EM DEFESA DA GEOGRAFIA E DA GEOPOLÍTICA

June 13, 2017 | Autor: Romualdo Pessoa | Categoria: Geografía Humana, Geografía, Geopolitica
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EM DEFESA DA GEOPOLÍTICA E DA GEOGRAFIA1 Romualdo Pessoa Campos Fillho2

Talvez por ter vindo de outra área, e por ter uma boa noção do significado do processo histórico, e de como as relações sociais vão se formando em um determinado ambiente, como também pela experiência política forjada ao longo de três décadas de militância, eu tenha adquirido uma boa condição para conhecer as fissuras que marcam a geografia e a procurar me manter, se não longe dela – porque também tenho procurado fortalecer meu conhecimento geográfico – pelo menos buscando vê-la com uma visão dialética de totalidade e multidisciplinaridade. Sigo por esse caminho para defender as ideias em torno da Geopolítica. A formação de uma geração de geógrafos, daqueles que se formaram até a década de 1990 (inclusive os de ideais marxistas), foi de um comportamento absolutamente refratário à idéia da Geopolítica como sendo uma área da Geografia. Até mesmo um historiador como Nelson Verneck Sodré insistiu nessa visão em seu livro Introdução à Geografia, muito conhecido entre os geógrafos. A base da formação dessa geração, daí até mesmo a insistência na categoria região como de uma importância a meu ver de pouca relevância, foi lablacheana, com a mesma por muito tempo alimentando um forte antagonismo com a escola ratzeliana, de onde se origina a geopolítica, e que viria a definir o território como elemento mais importante para se compreender a geografia dos povos e dos lugares. Outro exemplo recente é do livro de Ruy Moreira, O Pensamento Geográfico Brasileiro – as matrizes clássicas originárias. Nele não se encontra referências à Friedrich Ratzel. Porque razão? Por acaso Moreira descartou Ratzel, por ele também desconsiderá-lo como um autor clássico para a Geografia? Prefiro encontrar outra resposta: simplesmente porque Ratzel não era lido, assim como Kjèllen (embora sendo este um cientista político), por terem sido esses autores os responsáveis por criarem as bases da Geopolítica, logo depois tornado maldita a partir da influência de Haushofer e da ênfase ao expansionismo territorial como necessidade de sobrevivência para os pequenos Estados. O tempo, senhor da razão, como gostava de repetir um ex-presidente almofadinha (e ele sentiu na prática essa máxima), se encarregou de demonstrar que os geógrafos, ou não geógrafos mas estudiosos da geografia, os estrategistas, e aqueles que compreendiam as transformações com base na dialética, estavam absolutamente corretos, na compreensão de que o Estado-Nação se consolidaria como a forma de organização dos povos no planeta. E tudo que passasse a dizer respeito a essa forma de organização, dependeria do controle do território, das riquezas que nele existisse e do poder que sobre ele se exercesse. Isso fez da Geopolítica uma das mais importantes áreas de estudos, não somente durante todo o século XX, mas principalmente a partir de suas últimas décadas e do início deste, em que agora vivemos. As relações internacionais, ou entre nações, a ampliação dos mercados em níveis globais, a conectividade espetacular entre as pessoas, seja através dos meios de transportes ou 1

Publicado em abril de 2012 no blog: http://www.gramaticadomundo.blogspot.com.br/2012/04/em-defesa-dageopolitica-e-da-geografia.html 2

Professor de Geopolítica na Universidade Federal de Goiás. Doutor em Geografia.

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via meios de comunicação, os problemas de dimensão mundial que decorrem dessas transformações, e, acima de tudo, a destruição de nosso habitat natural, para atender às demandas geradas por tudo isso que eu disse desde o início deste parágrafo, só é possível de ser compreendido, atualmente, através de uma visão ampla, de uma concretude global. Ou seja, como na dialética, o todo compreendido a partir do estudo e conhecimento das partes que o formam. Aí o retorno à totalidade para ter o concreto pensado, e a possibilidade do conhecimento objetivo, real. Na Geografia o que possibilita isso é a Geopolítica. Porque ela vai nos mostrar como se desenvolvem as relações humanas (sociais) na sua relação com o território, a política, como elemento mediador dessa relação e dos conflitos que daí decorre e do Poder, como objetivo a se alcançar. Por isso as guerras acontecem, quando a política não consegue dar respostas às soluções para esses conflitos. Embora no discurso todos digam que a geopolítica é importante hoje, isso no âmbito dos cursos de Geografia, permanece o menosprezo, a indiferença por uma vertente do conhecimento geográfico que busca na política a essência para a compreensão das relações que se estabelecem entre as Nações ou dentro de uma sociedade. Mas todos assim o fazem porque se julgam capazes de ter um entendimento da geopolítica. A veem simplificadamente, daí não haver o incentivo para se formar doutor nessa área. Porque ela sempre foi transversal à Geografia, essa é a questão de fundo que muitos se recusam a admitir. A razão é a banalização da política, como se fosse fácil a sua compreensão, reducionismo esse estimulado por uma mídia que procura criar um afastamento da população, e da juventude em particular, a fim de manter sob controle os que participam dela. Há bastante tempo venho observando que a Geopolítica tem sido uma das disciplinas mais procuradas de Núcleo Livre, na UFG e os alunos da Geografia reconhecem a sua importância, mas nada disso configura-se, como argumento sólido para concluir que é preciso reforçar no âmbito desses cursos o estudo da Geopolítica, com a formação de professores doutores que tragam de volta para os geógrafos a primazia de compreender o mundo e as sociedades sustentados em três pilares: o território, a política e o poder. E a geografia como o instrumento do saber, essencial na definição de estratégias para lidar com o território, e com o ambiente de uma maneira geral. Acompanhei na História o esfacelamento de uma ciência que sucumbiu à força ideológica de uma época que impôs a fragmentação como lógica de funcionamento do mundo. O conhecimento, as ciências, os indivíduos, foram arrastados de maneira irrefreável por um movimento global que impunha a todos a submissão ao mercado. Esse ente abstrato, tornado deus pelos interesses financeiros do capitalismo, agiu de maneira onisciente, onipresente e onipotente e rasgou fronteiras – tornadas obsoletas – a fim de melhor facilitar o deslocamento por todo o mundo do seu instrumento mais importante (embora sejam tantos e todos possíveis objetos): a mercadoria. Essa nova formatação do capitalismo contemporâneo, que veio acompanhada do sufoco a qualquer outro tipo de tentativa de apontar alternativas para o mundo, primava pela divisão do conhecimento, como forma de criar especialistas em uma infinidade de áreas, repartidas das várias ciências. O que antes era uno tornou-se divisível. Mas como era para o bem do mercado, e

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garantia de consolidação de profissionais em novas áreas, tornou-se uma fatalidade. Era benéfico para aqueles que não tinham conhecimento de ter havido uma “década perdida”: os anos 1980. Significava uma modernização acelerada de todo o aparato tecnológico e nas formas como as pessoas se relacionavam, com a introdução de mecanismos sofisticados de comunicação e de realização de negócios em tempo real. A fragmentação tomou conta do mundo de forma arrebatadora. Nas universidades, cada vez mais se exigia um conhecimento focado, devidamente especializado. Os programas de pós-graduação passaram a exigir projetos de pesquisas tanto em mestrados, como em doutorados, estudos de casos, temas bem específicos, recortes temáticos bem definidos. Gradativamente os alunos se viam perdidos em meio a disputas crescentes entre áreas fragmentadas, em que se queria elevar o grau de importância que cada uma dessas delas passava a ter em meio à necessidade crescente de se elaborar projetos de pesquisas e se buscar financiamentos. Uma análise racional, contudo, nos permite ver que a fragmentação nas ciências, não é de todo um mal a ser combatido. Indubitavelmente, isso seria como resistir aos avanços no conhecimento científico e de como eles tornaram-se mais céleres. A minha crítica, portanto, não consiste à fragmentação em si. Mas na maneira como ela afetou outra parte do conhecimento, porque isso era interesse da lógica neoliberal que impôs, por certo tempo, uma verdade única e universal. Embora vivendo em um mundo cujas contradições tornaram-se mais visíveis, essa fragmentação impunha por um lado o sentido universalizante da lógica capitalista, tornada una e o final da história. E por outro lado, negava a própria realidade de um mundo completamente e cada vez mais repartido em realidades distintas. Algumas absolutamente cruéis, e esquecidas pelos avanços de toda essa tecnologia que o mundo moderno criou. Reforçou-se o maniqueísmo para se ver as desigualdades como sendo originadas por comportamentos maléficos, de grupos bárbaros, reticentes à modernidade una e verdadeira do capitalismo global e da democracia ocidental. Fecharam-se os olhos às diversidades, considerando-as perversas, numa absurda incongruência com a própria lógica fragmentária que era apresentada como a única saída para a humanidade. Ao mesmo tempo em que se impunha a fragmentação, buscava-se forçar ideologicamente a unificação, pelos interesses econômicos. Esses definidos pela livre exigência do mercado. Tudo isso influenciou na consolidação de uma geração de profissionais, cientistas e professores, formados mediante essa lógica irrefreável. A única alternativa – excetuando-se uma minoria que insistia em manter-se com o olhar dialético focado na totalidade e nas contradições – era submeter-se às mudanças e impor também às novas gerações os ensinamentos sustentados por concepções fragmentárias, abstratas, niilistas, centradas na competência técnica mediante a exigência mercadológica. Ser competente, ou competitivo, era o que importava, e o sentido do mérito tomava outra direção. O bom mestre, por exemplo, não era mais aquele que influenciava seus alunos com uma visão de mundo que reforçava o sentimento que ele carregava nas suas aulas em defesa das ciências, e com abordagens filosóficas. Mas tornava-se aquele que melhor consegue recrutar bons alunos para constituírem-se em fiéis seguidores e competentes profissionais que se adequassem ao que o mercado estava exigindo. E, em contrapartida, ajudálos em projetos que possam servir às regras exigentes de instituições financiadoras. Também essas adequadas ao interesse do “mercado”. São questões importantes, mas passaram a ser feitas

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separadamente, e ainda por cima reforçando a especialização precoce, de jovens alunos recémingressos sem a mínima noção da abrangência do curso. Essa fragmentação pode ser boa para o "mercado", não para a Geografia. Ao contrário do que possa parecer não me desviei do sentido inicial do texto. Pois quando olho para a realidade que acabei de criticar, percebo que a facilidade de observá-la torna-se possível pela capacidade que posso ter de vê-la com uma visão de totalidade. E, retornando ao motivo inicial aqui exposto, entendo que, para resgatar o velho movimento crítico dos anos 60 e 70, sem saudosismo ou anacronismo, não podemos, em absoluto, esvaziar a nossa possibilidade de, através da política, vermos como essas transformações se dão, e entendermos como elas se enraizaram na Geografia. A Geografia precisa romper com duas visões que são caras a ela. A ainda absurda separação com a geopolítica, ou a Geografia Política, tratada como um ente estranho, até porque não se enquadra na lógica anteriormente abordada no interesse de “mercado”; e a crença de que a fragmentação lhe foi favorável porque abriu para várias de suas especializações as possibilidades de melhor aceitação profissional. Uma é alienante, fruto da postura refratária à política, e ainda os velhos preconceitos historicamente conhecidos. A outra ilusória, porque se apega à crença da importância do mercado, mas desconsidera o enfraquecimento da ciência geográfica, enquanto uma totalidade. Enfim, minha defesa da Geopolítica, e a crítica à maneira como se dá a fragmentação da Geografia, vem no sentido de resgatar o sentido de unicidade da Geografia. Sei que o próprio abandono da Geopolítica ao longo de quatro décadas, transformou-a numa disciplina que aos poucos foi sendo apropriada por outros cursos, como Relações Internacionais, Ciências Políticas, História etc. Mas é o saber geográfico, essencialmente estratégico, que a torna umbilicalmente ligada á Geografia, a despeito de o termo ter sido criado por um cientista político, Rudolf Kjéllen. Não há como nenhum desses outros cursos lidarem com a geopolítica sem o conhecimento geográfico. O único elemento que os unem é a política, e ao rejeitá-la a Geografia abdicou da sua criação, por questões puramente ideológicas, não retomadas ao longo do tempo pela formação de gerações que foram afastadas desse saber estratégico. E passaram a olhar as suas especialidades sem a conexão com o sentido que as tornam importantes. É significativa para o mercado, mas... Por quê? Mas não falo da política na forma banal como a mídia transformou-a, ou tornada pecaminosa pela ação de maus parlamentares e gestores. E sim, compreendendo-a como um instrumento de compreensão da forma como se dá a relação entre o solo (ou o território), o Estado e os indivíduos, como na concepção original de Ratzel. E, se olhamos nos dias de hoje para a infinidade de novas vertentes na geografia, principalmente técnicas, só entendemos suas importâncias reais, se soubermos afinar esse olhar político, percebendo também todos esses novos saberes como fundamentalmente estratégicos para as transformações por que tem passado o capitalismo nas duas últimas décadas. Sob todos os aspectos, urbanos, rurais, ambientais, das consolidações das redes (locais, regionais e globais), industriais, e, principalmente, das novas tecnologias de processamento de imagens e para o uso militar.

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É preciso ter a percepção, e na geopolítica é essencial tê-la, que nada do que se produz, das novas técnicas que são introduzidas ou das aptidões que se transformam nas formações profissionais, acontecem aleatoriamente. Mas tudo isso se dá por questões que estão relacionadas ao controle da riqueza, da produção econômica e da busca incessante pela hegemonia seja regional ou global entre as Nações. Se do nosso ponto de vista, pessoal, o que se busca é a sobrevivência, o que se faz, em grande escala é manter sempre vivo e cada vez mais pujante economicamente os Estados-Nações, mesmo se para isso for necessário preparar-se para a guerra. E aí, também, os conhecimentos estratégicos da geografia, aliado com a ciência política e a história, constituem em fatores fundamentais para que esses objetivos sejam alcançados. É como na dialética. A maioria não sabe o seu significado, pensa de forma idealista, mas vive dialeticamente. Assim também é na Geografia, tudo o que se faz, as suas novas especialidades e as velhas, o conhecimento regional e físico, continua sendo feito nos interesses estratégicos dos Estados, muito embora boa parte dos geógrafos imaginem poder fazer isso eliminando-se a política. Por fim, o que se diz aqui não é objetivando “recrutar” jovens para a política, não se trata disso. Mas de incentivar os geógrafos a perceberem que até mesmo a escolha por uma vertente específica impõe a necessidade do conhecimento estratégico, reduzido na geografia por muito tempo pela ausência da política. E que a melhor forma de se ter a compreensão de como isso se dá, em quais circunstancias e com que objetivos, é aprofundar-se nos estudos da geopolítica, principalmente no conhecimento de obras clássicas de autores que há séculos souberam ter essa percepção e identificaram a verdadeira razão do saber geográfico. E, a partir daí, ter um olhar de totalidade, compreendendo a realidade de forma concreta e percebendo que a sua especialidade não significa nada isolada de um contexto que a torna importante. A compreensão desse todo lhe dá a possibilidade de tornar-se um profissional completo, um geógrafo, na verdadeira acepção do termo, que estuda e procura conhecer a terra na sua totalidade, na junção dos elementos físicos e humanos.

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