Efeito da corticoterapia pré-natal na evolução de recémnascidoscom enterocolite necrosante; Effect of prenatal corticotherapy on the outcome of necrotizing enterocolitis newborns

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Machado IN, Olímpio H, Barini R, Sbragia L

ARTIGO ORIGINAL

Efeito da corticoterapia pré-natal na evolução de recémnascidos com enterocolite necrosante Effect of prenatal corticotherapy on the outcome of necrotizing enterocolitis newborns Isabela Nelly Machado1, Hugo Olímpio2, Ricardo Barini3, Lourenço Sbragia4

RESUMO Objetivos: O objetivo deste estudo foi avaliar o efeito da corticoterapia pré-natal nos resultados pós-natais de recém-nascidos portadores de enterocolite necrosante. Métodos: Estudo retrospectivo de 173 neonatos com diagnóstico de enterocolite necrosante divididos em dois grupos: os que receberam e os que não receberam corticóide no período pré-natal, comparados quanto a alguns parâmetros perinatais e de evolução clínica. Resultados: A média do peso foi 1.380,2 g para o grupo 1 e 1.279,5 g para o grupo 2 (p > 0,05); a média da idade gestacional foi 32 semanas para o grupo 1 e 33 semanas para o grupo 2 (p > 0,05); a média para o aparecimento dos sintomas foi 16 dias e 12 dias, respectivamente (p > 0,05); 26,1% foram Bell III ao diagnóstico no grupo 1, e 27,9% no grupo 2 (p > 0,05); 39,1% dos neonatos do grupo 1 evoluíram para Bell III e 37,5% do grupo 2 (p > 0,05). A complicação clínica mais freqüente em ambos os grupos foi perfuração intestinal. A média do tempo de internação foi 52 dias no grupo 1 e 46 dias no grupo 2 (p > 0,05). A mortalidade foi de 23,2% para o grupo 1 e 20,2% para o grupo 2 (p > 0,05). Conclusões: Não foi observada associação entre o uso pré-natal de corticóide e  melhora na evolução clínica dos recém-nascidos com enterocolite necrosante. Descritores: Enterocolite necrosante; Prematuridade; Corticosteróides/ uso terapêutico; Prematuro

ABSTRACT Objectives:  The aim of this study was to evaluate the effect of prenatal corticotherapy and neonatal outcome in newborns with necrotizing enterocolitis. Methods: This was a retrospective study evaluating 173 newborns diagnosed with necrotizing enterocolitis. Newborns were divided into two groups, with group 1 containing subjects who had received corticoids in the prenatal period, and group 2 with those who had not received the drug. The two groups were then compared according to perinatal parameters and clinical progression. Results: The mean birth weight was 1380.2 g for group 1 and 1279.5 g for group 2 (p > 0.05); mean gestational age was 32 weeks for group 1 and 33 weeks

for group 2 (p > 0.05); 98.6% of the neonates in group 1 and 82.7% in group 2 were preterm (p = 0.001); mean time for symptom onset was 16 days for group 1 and 12 days for group 2 (p > 0.05). Upon diagnosis, 26.1% were Bell III in group 1 versus 27.9% in group 2 (p > 0.05); for Bell staging progression, 39.1% of the neonates in group 1, and 37.5% in group 2 were classified as Bell III (p > 0.05). The most often clinical complication in both groups was intestinal perforation. The mean hospital stay was 52 days in group 1 and 46 days in group 2 (p > 0.05). The mortality rate was 23.2% in group 1 and 20.2% in group 2 (p > 0.05). Conclusion: Prenatal corticotherapy was not associated with clinical outcome improvement in neonates with NEC. Keywords: Enterocolitis, necrotizing; Prematurity; Adrenal cortex hormones/therapeutic use; Infant, premature

INTRODUÇÃO A enterocolite necrosante (EN) é uma doença intestinal associada principalmente à prematuridade e ao baixo peso ao nascer(1-2). A idade de início dos sintomas varia inversamente à idade gestacional – quanto mais prematuro o bebê, maior a idade cronológica para início da EN(2). A doença acomete aproximadamente 10% dos recém-nascidos com peso menor que 1.500 g(3-4), a taxa de mortalidade chega a 54% nos casos cirúrgicos (4) , e pode apresentar complicações gastrointestinais, como estenose e síndrome do intestino curto. O grupo de maior risco inclui bebês que nascem com menos de 28 semanas de gestação e peso abaixo de 1.000 g(3,5). A etiologia da EN está relacionada a quatro fatores principais: prematuridade, hipóxia/isquemia intestinal, nutrição enteral artificial e colonização bacteriana intestinal(6). Os sintomas iniciais da EN são inespecíficos

Trabalho realizado na Unidade de Terapia I ntensiva Neonatal da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, Campinas (SP), Brasil.  Médica, Pesquisadora colaboradora da Unidade de Medicina Fetal do Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher – CAISM, Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, Campinas (SP), Brasil.

1

 Cirurgião pediátrico, Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, Campinas (SP), Brasil.

2

 Doutor, Professor titular e Coordenador da Unidade de Medicina Fetal do Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher – CAISM, Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, Campinas (SP), Brasil.

3

 Doutor, Professor associado de Cirurgia Pediátrica, Departamento de Cirurgia, Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, Campinas (SP), Brasil.

4

Autor correspondente: Isabela Nelly Machado – Rua Jasmim, 28 – ap. 504 – Bloco A – Chácara Primavera – CEP 13087-520 – Campinas (SP), Brasil – Tel.: 19 3296-0482 – e-mail: imachado@fcm. unicamp.br Data de submissão: 23/4/2007 – Data de aceite: 14/6/2007

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e variáveis, e os achados mais comuns são distensão abdominal, resíduos gástricos, vômitos biliosos e traços de sangue nas fezes(7). Classificam-se os casos de EN pelos critérios de Bell(8): estágio I para casos suspeitos, estágio II para casos comprovados e estágio III para recém-nascidos que precisam de cirurgia. Sabe-se que o uso de corticóides no período prénatal acelera a maturação do intestino, como observado inicialmente em modelos animais(9-10). Contudo, seu efeito protetor contra o início e o desenvolvimento da EN não está completamente esclarecido em humanos; considera-se que a barreira mucosa mais madura poderia evitar a translocação bacteriana relacionada à patogênese da doença(6).

OBJETIVO Nesse contexto, o objetivo deste estudo foi avaliar a associação entre a corticoterapia pré-natal e o desfecho pós-natal dos recém-nascidos que desenvolveram EN em um centro de cuidados perinatais terciários. MÉTODOS Realizou-se um estudo de controle de caso a partir de dados coletados em prontuários médicos de 173 neonatos que apresentavam diagnóstico de EN, no período de 1993 a 2003, internados na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal. Dois grupos foram comparados: 1) neonatos expostos a corticóides no período pré-natal; 2) neonatos não expostos à corticoterapia pré-natal. O corticóide usado foi betametasona 12 mg/d, intramuscular, duas vezes no período de 24 horas, pelo menos 24 horas antes do parto. Os dois grupos foram comparados pelos seguintes parâmetros: sexo, peso ao nascer, idade gestacional no parto, prematuridade, estado nutricional, tempo entre parto e início dos sintomas de EN, estágio Bell no diagnóstico, evolução do estadiamento de Bell, complicação clínica, tempo de internação e taxa de mortalidade. Idade materna, paridade, associação com pré-eclâmpsia e tipo de parto foram também comparados entre os grupos. A idade gestacional foi avaliada pela data da última menstruação, confirmada por avaliação ultra-sonográfica e pelo método de New Ballard. O estado nutricional foi classificado pelo peso ao nascer como pequeno (PIG) ou adequado (AIG) para a idade gestacional, conforme a curva proposta por Lubchenco et al.(11) e Brenner et al.(12). Os critérios de estadiamento de Bell(8) determinaram o grau de EN. A Comissão de Ética da nossa instituição aprovou este estudo. A análise estatística foi realizada pelo método

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não paramétrico de Mann-Whitney para duas variáveis, e pelo teste t de Student, quando as variáveis aceitaram o valor normal, com valores significativos para p < 0,05.

RESULTADOS Cento e setenta e três recém-nascidos preenchiam os critérios de inclusão no estudo, dos quais 69 (40%) recém-nascidos receberam corticoterapia pré-natal (grupo 1) e 104 (60%) não receberam (grupo 2). A tabela 1 mostra a comparação entre os dois grupos. Tabela 1. Parâmetros perinatais de recém-nascidos com enterocolite necrosante Parâmetros usados Sexo (% feminino)

Grupo 1 Grupo 2 Com corticóides Sem corticóides (n = 69) (n = 104)

p

53,6

51

p > 0,05

Peso médio ao nascer (g)

1.380,2

1.279,5

p > 0,05

Idade gestacional média (semanas)

32

33

p > 0,05

98,6 45

82,7 50

p = 0,001 p > 0,05

16

12

p > 0,05

26,1 39,1 11,6 52 23,2

27,9 37,5 11,5 46 20,2

p > 0,05 p > 0,05 p > 0,05 p > 0,05 p > 0,05

Prematuridade (%) PIG (%) Início dos sintomas (número médio de dias) Bell III ao diagnóstico (%) Progressão para Bell III (%) Perfuração intestinal (%) Período médio de internação (dias) Mortalidade (%)

Descrição da população: a idade materna média foi 27,7 anos no grupo 1 e 27,6 anos no grupo 2 (p > 0,05). Em relação à paridade, 71% das pacientes do grupo 1 (49/69) e 62,5% do grupo 2 (65/104) eram multíparas (p > 0,05). No primeiro grupo, 72,5% (50/69) fizeram parto cesáreo contra 60,6% (63/104) do segundo grupo, p > 0,05. A freqüência de recém-nascidos pré-termo no grupo 1 foi 98,6% (68/69) e, no grupo 2, 82,7% (86/104). De todos os recém-nascidos com EN, o peso médio ao nascer foi 1.380,2 g e 1.279,5 g para os grupos 1 e 2, respectivamente. A idade média para início dos primeiros sintomas foi 26,1 e 27,9 dias para os grupos 1 e 2, respectivamente. A complicação clínica mais freqüente em ambos os grupos foi perfuração intestinal, que ocorreu em 11,6% dos neonatos no grupo 1 (8/69) e 11,5% no grupo 2 (12/104). Em relação ao estágio de Bell no momento do diagnóstico, 30,4% do grupo 1 eram Bell I (21/69); 43,5% Bell II (30/69) e 26,1% Bell III (18/69), enquanto no segundo grupo 29,8% (31/104) eram Bell I, 42,3% Bell II (44/104) e 27,9% Bell III (29/104), com p > 0,05.

DISCUSSÃO EN é uma doença neonatal que afeta principalmente os prematuros e de muito baixo peso ao nascer(1-2). Em einstein. 2007; 5(3):252-254

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nosso estudo verificamos que o peso médio ao nascer dos neonatos com EN foi semelhante ao descrito anteriormente por outros autores(13). Esta doença é a emergência cirúrgica mais comum em recém-nascidos e a causa mais freqüente de síndrome do intestino curto nos dois primeiros anos de vida(14). Uma proporção variável (27% a 63%) de todos os recém-nascidos afetados evolui para intervenção cirúrgica(14). No presente estudo, 38,2% dos lactentes diagnosticados com EN foram tratados cirurgicamente (Bell III). O número de recém-nascidos pré-termo nos grupos 1 e 2 foi como esperado, pois as gestantes que receberam corticoterapia entraram em trabalho de parto prematuro ou necessitaram de antecipar o parto por motivos maternos ou fetais. O alto número de cesáreas está relacionado à complexidade dos casos encaminhados para nosso centro de atenção terciária. A principal indicação para cesárea foi pré-eclâmpsia grave, seguida por diabetes materna e sofrimento fetal. Sabe-se que os corticóides aceleram a maturação do intestino e o efeito de sua administração pré-natal na morbidade e mortalidade da enterocolite necrosante foi examinado inicialmente em modelos animais. Nestes estudos, observou-se uma melhora significativa tanto na morbidade como na mortalidade(9-10). Alguns estudos demonstraram que fetos animais submetidos à administração intra-uterina de dexametasona apresentaram uma captação de glicose e prolina mais seletiva, que evidencia um aumento na capacidade de absorção enteral(9,15). Além disso, o efeito da dexametasona na maturidade funcional dos intestinos aumenta a diferenciação das células intestinais da borda em escova e leva a uma atividade precoce da lactase(4). Em humanos, Bauer et al.(16) mostraram uma menor incidência de EN (p = 0,002) em  lactentes tratados com esteróides. Entretanto, ainda não se sabe se a corticoterapia pré-natal em gestantes pode evitar o início ou atenuar o curso clínico da EN. Neste estudo, nenhuma significância estatística foi observada em termos de efeito do uso de corticóides no pré-natal no desfecho clínico dos recém-nascidos com EN. Provavelmente, depois que a EN estava determinada, a corticoterapia pré-natal não conseguiu influenciar, de forma significativa, a gravidade, duração e evolução da doença. Porém, com base em nosso estudo, não podemos comentar sobre os possíveis mecanismos envolvidos. Uma

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maior compreensão do mecanismo molecular no início e na evolução da EN pode levar a novas ferramentas para tratamento e profilaxia da doença.

CONCLUSÃO A corticoterapia pré-natal não foi associada à melhora clínica em neonatos com EN na população estudada. REFERÊNCIAS 1. Covert RF, Neu J, Elliot MJ, Rea JL, Gimotty PA. Factors associated with age onset of necrotizing enterocolitis. Am J Perinatol. 1989;6(4):455-60. 2. Stoll BJ. Epidemiology of necrotizing enterocolitis. Clin Perinatol. 1994;21(2):205-18. 3. Hack M, Wright LL, Shankaran S, Tyson JE, Horbar JD, Bauer CR, et al. Verylow-birth-weight outcomes of the National Institute of Child Health and Human Development Neonatal Network, November 1989 to October 1990. Am J Obstet Gynecol. 1995;172(2 Pt 1):457-64. 4. Simon-Assmann P, Lacroix B, Kedinger M, Haffen K. Maturation of brush border hydrolases in human fetal intestine maintained in organ culture. Early Hum Dev. 1986;13(1):65-74. 5. Chandler JC, Hebra A. Necrotizing enterocolitis in infants with very low birth weight. Semin Pediatr Surg. 2000;9(2):63-72. 6. Crissinger KD. Animal models of necrotizing enterocolitis. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 1995;20(1):17-22 7. Foglia RP. Necrotizing enterocolitis. Curr Probl Surg. 1995;32(9):757-823. 8. Bell MJ, Ternberg JL, Feigin RD, Keating JP, Marshall R, Barton L,  et al. Neonatal necrotizing enterocolitis. Therapeutic decisions based upon clinical staging. Ann Surg. 1978;187(1):1-7. 9. Buchmiller TL, Shaw KS, Lam ML, Stokes R, Diamond JS, Fonkalsrud EW. Effect of prenatal dexamethasone administration: fetal rabbit intestinal nutrient uptake and disaccharidase development. J Surg Res. 1994;57(2):274-9. 10. Israel EJ, Schiffrin EJ, Carter EA, Freiberg E, Walker WA. Prevention of necrotizing enterocolitis in the rat with prenatal cortisone. J Surg Res. 1994;57(2):274-9. 11. Lubchenco LO, Hansman C, Boyd E. Intrauterine growth in length and head circumference as estimated from live births at gestational ages from 26 to 42 weeks. Pediatrics. 1966;37(3):403-8. 12. Brenner WE, Edelman DA, Hendricks CH. A standard of fetal growth for the United States of America. Am J Obstet Gynecol. 1976;126(5):555-64. 13. Uauy RD, Fanaroff AA, Korones SB, Phillips EA, Phillips JB, Wright LL. Necrotizing enterocolitis in very low birth weight infants: biodemographic and clinical correlates. J Pediatr. 1991;119(4):630-8. 14. Ricketts RR. Surgical treatment of necrotizing enterocolitis and the short bowel syndrome. Clin Perinatol. 1994;21(2):365-87. 15. Daniel VG, Hardy RN, Malinowska KW, Nathanielsz PW. The influence of exogenous steroids on macromolecule uptake by the small intestine of the newborn rat. J Physiol. 1973;229(3):681-95. 16. Bauer CR, Morrison JC, Poole KW, Korones SB, Boehm JJ, Rigatto H, et al. A decreased incidence of necrotizing enterocolitis after prenatal glucocorticoid therapy. Pediatrics. 1984;73(5):682-8.

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