Ensaio: A fortuna crítica do romance Helena, de Machado de Assis nos séculos XIX, XX e XXI

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CENTRO UNIVERSITÁRIO PADRE ANCHIETA

CURSO DE LETRAS

VANESSA APARECIDA MONTEIRO











ENSAIO









A FORTUNA CRÍTICA DO ROMANCE HELENA, DE MACHADO DE ASSIS NOS SÉCULOS XIX,
XX E XXI



















Jundiaí-SP

2014

VANESSA APARECIDA MONTEIRO





















A FORTUNA CRÍTICA DO ROMANCE HELENA, DE MACHADO DE ASSIS NOS SÉCULOS XIX,
XX E XXI



Ensaio apresentado à banca examinadora da
Licenciatura Plena em Letras do Centro
Universitário Padre Anchieta, como
exigência parcial para obtenção do grau
de licenciado em Letras, sob a orientação
da Profa. Ms. Rutzkaya Queiroz dos Reis.

















Jundiaí-SP

2014



SUMÁRIO





1. ENSAIO

2. REFERÊNCIAS







































































































































Estabelecei a crítica, mas a crítica fecunda, e não a
estéril, que nos aborrece e nos mata, que não reflete nem
discute, que abate por capricho ou levanta por vaidade;
estabelecei a crítica pensadora, sincera, perseverante,
elevada, — será esse o meio de reerguer os ânimos,
promover os estímulos, guiar os estreantes, corrigir os
talentos feitos; condenai o ódio, a camaradagem e a
indiferença. (ASSIS, 1865, p.1).

Lançado à fortuna em 1876, primeiramente em folhetim pelo jornal O
Globo, Helena, romance de Machado de Assis, tem percorrido caminhos de
leitura diferentes nos três séculos que se passaram desde então. Foi bem
recebido nos novecentos, o que não se repetiu no século seguinte, que leu o
romance de Machado de Assis como um melodrama incompleto. Tampouco o fez o
século atual, que tenta classificar o romance entre os "nem tão bons assim"
de Machado de Assis.

Apesar de Helena não estar entre os romances machadianos de maior
preferência da fortuna crítica e estudiosos, o levantamento do que se
escreveu sobre o romance prova que não foi de todo ignorado. O período de
maior quantidade de publicações foi o contemporâneo ao lançamento da obra
em folhetim. Muitos jornais da época se manifestaram sobre o então mais
novo romance de Machado de Assis afirmando-o ser superior ao primeiro e ao
anterior, A mão e a luva.[1] A revista Ilustração Brasileira afirmava que
entre os bons livros vindos à luz nos últimos tempos, Helena ocupava o
primeiro lugar e era motivo de júbilo para as letras pátrias. Segundo a
revista, "Helena, o terceiro romance de Machado de Assis, é muito superior
ao primeiro".[2] O autor da nota publicada na seção "noticiário" escreve
também:

Imagine-se um estudo psicológico do melhor quilate, uma
delicadíssima análise do coração humano, sem toques
realistas e ao mesmo tempo sem sutilezas fora da verdade;
imagine-se uma série de episódios que promovem a
curiosidade sem, entretanto, um único lance da escola
inverossímil e das surpresas melodramáticas; imagine-se o
mais espirituoso de todos os diálogos e as mais sentidas
de todas as cenas apaixonadas, tudo isso em brilhante,
colorido, cristalino estilo, e ter-se-á ideia do que seja
o novo livro que nós dá o poderoso e fecundo engenho a
quem já devemos tantas páginas de boa poesia e de
excelente prosa. (Ilustração Brasileira, Rio de Janeiro,
15 de Outubro, p. 127.).

No jornal A Reforma, Joaquim Serra inicia o rodapé intitulado
"Folhetim – a propósito de romances" fazendo considerações sobre O Cego de
Landim, de Camilo Castelo Branco para em seguida afirmar que:

O Sr. Camillo Castello Branco não somente acredita que a
literatura brasileira tem por elementos um pateo de
bichos, como acha que o nosso primeiro romancista, o Sr.
Alencar, não faz senão derreter cenas cheias de
moquenquices, e mimices de sotaque, e mais outras
galanterias enunciadas pitorescas. (A Reforma, Rio de
Janeiro, 19 de Outubro, p. 1).

Mais a frente, Joaquim Serra escreve ao referir-se a Helena: "um
romance brasileiro, sem saguis nem papagaios, produto de um talento
brilhante, de uma imaginação robusta (...) o romance a que me refiro é
Helena do ilustre fluminense o Sr. Machado de Assis". (A Reforma, Rio de
Janeiro, 19 de Outubro, p.2). Segue-se o trecho em que o autor discorre
sobre a excelência do romance em questão:

Leia o Sr. Camilo Castelo Branco a obra do jovem escritor,
e diga se realmente estamos aqui tão atrasados, que seja
necessário vir de tão longe o doutrinamento.

Helena é um trabalho que pode competir com os mais
acabados no gênero.

Já antes nos havia dado o Sr. Machado de Assis um outro
romance, que, pela finura de observações, desenho dos
caracteres, estudo psicológico, e amenidade dos episódios,
anunciava a posição eminente que teria de ocupar entre os
romancistas nacionais o vigoroso autor de Ressureição.

Helena, que se lhe seguiu, é um grande progresso.

Estudo sério do coração humano, urdidura simples, mas
vibrante de interesse, situações novas e habilmente
desenlaçadas, linguagem poética e nervosa, sobriedade
artística, e mil outras particularidades atestam que o Sr.
Machado de Assis pode sem receio deixar que o seu romance
seja confrontado com os melhores que nos chegam de
Portugal, e que são aqui lidos com tanta sofreguidão
quanto é o desdém com que lá acolhem as nossas mais bem
acabadas composições. (A Reforma, Rio de Janeiro, 19 de
Outubro, p.2).

Na revista Imprensa Industrial, Félix Ferreira escreve na seção
bibliografia que Helena é mais um "mimoso romance" de Machado de Assis e
afirma que o trabalho deste sai sempre "acabado, polido, aprimorado na
forma e meditado no assunto". A mesma questão apresentada no jornal A
reforma também aparece na publicação da Imprensa Industrial: a crítica de
Camilo Castelo Branco aos romances brasileiros de linguagem forçada. Sobre
tal assunto, o autor da seção escreve sobre Helena: "O livro do sr. Machado
de Assis é um protesto contra o atraso que nos imputam aqueles que mais por
especulação do que em consciência atribuem a nós, fabricando moeda falsa
literária para circular entre nós". (Imprensa Industrial, Rio de Janeiro,
25 de Outubro, p. 487).

As leituras do século XIX tiveram algo em comum: a maioria delas
comparava Helena a romances portugueses, escritos por Camilo Castelo
Branco, como O cego de Landim e também a escritos de José de Alencar, que
segundo o escritor português eram "romances com mimices de sotaque"
(GUIMARÃES, 2012, p. 294), e considerados fracos se comparados à língua de
Camões em Os Lusíadas. O tratamento da linguagem nas publicações de José de
Alencar era criticado por Camilo Castelo Branco, e Helena foi oferecido
como contraexemplo. O romance seria tecido por uma linguagem que não
procura imitar a língua portuguesa no Brasil por suas particularidades em
relação à língua portuguesa de Portugal ou imitar os cenários considerados
brasileiríssimos, por isso, um excelente exemplo de composição de uma
literatura brasileira que não precisa apoiar-se no que o Brasil tem de
diferente para constituir-se como literatura brasileira. O próprio Machado
de Assis se propõe como crítico e também formula questões da língua e do
que seria romance brasileiro em ensaios. Em seu Notícia da atual literatura
brasileira – Instinto de nacionalidade, publicado em 1873 pela revista O
novo mundo, o autor de Helena escreve: "Um poeta não é nacional só porque
insere nos seus versos muitos nomes de flores ou aves do país, o que pode
dar uma nacionalidade de vocabulário e nada mais". (ASSIS, 1873, p. 7). O
ensaio é dividido em quatro partes, a saber: o romance; a poesia; o teatro
e a língua. Machado de Assis encerra trazendo a questão da língua, pois
considera a parte mais importante da literatura brasileira à época em que
foi escrito o ensaio e a que mais necessitava de pensamento sobre. Proposta
que vemos não por acaso já na advertência de Helena: "Esta nova edição sai
com várias emendas de linguagem e outras, que não alteram a feição do
livro". (ASSIS, 1876, p. 18).

Se a linguagem de Helena, amplamente elogiada pelos leitores do século
XIX foi uma das razões pelas quais os contemporâneos à obra a propuseram
excelente, por que o mesmo não aconteceria no século seguinte? No início do
século XX, quando despontava alguma tendência em ler publicações de Machado
de Assis por meio da comparação entre suas obras, o autor escreve a
advertência para a segunda edição de Helena, publicada em 1905, na qual
afirmava:

Esta nova edição de Helena sai com várias emendas de
linguagem e outras, que não alteram a feição do livro. Ele
é o mesmo da data que o compus e imprimi, diverso do que o
tempo me foi depois, correspondendo assim ao capítulo da
história do meu espírito, naquele ano de 1876.

Não me culpeis pelo que lhe achardes romanesco. Dos que
então fiz, este me era particularmente prezado. Agora
mesmo, que há tanto me fui a outras e diferentes páginas,
ouço um eco remoto ao ler estas, eco de mocidade e fé
ingênua. É claro que, em nenhum caso, lhes tiraria a
feição passada; cada obra pertence ao seu tempo. (ASSIS,
1995, p.18).

As leituras realizadas após 1905 parecem não levar em conta o que
Machado de Assis escreve em sua advertência: "cada obra pertence ao seu
tempo". Uma vez que persiste a tentativa da crítica especializada do século
XX em dividir a obra machadiana em duas fases a comparar os romances em
busca de semelhanças e diferenças, como podemos ver em vários trechos da
fortuna crítica: "De fato, em muitos aspectos Helena prenuncia a obra
posterior de Machado". (GUIMARÃES, 2012, p. 143); "Helena é frequentemente
tratado como súmula dos defeitos da primeira fase do romancista". (Idem).
Alfredo Pujol também compra a ideia da divisão: "o mais belo e mais
perfeito dos romances de Machado de Assis em sua primeira fase". (PUJOL,
1934, p. 79). Portanto, podemos pensar que a não leitura da advertência
proposta por Machado de Assis teve grande importância para como a crítica
do século XX leria o romance. Helena foi comumente lida como uma obra falha
e diferente da leitura comparativa entre romances de autoria distintas
feita pelo século XIX, foi lida como inferior às demais publicações de
Machado de Assis, dado que, como afirmam os estudiosos, se propunha como
melodrama.

Alguns elementos encontrados por aqueles que defendem o romance como
um melodrama são: "[...] heroína órfã submetida à arbitrariedade e
crueldade de figuras paternas e convulsionada por crises sucessivas que
envolvem separação e perda, identidades trocadas, sedução, abandono,
extorsão, suicídio, vingança, ciúme [...]." (LANDY, 1991, p.14 apud
GUIMARÃES, 2012, p. 137). Por meio deles, como afirmam os críticos, pode-se
entender que se trata de um melodrama incompleto, pois cria as expectativas
desse gênero e não as atende até o fim da narrativa, os elementos que dão o
tom melodramático à Helena funcionam apenas parcialmente. A heroína que se
supunha órfã na verdade tinha um pai bem perto dela, D. Úrsula, figura
familiar que no início da narrativa dá a entender que não receberá a
protagonista de braços abertos, acaba cedendo e tornando-se uma grande
amiga da heroína que dá título ao romance. Lúcia Miguel Pereira, uma das
mais conhecidas estudiosas de Machado de Assis e a primeira a se propor a
escrita de uma biografia do autor no século XX, parece concordar com a
ideia do melodrama em Helena. Escreve em seu Machado de Assis (Estudo
crítico e biográfico) que o autor "lançou mão de um subterfúgio que
condenou tantas vezes: deixou que os incidentes dominassem as situações
psicológicas". (PEREIRA, 1949, p. 120). Agripino Grieco em seu Machado de
Assis afirma que se encontra no romance "complicações algo melodramáticas,
de roman-feuilleton" (GRIECO, 1959, p. 28-30). Helena foi lido como um
melodrama dentro e fora do Brasil. Helen Caldwell, crítica, escritora e
professora norte-americana escreveu sobre o romance: "a story that was only
an exciting series of events with no implications beyond themselves – in
short, a melodrama". (CALWELL, 1960, p. 58).

É um tanto curioso pensarmos que a fortuna crítica do século XX, que
tanto comparava a obra machadiana em busca de classificações, não
escrevesse sobre e a quebra de expectativa do leitor provocada pela
interrupção do tom melodramático na narrativa. A não confirmação da
expectativa criada pelo texto era um recurso amplamente explorado pelo
autor e constantemente elogiado em outras publicações, como Memórias
Póstumas de Brás Cubas, por exemplo. Se tal percurso de leitura
(comparativa) foi realizado constantemente no século XX para afirmar que
Helena é uma publicação inferior às que viriam, por que o elemento de
quebra de expectativa não foi considerado "tão bom quanto" em Helena?

O percurso de leitura do atual século busca outros caminhos além das
proposições já realizadas nos séculos passados. Hélio de Seixas Guimarães,
em seu Os leitores de Machado de Assis, publicado em 2001, afirma que
"Helena é a mais sentimental e melodramática obra de Machado de Assis"
(GUIMARÃES, 2012, p. 145). E mais adiante: "A composição falha de Helena,
evocada com frequência pela crítica, atesta a inviabilidade de aplicação de
procedimentos das narrativas populares europeias ao romance brasileiro, que
parece ser um dos objetivos do autor nesse livro". (Idem, p. 147). E ainda:
"em Helena os esquemas do melodrama não se completam". (Ibidem, p. 135.).
Mas nem só de leituras que afirmam que o romance é falho vive Helena no
século XXI. Há também a parte da crítica que encontra boas questões no
romance. Pedroso (2013), em "Helena no folhetim: peripécias do narrador
Machadiano" escreve que embora os críticos se dediquem ao estudo do
narrador a partir de Memórias Póstumas de Brás Cubas, em Helena também se
percebe a construção de um narrador astuto e onisciente, que em aparições
intrigantes denuncia seu caráter, envolve o leitor e manipula a forma de
ajustar a narrativa a um modo de vida e pensamento. Pedroso também lança
mão da leitura por comparações, mas diferentemente dos demais estudiosos,
consegue ler na tessitura de Helena um elemento frequentemente exaltado
pela crítica de Machado de Assis em outras publicações: o narrador. No
artigo "Machado de Assis: um romancista no espaço biográfico" publicado
pela revista on-line Machado de Assis em linha, André Luis Mitidieri afirma
que:

O ficcionista estabelece intertextualidade com a mitologia
grega, desdobrada nos dramas em torno a Édipo, Electra,
Ifigênia e Orestes. Também ordena seu mundo ficcional na
órbita da protagonista cujo nome o intitula, um recurso
próprio das espécies biográficas ou da biografia enquanto
gênero. (Machado de Assis em linha ano 3, número 6,
dezembro 2010).





O século XXI lê Helena de maneiras diversas, algumas leituras seguem a
proposta do romance como melodrama, outras realizam comparações com as
outras publicações de Machado e ainda algumas encontram referências da
mitologia grega. Os três séculos tiveram semelhanças na leitura: todos
buscaram comparações com outras obras, o século XIX o fez com romances de
Camilo Castelo Branco e José de Alencar, e os séculos seguintes com a
própria obra machadiana. Há também a tendência em oferecê-lo como bom
exemplo de romance brasileiro (século XIX). Os trabalhos acima referidos
foram produzidos em diferentes momentos da crítica literária brasileira. O
primeiro deles quando o Brasil passava pela tentativa de criar um projeto
literário que abarcasse o país inteiro, por isso os jornais contemporâneos
ao primeiro lançamento de Helena invocam com insistência a figura José de
Alencar, autor que participou do projeto de literatura brasileira que
narraria a cor local e compara os escritos de Machado de Assis aos dele. O
segundo momento implicava um Brasil já acostumado a classificar obras. Um
exemplo é a publicação de História Concisa da Literatura Brasileira, de
Alfredo Bosi, em 1970, que trata de dividir os chamados períodos da
literatura e classificar as obras literárias neles. Talvez porque esse tipo
de leitura da literatura seja tão comum desde então, a maioria das
proposições acerca de Helena têm sido realizadas em busca de uma
classificação. Compostos por diferentes percursos de leitura e em
diferentes épocas, o que proporiam os textos da fortuna crítica? Há nas
tessituras dos críticos alguma proposta além de classificar Helena?

Durante os três séculos Helena foi lido como um romance. A própria
postura da fortuna crítica ao lê-lo e afirmá-lo como tal nos permite
formular o que seria então o romance. Pensemos em sua possível origem: a
língua que sucedeu o latim vulgar romanice loqui e, portanto, está à deriva
do latim formal loque latine. Não parte do que seria a língua maior,
considerada a padrão, mas sim de uma derivação dela. Poderíamos, a partir
disto, pensar o romance como aquele que trata justamente do que está à
deriva da ação, ao contrário da épica que se concentra e é tecida por meio
de um único fio, a ação única, o romance se concentra no que está à deriva,
tece sua ação por meio de vários fios. Por isso tantas possibilidades de
leitura propostas pela crítica, o romance é constituído de vários fios que
tecem o todo e em cada fio podemos ler uma questão.

O crítico literário tem para si o romance como matéria de ficção, ao
passo que o poeta tem a natureza, o mundo criado como matéria de ficção.
Partimos de ficção segundo Aristóteles, ou seja, a imitação, a invenção: "A
imitação é realizada segundo esses três aspectos, como dissemos no
princípio, a saber: os meios, os objetos, a maneira." "Duas partes são
consagradas aos meios de imitar; uma, à maneira de imitar; três, aos
objetos da imitação; e é tudo". (ARISTÓTELES, 2013. p. 24). Partindo de tal
proposição de ficção, os textos da fortuna crítica são tentativas de uma
ficção sobre o romance. Mas a questão que prevalece é se a fortuna crítica
consegue ler o romance e escrever uma nova ficção a partir de Helena. O
romance de Machado de Assis é um mito, segundo Aristóteles, tem início,
meio e fim, é perfeito, por isso um todo. Cada todo propõe um nada, as
entrelinhas, o que não foi dito na composição daquele todo, ponto do qual
partimos para a composição de um novo todo. A fortuna crítica, ao propor
leituras de Helena, tenta imitá-la, inventar e tecer um novo todo a partir
do nada proposto pelo narrador.

Contraditoriamente, ao mesmo tempo em que a fortuna crítica em sua
maioria insiste em afirmar que Helena é um melodrama incompleto e fraco, há
uma quantidade considerável de trabalhos acerca do romance que apesar de
ter sido publicado há dois séculos, continua sendo estudado. A grande
parte dos trabalhos compostos acerca de Helena se propõe como ensaios,
gênero tecido de possibilidades de interpretação e discussão de questões
sobre determinado assunto, os que não se propõem como ensaio também
levantam questionamentos e inquietações, uma vez que se tornaram escritos,
novas invenções. Se um romance pode provocar tantas inquietações, questões
e tentativas de reescrita, como pode ser considerado inferior? A própria
escrita da fortuna crítica nos permite pensar que Helena é excelente porque
consegue dar conta do que se propõe a ser: um todo que por ser todo
desperta novos vazios, portanto, novos todos?

Seria a escrita crítica subjetiva? Uma maneira de ler a si mesmo por
meio da ficção de outrem? Ao ler ficção poderíamos encontrar nela o que
somos, aquilo que não somos e a partir de então confirmar ou questionar o
que somos? Por meio das referências encontramos o que somos, o que sabemos,
portanto, o que nos constitui. Logo, encontramos também o que não somos,
aquilo que está ausente em nós mesmos. Ao interpretar um texto, tentamos
trazer o que está ausente, presente, tentamos ser o outro. E o outro
somente é o outro e não você porque é o que lhe falta. Este esforço de
fazer o ausente estar presente seria então o trabalho de leitura da ficção,
de interpretação, o trabalho da fortuna crítica. A advertência de Machado
de Assis à segunda edição de Helena nos permite tais questionamentos se a
pensarmos como crítica dela mesma, pois o autor nos traz questionamentos
acerca do que escreveu, como vemos em: "Esta nova edição de Helena sai com
várias emendas de linguagem e outras...", "Não me culpeis pelo que lhe
achardes romanesco." E mais a frente: "Agora mesmo, que há tanto me fui a
outras e diferentes páginas[...]". Machado de Assis se mostra como leitor
de si mesmo, aquele que lê o que já foi escrito não somente por ele, mas
por todos aqueles a quem leu, pois as leituras que realizamos aparecem no
que escrevemos. Essa leitura de si mesmo seria o trabalho da crítica, o que
o autor de Helena fez, buscou o ausente e o trouxe presente, pois o autor
de Helena em 1876 era diferente do autor de Helena na segunda edição do
romance, como o próprio nos diz também em sua advertência: "[...] diverso
do que o tempo me foi depois, correspondendo assim ao capítulo da história
do meu espírito, naquele ano de 1876".

O romance teve diferentes recepções críticas concentradas em
diferentes séculos. Helena, apesar de ter sido lida pela maior parte de sua
fortuna como uma obra inferior em detrimento da leitura que a propõe como
bom romance, tem provocado inquietações em todos aqueles que escreveram
sobre e parece ser bom o suficiente para provocar diferentes questões: o
século XX discordou do século XIX quanto à sua excelência, portanto, em
alguma medida se ateve à leitura do romance, que como o todo que o é,
provocou os vazios que resultaram nos escritos da fortuna crítica e não
somente dela. Helena dá conta do que propõe como todo com tanta facilidade
que provocou inquietações também naquele que lê a fortuna crítica,
resultando neste ensaio, uma tentativa de escrever um todo em relação aos
outros todos já criados por aqueles que leram o romance. Este ensaio é a
tentativa de alguém que inventa a partir do romance e do que se falou dele,
que propõe uma ficção a partir de outra ficção já proposta. Por fim,
Helena é um romance tão bom que consegue que o reinventem a partir de três
diferentes lugares.











































REFERÊNCIAS

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[1] Ilustração Brasileira, Rio de Janeiro, 15 de Outubro, p. 127. "Boletim
Bibliographico". Transcrição: Os leitores de Machado de Assis: o romance
Machadiano e o público de literatura no século 19. GUIMARÃES, Hélio de
Seixas. 2ed. São Paulo. Nankin: Edusp, 2012. p. 293.
[2] A Reforma, Rio de Janeiro, 19 de Outubro, p. 1. "A propósito de
romances". Transcrição: Os leitores de Machado de Assis: o romance
Machadiano e o público de literatura no século 19. GUIMARÃES, Hélio de
Seixas. 2ed. São Paulo. Nankin: Edusp, 2012, p. 295.
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