EMPRESA NÃO DOA, INVESTE: UMA ANÁLISE SOBRE A ADI 4650/2011 E OS IMPACTOS DA INCONSTITUCIONALIDADE DO FINANCIAMENTO EMPRESARIAL NA CAMPANHA ELEITORAL PARA A PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO

May 26, 2017 | Autor: Eduardo Morrot | Categoria: Direito Constitucional, Eleições, Controle Concentrado De Constitucionalidade
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E ECONÔMICAS FACULDADE NACIONAL DE DIREITO

EMPRESA NÃO DOA, INVESTE: UMA ANÁLISE SOBRE A ADI 4650/2011 E OS IMPACTOS DA INCONSTITUCIONALIDADE DO FINANCIAMENTO EMPRESARIAL NA CAMPANHA ELEITORAL PARA A PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO

EDUARDO MORROT COELHO MADUREIRA

Rio de Janeiro 2016

EDUARDO MORROT COELHO MADUREIRA

EMPRESA NÃO DOA, INVESTE: UMA ANÁLISE SOBRE A ADI 4650/2011 E OS IMPACTOS DA INCONSTITUCIONALIDADE DO FINANCIAMENTO EMPRESARIAL NA CAMPANHA ELEITORAL PARA A PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO

Monografia de final de curso, elaborada no âmbito da graduação em direito na Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como pré-requisito para obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob orientação da Professora Dr. Lilian Balmant Emerique

Rio de Janeiro 2016

CDD 341.2

EDUARDO MORROT COELHO MADUREIRA

EMPRESA NÃO DOA, INVESTE: UMA ANÁLISE SOBRE A ADI 4650/2011 E OS IMPACTOS DA INCONSTITUCIONALIDADE DO FINANCIAMENTO EMPRESARIAL NA CAMPANHA ELEITORAL PARA A PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO

Monografia de final de curso, elaborada no âmbito da graduação em direito na Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como pré-requisito para obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob orientação da Professora Dr. Lilian Balmant Emerique

Data da Aprovação: __ / __ / ____.

Banca Examinadora: _________________________________ Orientador _________________________________ Co-orientador (Opcional) _________________________________ Membro da Banca _________________________________ Membro da Banca

Rio de Janeiro ANO / SEMESTRE

Dedico este trabalho à meu avô Acélio. Que ele, lá das estrelas, nos brinde com sua serenidade por um mundo melhor.

AGRADECIMENTOS

A longa jornada que é a graduação em direito na maior faculdade do país não pode ser feita a sós. O homem, nas palavras de Aristóteles um Zoon Politikon, não sobrevive tampouco avança em seus objetivos sem a companhia de seus pares. Agradecer a estes não é apenas um ato de expressar gratidão, mas sim construir laços coletivos de suporte mútuo - é estar “obrigado” no bom sentido do termo.

No agradecimento inicial não poderia deixar de lembrar da minha família. Minha avó Esther, com quem tive morada desde que cheguei ao Rio de Janeiro, meu avô Serafim e minha avó Júlia, que me ensinaram que a humildade e a generosidade caminham lado a lado. Meus pais, Marcelo e Cristina, por mesmo distantes geograficamente sempre estarem ao meu lado em todos os momentos e aos meus irmãos, Rodrigo e Gabriela, por todo o aprendizado no convívio.

Agradeço à minha orientadora, Lilian, que desde cedo me iniciou nos caminhos da pesquisa e da extensão.

Agradeço também a todos os (muitos) amigos que fiz na Nacional, estudando em conjunto, compartilhando anotações e confraternizando a cada vitória. Deixo um agradecimento especial ao B.I.N, esse grupo de interioranos que mostrou ser possível sobreviver e construir grandes histórias na cidade do Rio de Janeiro.

A Faculdade é um espaço de debates e nesse momento preciso agradecer ao glorioso Centro Acadêmico Cândido de Oliveira. Fazer parte de uma entidade com tamanha história e por onde passaram tantos gigantes é sem dúvidas uma experiência única na vida de qualquer pessoa.

Se o CACO foi o local onde me encontrei com os movimentos sociais foram os companheiros e companheiras da Kizomba e da Democracia Socialista que me ensinaram que se organizar coletivamente, nas palavra de Neruda, nos faz mais livre do que qualquer pessoa só. Todo o agradecimento possível pelos anos de luta e por toda a alegria, mesmo nos momentos mais difíceis.

Por fim, não podia deixar de citar os amigos de tantos movimentos sociais que construíram em conjunto a Coalizão Democrática pela Reforma Política e o Plebiscito Popular pela Constituinte Exclusiva. Ter vivenciado essa luta sem dúvidas me levou muita inspiração para analisar o tema deste trabalho. Termino com uma das canções construídas pelos movimentos sociais para agitar a bandeira da Reforma Política.

“Planalto ignora, tudo que eu peço Já está na hora, de mudar esse congresso”

RESUMO

MADUREIRA, Eduardo Morrot Coelho. Empresa não doa, investe: uma análise sobre a ADI 4650/2011 e os impactos da inconstitucionalidade do financiamento empresarial na campanha eleitoral para a prefeitura do Rio de Janeiro. 63 f. Monografia (Graduação em Direito) – UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO, Rio de Janeiro, 2016. RESUMO: O presente estudo tem como objetivo analisar o processo da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4650/2011 no STF através dos seus atores e de uma análise empírica sobre seus efeitos nas eleições a prefeitura do Rio de Janeiro em 2016. De início, observaremos a trajetória da luta dos movimentos sociais pela reforma política com seus avanços e estagnações. Em seguida, analisaremos o papel da OAB enquanto ente legitimado pela CF/88 para propor ações de controle concentrado de constitucionalidade e como isso tornou possível a transmissão dos anseios sociais em um debate jurídico. Passaremos então ao exame de como o debate se deu no Supremo Tribunal Federal e por fim será realizado um diagnóstico das mudanças e do que ainda é insuficiente em matéria eleitoral. Palavras-chave: 1. Financiamento Eleitoral. 2. Direito Constitucional. 3. Controle Concentrado . 4. Movimentos Sociais. 5. Interpretação Constitucional.

ABSTRACT MADUREIRA, Eduardo Morrot Coelho. Empresa não doa, investe: uma análise sobre a ADI 4650/2011 e os impactos da inconstitucionalidade do financiamento empresarial na campanha eleitoral para a prefeitura do Rio de Janeiro. 63 f. Monografia (Graduação em Direito) – UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO, Rio de Janeiro, 2016. ABSTRACT: This study aims to analyze the process of Direct Action of Unconstitutionality 4650/2011 in the Brazilian Supreme Court through its actors and an empirical analysis on its effects in the elections to the city of Rio de Janeiro in 2016. At the outset, we will observe the trajectory of the struggle made by the social movements for the political reform with its advances and stagnations. Next, we will analyze the role of the Order of Attorneys of Brazil as a body legitimized by the federal constitution to propose actions of concentrated control of constitutionality and how this made possible the transmission of social demands into a legal debate. We will then examine the way the debate took place in the Federal Supreme Court and finally make a diagnosis of the changes and what is still insufficient in electoral matters. Keywords: 1. Electoral Financing. 2. Constitutional Law. 3. Concentrated Control. 4. Social Movements. 5. Constitutional interpretation.

SUMÁRIO INTRODUÇÃO ……………………………………………………………………..... 01 CAPÍTULO 1 - A DEMANDA SOCIAL PELA REFORMA POLÍTICA ……...... 05 1.1 - O Problema do Financiamento Empresarial de Campanhas ………………... 05 1.2 - O poder não ousa reformar a si próprio: as tentativas frustradas de reforma política ....……………………………………………………………………………… 09 CAPÍTULO 2 - O PAPEL DA OAB NA INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL ……………………………………………………………………………………..…… 13 CAPÍTULO 3 - ARGUMENTOS JURÍDICOS SOBRE A INCONSTITUCIONALIDADE DO FINANCIAMENTO EMPRESARIAL ……………………………………….............................................................................. 23 3.1 - A Legislação Brasileira sobre o Financiamento de Campanhas ……….......... 23 3.2 - STF e ativismo judicial ………………………………………………………..... 25 3.3 - Os Argumentos Constitucionais ……………………………………………...... 28 CAPÍTULO 4 - O QUE MUDOU? UMA ANÁLISE COMPARADA DO FINANCIAMENTO NAS CAMPANHAS PARA À PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO EM 2012 E 2016 ……………………………………………………….… 37 4.1 - O que mudou? ………………………………………………………………….... 37 4.2 - Qual o impacto dessas mudanças nas eleições? ……………………………... .......................................................................................................................................... 38 CONCLUSÃO ……………………………………………………………………....... 49 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS …………………………………………........ 53

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INTRODUÇÃO

O debate sobre o financiamento das campanhas eleitorais é central para compreendermos os limites da nossa democracia e buscar formas de aprimorá-la e garantir a igualdade de representação entre todos os cidadãos.

A influência do poder econômico nas eleições é uma grave fonte de distorção e influência de empresas privadas nos processos políticos, gerando resultados onde a maioria dos representantes eleitos são aqueles com maior financiamento empresarial. Após as eleições, esses representantes prestam contas às empresas financiadoras, não ao povo que os elegeu. Segundo dados da ONG “Transparência Brasil”, dos 513 deputados federais eleitos em 2010, 320 eram financiados pelas grandes doadoras1.

A constituição de 1988 aborda esse tema prevendo a regulamentação por uma lei complementar em seu artigo 14º, § 9º:

Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta 2.

No entanto, apesar de prever a sua regulamentação, as campanhas eleitorais no Brasil continuavam a ficar cada ano mais caras e a influência do poder econômico era a regra sobre os candidatos eleitos. Essa tendência culminou para que em 2014 fossem gastos 5,1 bilhões de reais em campanhas eleitorais.

Outro avanço trazido pela constituição de 1988 foi a abertura do rol das entidades legitimadas para participar do processo de interpretação da constituição. Se antes ele era extremamente restrito a entes ligados ao poder estatal, com a nova constituição entidades da sociedade civil passaram a ser legitimadas para o processo de hermenêutica constitucional. 1

ABRAMO, Cláudio Werner. Poder econômico e financiamento eleitoral no Brasil - Parte 2: Concentração e efetividade das doações privadas, p. 3-8. Disponível: Acesso: 28/06/2016 2 Artigo 14, § 9º da Constituição Federal Brasileira de 1988.

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Tendo isso em vista, em setembro de 2011 a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) deu entrada no Supremo

Tribunal Federal

(STF) com

uma Ação Direta de

Inconstitucionalidade (ADI) sobre o financiamento empresarial de campanhas eleitorais.

Após as grandes manifestações que lotaram as ruas em junho de 2013, a enorme crise de representatividade em nossa sociedade e as inúmeras tentativas frustradas de reformar o sistema político brasileiro uma série de entidades se incorporaram enquanto amicus curie e o processo ganhou relevância nacional.

Em Abril de 2014 iniciou-se a votação e seis ministros fizeram voto a favor da inconstitucionalidade da doação de empresas às campanhas eleitorais. Apesar de já constituída maioria, o Ministro Gilmar Mendes pediu vista e travou o processo por mais de um ano – apesar de intensas manifestações da sociedade civil pelo seu prosseguimento.

Apenas em setembro de 2015 a votação foi concluída com a declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos legais que autorizavam as contribuições de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais.

A inconstitucionalidade do financiamento empresarial de campanhas ganha ainda mais relevância com o cenário atual da política brasileira. A operação Lava Jato e os absurdos jurídicos e políticos do processo de impeachment revelam um sistema político em decomposição e a intensificação das relações de invasão do cenário político nacional pelo poder econômico.

Na Operação Lava Jato ficaram nítidas as relações entre as massivas doações para campanhas eleitorais por parte das empreiteiras e as facilidades econômicas que as mesmas recebiam dos políticos eleitos com seu financiamento. Essas empresas dependem da atuação do poder público para obter seus lucros e financiam as campanhas visando favorecimentos.

No processo de impeachment se percebeu como a construção por parte do então presidente da casa, Deputado Eduardo Cunha, de um novo “centrão” na Câmara dos Deputados baseado em acordos prévios de financiamento das campanhas eleitorais chegou a

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acumular tanta força que foi capaz de retirar do poder a presidenta eleita num jogo de chantagens sobre investigações de corrupção.

Um dos grandes dilemas da Reforma Política é a incapacidade dos próprios entes políticos em se autorreformar. Mesmo com a constituição exigindo uma regulação sobre o caso, como esperar de uma Câmara dos Deputados eleita majoritariamente pelo financiamento de empresas a proibição do próprio instrumento que os elegeu?

Não sem motivo foram inúmeras as tentativas frustradas de Reforma Política: desde a Constituinte Exclusiva proposta pela Presidenta Dilma Roussef, as propostas de um Plebiscito sobre o tema e a construção de uma proposta da OAB, UNE, CNBB e Movimento de Combate a Corrupção Eleitoral (MCCE) de um projeto de lei de iniciativa popular sobre a Reforma Política.

Nesse sentido, a ADI 4650 ganha especial relevância a ser estudada pois é um caso onde uma entidade da sociedade civil cobra da nossa corte suprema um posicionamento sobre tema extremamente importante para a política nacional.

A presente pesquisa tem como objeto a análise teórica e prática sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade de número 4650 estudando o papel da OAB enquanto ente legitimado para demandar em controle concentrado de constitucionalidade e para interpretar a nossa lei maior, os aspectos jurídicos e sociais presentes na discussão no STF e os seus efeitos e prognósticos para as eleições futuras, com especial enfoque nas eleições municipais para a prefeitura do Rio de Janeiro em 2016.

No primeiro capítulo será feita uma análise das lutas construídas pelos movimentos sociais que confluíram para que a Reforma Política fosse compreendida como uma das principais demandas da população brasileira face ao descrédito com a política tradicional.

No segundo capítulo, a partir de uma ótica pluralista da interpretação constitucional, estudaremos como a legitimidade conferida à OAB para interpretar ativamente e sem pertinência temática a constituição foi capaz de aglutinar essas demandas sociais numa ação declaratória de inconstitucionalidade perante o STF.

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Logo em seguida, no terceiro capítulo, entenderemos os debates jurídicos em jogo no debate sobre a constitucionalidade ou não do financiamento empresarial nas campanhas eleitorais a partir do estudo dos votos dos ministros do STF na ADI 4650 e dos referenciais teóricos por eles utilizados.

Por fim, através do cruzamento dos dados obtidos pelo TRE sobre as contas eleitorais das candidaturas à prefeitura no Rio de Janeiro em 2012 e 2016, vamos analisar os efeitos da proibição do financiamento empresarial e formular os próximos passos a serem tomados.

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CAPÍTULO 1 - A DEMANDA SOCIAL PELA REFORMA POLÍTICA

1.1 - O Problema do Financiamento Empresarial de Campanhas

É recorrente em qualquer sociedade democrática a discussão sobre os formatos e as regras do próprio sistema democrático. Isso se deve ao fato de que a depender do enquadramento institucional, diferentes grupos são beneficiados na sua representatividade política. Toda democracia pode ser vulnerável à interesses políticos que se utilizam de brechas no enquadramento institucional para perpetuar-se no poder e que buscam evitar qualquer mudança que retorne a capacidade de escolha legítima à maioria da população.

Dentre os diversos temas apensados no guarda-chuva da Reforma Política, a questão do financiamento das campanhas é uma das que mais possui relevância social e que desperta as maiores polêmicas.

Na sociedade capitalista em que vivemos, a distribuição de renda e de riqueza é profundamente desigual e isso afeta diretamente as oportunidades garantidas a cada cidadão e o resultado do pleito eleitoral. Segundo relatório publicado em 2015 pela Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda3 apenas 8,4% dos declarantes do imposto de renda, aqueles que ganham acima de 20 salários mínimos, concentram 46,4% da renda bruta total do país e 59,4% dos bens e direitos líquidos.

Para além dessa desigualdade financeira, é especialmente problemática a relação que as grandes empresas possuem com as eleições. Mesmo não podendo ser votadas, quando se excluem as doações feitas pelos próprios candidatos à sua campanha, as doações provenientes de empresas corresponderam a 98% do total na campanha de 20104. Esse contrassenso é ainda mais problemático por levar em consideração que as empresas podem não estar agindo pelo que acreditam ser o melhor para a sociedade, mas sim com base no que trouxer mais lucro para seus negócios.

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Relatório da Distribuição Pessoal da Renda e da Riqueza da População Brasileira - Dados do IRPF 2015/2014 Acesso em 30/10/2016 4 Dados retirado do site “Às Claras”. Disponível: Acesso em 01/11/2016

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Nas campanhas eleitorais, um maior aporte financeiro significa maior capacidade de produção de material impresso como panfletos e placas, maior capacidade de contratar institutos/empresas de pesquisa de público e produção de conteúdo de mídia e, sobretudo, a capacidade de contratar equipes de campanha e cabos eleitorais para atingir um maior número de eleitores.

Dessa forma, é criado um movimento onde as campanhas eleitorais são decididas com cada vez mais recursos financeiros se tornando, em média, cada vez mais caras. Em seu voto 5 na ADI 4650/2011 o ministro Luiz Fux apresentou que o gasto per capita das eleições no Brasil são maiores até mesmo que o de países desenvolvidos.

Segundo dados utilizados por ele que haviam sido apresentados na audiência pública sobre a ADI 4650 se gasta hoje $10,93 por pessoa em campanhas eleitorais em nosso país, contra apenas $2,21 na Alemanha, $0,77 no Reino Unido e irrisórios $0,45 na França. No ranking organizado pela comparação com o Produto Interno Bruto também nos encontramos no topo, sendo que 0,89% de todas as riquezas geradas por nosso país são usadas em campanhas - dado que supera até mesmo os Estados Unidos, cujo gasto em relação ao PIB é de 0,38%.

Materializando esses dados para a nossa realidade podemos visualizar melhor a barreira monetária que deve ser ultrapassada para eleger-se no Brasil. Nas eleições de 2010 o custo médio de uma campanha vitoriosa foi de 1,1 milhões de reais para a Câmara de Deputados e 4,5 milhões de reais para o Senado Federal. Já para se tornar governador, o gasto médio foi de 23,1 milhões, sendo que uma campanha presidencial custaria por volta de alarmantes 300 milhões de reais.

Isso tudo se consolida num processo eleitoral enviesado em favor daqueles candidatos que possuem mais recursos, sobretudo provenientes de empresas. Em seu estudo sobre o financiamento empresarial de campanhas, Daniel Sarmento percebe que existe um padrão das eleições ficarem cada vez mais caras e dos candidatos com maior financiamento serem

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Voto do ministro Luiz Fux na ADI 4650, proferido em 11/12/13. p. 2. Disponível: Acesso:07/11/2016

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eleitos. Ele também reforça a relação construída entre a empresa que financia e o político financiado:

Pelo contrário, é natural, neste quadro, que os interesses dos doadores influenciem decisivamente a atuação dos políticos eleitos com a sua ajuda. Desejosos de contar com tais fundos para uma futura reeleição, os representantes tendem a se empenhar na defesa dos interesses e projetos nem sempre legítimos dos seus principais doadores, valendo-se dos mais diversos expedientes, como o favorecimento em licitações e contratos públicos, a concessão de incentivos fiscais e a edição de regulações favoráveis. E dados empíricos revelam que os grandes financiadores de campanhas eleitorais são, na esmagadora maioria dos casos, justamente empresas pertencentes a setores que mantêm estreitas relações com o Poder Público, como a construção civil, o setor financeiro e a indústria. 6

Caso ainda mais gritante é a questão das empreiteiras. Essas empresas muitas vezes dependem das licitações de obras estatais para atuar e, visando maximizar o seu lucro, fazem doações massivas aos candidatos. Isso é feito para posteriormente garantir contratos e influenciar políticas públicas que as favoreçam. A Operação Lava-Jato7 explicitou inúmeras dessas relações espúrias, mas essa é uma padronagem que já era percebida à tempos: segundo dados do portal “às claras”, em 2012 das dez maiores doadoras para os diretórios partidários seis eram construtoras - sendo que todas as quatro primeiras posições são ocupadas pelas mesmas.

Lista dos maiores doadores (pessoas físicas e empresas) a comitês e diretórios (2012) Nome

CGC (CNPJ)

Doações

Construtora Andrade Gutierrez SA

17.262.213/0001-94

R$ 129.238.341,75

Construtora Queiroz Galvão S A

33.412.792/0001-60

R$ 47.399.223,68

Construtora OAS S.A.

14.310.577/0001-04

R$ 43.287.850,00

Construções e Comercio Camargo

61.522.512/0001-02

R$ 41.885.443,64

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SARMENTO, Daniel; OSÓRIO, Aline. ELEIÇÕES, DINHEIRO E DEMOCRACIA: a ADI 4.650 e o modelo brasileiro de financiamento de campanhas eleitorais. p. 4. Disponível: Acesso: 28/06/2016 7

Investigação pela Polícia Federal e comandada judicialmente pelo juiz Sérgio Moro que iniciou sua fase ostensiva em 17 de março de 2014 para apurar um esquema de lavagem de dinheiro suspeito de movimentar mais de 10 milhões de reais. Com a expansão das investigações descortina-se uma profunda rede de propinas na PETROBRÁS que envolvia políticos e empreiteiras ligadas à empresa.

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Correa S/A Vale Fertilizantes S.A.

33.931.486/0001-30

R$ 41.098.500,08

Praiamar Indústria Comercio & Distribuição LTDA

00.851.567/0001-71

R$ 31.174.049,08

Jbs S/A

02.916.265/0001-60

R$ 30.702.926,14

Construtora Norberto Odebrecht S A 15.102.288/0001-82

R$ 20.578.510,01

Banco BMG SA

61.186.680/0001-74

R$ 18.607.762,34

Carioca Christiani Nielsen Engenharia S A

40.450.769/0001-26

R$ 18.482.998,30

Fonte: Dados retirado do site “Às Claras”. Disponível: Acesso em 01/11/2016

Todos esses dados reafirmam o impacto do financiamento das empresas tanto no resultado das eleições como na tomada das decisões por parte do executivo e legislativo. A política deixa de ser a arte de ouvir os anseios da população, ser eleito com um programa popular e governar para o povo. Ao invés disso, os políticos passam a pensar a política nacional conforme deseja o lobby das empresas financiadoras de campanha - como diz Sarmento: aqueles que não se adaptam ao jogo, não se elegem.

Com efeito, tal quadro empírico dá ensejo a graves distorções produzidas pela excessiva infiltração do poder econômico no meio político. Em primeiro lugar, do ponto de vista dos candidatos, o resultado mais direto é o desestímulo a candidaturas de indivíduos desprovidos de recursos próprios e de “contatos” com o mundo empresarial, através dos quais pudessem arrecadar os fundos necessários para entrar na disputa. Por essa lógica, cidadãos comuns simplesmente não têm condições de se eleger. Além disso, como, de um lado, as doações de campanha provêm em sua quase totalidade de grandes empresas e de indivíduos muito ricos e, de outro, o volume de recursos arrecadados influi diretamente sobre as chances de eleição, os candidatos que representam os interesses do empresariado e das classes mais elevadas têm uma vantagem desproporcional na corrida eleitoral.8

Levando em consideração a totalidade das candidaturas, pode se concluir que o financiamento de campanhas é uma das bases de sustentação de um sistema que transforma o

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SARMENTO, Daniel; OSÓRIO, Aline. ELEIÇÕES, DINHEIRO E DEMOCRACIA: a ADI 4.650 e o modelo brasileiro de financiamento de campanhas eleitorais. p. 5. Disponível: Acesso: 28/06/2016

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poder econômico em poder político e sequestra a representatividade democrática do povo para colocar no poder os representantes dos interesses político-econômicos das empresas.

1.2 - O poder não ousa reformar a si próprio: as tentativas frustradas de reforma política

A primeira tentativa de se proibir o financiamento empresarial de campanhas se deu com o Projeto de Lei 2679 de 2003 que, dentre outras mudanças no sistema político, previa o financiamento exclusivamente público das campanhas eleitorais9. Nesse caso, inclusive os financiamentos por parte de pessoa física seriam proibidos. Esse PL foi posteriormente substituído pelo PL no 1.210, de 2007 onde foram apensadas todas as outras propostas de Reforma Política em tramitação na Câmara dos Deputados. A tramitação desse projeto foi longa e árdua, recebendo mais de 300 propostas de emendas.

Mesmo com toda a discussão a Reforma Política não foi votada até o final da legislatura, sendo em 2011 colocada de novo em discussão por comissões especiais tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal. Em setembro do mesmo ano a OAB deu entrada no STF com a ADI 4650 arguindo a inconstitucionalidade do financiamento empresarial em campanhas eleitorais.

Todos esses processos permaneceram sem avanços até a eclosão das jornadas de junho de 2013 que explicitaram um sentimento latente de enorme descrédito nas instituições políticas atuais e uma enorme desesperança na sua auto reforma. Ficou nítida a grande crise de representatividade vivida em nosso país e os clamores populares por uma Reforma Política.

No auge das mobilizações a presidenta Dilma Rouseff propôs cinco pactos para dialogar com os manifestantes - abarcando as áreas da estabilidade fiscal, saúde, educação, transporte e reforma política.

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RABAT, Márcio Nuno. Reforma política: histórico, estágio atual e o lugar da recente proposta do Executivo. p.8-12. Disponível: Acesso: 30/10/2016

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O primeiro foi o chamado “pacto fiscal”, defendendo a estabilidade da economia e da inflação. Depois se seguiu o pacto sobre a saúde que pedia a aceleração das obras na área, bem como a aprovação do projeto “Mais Médicos” que previa novas vagas nos cursos de medicina, abertura de vagas para médicos nos locais onde mais havia necessidade e previsão de contratação de médicos estrangeiros caso não houvesse médicos brasileiros para assumir o posto.

O pacto sobre a educação previa a destinação de 50% dos recursos do fundo social do Pré-Sal e 100% dos Royalties do petróleo para as prefeituras e governos investirem exclusivamente na área educacional. Já no pacto sobre transportes era previsto a criação do Conselho Nacional de Transporte, a destinação de R$ 50 bilhões em obras de mobilidade urbana e o aumento dos incentivos fiscais para baratear o preço do transporte.

Sem dúvida, desses cinco pactos o mais ousado era justamente o que dialogava com a crise de representatividade demonstrada pelas manifestações. Compreendendo a dificuldade de avanço sobre esse tema pelo congresso, a presidenta propôs a realização de um plebiscito popular para autorizar um processo constituinte exclusivo sobre a reforma política. Na madrugada seguinte à sua anunciação, a proposta de Reforma Política já era atacada pelos principais meios de comunicação e políticos das mais variadas instâncias já operavam para derrubá-la - o clamor popular sozinho não foi capaz de fazer essa proposta ir pra frente.

Com a derrota da proposta presidencial e sem perspectiva de uma Reforma Política por parte do Congresso Nacional diversos movimentos sociais começaram a formular saídas para a crise vivenciada e transformar nosso sistema político em algo mais justo e representativo. A primeira dessas experiências foi a Coalizão Pela Reforma Política Democrática 10 e Eleições Limpas, construída por entidades como a OAB, a União Nacional dos Estudantes, a Confederação Nacional de Bispos do Brasil e o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (responsável pela lei da Ficha Limpa). Essa iniciativa busca coletar assinaturas para um projeto de lei de iniciativa popular a ser entregue ao Congresso Nacional.

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Link para o site do projeto: Acesso em 31/10/2016

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No centro desse projeto de lei estava a proibição do financiamento empresarial em campanhas eleitorais, bem como uma limitação ao valor das doações de pessoas físicas. Além disso, previa um sistema misto de votação para o legislativo, onde primeiro se votariam nos partidos para depois se escolher quais candidatos seriam eleitos em cada lista partidária.

O Projeto chegou a coletar quase um milhão de assinaturas, mas não foi capaz de atingir o exorbitante quórum estipulado para a proposição de leis de iniciativa popular (cerca de um milhão e meio de assinaturas). Quando levado ao congresso por parlamentares parceiros da ideia, tampouco conseguiu avançar nas comissões anteriores.

Além do projeto da coalizão, centenas de movimentos sociais como o Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a Marcha Mundial de Mulheres (MMM), a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e o Movimento de Atingidos por Barragens (MAB) se uniram na proposta de realizar um plebiscito organizado pela própria sociedade cobrando a constituinte exclusiva da reforma política.

Depois de um ano de preparação o plebiscito foi realizado entre os dias 1° a 7 de Setembro e alcançou uma quantidade de 7.754.436 votos sendo que destes votaram pelo “Sim” 97,05% e pelo “Não” 2,57%, além de 0,20% de votos em brancos e 0,18% votos nulos. O resultado oficial foi levado aos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário na presença da Presidenta Dilma Rousseff, o então Presidente da Câmara dos Deputados Henrique Eduardo Alves e o Presidente do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski.

Mesmo depois de ambas experiências massivas, o Congresso Nacional pouco se movimentou para atender as demandas populares. Pelo contrário, o congresso apressou-se em aprovar a Lei nº 13.165/2015 que foi apelidada de “Minireforma Eleitoral” por não adentrar em temas centrais demandados pela população. Ao contrário, a lei inclusive buscou dar constitucionalidade ao financiamento empresarial de campanhas, debate que ainda estava em discussão no STF. Isso ensejou o veto parcial da presidenta Dilma Rouseff durante a sanção da lei.

Demonstrado que as mudanças esperadas pela população dificilmente viriam de um congresso que não estava preocupado em se auto-reformar as atenções se voltaram ao

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judiciário. A ADI da OAB, apresentada ao STF em 2011, ganhou o interesse de amplas camadas da sociedade e várias entidades da sociedade civil buscaram participar seja externamente ao processo, seja internamente através das audiências públicas ou como amicus curiae.

É importante destacar esta última modalidade como um instrumento importante da participação da sociedade civil num processo de interpretação constitucional. No total, foram seis os amici curiae: o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), o Instituto Pesquisa de Direitos e Movimentos Sociais (IPDMS), a Clínica de Direitos Fundamentais da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e o Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB).

Esse cenário é fundamental para compreender como as demandas populares e as mobilizações organizadas no âmbito da sociedade civil foram fundamentais para a análise dessa demanda pela côrte suprema e como todo esse sentimento foi canalizado em uma ADI proposta por uma entidade da própria sociedade civil.

Estudaremos agora qual base teórica e como foi possível à Ordem dos Advogados do Brasil se posicionar enquanto ente legitimado a interpretar a constituição, não existindo restrição ao tema corporativo sobre suas demandas.

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CAPÍTULO 2 - O PAPEL DA OAB NA INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL

Neste capítulo buscaremos analisar como se deu o encontro das mobilizações sociais em torno do tema da Reforma Política com a interpretação constitucional no Supremo Tribunal Federal. Nesse sentido, vamos estudar qual foi e como se deu o papel da OAB com sua importante contribuição através da ADI 4650/2011, que será estudada posteriormente.

Temos como objetivo demonstrar como a CF/88 e as aberturas no processo de interpretação constitucional que a mesma produziu possibilitaram essa ligação entre as demandas populares e o direito, bem como entender por que a OAB goza de status privilegiado para propor ações na nova ordem constitucional.

O debate acerca do controle concentrado de constitucionalidade quase sempre se dá a partir da análise do órgão julgador; A Suprema Corte nos Estados Unidos, o Supremo Tribunal Federal no Brasil. No entanto, é importante compreender a interpretação constitucional como atividade a ser tomada por uma pluralidade de agentes ligados ao poder estatal e a sociedade civil.

Nesse sentido, é especialmente importante compreender como agentes ligados diretamente à sociedade podem fazer parte do processo de interpretação constitucional e canalizar os sentimentos e demandas populares em transformações sociais através da mudança de interpretação da constituição.

Anteriormente à promulgação da Constituição Federal de 1988, apenas o ProcuradorGeral da República podia questionar a constitucionalidade de uma norma perante o STF através da Representação de Inconstitucionalidade. Esse procedimento fechado efetivamente bloqueava a capacidade da sociedade de propor interpretações divergentes da constituição e arguir a inconstitucionalidade de leis incongruentes com a ordem constitucional, algo que se torna ainda pior ao compreender-se o cenário ditatorial em que o Brasil vivia.

Em seu livro, O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro, Luís Roberto Barroso comenta sobre as limitações existentes anteriores à Constituição Federal de 1988:

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Desde a criação da ação genérica, em 1965, até a Constituição de 1988, a deflagração do controle abstrato e concentrado de constitucionalidade era privativa do Procurador-Geral da República. Mais que isso, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido da plena discricionariedade do chefe do Ministério Público Federal no juízo acerca da propositura ou não da ação 18 , sem embargo de posições doutrinárias importantes em sentido diverso 19 . Desse modo, era ele o árbitro exclusivo e final acerca da submissão ou não da discussão constitucional ao STF. Registre-se, por relevante, que o Procurador-Geral da República ocupava cargo de confiança do Presidente da República, do qual era exonerável ad nutum. Assim sendo, o controle de constitucionalidade por via de representação ficava confinado às hipóteses que não trouxessem maior embaraço ao Poder Executivo.11

Tendo isso em vista, foi saudado como um avanço a ampliação do rol dos legitimados para questionar a constitucionalidade de leis estaduais e federais perante o STF. Além do Procurador Geral da República, a nova constituição em seu artigo 103 adiciona como habilitados o Presidente da República, as Mesas do Senado-Federal, da Câmara dos Deputados, das Assembleias Legislativas e da Câmara Legislativa, os Governadores de estado e Distrito Federal, os partidos políticos com representação no Congresso, as confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional e o Conselho Federal da OAB.

No entanto, nem todos os entes legitimados possuem capacidade de representar sobre os mais amplos temas, que não necessariamente são ligados à sua base de representação. Nas palavras de Barroso:

Com a Constituição de 1988, no entanto, foi suprimido o monopólio até então desfrutado pelo Procurador-Geral da República, com a ampliação expressiva do elenco de legitimados ativos para a propositura da ação direta, enunciados nos nove incisos do art. 103. Ao longo dos anos de vigência da nova Carta, e independentemente de qualquer norma expressa, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal consolidou uma distinção entre duas categorias de legitimados: (i) os universais, que são aqueles cujo papel institucional autoriza a defesa da Constituição em qualquer hipótese; e (ii) os especiais, que são os órgãos e entidades cuja atuação é restrita às questões que repercutem diretamente sobre sua esfera jurídica ou de seus filiados e em relação às quais possam atuar com representatividade adequada. São legitimados universais: o Presidente da República, as Mesas do Senado e da Câmara, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e partido político com representação no Congresso Nacional. Os legitimados especiais compreendem o Governador de Estado, a Mesa de Assembleia Legislativa, confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.12

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BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 6.ed.Saraiva, 2012. p 129. 12 BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 6.ed.Saraiva, 2012. p 129-130.

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Nesse sentido, a Ordem dos Advogados do Brasil ganha especial relevância, pois passou a ser a única entidade da sociedade civil legitimada para propor ações até mesmo em temas que não tenham pertinência temática com sua base de representação. Isso não se deu por acaso, mas foi resultado do reconhecimento da sua forte militância em prol da redemocratização do país e pela elaboração da constituição cidadã. Em artigo13 sobre a atuação da OAB no STF de autoria de Lilian Emerique e Halison Bruno é destacado que esse tratamento especial dado ao Conselho Federal da OAB diz respeito a um longo histórico da entidade em defesa da democracia brasileira e do fato do próprio estatuto da ordem, positivado na lei n° 8.906/94, a posicionar como defensora da constituição.

Além disso, ressalta-se que a própria OAB teve papel central no processo constituinte de 1988, tendo se colocado desde os momentos anteriores à elaboração da carta como uma entidade não apenas defensora da sua classe, mas da democracia brasileira na transição sobre a ditadura militar. A entidade teve papel fundamental também na luta pelo restabelecimento do habeas corpus, remédio que havia sido suprimido pelo regime militar.

Em conjunto a outras entidades e partidos esteve na linha de frente no movimento pelas Diretas Já e combateu o governo José Sarney, por ainda estar ligado as raízes militares e não ter sido eleito pela forma democrática direta. Por fim, a OAB reuniu advogados do país inteiro no Congresso Nacional de Advogados Pŕo-Constituinte.

A partir de todas essas ações, não é de se surpreender que com a promulgação da nova constituição um espaço especial tenha sido aberto em relação ao protagonismo da OAB na defesa da democracia, o referido artigo conclui: Entre os legitimados ativos ao controle concentrado de constitucionalidade, destacase dos demais o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, não só pela jurisprudência do supremo, com pela própria constituição de 1988, que dedica um especial inciso unicamente para o CFOAB. Entende-se, portanto, que essa agente não precisa observar as regras de pertinência temática, nem mesmo as regras 13

EMERIQUE, Lilian Balmant. LARA, Halison Bruno. Sociedade aberta dos intérpretes da Constituição e a participação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil no controle concentrado de constitucionalidade. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica RIHJ, ano 13 - n. 18. Ed. Forum. Belo Horizonte. 2015. p 153-154

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formais, assim como a maioria dos legitimados. Essas prerrogativas se dão pela distinta atuação da Ordem dos Advogados do Brasil no período da constituinte, desempenhando um papel fundamental para a garantia da democracia no Brasil, o que se iniciou muitos antes, ou, sem muito exagero, pode-se dizer que ocorreu ao longo de todos os mais de oitenta e cinco (85) anos de existência da OAB no país. 14

A OAB passou então a poder intervir com uma série de ações de controle concentrado de constitucionalidade perante o STF. Entre as possibilidades atuais estão a Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), que tem como objeto evitar ou reparar lesão cometida à preceito fundamental resultante de ato do Poder Público, a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), que visa dirimir incerteza jurídica sobre a constitucionalidade de ato ou lei do poder público, a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), para declarar inconstitucional a omissão do estado em produzir norma reguladora sobre artigo previsto na constituição e a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn), caso da ação 4650, que tem por objetivo declarar inconstitucional lei ou ato normativo perante a CF de 1988.

Os atos impugnáveis mediante ação direta de inconstitucionalidade são a lei e o ato normativo federal ou estadual (art. 102, I, a). A jurisprudência do STF vinha seguindo uma linha restritiva, exigindo que a norma impugnada em ação direta fosse dotada dos atributos de generalidade e abstração. Isso para excluir a apreciação de atos que, a despeito da roupagem formal de lei, veiculariam medidas materialmente administrativas, com objeto determinado e destinatários certos. Era enquadrado nessa categoria, e.g., o dispositivo de lei orçamentária que fixa determinada dotação ou o ato legislativo que veicule a doação de um bem público a uma entidade privada ou que suste uma licitação. A rigidez de tal limitação foi sendo progressivamente atenuada. A princípio, o STF passou a admitir o controle em situações excepcionais ou a se contentar com doses reduzidas de abstração, especialmente em matéria de leis orçamentárias.15

É interessante também analisar se a atuação da Ordem no processo de interpretação constitucional após 1988 condiz com as expectativas criadas na constituinte. O artigo de Lilian Emerique e Halison Bruno faz uma análise de todas as Ações Diretas de Inconstitucionalidade propostas pela OAB entre outubro de 1988 até dezembro de 2014. 14

EMERIQUE, Lilian Balmant. LARA, Halison Bruno. Sociedade aberta dos intérpretes da Constituição e a participação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil no controle concentrado de constitucionalidade. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica RIHJ, ano 13 - n. 18. Ed. Forum. Belo Horizonte. 2015. p 167 15

BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 6.ed.Saraiva, 2012. p 132-133.

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Na pesquisa, ao analisar as duzentas e sessenta ADIs propostas entre o ano de 1988 e o ano de 2014 percebe-se uma crescente de proposituras ao longo desse período histórico, demonstrando que a atuação da OAB no STF tem aumentado. Gráfico 01 – Distribuição por ano das 260 ADI propostas pelo CFOAB entre outubro de 1988 até dezembro de 2014.16

Dentre as duzentas e sessenta ADIs propostas a distribuição anual foi: 1988: uma (1) ADI; 1989: cinco (5) ADIs; 1990: nove (9) ADIs; 1991: três (3) ADIs; 1992: três (3) ADIs; 1993: sete (7) ADIs; 1994: três (3) ADIs; 1995: três (3) ADIs; 1996: nove (9) ADIs; 1997: doze (12) ADIs; 1998: nove (9) ADIs; 1999: doze (12) ADIs; 2000: dezoito (18) ADIs; 2001: seis (6) ADIs; 2002: quinze (15) ADIs; 2003: nove (9) ADIs; 2004: sete (7) ADIs; 2005: nove (9) ADIs; 2006: treze (13) ADIs; 2007: doze (12) ADIs; 2008: seis (6) ADIs; 2009: doze (12) ADIs; 2010: onze (11) ADIs; 2011: vinte e três (23) ADIs; 2012: vinte e nove (29) ADIs; 2013: sete (7) ADIs; 2014: oito (8) ADIs.

Além da análise da proposição ao longo dos anos foi também realizada uma análise comparativa entre os entes legitimados para propor ações perante o Supremo Tribunal Federal 16

Fonte: EMERIQUE, Lilian Balmant. LARA, Halison Bruno. Sociedade aberta dos intérpretes da Constituição e a participação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil no controle concentrado de constitucionalidade. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica RIHJ, ano 13 - n. 18. Ed. Forum. Belo Horizonte. 2015. p 155

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que revelou a OAB como o segundo ente que mais propôs ADIs, atrás apenas da Procuradoria Geral da República. Gráfico 2 – Percentual de ADIs propostas pelo CFOAB, bem como de outros 8 (oito) legitimados que mais propõem ADIs17

Analisando o gráfico acima depreende-se a seguinte ordem dos autores que mais propuseram ADI's. PGR – Procuradoria Geral da República, com 18%; OAB – Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, com 5%; PDT – Partido Democrático Brasileiro, com 3%; Gov. SP - Governador do Estado de São Paulo, com 3%; AMB – Associação dos Magistrados Brasileiros, com 3%. PT - Partido dos Trabalhadores, com 2%; Gov. RS – Governador do Estado do Rio Grande do Sul, com 2%; Gov. SC – Governador do Estado de Santa Catariana, com 2%; Gov. ES – Governador do Estado do Espírito Santo, com 2%. Além destes, os 60% restantes são pulverizados em outros seiscentos e oitenta (680) atores com menos de 2%.

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Fonte: EMERIQUE, Lilian Balmant. LARA, Halison Bruno. Sociedade aberta dos intérpretes da Constituição e a participação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil no controle concentrado de constitucionalidade. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica RIHJ, ano 13 - n. 18. Ed. Forum. Belo Horizonte. 2015. p 158

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É analisada também a diversidade temática das ações propostas pela OAB perante o STF. O objetivo é perceber se elas versam sobre assuntos pertinentes apenas ao interesse corporativo dos advogados ou se existem também ações ligadas ao aperfeiçoamento da democracia e defesa de direitos fundamentais.

Gráfico 3 - Divisão das ADIs propostas pelo CFOAB entre outubro de 1988 e dezembro de 2014 em assuntos/matérias tratados18

As ações foram categorizadas nas seguintes áreas temáticas - Poder Judiciário e Funções Essenciais à Justiça: noventa e duas (92) ações que correspondem a 35% do total; Organização do Estado: sessenta e cinco (65) ações que correspondem a 25% do total; Direito Econômico: cinquenta e nove (59) ações que correspondem a 23% do total; concursos públicos: treze (13) casos que correspondem a 5% do total; prerrogativas políticas: treze (13) ações que correspondem a 5% do total; Direitos fundamentais: sete (7) ações que 18

Fonte: EMERIQUE, Lilian Balmant. LARA, Halison Bruno. Sociedade aberta dos intérpretes da Constituição e a participação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil no controle concentrado de constitucionalidade. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica RIHJ, ano 13 - n. 18. Ed. Forum. Belo Horizonte. 2015. p 156

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correspondem a 3% do total; Direitos sociais: cinco (5) ações que correspondem a 2% do total; Matéria processual: seis (6) casos que correspondem a 2% do total.

É possível verificar a pluralidade de temas abordados pelas ADIs e importantes ações em defesa dos direitos fundamentais e de prerrogativas políticas. Além disso, é expressivo o número de ações sobre o poder judiciário e sobre a organização do estado.

Por fim, são estudados a porcentagem de ADIs propostas pela OAB julgadas e o resultados final das mesmas para compreender se a legitimação da OAB produz efeitos reais através de mudanças na interpretação constitucional. Gráfico 4 – Divide as ADIs pela situação de julgamento19

Pelo gráfico acima podemos perceber que cento e dezoito (118) ADIs foram julgadas, enquanto cento e quarenta e duas (142) estão aguardando julgamento. Dessa forma, percebese que 45% das ações propostas já foram concluídas e produzem efeitos. Não obstante, vale lembrar que parte das ações restantes já produzem medidas cautelares relevantes à sociedade. 19

Fonte: EMERIQUE, Lilian Balmant. LARA, Halison Bruno. Sociedade aberta dos intérpretes da Constituição e a participação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil no controle concentrado de constitucionalidade. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica RIHJ, ano 13 - n. 18. Ed. Forum. Belo Horizonte. 2015. p 157

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Passemos logo em seguida a análise do resultado dessas cento e dezoito (118) ações concluídas. Gráfico 5 – Situação das ADIs Julgadas 20

Através desse gráfico podemos perceber que das ADIs julgadas 20% foram julgadas procedentes e 13% parcialmente procedentes. Juntas elas somam 33%, ou seja, cerca de um terço das ações produz diretamente um resultado demandado pela Ordem e apenas 19% são julgadas improcedentes..

Importante lembrar que 48% das ações são consideradas prejudicadas, ou seja, devido a alguma situação o dispositivo em questão não mais se encontra no ordenamento jurídico. Não necessariamente as autoridades o retiraram pelos mesmos motivos que a OAB questionava, mas isso demonstra uma situação de correlação importante em favor da ordem.

Com o cruzamento de todos esses dados, percebe-se que a atuação da OAB se dá para além das questões meramente corporativas, buscando atuar em questões fundamentais para a

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Fonte: EMERIQUE, Lilian Balmant. LARA, Halison Bruno. Sociedade aberta dos intérpretes da Constituição e a participação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil no controle concentrado de constitucionalidade. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica RIHJ, ano 13 - n. 18. Ed. Forum. Belo Horizonte. 2015. p 157

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democracia brasileira e tendo legitimidade para aglomerar demandas germinadas no seio dos movimentos sociais e da sociedade civil.

Dessa forma, pode-se verificar que a legitimação da OAB prevista na Constituição Federal de 1988 traz resultados positivos para a interpretação constitucional ao permitir maior participação popular. O fato da proposta feita justamente por uma entidade da sociedade civil ter canalizado tantas experiências e esperanças demonstra como a abertura do processo de interpretação constitucional traz resultados positivos à democracia. Esse fato é evidenciado no papel que o STF passa a ter na análise de Daniel Sarmento:

A atuação do Supremo Tribunal Federal na hipótese adquire, ainda, um caráter verdadeiramente representativo dos anseios da sociedade brasileira manifestados nos recentes levantes populares. As demandas veiculadas nesta ação direta estão em profunda sintonia com as reivindicações da cidadania pela redução da influência do poder econômico e da corrupção. Tal afirmação é corroborada por recente pesquisa realizada pelo IBOPE Inteligência, na qual 78% dos entrevistados se manifestaram contrariamente à possibilidade de doações por empresas. Desse modo, uma intervenção da Corte Constitucional se legitimaria pela necessidade de preservar os interesses do povo, em uma situação em que tais interesses são manifestamente opostos aos de seus representantes.21

Assim, a ADI 4650 pode ser considerada fruto de um processo de democratização da interpretação constitucional com a legitimação da OAB para propor ADIs sendo capaz de canalizar amplas demandas sociais até o crivo do STF. Entraremos agora no estudo de como esse órgão debateu e julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela OAB.

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SARMENTO, Daniel; OSÓRIO, Aline. ELEIÇÕES, DINHEIRO E DEMOCRACIA: a ADI 4.650 e o modelo brasileiro de financiamento de campanhas eleitorais. p. 23. Disponível: Acesso: 28/06/2016

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CAPÍTULO 3 - ARGUMENTOS JURÍDICOS SOBRE A INCONSTITUCIONALIDADE DO FINANCIAMENTO EMPRESARIAL

O processo em torno da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 4650 suscitou amplos debates jurídicos e reacendeu discussões sobre o papel do Supremo Tribunal Federal na democracia brasileira e sobre as bases populares do nosso Estado. Tendo por base o voto dos ministros, os textos sobre o tema e a doutrina vamos iniciar nossa discussão pela análise da legislação eleitoral à época da propositura da ADI, estudando os avanços e os limites da lei 9.504/97 e da Lei n° 9.096/95.

Logo em seguida, vamos debater sobre o ativismo judicial do STF e compreender quais são os limites da sua atuação e quais os momentos onde ele precisa atuar. Assim como os momentos em que precisa tomar posições contramajoritárias e quando precisa compreender as demandas de uma sociedade em constante transformação atuando de forma representativa.

Também é central compreender a relação entre o poder judiciário e os outros poderes, sobretudo neste caso o poder legislativo - sabendo onde o STF precisa agir como um contrapeso

para

permitir

mudanças

travadas

por

interesses

não

republicanos.

Por fim, iremos penetrar nos principais argumentos utilizados para legitimar a posição majoritária no caso pela inconstitucionalidade do financiamento de campanhas eleitorais por parte das empresas como os princípios democrático, igualitário e republicano. Assim como os argumentos contrários à decisão com base, sobretudo na posição da Suprema Corte americana no Citizens United v. Federal Election Commission Case.

3.1 - A Legislação Brasileira sobre o Financiamento de Campanhas

Na legislação brasileira, o financiamento de campanhas está regulado na Lei 9.504/97, conhecida como “Lei das Eleições” e, subsidiariamente, na Lei 9.096/96 que trata dos partidos políticos. A Lei 13.165/2015, apelidada de “Minirreforma Eleitoral”, foi construída concomitantemente à votação da ADI, sendo sancionada algumas semanas após a conclusão da votação da mesma trazendo modificações à lei 9.504/97. Através dessas normas, é constituído um sistema misto de financiamento com a possibilidade de doação tanto por

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pessoa física quanto por pessoa jurídica - somados a recursos públicos, como é o caso do fundo partidário.

No financiamento feito por pessoa física, é estabelecido um limite de até 10% do valor bruto declarado no ano anterior ao pleito eleitoral, além disso, a Lei 9.504/97 trazia a possibilidade de doar bens para uso no valor estimado de até R$ 50.000,00, com a Lei 13.165/2015 esse valor foi aumentado para R$ 80.000,00. É válido lembrar que esse teto proporcional à renda garante que certas pessoas tenham o direito a doar mais dinheiro para as candidaturas do que outras a depender do seu rendimento anual.

Já no financiamento por pessoa jurídica, a Lei 9.504/97 autorizava doações de até 2% do faturamento da empresa no ano anterior à eleição. No caso, apenas as empresas privadas tinham permissão para doar, pois eram vedadas as doações provenientes do estrangeiro, dos órgãos da administração pública, de concessionárias ou permissionárias de serviço público, de entidades sem fins lucrativos (beneficentes, religiosas e desportivas, por exemplo) e de sindicatos.

Esse sistema era muito criticado por gerar enormes distorções e permitir a desigualdade na capacidade financeira de doações entre diferentes cidadãos e entidades. Nas palavras de Daniel Sarmento e Aline Osório:

Essa permissão legal para a arrecadação de fundos para campanhas eleitorais via pessoas jurídicas é, em si, prejudicial à democracia, pois concede a quem não tem voto uma rota alternativa – e, como visto, mais “eficaz” – para participar do processo político-eleitoral. Com isso, compromete-se a igualdade política entre eleitores e candidatos e cria-se espaço para a formação de redes de favorecimento político e corrupção. Além disso, os limites propostos para as doações por parte de empresas aprofundam ainda mais a influência do poder econômico sobre a política. Como visto, as pessoas jurídicas são capazes de doar somas extraordinárias de dinheiro a campanhas e partidos políticos, infinitamente maiores daquelas que cidadãos comuns seriam aptos a fazer, de modo que estes acabam sendo marginalizados na disputa eleitoral.22

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SARMENTO, Daniel; OSÓRIO, Aline. ELEIÇÕES, DINHEIRO E DEMOCRACIA: a ADI 4.650 e o modelo brasileiro de financiamento de campanhas eleitorais. p. 9. Disponível: Acesso: 28/06/2016

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Feita a análise de como funcionava a legislação que tratava do financiamento de campanhas na época da votação da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4650 podemos prosseguir para a análise dos argumentos utilizados pelas partes para defender ou atacar a constitucionalidade das doações por parte de empresas.

Pode-se dividir em duas grandes polêmicas o debate sobre a ADI 4650. A primeira delas se dá em relação à competência do Supremo para modificar uma questão supostamente atribuída ao próprio poder legislativo, a segunda se baseia no mérito de que a doação de recursos por parte de empresas viola ou não os direcionamentos da constituição.

3.2 - STF e ativismo judicial

Uma das grandes questões que a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4650 suscita é testar quais os limites da atuação das cortes sobre um tema de ordem evidentemente política. O financiamento das campanhas eleitorais e o próprio formato do sistema político infraconstitucional são matérias atribuídas ao poder legislativo em nossa ordem constitucional.

É importante reforçar que numa democracia o local privilegiado para o debate de políticas públicas e da forma como o processo político vai ser construído é o espaço de representação, materializado no poder legislativo. Assim, a princípio não caberia ao judiciário, um poder composto por juízes não eleitos, intervir em assunto como a Reforma Política.

Isso não significa, no entanto, que em dados momentos se faz necessária a atuação judicial para a garantia de preceitos fundamentais. Em seu voto enquanto relator, o ministro Luiz Fux, destaca:

Com efeito, não raro se vislumbram hipóteses em que se exige uma postura mais incisiva da Suprema Corte, especialmente para salvaguardar os pressupostos do regime democrático. Em tais cenários, diagnosticado o inadequado funcionamento das instituições, é dever da Corte Constitucional otimizar e aperfeiçoar o processo democrático, de sorte (i) a corrigir as patologias que desvirtuem o sistema representativo, máxime quando obstruam as vias de expressão e os canais de participação política, e (ii) a proteger os interesses e direitos dos grupos políticos

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minoritários, cujas demandas dificilmente encontram eco nas deliberações majoritárias.23

Dessa forma, o argumento utilizado pelo relator da ADI 4650 e seguido pela parte majoritária do STF sustenta que em casos específicos onde os próprios responsáveis pela matéria em questão estão bloqueando as mudanças por não serem do seu interesse imediato ou estejam sistematicamente prejudicando uma minoria seria dever da suprema corte agir para corrigir essa imperfeição.

Assim, mesmo com o entendimento de que a Reforma Política é responsabilidade do Congresso Nacional se aduz que os mesmos congressistas possuem interesse em manter as regras vigentes pelas quais os próprios foram eleitos. Esse cenário abre um paradoxo que apenas um ente externo aos interesses em jogo poderia destravar o processo. Essa visão também é compartilhada por Sarmento e Osório em seu artigo:

Nada obstante, não é realista esperar que o Congresso Nacional, integrado pelos atores que se beneficiam em larga escala do modelo de financiamento adotado, venha a tomar alguma atitude concreta para corrigir tal patologia. Em contrapartida, o Poder Judiciário está em excelente posição para atuar. Sua independência com relação aos grupos políticos e econômicos que ocupam ou pretendem ocupar o poder sugere a presença de uma maior capacidade institucional para produzir uma boa decisão nesta questão.24

Analisando as históricas decisões do Supremo pode-se perceber que esse é um caso semelhante ao ocorrido com a fidelidade partidária, assunto que embora exista amplo consenso dos seus óbvios efeitos positivos para a democracia foi travado pelos membros congresso que possuíam uma visão parcial sobre o mesmo. Apenas com a intervenção do STF foi possível modificar o cenário absurdo onde candidatos eleitos por votos dos cidadãos em um partido poderiam mudar para o partido contrário e manter seu mandato - sem qualquer vinculação aos votos que recebeu do partido pelo qual se elegeu.

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Voto do ministro Luiz Fux na ADI 4650, proferido em 11/12/13. p. 11. Disponível: Acesso:07/11/2016 24 SARMENTO, Daniel; OSÓRIO, Aline. ELEIÇÕES, DINHEIRO E DEMOCRACIA: a ADI 4.650 e o modelo brasileiro de financiamento de campanhas eleitorais. p. 23. Disponível: Acesso: 28/06/2016

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Outro argumento em favor da intervenção do STF, utilizado por Luís Roberto Barroso em seu voto25, é a função representativa que o tribunal possui. Segundo ele, no processo de interpretação constitucional o Supremo Tribunal Federal exerce dois grandes papéis.

O mais comum seria o papel contramajoritário, quando a corte invalida uma legislação aprovada pelo legislativo ou política pública feita pelo poder executivo. Por esse papel, seus membros que não foram eleitos pelo voto popular, para garantir o cumprimento da Constituição, precisam se sobrepor à decisão de uma maioria política. Mas existe uma outra competência que Cortes Constitucionais desempenham - e que, no caso brasileiro, se tornou importante em muitas situações - que, ao lado da função contramajoritária, é uma função representativa, é a função de interpretar e procurar concretizar determinados anseios da sociedade que estão paralisados no processo político majoritário. 26

Barroso argumenta então, que em situações que envolvam a proteção de minorias ou de impasses é indispensável que o STF intervenha de forma representativa e cita casos como o da união homoafetiva e da interrupção da gestação de fetos anencefálicos. Dessa forma, essa representatividade conferida pelo amplo anseio popular sobre o tema legitimaria a atuação do supremo no caso da inconstitucionalidade do financiamento empresarial.

É importante ressaltar que de forma unânime todos aqueles que argumentaram a favor da intervenção do STF sobre o caso afirmaram que é necessária a parcimônia e a compreensão de que a tarefa de constituir a Reforma Política é do Poder Legislativo, cabendo ao Judiciário apenas uma intervenção pontual no que tange à inconstitucionalidade da norma eleitoral vigente. Isso pode ser observado no voto do relator, ministro Luiz Fux: Portanto, a atuação da Corte in casu é, precisamente, a de definir se o legislador atuou dentro dessa moldura constitucional, sem a pretensão de substituí-lo, reformulando o modelo de financiamento de campanhas vigentes, o que, aí sim (acredito), violaria o princípio da separação de poderes.27

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Voto do Ministro Luís Roberto Barroso na ADI 4650. p 9-10. Disponível: Acesso: 07/11/2016 26 Voto do Ministro Luís Roberto Barroso na ADI 4650. p 10. Disponível: Acesso: 07/11/2016 27 Voto do ministro Luiz Fux na ADI 4650, proferido em 11/12/13. p. 18. Disponível: Acesso:07/11/2016

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Não sem motivos, ao final do julgamento, a decisão tomada pelo STF foi apenas de declarar inconstitucional o financiamento empresarial de campanhas, ficando a cargo do legislativo regulamentar o assunto e construir os outros temas da reforma política.

3.3 - Os Argumentos Constitucionais

Vários são os argumentos apresentados para arguir a constitucionalidade ou não do financiamento empresarial de campanhas eleitorais. Eles se baseiam, principalmente nos princípios elencados pela Constituição como basilares do Estado Democrático de Direito.

Dentre os argumentos a favor da inconstitucionalidade se destacam o princípio democrático, presente no Art. 1° da CF/88, o princípio da igualdade, presente no Art. 5° e o princípio repúblicano, presente no Art. 1°.

Já do lado dos argumentos contrários, é utilizada a jurisprudência da Suprema Côrte Americana no caso Citizens United v. Federal Election Commission. Nesse julgamento emblemático, a côrte decidiu que o financiamento de campanhas por parte de empresas nos Estados Unidos era protegido pelo direito à liberdade de expressão e tornou inconstitucional todas as normas que apresentavam limites ao uso de verbas empresariais para fins políticoeleitorais.

a) Princípio Democrático

O primeiro dos princípios utilizados em favor da inconstitucionalidade é o Princípio Democrático. Ele baseia todos os outros argumentos ao expressar o povo como fundamento do poder político, em seu parágrafo único o artigo 1° destaca: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”28. Esse princípio é comentado por Sarmento: O princípio democrático é a viga mestra da Constituição de 1988 e encontra-se positivado em diversos de seus dispositivos, como no art. 1 o , em seu caput, que define a República Federativa do Brasil como Estado Democrático de Direito, e 28

Constituição Federal de 1988, Art. 1°, Parágrafo Único

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Parágrafo único, que reconhece a soberania popular como fundamento do poder político. A democracia, entendida como o governo “do povo, pelo povo e para o povo”, se assenta na premissa fundamental da igualdade política entre os cidadãos, isto é, na possibilidade de todo o povo, igualmente considerado, participar da formação do governo e da vontade política da comunidade, por intermédio da eleição de representantes. As ideias de democracia e de igualdade política são, assim, absolutamente indissociáveis.29

Dessa forma, compreendendo que a soberania popular é a única base aceita constitucionalmente para o poder político, percebe-se que o financiamento empresarial e sua perversa influência nas campanhas eleitorais está evidentemente em desacordo com as premissas de nossa constituição. Se as empresas não votam, tampouco poderiam fazer doações de campanhas. A essa conclusão também chega o relator da ADI 4650, ministro Luiz Fux, em seu voto: De início, não me parece que seja inerente ao regime democrático, em geral, e à cidadania, em particular, a participação política por pessoas jurídicas. É que o exercício da cidadania, em seu sentido mais estrito, pressupõe três modalidades de atuação cívica: o ius suffragii (i.e., direito de votar), o jus honorum (i.e., direito de ser votado) e o direito de influir na formação da vontade política através de instrumentos de democracia direta, como o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular de leis (SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 34a ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 347). Por suas próprias características, tais modalidades são inerentes às pessoas naturais, afigurando-se um disparate cogitar a sua extensão às pessoas jurídicas. Nesse particular, esta Suprema Corte sumulou entendimento segundo o qual as “pessoas jurídicas não têm legitimidade para propor ação popular” (Enunciado da Súmula no 365 do STF), por essas não ostentarem o status de cidadãs.30

Conclui-se então que as pessoas jurídicas, entidades artificiais a quem o direito empresta personalidade jurídica, não são titulares dos mesmos direitos atribuídos a pessoas naturais. Isso significa que os direitos políticos não são a elas aplicados, por não constituírem parte da soberania popular.

b) Princípio da Igualdade

Intimamente aliado ao princípio democrático está o princípio da igualdade. Segundo ele, cada cidadão tem peso igual em uma democracia. Em sua primeira dimensão o princípio da igualdade serve para garantir o mesmo peso do voto de cada cidadão, impedindo assim o voto 29

SARMENTO, Daniel; OSÓRIO, Aline. ELEIÇÕES, DINHEIRO E DEMOCRACIA: a ADI 4.650 e o modelo brasileiro de financiamento de campanhas eleitorais. p. 10-11. Disponível: Acesso: 28/06/2016 30 Voto do ministro Luiz Fux na ADI 4650, proferido em 11/12/13. p. 18. Disponível: Acesso:07/11/2016

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censitário - critério que vigorou no Brasil desde a outorga da Constituição de 1824 até a promulgação da constituição de 1891. Durante todo esse período, só poderiam votar aqueles que tivessem renda líquida anual superior a cem mil réis.

Porém, vale ressaltar que a dimensão de igualdade concebida pela constituição de 1988 não se dá apenas no voto, mas na capacidade de influir no processo eleitoral sem distinção de fatores sociais. Nas palavras de Daniel Sarmento e Aline Osório: O princípio da igualdade política, por sua vez, além de estar previsto de forma genérica no caput do art. 5 o da Carta de 1988, encontra-se consagrado em seu art. 14, que prevê que o voto deve ter “valor igual para todos.” A igualdade política, expressa na fórmula “one person, one vote”, mais do que atribuir um voto a cada cidadão, significa que cada cidadão deve ter igual capacidade de influir no processo eleitoral, independentemente de sua classe, cor, nível de instrução ou qualquer outro fator. Com isso, se quis impedir que às preferências de alguns cidadãos fosse atribuída maior importância que aos interesses dos demais e, assim, garantir uma real democracia.31

O financiamento eleitoral de campanhas permite a empresas influir de forma decisiva na eleição de muitos candidatos, garantindo representatividade política a uma entidade jurídica que não possui direito ao voto. Como já apresentado, mais de 98% dos recursos nas campanhas é proveniente de empresas e existe uma forte relação entre os candidatos mais financiados e os mais votados.

Isso se soma a disparidade financeira e a disparidade de capacidade de doação por parte das empresas de recursos imensamente superiores à capacidade de cidadãos comuns faz com que as mesmas tenham amplos privilégios no processo de tomada de decisão política da nação - o que viola o princípio da igualdade. Esse também é o entendimento de Fux em seu voto, apresentando também que existem disparidades entre as próprias pessoas jurídicas:

Ocorre que a excessiva penetração do poder econômico no processo político compromete esse estado ideal de coisas na medida em que privilegia alguns poucos candidatos – que possuem ligações com os grandes doadores – em detrimento dos demais. Trata-se de um arranjo que desequilibra, no momento da competição eleitoral, a igualdade política entre os candidatos, repercutindo, consequentemente, na formação dos quadros representativos. 32 31

SARMENTO, Daniel; OSÓRIO, Aline. ELEIÇÕES, DINHEIRO E DEMOCRACIA: a ADI 4.650 e o modelo brasileiro de financiamento de campanhas eleitorais. p. 111. Disponível: Acesso: 28/06/2016 32 Voto do ministro Luiz Fux na ADI 4650, proferido em 11/12/13. p. 28. Disponível: Acesso:07/11/2016

31

Importante salientar, ainda que não seja o tema específico da ADI, que a forma como se dá o financiamento por parte de Pessoa Física atualmente, colocando um limite percentual em relação à declaração de renda, também afronta o princípio da igualdade, pois permite que alguns cidadãos possam doar mais do que os outros. O ideal, nesse caso, seria um valor fixo igual para todos os membros da sociedade.

Além da disparidade no montante total de recursos, também fere o princípio da igualdade o fato de que, dentre variados tipos de pessoa jurídica, apenas as empresas possam fazer doações. A Lei 9.504/97, ao mesmo tempo que permite que as empresas doem, proíbe que entidades sindicais ou entidades sem fim lucrativo façam o mesmo. Segundo esse contrassenso, apenas as corporações que visam o lucro podem fazer doações. Esse argumento é reforçado por Osório e Sarmento:

Ademais, a regulação de contribuições por pessoas jurídicas na Lei 9.504/97, além de antidemocrática, é ideologicamente parcial. Não faz o menor sentido, de um lado, permitir doações a campanhas por parte de qualquer empresa, e de outro, proibir que a representação dos trabalhadores (sindicatos) possa contribuir para campanhas políticas. Tampouco é razoável que organizações não-governamentais que recebam recursos públicos não possam doar (art. 24, X, da Lei 9.504/97), enquanto que as empresas privadas que contratam com o governo não somente são autorizadas a fazer doações, como também figuram entre os maiores doadores de campanhas. Tal marco normativo confere, em verdade, privilégios injustificáveis ao capital no processo eleitoral, em detrimento da representação da cidadania. 33

c) Princípio Republicano

Seguido dos princípios democrático e da isonomia, o princípio republicano é outro potente argumento contrário ao financiamento eleitoral por parte de empresas. Ele está presente no núcleo essencial da nossa constituição, logo no art. 1°, e não diz apenas sobre a forma de governo, mas também da forma como a res publica, ou “coisa pública”, deve ser gerida.

Ao contrário dos tempos monárquicos onde o tesouro da nação se confundia com o tesouro do rei, em uma república os bens devem ser geridos conforme o interesse de toda a coletividade, de 33

forma

impessoal

e

sem

uso

privado

de

qualquer

forma.

SARMENTO, Daniel; OSÓRIO, Aline. ELEIÇÕES, DINHEIRO E DEMOCRACIA: a ADI 4.650 e o modelo brasileiro de financiamento de campanhas eleitorais. p. 9. Disponível: Acesso: 28/06/2016

32

Os efeitos do financiamento empresarial de campanhas por parte de empresas chocamse frontalmente com o princípio republicano. Como vimos através de doações de campanhas para candidatos que defendem seus interesses as empresas subvertem a lógica do Estado para benefício próprio. Esse princípio é reforçado por Barroso em seu voto: Penso que há também um problema em relação ao princípio republicano, e aqui é um problema mais complexo. É que a ideia de República está associada à circunstância de que os agentes públicos, os administradores, gerem alguma coisa que não lhes pertence; é uma coisa pública, uma res publicae, algo que pertence à coletividade. E o pacto que muitas vezes se faz, por conta do sistema eleitoral brasileiro, entre esses agentes políticos responsáveis pela gestão pública e os interesses privados que participam do processo eleitoral compromete este caráter republicano, reforçando a pior tradição brasileira de patrimonialismo, essa nossa tradição ibérica, essa tradição de um modelo de Estado que não separava a fazenda do rei da fazenda do reino, e consequentemente não distinguia adequadamente o público do privado. 34

Esses três princípios (democrático, igualitário e republicano) norteiam os argumentos pela inconstitucionalidade do financiamento empresarial de campanhas eleitorais. Cumpre reforçar que a própria constituição não apenas os elenca como expressa a direção no sentido de reduzir o impacto da influência do poder econômico nas eleições. Como salientado por Daniel Sarmento e Aline Osório: No entanto, a Constituição não adota uma postura de neutralidade frente a tal quadro patológico. Pelo contrário, ao positivar os princípios da igualdade, da democracia e da República, a Carta de 88 conclama o legislador a uma atitude proativa com vistas a afastar do processo político a indevida influência do poder econômico. Aliás, tal meta encontra-se até mesmo expressa em seu texto, no § 9 o do art. 14, quando, ao definir os princípios que deveriam guiar a legislação infraconstitucional eleitoral, destacou a necessidade de proteger “a normalidade e a legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico.”35

d) Princípio da Proporcionalidade como Vedação à Proteção Deficiente

Com base na previsão constitucional de proteção das eleições contra a influência do poder econômico Daniel Sarmento elenca mais um princípio. Segundo ele, o princípio da proporcionalidade não se manifesta apenas para conter excessos ou arbítrios do poder estatal, mas também para obrigar o estado a prestar proteção suficiente aos direitos fundamentais. 34

Voto do Ministro Luís Roberto Barroso na ADI 4650. p. 6. SARMENTO, Daniel; OSÓRIO, Aline. ELEIÇÕES, DINHEIRO E DEMOCRACIA: a ADI 4.650 e o modelo brasileiro de financiamento de campanhas eleitorais. p. 10. Disponível: Acesso: 28/06/2016 35

33

Dessa forma, a proporcionalidade é vista em sua função positiva, como um princípio que veda a proteção insuficiente. Nos casos onde o estado não cumpre sua função de proteção caberia a intervenção do poder judiciário para garantir a tutela desses direitos.

Conclui-se então a forte fundamentação constitucional contrária a vigência das doações eleitorais por parte de empresas. Cumpre-nos, porém, penetrar nos principais argumentos apresentados para tentar legitimar à constitucionalidade e negar provimento à ADI 4650.

3.4 - Argumentos Contrários a Inconstitucionalidade

a) Liberdade de Expressão

O principal argumento utilizado nas discussões sobre o financiamento empresarial, tem base nas discussões ocorridas na Suprema Corte Norte-Americana no caso Citizens United v. Federal Election Commission. Neste caso, por 5 votos a 4, o órgão utilizou-se do princípio da liberdade de expressão das empresas para tornar inconstitucionais quaisquer proibições às suas capacidades de financiar propaganda política.

A decisão foi alvo de grande polêmica e acusações de partidarismo por parte dos juízes da Suprema Côrte e seus efeitos podem ser sentidos na explosão de recursos financeiros nas eleições americanas. Ronald Dworkin, eu seu artigo sobre o caso argumenta que não é possível estender o direito de liberdade de expressão na política para as empresas:

O centro de seu argumento - que as corporações devem ser tratadas como as pessoas físicas sob a Primeira Emenda - é, em minha opinião, absurdo. As corporações são ficções legais. Elas não têm opiniões próprias para contribuir e nenhum direito de participar com a mesma voz ou voto na política. (Do original) The nerve of his argument—that corporations must be treated like real people under the First Amendment—is in my view preposterous. Corporations are legal fictions.

34

They have no opinions of their own to contribute and no rights to participate with equal voice or vote in politics.36

Analisando a realidade brasileira, outra linha argumentativa contrária à interpretação de que as doações empresariais são protegidas pelo direito à liberdade de expressão é a observação de que as empresas não doam conforme linhas ideológicas, investindo recursos muitas vezes nas campanhas de todos os candidatos, até mesmo entre rivais. Isso reforça a ideia de que o financiamento tem objetivo pragmático e financeiro, não de expressão política. Em seu voto, Luís Roberto Barroso argumenta:

Eu ouvi o aparte que o Ministro Gilmar Mendes fez ao eminente Ministro Dias Toffoli de que é perfeitamente legítimo - em tese, pelo menos - que uma empresa financie um candidato ou financie um partido, porque aquele candidato ou aquele partido corresponde melhor à sua ideologia, aos seus interesses, não no sentido privatístico menor, mas de como aquela empresa acha que a livre iniciativa deve estar inserida em uma sociedade aberta e plural. E eu acho que a observação é pertinente, porém ela não é confirmada pela realidade brasileira do modelo atual. E acho que ela não é confirmada por uma observação que fez o Ministro Fux, no seu cuidadoso voto. A observação de que muitas empresas doavam para os dois lados, para os dois partidos. Que ideologia é essa em que você apoia um lado e apoia o outro? Você quase neutraliza o tipo de colaboração que está dando.37

b) Financiamento Público como Favorecimento Político

Em seu longo voto, feito após segurar o processo em vista por mais de um ano e cinco meses, o Ministro Gilmar Mendes organizou uma argumentação com base em que o financiamento público de campanhas favorecia a corrupção no país.

Segundo ele, até o Governo Collor e os escândalos de corrupção dos esquemas de PC Farias, as empresas eram proibidas de fazer doações. Mas, após os escândalos, os deputados admitiram ser impossível controlar o fluxo de dinheiro proveniente de empresas nas campanhas e decidiram acabar com a restrição.

Seguindo essa linha, ele argumenta que a proibição do financiamento empresarial de campanhas favorece o partido que está no poder, pois, segundo ele, o mesmo conseguiria mais

36

DWORKIN. Ronald. “The Devastating Decision”. The New York Tomes Review of Books, 25.02.2010, p. 2. Disponível Acesso 15/11/2016 37 Voto do Ministro Luís Roberto Barroso na ADI 4650. p. 7.

35

recursos através do estado e uma perigosa relação seria estabelecida onde se mesclaria partido e estado.

De forma extremamente parcial, ele utiliza a Lava-Jato como argumento para dizer que o PT se beneficiaria de financiamento público nas campanhas e por isso, a OAB, os Movimentos Sociais e todos que estavam defendendo a ADI estavam sendo manipulados por esse partido. Assim, o financiamento empresarial seria a garantia de que os partidos oposicionistas receberiam financiamento e poderiam competir para derrotar eleitoralmente o PT.

Em contraposição aos argumentos sustentados por Gilmar Mendes é fundamental compreender inicialmente que o objetivo da ADI 4650 é proibir apenas o financiamento empresarial de campanhas, mantendo a permissão para que os indivíduos possam realizar doações.

Passado isso, cumpre-se tratar sintomas como problemas reais que devem ser sanados. Gilmar argumenta que o alto custo das campanhas eleitorais só pode ser suprido pelo financiamento empresarial, mas não devemos questionar justamente por que as campanhas estão tão caras? E não seria justamente a competição de financiamento empresarial que contribuiria para o aumento em escala geométrica dos gastos de campanha?

O argumento utilizado pelos congressistas após o impeachment de Collor de que não era possível controlar os recursos que as empresas doavam não serviu justamente para legalizar esses recursos e manter os problemas que eles causavam?

Sobre a Lava-Jato, a análise feita por Gilmar de centrar a questão no PT é extremamente simplista. A operação revelou esquemas de praticamente todos os grandes partidos, inclusive os da oposição. Quando o mesmo sustenta que a campanha presidencial de Dilma Roussef recebeu recursos de empreiteiras envolvidas com a Lava Jato o mesmo esquece que as duas principais campanhas de oposição (Aécio Neves e Marina Silva) também receberam quantias semelhantes.

36

Para piorar a situação, tratar a Lava-Jato como mera relação entre empresas públicas e partido políticos significa esquecer de que as propinas ilegais eram pagas justamente pelas empresas privadas contratantes da Petrobrás. Empresas essas que até a ADI 4650 possuíam permissão para financiar campanhas. A manutenção do financiamento empresarial sustenta esquemas como esse.

A argumentação de Gilmar Mendes no caso o apresenta como um partisan da causa, dissociando a discussão jurídica e constitucional sobre o caso e levando a mesma para um viés político-partidário. Ele utiliza os problemas do sistema atual para justamente manter tudo como está.

37

CAPÍTULO

4

-

O

QUE

MUDOU?

UMA

ANÁLISE

COMPARADA

DO

FINANCIAMENTO NAS CAMPANHAS PARA À PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO EM 2012 E 2016

4.1 - O que mudou?

Para analisar a efetividade das mudanças trazidas pela decisão do STF na ADI 4650 é fundamental primeiro entender quais as principais demandas e expectativas apresentadas nos pedidos pelo Conselho Federal da OAB. Em seu texto sobre o financiamento de campanhas, logo após apresentar os argumentos em defesa da inconstitucionalidade do financiamento empresarial, Daniel Sarmento apresenta os pedidos requeridos na ADI

Por todos os motivos expostos acima, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ajuizou Ação de Direta de Inconstitucionalidade em face de diversos preceitos da Lei 9.504/97 e da Lei 9.096/95, que permitem doações por parte de pessoas jurídicas, limitam de forma ineficaz o uso de recursos próprios por candidatos e, por fim, instituem limite relativo para as doações por pessoas naturais. Os pedidos formulados no âmbito de referida ADI são no sentido de obter: (i) a proibição de doações por pessoas jurídicas a campanhas eleitorais; (ii) a adoção de um limite per capita uniforme para doações por pessoas físicas, a ser fixado pelo Congresso Nacional em patamar baixo o suficiente para não violar a igualdade entre os eleitores; bem como (iii) a adoção de um teto para o uso de recursos próprios por candidatos em suas campanhas, também fixado pelo Congresso Nacional em patamar baixo o suficiente para que não seja violada a paridade de armas entre os candidatos.38

Assim, são elencados três pedidos feitos pela ADI 4650, sendo que apenas o primeiro deles foi

julgado

procedente

pelo

Supremo

Tribunal

Federal

com

a

declaração

de

inconstitucionalidade do financiamento empresarial de campanhas por oito votos a três.

Cumpre ressaltar que posteriormente a decisão do STF foi sancionada a Lei 13.165/2015 ou “Lei da Minirreforma Eleitoral” que estabeleceu um limite de gastos com base em 70% do que foi gasto na eleição anterior à promulgação da lei para o pleito em disputa, sendo que em caso de ter havido segundo turno esse limite diminui para 50%.

38

SARMENTO, Daniel; OSÓRIO, Aline. ELEIÇÕES, DINHEIRO E DEMOCRACIA: a ADI 4.650 e o modelo brasileiro de financiamento de campanhas eleitorais. p. 20. Disponível: Acesso: 28/06/2016

38

Esse limite ajuda a estancar o aumento exponencial dos gastos, mas mantém a perspectiva de campanhas muito caras. Além disso, ela manteve o limite percentual nas doações das pessoas físicas, o que mantém a desigualdade onde grandes empresários podem doar quantias exorbitantes enquanto pessoa física para os seus candidatos.

4.2 - Qual o impacto dessas mudanças nas eleições?

Diante do exposto, a questão central a ser debatida são os impactos da ação formulada pela OAB para o fortalecimento da democracia em nosso país. Neste estudo de caso, pelo enorme montante de dados sobre o financiamento de campanhas das mais variadas candidaturas pelo país inteiro, foi feita a escolha de focar a análise nas eleições à prefeitura da cidade do Rio de Janeiro com base nos dados colhidos tanto no primeiro turno das eleições de 2012, antes do julgamento, quanto no primeiro turno das eleições de 2016, depois do julgamento.

Como fonte das informações sobre o financiamento das candidaturas foi utilizada a plataforma de divulgação de contas eleitorais das candidaturas de autoria do

Tribunal

Superior Eleitoral. Os dados relativos as eleições 2016 foram retirados da plataforma “DivulgaCandContas”, hospedada no domínio e os relativos as eleições de 2012 foram retirados da plataforma SPCE WEB, hospedada no domínio



e

do

site

. As consulta foram realizadas no dia 17 de Novembro de 2016.

Com a análise dos dados objetivamos responder as questões sobre a eficácia real da declaração de inconstitucionalidade do financiamento empresarial de campanhas por parte de empresas e pensar os próximos passos para a busca de um processo eleitoral menos influenciado pelo poder econômico. Para isso, algumas perguntas precisam ser respondidas:

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a) A proibição do financiamento empresarial reduziu o altíssimo gasto médio das campanhas eleitorais ou ocorreu a simples troca do financiamento pela pessoa jurídica das empresas pelo financiamento pela pessoa física dos empresários?

b) A proibição do financiamento empresarial possibilitou um maior grau de equidade na arrecadação entre os candidatos participantes do pleito?

c) A proibição do financiamento empresarial contribuiu para desconcentrar o rol de doadores para as campanhas eleitorais?

Antes da análise dos dados, é importante ressaltar algumas das variáveis externas à proibição do financiamento empresarial que também podem afetar o resultado para se precaver de eventuais distorções.

A primeira delas é a Minirreforma Eleitoral promovida pela Lei 13.165 de 2015 que coloca um teto nos gastos igual a 70% da última eleição (2012), sendo de 50% quando houver ocorrido segundo turno. Ela dispõe de uma série de medidas visando reduzir os custos de campanha, dentre as principais estão à redução pela metade do calendário eleitoral (que passou de 90 para 45 dias) e a maior regulamentação nos gastos possíveis com materiais de campanha como placas, bandeiras, etc.

Uma mudança, causada pela Minirreforma Eleitoral, que traz dificuldades para este estudo é a extinção dos “Comitês Financeiros” que cuidavam de boa parte da arrecadação para as candidaturas. Com a nova regra, os próprios partidos devem prestar contas e transferir as verbas para os candidatos.

40

Outro fator importante que foge ao radar da nossa análise são os recursos provenientes de “Caixa dois”, ou seja, aqueles não declarados à justiça eleitoral. O caixa dois configura prática ilegal e, como não é declarado, o seu mapeamento nas candidaturas é muito difícil.

Por fim, é também impossível prever os efeitos que a crise econômica brasileira e a Operação Lava-Jato possuem sobre a disposição dos doadores no processo eleitoral. Por dedução lógica, em um momento de crise econômica e incerteza financeira a tendência natural é a existência de menos recursos disponíveis para doação.

Sobre a Lava-Jato, ela atingiu em cheio boa parte das principais empresas responsáveis pelas doações nas últimas eleições, além de construir um clima negativo para as doações eleitorais, já que os doadores passam a temer que o ocorrido na operação também possa os atingir.

Com tudo isso em mente, passaremos então para a análise dos dados em forma de gráficos para responder às questões elencadas. Para isso, analisaremos dois principais conjuntos de dados: o montante total de doações para as campanhas e a divisão da arrecadação entre os candidatos.

Nos dados referentes às eleições para a Prefeitura do município do Rio de Janeiro de 2012 foi necessário distinguir os recursos ligados diretamente ao candidato e os recursos ligados ao comitê financeiro, para depois obter a soma de ambos os dados. Podemos conferir na tabela a seguir:

Doações eleitorais por candidato nas eleições de 2012 à prefeitura do Rio de Janeiro Candidato

Recursos do Candidato

Recursos do Comitê

Total de Recursos

Eduardo da Costa Paes (PMDB)

R$ 21.208.741,10

R$ 18.425.790,69

R$ 39.634.531,79

Rodrigo Felinto Ibarra Epitácio Maia (DEM)

R$ 6.400.000,00

R$ 70.000,00

R$ 6.470.000,00

41

Aspásia Brasileiro Alcântara de Camargo (PV)

R$ 115.829,68

R$ 2.606.490,32

R$ 2.722.320,00

Otavio Santos da Silva Leite (PSDB)

R$ 1.523.189,00

R$ 170.000,00

R$ 1.693.189,00

Marcelo Ribeiro Freixo (PSOL)

R$ 1.009.071,22

R$ 156.302,00

R$ 1.165.373,22

Cyro Garcia (PSTU)

R$ 32.188,49

R$ 61.873,23

R$ 94.061,72

Fernando Leite Siqueira (PPL)

R$ 45.299,00

R$ 0,00

R$ 45.299,00

R$ 2.000,00

R$ 0,00

R$ 2.000,00

R$ 30.336.318,49

R$ 21.490.456,24

R$ 51.826.774,73

Antonio Carlos Silva (PCO) Soma total de recursos

Fonte: Dados retirados do site . Acesso 17/11/2016.

No caso da campanha de 2016 essa distinção não é mais necessária, uma vez que com a extinção do comitê financeiro o próprio candidato precisou declarar as doações recebidas de seu partido.

Doações eleitorais por candidato nas eleições de 2016 à prefeitura do Rio de Janeiro Candidato

Total de Recursos

Alessandro Molon (Rede)

R$ 614.527,14

Carmen Migueles (Novo)

R$ 41.270,98

Marcelo Crivella (PRB)

R$ 9.664.174,81

Cyro Garcia (PSTU)

R$ 20.137,01

Flávio Bolsonaro (PSC)

R$ 871.698,13

Indio da Costa (PSD)

R$ 1.166.159,00

Jandira Feghali (PCdoB)

R$ 474.568,50

Marcelo Freixo (PSOL)

R$ 2.029.585,59

Carlos Osório (PSDB)

R$ 1.448.114,00

Pedro Paulo (PMDB)

R$ 9.223.254,27

Thelma Bastos (PCO)

R$ 0,00

Soma total de recursos

R$ 25.553.489,43

Fonte: Dados retirados do portal http://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/ Acesso 17/11/2016.

A partir da análise destes dados é possível chegar a algumas conclusões. A primeira delas é de que o montante total de recursos reduziu significantemente de 2012 para 2016. Se na primeira

42

eleição foram gastos R$ 51.826.774,73, na segunda houve uma redução de mais de 50% para R$ 25.553.489,43. O gráfico a seguir mostra a proporção das mudanças:

Fonte: Dados retirados do portal http://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/ Acesso 17/11/2016.

Ressalte-se que nas eleições de 2016 nem mesmo o teto de gastos estabelecido pela Lei 13.165/2015 foi alcançado. Em realidade, nenhum dos candidatos sequer chegou perto de arrecadar o valor de R$19.858.352,08 estabelecido como limite de gastos. Os dois candidatos que mais arrecadaram foram Marcelo Crivella com R$ 9.664.174,8 e Pedro Paulo com R$ 9.223.254,27, ambos com menos da metade do teto de gastos.

Se a redução no montante total dos gastos é facilmente perceptível, se faz muito mais difícil analisar se houve uma democratização na repartição da arrecadação. Ou seja, se as disparidades de arrecadação entre os candidatos diminuíram. Os dois gráficos a seguir comparam a porcentagem por candidato em 2012 e 2016.

43

Fonte: Dados retirados do portal http://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/ Acesso 17/11/2016.

44

Fonte: Dados retirados do portal http://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/ Acesso 17/11/2016. A partir da análise dos dois gráficos podemos perceber que em 2016, apesar de ainda manter-se uma concentração dos recursos em torno de dois candidatos (Marcelo Crivella com 37,8% e Pedro Paulo com 36,1%), existe muito mais pluralidade de financiamento do que no ano de 2012 onde um só candidato (Eduardo Paes, posteriormente reeleito prefeito) arrecadou 76,5% do total de recursos utilizados nas eleições.

Chama atenção o fato de que grande parte da arrecadação dos candidatos provém de transferências feitas por seus partidos. O que pode significar uma maior importância do Fundo Partidário, mas também que muitos doadores preferem doar dinheiro para os partidos ao invés de se envolver diretamente com a campanha do candidato em questão - para não vincular sua imagem ou se proteger de escândalos.

No caso das candidaturas do Rio de Janeiro, Pedro Paulo teve uma quantia de R$3.637.749,81 doados pelo Diretório Regional do seu partido, o Partido do Movimento Democrático Brasileiro. Esse número representa um valor de 39,44% do total de recursos arrecadados pela sua campanha, que somaram o montante de R$9.223.254,27.

Não obstante, somam-se a esse valor do diretório estadual do PMDB mais 10,12% provenientes do diretório municipal, 2,27% do diretório nacional e até mesmo recursos de partidos aliados, como 4,44% do diretório municipal do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).

Como máxima dessa tendência, o candidato vitorioso nas urnas, Marcelo Crivella, teve nada menos que 97,27% dos seus R$9.664.174,81 doados pelo Partido Republicano Brasileiro. Boa parte desses recursos provenientes do fundo partidário.

45

Outra análise importante a ser feita é a diferença entre a concentração das doações a cada candidato. Isso se faz necessário para entender se o fim da doação por parte das empresas possibilitou o florescimento de uma maior pluralidade de doadores ou se a única mudança foi que agora, ao invés das empresas, são os empresários que continuam concentrando o monopólio das doações.

Em uma análise feita ainda no início do processo eleitoral pela Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (DAPP/FGV), sob encomenda do jornal O Globo, foram cruzados os CPFs dos doadores para as candidaturas a prefeito do Rio de Janeiro com os CNPJs das empresas ativas. Os resultados, ainda que preliminares já que a pesquisa foi feita antes de se encerrarem o prazo para mais doações, são alarmantes:

Do conjunto de doadores dos candidatos a prefeito do Rio, 59 deles doaram, cada um, mais de R$ 30 mil. Só um deles não é ligado a nenhuma empresa. Todos os outros 58 desse grupo têm altos cargos em companhias — como sócio, diretor, administrador ou presidente. Somados, representam um total de 643 empresas, a maior parte do setor de construção e engenharia.39

Esses dados significam que ainda que o gasto total de campanhas tenha diminuído e o financiamento tenha sido distribuído de forma menos desigual que em 2012 o problema central do financiamento de campanhas por parte de empresas ainda não foi totalmente resolvido. Com a declaração de inconstitucionalidade do financiamento empresarial os empresários passaram a doar enquanto pessoa física e continuam dominando enquanto principais doadores.

A pesquisa ainda continua por concluir que as empreiteiras, que já eram identificadas nas eleições passadas como um problema por serem as principais financiadoras e construírem íntimas e obscuras relações com o poder estatal, continuam constituindo as maiores doações. Nos dados da pesquisa, 259 das empresas doadoras são do ramo de engenharia e construção,

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DUARTE. Alessandra. Empresas driblam lei para doar a campanhas eleitorais. Disponível: Acesso em 20/11/2016

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somadas a 129 do ramo imobiliário. Juntas, elas correspondem a cerca de 60% das empresas doadoras.

Reforça-se ainda, que entre os empresários a concentração ainda é a regra. Na pesquisa, dos 59 doadores, 54 tinham como destino a campanha do candidato Pedro Paulo (PMDB). Vale ressaltar que Pedro Paulo é o candidato de sucessão à atual prefeitura e muitas dos empresários doadores possuem vínculos em empreendimentos com a gestão.

Em que pese a continuação dos grandes financiadores, a campanha de 2016 também viu o surgimento do financiamento de massas. Onde candidatos apelam para estratégias de crowdfunding para receber pequenas doações de uma grande quantidade de pessoas e atingir uma grande soma total de valores. A campanha do candidato Marcelo Freixo (PSOL), que ficou em segundo lugar nas eleições, foi marcada por uma grande campanha de doações.

Através do site o candidato obteve 1,8 milhões de reais através da doação de 14027 pessoas, uma grande explosão de doações que garantiu a maior parte dos recursos da sua campanha. Note-se que, apesar da enorme quantidade de doadores, a campanha de Freixo ainda obteve apenas cerca de um quinto do que as maiores campanhas obtiveram em recursos - tanto Pedro Paulo quanto Marcelo Crivella passaram dos R$ 9 milhões. Outros candidatos, como Jandira Feghali e Alessandro Molon também buscaram experiências de financiamento coletivo, mas sem o enorme sucesso obtido pelo candidato do PSOL.

A experiência com financiamento coletivo demonstra caminhos possíveis para um financiamento eleitoral mais plural e igualitário entre os candidatos, mas ainda se mostra insuficiente para se contrapor aos recursos provenientes de grandes empresários nas campanhas eleitorais.

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Um instrumento importante para avaliar o peso dos grandes doadores é realizar o cálculo da doação média de cada candidato, dividindo o total de de recursos pelo total de doações.

Assim é possível analisar as diferenças no perfil econômico dos doadores de cada candidato e perceber se a influência das doações continua concentrada em poucos doadores ou se espalha para uma grande quantidade dos mesmos.

Doação Média dos Candidatos a Prefeitura do Rio de Janeiro nas Eleições de 2016 Candidato

Total de Recursos

Total de Doações

Doação Média

Alessandro Molon (Rede)

R$ 614.527,14

78

R$ 7.878,55

Carmen Migueles (Novo)

R$ 41.270,98

31

R$ 1.331,32

R$ 9.664.174,81

103

R$ 93.826,93

R$ 20.137,01

30

R$ 671,23

R$ 871.698,13

12

R$ 72.641,51

R$ 1.166.159,00

27

R$ 43.191,07

R$ 474.568,50

328

R$ 1.446,85

Marcelo Freixo (PSOL)

R$ 2.029.585,59

17859

R$ 113,64

Carlos Osório (PSDB)

R$ 1.448.114,00

62

R$ 23.356,67

Pedro Paulo (PMDB)

R$ 9.223.254,27

2710

R$ 3.403,41

Thelma Bastos (PCO)

R$ 0,00

0

0

Soma total de recursos

R$ 25.553.489,43

21240

R$ 1.203,08

Marcelo Crivella (PRB) Cyro Garcia (PSTU) Flávio Bolsonaro (PSC) Indio da Costa (PSD) Jandira Feghali (PCdoB)

Fonte: Dados retirados do portal http://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/ Acesso 17/11/2016.

A tabela demonstra como existe uma grande variação entre as doações médias dos candidatos. Enquanto Carmen Migueles, Cyro Garcia, Jandira Feghali e Marcelo Freixo possuem doações médias que são inferiores ou se aproximam da média geral, outros candidatos como Alessandro Molon, Marcelo Crivella, Flávio Bolsonaro, Índio da Costa, Carlos Osório e Pedro Paulo possuem médias muito superiores à geral.

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É importante, no entanto, fazer uma ressalva em função de certos candidatos muito dependentes do fundo partidário. Alguns deles receberam recursos quase que unicamente de seus próprios partidos, o que significam poucas doações com muitos recursos, mas sem influência de empresas.

Esse é o caso de Marcelo Crivella, que recebeu 97% do seu valor arrecadado do seu partido (PRB) e de Flávio Bolsonaro, que das 12 doações recebidas apenas uma não veio do seu partido (míseros R$ 11,63 doados pelo Pastor Everaldo Dias Pereira, ex-candidato presidencial do Partido). Ambos são os dois candidatos com as doações mais concentradas.

Outros candidatos com grande concentração também possuem muitas doações feitas pelos partidos que os apoiavam, como é o caso de Alessandro Molon, Índio da Costa e Pedro Paulo. Todos com o seu respectivo partido como o principal doador de campanha.

Um caso interessante é o do candidato Osório, onde o maior doador da sua campanha é o próprio candidato, com R$ 405.014,00 doados por ele que correspondem a 27,97% do total de doações. Isso abre margem para um debate futuro sobre os limites do autofinanciamento em campanhas e da necessidade de restrição para evitar que um candidato milionário tenha muito mais capacidade eleitoral que os demais.

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CONCLUSÃO

Percebemos com o presente estudo que o financiamento empresarial traz graves danos para o processo eleitoral ao promover a desigualdade entre as candidaturas e construir uma cultura de captura do poder estatal pelo interesse de empresas privadas. Isso leva a constituição de relações não republicanas entre capital e Estado com as empresas investindo dinheiro em campanhas eleitorais para maximizar seus lucros através de legislação favorável e, no caso das empreiteiras, garantias de contratos com a nova gestão.

A bandeira da Reforma Política é hasteada há muito tempo pelos movimentos sociais e pela sociedade civil organizada, sendo que já foi alvo de intensos debates no congresso. Apesar da crescente pressão social e do imenso descrédito com a política atual os congressistas se recusam a alterar as regras do jogo pelo qual os mesmos foram eleitos.

Nesse sentido, a propositura de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade pela OAB representa a aglutinação de demandas nutridas no seio da sociedade brasileira com respaldo nas diretrizes da Constituição Federal de 1988. A atuação da OAB e o seu respaldo institucional demonstram como a abertura da interpretação constitucional para atores da sociedade civil contribui para uma sociedade mais democrática.

É fundamental pensar a constituição como uma carta que deve ser interpretada não apenas pelos juízes e os donos do poder estatal, mas que deve estar permeada no seu processo de interpretação também para o questionamento de cidadãos e cidadãs em busca da materialização dos seus direitos e diretrizes.

A ADI 4650 possibilitou o questionamento das estruturas de financiamento eleitoral existente em face da constituição e o STF agiu de forma a destravar um debate nitidamente travado por maiorias congressuais que, em defesa do seu próprio interesse, mantinham um sistema profundamente danoso à democracia.

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O financiamento de empresas para campanhas eleitorais é inconstitucional por romper com os princípios democráticos, já que as empresas não são sujeitos políticos, igualitário, pois geram desigualdade na intervenção política entre os cidadãos e republicano, pela criação de relações de captura dos bens e ações públicos para o lucro e interesse de agentes privados.

Após a decisão do STF de proibir o financiamento empresarial de campanhas é possível notar, ao menos nas eleições à prefeitura do Rio de Janeiro, uma relação correlata de redução do montante total dos recursos, menor desigualdade entre os candidatos e maior peso de pequenas doações individuais nas campanhas.

Uma tendência importante a ser analisada é o aumento de importância do fundo partidário com as limitações às doações empresariais já que muitos candidatos foram quase que inteiramente financiados pelos recursos dos seus próprios partidos. Uma análise das eleições futuras é essencial para confirmar essa tendência e se isso se mostrar confirmado deve ser saudado como um avanço, já que significa uma menor intervenção do capital nas eleições, mas também um novo desafio, pois a divisão dos recursos do fundo partidário ainda é desigual entre os partidos e não necessariamente é dividida igualmente entre os candidatos de cada partido, criando desigualdades internas entre candidatos do mesmo partido a depender da influência deles na direção partidária.

É importante também salientar que no período entre a finalização da ADI 4650 e as eleições de 2016 foi sancionada a Lei 13.165/2015, a Operação Lava-Jato entrou em ápice e o país adentrou em um grave processo de crise econômica. Esses processos também podem ter contribuído para o quadro apresentado nas eleições municipais.

Devido a isso, maiores investigações sobre o tema são necessárias para observar uma relação direta de causalidade. Os dados de outras cidades precisam ser analisados e seria importante também observar as eleições para os cargos do legislativo. É importante observar

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também como essas novas regras vão interferir nas eleições gerais de 2018 tendo em vista que uma campanha para presidente, governador, senador ou deputado possui grandes diferenças em relação a uma campanha municipal.

Cumpre ressaltar que, apesar dos avanços apontados pela análise dos dados, os gastos eleitorais continuam muito altos e as relações de doação por pessoa física continuam desiguais, uma vez que os empresários continuam doando vastas somas e contribuindo decisivamente para que certos candidatos tenham um maior volume de recursos que os outros.

Como solução, devemos pensar em garantir que o direito à igualdade política seja cumprido através da mudança do atual sistema de doações que estipula um percentual para um sistema que estipule um montante fixo, igual para todos independente de distinção econômica. Outro remédio seria a proibição do financiamento privado de campanhas como um todo e a garantia de recursos estatais de forma equânime para todos os partidos, assim como é feito em relação ao tempo de televisão.

Outro problema central a ser resolvido é a questão do “caixa dois”, recursos não declarados que são utilizados sem passar pelo caixa da campanha. A investigação mais profunda sobre o tema implica em constatar se com a decisão do STF houve aumento, manutenção ou diminuição da prática.

Independentemente disso, é importante colocar que as decisões sobre como funciona o nosso sistema eleitoral não devem ser baseadas em presságios de aumento dessa contravenção. É fundamental tratar o “caixa dois” não como um fato natural ao sistema eleitoral, mas como um problema a ser combatido com maior rigor por uma justiça eleitoral mais severa e preparada.

Concluo com a observação de que são positivos os avanços recentes em matéria de reforma eleitoral, mas que a luta por mais democracia e um sistema que não seja vulnerável

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aos interesses dos mais ricos e poderosos ainda é vasta. Cumpre aos movimentos sociais, a sociedade civil organizada e a nós, operadores do direito, travar essa constante batalha e construir uma sociedade mais justa.

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