Em Defesa da Sociedade - Resumo

October 11, 2017 | Autor: Direito Noite | Categoria: Social Sciences, Socio-Legal Studies (Law)
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Universidade do Estado do Rio de Janeiro Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Faculdade de Ciências Sociais

Disciplina: Ciência Política Prof.ª: Noéli Correa de Melo Sobrinho Nome: Flavia Campos Sardinha Período: 2006/1

Em Defesa da Sociedade – Michel Foucault. Neste volume os herdeiros de Foucault editaram os cursos ministrados pelo mestre em 1975 – 1976 no Collège de France. Foucault pretendeu prestar contas sobre as pesquisas desenvolvidas naquela instituição, buscando organizar as reuniões com os alunos e questionando-se ao mesmo tempo sobre os rumos que deveriam tomar aquelas pesquisas. Observava-se que as pesquisas desenvolvidas nos últimos cinco anos eram fragmentárias, sem chegar a formar um conjunto coerente e uma continuidade, nenhuma delas chegando finalmente a seu termo.

A imensa e prolífera criticabilidade das coisas, das instituições, das práticas e dos discursos, que se observara nos últimos quinze anos, segundo Foucault, se pareciam desprovidas de sentidos e resultados maiores, também possuíam a eficácia de descobrir, nos fatos, o que chama de “efeito inibidor próprio das teorias totalitárias”. Isto é, de teorias envolventes e gerais que acabam por ocultar os conteúdos históricos que foram sepultados, sob a forma mascarada de sistematizações formais e funcionalmente coerentes. “Creio que esse caráter essencialmente local da crítica indica, de fato, algo que seria uma espécie de produção teórica autônoma, não centralizada, ou seja, que, para estabelecer sua validade, não necessita da chancela de um regime comum”. (pp. 10/11).

É neste sentido que Foucault identifica outra característica positiva do seu tempo: o aparecimento dessa crítica local efetuou-se através do que identifica como “reviravoltas de

saber”, em cuja temática se viu ocorrer uma insurreição dos “saberes sujeitados”. Foucault entende por saberes sujeitados exatamente aqueles referidos “blocos de saberes históricos que estavam presentes e disfarçados no interior dos conjuntos funcionais e sistemáticos, e que a crítica pôde fazer reaparecer pelos meios, é claro, da erudição.”. E foi através do reaparecimento desses saberes locais das pessoas, saberes vistos como desqualificados e inferiores na hierarquia do conheciemento, é que foi possível se fazer a crítica. Foucault resume assim: “Pois bem, acho que foi nesse acoplamento entre os saberes sepultados da erudição e os saberes desqualificados pela hierarquia dos conhecimentos e das ciências que se decidiu efetivamente o que forneceu à crítica dos discursos destes últimos quinze anos a sua força essencial.” Ambas as formas tratavam do saber histórico das lutas, no qual jazia a memória dos combates, mantida até então sob tutela. É assim que vai-se delinear o que Foucault chama de genealogia, que entende como o acoplamento dos conhecimentos eruditos e das memórias locais, acoplamento este que permite a constituição de um saber histórico das lutas e a conseqüente utilização desse saber nas táticas atuais. A atividade genealógica é anticientífica, na medida em que faz com que “intervenham saberes locais, descontínuos, desqualificados, não legitimados, contra a instância teórica unitária que pretenderia filtrá-los, hierarquizá-los, ordená-los em nome de um conhecimento verdadeiro, em nome dos direitos de uma ciência que seria possuída por alguns.”. Na prática, a genealogia trava um combate contra os efeitos centralizadores de poder, próprios de um discurso científico institucionalizado e veiculado na nossa sociedade.

Foucault levanta a questão de quais ambições de poder carregariam as pretensões científicas; e avança: “Quais tipos de saber vocês querem desqualificar no momento em que vocês dizem ser esse saber uma ciência? (...) Qual vanguarda teórico-política vocês querem entronizar, para destacá-la de todas as formas maciças, circulantes e descontínuas de saber?” A genealogia teria, pois, a função de “dessujeitar os saberes históricos e torná-los livres, isto é, capazes de oposição e de luta contra a coerção de um discurso teórico unitário, formal e científico.” Ou seja, um empreendimento contra a hierarquização científica do conheciemento e seus efeitos de poder intrínsecos.

Foucault identifica como ponto de encontro entre essas genealogias a insurreição dos saberes contra um poder – que também compreende seu saber – que seria a economia e sua repercussão: o “economismo” na teoria do poder. Daí questionar-se de que forma poderia a análise dos poderes ser deduzida da economia.

Observa mesmo que, neste ponto, se identificam a concepção jurídica, liberal do poder político e a concepção marxista. Na primeira, a constituição do poder político seria baseada no modelo de uma operação jurídica contratual, o que ocorreria, de forma análoga, entre o poder e os bens / riqueza. Na última, tem-se a conhecida funcionalidade econômica do poder, na medida em que o papel essencial do poder seria manter as relações de produção e, ao mesmo tempo, reconduzir uma dominação de classe possibilitada pela apropriação das forças produtivas. E constata: “Em linhas gerais, se preferirem, num caso, tem-se um poder político que encontraria, no procedimento da troca, na economia da circulação dos bens, seu modelo formal; e, no outro caso, o poder político teria na economia sua razão de ser histórica, e o princípio de sua forma concreta e de seu funcionamento atual.”

Foucault se empenha em fazer uma análise não econômica do poder, e inicia fazendo duas afirmações: 1a) o poder se exerce e só existe em ato; 2 a) o poder é uma relação de força. Mas é necessário precisar no que consiste o poder, e qual sua mecânica de funcionamento. Foucault levanta duas hipóteses: a) o poder é essencialmente o que reprime, então, analisar o poder deve ser analisar os mecanismos de repressão; b) se o poder é o emprego e a manifestação de uma relação de força, devemos analisá-lo em termos de combate, de enfrentamento ou de guerra. E afirma que o poder é a guerra, é a guerra continuada por outros meios.

Neste ponto, Foucault inverte a afirmação de Clausewitz, dizendo que a política é a guerra continuada por outros meios. Mas o que isso quer dizer? Foram identificados três sentidos para aquela visão: 1 o) a política é a sanção e a recondução do desequilíbrio das forças manifestado na guerra; 2o) num contexto de “paz civil”, os enfrentamentos a propósito do

poder, dentro de um sistema político, deve ser interpretado como as continuações da guerra; 3o) o fim político seria a derradeira batalha, que suspenderia afinal o exercício do poder como guerra continuada.

Constatou-se que, ao fugir dos esquemas econômicos para analisar o poder, depara-se com duas hipóteses evidentes: ou enxergar o mecanismo de poder como repressão (hipótese do Reich), ou ver como fundamento da relação de poder o enfrentamento belicoso das forças (hipótese de Nietzsche). Mas essas duas formas possuem um encadeamento verossímel, se enxergarmos a repressão como a conseqüencia política da guerra (assim como a opressão, na teoria clássica do direito político, era o abuso da soberania na ordem jurídica).

A partir disso, podemos contrapor dois grandes sistemas de análise do poder: um que se articularia em torno do poder como direito original que se cede, para constituir a soberania, sob um contrato de poder político. Neste, o poder constituido não pode ultrapassar os limites de seu próprio poder, sob os termos do contrato, o que o tornaria opressor. Este seria o velho sistema, encontrado nos filósofos do século XVIII, que se contrapõe ao outro que tende a analisar o poder não mais sob o esquema contrato-opressão, mas sob a forma guerra-repressão, no qual a repressão não significaria um abuso de poder, mas uma simples conseqüencia de uma relação de dominação – um simples efeito, que pode prosseguir sem impedimentos. “A repressão nada mais seria que o emprego, no interior dessa pseudopaz solapada por uma guerra contínua, de uma relação de força perpétua.” “Portanto, dois esquemas de análise do poder: o esquema contrato-opressão, que é, se vocês preferirem, o esquema jurídico, e o esquema guerra-repressão, ou dominação-repressão, no qual a oposição pertinente não é a do legítimo e do ilegítimo, como esquema precedente, mas a oposição entre luta e submissão.”

Foucault passa, então, a realizar uma série de pesquisas sobre a guerra como princípio eventual de análise das relações de poder. Usando como contraponto a análise das instituição militares, em pleno funcionamento (real, efetivo e histórico), desde o século XVII até os dias de hoje em nossas sociedades.

Busca apreender os mecanismos do poder sob dois pontos de referência: de um lado as regras de direito que delimitam formalmente o poder e, de outro, os efeitos de verdade que esse poder produz e conduz, que acabam por reproduzir esse mesmo poder, retroalimentando-o.

Problema: quais as regras de direito de que lançam mão as relações de poder para produzir discursos de verdade? Ou ainda: qual é esse tipo de poder capaz de produzir discursos de verdade que são, numa sociedade como a nossa, dotados de efeitos tão potentes?

Numa sociedade como a nossa, mas também em qualquer sociedade, múltiplas relações de poder perpassam, caracterizam, constituem o corpo social, relações estas que dependem, para se estabelecer e funcionar plenamente, da produção e da circulação de discursos de verdade. Esquema triangular: regras de direito – mecanismos de poder – efeitos de verdade. Ou ainda: regras de poder – poder dos discursos verdadeiros.

Mas a questão central, observa Foucault, passa pela relação desenvolvida historicamente entre o direito e o poder, qual seja: “o papel essencial da teoria do direito, desde a Idade Média, é o de fixar a legitimidade do poder: o problema maior, central, em torno do qual se organiza toda a teoria do direito é o problema da soberania. Dizer que o problema da soberania é o problema central do direito nas sociedades ocidentais, significa que o discurso e a técnica do direito tiveram essencialmente como função dissolver, no interior do poder, o fato da dominação, pra fazer que aparecessem no lugar dessa dominação, que se queria reduzir ou mascarar, duas coisas: de um lado, os direitos legítimos da soberania, do outro, a obrigaçao legal da obediência.

Mas Foucault quer ir além, e demonstrar como, no lugar da soberania e da obediência, surge o problema mais obscuro da dominação e da sujeição. E explica que é preciso abandonar o modelo do Leviatã, delimitado pela soberania jurídica e pela instituição do Estado para analisar o poder a partir das técnicas e táticas da dominação. Enquanto durou a

sociedade de tipo feudal, a teoria da soberania dava conta das explicações acerca da mecânica geral do poder. Mas foi nos séculos XVII e XVIII que surgiu uma nova mecânica do poder, uma das grandes invenções da sociedade burguesa, como um dos instrumentos fundamentais da implantação do capitalismo industrial e do tipo de sociedade que lhe é correlativo. Trata-se do poder “disciplinar”: “Portanto as disciplinas vão trazer um discurso que será o da regra; não o da regra jurídica derivada da soberania, mas o da regra natural, isto é, da norma. Elas definirão um código que será aquele, não da lei, mas da normalização, e elas se referirão necessariamente a um horizonte teórico que não será o edifício do direito, mas o campo das ciências humanas. E sua jurisprudência, para essas disciplinas, será a de um saber clínico.”

Foucault afirma que é entre um direito da soberania e uma mecânica da disciplina, entre esses dois limites, que se pratica o exercício do poder. Mas essa composição vem sendo desequilibrada pelo avanço do poder disciplinar, que não conhece os limites da lei. Este é um problema atual, que Foucault já identificara como ponto de estrangulamento do sistema jurídico, uma vez que com a expansão dos mecanismos de disciplina, vem-se recorrendo ao velho direito da soberania, com o intuito de limitar os efeitos do poder disciplinar. Foucault sugere que devemos recorrer a um direito novo, que seria antidisciplinar, para lutar contra os mecanismos de poder disciplinares – e repressivos – em nossa sociedade.

Bibliografia FOUCAULT, M. Em Defesa da Sociedade. Martins Fontes, São Paulo, 2002. EWALD, F. Michel Foucault, Surveiller et punir.

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