Entre a comemoração do passado e a construção do future: os monumentos da FEB em seus contextos

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Entre a comemoração do passado e a construção do futuro: os monumentos da FEB em seus contextos

Uri Rosenheck

Resumo: A abundância de monumentos que comemoram a Força Expedicionária Brasileira (FEB) nas “paisagens cívicas” das cidades, especialmente em comparação ao número dos soldados brasileiros que lutaram na campanha italiana durante a Segunda Guerra Mundial, justifica o estudo desse artefato cultural. A análise da distribuição geográfica dos monumentos mostra que há uma diferença maior entre os centros urbanos povoados e os municípios do interior. Os próprios monumentos, e especialmente seus textos comemorativos, revelam a percepção local do episódio nacional e a memória cívica da FEB. Esses descobrimentos questionam alguns argumentos na historiografia sobre esquecimento da FEB e a apropriação de sua memória pelo Exército. O contraste traz luz a algumas tendências no campo dos estudos da FEB e oferece caminhos novos a seguir. Palavras Chaves: Força expedicionária brasileira; monumentos; memória coletiva Abstract: The abundance of monuments commemoration of the Brazilian Expeditionary Force (FEB) in the cities’ civicscapes, especially when compared to the number of Brazilian soldiers who participated in the Italian campaign during WWII, justifies the study of this cultural artifact. The analysis of the monuments’ geographical distribution shows that the greatest difference in monumental representation lies between the populated urban centers and the small municipalities in the countryside. The monuments, and especially their commemorative texts, reveal a local perception of the national episode and the FEB’s civic memory. These findings put a question mark over some existing arguments in the historiography on the oblivion of the FEB and of the appropriation of its memory by the Army. The contrast sheds light on some tendencies in the FEB’s field of study and offers new roads to follow. Keywords: Brazilian Expeditionary Force; monuments; collective memory

Doutorando em história moderna da America Latina e história contemporânea do Brasil pelo Departamento de História de Emory University, EUA. A tese, Fighting for Home Abroad: Remembrance and Oblivion of World War II in Brazil, está sendo escrita sob orientação do Prof. Jeffrey Lesser. A pesquisa foi conduzida com apoio da Mathews Fellowship do Departamento de História e do Professional Development Support for Field Research (PDS) da Graduate School of Arts and Sciences de Emory University. E-mail: [email protected].

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Um argumento comum entre os veteranos, pesquisadores e estudiosos da Força Expedicionária Brasileira (FEB) é que ela foi esquecida pelo mundo, pelo Brasil, e pelos

brasileiros

(NEVES,

1995:

p.

295;

MAXIMIANO,

1995:

p.

102;

CYTRYNOWICZ, 2002: pp. 287 a 320; FERNANDES, 2009: pp. 312 a 320). Em certo sentido, estas declarações são uma indicação a mais da veracidade do provérbio “o brasileiro não tem memória”. Apesar dessas declarações, pelo menos na paisagem cívica1 das cidades brasileiras, a FEB é bem representada. Baseados no livro Os Monumentos Nacionais (Mattos, 1960), que registra 107 monumentos dedicados à FEB, Mauad e Nunes argumentam que “no Brasil, surpreendentemente, esse número [de monumentos aos mortos da Segunda Guerra] também, [como na Europa], é significativo” (MAUAD; NUNES, 1999: p. 74). Os registros dos monumentos da FEB depositados na sede carioca da Associação Nacional dos Veteranos da FEB (ANVFEB) documentam 192 monumentos construídos no Brasil até meados dos anos 80, em 165 cidades.2 Esse número reforça o argumento da significância. Mas, por que esse número é “significativo”?

Os monumentos à FEB como artefato cultural de abundância significativa Mauad e Nunes explicam que “[o] papel representado pela Segunda Guerra Mundial no imaginário coletivo brasileiro é um objeto a ser estudado, principalmente se considerarmos que a grande maioria dos pracinhas era gente humilde, proveniente das camadas mais pobres da população, alguns inclusive oriundos do antigo SAM (Serviço de Amparo ao Menor)” (MAUAD; NUNES, 1999: p. 74). Deve-se compreender essa afirmação à luz da tendência do século XIX e os princípios do XX de construir monumentos a “grandes homens” e heróis indivíduos. Outra explicação para explicar a significância dos monumentos dedicados à FEB foca na abundância dos monumentos como um artefato cultural. O antropólogo Israelense Oz Almog contou, em 1992, um monumento para cada dezessete israelenses mortos em todas as guerras até aquele momento, e comentou que em relação à Europa é um número enorme, que demonstra a 1

“Paisagem cívica” é uma tradução do termo inglês “civicscape” que é um termo criado a partir de “cityscape” (paisagem de um espaço urbano) e espaço cívico. A paisagem cívica significa as representações físicas e arquitetônicas no espaço designado aos rituais cívicos. Para ler mais sobre o conceito na Era Vargas, ver WILLIAMS, 2006. 2 No inicio de 2009 a ANVFEB-RJ experimentou dificuldades financeiras e fechou temporariamente. Não é claro qual será o futuro do acervo e onde ficarão depositados os documentos. Ver, neste mesmo número, artigo “Mudanças e permanências: a polêmica sobre o destino da Casa da FEB”.

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importância desse artefato cultural para a sociedade em questão (ALMOG, 1992: p. 182). Se verificarmos essa mesma lógica para o Brasil, percebemos que a relação entre os soldados mortos e os monumentos é de 451 soldados mortos para 192 monumentos, ou seja 2,35:1, i.e., três monumentos para cada sete mortos – “mais significativo” do que o caso Israelense.3 Porém, a maioria dos monumentos brasileiros não comemora os soldados mortos, mas os expedicionários em geral. A abundância desse artefato cultural justifica o seu estudo. Tabela nº 1: Distribuição dos monumentos e praças expedicionários por regiões Estado Norte Nordeste Centro-Oeste Sudeste Sul Total

Monumentos

% dos Monumentos

Praças

% de Praças

Relação entre monumentos e praças

1 10 3 135 43 192

0,52% 5,21% 1,56% 70,31% 22,40% 100%

372 2.945 790 15.217 4.378 23.702

1,57% 12,43% 3,33% 64,20% 18,47% 100%

0,332 0,419 0,469 1,095 1,212

Fontes: Livros de Comemoração no acervo da ANVFEB - Rio de Janeiro; MORAES, 1947: 304. As mesmas fontes foram usadas para todas as tabelas.

Mauad e Nunes sustentam que “a maioria dos monumentos está localizada no estado de São Paulo, mas é interessante notar que a geografia dos monumentos se concentra, fundamentalmente, nas regiões Sudeste e Sul” (MAUAD e NUNES, 1999: p. 90). E, realmente, como se pode ver na tabela número um, quase noventa e três por cento dos monumentos ficam nessas regiões. Para equilibrar a proporção dos monumentos com a proporção dos expedicionários, as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste precisariam construir pelo menos vinte e quatro monumentos. Entretanto, o desequilíbrio é mais extremo no nível estadual do que no nível regional. Esse equilíbrio é representado na relação entre a porcentagem dos monumentos em um estado comparado com o Brasil e a porcentagem dos soldados que saíram do mesmo estado em relação ao total de expedicionários (a última coluna nas tabelas e entitulada “relação entre monumentos e praças”). Uma relação “perfeita”, representada com o número 1, significa que o estado, ou região, contribuiu com a mesma porcentagem de soldados que a dos monumentos existentes. Quando a parte do estado na comemoração monumental é maior do que sua participação na FEB, a relação é maior de 1. Uma relação menor do que 1 significa que existe sub-representação, i.e., o 3

Em outra versão, contam-se 465 mortos brasileiros da FEB e da FAB. Aqui preferi usar o numero

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estado construiu menos monumentos do que “precisava”, em relação aos todos monumentos dedicados à FEB no país em relação a todos os febianos. Pode-se ver na tabela número 2 que a sub-representação no estado do Rio de Janeiro (0,307) é a mais acentuada, apresentando uma relação entre monumentos e soldados menor do que todos os estados das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, onde ao menos um monumento foi construído – excetuando-se o estado de Mato Grosso antes da sua divisão (0,182). Por outro lado, a representação é grande em São Paulo (2,222), sendo maior do que a do Rio Grande do Sul (1,510) e menor do que a de Minas Gerais (2,437). Ao mesmo tempo é quase igual à de Goiás (2,224). Tabela nº 2: Distribuição dos monumentos e praças expedicionários por estados Estado Monumentos % dos Praças % de Relação entre Monumentos Praças monumentos e praças Norte Amazonas 0 0,0% 91 0,38% 0 Pará 1 0,5% 281 1,19% 0,439 Nordeste Algoas 1 0,.5% 148 0,62% 0,834 Bahia 3 1.6% 686 2,89% 0,540 Ceara 1 0,5% 377 1,59% 0,327 Maranhão 1 0,5% 134 0,57% 0,921 Paraiba 1 0,5% 349 1,47% 0,354 Pernambuco 3 1,6% 651 2,75% 0,569 Piaui 0 0,0% 67 0,28% 0 Rio Grande do Norte 0 0,0% 341 1,44% 0 Sergipe 0 0,0% 192 0,81% 0 Centro Oeste Goiás 2 1,0% 111 0,47% 2,224 Matto Grosso 1 0,5% 679 2,86% 0,182 Sudeste Espirito Santo 3 1,6% 345 1,46% 1,073 Minas Gerais 42 21,9% 2.947 12,43% 1,759 Rio de Janeiro 20 10,4% 8.036 33,90% 0,307 São Paulo 70 36,5% 3.889 16,41% 2,222 Sul Parana 9 4,7% 1.542 6,51% 0,721 Rio Grande do Sul 23 12,0% 1.880 7,93% 1,510 Santa Catarina 11 5,7% 956 4,03% 1,420 Total 192 100% 23.702 100%

menor. Para as diferentes versões, ver: SALUN, 2004: 77-78.

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Entre as capitais e o interior Quando separamos os dados sobre as capitais estaduais e as cidades interioranas, é possível vislumbrar uma nova perspectiva. Tabela Nº 3: Distribuição dos Monumentos e Expedicionários (sem oficiais) por Capitais e Estados de RJ e SP Estado Monumentos % dos Praças % de Relação entre Monumentos Praças monumentos e praças Rio de Janeiro (DF) Rio de Janeiro (interior do Estado) Sao Paulo (Capital) São Paulo (interior do Estado)

2

1,04%

6.094

25,71%

0,041

18

9,38%

1.942

8,19%

1,144

6

3,13%

1.000

4,22%

0,741

64

33,33%

2.889

12,19%

2,735

O antigo Distrito Federal é a área que, em relação ao número de expedicionários enviados, menos comemora a FEB em monumentos em todo o país (0,041). O estado do Rio de Janeiro já não é sub-representado, e a relação entre monumentos e praças aproximou-se aos outros estados do Sudeste e do Sul (1,144). Os dados sobre São Paulo não são exatos, mas uma estimativa razoável conta aproximadamente 1.000 expedicionários que teriam saído da capital. Esta figura mostra que, apesar de não tanto quanto o caso do antigo Distrito Federal, na cidade de São Paulo também há subrepresentação (0,741), e, por outro lado, o interior paulista destacou-se entre todos outros estados e regiões em sua representação abundante dos pracinhas. (2,735). A distribuição dos monumentos à FEB no Brasil sugere que, apesar da subrepresentação das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste em relação ao número de expedicionários naturais do estado, a diferença dramática é entre os grandes centros urbanos e as cidades menores no interior. À luz desta constatação, temos que ler com cuidado, por exemplo, as explicações de Roney Cytrynowicz para a ausência da FEB na “memória paulistana”. O fato de que o mesmo fenômeno é presente no Rio de Janeiro, e de certa maneira ainda mais preponderante, faz com que as explicações de natureza local sejam insuficientes, i.e., indica que a guerra é um tema nacional e não paulistano, e que “faz respeito ao Estado Novo e a Getúlio Vargas”, a quem as elites paulistanas não apoiaram, e que nenhum regimento partiu da cidade (CYTRYNOWICZ, 2002: p. 304). Proponho outra explicação: a saída dos soldados para lutar no velho mundo, no alémmar, era extremamente excepcional nas cidades sonolentas do interior, mas só um Militares e Po lítica, n.º 3 (j ul . - d ez. 2 0 0 8 ), p p . 7 -1 6 .

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evento a mais no quotidiano acelerado das grandes metrópoles. Além do mais, a FEB foi interpretada a partir uma perspectiva local, como se pode ver nos textos comemorativos dos monumentos.

A perspectiva local da comemoração da FEB Quando Mauad, Nunes e Almog argumentam que os monumentos à FEB são significativos em relação ao número de soldados, eles referem-se aos soldados mortos e comparam com os números de monumentos aos soldados mortos de outros países europeus. Entretanto, a maioria dos monumentos brasileiros à FEB não homenageia os mortos, mas os vivos, ou mais precisamente, os expedicionários que saíram dos municípios para lutar. Os monumentos à FEB não expressam saudades dos que não voltaram, mas, sim, respeito àqueles que partiram e voltaram - vivos ou mortos. A retórica textual da comemoração nos monumentos expressa repetidamente que os expedicionários eram “os filhos dessa terra”, parte do “povo” local, os representantes de suas comunidades, e que eram “Gaúchos integrantes da FEB” (Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul), dedicando os textos “[a]os Alagoanos da FEB” (Maceió, Alagoas), “aos heróis de Assis” (Assis, SP), aos Atibaianos, Burianos e Itatibenses e aos que “levaram à Guerra o civismo de Perdões” (Perdões, MG). Parece, então, que o que Almog escreveu sobre a função dos monumentos em Israel aplica-se também ao Brasil. De um lado, o monumento funciona como uma bandeira que mostra que a comunidade também tem parte na nação. Por outro lado, o monumento é uma “declaração de afiliação tribal” que representa um “patriotismo” local, e que ajuda a distingui-la de outras cidades parecidas por ser um tributo cívico e um tributo de derramamento de sangue. (ALMOG: p. 185). O monumento não e a única forma de comemorar na paisagem cívica. O monumento é um tipo de memorial, quer dizer, qualquer local de memória, que se diferencia em seu caráter físico-plástico dos outros memoriais, como um dia de comemoração, ou um espaço, ou um livro (YOUNG, 1993: p. 4). Essa diferença não é técnica ou estética apenas, porque o monumento e o rito comemorativo não têm outras funções que têm os outros memoriais de guerra, como denominação de escolas ou edifícios públicos, uma coleção de artefatos de guerra e o comércio de relíquias militares. Por isso, o monumento e o rito comemorativo são memoriais que comunicam bem valor e mérito. Por sua falta de utilidade e, também, por sua capacidade de Militares e Política , n.º 3 ( j ul . - d ez. 2 0 0 8 ), p p . 7 -1 6 .

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provocar sentimentos sagrados (MAYO, 1988: p. 68). Então, quais são os sentimentos sagrados que os monumentos à FEB comunicam?

As mensagens dos monumentos Nos poucos estudos existentes sobre a comemoração pública da FEB, frequentemente baseados nas análises de cerimônias, é comum encontrar o argumento de que a memória da FEB foi militarizada e que a comemoração da FEB transformou-se em um ato de valorização das forças armadas (OLIVEIRA, 2000; FERRAZ, 2003: esp. cp. 5). Tal interpretação sobre este processo de construção da memória sugere que no passado existiam outras opções. Ferraz menciona, por exemplo, palestras, festas e bailes beneficentes, eventos culturais e celebrações religiosas (FERRAZ, 2003: p. 332). Em contraste com esses eventos efêmeros, os monumentos à FEB, normalmente, são objetos físicos com aparência constante e presença fixa na paisagem cívica. É difícil atribuir sentido à estética dos monumentos pela abundância do uso de obeliscos, que é um modelo pouco expressivo. Porém, é evidente que, com exceção dos monumentos dentro das bases militares, as forças armadas estão quase que totalmente ausentes nos textos que acompanham os monumentos. Um exemplo contrastante, mas também raro, é o monumento na Praça Ex-Combatente em São Gonçalo (RJ), onde a inscrição glorifica as “classes armadas eternas” por serem os “guardiães das liberdades democráticas e da integridade pátria”. Em geral, os textos destacam repetidamente a democracia, a liberdade, o civismo, e em menor grau, a vitória, a honra, a integridade nacional, e os “valores humanos”. A narrativa não comunica a importância do Exército e seu papel na construção da nação, mas os valores de uma sociedade civil. É importante ressaltar que, dentre os 120 monumentos dos quais conhecemos a data de inauguração, sessenta e três (52.5%) foram construídos entre 1945 e 1946, quando a sociedade civil brasileira experimentou seus primeiros passos na democracia depois dos anos sob a ditadura do Estado Novo (1937-1945). Trinta e dois monumentos (26.6%) foram construídos depois deste impulso inicial e antes da instalação da ditadura militar em 1964. Não se pode notar uma mudança significativa nas características dos monumentos que foram inaugurados depois de 1964. Dentre todos os monumentos analisados, 26 são estátuas de soldados. Entre as estátuas, 15 mostram soldados em movimento (57%), destes, nove (ou 35% do total) Militares e Po lítica, n.º 3 (j ul . - d ez. 2 0 0 8 ), p p . 7 -1 6 .

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representam um soldado só em combate, outros três em movimentos não muito claros (11.5%), e mais três levantam seus fuzis num gesto de vitória e fim da luta (11.5%). Os outros 11 (42%) mostram soldados estáticos, em geral em posição de guarda ou com uma bandeira. A representação visual destes soldados não é de ação militar ou de combate, e reflete uma imagem mais passiva do que agressiva. Algumas narrativas não são comuns, mas são interessantes como opções de vozes diferentes, apesar de não integrarem as correntes predominantes dentre as narrativas da FEB. Por exemplo, o monumento aos imigrantes em Caxias do Sul (RS), onde três cenas representam a chegada dos imigrantes, sua contribuição com seu trabalho agrícola e sua integração na nação quando seu filho partiu para a guerra na Itália com a FEB. Ou um monumento de Jacutinga (MG) que homenageia a FEB com iconografia cristã de cenas de paz e harmonia.

Considerações Finais Essas observações sobre os monumentos brasileiros à FEB são parciais e estão baseadas em uma pesquisa em andamento. Ainda temos de perguntar, por exemplo, o que acontece com os monumentos depois de sua criação. Ou seja, a recepção e interação deles com a sociedade. Outra via de investigação desejada é analisar a política por trás da criação dos monumentos. Porém, proponho que essas observações sobre a distribuição geográfica dos monumentos, a localização da memória nacional e os valores cívicos e democráticos evidentes nessas comemorações sejam também relevantes para o estudo da memória da FEB em geral por no, mínimo, três razões. Primeiramente, as asserções contemporâneas sobre o esquecimento da FEB podem ser verdadeiras, porém os monumentos, também como outras fontes (panfletos políticos, prontuários e dossiês nas policias políticas, romances, livros escolares, histórias em quadrinhos e outros, mostram que nem sempre foi assim). Temos que tomar cuidado com o anacronismo e reconhecer que em certas épocas a memória da FEB teve um papel de maior relevância nos âmbitos pessoal, local e nacional. Em segundo lugar, precisamos expandir geograficamente a nossa análise da FEB. A maioria dos estudos sobre a FEB obedece à tendência comum, porém não absoluta, de basear-se nos grandes acervos das associações dos veteranos em São Paulo, Curitiba e Rio de Janeiro. Os trabalhos que usam fontes fora desse triângulo utilizam Militares e Política , n.º 3 ( j ul . - d ez. 2 0 0 8 ), p p . 7 -1 6 .

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quase em sua totalidade perspectivas pessoais retiradas de histórias orais. Temos que considerar que, assim como a análise dos monumentos nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro revela diferenças entre estes e os monumentos no interior, também outros argumentos que já estão aceitos na historiografia podem ser alterados se incluirmos uma área geográfica mais ampla. Por fim, ainda que as ligações da história da FEB com a história militar sejam importantes, temos que reconhecer que existem outras narrativas. Ao lado do esforço de compreender a FEB sob o ponto de vista militar, temos de apropriar o conhecimento gerado pela história militar e usá-lo para criar ligações entre a história da FEB e outros aspectos da história e da sociedade brasileira como um todo.

Bibliografia ALMOG, Oz. “Monumentos Aos Soldados Mortos Em Israel: Uma Análise Simiota” In Megamot: Behavioral Sciences Quarterly, Jerusalém, Henrietta Szold Institute, 1992 Vol. 34, nº 2, pp. 179 a 210 [Hebraico]. CYTRYNOWICZ, Roney. Guerra Sem Guerra: A Mobilização e o Cotidiano em São Paulo durante a Segunda guerra Mundial. São Paulo: Edusp, 2002. FERNANDES, Fernando Lourenço. Estrada para Fornovo: A FEB – Força Expedicionária Brasileira, Outros Exércitos & Outras Guerras na Itália, 1944 – 1945. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009. FERRAZ, Francisco César Alves. A guerra que não acabou: a reintegração social dos veteranos da Força Expedicionária Brasileira (1945 – 2000). Tese de Doutorado. São Paulo, FFLCH-USP, 2003. MATTOS, J. B. Os Monumentos Nacionais: A Força Expedicionária no Bronze. Rio de Janeiro: Imp. Do Exército, 1960. MAUAD, Ana M.; NUNES, D. F. “Discurso de uma morte consumada: monumento dos pracinhas”. In: Paulo Knauss (Org.). Cidade Vaidosa: estudos sobre imaginária urbana no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: 7Letras, 1999, pp. 53-73. MAXIMIANO, Cesar Campiani. Onde Estão Nossos Heróis: Uma Breve História dos brasileiros na 2ª Guerra. São Paulo, C.C. Maximiano, 1995. MAYO, James M. “War Memorials as Political Memory”. In Geographical Review, New York, The American Geographical Society, 1988 Vol. 78, nº 1, pp. 62-75. MORAES, João Batista Mascarenhas de. A FEB pelo seu comandante. São Paulo: Instituto Progresso Editorial, 1947. NEVES, Luis Filipe da Silva. “A Força Expedicionária Brasileira: 1944-1945”. In: COGGIOLA, Osvaldo (org.). Segunda Guerra Mundial: Um Balanço Histórico. São Paulo: Xamã/Depto de Historia, FFLCH-USP, 1995, pp. 295 a 318. Militares e Po lítica, n.º 3 (j ul . - d ez. 2 0 0 8 ), p p . 7 -1 6 .

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