Encontro de Saberes Arquitetônico e Sociológico em Vila do Conde: Das Práticas de Planejamento e Reabilitação do Núcleo Antigo

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Encontro de Saberes Arquitetônico e Sociológico em Vila do Conde: Das Práticas de Planejamento e Reabilitação do Núcleo Antigo António Miguel Lopes de Sousa Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Brasil)

A proposta deste estudo, e que decorreu na elaboração da Dissertação de Mestrado, foi proceder a uma análise dos processos pelos quais se construiu a idéia de “centro histórico”, tendo como referência de análise a interação entre os habitantes e as práticas institucionais de planejamento e gestão urbanística, experimentadas na cidade de Vila do Conde. Face aos problemas sociais e de urbanização registrados em muitas cidades, a partir dos anos 70, pretendeu-se compreender os processos que levaram a eleger a intervenção sobre os lugares históricos, como uma prioridade do planejamento urbanístico, e como se tornou um referencial nos discurso das políticas urbanas e culturais. A tese aqui defendida sustenta que os “centros históricos” constituem um elemento central de um novo discurso do espaço urbano. Enquanto objeto de estudo, constitui um elemento privilegiado para analisar a dialética urbana da permanência e da mudança, e apreender a cidade em sua totalidade. O material de análise, a base empírica, são as vivências que alguns agentes do processo expressaram, em suas motivações, percepções e leituras, para a constituição de uma imagem de cidade. El propósito de este estudio, que tuvo lugar en la preparación de la tesis de maestría, estaba llevando a cabo un examen de los procesos mediante los cuales se construyó la idea de "centro histórico", tiendo como referencia para el análisis la interacción entre los habitantes y las prácticas institucionales de la planificación y gestión urbana, con experiencia en la ciudad de Vila do Conde. Frente a los problemas sociales de la urbanización qui se registra en muchas ciudades, después de los años 70, hemos tratado de entender los procesos que llevaron a elegir La intervención sobre los lugares históricos como una prioridad en la planificación urbana, y cómo se convirtió en una referencia en el discurso de las políticas urbanas y culturales. La tesis defendida aquí afirma que los “centros históricos” son un elemento central de un nuevo discurso del espacio urbano. Como objeto de estudio, es un elemento de elección para el análisis de la dialéctica urbana de la permanencia y del cambio, y apoderarse de la ciudad en su totalidad. El material para el análisis, la base empírica, son las experiencias que algunos agentes del proceso expresión en sus motivaciones, percepciones y lecturas, para formar una imagen de la ciudad. Palavras-chave: patrimônio; reabilitação; cidade. Palabras clave: Patrimonio, rehabilitación, de la ciudad.

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1. DA CONSTITUIÇÃO DE UMA IMAGEM DE CENTRO HISTÓRICO No processo de constituição dos instrumentos operativos de planejamento e gestão urbanística experimentados em Vila do Conde, que se seguiu ao Plano de Urbanização de 1984, ofereciam-se às equipas técnicas e ao executivo político, diversas frentes de atuação para as quais importava configurar abordagens ajustadas e prioridades de intervenção, ainda que agregadas a uma mesma postura metodológica e operativa quanto aos objetivos a alcançar. Se, por um lado, as novas urbanizações revelavam uma evidente ausência de urbanidade, e de desarticulação espacial, num processo que importava reverter, ou no mínimo controlar a sua reprodução indiscriminada; por outro lado tornava-se preocupante, não já a evidente ausência de referenciais no “fazer a cidade”, mas a destruição de valores existentes, de espaços qualificados, de testemunhos de um “saber fazer”, e das vivências que lhe servem de sustentação. Até então, e não apenas em Vila do Conde, o discurso para a cidade e o discurso para o “centro histórico”, situavam-se em distintos campos de análise, de proposta e, por vezes, em antagônicos campos do planejamento urbano. Não era raro, dentro de um mesmo documento de planejamento olhar-se para o “centro histórico” – ou para o patrimônio, se quisermos ser mais abrangentes – e para a restante cidade como se tratassem de duas cidades diversas, analisadas segundo critérios diferenciados e, quantas vezes, claramente assumidas como duas unidades de gestão urbanística distintas, segundo “políticas” (se podemos assim referirmo-nos às práticas correntes de gestão) que, aparentemente, não provinham de um mesmo “programa”. O patrimônio, integrado no conceito de imagem da cidade, é um vetor ativo no seu desenvolvimento, sendo o aspecto da cidade, no que se refere ao centro ou às áreas habitacionais, resultado de uma tarefa em que participa o município no seu conjunto. Daí, que se torne uma circunstância que merece ser verificada, enquanto processo, quando são expressivos os sinais de abandono ao acaso ou jogos de interesses.

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2. O QUE SIGNIFICAM AS PALAVRAS Convém precisar as palavras que se usam ao falar de “políticas para as áreas antigas” das nossas cidades, vilas ou aldeias. Designamos áreas “antigas” e não “históricas” por que o que nos importa é encarar os problemas das zonas já existentes e consolidadas, incluindo as constituídas no século XX e não apenas aquelas partes a que se atribui um valor histórico ou monumental diferenciado. E escrevemos “áreas” e não “centros” por que, em geral, quando se fala em “centro” refere-se apenas à área central onde se concentram o comércio tradicional e edifícios públicos, quando importa tratar, também, de bairros residenciais mais ou menos antigos, de maior ou menor valor arquitetônico, que podem não constituir a área central. As políticas para as áreas antigas também têm tido nomenclaturas diferentes – tão diferentes que se referem, por vezes, a conceitos contraditórios em seus termos: a partir da década de 1950, falava-se de “conservação” e de “restauro” quando se defendia que áreas antigas monumentais deviam ser conservadas e restauradas como eram dantes, impedindo qualquer modernização do seu ambiente. Mas pela mesma época também se falava em “renovação” ou em “renovação urbana” e, sob esse termo cândido, fizeram-se em muitas cidades as maiores devastações de áreas antigas, demolindo-se edifícios que compunham o suporte sócio-espacial do ambiente urbano de reconhecida qualidade espacial, para construir em seu lugar vias, viadutos, estacionamentos e edifícios luxuosos de habitação ou escritórios. Curiosamente, a política do desenvolvimento capitalista conseguiu juntar o útil ao agradável: a “conservação” de algumas áreas monumentais ou mais “típicas”, para o olhar do turista, ao lado das demolições da “renovação”, cuja motivação era a valorização da renda fundiária pelo processo de substituição do antigo “obsoleto” pelo novo “eficiente”. Em outros momentos, ainda, surgiu o lema “conservar renovando” ou “renovar conservando”, onde se defendia uma política de “recuperação” física e de “reutilização” social do edificado existente, que se opõe quer à idéia de que as áreas antigas são museus mortos, para serem apenas visitados e fotografados, quer à noção de campo de recolha de mais-valias sem qualquer proveito para a coletividade. As novas palavras de AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 5, nov 2013

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ordem são, então, “recuperar”, “reabilitar”, “revitalizar” as partes antigas ou existentes da cidade, sujeitas a deteriorização, à mudança de usos e de população. E não é por acaso que, depois das campanhas de defesa do patrimônio, lideradas por organismos internacionais, se lançou a campanha do “renascimento” das cidades como uma unidade não apenas de ambiente físico, mas também social e cultural. O planeamento da sua conservação é uma tarefa municipal devendo o município, se pretende elaborar uma política conscienciosa de desenvolvimento urbano, ter em consideração que a aparência e o impacto do espaço público é um dos factores que motiva a que os cidadãos se sintam atraídos pela sua terra. Ser atractivo é, assim, condição fundamental para uma terra que se queira desenvolver necessitando, para tal, da participação dos seus habitantes estimulados pêra esse desenvolvimento que se pretende.1

3. O QUE SIGNIFICAM AS POLÍTICAS Restaurar ou conservar monumentos não é apanágio de uma “política de esquerda”, mas apenas um dever mínimo de cultura. Essa bandeira foi, aliás, a do Estado Novo que acusou a República de desprezo pelos valores nacionais, de fato votados, e não só em Portugal, a grande abandono. Mas a política cultural “nacionalista” tratou os monumentos de forma cenográfica, “completando-os” ou “limpando-os”, com critérios discutíveis, demolindo quarteirões que os rodeavam, expondo-os num palco de ampla visibilidade urbana e, mais recentemente, iluminando-os com holofotes amarelos que são bem um símbolo de vontade de isolá-los do seu contexto vivo. E, ao mesmo tempo, deixava que a restante “cidade histórica” se desconstruí-se ao sabor das leis de mercado, substituindo-se as construções, alterando-se as atividades, expulsando os residentes e, em muitos casos, afogando os próprios monumentos, que se pretendiam conservar, numa massa de novos e incaracterísticos edifícios.

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PORTAS, Nuno. “Velhos Centros Vida Nova” in Cadernos Municipais. N.6. Lisboa: Fundação Antero de Quental, 1981. AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 5, nov 2013

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Em oposição, os adeptos das “novas políticas urbanas” defendem a “revitalização” das áreas centrais sem as destruir: é a reutilização de edifícios, praças e jardins antigos que perderam o seu uso tradicional (conventos, quartéis, solares, edifícios correntes que foram se esvaziando), e a conservação dos quarteirões com a modernização das casas e dos locais de comércio e artesanato, considerados como um patrimônio que tem, ou pode voltar a ter, um valor econômico (o das construções e instalações) e social (o dos grupos sociais de menor recuso que, na sua maioria, os ocupa), independentemente do valor arquitetônico de cada unidade construtiva no âmbito do conjunto urbano. Considerando essas áreas um recurso patrimonial coletivo e um “capital fixo”, uma política urbana coerente opõe-se ao desperdício indiscriminado, onde o capitalismo urbano “recicla” o que existe antes de esgotado o seu valor de uso. Mas opõe-se à demolição ao mesmo tempo em que valoriza, reforma, apóia a melhoria dessas áreas pela iniciativa provada ou pública. Importa explicitar o que as “novas políticas urbanas” entendem por valor de patrimônio. O valor de uma área antiga não é apenas o dos edifícios: é um valor de localização ou de “centralidade” para os que lá trabalham, residem ou podem vir a morar; é o valor da infra-estrutura instalada, mesmo se, em alguns casos, carente de reforma; é o valor acumulado de investimentos de milhares de cidadãos, proprietários ou não, em casas, lojas ou oficinas. Entendia-se, assim, que uma política de “salvaguarda” do patrimônio urbano deveria começar por dar consciência aos cidadãos que habitam e trabalham nos quarteirões antigos de que não estão condenados ao abandono – nem ao abandono das condições ambientais necessárias à qualificação das vivências, nem ao abandono do lugar, a que ficariam sujeitos se as instituições competentes não o evitarem. Assim, as políticas concretas deveriam ter em conta que essas áreas dos aglomerados são espaços de conflitos de interesses que, se forem deixados a si mesmos, acabarão por minar os mecanismos da vida urbana, agonizando os seus processos e dinâmicas. Estruturar uma cidade sem nos alhearmos da totalidade dos problemas começa pelo criar de condições para os seus habitantes de modo a não se sentirem obrigados a abandoná-la para os grandes centros do país ou do estrangeiro. Implica, sobretudo, satisfazer as necessidades AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 5, nov 2013

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básicas dos habitantes no meio urbano em que vivem se aí quiserem permanecer. Antes de receitar Diagnosticar a doença E entender o que a provoca. Falámos anteriormente em conservação do patrimônio. Convém assinalar que a conservação não significa “congelamento” mas sim a defesa de estruturas, áreas ou até “cidades monumento” (como, por exemplo, os núcleos antigos da Guarda, Óbidos, Castelo de Vide, Guimarães ou Évora) que o mereçam. Num sentido global, a reabilitação de cidades consiste na renovação contínua das estruturas existentes, na construção “passo a passo” e no desenvolvimento das suas próprias potencialidades encontrando em cada caso a solução 2 mais adequada e não uma solução genérica preconcebida.

4. AS CONTRADIÇÕES TÍPICAS DAS ÁREAS EXISTENTES Os bairros antigos abrigam importante conjunto das atividades produtivas das cidades que se pretende qualificar – comércio, escritórios, oficinas -, e que dependem da acessibilidade de pessoas e veículos. Mas essa acessibilidade torna-se cada vez mais difícil à medida que o tráfego de automóveis particulares se torna em meio de transporte privilegiado para a maioria dos habitantes da cidade e dos seus visitantes, constrangendo os percursos dos pedestres, dada a incapacidade de o tecido urbano absorver essa transformação dos modos de deslocamento. Como conseqüência, as áreas centrais tendem a esvaziar-se, arrastando a decadência do ambiente urbano, uma vez que o comércio vê condicionado os fornecimentos e dificultado o acesso dos seus clientes (e tende a mudar-se para espaços próximos mais descongestionados), os escritórios perdem espaços de estacionamento e as populações residentes assistem à continua perturbação de seus tradicionais modos de uso da cidade. Num outro sentido, medidas drásticas de condicionamento à circulação de veículos – vias reservadas, espaços exclusivos para pedestres ou horários específicos para a distribuição de mercadorias - tendem a idênticas conseqüências de esvaziamento dos bairros antigos, uma vez que as atividades produtivas vêm limitado o acesso de alguns dos seus potenciais clientes, regulado o sistema de fornecimento, e, por isso, tendem, igualmente, 2

Idem.

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a deslocar-se par outros locais, retirando às áreas centrais da cidade as dinâmicas necessárias à sua sobrevivência. A regulação das actividades é a chave da revitalização dos bairros existentes: se são de mais, arruínam-nas pelo congestionamento, se são de menos, tornam-se em dormitórios de idosos com restaurantes para turistas. E de pouco serve salvar as pedras se perdermos as pessoas.3

Os bairros antigos abrigam, em geral, grande parte do parque habitacional e, nas cidades maiores, o regime de inquilinato das camadas sociais de menores recursos e de maior idade. A recuperação desse parque (ou reserva logística), adequando-o às novas condições de vida e para novos grupos de residentes, depara-se com a circunstância da maioria da propriedade ser privada e a legislação dificultar, na prática, o controle da sua utilidade social. Esse cenário leva as entidades tutelares, Estado e municípios, a “evitarem” atuar nesses bairros, remetendo-se ao papel de autorizar, automaticamente, novos edifícios, alterações de estabelecimentos e funções, aumento de número de pisos, dirigindo os seus recursos para novos espaços de urbanização. Observe-se a contradição de interesses: os proprietários das casas de aluguer, pretendem “atualizar” o rendimento gastando o mínimo na sua conservação, ou fazendo aumentar o valor do aluguer (o que em muitos casos é incomportável para a condição econômica dos moradores e desajustado às condições do imóvel), ou ainda, e que se tornou recorrente, deixar cair o edifício, vendendo o terreno a coberto do sistema especulativo que busca na construção do novo imóvel a seu lucro; do outro lado, os moradores-inquilinos, querem pagar o menos possível, reivindicando dos proprietários ou da Câmara Municipal a realização de reformas, mas ao mesmo tempo aceitando, como fatalidade, a saída de seus filhos para os novos bairros. Uma contradição que, não enfrentada, tem conduzido a uma continua depreciação dos mecanismos de aluguer, como fuga aos conflitos, e que tem sido superada por um crescente processo de aquisição de casa própria em novas urbanizações, no qual o crédito bancário tem oferecido estímulos “irrecusáveis”. Daí, que na perspectiva de uma “política urbana” coerente se veja como prioritário a 3

Idem.

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moderação dos processos de expansão urbana, aguardando que as próprias dinâmicas de mercado consigam consolidar os tecidos urbanos existentes, por forma a evitar a abertura de frentes dispersas que concorrem no uso dos recursos públicos para a sua infra-estruturação e desmobilizam os processos de “reutilização” dos bairros existentes. Contudo, para ter uma cidade que os habitantes nela se sintam bem, é necessário não só conservar as estruturas existentes mas, também, apontar para perspectivas novas tendo em consideração que um município histórico não é um museu e que essa inovação de estruturas é a resposta à evolução própria de uma determinada cidade ou região. Assim, a urbanização consciente de uma cidade tem diretamente a ver com uma visão cultural de modo a conseguir a harmonia do indivíduo com a liberdade dos outros. Aplica-se, assim, na prática a tentativa de fazer com que o cidadão participe activamente na vida da sua ‘terra’.4

Uma outra face da oposição entre partes novas e velhas dos aglomerados urbanos, refere-se ao abismo que se vem instalando entre o ambiente e a forma de umas e outras. Resulta, em primeira análise, da falta de consenso, entre os próprios operadores do planejamento, sobre os valores, o modo e estilos de vida, que as novas urbanizações devem exprimir, sendo difícil que, a curto prazo, os eleitos políticos locais possam definir orientações numa matéria em que os “especialistas” técnicos se têm arrogado uma competência e uma exclusiva autonomia de configuração das “soluções”, e que, com freqüência, se pretendem situar acima das críticas dos utentes e seus representantes. As novas urbanizações têm vindo a constituir-se como uma espécie de negativo das antigas: não existem mais ruas, nem praças, nem pátios, nem quintais - proliferam “espaços livres” ou “verdes”, que, no tempo, se tornam espaços “vagos” e “amarelos”; não existe continuidade das construções – institui-se a sementeira arbitrária de “blocos” separados por espaços intersticiais, que não se articulam nem geram ambientes de usufruto; não existe a integração de equipamentos no continuo construtivo – cada equipamento ou serviço situa-se em edifício isolado, com sua cerca, distanciando-se dos utentes e desarticulando-se das vivências.

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Idem.

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Nesse sentido, a “nova política urbana” propõe um esforço conjunto de técnicos, responsáveis políticos e cidadãos interessados para se encontrarem formas de as novas urbanizações estabelecerem continuidade com os aglomerados antigos, que prolonguem as ruas e as praças, que não alterem desnecessariamente o perfil das cidades existentes. Há que acabar, pela discussão do problemas reais, com a ideia generalizada e mortífera para as nossas terras de que, fora de portas, ‘vale tudo e mesmo tirar olhos’! Que há que ter cuidados e respeito pelas preexistências dentro dos bairros antigos e que fora se pode dar largas à imaginação e ao gosto de cada um. E que a imaginação não se mede pela arbitrariedade dos feitios caprichosos dos edifícios ou dos arruamentos e porque sempre houve uma disciplina geral, uma ordem, em que se encaixavam as legítimas fantasias de cada promotor ou habitante. A enganadora novidade destas zonas não é mais do que o resultado da confusão de interesses que têm comandado a expansão urbana.5

Essa confusão ou oposição de interesses e de “gostos” individuais levanta, ainda, a questão de compatibilizar uma ordem estética ou ambiental geral, coletiva, e os múltiplos gostos individuais. Aparentemente, a possibilidade de um “consenso” estaria na batalha do gosto, ou seja, na batalha cultural, que levassem todos a conhecer e entender melhor os valores tradicionais dos seus lugares e, também, os da sua época. Se não se der essa batalha em várias frentes, por forma a obter uma adesão generalizada, a política de recuperação e valorização do patrimônio está condenada a um fracasso. É um preço da democracia que os ditadores esclarecidos de outras épocas se poupavam – mas vale a pena pagá-lo. A conquista de um consenso alargado sobre o que se deve ou não impor como regras mínimas aos indivíduos que, em cada terra, constroem uma casa, modernizam uma loja, usam a publicidade, propõem um loteamento etc., é, portanto, um objetivo central da acção municipal, que acompanhará o cuidado a pôr nos planos e projetos (em que a câmara terá a legitimidade de dizer aos autores qual a sua política em relação aos valores do patrimônio colectivo) e a persistência na actuação pedagógica junto de cada cidadão que pretenda alterar ou construir.6

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Assim, a constituição da imagem do “centro histórico” em Vila do Conde - ou a do seu “núcleo antigo”, se quisermos utilizar a denominação atribuída, ou o conceito trabalhado, no âmbito dos processos de planejamento -, forma-se a partir da configuração metodológica para a imagem da cidade como uma entidade à qual se pretende conferir uma unidade sócio-espacial perceptível e na qual todos reconheçam processos, formas ou representações próprias ao lugar que usam e habitam. Não de tratava, aparentemente, da formatação de uma imagem a partir de estereótipos formais ou de modelos burocratizados de planejamento e de intervenção sobre a cidade. O “núcleo antigo” não se constituiu, nessa “nova política urbana” como um espaço residual, destacável, mas como efetivo dinamizador na qualificação da imagem e usos da cidade, reconhecendo-se nele atributos de urbanidade, de vivência coletiva e de espaço público que poderiam formar um referencial para a configuração dos novos processos de urbanização.

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