EMBATES POR “UM LUGAR NA NOSSA GALERIA LITERÁRIA”: ALENCAR, LÍNGUA E LINGUAGEM NA LEITURA DE HENRIQUES LEAL

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EMBATES POR “UM LUGAR NA NOSSA GALERIA LITERÁRIA”: ALENCAR, LÍNGUA E LINGUAGEM NA LEITURA DE HENRIQUES LEAL

VALDECI REZENDE BORGES*1

Os imbricados campos da cultura e da política no Brasil de meados do século XIX, dos anos de 1850 àqueles de 1870, foram marcados por embates acirrados ao redor da busca de edificação da jovem nação e de uma identidade própria, de uma individualidade brasileira, em oposição à Portugal. José de Alencar teve presença ativa nesse âmbito como intelectual e político inserido nas altas rodas literárias e esferas do poder imperial. Combateu com vistas a contribuir com a “formação de uma nacionalidade”, por meio de sua pena e produção de uma literatura que fosse “brasileira” na temática e na forma, numa estética “moderna”. Nas lutas por um lugar na cena literária e por uma forma de representar a nação, ele estabeleceu relações com vários intelectuais expondo suas ideias, seus projetos e defendendo sua prática ficcional. Diversos ensaios e críticas literárias configuram lugares de memórias de tais lutas, ao expressarem os diálogos tecidos com a intelectualidade lusófona, brasileira e estrangeira, nos quais emergem apoios, mas também oposições. Muita tinta foi gasta naquele momento, e mesmo depois, tanto de cá do Atlântico como do outro lado. Inserido nas trincheiras lusas, o maranhense Antônio Henriques Leal, dentre outros, realizando uma leitura da produção alencariana, tanto a elogiou como a criticou. Figura, nas tramas de tal discussão, principalmente, a reflexão acerca da natureza e da cultura americanas, em especial, da língua, da linguagem e do estilo para expressar uma tradução do Brasil. A intenção aqui é reconstruir, por meio de dois textos críticos, a leitura que Leal realizou sobre a atuação de Alencar como literato, sobre seu lugar na literatura brasileira e seu fazer nas letras, marcado por “defeitos” e “incorreções” no uso da língua e da linguagem.

* Dr. em História pela PUC/SP. Professor do Departamento de História e Ciências Sociais, da Universidade Federal de Goiás/Campus Catalão. O presente trabalho é produto do projeto mencionado e foi realizado com apoio do CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – Brasil. Bolsa Produtividade.

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A investigação que ora apresentamos insere-se numa perspectiva de conhecimento que associa a História Cultural, que se debruça sobre os textos para pensar sua escrita e leitura, focando mecanismos de produção, motivações e intencionalidades, linguagem e diálogos intertextuais (KRISTEVA,1988), recepção e apropriação (CHARTIER, 1990), com uma História Política renovada, preocupada com o agir em oposição às estruturas ou com a “cultura política”, em que as ideias são vistas como manifestações de posicionamento (BURKE, 1997). Considerando que os textos constroem uma dada representação do passado, vazada por motivações, visa-se compreender a produção e a recepção destes, a escrita, a linguagem e a leitura (PESAVENTO, 2004). Se todo documento é uma representação do passado (CHARTIER, 1990), configura-se em “monumento” (LE GOFF, 1990) e em “lugar de memória” (NORA, 1993), cabe-nos desvelar essa construção, a finalidade de tal edificação e suas intencionalidades, inserindo-a nos campos intelectual e político em que foi produzida, os quais são diversos, segmentados, hierarquizados e marcados por disputas, por relações de forças, elucidando sua configuração e historicidade (BOURDIEU, 1992). Se, no momento presente, discute-se a relação entre língua e identidade em decorrência do avanço da globalização e do Novo Acordo Ortográfico entre os países formadores da comunidade lusa, retornar ao século XIX pode ser importante para percebermos a historicidade da questão, conforme as indicações metodológicas de Bloch (2001). Tal problemática possui um tempo de duração mais longo que muitos supõem e mostra-se como uma luta de representações e de formação de identidades. Hoje, em fins da primeira década do século XXI, as páginas das imprensas, portuguesa e brasileira, voltaram a ser palcos de uma disputa diretamente ligada àquela querela oitocentista. O novo Acordo Ortográfico, aprovado em 2008, e que passou a vigorar no Brasil em janeiro de 2009, foi promulgado em sessão da Academia Brasileira de Letras, fazendo parte das comemorações e celebrações dos 100 anos de morte de Machado de Assis. O ato foi considerado como a concretização de uma aspiração de Machado, expressa no discurso de encerramento das atividades da ABL, no ano de 1897: “A Academia [...] buscará ser [...] a guarda da nossa língua. Caber-lhe-á então defendê-la daquilo que não venha das fontes legítimas - o povo e os escritores- não confundindo a moda, que perece, com o moderno, que vivifica” (MACHADO DE ASSIS, 2009).

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Assim, o Acordo, que tem o objetivo de “unificação da escrita em todos os países da comunidade lusófona”, ocupou páginas de revistas, jornais e de sites da rede mundial de computadores, a internet. Favoráveis a sua adoção e resistentes a ela, tanto brasileiros como portugueses ou de outros países que formam a comunidade lusófona expuseram suas opiniões e seus argumentos. Aqui, uns comemoram e defendem o Acordo como uma maturidade linguística, como realização de uma aspiração antiga de nossos intelectuais oitocentistas mais expressivos, como José de Alencar e Machado de Assis. De lá, outros protestam apontando as falácias dos argumentos utilizados e resistindo a um “abrasileiramento” do idioma que o Acordo representa. Tais posturas mostram que essa história parece que está longe de ter fim e que as manifestações comemorativas podem corresponder a interesses de alguns atores sociais em cena, sendo marcadas por contradições e confrontos. José de Alencar (1829-1877), em vários ensaios críticos, refletiu sobre a relação entre a língua portuguesa e a diversidade linguística existente no Brasil, a linguagem literária, a história, a cultura e a natureza. Suas propostas e as defesas destas balançaram o campo intelectual oitocentista brasileiro e luso em combates e lutas calorosas por uma forma de representação do Brasil como nação. O início de sua reflexão ou a ponta inicial da meada, que, um pouco mais tarde, constituirá a trama que aqui procuramos expor, pode ser acessado no pequeno ensaio “O estilo na literatura brasileira”, de 1850, publicado, quando ainda era acadêmico de Direito, na revista Ensaios Literários, de São Paulo, no qual expressa sua sensibilidade moderna opondo os estilos clássico e moderno, ao defender o emprego do último na produção de uma literatura brasileira. Já em 1856, nas páginas do Diário do Rio de Janeiro, veio a luz ou à cena a discussão que enfrentou ao longo de toda sua vida intelectual. Inaugurou a primeira grande polêmica literária brasileira com a publicação das “Cartas sobre A Confederação dos Tamoios”, abordando a produção de uma literatura americana ou indianista com forma original e não forjada nos moldes épicos. A cena seguinte se refere à “Carta ao Dr. Jaguaribe” e ao “Pós-escrito” à Diva, de 1865, em que tratou de como e por que escreveu Iracema, de sua opção pela prosa em detrimento do poema e de dimensões de seus romances urbanos, como o emprego de neologismos, respectivamente. Em seguida, o português Manuel Pinheiro Chagas, em “Literatura Brasileira – José D‟Alencar: Iracema”, de 1867, criticou a referida obra

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indianista, abordando a questão das relações entre as línguas, indígena e portuguesa, do emprego dos neologismos e o problema da linguagem literária. Na próxima apresentação, Alencar, em diálogo com Chagas, em “Pós-escrito” à segunda edição de Iracema, de 1870, defendeu-se das censuras e bateu pela diferenciação linguística entre o português brasileiro e aquele de Portugal. Na sequência, em Lisboa, no Jornal do Comércio, o maranhense Antonio H. Leal, em “A Literatura brasileira contemporânea”, de 1870, realizando um balanço da produção literária nacional, tratou da figura de Alencar dirigindo-lhe elogios, mas também críticas pelo uso observado da língua portuguesa. Na sexta cena, em 1871, ainda em Lisboa, Leal continuou sua reflexão em “Questão Filológica: a propósito da segunda edição de Iracema”, focando a problemática da língua e da linguagem. Esse artigo saiu publicado no Brasil em O Paiz, de 27 e 28 de maio daquele mesmo ano. Na sétima cena, Alencar produziu “Benção paterna”, em 1872, periodizando sua escrita e defendendo-a, como o emprego de uma linguagem leve e rápida, que atraísse o leitor do seu tempo, o qual se deslocava de locomotiva, símbolo da era moderna. Na oitava, em 1874, Leal recolheu os escritos acima mencionados no livro Locubrações, que fora editado pela Livraria Popular de Magalhães e Cia e teve impressão em Lisboa na Tipografia Castro Irmão. Na nona cena, Alencar, ainda em 1874, produziu as “Cartas ao Sr. J. Serra”, conhecidas por “Nosso cancioneiro”, tratando da naturalização de nossa literatura, além de escrever “Questão filológica”, rebatendo as críticas de Leal. No entanto, se estes foram alguns dos fatos que marcaram o campo de batalhas oitocentistas, aqui, neste texto, se abordarão apenas os dois textos de Leal. Em “A Literatura brasileira contemporânea”, de 1870, Leal, tratou, num curto trecho, da atuação do escritor José de Alencar como romancista e dramaturgo. Afirmou que Alencar tinha “conquistado por seu engenho e pelo conceber inesgotável, florantes loiros em todas as carreiras”, de publicista, poeta, romancista, dramaturgo e orador. Visto como “ativo e fértil em produzir”, citando romances como O Guarani, As Minas de Prata, Iracema, O Gaúcho, A Pata da Gazela, Tronco do Ipê e Til, considerou-os “todos nacionais e modelados pelo Derradeiro Moicano e Lago Ontário, de Fenimore Cooper, para fazer uma idéia aproximada da fecundidade deste grande talento.” Avaliou, ainda, que o escritor destacava-se, em relação aos demais, “na originalidade das imagens, na pintura das cenas de nossa natureza”, além de estar debuxando um

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“poema nacional – Os filhos de Tupã”, que prometia ter “vida longa e próspera” (LEAL, 1965: 208). Leal, ao comparar Alencar a Cooper e aproximá-los, ao ver o literato da América inglesa como modelo para produção de uma literatura nacional, seguia o mesmo caminho aberto pelo português Manuel Pinheiro Chagas, em “Literatura Brasileira – José D‟Alencar: Iracema”, de 1867. Para Chagas, apesar dos muitos talentos que se avultavam na “nossa antiga colônia americana”, não se podia dizer que o Brasil possuísse uma literatura nacional; que refletisse “o caráter” de seu povo, concedesse vida às suas tradições e crenças e fosse “a alma” da nação com “todas as dores e júbilos que, através dos séculos, a foram retemperando”. O Brasil, como nação moderna e filha da Europa, não tinha “ainda uma existência bastante caracterizada, para que os seus incidentes, refletindo no espelho da literatura”, pudessem “deixar nele imagem bastante colorida e enérgica.” Faltava-lhe um “período laborioso de uma gestação dificílima”, como ocorrera nas repúblicas espanholas na América, e “uma iniciativa no movimento civilizador do mundo”, debatendo as “grandes questões” da humanidade, como faziam os Estados Unidos, os quais pudessem “na sua literatura deixar profundo sulco”. Faltavam-lhe elementos para inflamar uma literatura com o fogo do combate, o ardor, a veemência, o entusiasmo e as comoções das lutas, os quais comporiam as páginas de “uma epopeia sublime”, talvez formando a “Ilíada gigante desses povos” (CHAGAS, 1867: 212-3). A seu ver, na América inglesa, nos Estados Unidos, Cooper era “o representante dessa literatura patriótica”, com o tipo que criou, Nathaniel Bempo, e as figuras que se agrupavam em torno dele. Esse tipo “é o protesto vivo contra aqueles que da Nova Inglaterra querem fazer apenas a sucursal da antiga” e “que tentam assim afogar no seu germe a vivaz nacionalidade”. As nações americanas, se quisessem “verdadeiramente fazer ato de independência, e entrar no mundo com foros de países que tem nobreza sua”, deveriam, como Bempo, “esquecer-se um pouco da metrópole europeia, impregnar-se nos aromas do seu solo”, proclamar-se filhas adotivas, mas “ternas e amantes das florestas do Novo Mundo, e aceitar as tradições dos primeiros povoadores”. Na poesia desses povos primitivos, estava “a inspiração verdadeira”, que deveria “dar originalidade e seiva à literatura americana”. Fora isso que compreendera Fennimore Cooper e fez seus romances tão apreciados por uma geração que desprezou

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“as estioladas e pálidas plantas de estufa, nascidas numa atmosfera falsa”. Concluindo: “É isso que deve dar ao Brasil a literatura que lhe falta, foi isso finalmente o que o sr. José de Alencar compreendeu e tentou na formosa lenda cearense, que abre um novo e desconhecido horizonte aos poetas e romancistas de Santa Cruz” (CHAGAS, 1867: 214-6). O crítico considerou que pertencia à Iracema “a honra de ter dado o primeiro passo afoito na selva intrincada e magnificente das velhas tradições”. Se os leitores de Cooper lamentavam que não houvesse no Brasil poeta que soubesse aproveitar os tesouros da poesia espalhados pelo território e que, como Fennimore, desse relevo às tradições e crônicas de tais povos, “Alencar livrou sua pátria desse labéu” com sua lenda. Com esse livro, revelava-se estilista primoroso, pintor de paisagens natais e cronista simpáticos dos antigos povos brasileiros. “Pela primeira vez aparecem os índios, falando a sua linguagem colorida e ardente, pela primeira vez se imprime finalmente o cunho nacional num livro brasileiro [....]”. Portanto, “A musa nacional solta-se enfim dos laços europeus” e vem sentar-se à sombra das bananeiras vendo o sol apagar seu facho ardente na orla das florestas americanas (CHAGAS, 1867: 216-20). Mas, se Chagas, após tais honrarias, passou a apontar os “defeitos” da obra centrados no uso da língua portuguesa e na linguagem de Alencar e de outros autores brasileiros, Leal também seguiu o mesmo procedimento. Sua leitura, após destacar tais pontos positivos, passou a mesclá-los com aqueles negativos, relacionados à questão da língua, da linguagem e do estilo empregados nessas produções. Num misto de elogio e lamento, ponderou: É pena que talento tão superior não se aplique ao estudo da língua, com mais interesse e sem prevenções. Porém, quanto a sua linguagem e estilo são descuidados e por vezes desiguais e frouxos; posto que sejam compensados esses senões pelas belezas que se encontram em suas obras, tais como a exatidão e firmeza de suas descrições, o bem sustentado dos diálogos, e as observações adequadas à feição verdadeiramente brasileira desse trabalho. Não carecíamos de mais ninguém para formar uma escola e por limites incontestes à nossa literatura (LEAL, 1965:208).

Leal, conforme Martins (1983: 189), estava muito enganado, porque, se havia coisa a que Alencar se entregava com seriedade e paixão era o “estudo da língua”, como pode ser visto no “Pós-escrito” à segunda edição de Iracema e outros textos.

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[...] da ortografia aos neologismos, das dificuldades gramaticais aos galicismos, dos arcaímos à sintaxe, não há tópico que ignore e sobre o qual não tenha ideias assentes, inclusive com apoio nos filólogos mais conceituados da época, indicando leituras específicas que não poderiam ter sido improvisadas. Ele anunciava, mesmo, estar trabalhando numa “pequena obra [...] na qual me propus a fazer um estudo sobre a índole da língua

portuguesa,

seus

desenvolvimento

e

futuro,

considerando

especialmente a tão cansada questão do estilo clássico.” [...] sempre é certo que revelou competência filológica incomparavelmente mais sólida que a de Pinheiro Chagas e Henriques Leal [...]

Finalizando seu texto, Leal, em seguida, remeteu a “alguns romances da atualidade” produzidos por Alencar, aqueles do mundo urbano, dizendo que não desmereciam “da boa reputação que tem adquirido este afamado escritor”, passando a tratar de sua produção dramática e cômica. Esse pequeno ensaio foi transcrito no jornal de São Luís do Maranhão O Paiz, no. 1, e, depois, incorporado no livro Locubrações, publicado por Leal, em 1874. Mas, ainda que pequeno e, de certo modo, elogioso, o trecho provocou a resposta de Alencar no “Pos-escrito” à segunda edição de Iracema, também vindo a público no ano de 1870. Depois de tratar das censuras de outros críticos, passou a ocupar-se das acusações de Leal, que, segundo o romancista, “contestou que os portugueses da América possuíssem uma literatura peculiar ou elementos para formá-la”, mas que também reproduziam “a cansada censura” ao seu “estilo frouxo e desleixado”. Alencar, dando continuidade a sua defesa, fez avançar o esboço que vinha traçando do molde de nacionalidade literária condizente com o Brasil, o qual ele vazava nas obras que produzia e que se contrastava em estilo com o padrão clássico da língua portuguesa; defendia o “cisma gramatical”, que consubstanciava a separação e a independência política e cultural brasileira (ALENCAR, 1964, v.2: 1131, 1133-5). Se Alencar, melindrado e irritado, deu essa resposta a Leal, este não deixou por menos. Publicou, em abril de 1871, em Lisboa, o texto “Questão filológica: a propósito da 2ª. edição da Iracema (Romance do Sr. Conselheiro José de Alencar”, o qual saiu reproduzido no Brasil em O Paiz, de 27 e 28 de maio daquele mesmo ano. Leal, vendo-se na tarefa de analisar Iracema, segundo ele, a pedido de um amigo jornalista, de forma retórica, pediu dispensa da tarefa por conhecer, pela leitura de tal trabalho, “os irritadiços melindres do autor, ofendendo-se até dos menores e mais

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inocentes reparos, embora ditos sem ânimo deliberado de censura, senão de conselho [...]”, aos quais, segundo ele, Alencar reagira afirmando: “Nada há mais fácil do que censurar a esmo, declarando peremptòricamente que um livro está cheio de incorreções”. Para o crítico, isto era “uma ameaça de repto”, e ele não queria “entrar em luta” com quem quer se fosse.

Porém, proclamando-se cansado antes do tempo,

aborrecendo o “oficio de paladino”, e não querendo quebrar lanças por mais viva e legítima que fosse sua “crença”, Leal deu relevo aos dotes literários alencarianos para, em seguida, apontar os problemas que neles via: “Deploro, todavia, que quem tem dotes tão elevados para ocupar um proeminente lugar na nossa galeria literária, os embacie um pouco com nódoa que só na primeira juventude das raparigas bonitas se pode desculpar e tolerar” (LEAL, 1965: 210) Portanto, estava dado o quadro em que ocorreria a crítica; aquele de incorreções e defeitos que ofuscavam e manchavam os livros de um escritor talentoso. Por essa época Alencar considerava que já estava em “outra idade de autor”, a qual chamou de sua “velhice literária”, e adotava o pseudônimo de Sênio, ainda que, segundo ele, outros quisessem que fosse “a da sua decrepitude”. O atormentava ainda “a indiferença pública, senão o pretensioso desdém da roda literária”, “da crítica de barrete”, ao receber suas obras na imprensa diária. Diante de tal conspiração do silêncio preocupava se seu nome ficaria para posteridade e nesse sentido, precavido, escreveria, em 1873, um texto autobiográfico sobre sua trajetória intelectual, “Como e porque sou romancista”, no qual afirmou: “... desejaria fazer-me escritor póstumo, trocando de boa vontade os favores do presente pelas severidades do futuro”. (ALENCAR, 1965: 118120). Para Leal, “esse defeito” provinha da “falta absoluta de crítica literária entre nós”. De uma “crítica sensata, esclarecida, desapaixonada, independente e desinteressada, que, animando, aconselha com benevolência e discrição; que apontando os erros, aplica-lhes logo o remédio; essa sim, que é luz que esclarece, crisol onde se afinam e depuram o belo e o correto”. Sem esse tipo de crítica, não poderiam “as letras, a ciência e as artes medrar, desenvolver-se, opulentar-se, criar escola, prestar serviço às gerações venturas”.

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Sem ela os achaques, os vícios e as más tendências crescem, bracejam, e suas raízes afundam-se, passando destarte despercebidos e derrancando o gosto. Não há aí Hercules que os possa depois extirpar e são afinal transmitidos como as sãs doutrinas à mocidade inexperiente, que os herda e os adota. O mal cresce e alastra; é força, pois, enxotarem-se do templo das artes os belfurinheiros de lentejoulas e miçangas (LEAL, 1965: 211).

Dessa forma, imbuído da missão de defensor estrênuo daquilo que era “correto”, no afã de purificar das mazelas, “os vícios”, para que não se enraizassem, crescessem e se expandissem entre a juventude e o gosto dos leitores, tomando ar de doutrina a ser adotada, o crítico buscava corrigir e afugentar os desvios alencarianos que poderiam ser atrativos, mas maléficos. Leal, retomando o que dissera no folhetim do Jornal do Comércio, de Lisboa, e em O Paiz, de São Luís do Maranhão, afirmou que não podia suspeitar que aquela “frase de simples advertência” pudesse escandalizar Alencar a ponto do “eminente literato” gastar páginas em refutá-la. Clareou que sua intenção, ao escrever o artigo, era de efetuar um “desagravo patriótico, ou antes, protestos contra clamorosa injustiça que se nos fazia, negando em um livro, que se intitula Crítica, a autonomia e direito que tem o Brasil a um lugar na grande república literária”. Fê-lo “sem pretensão, no impulso e com o açodamento que me pedia o amor das nossas cousas e dos nossos homens”, mas “devia esperar que penas mais autorizadas tomassem a dianteira em causa tão santa, se não estivesse desenganado disso, pela amarga e triste experiência.” (LEAL, 1965: 2ll). Portanto, Leal, então em Lisboa, contestava a afirmação de Luciano Cordeiro, presente no Livro de Crítica, publicado em 1869, segundo a qual, não tínhamos uma literatura própria e possuíamos a insanidade, a obsessão por tê-la devido a questões políticas: “os brasileiros na sua monomia de terem uma literatura, como se esta andasse demarcada pela geografia política” (CORDEIRO, 1869: 288). No entanto, se a intenção de Leal era uma “desafronta” a nosso país contra essa apreciação depreciativa, ele repetia, entretanto, as mesmas censuras a respeito da língua literária de Alencar, levantadas por Chagas. Seu desagravo à literatura brasileira contra o paternalismo lusitano repetia quase literalmente o autor portugês (MARTINS, 1983: 188-9). Para Leal, Alencar, na resposta, “fez como hábil advogado que, quando o réu não tem defesa possível, foge dos pontos da acusação e busca na chicana armas que fatigue o contendor e vença o pleito.” Conforme o crítico, “Estilo frouxo e incorreto, Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011

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não é o clássico, pesado e enfadonho”. Concordava com Alencar “em tudo quanto diz com referência ao estilo de certos autores clássicos, que abusaram em demasia das conjunções copulativas e dos períodos extensamente longos”, mas o estilo frouxo e as incorreções gramaticais da frase, Estão na má construção e urdidura irregular do período, na imperfeição e no incompleto dele, na impropriedade dos termos, na colocação abstrusa dos membros da oração, das palavras, dos complementos e das preposições contrárias à ação e ao que pedem os verbos, finalmente na anfibologia, nos neologismos escusados e opostos à índole da língua, na pontuação irregular, nas repetições ociosas, na falta de concisão, etc. A ausência destes e de outros predicados, que são os nervos do estilo, afrouxam-no, o entorpecem e tiram-lhe toda a louçania, elegância e energia (LEAL, 1965: 213).

Desse modo, se havia muitas ambiguidades em expressões de Iracema, “descuido do afamado romancista”, com as quais Leal se deparou, fica implícito que o crítico mantinha sua avaliação, mas que não insistiria em apontá-las, uma a uma, para não “abusar de sua paciência”. No entanto, se Leal não quis insistir, em demasia, no que refere a tais “senões”, já com relação à ideia de que, no Brasil, a língua portuguesa era outra, e que as transformações rumavam para sua autônoma, não baixou bandeira. Não posso, contudo, deixar de insurgir-me contra a falsa doutrina de que a língua é outra no Brasil e que convém transformá-la para que se torne independente. [...] Não nego que a língua portuguesa, riquíssima até a sua idade de oiro, não tenha acompanhado daí em diante os progressos da humanidade, e que há suma dificuldade em exprimir hodiernamente coisas aliás vulgares e de uso comum. Para dizer o que hoje se passa, para explicar as idéias do século, os sentimentos desta civilização, é forçoso inovar-se, e para isto, ser um gênio, profundamente lido e preparado nas línguas mortas e atuais, como Garrett ou outros que tenham bases sólidas e fundas como ele (LEAL, 1965: 213).

Leal concordou com a falta de afinação da língua portuguesa com os progressos do mundo civilizado. Se havia um descompasso perceptível decorrente dos brasileiros viajarem muito e educarem-se em diversos países adiantados, conhecendo “mais objetos que os literatos portugueses”, seria, pois, “duro que ficássemos estacionados, à espera de um dixit, sem exprimirmos nossas sensações por falta de vocábulos, nem empregássemos os termos de antropologia, de botânica, de geografia ou os comuns da

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língua tupi, que significam coisas nossas”. Tornava-se, nesses casos, não “só necessário, como lícito, inovar”, pois não havia como negar que “as línguas, como os costumes, os usos, se transformam e se modificam”. Mas a transformação em que acreditava era “aquela lenta, gradual e insensivelmente, e não ex-abrupto, em tempo dado e quando se quer, ou por decreto, senão por trabalho de séculos.” (LEAL, 1965: 213-4). Articulando a questão da modificação da língua àquela da independência brasileira em relação à ex-metrópole portuguesa, ponderou Para sermos independentes, basta formamos nação à parte, com diversa organização política, não carecemos de Portugal para o nosso desenvolvimento; e quanto à língua, termos uma pronúncia mais eufônica, mais doce, mais suave, mais musical. [...] Isto, porém, não nos autoriza a empregarmos a esmo e sem necessidade locuções novas, e ainda menos a desrespeitarmos a gramática, contrariarmos o gênio da língua. (LEAL, 1965: 214).

Leal entendia, e acreditava que, como ele, pensava “toda a gente, de senso”, que, quando se empregam a esmo e sem necessidade locuções novas, “importa saber a fundo a língua, tê-la estudado com espírito assaz esclarecido, como o fizeram Felinto, Fr. Francisco de S. Luís, Garrett, e Odorico Mendes”, e ainda naquele momento, assim o praticavam o Visconde de Castilho, Alexandre Herculano e Latino Coelho. A essa plêiade de letrados ilustres fora delegado o conhecimento profundo de nossa língua, mas não a Alencar. “Sem termos os conhecimentos indispensáveis e muita lição dos bons clássicos portugueses, que, pois, somos descendentes de Portugal e falamos a mesma língua, é loucura tentar empresas tais, que só servem para o descrédito de que o faz.” Dando seu veredito sobre as inovações praticadas e defendidas por Alencar, afirmou: Deixemos-nos de inovações extravagantes, onde já é miséria, e grande, não sabermos usar das riquezas que herdamos, para melhor recorrermos e admitir tudo o de que precisamos a fim de exprimir coisas ou novas, ou inteiramente brasileiras. [...] Os Luteros não se fazem e menos se impõem, aparecem com as circunstâncias e são aceitos pela necessidade que há deles. Assim, a doutrina que proclama o Sr. Conselheiro Alencar, afirnando que „desde que uma palavra for introduzida na língua pela iniciativa de um escritor, torna-se nacional‟ (Irac., p. 251) e de todo o ponto falsa e perigosa. (LEAL, 1965: 214)

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Leal continuou sua advertência refletindo que a doutrina defendida por Alencar, se admitida em qualquer língua, produziria, no futuro, uma linguagem confusa e ininteligível devido à miscelânea de coisa diversas fruto da ação de escritores ignorantes das regras aceitas. A admitirem-na em qualquer língua, tornar-se-ia esta, no fim de certo tempo, algaravia bárbara e ininteligível. Sujeitar ao arbítrio de um escritor, que, não raro por ignorância, vá de encontro às boas regras, a introdução de um vocábulo, ou modo de dizer impróprio e bárbaro, seria adotar a confusão no modo de exprimir as idéias – um mistifório sem sentido. (LEAL, 1965: 215).

Ressaltou que aprovava a introdução de novos vocábulos se a língua era carente e se fosse necessário um termo técnico, mas se opôs ao uso de neologismos no contexto de um idioma rico, abundante e extenso. Onde a língua é deficiente, onde há necessidade de uma locução para expressar um termo técnico de ciência, de arte, de política, etc., aprovo que se adote um forasteiro, procurando, contudo, afeiçoá-lo à índole, estrutura e gênio da língua portuguesa. Mas vir sem força de maior com um neologismo, onde é ela copiosa e rica, só com o fim de dar a cada palavra muitos sinônimos para o escritor escolher o que lhe soa melhor, é cousa intolerável, e se pode contribuir para dar à frase mais harmonia, torna-a ao mesmo tempo menos expressiva, sem elegância, se é que a não deturpa. (LEAL, 1965: 215).

Batendo contra o apego extremado à forma, associando-o ao estilo clássico, propunha que os escritores se inspirassem na construção vernácula dos tempos modernos e empregassem termos conforme as regras e normas elaboradas e ditadas por autoridades no assunto, evitando as represálias pertinentes aos desviantes. Não quero que se sacrifique a ideia pela forma; rejeito a idolatria viciosa da frase, imitando-se servilmente os clássicos no estilo. Inspire-se, porém, o escritor na frase, na construção, na vernaculidade consentânea com a civilização moderna, seja castiço no emprego adequado e próprio dos termos portugueses de lei, que não haverá quem o incrimine. (LEAL, 1965: 215).

Nesse contexto, Leal foi sinalizando ou indicando marcos e normas a partir dos quais erigia sua leitura; apontando o que aprovava e o que reprovava, o que queria e aquilo que renegava, valorando e hierarquizando o quadro de posturas, no qual os “dissidentes” se configuram como perigo e destruição.

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Reprovo os puritanos pelo seu espírito acanhado e restrito, pelo sistema severo, exclusivista, inquebrantável, mas reprovo e conspiro-me ainda mais contra os dissidentes. Aqueles não fazem mal, são inocentes na sua perrice; enquanto que estes, pelo contrário, são demasiados nocivos, tudo estragam e destroem, desfigurando e emplastrando o que é belo, inimitável, tido e havido por bom entre os homens cultos e de gosto. (LEAL, 1965: 215).

Portanto, asseverava que não atinava com o motivo que levou Alencar “a propor inovações tais como a da eliminação do artigo – a, o- [...] quando todas as línguas modernas o admitem”, inclusive as neolatinas, “porque ele é um dos seus caracteres distintivos, peculiar à sua índole. Leal tratou ainda de outras “inovações”, como a proscrição do pronome reflexo “se” nos verbos transitivos, por considerá-la uma partícula supérflua, que zune como vespa, embora o crítico questionasse: “E há de o português proscrevê-lo, quando todas as línguas modernas não o dispensam, por ser de uso necessário, indispensável e frequente?” Além disso, Alencar não se subordinava “à regra gramatical e uso geral, para evitar o hiato – a a – quando precede ao artigo a a preposição a,emprega a crase, contraindo-os e reduzindo-os a um único vocábulo, indicando a figura com o acento agudo”. Alencar Opõe-se ao que é inconteste, e quer aliás que se empregue esse sinal ortográfico na preposição a quando se acho só, e assim a escreve até quando precede os infinitos dos verbos e nomes próprios, alegando que o faz no intuito de evitar ambigüidades [...](LEAL, 1965: 216).

Leal avaliou como contraproducente o argumento do autor no caso da preposição e do artigo contracto. Para ele, “Alencar estabelece regras avessas ao uso recebido e geral, mas não as segue na prática, por não estar firme nelas; tanto que as transgride frequentemente”, como passou a apontar. (LEAL, 1965: 216). Em seguida, Leal negou que os escritores americanos empregassem em seus escritos uma língua diversa daquela europeia e asseverou até o seu oposto, isto é, o purismo da linguagem desses autores como peça fundamental para seu reconhecimento pelos europeus. Por derradeiro nego que os escritores da América Espanhola ou dos Estados Unidos também tenham feito, como assevera o autor, uma língua diferente da inglesa e espanhola, antes, ao revés disso, foi pelo purismo da linguagem que Fenimore Cooper, Washington Irving, Tcknor, Bancroft e Prescott venceram o desdém britânico e conseguiram fazer-se ler e aplaudir na

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orgulhosa Albion; e os poucos escritores argentinos e chilenos que conheço, não me parece que dessemelhem na linguagem da de Lope de Vega, Calderón e Cervantes! (LEAL, 1965: 216-7).

Para finalizar a contenda, Leal enfatizou que a proposição de uma língua brasileira era uma forma de insanidade mental em que um indivíduo (Alencar) dirigia toda sua atenção para um só assunto, possuindo uma ideia fixa, num contexto, a seu ver, favorável a uma prática contrária, ou seja, de valorização do português e seu fortalecimento, expurgando as enxertias parasitárias que o levariam à morte. Retomando Luciano Cordeiro, que, antes, afirmara que os brasileiros possuíam a “monomania de terem uma literatura”, Leal terminava “por reafirmar as suas posições lusitanizantes”, conforme Martins (1983: 197): Deixemos, pois, de vez essa monomania de criar um idioma brasileiro, e isto quando Sotero veio aplainar-nos a estrada, doutrinando-nos, e facilitandonos a aplicação do estudo da boa linguagem, para compreendermos os clássicos e darmos o devido apreço às riquezas da língua portuguesa. Estudemo-la em comum, portugueses e brasileiros, e tratemos todos de desarraigar dela tantas parasitas que a vão enfraquecendo, disformando e esgotando-lhe a seiva da vida, de modo a torná-la ainda um dia cadáver. (LEAL, 1965: 217).

Expondo ainda mais seu projeto de “contra-reforma” (já que Alencar, de certo modo, foi associado à Lutero), com o intuito de barrar as “inovações” perniciosas, de fazer parar os “dissidentes” heréticos, pois, como já havia dito, a causa era “santa”, sugeriu, à frente,

que o governo destinasse uma quantia das sobras do orçamento, ou mesmo das eventuais, para “mandar reimprimir os melhores clássicos, ou os mais admiráveis trechos deles, para vulgarizá-los a mãos largas, e por preços módicos, ou quase de graça, por toda a parte do Brasil, para que se tornassem de fácil acesso e de leitura diuturna ao povo”. Esse empreendimento visava substituir as referências tão fortes das histórias veiculadas por uma literatura popular, presentes no imaginário dos brasileiros, como a Princesa Magalona, Carlos Magno, dentre outras. Alencar, que, sabia Leal, reagia melindrado, irritado e ofendido aos reparos recebidos, considerando-os equivocados e vendo-os como censura, não o deixou sem resposta. Diante de alguns poucos exemplos concretos apontados por Leal, que se mantinha nas generalidades, Alencar o respondeu de forma direta em “Questão

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Filológica”, de 1874, e também em outros textos, como “O Nosso Cancioneiro”. Refutou-os não nos limites de “uma reação nervosa de vaidade ferida, mas colocando o problema no plano técnico da língua literária”; replicou “não „a esmo‟, mas expondo as razões de ordem linguística e filológica que lhe justiçavam os processos de escritor”, conforme Martins(1983: 197, 199). Estas são apenas algumas cenas de uma história que não findou no século XIX, tendo no XX e XXI, outros interessantes capítulos, como aqueles inseridos no seio do movimento modernista no qual se fez avançar essa discussão e própria prática literária. Mário de Andrade, por exemplo, valorizando as raízes e matrizes brasileiras, como a linguagem, e aproximando língua escrita e forma de falar, defendeu a desvinculação do português do Brasil daquele de Portugal. Segundo ele, tratando de uma postura de “radicação à pátria” no processo do movimento modernista, o estandarte mais colorido de tal questão era “a pesquisa da „língua brasileira‟”, pois naquele momento ainda éramos “tão escravos da gramática lusa como qualquer português”. Os românticos haviam chegado “a um „esquecimento‟ da gramática portuguesa, que permitiu muito maior colaboração entre o ser psicológico e sua expressão verbal”, enquanto que “o espírito modernista reconheceu que si vivíamos já de nossa realidade brasileira, carecia reverificar nosso instrumento de trabalho para que nos expressássemos com identidade”, inventando do dia para noite “a fabulosíssima „língua brasileira‟”. Preocupados pragmaticamente em ostentar o problema, praticaram tais exageros de tornar pra sempre odiosa a língua brasileira. Eu sei: talvez neste caso ninguém vença o escritor destas linhas. [...] Mas é certo que jamais exigiu lhe seguissem os brasileirismos violentos. Si os praticou (um tempo) foi na intenção de por em angústia aguda uma pesquisa que julgava fundamental. Mas o problema primeiro não é acintosamente vocabular, é sintáxico. E afirmo que o Brasil hoje possue (sic), não apenas regionais, mas generalizadas no país, numerosas tendências e constâncias sintáxicas que lhe dão natureza característica à linguagem. Mas isso decerto ficará para outro futuro movimento modernista, amigo José de Alencar, meu irmão. (ANDRADE, 1943: 244-247).

Desta forma, a questão possui historicidade e outras estações ou paradas podem ser observadas nesse percurso da língua portuguesa com todos os seus rumores.

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