Entre a Obra e o Autor Jorge Amado, as Elites Baiana e o Poder Público

May 27, 2017 | Autor: Mario Marcello Neto | Categoria: Literature, Comunismo, Jorge Amado
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ENTRE A OBRA E O AUTOR: JORGE AMADO, AS ELITES BAIANA E O PODER Carolina Rehling Gonçalo1 Mario Marcello Neto2

Resumo: Jorge Amado é dono de um discurso arrojado e rebelde, o escritor dos pobres e prostitutas (como se autointitulava) também foi um voraz militante comunista, chegando a exercer o mandato como Deputado Federal em 1946. Desde sua juventude no Rio de Janeiro como estudante de Direito até 1956 foi um militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), tendo seus livros queimados no início do Estado Novo, chegando a ser preso. Neste trabalho buscaremos analisar, através do entrecruzamento entre obra e autor, as mudanças de discurso sobre o Estado (e suas instituições a níveis municipais, estaduais e federais) bem como a elite baiana do início do século XX. Sendo assim, após o discurso secreto de Nikita Khrushchov em 1956, no qual revelou todas as atrocidades cometidas por Stálin, Jorge Amado se desilude com a o PCB, rompe com o partido e constrói uma nova forma de falar dos mesmos personagens (pobres e prostitutas), todavia, sem a necessidade militante de utilizar um padrão narrativo e despido de amarras teóricas de outrora. Esta nova fase de Jorge Amado iniciada com Gabriela, Cravo e Canela inaugura uma nova forma de representar a realidade baiana, vendo nas elites um limiar mais tênue e menos sombrio e o Estado como um ente perdido entre a corrupção e a ganância. Para este trabalho, recorremos a autores que pudessem nos dar base para as discussões sobre a temática da política brasileira no período da Era Vargas, com ênfase a política, Estado e elite, baiana e suas reflexões, sendo assim utilizamos como aporte autores como: FERREIRA (2001), FERREIRA e DELGADO (2003), ALBUQUERQUE JUNIOR (2011), HOBSBAWM (1995), MACHADO (2006), CÂNDIDO (2006), FUENTES(2007) entre outros. E a análise de diversos romances de Amado. Palavras-Chave: Jorge Amado, Literatura, História, Comunismo.

Abstract: Jorge Amado owns a bold and rebellious speech, the writer of the poor and prostitutes (as autointitulava) was also a voracious communist militant, coming to hold office as a Congressman in 1946. Since his youth in Rio de Janeiro as a student Right until 1956 was a militant of the Brazilian Communist Party (PCB), and their books burned at the beginning of the Estado Novo, becoming trapped. This paper will seek to analyze, through the intersection between work and author, speech changes on the state (its institutions and to local, state and federal levels) and the Bahia elite of the early twentieth century. Thus, after the secret speech of Nikita Khrushchev in 1956, which revealed all the atrocities committed by Stalin, Jorge Amado becomes disillusioned with the PCB, broke with the party and build a new way of speaking of the same characters (poor and prostitutes) However, without the need for a militant narrative pattern and stripped of theoretical shackles of the past. This new phase of Jorge Amado started with Gabriela, Clove and Cinnamon inaugurates a new way of representing reality Bahia, seeing elites in a more tenuous and less gloomy threshold and the state as a being lost in corruption and greed. For this work, we turn to authors that they could give us a basis for discussions on the theme of Brazilian politics in the period of Vargas, emphasizing the political, state and elite, Bahia and their reflections, so we use as input authors as: FERREIRA (2001), FERREIRA E DELGADO (2003) ALBUQUERQUE JUNIOR (2011), HOBSBAWM (1995), MACHADO (2006), CÂNDIDO (2006), FUENTES (2007) among others. And the analysis of several Amado’s novels. Keywords: Jorge Amado, Literature, History, Comunism.

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Mestranda em Geografia pelo Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Pelotas. Mestrando em História pelo Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Pelotas.

Vida Pouco podia-se esperar de um filho de fazendeiro plantador de Cacau no interior baiano durante o início do século XX, o auge da economia cacaueira. Menos ainda podia se esperar de um menino criado por uma sociedade machista, acostumado desde cedo a frequentar bordéis. Este mesmo garoto acompanhou batalhas campais em nome do poder e do dinheiro, coisas as quais, estranhamente, vai tentar se distanciar ao longo de toda a sua vida. Esse menino é Jorge Amado. Filho de um coronel do Cacau, o pequeno Jorge narra suas memórias em diversos livros seus, mas deixando isso de forma explícita em “O menino grapiúna 3”. Suas convicções políticas e ideológicas não vêm de berço e nem foram conquistadas ao esmo, compactuadas por um certo romper de ideias. Jorge viveu sua infância na região de Itabuna, cidade do interior baiano a qual demonstra no livro ter grande apreço. Todavia, a sua grande ruptura, ou que ele considera a sua primeira “prisão” se dá quando aos 13 anos de idade é mandado para um colégio interno para estudar. Acostumado com uma vida leve e solta, na qual acompanhava seu tio por bordéis, no qual conversava com prostitutas e confessa que essas tinham para com ele uma “ternura de mãe”, não conseguia se habituar a uma vida regrada e opressora imposta por um internato católico. Todavia, foi lá que ele teve os seus primeiros contatos com a literatura, algo que marcou a sua vida de forma definitiva. Jorge Amado, antes de escrever suas histórias costumava vive-las, segundo Alberto da Costa e Silva (2010), Jorge não criava histórias, mas inventava personagens de acordo com aqueles que ele conhecia e depois encaixava uma história que permitisse aquele personagem existir. Sendo assim, após toda a sua percepção de infância da guerra pelo poder que os latifundiários do Cacau travavam, a sua saga pelo sertão nordestino após sua fuga do reformatório na Bahia em direção a seu tio, no Pernambuco. Ao voltar para a família, convence seu pai sobre a possibilidade de ir morar na capital Salvador, mais especificamente na região do Pelourinho, a qual ficou marcada como um dos lugares mais importantes das suas obras. Amado tinha como característica a escrita política, algo que só adquiriu quando foi cursar (e acabou se formando) direito durante sua juventude. Só então que Jorge Amado conhece algo que vai ser substancial para a sua trajetória: o comunismo.

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Nome dado para que nasce na região de Itabuna, interior baiano.

Engajamento Segundo Machado (2006), as obras de Jorge Amado circularam pelo mundo inteiro, foram traduzidas para inúmeras línguas, ele viajou para inúmeros países (muitas vezes exilado, tanto pela ditadura Vargas quanto pelo regime civil-militar estabelecido em 1964). Todavia, é nítido que a sua ligação com o Partido Comunista Brasileiro permitiu a tradução e circulação de sua obra nos mais variados círculos sociais mundiais. Nesta perspectiva, Jorge Amado cumpre um papel importante, afinal a trajetória entre um menino filho de latifundiário que vai morar numa zona periférica e portuária de Salvador, no qual a prostituição, a bebida, os negros e pobres são os sujeitos que fazem a essência daquele lugar, contrastando a isso a ilusória política carioca, muito centrada em sujeitos distantes de uma realidade tão cruel, como aquela que o povo baiano sofria (AMADO, 2006). Sendo assim, Jorge Amado passou a fazer aquilo que considerava o ideal para um escritor: entreter e politizar. Através de um discurso carregado pelos conceitos e forma de ver o mundo comunista, deixa claro as lutas de classes, as opressões que o proletário sofre entre outras questões. Porém, Jorge sempre foi um comunista não dogmático. Em suas obras sempre chamava a atenção o fato da dualidade das questões e das contradições entre grupos sociais comuns. Esta questão fica evidente na obra “Capitães de Areia” na qual Amado descreve as aventuras de um grupo de meninos de rua pela cidade de Salvador no início do século XX. Neste livro, os meninos, que são os protagonistas, roubam, estupram e tem atitudes extremamente duvidosas com relação ao seu caráter. Todavia, a igreja, os membros da elite se revezam entre os benfeitores e preocupados em ajudar e aqueles que só exploram os outros. Essas relações duais são significativas para diferenciar a obra de Jorge Amado de muitas outras feitas por intelectuais comunistas desta época. Todavia, é possível, sim, encontrarmos a influência do comunismo na obra de Jorge. Fica nítido não só na sua maneira de ser contar as histórias e abordagens, mas, também, pelos personagens que escolhe como protagonistas. Em toda a sua carreira literárias, Amado tem como seus personagens centrais: meninos de ruas, trabalhadores de fábricas, prostitutas e senhores do cacau. Esses membros da economia cacaueira são os grupos de elites prediletos de Jorge, nos quais ambienta-se em regiões como Itabuna e Ilhéus e descreve a pobreza da população, a crueldade e hipocrisia de uma sociedade elitista baiana.

O engajamento de Jorge Amado não se manteve apenas no ambiente literário, muito longe disso. O “irmãozinho”, como Dorival Caimy o chamava, sofreu tanta pressão para participar do pleito eleitoral de 1946 que acabou se candidatando a Deputado Federal. Em seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, Jorge afirma que sempre foi contra a Academia e seus dogmas e diz que apenas a idade permitiu que ele se candidatasse aquela vaga, mas que deseja que os jovens também se mantivessem contrários aos dogmas, pois eles são todo de pior que uma sociedade pode ter. Continuando, Amado (2006) afirma ter sofrido outra prisão simbólica ao ter que engravatar-se e ir trabalhar na Câmara de Deputados. Obteve uma votação estrondosa e acabou exercendo por pouco tempo a sua legislatura, pois em 1947 foi cassado seus direitos políticos devido a recolocação do Partido Comunista Brasileira na ilegalidade. Durante a sua estada em Brasília, Jorge Amado propôs uma das mais importantes leis federais da época, que ia completamente ao encontro de sua militância literária: a lei de livre culto as religiões. Em sua obra como “Pastores da Noite”, “O roubo da Santa” e já comentada “Capitães da Areia” fica marcado o preconceito e o estigma que as religiões afro-brasileiras passavam para poderem (quando podiam) se manifestar religiosamente. Sua lei está em vigor até hoje e, por ironia do destino, e a partir dela que religiosos fundamentalistas se apoiam para defender a posição de livre culto confundido culto religioso com crime de ódio.

Percepção da Realidade: análise O romance é capaz de oferecer o fato perpetuamente potencial, uma vez que é inconcluso, ele pode ser visto como possibilidade, bem como, como iminência e como criador da realidade. Segundo Fuentes (2007) a pugna acerca da realidade foi superada poeticamente, ou seja, através da prática da literatura, de forma que muitas obras assumem a realidade visível, construindo assim uma nova realidade que antes de ser escrita era invisível. Ou seja, ao analisarmos a obra de Jorge Amado percebe-se o seu caráter histórico e seu compromisso com a realidade da época, ao mesmo tempo em que o autor levanta questões que não eram discutidas pelos poderes públicos como é o caso dos menores de idade que viviam nas ruas de Salvador no período em que Capitães da Areia foi escrito e lançado. Sua obra é permeada por questões de ordem política deixando bem claro a posição por ele escolhida a ser ocupada, sua militância convida e tem também como objetivo mostrar as pessoas formas de lutar por seus direitos.

Uma vez que o próprio amado se reconhecia como um escritor das prostitutas, dos pobres e marginalizados percebe-se assim que sua obra busca representar aqueles que não eram ouvidos e mesmo os que na época não tinham voz ativa na sociedade. Jorge Amado usa então de seu poder como escritor para dar voz aos menos favorecidos, fazendo de sua escrita algo que denuncia as desigualdades por muitos silenciadas como afirma Fuentes: Dito de outra maneira: o ponto onde o romance concilia suas funções estéticas e sociais se encontra na descoberta do invisível, do não-dito, do esquecido, do marginalizado, do perseguido, fazendo-o, ademais, não em necessária consonância, mas, muito provavelmente, como exceção aos valores da nação oficial, às razões da política reiterativa e também ao progresso como ascensão inevitável e suposta. (FUENTES, 2007.p.22).

O conteúdo de um romance é capaz de responder a pergunta de como traduzir a experiência da realidade, não é que a história do romance seja uma evocação a história, mas essa assume o papel de correspondente da história, fazendo com que este grande compromisso do romance com a realidade imaginada, com a narração da sociedade e de sua cultura assuma um compromisso de inventar verbalmente uma segunda história sem a qual a primeira ficaria ilegível, isso exige um campo bastante ampliado de recursos técnicos, bem como a vontade de abertura do autor e a construção da relação que envolve criação e tradição, como é percebido nas obras de Amado. Segundo alguns autores entre eles Machado (2006), Jorge Amado no decorrer de sua obra passou por duas fases de escrita, que ilustradas aqui podem auxiliar na compreensão das mesmas. Num primeiro momento de sua carreira como escritor, Amado, ainda jovem e militante pelo partido comunista acreditava que precisava mostrar as pessoas suas ideias, que precisava levar ao conhecimento dos demais as ideias as quais compartilhava, e com isso fez de sua literatura um veiculo o qual alguns elementos em comum são identificados como: greves, jargões, ideias de revolução, entre outros. A tabela abaixo ilustra as fases de Jorge Amado segundo Machado: Tabela 1

Romances da 1ª Fase

Romances da 2ª Fase

O país do Carnaval (1931)

Gabriela, cravo e canela (1958)

Cacau (1933)

De como o mulato Porciúncula descarregou seu defunto (1959)

Suor (1934)

Os velhos marinheiros ou O Capitão-de-longo-curso (1961)

Jubiabá (1935)

A morte e a morte de Quincas Berro Dágua (1961)

Mar Morto (1936)

O compadre de Ogum (1964)

Capitães da Areia (1937)

Os pastores da noite (1964)

ABC de Castro Alves (1941)

As mortes e o triunfo de Rosalinda (1965)

O Cavaleiro da Esperança

Dona Flor e seus dois maridos (1966)

(1942) Terras do sem-fim (1943)

Tenda dos Milagres (1969)

São Jorge dos Ilhéus (1944)

Tereza Batista cansada de guerra (1972)

Bahia de Todos-os-santos

O gato malhado e a andorinha Sinhá (1976)

(1945) Seara Vermelha (1946)

Tieta do Agreste (1977)

O amor do soldado (1947)

Farda, fardão, camisola de dormir (1979)

Os subterrâneos da liberdade:

O milagre dos pássaros (1979)

Os ásperos tempos (1954)

O menino grapiúna (1981)

Agonia da noite (1954)

A bola e o goleiro (1984)

A luz no túnel (1954)

Tocaia Grande (1984)

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O sumiço da santa (1988)

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Navegação de cabotagem (1992)

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A descoberta da América pelos turcos (1992)

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Hora da Guerra (2008) Fonte: Machado (2006)

Através de sua literatura Amado disse tudo que pensava e o que criticava, como podese perceber no trecho de Capitães da Areia ao se referir a um dos meninos de rua: “-Este menino promete. É pena que o governo não olhe essas vocações... –e lembravam casos de meninos da rua que, ajudados por famílias, foram grandes poetas, cantores e pintores.” (AMADO, 2008.p.81). Na mesma obra, o autor defende seu ponto de vista e sua ideologia criando personagens que são perseguidos por seus ideais como é o caso do Padre José Pedro, que chega a roubar da igreja para ajudar os meninos de rua ignorados pelo governo, como ilustra o trecho em que o padre é reprendido por seu superior:

-Cale-se –a voz do cônego era cheia de autoridade. –Quem o visse falar diria que é um comunista que está falando. E não é difícil. No meio dessa gentalha o senhor deve ter aprendido as teorias deles...O senhor é um comunista, um inimigo da igreja... (AMADO, 2008.p.155)

Capitães da Areia (1937), assim como Cacau (1933) trazem em sua trama a ideia de revolução que tem como primeiro passo a organização dos trabalhadores por alguém que vem de fora e organiza uma primeira greve, como percebe-se nos últimos capítulos de Capitães da Areia, um deles intitulado: “Companheiros” onde é narrado um movimento diferente na cidade, que faz com que o porto esteja parado pelo fato de os doqueiros terem ido prestar solidariedade aos condutores de bonde que estão em greve (AMADO, 2008, p.155). Pedro Bala um dos protagonistas da obra e líder do grupo de meninos que viviam pelas ruas da Bahia tem como destino a organização de greves, passando a ser um procurado pela polícia por lutar por direitos trabalhistas. Em Cacau, o protagonista conhecido como Sergipano, mais um nordestino que migrou em busca de melhores condições de vida e que acaba como escravo nas lavouras de cacau, ao fim da narrativa decide abandonar a vida sofrida nas lavouras pois a “luta de classes” o chamava, de forma que o personagem “vai a luta”. Este romance igualmente apresenta um capítulo intitulado: “Greve” (AMADO, 2000.p.123), sendo a partir dele as narrativas de lutas dos trabalhadores. A dita segunda fase do autor tem início com o romance Gabriela Cravo e Canela (1958), que apresenta algumas modificações no conteúdo da escrita, Jorge Amado embora tivesse se decepcionado com o comunismo, não deixa de acreditar no socialismo, continua a fazer suas criticas denunciar aquilo que não concorda e que é ignorado mas sem trazer a já conhecida “revolução”, as greves, jargões e revoluções desaparecem de sua obra, dando lugar a lutas diferentes mas sempre com alguma denúncia, como é narrada a chegada de Gabriela em Ilhéus, uma retirante, sertaneja encontrada por Nacib no “mercado dos escravos”: “[... vestida de trapos miseráveis, coberta de tamanha sujeira que era impossível ver-lhe as feições e dar-lhe idade, os cabelos desgrenhados, imundos de pó, os pés descalços.” (AMADO, 2012.p.107). Desta forma, as mulheres protagonistas de suas histórias passam a povoar seu universo literário, como é o caso de Tieta do Agreste (1977), Tereza Batista Cansada da Guerra (1972), Dona Flor e seus dois maridos (1966), todas grandes mulheres, assim como Gabriela, guerreiras. Seus romances adquirem um novo tom na escrita que passa também a mostrar ao mundo o modo e costumes de viver. Sem jamais abandonar o caráter político.

Decepção com o comunismo Um dos momentos mais significativos para os comunistas da metade inicial do século XX foi, sem dúvidas, as descobertas dos crimes cometidos por Stálin a partir de 1956 com o discurso de Nikita Kruschev na convenção nacional russa do Partido Comunista. Uma grande parte dos intelectuais do mundo inteiro tiveram suas concepções de mundo obliteradas por estas questões. A descoberta de todas as mortes, perseguições, campos de trabalhos forçados e outras artimanhas políticas utilizadas por Stálin em um Estado que era visto como um modelo de esquerda e que almejava o comunismo se corrói. Uma grande parte da intelectualidade de esquerda foi impactada pelas descobertas de algo que era, até 1956, escondido. Muitos desses pensadores de seu tempo tiveram desilusões com o comunismo, dissidências com o Partido Comunista de seu país até a mudanças mais drásticas como a alteração da forma de ver o mundo e acreditar na revolução. Segundo Hobsbawm (1995) Esse foi o caso ocorrido com Jorge Amado. Segundo o autor no seu livro autobiográfico “Navegação de Cabotagem”, em nenhum momento, dos diversos excertos escritos por Amado ele se dedica a falar exclusivamente de Kruschev ou das desilusões com o comunismo. Todavia, fica explicitado a sua euforia em tratar o novo governo soviético como “um período de liberdade” (AMADO, 1992), algo que não percebera nos tempos de Stálin. Embora eufórico com o novo governo, as desilusões com o governo do camponês Nikita Kruschev logo afloraram. Em outra passagem do livro supracitado, em uma viagem a Moscou, transcreve um diálogo seu com Pablo Neruda, no qual diz abertamente que esperava que o governo em questão fosse melhor, porém não dava carta branca a ninguém, e preocupava-os a sua aproximação ao polêmico estadista iugoslavo Josip Tito. Segundo Hobsbawm: Esse admirável diamante bruto, um crente na reforma e na coexistência pacífica, que aliás esvaziou os campos de concentração de Stálin, dominou o cenário internacional por poucos anos seguintes. Foi talvez o único camponês a governar um grande Estado. (HOBSBAWM, 1995, p. 239-240)

Essas percepções de Amado surtiram, praticamente, em desilusões política e ideológicas do autor. Suas convicções literárias e suas formas de ver o mundo mudaram. A revolução, antes necessária e que deveria passar por uma guinada capitalista, um período de relações tensas, depois a tomada do poder pelo proletariado até chegar ao comunismo deram espaços a pensamentos mais fluídos, que não pensa tanto nas relações entre operários e

patrões, mas permite pensar as donas de casa, as prostitutas, que já eram seu objeto de discussão, só que agora sobre outro aspecto. Não mais guiado por conceitos, por estreitamentos de ideias e a necessidade de um combate entre as classes, passa a atentar-se ainda mais pela diversidade humana, pelas relações desiguais, contudo, essas não necessariamente apontam para uma revolução e ou tomada de consciência. Muito mais arraigado num caráter denunciante e preocupado com a realidade que o cerca, Jorge Amado não deixou de ser utópico, mas passou a pensar o mundo, através da sua literatura, de forma mais ampla e fluída. Um episódio ao qual Jorge Amado faz referência no seu livro autobiográfico supracitado tem clara acepção com o que foi o governo Kruschev e as suas concepções sobre o processo de limpar as marcas deixadas pelo Stálin na URSS. Jorge Amado em 1951 é agraciado com um o mais importante prêmio das nações comunistas: o prêmio “Stálin da Paz”. Nomes como Mao Tse-Tung, Che Guevara, entre outros foram agraciados com tal prêmio. Todavia, com a posse de Kruschev e seu início de governo, um de seus projetos para apagar a memória negativa de Stálin foi trocar o nome do prêmio anteriormente “Stálin da Paz” para “Lênin da Paz”, tais questões implicaram em um pedido formal recebido por Amado solicitando a devolução da medalha de 1951 que possuía Stálin gravado, para que em seu lugar estivesse a nova medalha, “Lênin da Paz”. Jorge Amado fala deste episódio com certa tristeza, por ter sido coloca em um dilema ao qual se viu obrigado a negar o pedido de devolução, uma vez que sua carreira internacional decolou principalmente pelo recebimento de um prêmio que agora deveria ser devolvido. Essa questão comprova a gênese do que foi as decepções de Amado tanto com os crimes de Stálin quanto as práticas contraditórias de Kruschev que o levaram a tomar outro rumo em sua atuação política, se desfiliando do PCB e adotando novas posturas na forma em que concebe e pensa a sua literatura.

Palavras finais Sendo assim, como forma de concluir este trabalho, podemos apontar brevemente que a obra e a vida de Jorge Amado são permeadas por elementos que se cruzam e impactam diretamente na história do Brasil do século XX. Sua trajetória política foi marcada pela sua inserção na Câmara dos Deputados, todavia sua atuação fora da política através de sua

literatura e influência em meios políticos foram exercidas de maneiras claramente distintas em cada uma de suas fases. A perspectiva de desilusão com o comunismo fica claro quando se percebe na obra do autor uma maior maleabilidade nas abordagens, pensando as elites, por exemplo, de maneira não linear e apenas exploratória, mas de formas diversas e que apontam para um mundo em crescentes problemáticas, com difíceis soluções. Além disso, é preciso destacar que sobre o autor (e não a sua obra) existem muito poucas pesquisas dada a quantidade de fontes que há disponível. A Fundação Casa de Jorge Amado, localizada no centro do Pelourinho, na cidade de Salvador (Bahia) possui um acervo gigantesco sobre o autor. Lá constam arquivos gratuitos para pesquisa que vão desde manuscrito de livros, cartas até a coleção fotográfica de Zélia Gattai (esposa de Jorge) que possui centenas de fotos de Jorge Amado em suas viagens, com seus amigos e diversos outros momentos. Contudo, embora saiba-se da baixa incidência de pesquisas sobre Jorge Amado, é notório a sua mudança após o discurso de Kruschev em 1956, e diversas das suas ações posteriores foram tomadas de formas diferenciadas, a qual permite inferir que Amado pode ter a liberdade para escrever suas obras da segunda fase de tal maneira que nunca teria tido no período que corresponde a sua entrada no curso de direito no Rio de Janeiro (1930) até sua morte. Pois mesmo não mais acreditando no comunismo, Amado não deixa de acreditar no socialismo, suas obras após a desilusão adquirem um novo tom, continuam carregadas de elementos políticos, de críticas ao modelo de sociedade vigente, dando ênfase aos seus considerados heróis, malandros, operários, prostitutas, os renegados por todos. Assim, o que percebe-se em seus romances é uma mudança no conteúdo, onde as lutas de cada dia, os costumes e modos de viver serão mais valorizados adquirindo uma fluidez que a partir daí não precisa mais acabar com greves, revoluções, organizações políticas que chegam camufladas num meio remoto para transformar aqueles que necessitam da luta pelos seus direitos. Apenas os jargões e alguns pontos que de certa forma tornavam-se repetitivos desaparecem de suas obras, dando espaço à escrita sem amarras, sem restrições, livre e esperançosa de sempre.

Referências: ALBUQUERQUE JUNIOR, Durval. A invenção do Nordeste e outras artes. São Paulo: Cortez, 2006. AMADO, Jorge, Gabriela, cravo e canela: crônica de uma cidade do interior. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. AMADO, Jorge. Cacau. Rio de Janeiro: Record, 2000. AMADO, Jorge. Capitães da Areia. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. AMADO, Jorge. Jorge Amado: Discursos. Salvador: Casa de Palavras, 1993. AMADO, Jorge. Navegação de Cabotagem. São Paulo: Círculo do Livro, 1992. AMADO, Jorge. O Menino Grapiúna. Rio de Janeiro: Best Seller, 2006. AMADO, Zélia Gattai; AMADO, Paloma Jorge; AMADO, João Jorge. Um baiano romântico e sensual: três relatos de amor. Rio de Janeiro: Record, 2002. CÂNDIDO, Antônio. Literatura e Sociedade. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2006. COSTA E SILVA, Alberto da. Prefácio. In: AMADO, Jorge. Essencial. São Paulo: Penguin Book, 2010. FERREIRA, Jorge (Org.). O Populismo e sua História: Debate e Crítica. Rio De Janeiro, Editora Civilização Brasileira, 2001. FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia. (Org.) O Brasil Republicano. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. FUENTES, Carlos. Geografia do romance. (trad. Carlos Nougué) Rio de Janeiro: Rocco, 2007. HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: O breve século XX – 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. MACHADO, Ana Maria. Romântico, sedutor e anarquista: como e por que ler Jorge Amado hoje. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006.

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