ENSINO DE HISTÓRIA NA EPISTEMOLOGIA E NA MORAL DE DAVID HUME (1734-1751)

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FREITAS, Itamar; NASCIMENTO, Victor Wladimir. Ensino de história na epistemologia e na moral de David Hume (1734-1751). In: I Seminário Nacional de História e Contemporaneidades, 2013, Crato. Anais Eletrônicos do I Seminário Nacional de História e Contemporaneidades - As dimensões políticas da história e o futuro do passado. Crato: Universidade Regional do Cariri, 2013.

Resumo Esta comunicação explora as ideias de homem, os modos de formá-lo (educá-lo, sobretudo, nas escolas) e os usos atribuídos ao conhecimento histórico em diferentes momentos da idade moderna. Aqui, anunciamos os resultados parciais do projeto “Os usos da história na formação de pessoas entre os séculos XVI e XXI” que dimensiona aproximações e distanciamentos entre os discursos sobre a vida e as justificativas sobre o papel da história na construção da vida humana nas Américas e na Europa. Tal empreendimento é justificado pela convicção de que o estudo comparado da experiência de filósofos, cientistas sociais e das humanidades, entre os quais se incluem os historiadores, quando efetuado em perspectiva de longa duração, pode revelar algumas incoerências e paradoxos típicos do nosso tempo. Consequentemente, os resultados desses exames podem nos auxiliar a repensar os conceitos e procedimentos empregados na elaboração de currículos escolares, principalmente, no ato de argumentar sobre a permanência da história como disciplina escolar na escolarização básica dos brasileiros do nosso tempo. Para dar cabo à tarefa, examinamos as posições de pensadores que registraram experiências ou prescrições sobre ensino de história em meio às suas reflexões filosóficas, a exemplo das “coisas em si mesmas” (metafísica), as capacidades e possibilidades de conhecer (teoria do conhecimento), as possibilidades de ação moral mediante liberdade e dever (ética), os mecanismos de controle da investigação científica (epistemologia), a natureza do poder e da autoridade (filosofia política) e, por fim, as relações entre permanência e continuidade, igualdade e diferenças (filosofia da história). Neste texto, debruçamo-nos sobre a experiência do filósofo David Hume (1734-1751) e exploramos o seu entendimento sobre o ato de conhecer a vida, a história no concerto das ciências, e o papel do ensino de história na reforma da humanidade. Palavras-chave: Ensino de história, David Hume, moral, epistemologia.

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ENSINO DE HISTÓRIA NA EPISTEMOLOGIA E NA MORAL DE DAVID HUME (1734/1751) Itamar Freitas Victor Nascimento

A filosofia da vida concreta A filosofia de David Hume (1711/1776)1, como o próprio classifica, é a filosofia simples e acessível que se ocupa da representação dos homens concretos. Ela é agradável e útil, isto é: entretém, instrui e corrige a humanidade (Cf. HUME, 2004: 19, 23). As outras filosofias – a metafísica escolástica e a teologia2 – não passam ao largo dessas funções, no entanto são mais limitadas que a filosofia “acadêmica ou cética” professada pelo empirista inglês. Os filósofos abstratos, afirma Hume, carecem de “modéstia” e “cautela”, e desprezam a “dúvida” cartesiana em seus raciocínios. Eles também são indiferentes às imperfeições das faculdades humanas – sobretudo às limitações do entendimento. Suas questões, por isso mesmo, são bastante amplas (Qual a origem dos mundos?) e seus resultados eivados de erros (HUME, 2006: 218-219). Os filósofos “recônditos” concedem primazia ao entendimento em prejuízo das demais faculdades humanas, denunciando, assim, a equivocada compreensão que possuem da natureza humana.

Parece [...] que a natureza estipulou uma espécie mista de vida como a mais adequada aos seres humanos, e secretamente os advertiu a não permitir que nenhuma dessas inclinações se imponha excessivamente, a ponto de incapacitá-los para outras ocupações e entretenimentos. “Satisfaz tua paixão pela ciência”, diz ela, “mas cuida para que essa seja uma ciência humana, com direta relevância para a prática e a vida social (HUME, 2006: 23. Grifos do autor).



Doutor em Educação (PUC-SP), professor da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e membro do Grupo de Pesquisas em Ensino de História (GPEH). E-mail: [email protected].  Especialista em Educação a Distância (SENAC), professor do Programa Nacional de Inclusão de Jovens (PROJOVEM) e membro do Grupo de Pesquisas em Ensino de História (GPEH). E-mail: [email protected]. 1 Filósofo e historiador inglês. Suas principais obras são: A Treatise of Human Nature (1739-1740), Enquiries concerning Human Understanding (1748), Principles of Morals (1751) e Dialogues concerning Natural Religion (1779). Para conhecer a biografia e a bibliografia comentada do autor, acesse a fonte desta nota: MORRIS, William Edward, "David Hume", The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Fall 2011 Edition), Edward N. Zalta (ed.), URL = . 2 Hume refere-se, apenas, à outra filosofia: de “investigações recônditas” (HUME, 2004: 23), “profunda e abstrata” (idem: 26), “exata e abstrusa” (idem, 21).

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Em direção contrária aos filósofos metafísicos, como vemos, Hume concebe o homem como ser racional, sociável e ativo (inclinado aos negócios e ofícios), possuidor de entendimento e sentidos, que atuam de forma equilibrada (Cf. HUME, 2006: 23). O homem “é um ser dotado de razão e está continuamente em busca de uma felicidade que espera alcançar pela satisfação de alguma paixão ou sentimento” (HUME, 2004: 43). Desse modo, se o homem não é, naturalmente, escravo do entendimento, a ação humana (gozo, instrução e correção) não pode ser explicada e orientada pela filosofia dos metafísicos, mas pela filosofia acadêmica ou cética que é a sua filosofia.

Sobre o ato de conhecer a vida A expressão “natureza mista de vida” e as referências ao equilibrado funcionamento das faculdades humanas não devem omitir a prevalência dos sentidos sobre o entendimento defendido por Hume.3 Para ele, a mente [alma?] humana é constituída por vários poderes/faculdades: entendimento, memória, imaginação, paixões (Cf. HUME, 2004: 29, 34). Cada um retrata de determinada forma os objetos da realidade: o entendimento por ideias, a memória por lembranças, a imaginação por previsão e a paixão por emoção. Como desdobramento da ação desses poderes, podemos afirmar (com Hume) que a mente representa de várias maneiras e, ainda, que algumas dessas maneiras são mais “fortes e vivazes” que outras. Tais formas de retratar são hierarquizáveis e servem de base para uma tipologia da percepção mental: as ideias ou pensamentos e as impressões. As ideias ou pensamentos, frutos da faculdade do entendimento, são “percepções menos vívidas”, resultantes da reflexão sobre as impressões: “nossas ideias são apenas cópias de nossas impressões” (HUME, 2004: 97). A ideia de Deus, por exemplo, é cópia do sentimento ilimitado das qualidades de bondade e de sabedoria (Cf. HUME, 2004: 36). As impressões, por sua vez, “percepções mais vívidas” que são, resultam dos atos ou sensações, por exemplo, de ouvir, ver, sentir, amar, odiar, desejar ou do exercício das nossas vontades (Cf. HUME, 2004: 34). Como desdobramento da tipologia de percepções mentais, Hume estabelece os objetos do conhecimento, os tipos de raciocínio/argumentos e, por fim, a classificação das ciências.

Não é gratuito que as Investigações sobre o entendimento humano estejam repletas de afirmações do tipo: “o mais vívido pensamento será sempre inferior à mais obtusa das sensações” e a “única forma pela qual uma ideia pode ter acesso à mente [é] por um efetivo sentimento ou sensação” (idem, 2004: 37. Grifos nossos). 3

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Os objetos de investigação humana são “relações de ideias” (relações entre grandezas e números) e “questões de fato” [relações entre acontecimentos físicos e/ou morais]. Ambos são examinados, respectivamente mediante argumentos demonstrativos e prováveis. Das relações entre ideias se ocupam as ciências matemáticas – vistas como claras, intuitivas, demonstrativas e de fácil apreensão: geometria, álgebra e aritmética (Cf. HUME, 2004: 53, 64-65, 95). As questões de fato são examinadas pelas ciências morais, a exemplo da história, cronologia, geografia, astronomia (ciências dos fatos particulares), e da política, filosofia natural, medicina, e química (ciências dos fatos gerais) (Cf. HUME, 2004: 75n, 221). A prevalência dos sentidos sobre o entendimento é coroada no momento em que Hume detalha o trabalho da mente4. A mente funciona por meio da associação de ideias – associações do tipo semelhança, contiguidade e causação (causa e efeito).5 Causação é a relação mais importante, uma vez que produz sensações mais vívidas acerca do objeto do conhecimento. Ela é obtida mediante analogias e observações habituais da experiência 6 passada e fundamenta-se num princípio fornecido pela natureza humana: “De causas que aparecem como semelhantes, esperamos efeitos semelhantes” (HUME, 2004: 66). Em síntese, o raciocínio típico das questões de fato é extraído da experiência e as conclusões que dele derivam estão fundamentadas na “suposição de que o futuro estará em conformidade com o passado” (HUME, 2004: 65). A supremacia dos sentidos sobre o entendimento, do raciocínio fundado na analogia, observação e experiência sobre o raciocínio a priori e a suposição conservada pelos humanos

“Toda crença relativa a fatos ou à existência efetiva de coisas deriva exclusivamente de algum objeto presente à memória ou aos sentidos de uma conjunção habitual entre esse objeto e algum outro. Ou, em outras palavras, tendo descoberto, em muitos casos, que dois tipos quaisquer de objetos – chama e calor, neve e frio – estiverem sempre associados um ao outro, se a chama ou a neve se apresentarem novamente aos sentidos, a mente é levada pelo hábito a esperar calor ou frio, e a acreditar que tal qualidade está presente e irá revelar-se se examinada de perto. Essa crença é o resultado necessário da colocação da mente em tais circunstâncias. Trata-se de uma operação da alma que, quando estamos nessa situação, é tão inevitável quanto sentir a paixão do amor ao recebermos benefícios, ou a do ódio quando deparamos com injúrias. Todas essas operações são uma espécie de instintos naturais que nenhum raciocínio ou processo do pensamento ou entendimento é capaz de produzir ou de evitar” (idem, 2004: 79. Grifos do autor). 5 Um retrato conduz naturalmente nossos pensamentos para o original [semelhança]; a menção de um cômodo numa habitação leva naturalmente a uma indagação ou observação relativas aos demais [contiguidade]; e, se pensarmos em um ferimento, dificilmente conseguiremos evitar uma reflexão sobre a dor que o acompanha [causa e efeito]”. (idem, 2004: 42). 6 [...] a existência de um ser qualquer só pode ser provada por argumentos que partam de sua causa ou de seu efeito; e argumentos desse tipo fundam-se inteiramente na experiência. Se raciocinarmos a priori, qualquer coisa pode parecer capaz de produzir qualquer coisa. A queda de um seio pode, por tudo que sabemos, extinguir o Sol, ou a vontade de um homem controlar os planetas em suas órbitas. É só a experiência que nos revela a natureza e os limites da relação de causa e efeito, e nos permite inferir a existência de um objeto a partir da existência de outro. Tal é o fundamento do raciocínio moral que compõe boa parte do conhecimento humano e é a fonte de toda a ação e comportamento humanos” (idem, 2004: 221). 4

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de que “o futuro estará em conformidade com o passado” (HUME, 2004: 65), impõem desdobramentos importantes para significação da história como ciência, escrita e especulação.

A história no concerto das ciências

A História, como vimos, é ciência moral [humana] que se ocupa dos fatos particulares. Mas, qual o seu estatuto epistemológico? Ora, sabendo que a mente opera por conexões e que a conexão causa-efeito é a mais forte das três citadas, a ciência da história – cujo produto é apresentado em forma de narrativa – é a prova mais explícita da satisfação e da instrução proporcionadas pelo conhecimento das causas.

[...] o historiador traça a sequência de ações de acordo com sua ordem natural, remonta a suas molas e princípios secretos, e delineia suas mais remotas consequências. Ele escolhe como seu assunto uma certa porção dessa grande cadeia de eventos que compõe a história da humanidade e, em sua narrativa, esforça-se por abordar cada elo dessa cadeia. Algumas vezes, uma inevitável ignorância torna infrutíferos todos os seus esforços; outras vezes, ele supre conjeturalmente o que falta em conhecimento, e está sempre consciente de que quanto mais coesa é a cadeia que apresenta a seu leitor, mais perfeito é o trabalho que o produziu (HUME, 2004: 45).

A escrita da história, portanto, é a representação narrativa de uma parte (pequena cadeia de eventos) da experiência humana (grande cadeia de eventos). A pesquisa histórica pode ser entendida como a busca das relações de causa e efeito que, observadas em quantidade, podem revelar regularidades e, consequentemente, previsões. A ciência da história teria, por isso, um grande compromisso com a descoberta da verdade (clareza e distinção da realidade), uma vez que está fundada, segundo Hume, no “único conhecimento que nos capacita a controlar os eventos e governar o futuro”: o conhecimento das causas. (Cf. HUME, 2004: 45). Fundada na relação causa-efeito, a história é, consequentemente, ciência das probabilidades. Quanto maior a semelhança de causas, maior será a possibilidade de acontecimentos (consequências) semelhantes no futuro; quanto maior a probabilidade de determinado efeito se repetir, mais forte será a expectativa humana para vê-lo repetido, ou seja, mais forte será a crença de que ele efetivamente se realizará (Cf. HUME, 2004: 91-94).

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O princípio de causalidade age em todo o tempo e lugar. Isso significa dizer que a natureza humana é a mesma desde sempre e que a ciência da história pouco teria a revelar, além dos exemplos que comprovam tais regularidades. No entanto, dado que toda ciência tem por finalidade “ensinar-nos como controlar e regular acontecimentos futuros pelas suas causas” (idem: 115) e que a história é uma ciência dos fatos, é equivocado concluir que a história não tem utilidade alguma para o homem. A história explora as ações, expressões e gestos humanos (efeitos) e as explica (causa) (idem: 124). Ela é base para a eleição dos princípios de conduta – para a conformação da moral. Os fatos históricos constituem, dessa forma, o espaço da experiência humana (repositório do acontecido) à disposição do homem do presente onde “o político ou filósofo da moral fixa os princípios de sua ciência” (HUME, 2004: 123). Dizendo de outro modo, é observando esse espaço de experiências que o homem escolhe (uma forma de governo) e produz (uma lei) para evitar que outros acontecimentos desagradáveis (semelhantes no passado) aconteçam novamente. (Cf. 76). Ensino de história e reforma da humanidade

A primazia do sentimento sobre o entendimento também está presente na compreensão sobre a origem e a natureza da moral (beleza interior) e do gosto (beleza exterior). Para Hume, decisões morais e decisões de gosto têm origem na experimentação dos sentimentos de censura ou aprovação, no caso moral, de satisfação ou desagrado, no caso estético. Assim, decisões morais e decisões de gosto são efeitos de ações, expressões e objetos impressos sobre a mente (Cf. HUME, 2004: 374-375): a razão informa sobre o certo e o errado e dos meios para atingi-los, o gosto fornece sentimento de prazer e dor e impulsiona o desejo, e a vontade, estimulada pelo gosto, age virtuosa ou viciosamente. (Cf. HUME, 2004: 377-378). A preocupação de Hume não se diferencia da maioria dos pensadores selecionados para este projeto: a filosofia cética quer “contribuir para a reforma da vida das pessoas e seu aperfeiçoamento na moralidade e nas virtudes sociais [...] seu único propósito é fazer que seus adeptos e toda a humanidade se tornem alegres e felizes em todos os momentos da sua existência” (HUME, 2004: 360). Essa atitude, por sua vez, se apresenta como exemplo de aplicação da própria ideia de moralidade anunciada. Hume entende que a preocupação do ser humano com o prazer e a dor dos seus semelhantes é um princípio da “constituição humana”, facilmente observável pela experiência cotidiana. Desse princípio nasce a convicção de que (1) a moralidade e a beleza estão presentes em tudo (atos, artefatos) que é útil e prazeroso à coletividade (Cf. HUME, 2004: 292n., 298-300) e, ainda, (2) que o princípio humanitário tem “em todos os momentos,

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alguma autoridade sobre nossos sentimentos, fazendo-nos aprovar em geral o que é útil para a sociedade e censurar o que é perigoso e nocivo” (HUME, 2004: 294). A primeira sentença orienta o “catálogo” de virtudes que devem ser cultivadas pelos homens: discrição, cautela, iniciativa, diligência, assiduidade, frugalidade, economia, bom senso e prudência, entre outras, são qualidades úteis a nós mesmos, enquanto a benevolência e a justiça são úteis à sociedade. Da mesma forma, a alegria, coragem, tranquilidade e benevolência são agradáveis a nós mesmos, enquanto o espírito de inventividade, polidez, modéstia e decência e asseio são qualidades agradáveis aos nossos semelhantes. A segunda afirmação aborda a origem da moralidade, a estratégica função dos sentidos e a oportunidade de se cultivar e expandir as qualidades que resultam no bem-estar pessoal e social. Por isso, cumprem as ciências morais um grande papel. Elas informam e sensibilizam as pessoas acerca da felicidade (virtude) e da miséria (vício) humanas (Cf. HUME, 2004: 228229) e estabelecem que um homem de caráter é portador de “qualidades mentais úteis ou agradáveis para a própria pessoa ou para os outros” (HUME, 2004: 347). Qual, então, poderia ser a contribuição da história para a formação de uma sociedade fundada nesses parâmetros? Já vimos que a história é o espaço de experiências onde os legisladores vão buscar as causas e regularidades que alimentarão suas decisões e previsões. No entanto, nas Investigações sobre o entendimento humano e sobre os princípios da moral, Hume não teoriza sobre instrução ou ensino de história, ou seja, não discute os usos sistemáticos da história na formação de pessoas, seja na forma escolar, seja em termos de preceptoria. Nas entrelinhas, porém, alguns raros indícios podem ser colhidos. Em termos gerais, o ensino de história serviria como antídoto ao obscurantismo. O recurso da observação à experiência passada e a instrução poderiam desenvolver nas pessoas uma espécie de senso crítico que frearia a sua propensão para o fantástico, como é o caso dos milagres (HUME, 2004: 124-125, 166). Da mesma forma, agora como educação positiva, a história seria empregada na apresentação de exemplos de caracteres virtuosos (úteis e prazerosos), dado o seu potencial para entreter as pessoas, mobilizando-lhes as faculdades – preenchendo sua imaginação ou despertando paixões, por exemplo. (Cf. HUME, 2004: 290). Em termos específicos, o ensino de história herdaria da ciência da história a tarefa de abastecer a memória com informações (fatos) para que a mente, mediante o instinto natural da

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“crença” pudesse ampliar a capacidade de inferência (e de previsão) sobre a ocorrência dos fatos.7 Na prática, isto é, na ação cotidiana do professor, o abastecimento da memória, o exercício de conexão de ideias (inclusa a causação) e de previsão seriam exercitados mediante algumas atividades, como a apresentação de retratos, a visitação de lugares históricos e a apresentação de artefatos de uso pessoal de determinado personagem (roupas, armas etc.). Esses procedimentos, respectivamente, viabilizariam a conexão de ideias por semelhança, proximidade e causação, reforçando, assim, a crença de que eles existiram (Cf. HUME, 2004: 87) e forneceriam referências para o julgamento de ações futuras e de tomadas de decisão. Evidentemente, como defende Hume, as crianças não tem o poder de discernimento dos adultos, não se podendo esperar, portanto, semelhante desempenho das suas faculdades. No entanto, não seria de todo improdutivo imaginar uma aula de história estruturada em procedimentos que refletem o mecanismo da mente: (1) apresentar objetos aos alunos; (2) criar situações para que as ideias dos objetos sejam excitadas na mente do aluno; (3) aferir se e como o entendimento da criança julga e orienta a vontade a agir (para o bem ou para o mau), ou seja, se e como o aluno consegue “ajustar os meios aos fins”. (Cf. HUME, 2004: 89).

Conclusão

A filosofia de David Hume é a investigação sobre o conhecimento e a moral dos homens ativos e concretos, voltados para os negócios e ciências, que almejam a felicidade mediante a satisfação de paixões ou sentimentos. Ela defende a supremacia dos sentidos sobre o entendimento e explica o ato de conhecer a partir do raciocínio fundado na analogia, contiguidade e, principalmente, causação. A moral, também extraída da experiência cotidiana, funda-se no princípio de que o útil e o prazeroso (para si e para a sociedade) está na base de todas as ações de censura e de provação.

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“A história nos ensina os acontecimentos que tiveram lugar em eras passadas, mas temos então de vascular os volumes nos quais essa informação está contida e, a partir daí, conduzir nossas inferências de um depoimento para outro até chegarmos aos espectadores e testemunhas oculares desses acontecimentos distantes. [...] Toda crença relativa a fatos ou à existência efetiva de coisas deriva exclusivamente de algum objeto presente à memória ou aos sentidos e de uma conjunção habitual entre esse objeto e algum outro” (idem, 2004: 78-79).

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Por esse modelo, a história é ciência apresentada em formato narrativo que busca as relações de causa e efeito na grande cadeia de eventos que se chama vida humana. Seu papel é revelar as regularidades e, consequentemente, fundamentar previsões. Quanto ao ensino, não há discussão pormenorizada. Mas é possível colher algumas informações que apontam funções e sugerem aplicações. Em termos gerais, o ensino de história poderia dotar as pessoas de senso crítico para a propensão humana a acreditar no fantástico. Também instruiria mediante exemplos de caracteres úteis e prazerosos e abasteceria a mente com fatos, ampliando, assim, a capacidade de inferência e de previsão do aprendiz. As hipóteses e os exemplos de Hume sobre o funcionamento da mente – as formas de conexão das ideias (semelhança, contiguidade e causação) – também sugerem uma sequência didática a ser empregada no ensino de história: apresentação de objetos aos alunos; criação de oportunidades para que as ideias sobre os objetos sejam exercitadas na mente; medição do potencial de julgamento e de orientação da vontade para a ação virtuosa desses mesmos alunos.

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Referências

COX, James M. The educational theory of David Hume (1711/1776). Disponível em: < http://www.newfoundations.com/GALLERY/Hume.html#The%20Educational%20Theory%2 0of%20David%20Hume%201711%20-%201776>. Acessado em: 14 jun. 2012. HUME, David. Investigações sobre o entendimento humano e sobre os princípios da moral. São Paulo: Editora da UNESP, 2004. MORRIS, William Edward, "David Hume", The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Fall 2011

Edition),

Edward

N.

Zalta (ed.),

URL

. Acessado em: 14 jun. 2012.

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