EFICIÊNCIA ECONÔMICA, SOCIAL E ECOLÓGICA DAS ESTRUTURAS SÓCIO-PRODUTIVAS AGROPECUÁRIAS NA AMAZÔNIA PARAENSE

July 27, 2017 | Autor: Alexandre Faria | Categoria: Peasant Studies, Sustainable Development, Amazonia, Amazonian Studies
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TD N.xx - Agronegócios e Desenvolvimento Regional - UFMT
4




UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
FACULDADE DE ADMINISTRAÇÃO, ECONOMIA E CIÊNCIAS CONTÁBEIS
DEPARTAMENTO DE ECONOMIA










TEXTO PARA DISCUSSÃO No 004
ISSN 1981-7878

EFICIÊNCIA ECONÔMICA, SOCIAL E ECOLÓGICA DAS ESTRUTURAS SÓCIO-PRODUTIVAS AGROPECUÁRIAS NA AMAZÔNIA PARAENSE


Alexandre Magno de Melo Faria




MESTRADO EM AGRONEGÓCIOS E DESENVOLVIMENTO REGIONAL

NÚCLEO DE PESQUISAS ECONÔMICAS E SOCIAIS
– NUPES –




Cuiabá-MT – Novembro/2007

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO





REITOR
Paulo Speller

FAECC
Faculdade de Administração,
Economia e Ciências Contábeis – FAECC
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EFICIÊNCIA ECONÔMICA, SOCIAL E ECOLÓGICA DAS ESTRUTURAS SÓCIO-PRODUTIVAS AGROPECUÁRIAS NA AMAZÔNIA PARAENSE

Alexandre Magno de Melo Faria


RESUMO - Este trabalho discute a sustentabilidade das unidades de produção agropecuária do estado do Pará, na Amazônia Oriental Brasileira. Inicia com o debate clássico do campesinato e avança para as discussões atuais do comportamento camponês em buscar a eficiência reprodutiva de sua unidade, destacando os principais contrastes entre a estrutura sócio-produtiva familiar e a capitalista. Com dados do Censo Agropecuário de 1995-6 do IBGE, apresentam-se resultados econômicos, sociais e ecológicos de ambas as estruturas. Busca-se demonstrar que o campesinato é mais eficiente do ponto de vista econômico, por gerar maior valor por unidade de área. É mais eficiente do ponto de vista social, por distribuir renda de forma direta e indireta de forma mais eficiente que os patronais. Alcança maior esperança de sustentabilidade por manter maior área com estrutura ecológica equilibrada, em um contexto de floresta tropical. Conclui-se que as políticas públicas de desenvolvimento rural na Amazônia paraense devem se orientar a garantir e expandir a permanência do campesinato como elemento estratégico na busca da sustentabilidade.
Palavras-chave: Amazônia, Pará, Campesinato, Desenvolvimento, Sustentabilidade.

ABSTRACT – This work debates the sustainable of the agricultural production units in Pará State, Eastern Brazilian Amazonian. It starts with peasantry´s classical debate and advances toward current discussions of your behavior in search reproductive efficiency, detaching main contrasts among familiar and capitalist framework. With data of 1995-6 Brazilian Agricultural Census are presented economical, social and ecological results by both frameworks. It seeks to prove that peasant framework is more efficient in economical view by to beget larger worth per area unit. It is more efficient in social view by to distribute direct and indirect income than capitalist framework. It reaches larger sustainable hope by to keep major area with equilibrated ecological structure in context of tropical forest. It concludes that public policies of rural development in Pará Amazonian must be guided to guarantee and to expand the peasantry like strategic factor on the sustainable search.
Key-words: Amazonian, Pará, Peasantry, Development, Sustainable.


1. INTRODUÇÃO
O debate sobre a sustentabilidade de diversos sistemas produtivos entrou de forma definitiva na agenda internacional neste início de século XXI. A necessidade de incluir ações de responsabilidade social e ambiental permeia o discurso de autoridades políticas e empresariais no exterior e também no Brasil. Entre os dias 22 e 24 de agosto de 2007 ocorreu em Cuiabá, Mato Grosso a Bienal dos Negócios da Agricultura Brasileira, com o tema: "Produção Sustentável: um novo caminho está se abrindo para o agronegócio", que contou com diversas autoridades, como o Ministro da Agricultura Reinhold Stephanes. A preocupação em se alinhar ao discurso internacional e evitar possíveis ações anti-dumping do mercado externo parecem ter sido a motivação desta ação proposta pelo produtores rurais brasileiros.
Contudo, a necessidade de reavaliar a relação entre o homem e o meio ambiente natural começou de forma institucionalizada no início da década de 1970 pela Organização das Nações Unidas, que culminaram no Relatório Brundtland em 1987, conhecido como Nosso Futuro Comum. As propostas de repensar e agir de forma diferente em relação à base natural que sustenta todas as espécies do planeta foi de imediato materializadas na Constituição Federal Brasileira de 1988 (CFB/88) que estava sendo reelaborada ao final de década de 1980, após um período de 21 anos de ditadura militar. Os congressistas não dispunham de informações estratégicas e relevantes para criar todos os mecanismos necessários para regular, minimamente, a ação antrópica no meio natural. Porém, em relação às propriedades rurais, foi criado um dispositivo muito interessante.
A função social da propriedade rural foi tipificada no artigo 186 da CFB/88, assegurando que ela é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos quatro seguintes requisitos: i) aproveitamento racional e adequado; ii) utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; iii) observância das disposições que regulam as relações de trabalho; e iv) exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. Neste sentido é exigido que os elementos acima descritos estejam presentes de forma simultânea. Caso um deles não esteja sendo considerado pelo proprietário, este então estará sujeito à sanção prevista no artigo 184 da CFB/88, que atribui poder à União de desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei. Por outro lado, são insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária i) a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra; e ii) a propriedade produtiva (BRASIL, 1988).
Portanto, as ações estatais bem como as condutas dos produtores rurais, sejam eles latifúndios empresariais, fazendas ou do tipo camponês devem se pautar nesses requisitos para que cumpram os objetivos aos quais se destinam. De forma genérica, o Estado passa a contar com uma estrutura jurídica capaz de constranger os agentes individuais em ações que venham a gerar custos externos negativos que são socializados. Pretende-se evitar, então, o dilema dos comuns (HARDIN, 1968), uma situação complexa que os indivíduos agem de forma racional do ponto de vista microeconômico, mas com rebatimentos negativos na coletividade, com perda de bem-estar social.
A observação e a identificação da função social da propriedade rural pode se tornar uma importante estratégia de busca e seleção das melhores estruturas sócio-produtivas adaptadas às novas necessidades globais de alcançar trajetórias minimamente sustentáveis. Poder-se-ia transitar do discurso da sustentabilidade que os representantes do agronegócio empresarial vêm estrategicamente utilizando para ações reais diretamente realizadas nos sistemas produtivos. Cumprindo os preceitos constitucionais, o setor agrário brasileiro poderia dar um grande passo em direção à solução do dilema dos comuns e da busca de sistemas sustentáveis.
Mas, haveria diferenças marcantes entre as unidades produtivas agropecuárias do agronegócio brasileiro? O agronegócio se desenvolve em um espaço produtivo homogêneo, com diferenças tão sutis que não seria necessário fragmentá-lo em categorias analíticas como agronegócio empresarial, agronegócio familiar ou agronegócio latifundiário? Aqui reside o cerne da discussão, pois acredita-se que o agronegócio familiar possui idiossincrasias que determinam uma trajetória muito diferente do agronegócio patronal, representado pelas empresas rurais e pelos latifúndios. Quais seriam os resultados econômicos, sociais e ecológicos de cada estrutura sócio-produtiva rural? Neste texto utilizaram-se dados do Censo Agropecuário do IBGE de 1995-6 para o estado do Pará, na Amazônia Oriental Brasileira, visando segmentar os diferentes agentes econômicos e analisar a aderência dos resultados econômicos, sociais e ecológicos capazes de delinear uma trajetória de sustentabilidade no espaço rural amazônico, condizentes com a função social da propriedade rural.
2. AS ESTRUTURAS SÓCIO-PRODUTIVAS RURAIS
Para fins deste trabalho, far-se-á uma análise mais detalhada da estrutura camponesa, dada as divergentes e muitas vezes antagônicas visões sobre este ator social e agente econômico, visando uma delimitação estrutural de suas características. A empresa agropecuária será definida ao final deste tópico de forma mais sucinta, pois há um consenso maior sobre seus delineamentos.
É dentro do marxismo que se inicia a discussão sobre o avanço do capital comercial e industrial sobre a produção primária. A dinâmica de reprodução ampliada do capital amplia o escopo de atuação de capitais que buscam se apropriar de sistemas produtivos antes controlados por modos de produção antagônicos ou divergentes do capitalismo. Na visão da matriz marxista há uma evidente diferenciação produtiva no agrário dada a incursão de capitais e a transformação do campesinato em empresas capitalistas ou a sua dissolução em proletariado.
A matriz marxista nega o campesinato como classe social e não aceita outra trajetória se não sua dissolução no sistema capitalista. Sua diferenciação interna iria gerar uma enorme classe de proletários despossuídos dos meios de produção e outra diminuta de capitalistas rurais (MARX, 1983). Para Kautsky, quanto maior o desenvolvimento capitalista, maior a diferenciação entre as unidades, com as grandes garantindo sua superioridade em função da divisão do trabalho, da economia de insumos e da escala de produção. O campesinato serviria a grande unidade nos períodos de grande demanda de mão-de-obra e os camponeses auferiam renda complementar. Apesar desta simbiose, o desenvolvimento completo do modo de produção capitalista iria retirar o camponês de seu "inferno particular" (KAUTSKY, 1980). Lênin seguiu a mesma lógica e acreditou ter encontrado elementos da diferenciação dos camponeses em ricos, médios e pobres. Os ricos tenderiam a burgueses e os pobres se assemelhavam a proletários. Os camponeses médios tenderiam a se comportar como capitalistas ou se tornariam proletários. Este processo de expropriação poderia ser longo, onde o capital poderia subordinar os camponeses sem mesmo eliminá-los (LENIN, 1984).
Contudo, o campesinato sobreviveu e surge com vigor no século XXI, não somente por possuir funções estratégicas para o capital, tendo sido a base da acumulação fordista nos EUA e na Europa [(ABRAMOVAY, 1992); (CAMPOS, 1995)], mas por não ser sujeito passivo no sistema social, apesar de subordinado ao capital. Tal força pode ser vista nos EUA, onde a participação das unidades familiares camponesas na formação da riqueza rural é elevada. Considerando apenas os estabelecimentos familiares ou individuais, eles criam 67% do valor da produção. Agregando as corporações de base familiar, sua participação na formação do valor alcança admiráveis 84% no país mais rico do planeta [(COSTA, 2006b); (COSTA, 2007)].
Os camponeses agem e reagem, não aceitando a ação transformadora do capital operada pelo Estado, conforme procura demonstrar Abramovay. Eles são jogadores ativos e não estão dispostos a serem deslocados de seus espaços (COSTA, 2005b). Se por um lado eles são importantes para o regime de acumulação, pois sua lógica se orienta pelo custo de oportunidade do trabalho e não do capital, abrindo mão de importantes excedentes que são captados de forma difusa pela sociedade, por outro sua sobrevivência é derivada de ações de afirmação e manutenção de suas estruturas sócio-produtivas, que incluem idiossincrasias culturais, sociais e simbólicas. Conforme Costa (2005b) deve-se superar a visão estabelecida da anulação do campesinato pelo Estado e pelo capital, pois este segmento social possui graus de liberdade e os utiliza quando necessário para impor suas aspirações e demandas.
A definição da racionalidade e da conduta do campesinato deve ser vista como complexa e com dependência de variáveis endógenas e exógenas à sua unidade de produção. Costa reuniu diversas estruturas analíticas que visualizam partes importantes na tomada de decisão camponesa, incluindo as abordagens de Chayanov, Tepicht, Schultz, Limpton, Mellor, Sen e Nakagima [(COSTA, 1994); (COSTA, 2005b)].
Em Tepicht, parte-se do movimento interno da unidade camponesa para se ajustar ao movimento geral de redução do valor a partir de suas próprias ações, a chamada auto-intensificação por dentro da unidade, a Intensificação do Tipo I. A tensão externa gera uma imediata ação do camponês, mas com técnicas e recursos que eles conhecem, evitando recorrer ao desconhecido, ao mundo externo. Em um segundo momento, esgotada a trajetória de Intensificação I, pode haver uma adaptação radical, agora mediada pelo mercado, onde se buscam as soluções à pressão por novas técnicas e recursos externos, com novas situações institucionais, a Intensificação do Tipo II. Há um jogo dialético de pressão-resposta, pois quanto mais se busca a solução, mais problemas surgem na interação campesinato, mercado e Estado. Quanto mais o campesinato é tencionado pelo mercado, mais ele tenciona o mercado e o Estado, em um movimento de mudança conjunta no meio externo e interno (TEPICHT, 1973).
Em Chayanov é a composição da família que determina os limites máximos e mínimos de atividade da unidade camponesa. O volume máximo é dado pela utilização total da força de trabalho familiar. O volume mínimo é dado pela necessidade de aquisição de bens para manter a reprodução familiar. O ponto de equilíbrio ocorre quando a necessidade de consumo se iguala à penosidade do trabalho. Este ponto é subjetivo e determinado pela estrutura interna de demanda, tanto em quantidade quanto qualidade, pela capacidade total de trabalho, pelos meios de produção e pela relação de preços de mercado. O campesinato deve gerar um produto que garanta o padrão reprodutivo e mais um excedente que lhe permita a adoção de adaptações e padrões de mudança quando necessário. Sem um excedente que lhe garanta graus de liberdade, não há como o campesinato se adaptar sem se apoiar em institucionalidades como preços mínimos, crédito e subsídios ofertados pelo Estado (CHAYANOV, 1994).
Para Schultz, não há uma razão camponesa específica. O camponês é tão racional quanto qualquer outro agente econômico. Ele é um maximizador de resultados e o faz a partir dos meios que possui. Busca otimizar a produtividade marginal do trabalho, da terra e do capital e, se seus níveis de rendimentos são baixos, isto ocorre porque possui escassez de fatores. Ou seja, os baixos rendimentos é o ponto de ótimo dos reduzidos fatores de produção em poder dos camponeses (COSTA, 2005b).
Para Limpton, há uma razão camponesa e o camponês é tão racional como qualquer outro agente. Contudo, sua racionalidade está voltada para a maximização da oportunidade de sobrevivência e minimização dos riscos. Por outro lado, para Mellor, Sen e Nakagima, não há uma razão camponesa, pois este agente é tão racional como qualquer outro. A sua diferença é que ele minimiza a penosidade do trabalho (COSTA, 2005b).
Observando estes autores, percebem-se três racionalidades camponesas: i) ele é maximizador de resultados; ii) ele é minimizador de riscos; e iii) ele é minimizador de penosidade. Qual destas racionalidades seria a dominante? Na verdade as três ocorrem, mas em momentos distintos. Quanto mais próximo do equilíbrio Chayanoviano, quando as necessidades estão sendo supridas, menor a necessidade de arriscar, ou seja, se a unidade estiver avessa à elevação da penosidade e do risco, provavelmente estará próxima do equilíbrio estrutural. Por outro lado, quando a unidade se distancia do limite do equilíbrio, mesmo sem excedentes para investir, a condição psíquica pode forçar a unidade ao risco.
Aqui reside a integração de diversas abordagens realizada por Costa (1994; 2000). Em seu modelo, a eficiência reprodutiva da família camponesa tem papel central, com três premissas:
a) a unidade camponesa tende a ser regulada pela capacidade de trabalho que possui enquanto família; não excluindo a possibilidade de contratação de mão de obra externa, há um limite interno para garantir a reprodução e para empreender inovações: assim a capacidade interna máxima de trabalho é dada por Ht;
b) a unidade possui um padrão reprodutivo que estabelece uma rotina de trabalho e um hábito de consumo, ambos subjetivamente avaliados; há um ponto de acomodaç o de aplicação de trabalho, He, que é igual ou menor a Ht, a capacidade máxima de trabalho; He tem dois componentes, Hv, os bens consumidos diretamente pela família e Hc, os bens necessários à manutenção dos meios de produção; He seria aquele dispêndio mínimo de trabalho necessário para garantir a reprodução familiar e dos meios de produção;
c) a unidade se relaciona com o meio externo por múltiplas mediações, que estabelecem o padrão de realização de He, o ponto de acomodação onde as necessidades são supridas; Hr é o ponto de efetivo dispêndio de trabalho familiar, sendo que Hr tende a ser diferente e, normalmente, superior a He; trabalha-se em algum ponto entre a acomodação (He) e o máximo de trabalho disponível internamente (Ht).
A diferença entre Hr e He depende das condições de realização do trabalho interno da família no momento da troca com o trabalho executado em outros setores da economia, ou seja, os preços relativos que se conjugam na esfera da circulação e que determinam quais valores de troca conseguem se "apropriar" do trabalho alheio. Então, deve-se incluir a produtividade média da indústria e da produção rural, dos preços relativos dos produtos rurais e indústrias e da taxa de lucro das mediações mercantis.
Assim, o tempo de efetivo trabalho na unidade camponesa, o nível de esforço real, depende da estrutura da demanda interna, em dimensão e intensidade, da capacidade de trabalho interna e dos fatores de introjeção da instabilidade externa, a relação de troca entre trabalho interno e externo mediado pelos preços relativos, ou seja, a troca de trabalhos abstratos objetivadas em mercadorias.
Assim, quanto mais o sistema se aproxima de He, mais eficiente está a capacidade de internalizar e reter para seu proveito o trabalho interno da unidade. Esta seria uma elevada eficiência reprodutiva, aquele ponto que as necessidades econômicas, sociais, culturais e simbólicas estão sendo atendidas com um relativo grau de liberdade da força de trabalho, ou seja, com um excedente de força de trabalho não utilizada.
Contudo, esta eficiência é somente percebida de forma sensorial ou intuitiva, através de sua antítese, a tensão reprodutiva. Esta tensão reprodutiva seria o inverso da eficiência, ou seja, a deterioração da qualidade nas condições de vida com o mesmo esforço de trabalho ou a elevação deste esforço físico e mental para a manutenção do padrão reprodutivo. Pode ocorrer pela redução da capacidade interna de trabalho, da elevação do consumo ou da deterioração das trocas relativas de trabalho.
A manutenção de uma eficiência reprodutiva incorpora um estado de incerteza, exigindo da família camponesa estratégias de prevenção de crises, evitando oscilações que possam colocar em xeque a sobrevivência de seus sistemas de reprodução. Assim, se Hr, o tempo necessário para garantir a reprodução tende a Ht, a capacidade máxima de trabalho, poderá ocorrer internamente uma disposição à mudança para adaptação à tensão reprodutiva crescente. A primeira ação está relacionada à Intensificação do Tipo I, com elevação da otimização dos recursos internos já conhecidos. Contudo, uma tensão reprodutiva crescente pode introduzir elementos externos e mão de obra externa quando a necessidade de trabalho superar Ht, ocorrendo a Intensificação do Tipo II.
Próximo de He, a família estará em um ponto de acomodação onde o investimento e a necessidade de mudança são muito baixos, portanto, não havendo necessidade de arriscar e de elevar a penosidade do trabalho. Porém, quando as relações externas de troca de trabalho ou as relações internas de expansão do padrão reprodutivo ou mesmo a redução de Ht resultam em perda de eficiência e, portanto, elevação do padrão reprodutivo, a família pode-se tornar mais ousada e obrigada a elevar os investimentos a partir de meios próprios em um primeiro momento e a partir de recursos externos quando a tensão tende ao máximo. Neste ponto, o camponês torna-se um maximizador de resultados, visando garantir seu padrão reprodutivo.
Desta forma, o que move a tomada de decisão camponesa depende de um mosaico de variáveis internas e externas à unidade, com vistas unicamente a manter seu padrão reprodutivo. As variáveis endógenas tendem a levar o sistema para He, o ponto de acomodação. As variáveis exógenas tencionam o sistema para se mover para Ht, o ponto crítico capaz de implodir o equilíbrio interno, pois o esforço máximo da unidade pode não ser suficiente para a garantia do padrão reprodutivo. Então, há um gradiente entre o camponês conservador máximo que se encontra no ponto de eficiência reprodutiva máxima (He) e o camponês arrojado que se encontra no ponto de tensão reprodutiva máxima (Ht), tencionado por fatores internos e externos.
O movimento dinâmico de incorporar tecnologia pelo camponês arrojado para elevar a intensidade do uso do solo não se relaciona, portanto, à vontade de acumular e expandir a posse de materialidade, mas de evitar uma regressão na capacidade de reprodução social. Esta lógica de reação às mudanças ambientais e/ou sociais pode-se fundamentar nas teorias de evolução social de Wilkinson (1974), Boserup (1987) e Johson e Earle (1987). Estes autores convergem e sustentam em seus modelos explicativos de evolução social que o progresso, paradoxalmente, não é buscado como meta de acumulação de riqueza ou melhoria da eficiência, mas pelo contrário, uma tentativa de evitar a perda de bem-estar. As sociedades não seriam pró-ativas em buscar posições relativas superiores, mas são reativas a problemas ecológicos e/ou sociais que atentam à sua sobrevivência. Uma conhecida frase boserupiana resume a estrutura de análise que coloca os constrangimentos à reprodução social como variável-chave na explicação da evolução social: "a necessidade é a mãe de todas as invenções".
De forma geral, pode-se caracterizar a unidade camponesa como um projeto social que utiliza o capital natural no processo produtivo como suporte da agropecuária diversa, mediado pelo trabalho direto familiar, que representa a maior parcela de trabalho alocado na unidade produtiva. A elevação da produtividade depende da qualificação do trabalhador e da capacidade de manejar os recursos disponíveis, o que confere uma necessidade latente de conhecimento tácito e ancestral. A posse da terra garante um meio produtivo de reprodução social e há fortes relações sócio-culturais com o ambiente agrário. A relação de propriedade é parcelar com propriedades de pequena extensão. A incorporação de nova tecnologia busca evitar a queda da eficiência da unidade e não elevar a taxa de acumulação. Portanto, o trabalho de gestão é familiar e orientada à eficiência reprodutiva. O camponês não é avesso a novas técnicas, mas somente utiliza esta trajetória se mudanças estruturais o levaram a entrar na área de tensão reprodutiva. A relação capital (humano, na forma de saber difuso, ancestral e/ou recente)/trabalho é alta; a relação terra/trabalho é baixa; a relação capital (humano)/terra é alta; a relação capital físico/trabalho é baixa; a relação capital físico/terra é alta (COSTA, 2005a).
O outro projeto, antagônico à estrutura camponesa, refere-se ao capital aplicado na unidade de produção agrícola com o fito de acumulação. Conhecido por modelo latifundiário-monocultural, agricultura comercial, empreendimento agropecuário ou simplesmente agronegócio. Este último termo foi atrelado ao capital agrário de forma errônea, pois a discussão de agronegócio iniciado por Davis e Goldberg (1957) não se limitava apenas ao modelo capitalista no espaço agrário, mas qualquer unidade produtiva que se apoiasse em sistemas agroecológicos para transformar a natureza em mercadorias transacionáveis. Talvez o termo agronegócio empresarial caracterizasse de forma mais apropriada este segmento produtivo. Este modelo se diferencia por uma absorção de capital natural a que acessa de modo que a natureza é entendida como mercadoria e o solo como suporte da agropecuária homogênea para produção de gado ou grãos. A posse da terra é apenas mais um item de portfólio que necessita remunerar a contento o capital aplicado. Há fraca ou nenhuma relação sócio-cultural com o ambiente agrário. O trabalho direto é assalariado, geralmente desqualificado, e a elevação da produtividade não depende do capital humano, mas da tecnologia. O trabalho de gestão é empresarial e orientada ao lucro. A relação de propriedade é tipicamente latifundiária, com áreas de grande extensão. A relação capital físico (dominantemente na forma de pacotes mecânicos/químicos/biológicos)/trabalho é alta; a relação capital humano/trabalho é baixa; a relação terra/trabalho é alta; a relação capital físico/terra é baixa; a relação capital físico/trabalho é alta (COSTA, 2005a).
A existência de ambas as estruturas coabitando o mesmo espaço pode revelar a opção por uma determinada trajetória. Teriam elas os mesmos resultados em termos de sustentabilidade? Poderia ambas as estruturas responder de forma satisfatória às necessidades coletivas e cumprir a função social determinada na Carta Magna brasileira? Apreender as idiossincrasias das duas formas de estruturação do espaço rural é determinante para o entendimento da realidade sócio-econômica e ecológica das propriedades rurais brasileiras e um guia para a tomada de decisão. Conhecendo as diferenças estruturais poder-se-á criar políticas públicas diversas, agindo sobre problemas diferentes e evitando as políticas homogêneas que atendem a todos e não geram resultados positivos a ninguém.
O ESPAÇO AGRÁRIO DA AMAZÔNIA PARAENSE
No Censo Agropecuário de 1995-6 do IBGE, foram observadas 206.199 unidades de produção agrícola no estado do Pará. Segundo Costa, 193.453 podem ser consideradas como uma estrutura sócio-produtiva do tipo camponês (93,80%), 12.327 fazendas (5,98%) e 419 latifúndios empresariais (0,22%). A área total dos estabelecimentos abrangia 22.520.229 hectares, com uma área média de 109,22 ha. Os camponeses ocupando 7.162.291 hectares, com uma área média de 37,02 hectares. As fazendas ocupando 8.219.835 hectares, com áreas médias de 666,82 hectares, enquanto os latifúndios ocupavam 7.138.103 hectares, com áreas médias de 17.036,05 hectares. (COSTA, 2000).
Os camponeses respondiam por 31,8% da área apropriada e 64,4% do valor bruto da produção total, com R$ 660,6 milhões, enquanto as fazendas respondiam por 36,5% da área e 27,1% do valor bruto total da produção, com R$ 277,9 milhões. Os latifúndios se apropriavam de 31,7% da área e produziram apenas 8,5% do valor bruto, com R$ 87,5 milhões. Em média, cada unidade camponesa gerou R$ 3,4 mil por ano, enquanto as fazendas geraram R$ 22,5 mil por unidade. Os latifúndios geraram em média R$ 208,8 mil por unidade. Porém, considerando a renda gerada por unidade de área, os camponeses produziram em 1995 R$ 92,24 por hectare, enquanto que os patronais geraram apenas R$ 33,82 por hectare no mesmo ano. Os latifúndios geraram apenas R$ 12,26 por hectare.
Tabela 1. Estrutura Agrária do Pará: 1995-6.

Camponeses
Fazendas
Latifúndios
Total / Média
N° de estabelecimentos
193.453
12.327
419
206.199
% de Participação
93,80
5,98
0,22
100
Área apropriada (hectares)
7.162.291
8.219.835
7.138.103
22.520.229
% da área apropriada
31,8
36,5
31,7
100
Área média (hectares)
37,02
666,82
17.036,05
109,22
Trabalhadores
792.307
79.046
11.487
882.840
% de trabalhadores
89,7
9,0
1,3
100
Valor da Produção (R$)
660.652.377
277.970.388
87.516.865
1.026.139.630
% no Valor da Produção
64,4
27,1
8,5
100
R$ / unidade de produção
3,4 mil
22,5 mil
208,8 mil
5,0 mil
R$ / trabalhador
0,833 mil
3,07 mil
7,6 mil
1,1 mil
R$ / hectare
92,24
33,82
12,26
45,56
Hectare / trabalhador
9,04
104,0
621,4
25,6
Fonte: Costa (2000), elaborada a partir do Censo Agropecuário 1995-6 do IBGE.
A força de trabalho também estava concentrada nos estabelecimentos camponeses, com 792.307 trabalhadores, ou 89,7% do total de 882.840 unidades de trabalho. Os estabelecimentos patronais controlavam apenas 90.533 trabalhadores equivalentes, com apenas 10,3% do total, sendo que as fazendas contavam com 79.046 trabalhadores (9,0%) e os latifúndios com 11.487 trabalhadores (1,3%). A geração de produto por trabalhador nos estabelecimentos camponeses foi de R$ 833, enquanto nas fazendas a média foi de 3.070 e nos latifúndios de R$ 7.618 (COSTA, 2000).
Há uma forte assimetria na relação terra-trabalho, pois nos estabelecimentos camponeses cada trabalhador se ocupava de apenas 9,04 hectares em média, nas fazendas 104 hectares e nos latifúndios cada trabalhador conduziu 621,4 hectares. Assim, nos estabelecimentos camponeses a produtividade por área deve ser elevada, pois esta representa uma barreira estrutural. É uma trajetória do tipo trabalho intensivo, considerando que um estabelecimento médio de 37 hectares irá utilizar 4 forças de trabalho equivalentes, com baixa rentabilidade por trabalhador (R$ 833), em função da área reduzida. Nos patronais há uma trajetória trabalho extensivo, onde nas fazendas percebe-se uma relação de 6,4 trabalhadores em uma área média de 666,82 hectares, onde a produtividade por trabalhador é alta (R$ 3.070), mas por unidade de área é muito baixa (R$ 33,82). Nos latifúndios, em cada área média de 17.036 hectares, tem-se 27,4 trabalhadores equivalentes, com elevada produtividade do trabalho (R$ 7.618), mas pífio resultado por unidade de área (R$ 12,26).
Uma observação superficial dos resultados econômicos do agronegócio familiar e patronal paraense poderia enviesar os argumentos em favor do projeto patronal, pois a produção por unidade agropecuária e por trabalhador é bastante superior neste segmento do que o observado no projeto familiar. Porém, a racionalidade dos sistemas patronais impele os trabalhadores a produzirem o máximo possível em extensas áreas, ocorrendo uma elevada formação de mais-valia relativa do trabalho, para justificar a rentabilidade dos capitais aplicados no setor. A geração de renda no espaço é reduzida, pois o sistema patronal é extensivo e de baixa produtividade por área ocupada. A grande produção por unidade se deve pela elevada concentração de área em poder dos patronais. Mas, em uma visão estratégica que deve se pautar na esperança de sustentabilidade, a eficiência por unidade de área é que deve ser observada.
Neste quesito os camponeses conseguem gerar R$ 92,24 por hectare, contra apenas R$ 23,80 dos patronais (média entre fazendas e latifúndios). Os camponeses são quase quatro vezes mais eficientes por unidade de área, demonstrando capacidade de intensificação do uso do solo. Caso os camponeses controlassem a área ocupada pelos patronais, a produção poderia alcançar R$ 1.416 bilhões contra apenas R$ 365 milhões gerados pelos patronais. Ou, por outro lado, poderiam gerar os mesmo R$ 365 milhões dos patronais utilizando apenas 3,9 milhões de hectares, contra 15,4 milhões utilizados pelos patronais. A área que poderia ser mantida como floresta primária ou secundária pela utilização mais racional do espaço poderia alcançar 11,5 milhões de hectares, ou 50% da área antropizada no Pará. Não há dúvidas que do ponto de vista econômico os camponeses são mais eficientes, pois podem produzir o mesmo valor gerado pelos patronais de forma muito mais intensa por unidade de área, garantindo uma baixa pressão para abertura de novas fronteiras agrícolas em áreas de floresta tropical.
Do ponto de vista social, os ganhos de eficiência e de geração de excedentes não são diretamente distribuídos no modelo patronal, pois há uma forte relação de poder e concentração de meios de produção que lhes garante acessar maior parcela do excedente, visto que mantém apenas 10,3% do trabalho equivalente, mas controlando 35,6% do valor produzido. De cada 1% de emprego gerado no modelo patronal, são controlados 3,5% do valor da produção. E, como a lógica repousa sobre o custo de oportunidade do capital, o seu desenvolvimento está relacionado à concentração de renda em poder dos proprietários dos meios de produção. Caso a taxa de retorno do capital aplicado no setor primário apresente um custo de oportunidade inferior a outro item do portfólio de investimento, haverá um reajustamento da estrutura de investimento, podendo inclusive ocorrer a saída do setor produtivo.
Por outro lado, no modelo familiar, sua dispersão e sua lógica voltada para o custo de oportunidade do trabalho garantem remuneração inferior ao capital, redistribuindo à sociedade parcela dos lucros e renda da terra que não é apropriada por este segmento social. Seus ganhos de produtividade e eficiência geram para si uma elevação do bem-estar e, ao mesmo tempo, parcela deste excedente é apropriada de forma difusa pela sociedade, pois recebendo um valor inferior à lógica de acumulação do capital, o valor excedente não apropriado pelos camponeses se traduz em preços inferiores às mercadorias produzidas pelo modelo patronal. Como a sociedade se apropria das mercadorias com preços menores, há uma excedente do consumidor que pode ser alocado em outras mercadorias, com elevação do bem-estar em toda a sociedade. Assim, pode-se dizer que o fortalecimento do modelo familiar é uma forma de distribuição direta de renda tanto no campo quanto na cidade, pela redistribuição de excedentes.
Fica clara esta relação quando se visualiza que de cada 1% de força de trabalho alocada, apenas 0,72% do valor são apropriados pela agricultura familiar, um claro contraste com os patronais que controlam 3,5% do valor a cada 1% do emprego. Enquanto o projeto familiar dispersa parcela do valor pela sociedade, o modelo patronal concentra parcela deste valor a seu favor. Em uma visão de equidade, esperar-se-ia que cada 1% de força de trabalho apropriasse 1% do valor gerado. Apropriar valor acima de 1% indica concentração e controlar menos que 1% indica distribuição do excedente.
Há um forte antagonismo entre estas estruturas sócio-produtivas em relação ao capital natural, ao uso de conhecimento tácito, de capital físico e de mão-de-obra. Os patronais (fazendas e latifúndios) se orientam pela eficiência pautada nos rendimentos líquidos do capital, materializada no lucro. Sua relação com ambiente natural é de apropriação dos recursos, vistos como uma transformação dos valores de troca em excedentes líquidos. A cobertura vegetal é vista como madeira, lenha ou carvão e os solos como suporte para produção homogênea. O trabalho direto é subordinado pelo assalariamento, mas desqualificado. A gestão é empresarial, com grandes extensões de área apropriada. Há uma forte relação capital/trabalho e terra/trabalho, mas baixa relação capital/terra e capital humano/trabalho (COSTA & INHETVIN, 2005).
Os camponeses se orientam pela eficiência reprodutiva, materializada em excedentes que lhes garantam um elevado padrão reprodutivo, onde os rendimentos líquidos são derivados do trabalho. Sua relação com o ambiente natural é de equilíbrio, visto como uma garantia de sua sobrevivência material e social e da manutenção dos sistemas naturais. A cobertura vegetal é uma fonte de diversos produtos de coleta e o solo é suporte de uma agropecuária diversa. O trabalho direto é familiar, com elevada qualificação tácita, a partir do conhecimento difuso, ancestral ou recente. A gestão é orientada para a reprodução dos sistemas sociais, em pequenas unidades de área. Há uma forte relação capital/terra e capital humano/trabalho, mas baixa relação terra/trabalho e capital/trabalho (COSTA & INHETVIN, 2005).
Segundo alguns pesquisadores da EMBRAPA, o rompimento do tripé (1) vegetação arbórea diversificada, (2) solo permeável e (3) água residente é o início do fim da prosperidade e da sustentabilidade com qualidade de vida ambiental de uma região e a causa da baixa eficácia ou mesmo do insucesso de muitas tecnologias agrícolas consagradas. A tecnologia não substitui as funções de regulação desativadas de um ambiente degradado. A tecnologia pode potencializar as funções ativadas de um ambiente, mas nunca substituí-las de forma sustentável. Investir em uma agricultura homogênea, o monocultivo, é incentivar a capacidade produtiva não sustentável, tornando a área mais dependente de insumos externos e com tendência de estabilização da capacidade de suporte biológico, ou seja, a capacidade de gerar energia por unidade de área (PRIMAVESI e PRIMAVESI, 2003). Aqui reside uma contradição com a lógica de especialização produtiva que se iniciou com Adam Smith. No setor agrário, quanto maior a especialização produtiva materializada em monocultivos, maiores serão as chances de derrocada do sistema e não uma fonte constante de elevação da produtividade.
Os patronais, fazendas e latifúndios, tendem a gerar sistemas produtivos homogêneos, que geram riscos ambientais consideráveis. Estes riscos estão ligados à padronização elevada da natureza que elimina ou enfraquece uma cadeia de relações naturais de equilíbrio que mantém complexos sistemas naturais. Quanto maiores os objetivos de eficiência, pautados na transformação da natureza viva em mercadorias homogêneas transformadas em excedentes apropriáveis na esfera da circulação, mais intensamente são gerados os desequilíbrios na base natural de sustentação do próprio regime de produção. Esta busca de dominar e transformar os sistemas naturais para transformá-la em lucro, dialeticamente, cria e recria as condições de derrocada de seu próprio fundamento de geração da produção na base natural (COSTA & INHETVIN, 2005).
Os camponeses, com tendência a sistemas heterogêneos ou diversificados, geram riscos ambientais relativamente baixos. Os objetivos de eficiência reprodutiva são alcançados a partir de limites claros da escala de produção, em função da restrição de área física e das limitações internas de trabalho. Há uma diversidade de subsistemas produtivos para elevar o bem-estar com o máximo de segurança, ou, alternativamente, com o mínimo de risco possível. Esta diversidade de subsistemas é uma verdadeira força produtiva, pois ao mesmo tempo em que dilui os riscos de revés econômico em algum sub-sistema específico, gera e mantém os equilíbrios necessários à manutenção da base natural (COSTA & INHETVIN, 2005). A manutenção da resiliência dos fundamentos naturais surge como uma esperança de sustentar os fluxos de matéria e energia em um espaço temporal amplo, onde a diversidade e não a homogeneidade ganha papel central, pois mantém o equilíbrio ecológico: vegetação diversificada, solo permeável e água residente.
Esta transformação do espaço natural para produção agropecuária sistemática na Amazônia possui barreiras ecológicas, pois a redução da biodiversidade rompe a estabilidade das teias alimentares e do equilíbrio das populações. O estabelecimento de monocultivos, agrícolas ou pecuários, gerando variação de meso e microclima, potencializa a multiplicação violenta da população de membros mais adaptados às novas condições ambientais ou espécies mais resistentes da teia alimentar na forma dos chamados parasitas e patógenos. Os monocultivos tendem a reduzir a proteção e a permeabilidade do solo e a retenção de água, rompendo o tripé ecológico fundamental (PRIMAVESI e PRIMAVESI, 2003). Além disso, considerando a baixa qualidade do solo amazônico, percebe-se uma queda de produtividade em poucas safras sucessivas, devido à redução do suporte ecológico. Este abandono de terras que perderam sua capacidade de geração de energia gera a capoeira, uma estrutura de cobertura florestal que se segue a uma atividade antrópica. É definida como extratos de áreas de variadas dimensões, os quais se encontram em estágios diferenciados de formação florestal em ecossistemas alterados de modo radical por ações produtivas resultantes das decisões de camponeses, fazendeiros e empresas latifundiárias. Para Costa (2007), há três tipos de capoeira na Amazônia:
a) capoeira-capital: é um componente da relação técnica de uma forma de produção, integrando, assim, um sistema de produção. Trata-se de capoeira cuja função básica é o da formação de biomassa para aproveitamento na agricultura: a capoeira é, assim, meio de produção, tal qual uma máquina que produzisse nitrogênio, fósforo e outros elementos necessários à agricultura.
b) capoeira-sucata: resultado do abandono de áreas cuja produtividade física média tende a zero na atividade desenvolvida, a qual tende a se repetir continuamente em outras áreas. Os procedimentos tecnológicos são constantes e as capoeiras, nesse caso, são produtos, não componentes dos sistemas de produção resultantes, de uma tecnologia. A capoeira resulta do esgotamento das condições edafoclimáticas de uma dada área, por certos sistemas de produção, como resultado do impacto dos procedimentos tecnológicos a eles inerentes sobre a base natural, muito visivelmente sobre o solo.
c) capoeira-reserva: são produtos de mudanças nos procedimentos tecnológicos, resultados de inovações. Tipicamente aquela produzida pela substituição de formas extensivas por formas mais intensivas de uso da terra, a substituição, por exemplo, da shifting cultivation ou da pecuária extensiva por plantio de culturas perenes e semi-perenes, sendo a capoeira o resultado da adoção de novas técnicas que tornaram a capoeira-capital economicamente obsoleta, isto é, sem função no sistema de produção, mesmo que sua capacidade física de produção de biomassa seja elevada, mesmo que ela apresente capacidade de operação. Por isso, tais capoeiras associam-se a terras no geral vistas como bens ociosos, justificáveis tão somente como reserva de valor.
Fica claro que as capoeiras-capital e reserva são as mais interessantes do ponto de vista ecológico e econômico do que a capoeira-sucata, que é o resultado de uma trajetória tecnológica inapropriada para a produção. Incentivar sistemas produtivos que minimizem a capoeira sucata e potencializem as duas outras estruturas de capoeira torna-se fundamental para manutenção do equilíbrio ecológico. Segundo estimativas de Costa (2004), a estrutura sócio-produtiva mais eficiente em manter baixos estoques de capoeira-sucata e elevados estoques de capoeira-capital e reserva é a camponesa.
Tabela 2. Diversas Formas de Capoeira no Estado do Pará: 1995-6.
Tipo de Capoeira
Estrutura Sócio-Produtiva
Hectares
%
Capoeira Capital
Camponeses
613.777
79,5

Patronais
157.785
20,5

Total
771.562
100,0
Capoeira Reserva
Camponeses
895.443
62,0

Patronais
547.757
38,0

Total
1.443.200
100,0
Capoeira Sucata
Camponeses
618.731
27,1

Patronais
1.662.800
72,9

Total
2.281.531
100,0
Capoeira Total
Camponeses
2.127.951
47,3

Patronais
2.368.343
52,7

Total
4.496.294
100,0
Fonte: Elaborado por Costa (2004) e Costa (2006a).
Os camponeses detêm 79,5% da capoeira-capital e 62,0% da capoeira-reserva e apenas 27,1% da capoeira-sucata. Os patronais possuem apenas 20,5% da capoeira-capital e 38,0% da capoeira-reserva. Contudo, os patronais geraram 72,9% da capoeira- sucata, aquele tipo de cobertura vegetal de baixa diversidade e com dificuldade de recuperação da estrutura ecológica natural. Em grande medida, a capoeira sucata é derivada do incentivo à pecuária extensiva, com baixa densidade de animais por hectare e com compactação do solo, reduzindo as áreas de solo permeável. A formação de capoeira sucata é o substrato de uma tecnologia produtiva orientada somente na esfera econômica e que não internaliza os custos ecológicos e sociais. Há uma clara socialização dos custos externos, em uma demonstração real do "dilema dos comuns". Sendo assim, desestrutura o tripé ecológico fundamental e coloca em risco a sustentabilidade dos sistemas agropecuários amazônicos. A partir da constatação da formação de diferentes estruturas de capoeira, fica evidente que os camponeses apresentam características mais apropriadas para a garantia da sustentabilidade ecológica de longo prazo, com impactos reduzidos na quebra dos equilíbrios fundamentais da natureza.
4. CONCLUSÕES
Este trabalho não tem a intenção de esgotar a discussão sobre a capacidade de sustentabilidade de estruturas sócio-produtivas rurais. Analisou-se apenas uma unidade da federação brasileira, o Pará. Não se pode afirmar que a dinâmica do agrário paraense é uma tendência em todas as regiões brasileiras. Contudo, é uma indicação importante e que pode contribuir no debate sobre o espaço rural na Amazônia e em diversos espaços onde o campesinato se mantém ativo e atuante frente à expansão do capital sobre o campo. O pano de fundo deste artigo são os sistemas sócio-produtivos rurais paraenses, que conta com 93,8% de suas 206.199 unidades rurais funcionando dentro da lógica camponesa, incluindo 792.307 trabalhadores, ou 89,7% do total da força de trabalho rural e nada menos que 64,4% de toda a riqueza do setor primário. As decisões estratégicas para este setor devem primar pela lógica camponesa, pois é esta estrutura que imprime a dinâmica da base agrária daquele espaço. Negar este fato é não aceitar a realidade concreta como palco central da tomada de decisões e admitir, ex ante, a falência das políticas públicas que buscam a eficiência coletiva, pois se os atores-chave forem negligenciados, os resultados tendem ao insucesso.
Ficou claro neste trabalho que do ponto de vista econômico, os camponeses geram maior rendimento líquido por unidade de área, o que reduziria drasticamente a dimensão de floresta a ser antropizada em sistema produtivos, pois poder-se-ia alcançar a mesma magnitude de produção dos patronais pelo modelo camponês com apenas 1/4 da área necessária no modelo patronal, ou gerar quase quatro vezes mais riquezas utilizando a mesma área apropriada pelos patronais. Do ponto de vista ecológico, os camponeses geram menos impactos no tripé fundamental ecológico, pois seus sistemas produtivos mantêm elevadas áreas de capoeira-capital e reserva que são excelentes proxys de manutenção da capacidade de suporte biológico. A garantia da estrutura florestal com solo permeável e água residente permite a manutenção da funcionalidade do ecossistema em uma visão de longo prazo para geração de energia para consumo humano. Do ponto de vista social, a estrutura camponesa emprega maior contingente de trabalho, com distribuição de renda direta, pois mantém quase 90% da mão-de-obra empregada no setor primário. Além disso, a sua lógica de eficiência do trabalho permite dispersar uma importante fração do valor pela sociedade, pois a cada 1% da força de trabalho familiar é distribuído de forma difusa 0,28% do valor gerado, reduzindo os custos de aquisição de produtos primários nos centros urbanos, elevando a capacidade de consumir uma cesta maior de bens. Em uma visão complexa, a estrutura sócio-produtiva camponesa possui características que a credenciam a liderar um modelo de desenvolvimento rural dentro do paradigma do desenvolvimento sustentável.
Por isso, para potencializar o investimento camponês e garantir sua eficiência, que se traduzem em eficiência econômica, social e ecológica, os recursos públicos destinados ao financiamento do desenvolvimento rural devem ser estrategicamente aplicados neste segmento sócio-produtivo. Não se afirma aqui que as demais estruturas produtivas não devam receber recursos creditícios, mas que a função social da propriedade é alcançada com maior eficiência pelas famílias camponesas e que estas deveriam ser o objetivo maior das políticas públicas.

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Doutor em Desenvolvimento Sustentável (NAEA/UFPA). E-mail: [email protected]
Fica clara esta afirmação a partir da constatação de geração de riqueza por unidade de trabalho em cada estrutura sócio-produtiva, R$ 833 entre os camponeses, R$ 3.070 nas fazendas e R$ 7.618 nos latifúndios. A menor remuneração do camponês é repassada de forma difusa à sociedade via preços constantes ou decrescentes de produtos primários.
Eficiência Econômica, Social e Ecológica... novembro de 2007
TD N.º004 - Agronegócios e Desenvolvimento Regional - UFMT
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