Eleições de 2014 e o curto prazo - WMA - Abril/2015

May 27, 2017 | Autor: W. Marquezan Augusto | Categoria: Brasil, Totalitarismo
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ELEIÇÕES DE 2014 E O CURTO PRAZO


Como fazer uma análise do momento histórico das eleições de 2014
tendo decorrido um período de tempo tão curto? Certamente estamos vivendo
diretamente os efeitos daquele evento e por isso, talvez, não seríamos os
melhores observadores de um ponto de vista histórico, diriam alguns
historiadores mais ortodoxos. No entanto, aqui de modo mais ensaístico,
podemos pensar em termos de tempo; do tempo inapreensível pelo calendário e
por divisões, apenas apreciável na sua própria qualidade, aquela mesma que
nos permite sentir distante o ontem e tão próximo o passado remoto.
Segundo algumas análises, a caminhada do pleito eleitoral pela
presidência da República cindiu o país: esquerda e direita; norte e sul; PT
e anti-PT; corruptos e cidadãos de bem; eles e nós. Esta cisão, contudo, é
ilusória, e se alguma houve, esta recaiu no seio da "esquerda" como um novo
e duro golpe. Pois, a cisão não teve como efeito a politização, e sequer
uma polarização política, mas a abertura de um canal discursivo de ódio e
violência, por um lado, e a mordaça dos espectadores, por outro. Não
podemos vê-la claramente na sociedade, homogeneizável em grupos da
população, mas é uma cisão operadora da estruturação de um discurso. Um dos
frutos, portanto, foi a consolidação de uma hegemonia discursiva e, talvez,
uma pergunta que resta seja: como isto pôde produzir tanto silêncio?
(Pergunta esta que escutei em uma aula da profª. Jeanine).
Na qualidade do tempo, as jornadas de junho podem ser tomadas como um
dos possíveis inícios do continuum das eleições de 2014. E, de forma
totalmente séria, penso até mesmo que se a seleção brasileira de futebol
tivesse ganhado a copa do mundo, talvez o nosso quadro de espetáculo fosse
outro. Mas isto não aconteceu e o sentimento de revolta só cresceu. A
direita, ou melhor, a discursiva hegemônica soube captar este sentimento
desde a externalização de 2013, e o tomou como nutritivo para o ovo da
serpente que ocupa o centro das instituições brasileiras.
A força de agitação em 2013 era essencialmente jovem. As
manifestações promovidas pelo movimento passe livre (MPL) em São Paulo, que
reivindicavam o fim do aumento da passagem de ônibus e que colocaram o
enfoque sobre o problema contemporâneo da mobilidade urbana, eram feitas
durante a semana em horário comercial e se estendiam até tarde da noite; os
sujeitos colocavam os corpos à rua e faziam cidades inteiras pararem. Muito
diferentes são as manifestações pró-impeachment e o recente 15 de março (e
sua reedição encolhida no dia 12 de abril), que ocorreram em finais de
semana e que encontraram cidades de ruas abertas (e, em algumas imagens,
até jet-skis com faixas "fora Dilma"). Aos domingos, os "cidadãos de bem" e
os idosos puderam passear e se entreter com uma manifestação política.
Em junho de 2013, quando a repressão policial já não tinha mais
esconderijo após a lamentável morte de um jornalista, e a grande mídia
mudou o tom da transmissão, o que vimos nas ruas foi a emergência de
multidões que não se entenderam como força política. Num palpite, acho que
tivemos prova da nossa inexperiência e ingenuidade. Por "nossa" me refiro
às gerações que nasceram na década de 80 em diante e que eram maioria em
junho/2013. Nossa geração deu o atestado de falta de vivência política,
pois não soubemos centralizar o debate e canalizar esforços na via
institucional. Pautas importantes, como a reforma política, se perderam
pelos ares... O fato é que as eleições de 2014 dobravam a esquina e aquela
energia amorfa foi facilmente cooptada pelos discursos "anti-PT", "nova
política" e "anti-medo-PSDB". Enquanto este último vê-se frustrado e
estupefato, aqueles ainda cozinham em ódio e desgosto.
Como, então, uma força juvenil de descontentamento foi tão facilmente
levada do espetáculo e entretenimento de manifestações a uma estruturação
discursiva de ódio?
Hoje, discutir a "técnica" pode parecer um debate abstrato e
desconexo, mas talvez nos ajude a pensar o que nos propusemos.
É fácil perceber que uma das principais pautas que se impôs com
autoridade no contexto brasileiro foi o tema da economia. Aqui, a
autoridade de uma técnica soube impor necessidades econômicas, de modo que
o debate político foi subsumido ao "técnico econômico". Assim, se a
economia está presente no cotidiano de cada um, o debate sobre o tema
também pôde se fazer presente justamente pelo modelo de discurso técnico.
O que se perde de vista, no entanto, é justamente a noção de que há
também na técnica o campo da opinião. É somente aí que a ambiguidade da
técnica e do seu modelo de discurso pode vir à tona, pois ao mesmo tempo em
que ela é feita para se proliferar e se "democratizar", ela permite se
arrogar como "correta" ou "melhor". O modelo do discurso técnico permite,
então, que uma opinião qualquer possa se arrogar como uma opinião
tecnicamente correta, já não importando mais em que nível. E este é um
triunfo da técnica, pois, prescinde da autoridade científica e seu peso de
"revelação da verdade", bastando que o discurso técnico se apresente como
aquele que equilibra a aparência de mais eficiente e, por isso,
logicamente, o único que deve ser implementado. Não é à toa, portanto, que
surgiram tantos formadores de opinião, com tantos seguidores fiéis,
suportados por argumentos tão precários – basta ter a impressão de uma
análise técnica, meia dúzia de números, que a adesão é tentadora.
O ponto está em que o modelo de discurso técnico situa-se,
inevitavelmente, dentro do campo da opinião – é dizer, da opção –, e, por
isso, o único resultado possível da imposição da falta de opção é o
totalitarismo. Não é, portanto, um sistema ou um regime totalitário, mas
uma (ideo)lógica totalitária. E este é o padrão que libera o imaginário de
que qualquer opinião possa se arrogar correta e legitimamente reivindicar
sua aceitação a qualquer custo, inclusive o da eliminação do outro. Essa
(ideo)lógica tem na imanência e na retórica democrática a sua maior
potência.
Isto que parece ser uma especulação abstrata tem nome e endereço no
nosso contexto. Dirijo-me a todos os setores e pessoas que agem regidos por
esta (ideo)lógica e que, por isso, não consigo entendê-los senão como
"direita" ou discursiva hegemônica (ainda que alguns se autodenominem
esquerda ou direita democrática e libertária).
Como (?!), então, pudemos produzir tanto silêncio justamente quando o
continuum parecia demandar o debate político? Como ao invés de politização
e democracia fomos colaborar para o fortalecimento da lógica totalitária
(em que a opinião é elevada ao status de verdade e legitimada a tomar
qualquer decisão)? Que silêncio é este? Como ele se manifesta?
Parece-me que a reedição da vitória dos setores conservadores de
direita e da nova extrema-direita está na modulação da forma de pensar, não
no seu conteúdo. Não é uma captura de opinião e apoio a uma causa, é uma
captura de subjetividade a partir da precarização do senso de politicidade.
Tanto é assim, por exemplo, que a política econômica levada a cabo pelo
governo tem sido justamente aquela que provavelmente o seu opositor teria
feito, e ainda assim os brados de "fora-Dilma" seguem fortes.
Estamos presos numa armadilha: toda vez que a esquerda debate
publicamente os temas e acontecimentos em si, que se somam como catástrofes
cada vez mais agudas, acaba fazendo o jogo da direita, alimentando o ódio
totalitário de uma (ideo)lógica que não quer o debate político.
Um horizonte hoje silenciado é aquele em que se percebe que na morte
do debate político há a morte do pensamento. A comunidade só se constitui
enquanto comum faculdade de pensar de modo que a política pode advir como
razão de ser da ética.
Nossa geração está esquecendo-se de colocar o tempo na perspectiva de
sua qualidade, desprezando a sua prospectiva para a formação de
experiência. As desgraças que parecem ter ficado há muito para trás, mais
do que nunca, ameaçam a ser o presente legado pelas eleições de 2014.
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