Em Defesa do Realismo e do Cientificismo

July 18, 2017 | Autor: D. Rodrigues Agui... | Categoria: Philosophy of Science, Naive Realism, Scientific Realism, Realism, Scientism, Mario Bunge's Work
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Em Defesa do Realismo e do Cienticismo Mario Bunge 1986 Tennessen deseja matar vários pássaros com um só tiro: sensacionalismo, realismo e cienticismo. Concordamos que o primeiro é insustentável, mas tentarei defender os outros dois, que são casos bem diferentes. Em primeiro lugar, é necessário recordar que existem dois tipos principais de realismo em termos de conhecimento: ingênuo e crítico. O realista ingênuo concebe o mundo sendo como ele o percebe. Tennessen efetivamente eliminou esse tipo de realismo, mas não eliminou, contudo, o realismo crítico. O último descona dos dados sensoriais e, longe de tentar explicar o mundo em termos deles, incentiva a construção de sistemas conceituais sosticados (teorias). Esses sempre incluem alguns conceitos que têm apenas uma remota relação com a realidade ou, no caso da matemática, relação nenhuma. Contudo, uma teoria não pode pretender explicar um certo domínio de fatos a menos que alguns de seus conceitos se reram, não importa o quão tortuosamente, a esses fatos. Por exemplo, na teoria quântica, um raio no espaço de Hilbert (um construto altamente abstrato) pretende representar o estado de alguma coisa real, como um elétron ou um fóton. Eu armo que o realismo crítico não só é consistente com a ciência e tecnologia como é, também, um componente do plano de fundo losóco desse último. De fato, o pesquisador que manipula instrumentos ao fazer medições sobre os objetos que estuda pressupõe a realidade independente de tais instrumentos, e ele assume, pelo menos provisoriamente, que seus objetos de estudo existem por conta própria. E o teórico, a menos que ele seja um matemático puro, assume que suas teorias se referem a entidades reais, ou pelo menos possivelmente reais, - sejam átomos ou estrelas, gafanhotos ou pessoas. Em outras palavras, nem o experimentalista nem o teórico criam o mundo: ambos apenas o estudam. Com certeza, o primeiro pode projetar e montar coisas novas, tais como artefatos, e ele pode até mesmo criar novas espécies de coisas; e o teórico criativo cria novos conceitos, assim como o tecnólogo criativo cria novos projetos ou planos. Mas todos eles assumem a existência autônoma de um mundo externo, e todos eles pressupõe que é sua tarefa explorá-lo, entendê-lo, ou alterá-lo. Se assim não fosse, poderiam ser considerados como fabricantes de mitos ou escritores de cção. É verdade que alguns físicos, de Niels Bohr a Bernard d'Éspagnat, alegaram que a teoria quântica refutou o realismo: que demonstrou que a distinção entre o objeto de estudo (e.g., um átomo) e o sujeito (e.g., um experimentador) insus-

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tentável. Contudo, é fácil demonstrar que isso é um erro. Em primeiro lugar, todo experimentador cuidadoso se esforça para evitar inuenciar seus objetos de estudo, ou, pelo menos, para tentar estimar o tamanho da perturbação que suas ações causam. Se não fosse assim, as diferenças entre o grupo controle e o grupo experimental, e entre a coisa observada e a sonda de observação, seria inexistente e o método experimental seria inaplicável.

Em segundo lugar, as

fórmulas gerais da teoria quântica não contêm qualquer referência explícita a quaisquer sujeitos ou experimentadores, ou mesmo para arranjos experimentais. E as poucas que se referem a esse último, o tratam como entidades físicas, não como entidades psicofísicas.

É por isso que a teoria quântica é aplicada com

sucesso na astronomia, que lida com objetos que estão além do controle experimental. Em conclusão, a física quântica é tão realista quanto a física clássica. A principal diferença entre as duas é que, enquanto na física clássica cada propriedade tem um valor preciso a qualquer momento, na física quântica a maioria das propriedades são não-precisas (ou distribuídas). Em outras palavras, enquanto os estados clássicos são simples, o típico estado quântico é uma superposição de estados simples. (Veja Bunge 1967a e 1973 para obter detalhes sobre interpretações subjetivistas e objetivistas da teoria quântica). Quanto ao cienticismo, o entendo como sendo bastante diferente da crença de Tennessen em algum tipo de

visão de mundo cientíca

que emana mila-

grosamente do corpo principal do testemunho dos sentidos ou dos chamados resultados cientícos. O tipo do cienticismo que defendo se resume à tese de que a investigação cientíca (ao invés da contemplação do próprio umbigo ou a leitura de textos sagrados) pode produzir o melhor (mais verdadeiro e mais profundo) conhecimento possível de coisas reais (concretas, materiais), sejam eles campos ou partículas, cérebros ou sociedades, ou o que se quiser. Como a pesquisa cientíca envolve não somente perceber, mas também conceber e reconhecer, a visão de mundo cientíca em um determinado momento não pode emanar sozinho a partir dos testemunhos dos sentidos, muito menos de forma milagrosa. Ademais, como a ciência avança, a nossa visão de mundo cientíca não ca parada no mesmo lugar.

Por exemplo, ao contrário da maioria dos

cientistas do Séc. XIX, agora acreditamos na aleatoriedade objetiva e nas leis probabilísticas básicas; também acreditamos que a mente não é uma entidade separada do cérebro vivo; e acreditamos em algum grau de determinismo econômico. Eu penso que os cientistas estão dentre os mais rmes crentes no cienticismo: caso contrário, eu seria incapaz de entender por que eles se dedicam à investigação cientíca. E, é claro, eu incluo o método cientíco dentre os pressupostos gerais ou losócos, ou dentre as condições prévias para a investigação cientíca. Em outras palavras, eu tomo o método cientíco, ao invés de qualquer resultado especíco da investigação cientíca, como o núcleo do cienticismo. Como consequência, não posso aceitar a aprovação implícita de Tennessen à anti-metodologia de Feyerabend, o anarquismo epistemológico - a versão mais recente do ceticismo radical. O princípio desta doutrina é que vale tudo. Isto não é realmente um princípio, mas uma licença para acreditar em, e fazer, qualquer coisa. Portanto, ela em nada ajuda na conduta da investigação e não é a

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resposta correta à metodologias estreitas e autoritárias (ou dogmáticas) como o positivismo clássico (e seu companheiro psicológico, o behaviorismo radical). É simplesmente uma marca de vazio intelectual e irresponsabilidade. É verdade que devemos ser céticos e estarmos prontos a mudar algumas de nossas crenças mais adoradas, caso queiramos nos chamar de cientistas ou lósofos. Mas a dúvida é um meio, não um m. O objetivo da investigação cientíca (e humanista) é compreender o mundo com a ajuda de teorias que sobreviveram a uma série de testes, dentre eles os de observação ou experimentação. (Veja detalhes sobre a metodologia cientíca em Bunge, 1967b; sobre o realismo cientíco em Bunge, 1983a e 1983b.) Em conclusão, concordo com Tennessen que a percepção é limitada e, além disso, especíca à espécie (e.g., antropocêntrica), assim como que pode ser contaminada com ideias e expectativas. Mas discordo com sua conclusão de que esse fato refuta o realismo e o cienticismo. Ele refuta apenas o realismo précientíco (ingênuo) e a aceitação acrítica (portanto não-cientíca) de todos os resultados da investigação cientíca. A ciência é falível, mas não pura cção; é cética, mas não niilista. E a ciência muda, às vezes de uma maneira revolucionária, mas nunca de uma forma total: nenhuma mudança cientíca, mesmo que profunda, apaga completamente as conquistas que ela substitui.

Assim como

nos casos do desenvolvimento individual e da evolução das populações, o avanço do conhecimento cientíco é descontínuo em alguns aspectos e contínuo em outros. Isso explica porquê mesmo aqueles que se dedicam à psicologia siológica podem continuar a aprender com as realizações da psicologia introspectiva e behaviorista, e ao mesmo tempo criticar suas falhas.

Revolução, sempre que

necessária; anarquia, jamais.

Tradução por Douglas R. A. de Oliveira, revisão por Daniel C. de Coimbra.

Referências [1] BUNGE, M. (1967a). [2] BUNGE, M. (1967b).

Foundation of physics. New York: Scientic research

Springer-Verlag.

(2 vols.). Berlin and New York:

Springer-Verlag. [3] BUNGE, M. (1973).

Philosophy of physics. Dordrecht:

Reidel.

[4] BUNGE, M. (1983a).

Exploring the world. Dordrecht and Boston:

[5] BUNGE, M. (1983b).

Understading theworld.

Reidel.

Dordrecht and Boston: Rei-

del. Paper

In Defense of Realism and Scientism. In: Annals of Theoretical Psychology. Springer US. (pp. 23-26)

[6] BUNGE, M. (1986)

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