE OS PEQUENOS AGRICULTORES ESTÃO VENDENDO AS SUAS TERRAS

Educação ambiental Desenvolvimento sustentável Reflorestamento Outros cultivos

POLÍTICAS AGRICOLAS

• Qualidade de transporte • Saneamento básico • Construção e manutenção de estradas • Saúde preventiva

ESTÁ MUITO QUENTE NA REGIÃO E OS IGARAPÉS ESTÃO SECANDO. NÃO TEM MAIS PEIXE. AGENTE ESTÁ ADOECENDO

• • • •

• Apoio técnico e financeiro • Investimento na agricultura familiar • Associações e cooperativas

VISÃO DA COMUNIDADE A DERRUBADA E A QUEIMADA AGENTE FAZ POR NECESSIDADE, PORQUE FOI ASSIM QUE AGENTE APRENDEU

UM AGRICULTOR ESTÁ BRIGANDO COM O OUTRO, POR CAUSA DA TERRA. TODA TERRA NOSSA ESTÁ VIRANDO CAPOEIRINHA, TERRA FRACA. A PRODUÇÃO ESTÁ DIMINUINDO, SO TA FICANDO O LUGAR DA FLORESTA

POLÍTICA EDUCACIONAL E CULTURAL • Educação, raízes e identidades do povos

amazônicos • Educação de jovens e adultos • Formação escolar e profissional dos (as) trabalhadores (as) agrícolas FALTA DE APOIO TÉCNICO DE ASSOCIAÇÕES E COOPERATIVAS TRABALHA ASSIM NA ROÇA FAZ PARTE DA NOSSA NECESSIDADE E DA NOSSA CULTURA, APRENDEMOS COM NOSSOS ANTEPASSADOS NOSSO NÍVEL DE INSTRUÇÃO É DEMAIS BAIXO. AGENTE ESTÁ MUITO DESUNIDO.

EIXOS TEMÁTICOS • Políticas pública, qualidade de vida e de trabalho no campo; • Organização social e política: associações e cooperativas como instrumento de conquista de direitos e de reestruturação social; • Práticas agrícolas e desenvolvimento sustentável; •Identidades e diversidades culturais.

Essa rede temática foi construída durante o trabalho de formação continuada com os (as) alfabetizadores (as), a partir da pesuisa sócio-antropológica e das reflexões sobre as atividades de alfabetização.

195

ANEXO II O PAPEL DAS ASSOCIAÇÕES PARA O DESENVOLVIMENTO RURAL DE SÃO DOMINGOS DO CAPIM (formação de maio – 2010. Local: comunidade “São Bento”) Associação

Organização/Objetivo

Ação Não Dialógica

Família

Fazer reuniões

Divisão

Organização

Manipulação

União

Conseguir algo (escola) melhorias

Opressão

Amor

Direitos

Invasão Cultural

Entidade Organizada

Conhecimento

O que faltou?

Tempo/Mudança

Ação Dialógica

Parcerias Poucos sócios Participação

Direito de todos

Colaboração

Programa do governo PRONAF Reuniões/Capacitação

Comunhão

Superação O que fazer? O que é organização? O que é participação?

Conhecimento Diálogo Ousadia Organização Participação

196

APÊNDICES

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Apêndice 1 - roteiro de entrevista assessor

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ROTEIRO DE ENTREVISTA – ASSESSOR 1 – IDENTIFICAÇÃO. 1.1 Qual é o seu nome? 1.2 Qual é a sua idade? 1.3 Qual é a sua formação? 1.4 A quanto tempo você participa do NEP? 1.5 A quanto tempo você participa dos trabalhos em SDC? 1.6 Qual é a sua função? 1.7 Como você começou no grupo?

1.8 Já participou de outros grupos? 1.9 Porque escolheu São Domingos do Capim? 1.10 Você trabalha? Se sim, onde? 1.11 Qual é a sua área de interesse nos estudos e na profissão? 1.12 Qual é a periodicidade com que você vai a SDC?

2 – A PRÁTICA EDUCATIVA E O TERRITÓRIO EM SDC. 2.1 Como é a metodologia das aulas? governo do estado, gov. federal, 2.2 Como é o planejamento das secretarias ou etc)? aulas? 2.18 Como é o financiamento do trabalho? 2.3 Como é a avaliação? 2.19 Como é definido o calendário das 2.4 Como acontece o atividades educativas? acompanhamento do trabalho? 2.20 Tem alguma pausa durante o ano? 2.5 Onde e como é feito este 2.21 Como se conseguiu o espaço da sala acompanhamento? da aula? 2.6 Quais são os níveis de ensino 2.22 Ele é adequado? trabalhados nas turmas? 2.23 A escola interfere na vida da 2.7 Como são escolhidos os comunidade? Se sim, como? educandos? 2.24 Existe relação entre as práticas da 2.8 Eles são remunerados pelo comunidade e as práticas das trabalho? turmas? 2.9 Há formação continuada dos 2.25 As festividades, a produção ou educadores? alguma outra atividade altera ou se 2.10 Como ela é feita? relaciona com os trabalhos das 2.11 De quanto em quanto tempo? turmas? Se sim, como? 2.12 Como é feita a escolha dos 2.26 A família se relaciona com as turmas? temas? 2.27 Quais são algumas das dificuldades 2.13 Quais são os temas mais para a realização do trabalho? comuns? 2.28 Existe diferença entre a educação da 2.14 Quem é que facilita a formação? comunidade e a educação da cidade? 2.15 Como é feita a escolha dos Se sim, qual(is)? facilitadores? 2.29 O que significa construir um projeto 2.16 Quem participa? educativo para estas comunidades? 2.17 Há o apoio do estado para a realização do trabalho (prefeitura,

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3 – CONTEÚDOS, CURRÍCULO E TERRITÓRIO. 3.1 Quais são os conteúdos 3.6 Qual é a finalidade destes conteúdos? trabalhados nas turmas? 3.7 Há a revisão do currículo? 3.2 Como é feita a escolha? 3.8 Se sim, qual é a periodicidade desta 3.3 Quem participa desta escolha? revisão? 3.4 Como é o planejamento dos 3.9 Porque ela é feita? conteúdos? 3.5 Como eles estão organizados? 4 – SABERES E O TERRITÓRIO EM COMUNIDADES RIBEIRINHAS 4.1 É trabalhado os saberes dos educandos nas turmas? Se sim, quais? Como? 4.2 Tem algum exemplo? 4.3 A religiosidade dos educandos e dos educadores influenciam o trabalho educativo? Se sim, como? 4.4 Os causos influenciam no trabalho educativo? Se sim, como? 4.5 Foi trabalhado algum elemento histórico, como história da comunidade, história das famílias ou das instituições na turmas? Se sim, como? 4.6 Foi trabalhado algum elemento espacial nas turmas, como localização da comunidade, mapa, recursos naturais, organização espacial e etc? Se sim, como? 4.7 Há importância na mata para a prática educativa? Se sim, qual? 4.8 Há importância no rio ou o igarapé para a prática educativa? Se sim, qual? 4.9 Há importância nos animais para a prática educativa? Se sim, qual? 4.10 Há importância na produção de farinha para a prática educativa? Se sim, qual?

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Apêndice 2 – Roteiro de entrevista educador

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ROTEIRO DE ENTREVISTA – EDUCADOR 1 – IDENTIFICAÇÃO. 1.1 Qual é o seu nome? 1.2 Qual é a sua idade? 1.3 Qual é a sua formação? 1.4 A quanto tempo você participa do NEP? 1.5 A quanto tempo você participa dos trabalhos em SDC?

1.6 Como você começou no grupo? 1.7 Você tem outro trabalho? Se sim, onde? 1.8 Você mora na comunidade? Se sim, desde quando? Se não, qual é a periodicidade com que vai à comunidade?

2 – A PRÁTICA EDUCATIVA E O TERRITÓRIO EM SDC. 2.1 Você recebeu alguma formação 2.14 Quem são os educandos? para iniciar o trabalho nas 2.15 Quantos são? turmas? 2.16 Moram na comunidade? 2.2 Como é o planejamento das 2.17 Tem alguém de fora da comunidade? aulas? 2.18 Como é definido o calendário das 2.3 Como é a avaliação? atividades educativas? 2.4 Quais são os níveis de ensino 2.19 Tem alguma pausa durante o ano? trabalhados nas turmas? 2.20 Onde é realizada a prática educativa? 2.5 Vocês trabalham com séries? 2.21 Porque nestes espaços? 2.6 Se sim, há séries diferentes na 2.22 Há outros espaços usados para a mesma turma? educação? 2.7 Se sim, como é o que se realiza 2.23 Como se conseguiu o espaço da sala o trabalho? da aula? 2.8 Há formação continuada dos 2.24 Ele é adequado? educadores? 2.25 O espaço da escola é utilizado para 2.9 Como ela é feita? outra atividade? Se sim, qual? 2.10 De quanto em quanto tempo? 2.26 Outros membros da comunidade se 2.11 Como é feita a escolha dos relacionam com a escola? Se sim, temas? como? 2.12 Quais são os temas mais 2.27 A escola interfere na vida da comuns? comunidade? Se sim, como? 2.13 Há o apoio do estado para a 2.28 Existe relação entre as práticas da realização do trabalho (prefeitura, comunidade e as práticas das governo do estado, gov. federal, turmas? secretarias ou etc)?

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2.29 As festividades, a produção ou alguma outra atividade altera ou se relaciona com os trabalhos das turmas? Se sim, como? 2.30 As famílias se relacionam com as turmas?

2.31 Quais são algumas das dificuldades para a realização do trabalho? 2.32 Existe diferença entre a educação da comunidade e a educação da cidade? Se sim, qual(is)? 2.33 O que significa construir um projeto educativo para estas comunidades?

3 – CONTEÚDOS, CURRÍCULO E TERRITÓRIO. 3.1 Quais são os conteúdos 3.8 Há a revisão do currículo? trabalhados nas turmas? 3.9 Se sim, qual é a periodicidade desta 3.2 Como é feita a escolha? revisão? 3.3 Quem participa desta escolha? 3.10 Porque ela é feita? 3.4 Como é o planejamento dos 3.11 Há relação entre os conteúdos conteúdos? trabalhados nas turmas com os 3.5 Como eles estão organizados? conteúdos trabalhados em outras 3.6 Qual é a finalidade destes escolas? São os mesmos? conteúdos? 3.12 São trabalhados da mesma forma? 3.7 Como você se prepara para as Por quê? aulas? 4 – SABERES E O TERRITÓRIO EM COMUNIDADES RIBEIRINHAS 4.1 É trabalhado os saberes dos 4.8 Há importância na mata para a prática educandos nas turmas? educativa? Se sim, qual? 4.2 Se sim, quais? Como? 4.9 Há importância no rio ou o igarapé 4.3 Tem algum exemplo? para a prática educativa? Se sim, 4.4 A religiosidade dos educandos ou qual? a sua influenciam o trabalho 4.10 Há importância nos animais para a educativo? Se sim, como? prática educativa? Se sim, qual? 4.5 Os causos influenciam no 4.11 Há importância na produção de trabalho educativo? Se sim, farinha para a prática educativa? Se como? sim, qual? 4.6 Foi trabalhado algum elemento histórico, como história da comunidade, história das famílias ou das instituições nas turmas? Se sim, como? 4.7 Foi trabalhado algum elemento espacial nas turmas, como localização da comunidade, mapa, recursos naturais, organização espacial e etc? Se sim, como?

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Apêndice 3 – roteiro de entrevista educando

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ROTEIRO DE ENTREVISTA – EDUCANDO 1 – IDENTIFICAÇÃO. 1.1 Qual é o seu nome? 1.2 Qual é a sua idade? 1.3 Você já estudou antes? Se sim, quanto tempo? Porque parou? 1.4 A quanto tempo você participa do NEP? 1.5 Porque resolveu estudar? 1.6 Esta gostando? Por quê? 1.7 Como você começou no grupo? 1.8 Você trabalha? Se sim, onde? 1.9 Você gosta do seu trabalho? Gostaria de trocar? Se sim, porque? Qual seria o outro trabalho que você gostaria de ter?

1.10 Você tem alguma função na comunidade? 1.11 Você mora na comunidade? 1.12 Se sim, desde quando? Se não, onde você mora? 1.13 Você gosta daqui? Por quê? 1.14 Tem filhos? Se sim, quantos? Qual é a idade? 1.15 Moram com você? 1.16 Eles ajudam no trabalho? 1.17 Eles estudam? Se sim, onde? 1.18 Por quê? 1.19 Você acha que a educação que você teve é diferente da dos seus filhos?

2 – A PRÁTICA EDUCATIVA E O TERRITÓRIO EM SDC. 2.1 Qual é a importância da 2.11 Quem definiu? educação para você? 2.12 O espaço da escola é utilizado para 2.2 Como é a avaliação? outra atividade? Se sim, qual? 2.3 Como é definido o calendário das 2.13 Outros membros da comunidade se atividades educativas? relacionam com a escola? Se sim, 2.4 Tem alguma pausa durante o como? ano? 2.14 A escola interfere na vida da 2.5 Onde é realizada a prática comunidade? Se sim, como? educativa? 2.15 As festividades, a produção ou 2.6 Porque nestes espaços? alguma outra atividade altera ou se 2.7 Há outros espaços usados para a relaciona com os trabalhos das prática educativa? turmas? Se sim, como? 2.8 Como se conseguiu o espaço da 2.16 A família se relaciona com as turmas? sala da aula? 2.17 Quais são algumas das dificuldades 2.9 Ele é adequado? para a realização do trabalho? 2.10 Qual é o horário das aulas, a 2.18 Existe diferença entre a educação da periodicidade e a jornada de comunidade e a educação da cidade? estudo? Se sim, qual(is)?

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2.19 O que significa construir um projeto educativo para estas

comunidades?

3 – CONTEÚDOS, CURRÍCULO E TERRITÓRIO. 3.1 Quais são os conteúdos 3.6 Como ela é resolvida? trabalhados nas turmas? 3.7 Tem algum assunto que você ache 3.2 Como é feita a escolha? que deveria ser trabalhado? 3.3 Quem participa desta escolha? 3.8 Você tem conseguido aprender? 3.4 Qual é a finalidade destes 3.9 O que pode melhorar? conteúdos? 3.10 Vocês têm material didático (caderno, 3.5 Você tem dificuldade com algum livro e etc.)? assunto na aula? Se sim, qual? 4 – SABERES E O TERRITÓRIO EM COMUNIDADES RIBEIRINHAS 4.1 A religiosidade influencia o 4.6 Há importância na mata? Se sim, trabalho educativo? Se sim, qual? como? 4.7 Há importância no rio ou o igarapé 4.2 Vocês contam causos nas para a prática educativa? Se sim, turmas? Se sim, como? qual? 4.3 Vocês conversam sobre muitas 4.8 Há importância nos animais para a coisas? Sobre o que vocês prática educativa? Se sim, qual? conversam? 4.9 Há importância na produção de 4.4 Foi trabalhado algum elemento farinha para a prática educativa? Se histórico, como história da sim, qual? Como você aprendeu? Já comunidade? Se sim, como? ensinou pra alguém? 4.5 Foi trabalhado algum elemento 4.10 Vocês trabalharam alguma coisa espacial nas turmas, como sobre a floresta, o igarapé ou alguma localização da comunidade, coisa da comunidade na turma? mapa, recursos naturais, 4.11 Morando aqui o Sr. (a) aprendeu organização espacial e etc? Se alguma coisa que outras pessoas de sim, como? outros lugares não saibam? 5 – TERRITÓRIO E TERRITORIALIZAÇÃO NAS COMUNIDADES RIBEIRINHAS 5.1 Quando você chegou aqui na 5.11 O que poderia melhorar? comunidade? 5.12 Quem era o dono da terra antes? 5.2 A casa onde você mora é sua? 5.13 Tem alguém que já tentou comprar a 5.3 Como você fez para conseguir? terra de você? 5.4 Tem o título da terra? 5.14 Você gosta da comunidade? 5.5 Você tem roça? 5.15 Quais são as maiores dificuldades? 5.6 Onde é? 5.16 O que poderia melhorar? 5.7 A terra é boa? 5.17 Vocês se divertem muito aqui? Se 5.8 Você gosta da sua casa? sim, como? Onde são os espaços de 5.9 O que poderia melhorar? lazer? 5.10 Você gosta da roça? 5.18 Existem outros?

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5.19 Onde são os espaços de estudo? Existem outros? 5.20 Onde é que a senhora trabalha? 5.21 Existem outros espaços? 5.22 Você pesca ou caça? 5.23 As coisas mudaram ou estão mudando de uns tempos para cá? Se sim, o que mudou? 5.24 Quais são as dificuldades para a produção? 5.25 Quando alguém adoece, o que vocês fazem? 5.26 Como vocês fazem para ter água? 5.27 Se você pudesse, mudaria daqui? porque? Para onde?

Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências Sociais e Educação Programa de Pós-Graduação em Educação Travessa Djalma Dutra, s/n - Telégrafo 66113-200 Belém - PA www.uepa.br

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