Entre o Designer e o Design - Considerações sobre processos digitais de projeto

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RODRIGO ANDERSON MAKERT

ENTRE O DESIGNER E O DESIGN: Considerações sobre processos digitais de projeto

Campo Grande - MS 2015

RODRIGO ANDERSON MAKERT

ENTRE O DESIGNER E O DESIGN: Considerações sobre processos digitais de projeto

Monografia apresentada ao curso de Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Engenharias, Arquitetura e Urbanismo e Geografia - FAENG - da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul como prérequisito para obtenção do título de especialista em Abordagem Contemporânea na Arquitetura e na Cidade. Orientador: Prof. Dr. Gilfranco Alves

Campo Grande - MS 2015

FOLHA DE APROVAÇÃO

Autor: Rodrigo Anderson Makert Título: Entre o Designer e o Design - Considerações sobre Processos Digitais de Projeto

Monografia defendida e aprovada em 01/07/2015, pela comissão julgadora:

_______________________________________________________________ Prof. Dr. Gilfranco M. Alves (orientador) Curso de Arquitetura e Urbanismo/Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS

_______________________________________________________________ Prof. Me. Alex N. Rezende Curso de Arquitetura e Urbanismo/Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS

_______________________________________________________________ Profª. Me. Victoria M. Delvizio Curso de Arquitetura e Urbanismo/Universidade Católica Dom Bosco - UCDB

__________________________ Prof. Dr. Gogliardo V. Maragno Coordenador do Curso

A todos aqueles que compartilham da felicidade deste momento.

AGRADECIMENTOS

Agradeço à Universidade Federal de Mato Grosso do Sul pelo suporte institucional e pela oportunidade em aprofundar meus conhecimentos acadêmicos. Ao

Prof.

Dr.

Gilfranco

Medeiros

Alves

pela

orientação,

pelo

direcionamento favorável rumo o imprevisível, pela generosidade em compartilhar seus conhecimentos, pela paciência e amizade. Aos demais professores, colaboradores e colegas de curso pela contribuição e pelas boas conversas, sobretudo ao Prof. Alex Nogueira Rezende, à Prof. Andrea Naguissa Yuba e à Prof. Juliana Couto Trujillo. Ao apoio do Grupo de Pesquisa em Projetos Digitais - Algo+ritmo. E em especial ao colega Adriano Lima sempre disposto a ajudar, seja nos experimentos, na programação ou com ideias. Aos amigos de profissão, Gabriel Gonçalves, Luis Eduardo Costa e Mellina Bloss, pelo apoio constante de "MOBrothers". Aos outros amigos que de alguma forma estiveram presentes ou torcendo. À parceria, dedicação e, sobretudo, amor. Giovana Tomazela, muito obrigado. E à família. Em especial aos irmãos Raquel e Aldo, sempre ao lado para o que precisasse. Mas principalmente à vocês, mãe e pai. Sem vocês não estaria percorrendo este caminho e compartilhando tal felicidade. Muito obrigado Vera, muito obrigado Osvaldo. A todos, mais uma vez, muito obrigado!

RESUMO

Este trabalho traz, em um primeiro momento, considerações sobre processos digitais de projeto em arquitetura a partir da conceituação teórica do Metadesign e as suas decorrências. A manipulação digital de parâmetros de projeto são correspondentes do modo de vida contemporâneo - complexo e dinâmico - assim sendo, este trabalho enfoca em uma segunda etapa o estudo da tecnologia computacional aplicada ao processo de projeto de arquitetura, mais especificamente o Design Paramétrico e as possibilidades que surgem através da fabricação digital. Neste contexto, o designer tem importância direta influenciando o resultado do projeto como também o seu percurso, sendo, portanto, de grande relevância a compreensão das teorias e processos que envolvem a concepção de projetos de arquitetura. Durante o processo, do estudo à fabricação, acredita-se que a mescla de elementos artesanais com elementos digitais tendem a ser benéficas ao projeto, ao mesmo tempo em que ajudam a testar critérios diversos que o projetista estabelecer. Por fim, além da revisão teórica, o auxílio projetual por meio de protótipos e experimentações de ordem prática podem contestar ou afirmar a eficiência de um sistema. O terceiro capítulo explora esta mistura de processos - o analógico e o digital por meio do estudo de caso do projeto e da construção da Igreja da Sagrada Família, em Barcelona, projeto de Antoni Gaudí e resulta em um experimento de criação de catenárias com o objetivo de se realizar uma análise de ambos os processos.

Palavras-chave:

Arquitetura,

Metadesign, Sagrada Família.

Design

Paramétrico,

Fabricação

Digital,

SUMÁRIO

RESUMO 1

INTRODUÇÃO

7

1.1 Justificativa

8

1.2 Objetivos

2

3

11

1.2.1 Geral

11

1.2.2. Específicos

11

1.3 Metodologia

12

O PROJETO DO PROCESSO DE PROJETO - METADESIGN

13

2.1 Introdução

13

2.2 Metadesign: o que significa projetar o processo?

21

2.3 Conceitos de Metadesign aplicados ao processo de projeto

27

2.4 Desenhando o processo: diagramas

35

2.5 O designer no processo de projeto

47

PROCESSOS

DIGITAIS

DE

PROJETO

-

DESIGN

57

PARAMÉTRICO E FABRICAÇÃO DIGITAL

4

3.1 Introdução

57

3.2 Conceitos para um processo de projeto digital

64

3.3 O designer e o uso de parâmetros

76

3.4 Prototipagem e fabricação digital

81

ESTUDO DE CASO E EXPERIMENTAÇÃO - TEMPLO

87

EXPIATÓRIO DA SAGRADA FAMÍLIA, DE ANTONI GAUDÍ 4.1 Introdução

87

4.2 Templo Expiatório da Sagrada Família, entre o analógico e

93

o digital

5

4.3 Prototipagem e experimentação em arquitetura

106

CONSIDERAÇÕES FINAIS

119

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

123

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

129

7

1 INTRODUÇÃO

Esta monografia constitui-se no Trabalho Final de Pós-Graduação do Curso de Arquitetura e Urbanismo e trata-se de uma das exigências para a obtenção do Título de Especialista em Arquitetura e Urbanismo. Entendemos nesta pesquisa o processo de projeto como o conjunto de atividades relacionadas à elaboração e confecção de projetos que objetivem a construção de um objeto arquitetônico ou de design. No contexto deste trabalho iremos nos ater sobretudo a uma abordagem relacionada ao projeto de arquitetura, seja na elaboração da proposta e produção dos documentos necessários à execução da obra quanto a construção propriamente dita. Este trabalho analisará criticamente de que forma a introdução de ferramentas digitais aplicadas ao processo de projeto de edificações são relevantes, tanto pela perspectiva do resultado obtido e do processo, quanto da participação do projetista dentro deste contexto. O interesse pelo tema da tecnologia digital aplicada à arquitetura pode ser observado pelo crescente número de publicações, revistas, eventos, concursos e artigos envolvendo o assunto e também pela grande repercussão motivada por partidos arquitetônicos gerados a partir de ferramentas digitais e que influenciam muitos projetistas ao redor do mundo, criando grande expectativa em relação ao uso de novos softwares e impulsionando a indústria da construção. Porém, há uma percepção de que os profissionais tendem a incorporar estas novidades tecnológicas na sua prática sem questionamentos ou reflexões. Por esta razão, uma pesquisa que se proponha a acrescentar uma contribuição no sentido de esclarecer as implicações do uso destas ferramentas é justificada. Primeiramente buscamos entender quais as bases teóricas do processo de projeto. Por este motivo, o trabalho inicia-se com o primeiro capítulo contextualizando historicamente o objeto de estudo e relatando seu momento atual. Posteriormente, buscamos explicar conceitos associados a construção de um "projeto do projeto" por meio do Metadesign e do uso de diagramas. Por fim, explicita qual a contribuição do projetista para o processo de projeto em arquitetura. No segundo capítulo a contextualização histórica se aproxima da tecnologia digital e do seu uso em arquitetura. Após um breve relato dessa

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evolução histórica, a pesquisa busca explicar os conceitos envolvidos em design paramétrico e novamente há uma preocupação em explicitar o papel do projetista dentro do processo, agora em meio digital. Ao fim conceitua-se prototipagem e fabricação digital. No último e terceiro capítulo, o foco é o estudo de caso da Igreja da Sagrada Família, de Antoni Gaudí, em Barcelona, Espanha. É analisada a sua concepção e a continuação de sua construção hoje por meio de tecnologias digitais avançadas. Em um segundo momento é traçado um paralelo entre o processo analógico e o processo digital por meio de experimentações sobre o estudo de catenárias, muito utilizado nas construções de Gaudí. Considera-se que atualmente a inclusão de processos digitais e analógicos se beneficiam mutuamente no processo de projeto contemporâneo, não sendo possível trabalhar isoladamente do contexto digital.

1.1 Justificativa O entusiasmo e motivação para a redação desta pesquisa surgiu da observação e reflexão sobre a prática profissional do Arquiteto e Urbanista nos dias de hoje. O tempo dedicado a reprodução manual (mecânica) dos processos de documentação - onde não necessariamente o pensamento do arquiteto faz diferença - eram incômodos e levavam a crença que tal tempo destinado à geração de desenhos técnicos teria mais valia se utilizado em pesquisa e na concepção do projeto de arquitetura. Além disso, o retrabalho gerado quando se alterava algo em um projeto não deveria ser inerente ao processo, deveria se buscar uma alternativa para se escapar deles. Há algum tempo que o interesse pela metodologia projetual se sobressaia em relação a reprodução imagética do projeto, principalmente para poder lidar com a integração da arquitetura com as várias disciplinas correlacionadas, ou mesmo com as que não pareciam tão conectadas ao primeiro olhar. Ao longo do tempo foi percebida a importância da compreensão global do processo. Para melhorar a eficiência e a compreensão de todo o processo, surgiu a necessidade ao autor desta pesquisa buscar conhecimento em áreas como a Fenomenologia, Gestalt, Arte, Fotografia, Linguagens de Programação e outras, as quais acreditava que se relacionavam com as questões

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contemporâneas em arquitetura e tecnologia. Mas foi especificamente a partir da experiência na participação do workshop "AA Visiting School - Liquid Urbanism" (figura 01), realizado em São Paulo (2013) durante dez dias pela escola londrina Architectural Association School of Architecture, orientado por professores que atuam em Londres (com forte tradição em estudos avançados em tecnologia digital aplicada em arquitetura) e na China (país emergente com grande possibilidade de aplicação de novas ideias), que surgiu o primeiro contato real para estudar conceitos de design paramétrico e fabricação digital. No referido workshop foram estudados propostas para a abertura do Campo de Marte, em São Paulo, para novos usos. Além do resultado considerado satisfatório, foi interessante observar e utilizar dados reais simulados em ambiente digital, dados estes que foram testados e de certo modo resguardavam o discurso de uma possível falácia do discurso arquitetônico ao mesmo tempo que escancaravam os erros. Figura 01 - À esquerda, Workshop "AA Visiting School - Liquid Urbanism". À direita, workshop realizado na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS)

Fonte: www.victorsardenberg.com. Acessado em 22.06.2015.

Outros dois workshops realizados com conceitos contemporâneos (como complexidade, dinamismo, interatividade aliada a arte) que novamente levaram o autor a uma nova imersão com o digital foram o "Workshop de Criação de Interfaces Interativas" (ver figura 02), ministrado pela arquiteta Gabriela Carneiro em 2013, com a ideia de que a criação de projetos que interagem com o homem e com o meio podem produzir arte e o "Workshop de Design Generativo" (figura 01), ministrado pelo arquiteto Victor Sardenberg em 2014, sendo o autor deste trabalho o co-organizador, e onde por meio do auxilio de ferramentas digitais ligadas ao processo de projeto pôde-se criar soluções diversas e complexas para o objeto em estudo. É importante ressaltar que os

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processos utilizados em ambos os cursos utilizaram tanto meios digitais quanto analógicos, com a produção de protótipos (além de estudos históricos das estruturas

de

Frei

Otto

e

Antoni

Gaudí,

demonstrando

como

a

contemporaneidade se referencia no passado). Em outra oportunidade sucedeu uma visita de estudos a Universidade de São Paulo - USP - em São Carlos, por meio do grupo de discussão teórica e prática "Algo+ritmo" do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS. Na viagem foi possível intercambiar informações e experiências em relação aos processos digitais em arquitetura, resultando em um protótipo produzido digitalmente, fabricado por meio de uma máquina de corte a laser comandada por controle numérico (CNC) e montado artesanalmente, como pode ser observado na figura abaixo: Figura 02 - À esquerda, workshop de interfaces interativas onde, através de uma programação em Arduíno, o objeto rotacionava em velocidades diferentes de acordo a iluminação. À direita, produção de objeto através de uma máquina de controle número - CNC - na Universidade de São Paulo, em São Carlos

Fonte: do autor, 2015.

Acreditamos, portanto, que a evolução tecnológica se mostra benéfica no controle dos processos de criação e de produção em Arquitetura e Urbanismo (seja a tecnologia do grafite e do nanquim aplicados nos desenhos à mão livre, seja a dos programas de computação representacionais do tipo CAD e renderizações, ou até a modelagem performativa em software do tipo BIM em processos digitais generativos e paramétricos). A tecnologia digital pode então ser uma ferramenta de incremento ao processo de projeto tradicional. Vale ressaltar que, apesar de auxiliar o processo, estas tecnologias por si só não garantem a qualidade arquitetônica, que é resultado direto da assertiva do homem e das demandas dos modos de vida contemporâneos.

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A proximidade do autor com arquitetos que estudam conceitos matemáticos e filosóficos relacionados a temática digital contemporânea em projetos de arquitetura e design, como o Arq. Thiago Mundim, o Arq. Victor Sardenberg e o orientador desta pesquisa, o Arq, Dr. Gilfranco Alves, acentuaram

a

curiosidade

e

ofereceram

exemplos

consistentes

das

possibilidades desse campo teórico-prático, da mesma forma que me instigaram a entender como se configuram esses processos. Pelo viés profissional, os escritórios de arquitetura hoje (em um mundo de grande dinamismo) tem necessidade de atualização constante do conhecimento e de suas práticas. Isto foi percebido pelo olhar do escritório ao qual o autor colabora - MOB Arquitetos - por meio da dificuldade em se alterar um processo de projeto já consolidado, realizado de forma cartesiana com softwares CAD, para a implantação de softwares de modelagem parametrizada BIM. Assim, espera-se que este trabalho possa ajudar a difundir a discussão a respeito de processos de projeto - em especial os que envolvem tecnologias digitais - a fim de levá-la ao mercado de trabalho ou de incorporá-la desde cedo em meio acadêmico.

1.2 Objetivos Os objetivos deste trabalho dividem-se em objetivos geral e específicos, a saber:

1.2.1 Geral Discussão de processos de projeto contemporâneo em Arquitetura e Urbanismo.

1.2.2 Específicos Discutir e revisar processos de projetos; Contextualizar historicamente os objetos da pesquisa; Estudar o conceito de Metadesign e o uso de diagramas; Relacionar a influência do projetista ao processo de projeto; Estabelecer conceitos mínimos em design paramétrico, prototipagem e fabricação digital;

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Analisar a temática da pesquisa por meio de um estudo de caso: a Igreja da Sagrada Família, de Antoni Gaudí; Produzir experimentações relacionando métodos e pensamentos de projeto em diferentes ordens (digital e analógico).

1.3 Metodologia Para chegar aos fins almejados buscou-se uma extensa revisão bibliográfica sobre o tema e suas especificidades, procurando as verificações necessárias para tornar o estudo respeitável dentro da comunidade científica. Em paralelo à revisão bibliográfica foram realizadas orientações com o professor Dr. Gilfranco Alves, orientador desta pesquisa, e discussões com outros profissionais e pesquisadores. Após a revisão bibliográfica foram registradas e analisadas algumas experimentações práticas de acordo com a linha de pensamento da pesquisa. Para concluir, o resultado obtido dessa pesquisa se demonstra em algumas considerações finais. Este trabalho visa contribuir com o meio acadêmico e com a sociedade, visto o interesse por parte de estudantes e profissionais de arquitetura nessa temática, assim esta pesquisa pode servir como guia ou introdução ao tema.

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2 O PROJETO DO PROCESSO DE PROJETO - METADESIGN "La evolución del lenguaje de la arquitectura a lo largo de los tiempos se corresponde no sólo con una evolución de los materiales sino también de los procesos de producción. Los objetos clásicos en el pasado se hacían uno a uno, a mano. Los objetos modernos en el presente se hacen en serie, a máquina, todos iguales. Los objetos genéticos en el futuro se harán también automatizados, pero todos diferentes" Alberto Estevez, em "Arquitecturas genéticas" (2003)

2.1 INTRODUÇÃO A arquitetura assim como as demais artes figurativas (como a pintura e a escultura) passaram a ser ensinadas em academias apenas a partir do Renascimento Italiano, deixando de ser uma atividade prática (ensinada por mestres experientes) e se transformando em uma ciência que poderia ser apreendida sem a necessidade de sujeição às Corporações de Ofício, graças principalmente a nomes como Bruneleschi, Alberti e Gutenberg (CELANI, 2011b). Bruneleschi criou a perspectiva cientifica e, assim, permitiu que a arquitetura se tornasse uma atividade prescritiva, ou seja, com a possibilidade de prever com maior precisão como ficaria o edifício quando executado. Alberti inventou o sistema de notação de projeto em arquitetura utilizando projeções ortogonais em desenhos em escala e definiu o edifício como o "produto do processo de projeto" do arquiteto. Na mesma direção, o surgimento da imprensa de Gutenberg e também da gravura foi outro fator fundamental para a alteração da profissão do arquiteto. Estas tecnologias permitiram a difusão dos tratados arquitetônicos e a criação de uma teoria da arquitetura (CELANI, 2011b). De acordo com Carpo (2011), Alberti teria se inspirado na lógica da imprensa para conferir status ao arquiteto por meio da autoria do projeto, porém, para que o arquiteto fosse reconhecido como autor do projeto, a construção teria que ser idêntica ao seu desenho. Ou seja, o projeto teria que ser respeitado pelo construtor. No entanto, ao contrário do livro impresso, que era realmente uma cópia fiel da matriz, o edifício produzido artesanalmente na época jamais seria uma cópia idêntica ao projeto. Nosso trabalho parte de uma premissa inicial, a de que isso só viria a ser possível hoje com a fabricação

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digital e com o conceito contemporâneo do "file to factory", ou seja, do arquivo digital à fabricação automatizada, sem uma intermediação dos desenhos em projeções ortogonais e sem a necessidade de interpretação desses desenhos. Portanto, no Renascimento houveram duas grandes mudanças na profissão do arquiteto: a criação da notação de arquitetura (permitindo a separação entre quem projeta e quem constrói) e o acesso aos tratados de arquitetura difundidos pela imprensa (permitindo a transmissão de ideias). Carpo (2011) afirma que a lógica antes de Alberti seria "se você não pode desenhar o que tem em mente, afim de que os outros façam para você, então faça você mesmo". Essa parece ter sido a mesma lógica que Gaudí utilizou para fazer o Templo Expiatório da Sagrada Família. Por esse motivo é que esse edifício tem sido considerado um paradigma para a fabricação digital e é um famoso caso de estudo entre arquitetos e designers digitais contemporâneos. Gaudí desenvolveu seu projeto fazendo modelos reduzidos (similar a Brunelleschi ao construir sua cúpula em Florença) e muitas vezes trabalhando direto na obra artesanalmente porque o sistema de notação arquitetônica daquela época não conseguia representar exatamente o que ele desejava. Hoje a tecnologia permite que ideias como as de Gaudí para o projeto do Templo Expiatório da Sagrada Família, em Barcelona, sejam representadas por meio de modelos geométricos digitais e modelos sejam usados para análise anterior à construção, para criar protótipos por meio de impressoras 3D e para usinar moldes em isopor afim de produzir peças especiais em concreto. Neste processo de fabricação digital é possível o arquiteto ter controle do produto mas sem ter que se sujeitar a produção em série como no processo de produção industrial em massa (ALVES e PRATSCHKE, 2015). Então a padronização (que era premissa primordial do modernismo) em breve possivelmente não terá mais vantagem econômica em relação a produção customizada (CELANI, 2011b). Os conceitos de padrão e normatização fazem parte de uma lógica cultural enraizada na base do pensamento e nos nossos métodos de projetar e fazer design. Seja na forma de uma expressão numérica, ou na materialização do sistema produtivo, estes conceitos propagam o que poderia ser chamado de "lógica da repetição". Implícito nesta construção lógica é a ideia de que o

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módulo é um formalismo que pode ser gerado por meio da reprodução; e reprodução, ou repetição, do conhecimento normativo elementar produzido em um mundo de ordem que era fundamental para a era da industrialização (OXMAN, 2006). Se o novo projeto é revolucionário em qualquer sentido, não é assim devido às suas formas, mas à sua capacidade de propor alternativas significativas para a lógica de repetição no sentido histórico proposto por Mitchell (MITCHEL, 2005 apud OXMAN, 2006). A síndrome de repetição propaga o valor de estabilidade ambiental, enquanto o mundo real apresenta uma imagem diferente, de dinamismo e mudança constante. O "novo design" enfrenta esta síndrome das alternativas normativas, estáticas, e tipológicas e propõe diversidade, diferenciação e evolução dinâmica. É essa ampla transformação cultural na raiz dos conceitos de se projetar e criar em design que é a mudança de paradigma da nova cultura do design (OXMAN, 2006). Esta visão traz novos atores para a criação de projeto, como, por exemplo, os sistemas gerativos (ou generativos) de projeto, que permitem a geração automatizada de variações de uma mesma ideia. A morfogênese como geração emergiu como um processo de "descoberta da forma' (form finding) ou 'forma emergente' (emergent form), relacionado com várias técnicas generativas baseadas digitalmente sem qualquer formalismo (KOLAREVIC, 2003 apud OXMAN, 2006). Celani (2011a) expõe que o sistema generativo consiste em um método sistemático de criação de projetos que não necessitam obrigatoriamente ser implementados pelo computador, e que tampouco é algo novo. Um sistema generativo "é um método indireto no qual o projetista não se preocupa apenas com a solução de um problema em particular em um contexto específico", assim permite criar diversos resultados por meio da variação de parâmetros ou da aplicação de regras, variação entre a ordem e aplicação dessas regras, ou ainda de usos de paradigmas da computação evolutiva, da inteligência artificial ou de métodos de otimização. O diagrama de Fischer e Herr descreve esta abordagem de maneira visual, comparando-a com a abordagem tradicional de projeto:

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Figura 03 - Sistema generativo tradicional e generativo

Fonte: Fischer e Herr, 2001.

Outro exemplo de sistema generativo de projeto é a gramática da forma (shape grammar). A ideia da gramática da forma é criar regras que podem ser aplicadas parametricamente de maneira variada, isto resulta em famílias de projetos que guardam certas semelhanças entre si (CELANI, 2011a). Então, por exemplo, ao invés de projetar uma cadeira é possível optar por projetar um sistema que projeta inúmeras cadeiras, ou seja, uma cadeira dentro de uma série de infinitas possibilidades. Ammar Eloueini demonstra na cadeira CoReFab resultados diversos por meio de um processo que funciona como se cada cadeira fosse um quadro de um filme e a cada quadro (ou frame) uma cadeira nova é fabricada, diferente da anterior: Figura 04 - Frames da cadeira CoReFab de Ammar Eloueini, Digit-all Studios, 2006

Fonte: http://www.digit-all.net/CoReFab-71 acessado em 08/06/2015.

Empresas voltadas à produção de programas computacionais para auxílio ao desenvolvimento de projeto, como a Autodesk, tem investigado novas tipologias e materiais de construção (por exemplo, recentemente integrou o estúdio nova-iorquino The Living, fundado por David Benjamin, à Autodesk Research) e tem investido em projetos de pesquisa tais como o Project Dreamcatcher, um sistema que gera geometria CAD (Desenho

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Assistido por Computador, do inglês Computer Aided Design) com base em uma lista de requisitos funcionais (http://autodeskresearch.com/, acessado em 08/06/2015). Então seria possível desenvolver algo manipulando critérios de concepção como firmeza, tipo de material, número de pernas e altura do assento e que, dentro de algumas restrições estabelecidas, seus principais critérios de resistência e material também sejam alcançados. Os arquitetos e designers agora possuem potencialmente milhares de conceitos para explorar. Figura 05 - Otimização de parâmetros pré-definidos idealizando um assento mais forte e mais leve, por David Benjamin, The Living Design Studio, 2014

Fonte: http://www.fastcodesign.com/3029756/why-algorithms-are-the-next-star-designers, acessado em 08/06/2015.

Com o surgimento de ferramentas de design digital na arquitetura, uma família de estratégias formais emergiu com base no uso de funções computável às questões de desempenho. Estas estratégias formais restringem o utilitas (utilidade) em arquitetura para uma medida de fitness ("boa forma"), que é uma combinação algébrica de entidades quantificáveis. Em geral, as abordagens de design performativos são guiadas numericamente a uma medida da aptidão performativa e baseiam-se na quantificação de fenômenos na natureza (KOLAREVIC e MALKAWI, 2005 apud KOTNIK, 2010). Para

o

projeto

arquitetônico,

a

perspectiva

para

a

"função

computacional" de uma estratégia de design performativo pode ser uma armadilha, pois incentiva uma tendência para a otimização e, com ela, à economia e fecha-se do pensamento arquitetônico em direção à simples manipulação paramétrica. A importância de uma descrição algorítmica da função computacional, no entanto, não reside na possibilidade de calcular uma

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solução ótima, mas sim na capacidade de controlar com precisão a relação geométrica entre os elementos de arquitetura. Geometrias computacionais permitem novas formas de expressão criativa uma vez que o uso de métodos computacionais no projeto requer alguma formalização do pensamento de design. Então estratégias de design são sobre a "exploração sistemática do potencial arquitetônico em novos tipos de organização" (KOTNIK, 2010). A noção de funcionalidade em arquitetura digital, por conseguinte, não é normativa como numa estratégia de design performativo, mas sim operativa. A eficiência de uma função computacional como estratégia de design formal tem de ser avaliada por critérios de arquitetura, em vez de critérios numéricos. A formalização do pensamento de design por meio de funções computáveis não pode substituir o processo de projeto, mas pode agir como um quadro para uma investigação mais sistemática das estratégias de design digital utilizadas na arquitetura (KOTNIK, 2010). Para entender a computação, e sua relevância para o projeto arquitetônico,

é

preciso

entender

a

distinção

entre

computação

e

informatização. Um aumenta a quantidade e a especificidade de informação, enquanto o outro contém apenas o máximo de informação que foi inicialmente fornecido. Fundamentalmente, a distinção repousa na abordagem ao design, ao invés de um conjunto de habilidades ou conhecimentos. Uma abordagem assistida por computador assume uma estratégia para "encapsular informação em representações simbólicas", ou seja, métodos de organização da informação. Em contraste, uma abordagem computacional permite aos dados específicos irem além da abstração inicial, sob a forma de "códigos que encapsulam valores e ações". Estas distinções são refletidas nas perspectivas filosóficas pela qual a arquitetura, nascida de processos baseados em computador, é percebida (TERZIDIS, 2003 apud MENGES e AHLQUIST, 2011). O conceito de computação, portanto, é muito diferente do conceito de informatização, que é um processo de automação e mecanização da manipulação de dados. "Computação é sobre a exploração de processos indeterminados, vagos, pouco claro, e muitas vezes mal definidas." Por causa de sua natureza exploratória, a computação visa simular ou prolongar o intelecto humano. Trata-se de racionalização, raciocínio, lógica, pensamento

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algorítmico, dedução, indução, extrapolação, exploração e avaliação. Em suas múltiplas implicações, envolve a resolução de problemas, estruturas mentais, cognição, simulação e inteligência baseada em regras, para citar alguns (TERZIDIS, 2003 apud KOTNIK, 2010). Como toda ferramenta (ou processo) acaba influenciando as ações do usuário, os sistemas avançados de modelagem geométrica digital foram muito usados para alcançar formas impossíveis de se fazer anteriormente com lápis e papel, resultando em edifícios com geometrias complexas e formas irregulares. Formas as quais os arquitetos modernos tinham aversão justamente pela incapacidade de se construir pelas máquinas daquela época e teriam que ser feitas artesanalmente. Hoje essas formas significam justamente o oposto: elas provêm do uso dos equipamentos industriais mais avançados que existem atualmente (CELANI, 2011b). A respeito destas geometrias complexas, Kas Oosterhouis lembra que complexidade difere de complicação. A complexidade é baseada em regras simples, como o movimento de pássaros em um bando (swarm intelligence). O projetista executa estas regras simples, e executando-as, este tipo de complexidade surge. Portanto, a complexidade surge da simplicidade, e esta é "a beleza e riqueza do processo". Podemos pensar em fenômenos naturais que trabalham assim, como o clima, a natureza, as formações rochosas ou as cidades (OOSTERHUIS apud ALVES, 2013). Celani (2011b) afirma que Le Corbusier em seu projeto Maison Citrohan fazia alusão a marca Citroën, de automóveis (estes produzidos pelos mesmos métodos industriais que ele defendia que deveriam ser usados na construção civil). Porém nem todos arquitetos tiram proveito das potencialidades tecnológicas disponíveis em sua época. Frank Gehry, por exemplo, produz arbitrariamente maquetes à mão para posteriormente digitalizá-las e manipulálas no computador e então este arquivo precisa ser racionalizado para permitir a viabilização da sua construção (por exemplo, evitando excessos de superfícies de dupla curvatura que são muito caras para se construir). Podemos especular que talvez esta não seja a maneira mais eficiente e inteligente para usar o computador: o projeto contemporâneo pode ser digital desde o início.

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Mesmo Alberti já pensava digitalmente segundo Carpo (2011). Na obra Descriptio urbis Romae, Alberti descreve ao leitor uma sequência de passos (uma descrição algorítmica) para se obter o mapa de Roma por meio do uso de coordenadas polares (um tipo de notação de coordenadas que se colocam num plano bidimensional, semelhante ao Cartesiano, porém com outros parâmetros) para reprodução em escala da planta da cidade e apresenta tabelas com números que permitiam ao usuário recriar este mapa "do-it-yourself". No livro De pictura, Alberti faz uma descrição geométrica do método da perspectiva cônica (também conhecido como "método dos arquitetos" ou "de construção legítima") e em seguida ele descreve uma máquina para fazer perspectivas por meio de uma matriz de pontos semelhante as imagens que usamos hoje no computador, composta por pixels. No livro De statua, Alberti descreve um sistema de reprodução de estátuas semelhante a um scanner 3D e, como esse sistema seria suficientemente preciso, ele ainda sugere que as partes de uma estátua poderiam ser feitas em diferentes locais e montadas posteriormente, apenas seria necessário seguir as tabelas com as descrições numéricas das partes da estátua. Já no livro De readificatoria, Alberti utiliza diversas descrições algorítmicas e paramétricas para estabelecer regras de boa conduta do projeto, percebe-se em seu texto o uso constante da condicionante "se" (if, em inglês), usada na maioria das linguagens de programação atualmente. A utilização do computador no projeto arquitetônico oferece uma base sólida para a sistematização de conhecimentos e métodos de design. Funções computacionais tornaram tangível a base formal da arquitetura que Peter Eisenman começou a explorar em sua famosa tese de Ph.D. em 1963, onde ele considerava forma arquitetônica "como um problema de consistência lógica, em outras palavras, como a interação lógica de conceitos formais" (EISENMAN, 2006 apud KOTNIK, 2010). Portanto, em função do exposto até aqui, podemos concluir que o modo e a escolha das ferramentas e dos processos de projeto - sejam digitais, analógicas ou mesmo biológicas - são cruciais para a criação do espaço arquitetônico, influenciando o modo como este é produzido.

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2.2 METADESIGN: O QUE SIGNIFICA PROJETAR O PROCESSO? O “Metaprojeto como modelo projetual" passa a existir a partir da "necessidade de uma plataforma de conhecimentos que sustente e oriente a atividade do design em um cenário fluído e em constante mutação", portanto, mais flexível e adaptável a diferentes condicionantes diante das quais hoje se deparam os arquitetos e designers. O modelo busca atender o máximo de hipóteses possíveis e assim não produz um modelo projetual único de soluções técnicas preestabelecidas. O metaprojeto pode ser considerado então como sendo o "projeto do processo do projeto" (DE MORAES, 2010). Enquanto o cenário moderno era "estático" e linear, com mensagens de fácil entendimento e de previsível decodificação (devido à lógica industrial, à estabilidade no emprego, à coesão familiar, a "segurança rumo a felicidade"), o desafio dos arquitetos e designers na atualidade, ao atuarem em um "mundo líquido" com cenários mutantes e complexos (com novos conceitos de família, de lógicas produtivas e sistemas linguísticos, comunicação global e novas tecnologias como a internet), transcende ao campo ainda pouco conhecido e decodificado dos atributos intangíveis e imateriais. Dessa forma, ocorre a interação com áreas que compõem o âmbito do comportamento humano, como as dos fatores estésicos (sensíveis às questões das relações afetivas e emocionais) e psicológicos, até então pouco considerados na concepção dos objetos industriais. Essa complexidade também se caracteriza pela interrelação recorrente entre a abundância das informações hoje facilmente disponíveis e desconectadas (BRANZI, 2006 e BAUMAN, 1999 apud DE MORAES, 2010). De Moraes (2010) afirma que, na atualidade, diferentemente da solidez moderna (em que o próprio cenário dava uma resposta ou pelo menos fortes indícios para onde seguir), o processo deve ser desenhado e preparado para ser alterado durante seu desenvolvimento, exigindo dos designers maior capacidade de gestão e maior habilidade na manipulação das informações e mensagens disponíveis. O começo do terceiro milênio trouxe um reconhecimento crescente que a prática do projetar edificações mudaria mais rapidamente que nas décadas precedentes. Em parte devido ao aumento da pressão econômica em paralelo

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as mudanças climáticas e nosso uso excessivo de recursos (WOODBURY, 2010). Ezio Manzini, autor do prefácio do livro "Metaprojeto - o design do design" de Dijeon de Moraes, descreve que as oportunidades geradas pela crise mundial são relacionadas aos novos e amplos campos de atividades que surgirão nas próximas décadas, como: a reorientação ecológica dos sistemas de produção e consumo (o que aumenta drasticamente a eficiência ecológica); a produção social de serviços (para atender a novas demandas e aumentar a coesão social); os programas regionais de ecodesenvolvimento (para promover o uso sustentável de recursos físicos e sociais locais). Conclui-se que dessa crise uma nova economia está surgindo a qual Manzini chama de "a próxima economia", bem diferente daquela que havíamos tido até agora, a saber: a próxima economia não é baseada em bens de consumo (ou seja, seus "produtos" são entidades complexas, baseadas na interação entre pessoas, produtos e lugares), a próxima economia não é orientada pelo produto (é orientada pelo serviço: uma "economia baseada em redes sociais e tecnológicas, em que pessoas, produtos e lugares interagem para obter um valor de reconhecimento comum"), a próxima economia não é limitada à economia de mercado (a economia investe em todas as esferas econômicas e envolve uma variedade de agentes sociais), a próxima economia depende principalmente da inovação social (as inovações da próxima economia são principalmente criadas e realizadas pelos grupos de pessoas diretamente envolvidas no problema que elas têm de solucionar, e não tanto por especialistas ou políticos). Portanto, a "próxima economia" pede um "próximo design" - o design da inovação social e sustentabilidade (DE MORAES, 2010). Neste cenário, não mais o produto é colocado em evidência, mas sim o contexto em que esse produto atua ou deve atuar, além de promover redes e relações inéditas, bem como interfaces inovadoras para os produtos e serviços resultantes deste "próximo design" (MANZINI in DE MORAES, 2010). O "mundo líquido" reflete hoje nossa fragilidade em emergências que não tinham sido avaliadas: a degradação de um ambiente saturado de mercadorias e detritos, o risco de exaurir os recursos do planeta, a redução da necessidade da mão-de-obra, etc. Hoje profissionais prestam serviço como freelancer e trabalham em tempo parcial, estimulam o auto-empreendedorismo

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e a consultoria temporária, assim como o trabalho autônomo, trocam serviços e criam redes colaborativas. "As tecnologias abreviaram o tempo de vida das ideias e das mensagens". Portanto tornou-se um grande desafio a decodificação deste cenário, quer seja em nível micro, quanto em nível macroambiente (BAUMAN, 1999 apud DE MORAES, 2010). De Moraes (2010) afirma que essa nova realidade culminou também por colocar em cheque o conceito de "estilo" e de "estética", nos moldes ate então empregados; para tanto essas áreas do conhecimento passaram a ter mais afinidade com disciplinas de abrangência do âmbito comportamental, em detrito daquelas que consideravam o estudo da coerência, da composição e do equilíbrio formal. A estética, nesse contexto, passa a ser mais diretamente atrelada ao comportamento coletivo social, e quanto à questão da industrialização, meio ambiente e consumo; ressalta-se a importância e o papel que passou a ter o próprio consumidor para o sucesso da sustentabilidade ambiental

do

planeta.

A

sustentabilidade

requer

um

processo

de

reposicionamento dos modos de vida da sociedade ou o surgimento de uma nova estética, por exemplo, com a composição de diferentes materiais reaproveitados ou o monocromatismo de produtos confeccionados em material único e renovável. Sendo a realidade atual um cenário mutante que se apresenta permeado de mensagens híbridas e códigos passíveis de interpretações, "podemos entender que cada decisão não é simplesmente o resultado de um cálculo, mas de uma interpretação, na qual existe sempre uma situação de risco" (ZURLO, 2004 apud DE MORAES, 2010). Cada indivíduo traz consigo suas experiências de afeto, de concessão, de motivação que ao mesmo tempo, e por consequência, tende a conectar-se com a multiplicidade de valores e dos significados da cultura à qual pertence, isto é, do seu meio social. "Trata-se, então, de posicionar a arquitetura fora da sua tradição de metáfora formal da própria história, ao se limitar apenas aos códigos figurativos e simbólicos em respeito às grandes questões sobre a condição urbana contemporânea" (BRANZI, 2006 apud DE MORAES, 2010). Para De Moraes (2010) "passamos da técnica para a cultura tecnológica, da produção para a cultura produtiva e do projeto para a cultura projetual". Ao invés de esperarmos por uma consolidação da complexidade,

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deveremos nos habituar com uma nova forma de atuação, preparados à mudanças de cenários. Alguns arquitetos têm procurado responder a essas mudanças. Greg Lynn em seu livro Animate Form, de 1999, afirma que animação implica a evolução da forma; ele sugere "animalidade, animismo, crescimento, atuação, vitalidade e virtualidade." Em suas múltiplas implicações, animação (e movimento) toca em muitos dos pressupostos mais profundamente enraizadas da arquitetura sobre a sua estrutura. O que torna a animação tão problemática para a arquitetura é a conservação do conceito de estática em sua disciplina, ou seja, o modo de pensar a arquitetura ainda baseia-se no inerte. Mais do que nunca, além do seu papel tradicional de fornecer abrigo, arquitetos esperam que também forneçam "cultura com estase". Este desejo de intemporalidade está intimamente ligado com interesses em pureza formal e autonomia. Segundo Lynn (1999), desafiar estes pressupostos por meio da introdução de modelos de organização de arquitetura que não são inertes não ameaçará a essência da disciplina, mas irá "avançá-la". O estúdio de Greg Lynn centra-se em composições complexas entrelaçadas, sutilmente variadas, com elementos continuamente

diferenciados

em

séries

não-modulares.

(http://www.studiolynn.at/, acessado em 08/06/2015.) Enquanto Greg Lynn usa a animação durante o processo de design e ao fim o congela, Kas Oosterhuis vai um pouco mais além no laboratório Hyberbody, em Delft na Holanda, abordando questões relativas a processos de projetos digitais, especialmente design paramétrico, Swarm Behaviour (comportamento de bando), arquitetura interativa, fabricação digital e experimentação. Para Kas, a ideia é continuar o processo projetual e ir negociando com a estrutura enquanto esta está sendo usada. "É um processo e seu trabalho está dentro do processo" (OOSTERHUIS apud ALVES, 2013). Um termo frequentemente relacionado ao conceito de complexidade é o "sistema". Segundo Vassão (2008), muitos pensadores desenvolveram suas propostas conceituais quanto à complexidade baseando-se na noção de sistema como foi desenvolvida a partir de meados do século XX. Dentre estes pensadores destaca-se Edgar Morin, para ele a complexidade seria produto de um volume enorme de interações entre um número enorme de atores, dentre eles o próprio acaso como parte integrante do processo, e a cibernética - a

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ciência e teoria do controle - de Norbert Wiener pôde apenas contornar o problema da complexidade: A contribuição de Wiener foi a matematização do controle, propondo meios de formalizar processos de comando e controle por meio da aritmética. Em especial, o conceito do feedback (retroalimentação) é um dos mais conhecidos da cibernética, e identifica os ciclos de confirmação e/ou recebimento de comando, e sua execução por parte do elemento comandado. A cibernética foi aplicada a um campo enorme: desde a eletrônica até a biologia, com derivações em ecologia, neurologia, sociologia, antropologia. Chegou-se a ser promulgada como uma teoria geral dos sistemas e dos seres vivos, apesar do alcance limitado que demonstrou ter, concretamente (VASSÃO, 2008).

O conceito de feedback interage em um sistema o qual está em constante transformação. Representa um conjunto de interações lógicas pela qual as informações são reintroduzidas (por estímulos ou forçosamente) no sistema para fornecer um reequilíbrio constante do seu estado de funcionamento. O conceito de feedback é uma organização cíclica: Figura 06 - Diagrama de Feedback

Fonte: Menges & Ahlquist, 2011.

Por sua afinidade com o conceito de complexidade, o método dialético e suas leis - "ação recíproca" (tudo se relaciona) e "mudança dialética" (tudo se transforma) - são considerados também como referências possíveis para o modelo metaprojetual. Para o metaprojeto, a metodologia não pode ser vista como uma função precisa e linear, na qual cada fase vem definida antes do inicio da sucessiva, mas como "uma constante intervenção de feedback em que, constantemente se retorna à fase anterior" (DE MORAES, 2010). O objeto do projeto se torna o sistema de relações que ligam o produto a um contexto maior. O fim de um processo é sempre o começo de outro. Por outro lado, as coisas não existem isoladas, destacadas uma das outras, e

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independentes, mas como um todo unido, coerente. Tanto a natureza, quanto a sociedade, são compostas de objetos e fenômenos organicamente ligados entre si, dependendo uns dos outros e, ao mesmo tempo condicionando-se reciprocamente (MARCONI e LAKATOS, 2003 apud DE MORAES, 2010).

Para De Moraes (2010), o modelo metaprojetual se consolida, portanto, pela formatação e prospecção teórica que precede a fase projetual ao "elaborar um ou mais cenários por meio de novas propostas conceituais (concept), destinadas a um novo produto ou serviço, ou a efetuação de analises corretivas (diagnose) em produtos e/ou serviços já existentes." O objetivo do metaprojeto é propiciar um cenário existente ou futuro a partir de uma plataforma de conhecimentos, em que é demonstrada a prévia avaliação sobre as condicionantes relacionados ao desenvolvimento do objeto, verificando previamente "o ciclo de vida, a tecnologia produtiva e as matériasprimas aplicáveis, os fatores sociais e mercadológicos correlacionados, bem como a coerência estético-formal e os fatores de usabilidade" intrínsecos a objetos projetuais. De acordo com De Moraes (2010), deve-se observar o metaprojeto não somente como atividade de suporte ao projeto definitivo em si: Como um instrumento que passa do modelo estático, no qual as fases do projeto são atravessadas somente uma vez, àquele modelo dinâmico, no qual se fazem verificações contínuas por meio de constantes feedbacks em todas as fases projetuais, inclusive nas já realizadas, como um modelo flexível em que as decisões tendem a ser reversíveis.

Para Vassão (2008), a primeira aproximação que fazemos do Projeto da Complexidade será pelo Metadesign. Como disciplina de projeto, o Metadesign foi proposto em início da década de 1960 (Van Onck, 1965) e, como crítica sócio-cultural, ele aparece no início da década de 1990 (Vírilio, 1996). O método de Gaudí baseado na inversão das forças é um dos exemplos que Van Onck utiliza para exemplificar a abordagem do Metadesign. O modelo em escala reduzida é montado de cabeça para baixo com correntes em tração. Ao converter o modelo no edifício, espelhando o modelo, as forças se invertem de tração para compressão. Isso permite que se defina operacionalmente a geometria da estrutura do edifício a partir do diagrama de forças gerado (VASSÃO, 2008).

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Para entendimento do Metadesign deve-se ter ainda o entendimento do prefixo Meta, sua origem e percurso etimológico. a partir do grego, "indica a noção de movimento ou transposição, o que, em outros contextos, implica em 'depois' ou 'além'", ou seja, Metadesign seria uma disciplina de projeto que procura pelos critérios gerais de projeto. No entanto o prefixo Meta também "indica alteridade e alteração, mudança e necessidade de movimento", oposto ao significado anterior, fixação, permanência, transcendência carregando o significado de Metadesign como "o processo de projeto que permite a localização de um Espaço de Possibilidades Projetuais, articulado pela composição de entidades formais" (VASSÃO, 2008). A partir das discussões apresentadas acima, Vassão (2008) propõe uma abordagem geral que pode tratar o Metadesign como uma abordagem projetual coerente, mesmo que seja inevitável promover a alienação. Propõe o Metadesign "como uma abordagem de projeto que trabalha a complexidade a partir da formalização e dos níveis de abstração." A tática inicial para isso seria a banalização da forma - tratá-la como movimento oportunamente manipulado e não como dado absolutamente submisso à teoria da informação e ao seu campo ideológico. O metaprojeto, dentro do seu âmbito de abrangência, desponta como um instrumento de auxilio ao design contemporâneo, para a compreensão e interpretação das complexas condições produtivas e projetuais existentes na atualidade.

2.3 CONCEITOS DE METADESIGN APLICADOS AO PROCESSO DE PROJETO Considerando o objeto arquitetônico com um produto de mercado, De Moraes (2010) decompõe o metaprojeto como uma fase de contextualização projetual, baseando-se inicialmente em seis tópicos principais a serem considerados para sua aplicação, podendo ser entendidos conforme a complexidade do projeto a ser desenvolvido. Ainda exalta que a aplicação do modelo metaprojetual não exige uma sequência lógica, única, linear e objetiva como a descrição a seguir possa parecer. Os tópicos não apresentam uma rigidez de ordem de abordagem, podendo ser analisados por ordem de interesse do designer ou pelos conteúdos e informações mais próximas das

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condicionantes apresentadas, pelas oportunidades e pelos desafios do projeto a ser desenvolvido. O primeiro tópico analisa fatores mercadológicos. De Moraes (2010) afirma que o design não pode prescindir da inserção de conceitos inerentes ao marketing, à economia, às questões mercadológicas. Conceitos nem sempre presentes em teorias a respeito da arquitetura. Dentro do conceito de marketing, cita cinco pontos que podem acentuar os pontos fortes em função do mercado em que pretendem atuar, sendo: o produto, o preço, o ponto de venda, a promoção e as pessoas, referindo-se aos recursos humanos e à gestão pessoal. Para maior entendimento e definição do projeto deve-se considerar o cenário e a escolha do conjunto de propriedades e a prefiguração das consequências e do seu impacto. Quando o cenário começa a se delinear e começa a se mostrar de forma mais explícita contendo uma ou várias hipóteses projetuais, adquirimos a visão do objeto em estudo. Servindo como rumo geral para a definição das metas do projeto, a visão se articula por meio da interação entre a pesquisa e as reais possibilidades de execução, considerando as possibilidades tecnológicas e fabris, bem como as interações com o desejo, os valores e as aspirações do usuário. Dentro da visão existe a demonstração de potencialidades projetuais e de uma hipótese de trabalho a ser desenvolvida, chamada de conceito. Para o metaprojeto, o conceito é uma possibilidade projetual que nasce dentro das possibilidades encontradas por meio da visão, na qual é bem mais clara a ideia em termos de informações sobre o produto, como materiais, cores, texturas, etc. Não se trata de um projeto ainda definitivo. A importância do conceito consiste na inovação da proposta em relação à concorrência e na diferenciação tendo em vista a necessidade do consumidor. Portanto, o cenário pode ser realizado por meio de narrações descritivas, ilustrações, filmes, etc. Pela visão cria-se um mapa projetual descritivo e gráfico e chega-se ao conceito sintético do projeto (DE MORAES, 2010). Para a aplicação prática destes conceitos, busca-se alcançar valores como identidade (buscando uma posição diferenciada e de destaque em um mercado,

por

exemplo,

possuindo

características

conservadoras

ou

inovadoras, agressivas ou passivas, etc.), missão (definindo o caráter permanente de uma instituição, permite saber quem são os atores do produto e

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deve ser constantemente alimentada para que não ocorra a perda da coerência e lógica que estimulou a criação da instituição) e do posicionamento estratégico (com posicionamento mercadológico e do público-alvo, deve analisar amplas e variáveis segmentações de mercado como: variável geográfica, variável demográfica, variável econômica, variável social, variável psicográfica e variável comportamental) (DE MORAES, 2010). Ou seja, o produto é uma consequência destes processos e é também orientado por eles. O segundo tópico aborda o sistema produto/design. O conceito é semelhante aos conceitos do design estratégico, em que o design não é visto somente como uma atividade projetual, mas considerado de forma dinâmica e complexa por meio da estreita interação entre produto, comunicação, mercado e serviço. Para alcançar sua aplicação, analisa a coerência entre o design proposto com as formas de divulgação desse produto para o mercado consumidor, por meio de unidade formal, harmonia visual, coerência entre as partes e mensagem percebida (DE MORAES, 2010). Nota-se que recentemente as questões relativas à sustentabilidade ambiental (somando-se também à social, econômica, política e cultural) passaram a ser consideradas de grande importância para a criação de um produto ecoeficiente. O próximo tópico aborda justamente o design e sustentabilidade socioambiental. A lógica objetiva e linear moderna foi colocada em cheque a partir do momento que os consumidores não foram chamadas como participantes do destino do mundo industrial. No decorrer dos tempos, a questão ambiental além de considerar os fatores técnicos objetivos da produção, passou à "arena mais complexa de propor um novo comportamento humano e um novo estilo de vida para os cidadãos". A necessidade de alteração do modelo de consumo e de estilo de vida gerou reflexões dentro da cultura do projeto que passou a inserir, dentro do processo de concepção, importantes variáveis como: utilização de materiais e processos de baixo impacto ambiental, consideração do ciclo de vida inteiro do produto e a possibilidade de se ter o design orientado para a sustentabilidade ambiental, tecnologia e produtos ecoeficientes (DE MORAES, 2010). Portanto, um quadro sintético sobre a dimensão ambiental do design aponta para a utilização de materiais e processos de baixo impacto ambiental

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(levando em conta matérias primas atóxicas, o consumo energético despendido durante o processo de confecção, a quantidade de poluentes, seus resíduos, sua reciclagem, etc.), consideração no projeto do ciclo de vida do produto (passando a uma dimensão mais abrangente ao considerar a pré-produção, a produção, a distribuição, o uso e o descarte) e de um design orientado para a sustentabilidade ambiental (buscando unir os fatores objetivos inerentes à prática projetual como o Ciclo de Vida, até a questões de aplicação de elementos monomateriais para a concepção de artefatos e expansão de suas aplicações) (DE MORAES, 2010). Como premissas básicas, coordenadas e linhas guias a considerar pelo metaprojeto, De Moraes (2010) exemplifica: a utilização de poucas matériasprimas no mesmo produto; a escolha de recursos naturais e processos de baixo impacto ambiental; a utilização de poucos componentes no mesmo produto; a facilidade no desmembramento e na substituição dos componentes; o uso de madeiras sintéticas e/ou certificadas, a extensão da vida do produto; entre outros. Seguindo, De Moraes (2010) aborda, no quarto tópico, as influências socioculturais. A concepção de um produto, de forma consciente ou não, é fruto da interação dos atores envolvidos no projeto com a realidade sociocultural circundante que os influenciam. Segundo ele, "isso se vê presente de maneira mais clara e definida quando nos dirigimos para a produção artesanal, espontânea e popular, na qual o produto e o produtor se espelham como um verdadeiro jogo de significado e significância." Hoje, torna-se imperativa a capacidade de arquitetos e designers na interpretação do estilo de vida local e sua identidade para que seja inserido seu contexto no projeto. A estética é tida como um reflexo do comportamento do homem enquanto ser social, como grupo coletivo, das apreciações referentes à conduta humana, isto é: a ética, que acaba por influenciar a estética da nossa cultura material. Pode-se dizer, portanto, que exista uma estética militar, indígena e eclesiástica. No caso do design brasileiro, com estética multicultural e híbrida, é necessário o reconhecimento desses valores, heterogêneos e complexos, fruto da ambiência e cultura locais, a serem interpretados e decodificados dentro do processo projetual. É sabido também que a época, bem como a descoberta ou invenção de novos materiais e do surgimento de

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novas tecnologias produtivas e seus produtos acabam por influenciar a concepção e a forma estética dos produtos (DE MORAES, 2010). No tópico sobre tecnologia produtiva e materiais empregados, De Moraes (2010) cita a evolução da tecnologia produtiva e o surgimento de novos materiais indutores de uma nova realidade, com os produtos sendo avaliados não somente por meio de fatores funcionais e estéticos, mas, de igual forma, por meio de fatores estésicos, isto é, relativos à sensibilidade, à emoção e ao sentimento. Graças a pluralidade e à capacidade dos novos materiais para serem macios, leves, transparentes e translúcidos, além de possuírem outras características, surgiram, por consequência, produtos que despertam nas pessoas valores como a emotividade, o valor de estima e a qualidade percebida. Por fim, o tópico a respeito dos fatores tipológicos, formais e ergonômicos. Segundo De Moraes (2010), sabemos que a "função primária" dos objetos é, teoricamente, o motivo da sua existência, por exemplo, os óculos servem para nos fazer enxergar melhor, mas é necessário que possuam as hastes que os prendam em nossas orelhas ou no nariz e, que sirvam também para, sustentar as lentes. Nesse caso, a maneira como se dispõem esses elementos nos permite várias possibilidades de exploração dos fatores secundários como: a composição estética, a escolha de materiais, as cores e texturas e, de igual forma, o acabamento final. Hoje, com o avanço da tecnologia e da qualidade produtiva, as funções tidas como secundárias passaram a ser as de maior peso na decisão de uma compra, por parte dos consumidores. Considera-se que as funções primárias devem mesmo estar presentes, pois são elas o próprio motivo da existência do produto no atendimento das necessidades coletivas, enquanto as funções secundárias estimulam os desejos e as emotividades individuais. De Moraes (2010) afirma que a evolução tecnológica rompeu com os paradigmas preestabelecidos que justificavam a máxima "a forma segue a função", afirma ainda que não somos muito aficionados às coisas em si, mas às relações que as coisas representam para nós mesmos, e isso muitas vezes não era considerado pelo design. É importante entender a expressão dos artefatos não somente como alusão a um plano funcional, mas também como local de mediação entre a mensagem e as intenções do uso, interagindo com

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os produtos por meio de ações como: perceber, cheirar, sentir, tocar e experimentar. Hoje, a questão da imaterialidade e virtualidade dos produtos exige dos arquitetos e designers mais capacidade de interpretação de códigos percebíveis pelos usuários que talento para definir a forma plástica e estética (vide os produtos de comunicação e entretenimento). Soma-se ainda a tudo isso a ruptura da dinâmica da escala hierárquica das necessidades humanas apontadas pela pirâmide de Maslow na figura a seguir: Figura 07 - Pirâmide de Maslow

Fonte: http://abilitytradenews.com.br/o-otimismo-do-consumidor-e-os-novos-rumos-dovarejo/piramide-de-maslow/, acessado em 08/06/2015.

Vassão (2010), por outro viés, dedica a descrever e conceituar ferramentas adequadas para a tarefa do Metadesign, formando um vasto repertório de projeto, porém com uma visão relativizada da instrumentalidade do Metadesign, aplicada a uma visão descentralizada, distribuída e colaborativa da criação e do projeto. Em seu livro - "Metadesign: ferramentas, estratégias e ética para a complexidade", Vassão organiza o que considera "elementos do Metadesign como disciplina duradoura de projeto" a partir dos seguintes componentes: níveis de abstração, diagramas, procedimentos e emergências. E ainda extrai de cada componente outros conceitos. Níveis de abstração "envolvem o agrupamento de objetos em metaobjetos, assim como a decomposição de objetos em sub-objetos. Um processo que, na verdade, está enraizado na cultura contemporânea" (VASSÃO, 2008). Um primeiro passo para decodificação desses níveis é o que Vassão (2010) chama de "Escala de Complexidade". A complexidade é um conjunto grande de coisas simples, a nossa dificuldade em compreender essa complexidade é consequência do acúmulo de entidades muito numerosas. Um aspecto importante é que uma descrição da realidade, sua "representação", é

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uma redução daquela realidade. E utilizamos essa redução para que possamos compreender algo. Portanto, essa simplificação é um ato criativo e subjetivo que fazemos para lidar com um objeto. Existem objetos mais ou menos complexos, um modo que recorremos para compreender essa complexidade é por meio do uso de camadas (ou níveis) sobrepostas. Encontramos na Biologia um exemplo claro quando organizamos essa complexidade em níveis ordenados: átomos, moléculas, organelas, células, tecidos, órgãos, corpos, comunidades, sociedades, ecossistemas. Outro exemplo é quando dividimos o sistema de uma cadeira em: a própria cadeira; pés, assentos, encosto, apoio; estofamento, revestimento, acabamentos, etc.; e peças individuais contadas uma a uma. Percebemos que há uma "relação numérica", de tamanhos de conjuntos, que define a complexidade. Quanto menos entidades em sua composição, menor a sua complexidade (VASSÃO, 2010). Outro conceito para dialogar com a complexidade é o que a Cibernética denomina de "Caixa-Preta", ou seja, um conjunto de objetos que são "encapsulados", tornados uma coleção fechada de entidades, cuja operação e funcionamento são conhecidos. Fazemos isso no dia-a-dia ao nomear objetos: estamos reduzindo o objeto àquele nome. À criação de "caixas-pretas" a Cibernética da o nome de Abstração. Tendemos também a agrupar objetos em algum domínio, por exemplo uma casa, e o fazemos a partir de duas lógicas: características similares (como no caso da taxonomia dos seres vivos, em que seres similares constituem grupos) ou em virtude de conexões funcionais (como no caso dos órgãos do sistema do corpo humano). Esses "conjuntos" podem ser representados como "domínios que contêm outros subdomínios ou que são contidos em superdomínios" e pode-se recorrer a uma representação em árvore - um diagrama que apresenta mais ramos nos níveis mais baixos e menos em níveis mais altos. Em cibernética, opera-se a abstração pela montagem de conjuntos e pelo seu isolamento em uma "cápsula" (um conteúdo que pode ser ignorado sem perda de compreensão de suas funcionalidades) e cada "cápsula" gerada por esse processo de abstração é um conjunto coeso denominado "módulo" (um componente de um sistema que tem seu funcionamento previsto e controlado). Um dos aspectos desse encapsulamento é que os objetos gerados por ele são também parte integrada em um "sistema" maior e a integração de sistemas complexos depende da modularização desse

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sistema: "sua construção como uma coleção de peças relativamente independentes entre si". A indústria se apropria fortemente desses conceitos (VASSÃO, 2010). O "estudo do ser", ou seja, do que pode ou não existir, conhecido pelo termo Ontologia, derivado da filosofia, é também apropriado para o uso em metadesign. O termo foi apropriado pela informática e recebeu a conotação de especificar as categorias que se aplicam a um determinado contexto. Elas são produzidas tendo-se em mente sua limitação, circunstanciabilidade e aplicabilidade específica. Operam como um mapa abstrato que indica agrupamentos e classificações, operações e relações características de um sistema. Manipular uma ontologia é manipular uma realidade, por esse motivo, criar, desenvolver, ajustar e aprimorar ontologias é uma parte muito importante do Metadesign. A criação de uma Ontologia varia de acordo com a pessoa, ou grupo, que criá-las, sob certa ótica do objeto em questão. Uma Ontologia também é um "Modelo", ou seja, uma entidade abstrata que serve como referência para a construção, avaliação e controle de entidades. Um Modelo assume a forma de um sistema de conexões e/ou operações, similar a uma máquina ou mecanismo, em geral descrevendo um fluxo, desta forma existem "modelos financeiros", "modelos ecológicos", "modelos estruturais", etc. Os Modelos são compostos por conjuntos de entidades encapsuladas, por módulos e caixas-pretas, o que os tornam operáveis (o diagrama de um modelo tende a ser uma rede, composto por muitos componentes e subcomponentes, organizados funcionalmente). A "Arquitetura da Informação" opera pela criação de um inventário das entidades que existem em um sistema, e pela indicação das conexões e relações entre elas (VASSÃO, 2010). Segundo Vassão (2010), pode-se superar a noção de "abstração como separação", e construir-se máquinas abstratas, que operam além da oposição simples entre representação e realidade. Pode-se construir Ecologias. A abordagem Ecológica assume a incompletude do conhecimento, que os modelos são imperfeitos, e que pode-se, pelo menos, aludir à concretude. Tanto nas organizações reticulares, como nas hierárquicas, pode-se subir e descer nas escalas de complexidade, atravessando níveis de abstração, caso viaje do alto - o mais complexo - para baixo - o mais simples - denomina-se top-down, e em sentido contrário, bottom-up. Construir modelos pela

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abordagem top-down tende a resultar em modelos mais convencionais ou conservadores, pouco inovadores. Isso se dá por que, ao abordar-se um sistema a partir da abstração mais alta, tende-se a lidar apenas com representações isoladas, apartadas de contextos concretos. Os níveis de abstração citados por Vassão (2010) começam a responder o que é (por meio da taxonomia e da ontologia) e como funciona (pelo modelo) um sistema. Com o uso de diagramas e dos princípios da topologia, é possível começar a compreender, representar e produzir o sistema enquanto espaço.

2.4 DESENHANDO O PROCESSO: DIAGRAMAS Técnicas diagramáticas fornecem um ponto de apoio nos acelerados caminhos da informação mediada. A falta de sentido que a repetição e a mediação cria pode ser superada por diagramas que geram novos significados afastando-se da fixação tipológica (BERKEL e BOS, 1999). Para Berkel & Bos (1999) existem três etapas para o diagrama: seleção, aplicação e operação. Os diagramas contém informações em vários níveis. Um diagrama é um conjunto de situações solidificadas, técnicas, táticas e funcionamentos. Caracteristicamente, quando um diagrama gera novos significados, eles ainda estão diretamente relacionados com o seu conteúdo. Sperling (2014) configura a relação de diagramas com outros termos: Deve-se considerar que todo diagrama funciona por meio da representação e operação com as relações estruturais que concernem à determinada entidade (relações internas ao conhecimento, relações internas ao espaço, e relações entre conhecimentos e espaços). Neste sentido, todo diagrama, ao operar por meio de relações, configura-se como uma máquina topológica, entendendo-se a topologia como o campo da matemática que estuda as relações espaciais invariantes independentes de variações formais (SPERLING, 2003 apud SPERLING e ROSADO, 2014). Assinala-se, portanto, uma correspondência entre os termos diagrama, topologia e relação.

Desta "instância topológica" Sperling e Rosado (2014) considera historicamente cinco configurações diagramáticas, demonstrados na figura abaixo, a saber: Diagramas tipológicos (relações entre origem, forma e função), diagramas geométricos (relações geométricas entre partes: medidas, proporções, módulos); diagramas cibernéticos (relações de feedback

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e recursividade entre partes); diagramas operativos (relações processuais, operações formais no tempo; fluxos); e diagramas paramétricos (relações algorítmicas e de autoimplicação entre partes). Figura 08 - As cinco configurações diagramáticas ou cinco máquinas de mediação entre conhecimento e espaço em processo de projeto

Fonte: Sperling, 2014.

A topologia é o ramo da matemática que lida com "a estrutura lógica do espaço", e é importante a compreensão para o processo de metadesign dois objetos topológicos: os grafos e as regiões (VASSÃO, 2010). Grafos são figuras ou objetos gráficos compostos por entidades (que podem ser representados por círculos, quadrados, locais, cidades, pessoas, etc.) conectados por relações (que podem ser linhas, curvas, caminhos, estradas, cabos, etc.) Regiões são áreas, volumes ou massas, corpos, etc. que delimitam algum campo ou espaço. Estes objetos topológicos, representados na figura a seguir, nos permitem enxergar como as coisas estão configuradas (ou seja, sua conformação topológica). A igualdade entre entidades aparentemente muito diferentes entre si é denominada isomorfia, ou seja, "forma igual". É a isomorfia que nos faz identificar, por exemplo, seres humanos e distinguirmos estes de outros seres (VASSÃO, 2010). Figura 09 - Estudos quanto aos princípios de organização em grafos e regiões

Fonte: Vassão, 2008.

Segundo Vassão (2010) o modo simples de atuar sobre a isomorfia é por meio do que Christopher Alexander chama de patterns, ou seja, diagramas

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que identificam princípios de projeto e composição. Patterns permitem que qualquer pessoa possa participar em um processo de projeto, em uma dinâmica colaborativa e não centralizada. Um exemplo para se entender este conceito é dado pela "casa burguesa": a organização diagramática dessa forma habitacional resulta em uma "entrada ligada a uma área de estar, que distribui a circulação para os cômodos privados (quartos), por sua vez conectados aos sanitários; ainda, da área de estar, distribui-se para a cozinha e área de serviços". Este pattern pode conter muitas variáveis. Em Sperling (2014) encontramos outras disposições a respeito de diagramas: Lueder (2012), por sua vez, diferencia estruturalmente os diagramas segundo correlações entre o tipo de conhecimento e a lógica de espacialização com que operam, apresentando duas grandes variantes, presentes ainda no contexto digital. A primeira variante é denominada por ele de diagrama científico e é estruturada pela conexão de bolhas (bubble diagrams), para a elucidação e resolução de problemas. Tal variante foi posteriormente difundida nos estudos de Christopher Alexander (figura X). A segunda variante é denominada pelo autor de diagrama sintático ou linguístico e é estruturada similarmente aos tabuleiros de jogos (game board diagrams) para o aprendizado de uma determinada linguagem. Tal variante, que remonta aos estudos de Colin Rowe, Rudolf Wittkower e John Hejduk, foi posteriormente explorada nas investigações projetuais de Peter Eisenman (LUEDER, 2012 apud SPERLING, 2014). Figura 10 - (a) árvore para sobreposição de diagramas (Alexander); (b) árvore de análise e de síntese da forma (Alexander); (c) semiretícula (Alexander); (d) cascata de padrões

Fonte: Veloso & Pratschke, 2013.

A função do diagrama é atrasar a fixação tipológica e avançar o projeto. A seleção e aplicação de um esquema envolve a inserção de um elemento que contém dentro de si informações densas. Embora o diagrama não seja selecionado com base em uma informação de representação específica, ele também não é uma imagem aleatória. A descoberta do diagrama é instigada

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por questões específicas relacionadas com o projeto: sua localização, programa e construção (BERKEL e BOS, 1999). Segundo Berkel & Bos (1999), torna-se interessante o uso de um diagrama a partir do momento que ele começa a se relacionar especificamente aos efeitos organizacionais. Entre diagramas podemos citar fluxogramas, notações musicais, desenhos esquemáticos de edifícios industriais, etc. Para sugerir uma possível organização virtual, pode-se usar ideogramas, diagramas em linha, diagramas de imagem e diagramas operacionais. A forma como as entidades se organizam podem gerar formas diagramática recorrentes na cultura e na sociedade, o que Deleuze e Guatari chamam de árvore e rizoma. A árvore possui forma de organização centralizada em uma estrutura hierárquica, enquanto o rizoma seria uma forma de organização não centralizada (suas entidades podem variar de importância mas isso não é determinado de forma permanente). Para entendimento desse "mundo centralizado" e "mundo distribuído" é comum o uso do diagrama criado por Paul Baran para organizar um sistema de telecomunicações digitais (VASSÃO, 2010): Figura 11 - Podemos compreender o último diagrama da direita como a estrutura reticular da Internet (rizoma) e o primeiro diagrama da esquerda como sendo a centralização subentendida do Protocolo de Internet, em inglês Internet Protocol, ou IP (árvore). Diagrama de Paul Baran, 1964

Fonte: http://pt.slideshare.net/MaristelaMoura/da-sociedade-industrial-sociedade-em-rede8538889, acessado em 08/06/2015.

A ideia de atributos de hiperconectividade e estruturas não-hierárquicas de organização estão entre as construções teóricas deleuzianos que têm exercido uma grande influência sobre a teorização do design digital e assuntos relacionados (OXMAN, 2006). Nota-se que na atualidade está emergindo, em oposição à histórica competitividade pela especialização, um forte interesse pela colaboração interdisciplinar (DE MORAES, 2010). Esta colaboração se aproximaria mais do sistema em rizoma citado anteriormente.

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De Moraes (2010) afirma que no âmbito projetual um processo se inicia com a individualização do denominado problem finding (definindo o problema), passando a seguir o oportuno problem setting (conhecendo o problema), antes de chegar ao problem solving (resolvendo o problema). Enquanto que por outro lado, as formas e os modos de produção tornam-se cada vez mais híbridos e transversais, fazendo com que a metodologia passe a uma relação mais flexível e adaptável de visão mais circunscrita e holística dentro da cultura do projeto. Neste contexto, abre-se um universo onde as formas não são estáveis, mas podem sofrer variações, dando origem à novas possibilidades, ou seja, a forma emergente. Os projetistas podem ver as formas como resultado de reações a um contexto de forças ou ações. Há, no entanto, nada automático ou determinista na definição de ações e reações; eles implicitamente criam campos de indeterminação na qual formas inesperadas e genuinamente novas pode emergir (KOLAREVIC, 2001). Estas redes e conexões criam uma realidade onde a estrutura em forma de rizoma e em forma de árvore se fundem de forma assimétrica e disforme, em um mundo complexo e em constante movimento, conforme sugerido na figura a seguir: Figura 12 - Diagrama criado pela linguagem Processing para visualização de informações, capa do livro de Reas, C., Andamp; Fry. (2007). Processing: a programming handbook for visual designers and artists. Cambridge, MA: The MIT Press

Fonte: http://blog.archpaper.com/2009/10/code-warriors/ acessado em 08.05.2015.

Notavelmente, as formas diagramáticas de organização da informação vêm crescendo em uso, aplicações e variedade. Técnicas surgiram para assistir (auxiliar) as formas de pensamento, como o "mind map" (mapas mentais), onde a partir de um conceito centralizado ramificam-se conceitos derivados, os quais podem ser acompanhados de ilustrações, rabiscos, textos, etc. formando uma estrutura hierárquica. O diagrama também pode ser

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compreendido além de sua representação e ser operado por uma máquina, e pode ser efetivamente um controlador de outros processos. Os sistemas interativos são, em geral, concebidos primariamente como diagramas para depois serem transformados em códigos, texto e imagem (VASSÃO, 2010). Berkel e Bos (1999) publicou escritos importantes sobre a mudança nas perspectivas teóricas e metodológicas em projeto como uma atividade de pesquisa. O trabalho introduziu um corpo de conceitos teóricos, tais como "o diagrama e as máquinas de design" que estavam se tornando os mecanismos para a transformação do antigo para o novo discurso e sua ênfase foi sobre como o discurso teórico era relacionado ao design, e menos sobre esclarecimentos de métodos e técnicas de design (VAN BERKEL e BOS, 1999 apud OXMAN, 2006). Em geral, os diagramas são mais conhecidos e compreendidos como ferramentas visuais utilizadas para uma síntese de informações. Um diagrama pode conter um grande volume de informação em poucas linhas (que encheriam páginas se fossem reunidas em forma escrita). Na arquitetura, diagramas foram introduzidos nos últimos anos como parte de uma técnica que promove o desenvolvimento do projeto, gerando e instrumentalizando a abordagem ao design. A essência da técnica de diagrama é que ele introduz em um trabalho qualidades que não seriam ditas, desconectadas de um ideal ou uma ideologia, em um processo aleatório, intuitivo, subjetivo, não ligado a uma lógica linear. Estas qualidades podem ser físicas, estruturais, espaciais ou técnicas (BERKEL e BOS, 1999). No campo da arquitetura, Sperling (2014) afirma que: Ao mesmo tempo em que são possíveis correlações acerca dos modos de funcionamento dos diagramas neste campo com certas bases definidas por outras disciplinas, estes possuem a especificidade de compartilhar com a arquitetura a mesma operação primordial: a criação de relações espaciais. O interesse no diagrama está relacionado justamente em assistir ao pensamento, à característica de ser um instrumento capaz de registrar, acompanhar e induzir processos e relações, estruturar informações, incorporar o tempo à forma, mapear e investigar o próprio processo de projeto.

Portanto, um diagrama não é uma planta e não é o desenho de uma construção, reconhecível em todos os seus pormenores e com uma escala adequada. Ao mesmo tempo, conceitos nunca podem ser diretamente

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aplicadas à arquitetura, sendo necessário um mediador. O diagrama também não é uma metáfora ou paradigma, mas uma "máquina abstrata" que é tanto o conteúdo e a expressão, é isto que distingue diagramas de índices, ícones e símbolos. A "máquina abstrata" de diagramas não é representativa, ela não representa um objeto ou uma situação existente (ou seja, significados de diagramas também não são fixos), mas é essencial para a produção de novos objetos. A prática em diagrama pode se tornar ingrediente indispensável para a compreensão do funcionamento de um processo (BERKEL e BOS, 1999). No contexto atual onde a computação ubíqua (que está em toda parte e ao mesmo tempo) se faz de igual forma presente no processo de projeto de arquitetura, a associação do uso de diagramas ao uso de tecnologia pode trazer benefícios. Sperling (2014) afirma que: Foi quando os modos de concepção da arquitetura passaram a receber influências de descobertas das ciências e da computação que o diagrama entra decisivamente em cena, incorporando-se às lógicas e aos dispositivos digitais que passam a sustentar as estratégias projetuais (GARCIA, 2010 apud SPERLING, 2014). O diagrama torna-se, portanto, uma interface mediadora-chave de relações heterogêneas e de fenômenos complexos, correlata ao cenário cultural contemporâneo (LÓPEZ e PONS, 2010 apud SPERLING, 2014).

E acrescenta: O crescente uso de diagramas na arquitetura contemporânea pode ser atribuído a, pelo menos, um dos seguintes fatores: o incremento da sistematização (ou pós-sistematização) dos processos projetuais e pela incorporação de lógicas computacionais e conceitos das ciências e da filosofia; e a ampliação da divulgação dos processos de projeto, como forma de validação dos artefatos projetados e da explicitação dos conhecimentos implicados em sua criação, afirmando a disciplina da arquitetura como ciência aplicada (SPERLING, 2014).

O escritório de arquitetura Bjarke Ingels Group (BIG) é citado por Sperling (2014) como grande representativo para estudos de diagramas em projetos de arquitetura. Por meio de seus diagramas, o escritório ainda enfatiza a associação entre arquitetura e mídia pelo viés da comunicabilidade midiática da arquitetura (architectural broadcasting).

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Figura 13 - Diagrama do projeto West 57th Street, BIG

Fonte: Sperling, 2014.

Segundo Veloso e Pratschke (2013), com o desenvolvimento dos computadores de uso geral, houve "um grande investimento em linguagens que embutissem no aparelho as próprias instruções para resolver um problema". Ao lado das pesquisas bélicas e computacionais, a cibernética e a teoria da informação também promoveram modos de pensamento sistêmicos e o uso de diagramas: Elas contribuíram para a formulação de uma cultura arquitetônica que, em detrimento das representações geométricas, privilegiava o uso de diagramas de fluxos de informação no projeto. Além do viés técnico das representações, a adoção desses diagramas acompanhou a aproximação da arquitetura ao território da computação. O projetista assumia o papel de produtor de sistemas formais que, por meio da articulação de instruções rigorosas e bem definidas, visava organizar e gerar constructos arquitetônicos (FLUSSER, 1985 e 2008 apud VELOSO e PRATSCHKE, 2013).

Atualmente, com a aproximação ao público da computação (scripting) e dos

diagramas

de

fluxo

de

dados

(modelagem

paramétrica),

"o

desenvolvimento dos conteúdos e processos de projeto em estruturas explícitas

de

informação

transversalmente

nas

adquire

diversas

renovado

revisões

interesse

propostas

e

pelas

se

coloca

pesquisas

computacionais." Os diagramas de fluxo (usados, por exemplo, no plug-in Grasshopper e demonstrado na figura abaixo) interpõem, entre o projetista e o modelo associativo do edifício, "uma estrutura de um grafo acíclico dirigido (cascata)" (VELOSO e PRATSCHKE, 2013).

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Figura 14 - (a) Flow Diagramas de H. Goldstine e J. von Neumann, 1947; (b) Plug-in Grasshopper, 2013

Fonte: Veloso & Pratschke, 2013.

Para arquitetos como Gordon Pask, Yona Friedman e Christopher Alexander, a reconfiguração metodológica da arquitetura possuía um forte fator ideológico. Veloso e Pratschke (2013) cita: Seus diagramas colocavam em questão o papel do próprio arquiteto e dependiam, em alguma medida, da "ação dos partícipes no contexto para ativar a produção do espaço. Seja na adaptação do Fun Palace (figura 15) de Gordon Pask, no desenvolvimento de estruturas espaciais com o Flatwriter de Yona Friedman (figura 16) ou com a Linguagem de Padrões de Christopher Alexander (figura 10), cada diagrama era "uma plataforma para uma reestruturação do processo de projeto.

E seguindo, pode-se então: Vislumbrar o projeto como um jogo aberto, em que suas regras sejam colocadas em função de diferentes diálogos e contextos, em prol da adaptação. Nesse sentido, os diagramas podem contribuir para o desenvolvimento de uma complexidade que decorra de seu uso e apropriação (FLUSSER, 1985 e 2008 apud VELOSO e PRATSCHKE, 2013). Figura 15 - (a) e (b) Fun Palace; (c) Colloquy of Mobiles

Fonte: Veloso & Pratschke, 2013.

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Figura 16 - (a) infraestrutura participativa; (b) grafo gerando estrutura espacial; (c) notação do Flatwriter

Fonte: Veloso & Pratschke, 2013.

Segundo Berkel & Bos (1999), a máquina abstrata do diagrama necessita de acionamento. Ela tem que ser posta em movimento para que o processo de transformação possa começar. A inserção de diagrama em um projeto remete-se à "função do tempo e da ação" no processo de concepção. Intercalar tempo e ação possibilita transformações no processo de construção em arquitetura, ou seja, o projeto é definido em seu curso. As propriedades específicas deste diagrama lançam uma nova luz sobre o trabalho. Como resultado, o trabalho torna-se mutável; novos rumos e novos significados são acionados. O diagrama opera como um "buraco negro", que muda radicalmente o curso do projeto, transformando e libertando a arquitetura. Van Onck nos diz que em Metadesign não necessariamente projeta-se o objeto final, mas sim um objeto intermediário, o qual torna-se o mecanismo ou procedimento que, por sua vez, realiza o objeto de projeto. De maneira geral, trata-se

de

indicações

e

norteamentos,

ou

então

fórmulas,

regras,

determinações (VASSÃO, 2010). Métodos, metodologia e metadesign possuem origem muito próxima, referindo-se a um movimento de transposição, a um caminho a ser trilhado, um objetivo a ser alcançado. A metodologia é a ciência que estuda os métodos, e possui uma conotação mais filosófica enquanto que métodos são processos específicos. O Metadesign trata de um campo mais amplo, do qual fazem parte os conjuntos dos métodos e o estudo dos mesmos, mas trata também da relação com eles, ou seja, estabelece um diálogo com os múltiplos e variantes métodos com os quais se faz projetos, ciência, filosofia, etc. (VASSÃO, 2010). Vassão (2010) afirma que atualmente existe uma tendência em Design, Arquitetura e Arte que envolve a programação como forma de expressão, ou

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seja, como compreensão do processo computacional como um intermediário procedimental para a criação de entidades. Algoritmos, peças fundamentais da lógica computacional, são dispositivos abstratos que desempenham tarefas lógicas. A noção de algoritmo é muito fértil no mundo contemporâneo e arquitetos, artistas e designers apropriaram-se deste e de outros conceitos relacionados (como a automação de processos) ao campo tecnológico e matemático, incorporando alguns de seus componentes ao seu processo criativo (TERZIDIS, 2006 apud VASSÃO, 2008). Exemplos desta atividade algorítmica, em arquitetura, são John Frazer (que aborda a possibilidade da programação evolutiva em arquitetura), Skylar Tibbits, Mark Fornes (ligados ao coletivo theverymany, que explora as possibilidades de variabilidade plástica derivada da programação. Arquiteturas evolutivas propõem o modelo evolutivo da natureza como o processo de geração de forma arquitetônica. Nesta abordagem para a concepção, de acordo com John Frazer (1995), "conceitos arquitetônicos são expressos como regras generativas de modo que a sua evolução e desenvolvimento pode ser acelerado e testado por meio da utilização de modelos computacionais". Vários parâmetros são codificados e os seus valores alterados durante o processo gerador. Um certo número de formas semelhantes são gerados, os quais são então selecionados a partir da população (a quantidade de objetos) existente com base em "critérios de aptidão" pré-definidos. Os "organismos" selecionados e os valores dos parâmetros correspondentes, em seguida, são mesclados com "genes cruzados" e "mutações", passando assim a reforçar traços benéficos e de sobrevivência para as novas gerações. "Soluções ótimas" são obtidas por meio de

pequenas

alterações

incrementais

ao

longo

de

várias

gerações

(KOLAREVIC, 2001). Manipular a composição dos procedimentos é tanto um processo criativo quanto a manipulação direta dos objetos finais de projeto. Tanto Gaudí no Templo Expiatório da Sagrada Família, por exemplo, como Rietveld na cadeira red and blue (PIGNATARI, 2004), e também Fornes e Frazer, manipulam a composição de seus "meta-objetos" para que os resultados se tornem mais significantes. O que eles fazem é manipular as condicionantes de um espaço de possibilidades de soluções, condicionados pelas regras, procedimentos,

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fórmulas ou algoritmos que manipulam. Este espaço criado não é determinístico. Portanto o conceito de máquinas abstratas pode ser o objeto do "meta-edifício" criado por Gaudí, ou a "meta-cadeira" de Rietveld, entre outros (VASSÃO, 2010). Por fim, um dos últimos componentes do Metadesign citados aqui a partir da exposição de Vassão (2010) é a emergência. Em um sentido ligado aos estudos de sistemas e cibernética, indica "todo tipo de característica ou comportamento que emerge sem que tenha sido previsto, proposto ou sequer imaginado quando o sistema foi criado ou implementado." Em geral, a característica emergente mais destacada é a capacidade de auto-organização. Este conceito transpassa desde a simulação de ecossistemas, até a análise da organização de formas sociais naturais complexas, como formigueiros, e também as teorias e propostas do conceito de vida artificial. Este conceito é controverso, porém, Vassão afirma que "se não estão criando seres vivos no computador, estão simulando-os muito bem." Segundo Vassão (2010), mesmo que alguma inovação - não necessariamente comunicacional ou tecnológica, mas também de práticas produtivas, de construção do ambiente e do design - é lançada à sociedade, ela irá afetar a cultura de um modo que superará nossas expectativas, e em sentidos também surpreendentes, trazendo consequências imprevistas da tecnologia e desta inovação. Se por um lado não podemos afirmar com certeza quais serão as consequências de um agenciamento, por outro lado, não somos reféns de uma lógica completamente além de nosso controle, que se faz à total revelia de nossas intenções. Para trabalhar com situações imprevistas num cenário com dificuldade para se formalizar um projeto, acredita-se que o primeiro passo seria abrir o caminho para incorporar o ferramental do Metadesign visto que o ferramental tradicional, mesmo que amparado pela computação e informática, não é suficiente para lidar com a complexidade. E em segundo lugar, aprender a lidar com o conhecimento incompleto - uma maneira seria envolver o objeto proposto em um máximo de experimentos. O que importa nestes experimentos, no fim, como evolução do processo, "é que funcionem" (VASSÃO, 2010; OOSTERHUIS apud ALVES, 2013). Esse modo de produção empírica de

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conhecimento chama-se "heurística" - palavra de origem grega e que significa "encontrar". Outro princípio extremamente fértil para abordar processos complexos é o da colaboração, sendo uma forma de torná-los acessíveis como também identificáveis. A proposta que melhor interage com esse conceito é, provavelmente, o Software Livre - uma abordagem que implica que o conhecimento é produzido coletivamente e deve permanecer como um bem público (VASSÃO, 2008 e 2010). Portanto, consideramos que seria possível pensar em um "projeto não determinístico" no qual o imprevisto é algo a ser promovido e utilizado, não apenas como diferencial competitivo, mas também como atitude ética. Pode-se enfim admitir após as reflexões decorridas que: Os novos processos de design são complexas interações do design: novas redes de design em que indivíduos, empresas, organizações sem fins lucrativos, instituições locais e globais usam sua criatividade e empreendedorismo para obter alguns valores compartilhados (JEGOU e MANZINI, 2008 apud DE MORAES, 2010).

2.5 O DESIGNER NO PROCESSO DE PROJETO Segundo Woodbury (2010), planejar e implementar mudanças no mundo em volta de nós é uma das chaves que nos torna humanos; linguagem é o que nós dizemos; projeto e construção é o que nós fazemos. Computadores são simplesmente um novo meio para essa iniciativa. Os computadores podem apresentar uma quase ilimitada gama de ferramentas e, com técnica e cuidado, os projetistas podem programá-los para fazer muito do que chamamos de design. Atualmente, o design digital parece estar se tornando um fenômeno mainstream e as teorias em design digital parecem estar em um dos assuntos mais ativos e significativos do discurso. Isto é particularmente verdadeiro no projeto arquitetônico, mas a revolução digital está cada vez mais influenciando todos os campos de design (OXMAN, 2006). No

design

digital,

a

interação

com

novas

mídias

digitais

representacionais levanta significativas questões conceituais e qualitativas. O projetista ou designer mantém a posição simbólica central no esquema do design. No entanto, a natureza da interatividade e tipo de controle dos

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processos de concepção é tratada como altamente significativa. A tecnologia digital tem contribuído para o surgimento de novos papéis para o designer de acordo com a natureza de sua interação com a mídia. O designer hoje interage com controles, mecanismos e processos generativos e performativos. Informação

tornou-se

um

"novo

material"

para

o

designer.

Estes

desenvolvimentos estão a apoiar novos papéis para os designers, incluindo o designer como um construtor de ferramentas (OXMAN, 2006). Projetar "é uma ação artificial e complexa" e a complexidade do projeto foi progressivamente aumentando em função da crescente complexidade do cenário em que operava: limitação dos recursos naturais, crise financeira internacional, sustentabilidade, globalização dos mercados, saturação ou dificuldade de atendimento das necessidades básicas, formam hoje as principais fronteiras que obrigam o design contemporâneo a romper e adequar continuamente as suas práticas (CELASCHI in DE MORAES, 2010). Os métodos de design já há algumas décadas tem dedicado uma grande atenção à decomposição do percurso projetual, à definição das fases, à individualização de instrumentos úteis ao pesquisador e ao designer em busca de

desenvolver uma

abordagem

profissional, aplicável e mensurável

(CELASCHI in DE MORAES, 2010) . A esta decomposição do percurso projetual, Salomão e Pratschke (2007) contextualiza à época o momento propício para a incorporação, por parte da arquitetura, da Teoria da Cibernética ao processo: Em meados da década de 60, tendo ainda latentes os recentes acontecimentos da II Guerra Mundial, verificou-se a formação de um contexto histórico em que tornaram-se cada vez mais rápidas as modificações nas relações econômicos, políticas e sociais no mundo inteiro. Deste modo, tornam-se propícios novos estudos de mecanismos de controle e sistemas que pudessem, através da comunicação, estabelecer conexões mundiais através de redes interligadas. Nesta época, a Teoria Cibernética passa a influenciar diversas outras disciplinas através de seus conceitos, e a Arquitetura mostrou-se uma área naturalmente receptiva ao pensamento cibernético, na medida em que é constantemente chamada a elaborar sistemas.

A cibernética "é a ciência que estuda os princípios abstratos de organização em sistemas complexos." Ela não está preocupada tanto com o que consistem os sistemas, mas como eles funcionam (HEYLIGHEN, 2001).

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Cibernética foi definida por Wiener como "a ciência do controle e comunicação, no animal e na máquina" (ASHBY, 1956 e 1999). A cibernética se concentra em como sistemas usam informação, modelos, e ações de controle para conduzir a direção e manter seu objetivo. Sendo inerentemente transdisciplinar, o raciocínio cibernético pode ser aplicado para se entender, modelar e projetar sistemas de qualquer tipo: físicos, tecnológicos, biológicos, ecológicos, psicológicos, sociais, ou qualquer combinação desses (HEYLIGHEN, 2001). É também desta forma que a teoria da informação passa a desempenhar um papel essencial. A teoria da informação caracteriza-se essencialmente por tratar sempre com um conjunto de possibilidades; tanto os seus dados primários e suas declarações finais são quase sempre sobre o conjunto como tal, e não sobre algum elemento individual no conjunto. Este ponto de vista leva à consideração de novos tipos de problemas. Assim a cibernética prevê um conjunto amplo de possibilidades (ASHBY, 1956 e 1999). A cibernética desde o princípio tem se interessado nas semelhanças entre autonomia, sistemas vivos e máquinas. Nesta era pós-guerra, o fascínio com as novas tecnologias de controle e de computação tendem a concentrar a atenção na abordagem de engenharia, onde é o projetista do sistema que determina o que o sistema fará. No entanto, após as disciplinas de engenharia de controle e de ciência da computação tornarem-se totalmente independentes, os ciberneticistas sentiram a necessidade de "distinguir claramente eles próprios das abordagens mais mecanicistas, enfatizando a autonomia, a autoorganização, a cognição, e o papel do observador na modelagem de um sistema." No início da década de 1970, esse movimento ficou conhecido como a cibernética de segunda ordem. A cibernética de segunda ordem estuda o papel do observador (humano) na construção de modelos de sistemas e outros observadores. Um ciberneticista de segunda ordem trabalha com um organismo ou sistema social, por outro lado, reconhece o sistema como um agente em seu próprio direito, interagindo com um outro agente: o observador (HEYLIGHEN, 2001). Para

entender

esse

processo,

precisamos

da

"cibernética

da

cibernética", ou seja, uma "meta" cibernética, ou cibernética de segunda ordem. O designer precisa entender conceitos como: distinções e relações,

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variedade e restrição, entropia e informação, modelagem dinâmica. Precisa entender

processos

cíclicos,

como:

auto-aplicação,

auto-organização,

encerramento, feedback e também deve compreender os mecanismos de controle, os componentes de um sistema de controle, as hierarquias de controle e a "lei da variedade requerida". Para tanto deve possuir conhecimentos necessários à modelagem do sistema e suas relações, ao modelo de construção e a epistemologia construtivista (HEYLIGHEN, 2001). A cibernética oferece a esperança de proporcionar métodos eficazes para o estudo e controle de sistemas que são intrinsecamente complexos, sejam sociais, psicológicos ou econômicos. Primeiro, marcando o que é possível, e em seguida, fornecendo estratégias generalizadas, de valor demonstrável, que podem ser usadas de maneira uniforme em uma variedade de casos especiais (ASHBY, 1956 e 1999). O projetista se posiciona como ator primário nesse processo e as suas características constituem também parte fundamental do processo. No processo de projeto, as qualidades do designer não são nem marginais, nem homogêneas, e muito menos dadas como certas. Cada projetista ou designer influencia no resultado, a tal ponto que "substituir o designer significa seguramente obter um resultado diferente." Vale destacar que a natureza única e subjetiva do designer é parte fundamental do resultado obtido, mas não somente isso: é parte fundamental também a escolha do caminho projetual, ou seja, do processo por meio do qual o resultado é alcançado (CELASCHI in DE MORAES, 2010). Assim, o design é, ao mesmo tempo, o processo e o resultado. Ambos são fundamentalmente caracterizados pelas qualidades e pelas decisões arbitrárias do designer. O designer e suas qualidades são, portanto, parte fundamental do processo de projeto. Então, admitindo que o resultado será diverso se substituirmos o designer, podemos admitir também que "o percurso guiado por um designer pode nos levar a diferentes trajetos." O processo de projeto é uma disciplina viva (CELASCHI in DE MORAES, 2010). Eis, então, que uma série de qualidades dos designers é parte fundamental de qualquer pensamento e reflexão em torno da possibilidade de se acreditar que exista um método para o design. Segundo Celaschi (2010) existem muitos métodos para se fazer design e, em qualquer um deles, o papel

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e as características do designer são sempre fundamentais. Celaschi ainda afirma que o metaprojeto é caracterizado em duas subfases: observação da realidade e construção de modelos simplificados da realidade. Essas duas fases precedem a fase na qual se manipulam os modelos e procura-se prefigurar a modificação da realidade (CELASCHI in DE MORAES, 2010). Nessas duas fases, o caráter e as qualidades do designer continuam fundamentais. A cultura do designer, por exemplo, é fundamental na fase de observação da realidade existente (quando o designer observa algo que acontece em torno de si). Ele será capaz de reconhecer como fenômeno importante para o seu projeto somente o que ele possui como conhecimento e quanto mais conhecimento possuir o designer, mais vasta será a sua cultura geral e específica no que diz respeito aos fenômenos que o circundam e, assim, mais elementos serão captados pelo designer para se tornarem ingredientes das suas ações projetuais (CELASCHI in DE MORAES, 2010). Nas línguas latinas dizemos que existe uma diferença substancial entre "olhar" e "observar", olhar significa "pousar os olhos sobre algo" enquanto "observar" significa "reconhecer um fenômeno naquele algo" (CRARY, 2012). Na fase de construção de modelos de síntese da realidade, ao contrário, é fundamental a capacidade do designer de conhecer e praticar, de modo integrado, muitas e diferentes linguagens de simplificação da realidade como a fotografia, o desenho, a matemática e a geometria, o texto narrativo, etc. Quanto mais linguagem de síntese conheça e saiba usar, mais rico de estímulos e de referências pessoais será o modelo obtido sobre o qual o designer trabalhará. Pode-se afirmar, portanto, que "o modelo de realidade contenha um pouco do coração e da sensibilidade do designer que o interpretou e construiu" (CELASCHI in DE MORAES, 2010). Em ambas essas fases aparece claro que "o designer influencia não somente o resultado, mas também o percurso em que opera, observando e recontando uma realidade existente antes mesmo de intervir com um gesto pessoal por meio do design." Pode-se então dizer que exista uma "criatividade no metaprojeto". Portanto, não se pode dizer que o metaprojeto é uma ação de engenharia processual de planejamento científico, exato e único, e que o projeto seja o momento criativo excepcional e sublime. Cada fase do design é rica e densa de implicações criativas (CELASCHI in DE MORAES, 2010).

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Portanto, a capacidade atual das "arquiteturas digitais" para gerar novos projetos é, do mesmo modo, altamente dependente de habilidades perceptivas e cognitivas do designer, em processos dinâmicos e contínuos fazendo surgir a forma emergente, ou seja, a sua descoberta, em cognição qualitativa. O seu papel gerador é realizado por meio da interpretação e manipulação de uma construção computacional (superfície topológica, campo isomórfico, kinetic skeleton, campo de forças, modelo paramétrico, algoritmo genético, etc.) em um discurso complexo que continuamente se reconstitui - um "auto-reflexivo" discurso em que molda ativamente o processo de pensamento do designer. É precisamente esta capacidade de "encontrar uma forma" por meio de processos dinâmicos, altamente não-lineares e indeterministas que deram aos meios digitais uma capacidade crítica geradora em design (McCULLOUGH, 1996 apud KOLAREVIC, 2001). Como a mídia de design digital tornou-se mais complexa e mais exigente no que diz respeito ao conhecimento de vários tipos de software, como conhecimentos de linguagens de script e a manipulação e manutenção de modelos de dados complexos, uma nova geração de especialistas em design digital está emergindo. O pensamento do designer como manipulador de ferramentais digitais reflete tanto o potencial de personalização da mídia de design digital como traz a necessidade de se adquirir conhecimentos especializados, necessários para operar esses meios de comunicação. Assim, atualmente a idéia de "uma classe de projetistas de sistemas avançados digitais parece ser uma descrição precisa da situação contemporânea" (OXMAN, 2006). Talvez o maior desafio das condições criadas pelo surgimento de novas tecnologias de design digital na última década tem sido o surgimento simultâneo de novos quadros teóricos e filosóficos que constituem os fundamentos intelectuais de design digital. Estes derivam de fundamentos filosóficos para colaborações interdisciplinares e estão formando a visão de mundo da teoria do design digital. Termos conceituais que caracterizam o design digital, tais como a não linearidade, inter-conectividade, continuidade, redes, dinamismo, diagramas, máquinas de design, etc. têm suas origens na filosofia de Deleuze. No âmbito das conexões inter-disciplinares relacionados às ciências biológicas, especialmente com respeito a novas teorias, como a

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teoria da complexidade, caos, emergência, teoria da catástrofe, e biomimética, estão relacionadas com o campo das tecnologias emergentes em uma perspectiva investigativa (OXMAN, 2006). É importante observar que, "apesar das diversas promessas que acompanham a propagação da modelagem paramétrica, seu uso tende a se restringir à ampliação das operações geométricas de geração da forma por meio de análises de desempenho ou analogias biológicas." Desta forma correm o risco de simplificar os problemas arquitetônicos, "operando sobre uma complexidade pautada na própria estrutura do algoritmo e na capacidade do aparelho gerar uma forma inesperada" (VELOSO E PRATSCHKE, 2013). O desafio do designer é, então, amadurecer o entendimento a respeito das arquiteturas digitais e ir além dos "clichês paramétricos" (NATIVIDADE, 2012). O conhecimento do design é um conhecimento que designer e nãodesigner (indivíduos, comunidades, instituições, empresas) podem usar em seus processos de 'designing e codesigning'. Em termos práticos, é um conjunto de visões, propostas, ferramentas e reflexões para estimular e direcionar discussões, para ser aplicado em uma variedade de projetos específicos, para ajudar a entender o que estamos fazendo e o que podemos fazer (CIPOLLA e PERUCCIO, 2008). No molde da "próxima economia" citada anteriormente, os projetistas devem estar capacitados a colaborar com uma variedade de interlocutores, colocando-se como além de especialistas em design, mas como agentes sociais dotados de conhecimento específico do design e de suas habilidades (o conhecimento que os permite "entender a completa macrofigura de como as coisas mudaram e estão mudando e a microfigura das características do contexto local e da dinâmica vigente"; as habilidades que são necessárias para promover e aumentar os processos de codesign nos novos contextos e enfrentar novos desafios). No entanto, em um mundo em que o design é uma atividade cada vez mais difusa, ser designer significa interagir com outros designers

não

profissionais

em um modelo de parceria, usando o

conhecimento específico do design e suas ferramentas para facilitar a convergência em direção às ideias compartilhadas e soluções potenciais (isto é, propor soluções e/ou cenários; fazer formulações efetivas baseando-se no

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que emerge de discussões em grupo; desenvolver as ideias que tenham sido convergidas entre parceiros, etc.) (MANZINI in DE MORAES, 2010). Para Kas Oosterhuis esse processo colaborativo de design pode ser hierárquico ou não. A base do pensamento no laboratório ProtoSpace, em Delft na Holanda, é a ideia de que cada componente individual tem um pequeno cérebro que se comunica com seus vizinhos, ou "Swarm Theory" (Teoria do Comportamento em Bando). No Swarm existem atores que podem ser considerados relativamente "estúpidos", pois mesmo

se comunicando com

seus vizinhos eles não têm a visão de todo o Swarm, pelo simples fato que eles estão dentro do processo. Ou seja, o designer está no processo (OOSTERHUIS apud ALVES, 2013). Kas Oosterhuis ainda afirma que o processo no laboratório é dinâmico assim como o seu todo. Portanto, em primeiro lugar é necessário contextualizar dados (por vezes importando dados de sensores). Como situações mudam o tempo todo (o vento muda, o clima muda, etc.), o designer precisa entender que tudo em princípio é dinâmico e não estático e que tanto seu projeto quanto as situações evoluem. Ou seja, o designer opera evoluindo o processo. Um dos motivos dessa evolução é por que está baseada em conectividade, como os pássaros em um bando (eles não mudam a direção e simplesmente começam a andar sozinhos). Kas afirma que existem também muitos jogadores no processo, muitos tipos de componentes interativos e grupos interativos e esta é a complexidade que surge quando o processo começa do básico. Se tudo está conectado de algum modo, então esta é "a afirmação da não-autonomia da arquitetura" e a função do designer é encontrar o equilíbrio. Ao mesmo tempo, todos no processo possuem intuição e todos são designers: o engenheiro, o projetista, os usuários, os clientes, etc. Então, de algum modo, os designers precisam estar habilitados a relacionar às trocas de informação no sistema. Essa informação tem que ser a base desta riqueza de expressão que possui por princípio distorção intuitiva e emocional. O processo não pode ser uma estrutura hierárquica top-down, o arquiteto não pode estar no "topo da pirâmide", manipulando marionetes. Para Kas este processo é ilógico e ultrapassado. É necessário pensar uma estrutura onde todos estes jogadores são atuantes (teoria de ator-rede) e que todos possam modificar coisas e

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serem relevantes propondo métodos. Algumas vezes um atuante é uma figura que lidera, em um outro momento, outro pode atuar como líder. Com uma estrutura que possibilite a "arquitetura participativa", os usuários poderiam participar em um tipo de jogo de design para cooperar com o arquiteto no produto final. Portanto, a ideia é que se algo ou alguém altere um número na base de dados (alguém que seja autorizado a mudar isso, por exemplo o cliente e o capital investido) deveria imediatamente mudar e afetar todos seus componentes. "Se isso acontecer, nunca chegará o final, por que ainda está em processo" (OOSTERHUIS apud ALVES, 2013). De Moraes (2010) chama de "constelação de valor" a ação multidisciplinar na qual estão inseridas contribuições de várias disciplinas de aspecto e caracteres múltiplos. A "constelação de valor" contempla as cargas efetivas, simbólicas e, de igual maneira, as culturais e deve também ser previsto o conceito de "valor de estética" no processo (que hoje se desvincula, cada vez mais, do tradicional dualismo entre bonito e feio). Nesse contexto, a qualidade percebida normalmente envolve três momentos do produto: antes, durante e após o seu consumo. Além da forma, o serviço, a comunicação e o próprio ciclo de vida do produto passam a ser também objeto de estudo pelo designer. A disciplina do design deve alimentar as novas redes com o conhecimento adquirido pelo projetista por meio de possíveis "visões de futuro" (MANZINI in DE MORAES, 2010). Nos processos de engenharia em que a influência do designer sobre o design não aparece de forma significativa, conceitos como: erro humano como variável não ponderável; desobediência às regras e dogmas do projeto, distração em respeito a uma hierarquia de valores já definidos, acaso como gerador da forma, aproximação como abordagem inicial (fuzzy), improvisação, etc. são como palavras vagas, mais ainda, são "acidentes de percurso" ou comportamentos que provêem de uma inadequada profissionalização do projetista, são problemas para prevenir ou atenuar de modo que não possam influir sobre o êxito do projeto (CELASCHI in DE MORAES, 2010). No design, esses são processos que denotam a presença do sujeito no projeto. Entre todos os processos, o perfil do projetista possui uma característica muito interessante para os métodos de design: são traduzíveis

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em valores somente em função de uma decisão do designer em relação a um conjunto de condicionantes que pode-se definir como "a moral do designer". É o "sujeito projetante" que decide se o erro é bom ou ruim, se uma regra deve ser considerada ou descartada, se e quando as distrações são admissíveis, como e por que se contentar com uma forma de aproximação projetual em vez de adotar outra alternativa possível, quando planejar e quando improvisar. Portanto, nenhum recurso computacional seria capaz de substituir o designer no ato projetual porque essas características que, no comportamento humano são oportunidades em potencial (ou a "criatividade nos processos"), em um instrumento artificial se tornam problemas em potencial do processo, os quais influenciarão a qualidade do resultado (CELASCHI in DE MORAES, 2010). A partir das proposições precedentes em processos de projeto, acreditase ser possível afirmar que o resultado esperado não apontará para uma única e precisa direção, mas, ao contrário, pressupõe-se que surjam possibilidades e soluções distintas para produtos e serviços e que, ao mesmo tempo, possibilitará novos sentidos e significados para o design e para os usuários. (MANZINI in DE MORAES, 2010).

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3 PROCESSOS DIGITAIS DE PROJETO - DESIGN PARAMÉTRICO E FABRICAÇÃO DIGITAL "An architect must be a craftsman. Of course any tools will do; these days might include a computer, an experimental model, and mathematics. However, it is still craftsmanship - the work of someone who does not separate the word of the mind from the work of the hand. It involves a circular process that takes you from the idea to a drawing, from a drawing to a construction, and from a construction back to idea." Renzo Piano, em "Renzo Piano Building Workshop: Complete Work, vol. 4" (2003)

3.1 INTRODUÇÃO Há enormes problemas sociais, econômicos e ambientais que a arquitetura poderia estar fazendo um esforço mais significativo para resolver como, por exemplo, no fato que o ambiente construído consome mais do que 50% dos nossos recursos energéticos. Cada edifício poderia ser positivo energeticamente e cada cidade, ecopositiva. Acredita-se que técnicas de computador (computational design) em processos digitais de projeto em arquitetura como Design Generativo (Generative Design), Design Evolucionário (Evolutionary Design), Design Algorítmico (Algorithmic Design) e Design Paramétrico (Parametric Design) podem ajudar a resolver estes problemas (FRAZER, 2014). O foco da explanação a seguir será feito em lógicas de design que podem, potencialmente, ser codificadas por meio de uma abordagem racional e paramétrica. O arquétipo do meio de se projetar é o lápis e o papel (e ainda, a borracha). Adicionam-se algumas ferramentas, como o compasso, esquadro e escalímetro, e os desenhos se tornam mais precisos para se construir uma ideia (WOODBURY, 2010). Nas últimas décadas, novas metodologias têm surgido no projeto arquitetônico que exploram o computador como uma ferramenta de design. Isso tem gerado um conjunto variado de competências digitais e um novo tipo de conhecimento arquitetônico (KOTNIK, 2010). O computador e a modelagem paramétrica introduz mudanças fundamentais ao processo convencional de se projetar: agora pode-se adicionar, apagar, mover, criar superfícies, esculpir sólidos, reparar e relacionar. No processo paramétrico, o ato de relacionar requer um

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pensamento explícito sobre o tipo de relação. Na maioria dos sistemas estes são atos isolados - deve-se editar separadamente todas as partes de uma obra. Sistemas de modelagem paramétrica permitem aos designers modelar tanto as hierarquias de design quanto as partes do processo. Com isso, os designers projetam o objeto e podem mudá-lo em seu contexto. Em algumas disciplinas de projetação atualmente, como a engenharia mecânica, o design paramétrico é o meio natural para realizar um trabalho. Em outros, como a arquitetura, seus efeitos substanciais começaram apenas por volta do ano 2000. Essa mudança tem profundos efeitos sobre a forma como os designers trabalham, sobre o que os designers precisam saber, sobre o que pode ser expresso e construído e sobre os sistemas necessários para representar projetos (WOODBURY, 2010). Daniel Davis (2013) afirma em sua tese que o termo paramétrico surgiu na matemática, mas salienta que há um debate de quando designers começaram a usar a palavra. David Gerber em sua tese de doutorado "Parametric Practice" credita a Maurice Ruiter ser o primeiro a usar o termo em um paper em 1988 intitulado "Parametric Design". No mesmo ano, a empresa Parametric Technology Corporation (fundada em 1985 pelo matemático Samuel Geisberg) lançou o primeiro software comercial de modelagem paramétrica - Pro/ ENGINEER. Contudo, ainda segundo Davis, Robert Stiles (2006) argumenta que a real procedência foi algumas décadas antes, nos anos de 1940, com os escritos do arquiteto Luigi Moretti. Moretti escreveu sobre "arquitetura paramétrica" e definiu seu estudo como "definição da relação entre dimensões dependentes de vários parâmetros" e usou o design de um estádio como exemplo para explicar como a forma do mesmo poderia derivar de dezenove parâmetros diferentes, entre eles o "angulo de visão" e o "custo econômico do concreto". Na matemática, o termo paramétrico tem uma longa história, o primeiro exemplo que Davis encontrou sendo usado para descrever um modelo de três dimensões foi quase cem anos anterior às escritas de Moretti (DAVIS, 2013). Uma função matemática tornam explícitas as regras que regem a causa e o efeito, a entrada e a saída. É esta característica que fez o conceito abstrato de uma função ser uma das justificativas essenciais da matemática moderna e, posteriormente, uma das justificativas para o objetivo principal no processo em

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curso de matematização de disciplinas como a economia ou a sociologia e também no discurso da arquitetura contemporânea (KOTNIK, 2010). Como uma máquina física, os computadores têm sua origem nos princípios

de

design

de

John

von

Neumann.

Estes

princípios

são

implementações da concepção abstrata de Alan Turing para a computação. Como consequência, usar um computador significa sempre, sem exceção, a limitação necessária do uso de funções computáveis como mediadora entre entrada (input) e saída (output) de dados. Ao mesmo tempo, o conjunto de funções computáveis é rico o suficiente para permitir aplicações versáteis dos computadores e de promover mudanças na nossa forma de entender e pensar sobre os problemas em projetos de arquitetura (KOTNIK, 2010). Ou seja, como qualquer função matemática, um computador define uma relação entre dois conjuntos usando um número fixo de regras. O arquiteto Antoni Gaudí começou a projetar arquitetura com curvas catenárias paramétricas e parabolóides hiperbólicas paramétricas no final do século dezenove. O uso de equações paramétricas pode ser visto em muitos aspectos da arquitetura de Gaudí, mas é talvez melhor ilustrada pelo uso do "modelo de cadeia de suspensão": Figura 17 - O modelo de suspensão de Gaudí para a Colonia Güell e uma fotografia invertida simulando a construção

Fonte: Burry, 2003.

Gaudí usou esse princípio para projetar a Igreja Colônia Güell criando um modelo invertido da capela usando cordas carregadas com peso. Por conta da "lei de Hooke" as cordas sempre se acomodam em uma forma que, quando invertida, resultaria em compressão pura. Ao modificar os parâmetros independentes deste modelo paramétrico, Gaudí poderia gerar outras versões da Igreja Colônia Güell e ter certeza que a estrutura resultante estaria em

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compressão pura. Este método de computação análogo foi ampliado por Frei Otto para incluir, entre outras coisas, superfícies mínimas derivadas de películas de sabão e caminhos mínimos encontrados através de lã embebido em líquido (DAVIS, 2013). Da mesma forma que Gaudí e Otto usaram leis físicas para acelerar o cálculo

de

equações

paramétricas,

Ivan

Sutherland

procurou

usar

computadores. Sutherland aproveitando o poder computacional (ou seja, de cálculo) do computador criou o Sketchpad, o primeiro programa de desenho assistido por computador (computer-aided design - CAD) interativo. O Sketchpad ofereceu uma nova maneira de explorar equações paramétricas que poderiam se adaptar à mudança de contexto (WOODBURY, 2010): Figura 18 - Ivan Sutherland e a demonstração do programa Sketchpad

Fonte: http://techland.time.com/2013/04/12/a-talk-with-computer-graphics-pioneer-ivansutherland/, acessado em 08/06/2015.

Tal como acontece com Gaudí e com os modelos de Otto, os designers poderiam explorar variações, modificando os parâmetros e o Sketchpad recalcular e redesenhar a geometria automaticamente. Um bom exemplo de tal reformulação do pensamento por meio da computação é a mudança de paradigma em ciências como a física ou a biologia, causada pela introdução do computador como a principal ferramenta para a simulação e modelagem de processos naturais. Desde os anos 1950, isso resultou em uma sucessiva modificação ou mesmo a substituição do reducionismo como o paradigma predominante de pesquisa. Isto é, o entendimento mecanicista da natureza e da contínua redução - de cima para baixo (top-down), do todo em partes foram trocadas por padrões de interação local - o arranjo global das partes como uma propriedade de baixo para cima (bottom-up), emergentes do sistema como um todo (KOTNIK, 2010).

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Portanto a utilização de ferramentas computacionais para a elaboração ou modelagem de arquitetura leva, inevitavelmente, a uma descrição matemática da forma alcançada em termos de um algoritmo; no entanto, isso normalmente ocorre de forma não intencional. Talvez seja precisamente o grau de sensibilização para o fundo computacional e seu uso intencional que pode ser visto como as características definidoras do design digital e ao mesmo tempo como uma possibilidade para marcar o limite entre o design digital e não-digital. O objetivo da integração de computadores como ferramentas para o processo de design encontra-se na exploração consciente do potencial dos elementos que definem uma função computável como ferramentas de projeto: da relação formal entre conjuntos de entidades, de propriedades quantificáveis destes conjuntos de entidades e de interações e transformações algorítmicas de diferentes propriedades quantificáveis. Design digital, portanto, não é apenas sobre a formalização dos processos de concepção ou a automatização do processo de decisão, como, por exemplo, descreve William Mitchell em "A Lógica de Arquitetura" (2008), mas sobre a interação de processos formais com pensamento arquitetônico; não se trata de informatização, mas muito mais sobre computação (MITCHEL, 1990 apud KOTNIK, 2010). Em agosto de 1982, época em que os computadores foram se tornando acessíveis o suficiente para algumas pessoas possuírem um computador pessoal, o AutoCAD foi lançado e rapidamente dominou a indústria embrionária de projeto auxiliado por computador, permitindo que o designer elabore explicitamente linhas bidimensionais na tela usando um teclado em vez de uma caneta. Dezoito versões mais tarde, no AutoCAD 2010, a funcionalidade paramétrica foi introduzida (43 anos depois do Sketchpad) e foi pronunciado em comunicado na imprensa como sendo "uma inovadora capacidade" (DAVIS, 2013). Em 1993, em uma entrevista à Industry Week, o matemático Samuel Geisberg salientou dois pontos importantes ao design paramétrico: o primeiro é que "a modelagem paramétrica deve permitir aos designers explorar uma variedade de modelos" e o segundo ponto é que "os modelos paramétricos permitem escolhas a serem feitas posteriormente no processo de design." Assim, enquanto alguns arquitetos se mantinham presos ao AutoCAD e seus

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inúmeros concorrentes, outros optaram por adotar softwares de modelagem especialistas em edificações como Revit e ArchiCAD (DAVIS, 2013). Após o software Revit ser adquirido pela empresa AutoDesk a retórica em torno de modelagem paramétrica cessou e então cunharam o nome Building Information Modeling - BIM. E recentemente tem havido apelos para a criação de algo equivalente em design urbano: City Information Model - CIM (GIL, ALMEIDA e DUARTE, 2011). Portanto, em meados da década de 1990, a prática arquitetônica sem software gráfico tornou-se inimaginável, e hoje, as tecnologias de design digital foram adotadas quase universalmente como o meio predominante de produção na prática arquitetônica. Além disso, as tecnologias digitais permitiram novos métodos de design, o que levou a uma reavaliação das teorias atuais de design e conceitos educativos. Os edifícios são agora concebidos, documentados, fabricados e montados com o auxílio de meios digitais (OXMAN, 2006). Ou seja, arquitetura participa de uma revolução intelectual que está acontecendo ao nosso redor. O pensamento computacional está mudando a nossa maneira de pensar (KOTNIK, 2010). A combinação de diversas fontes teóricas, filosóficas, metodológicas, técnicas e profissionais foi caracterizar o discurso de design digital na sua primeira década. Ao invés de estratégias de projeto de hibridização, combinação e transformação, o design da década de 1990 favoreceu o material e investigação performativa capaz de produzir geometrias complexas topológicas e de diferenciação formal sobre a continuidade do objeto de design (OXMAN, 2006). A última década viu o surgimento de um novo tipo de interface de script: a interface visual. Programação visual envolve programas que representam não como texto, mas sim como diagramas. Os arquitetos conseguiram sua primeira linguagem visual-scripting quando Robert Aish, que então trabalhava para a Bentley Systems, começou a testar sem alarde a versão beta do Generative Components com determinados escritórios de arquitetura em 2003. Robert McNeel & Associates, depois de tentar, sem sucesso, licenciar o Generative Components, atribuíram ao desenvolvedor David Rutten para fazer sua própria versão. Lançado em 2007 como History Explicit, mais tarde Rutten apelidou sua interface visual de script como Grasshopper. Ambos Grasshopper

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e Generative Components são baseados em torno de gráficos (um nome na matemática para um tipo de fluxograma) que mapeiam o fluxo de relações a partir de parâmetros, por meio de funções definidas pelo usuário, concluindo com

a

geração

de

geometria.

As

alterações

nos

parâmetros

ou

relacionamentos do modelo faz com que as alterações sejam propagadas por meio das funções explícitas para redesenhar automaticamente a geometria. Como tal, eles são mais uma forma de criar um modelo paramétrico (DAVIS, 2013). No ano de 2003 com a Exposição "Non-Standad Architectures" (arquiteturas não-padronizadas) no Centro Pompidou, em Paris, o conceito de não-padronização, não-normativo, não-repetitivo (em design) tornou-se o grande foco teórico deste fenômeno reconhecido hoje como design digital (OXMAN, 2006). No Brasil, seguindo o conceito do uso de parâmetros, foi aprovada em 2013 (após um período de elaboração) a NBR 15.575 - "Edificações Habitacionais - Desempenho". Disposta em seis partes, cada uma contém: requisitos subjetivos do usuários; critérios objetivos, que permitem a mensuração quantitativa do sistema construtivo sob análise e métodos de avaliação destes critérios. Além disso, a Norma adota parâmetros com limites mínimos, intermediários e superiores de atendimento, possibilitando aos envolvidos com a construção determinar em quais faixas de desempenho a edificação está adequada (CÂMARA BRASILEIRA DA INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO, 2013). Uma maneira simples de expor as diferenças entre as normas prescritivas e as normas que tratam de desempenho é por meio do uso de analogia. As primeiras equivalem às receitas, especificando ingredientes e métodos para a obtenção de um produto, enquanto a segunda caracteriza o produto, sem determinar ingredientes. A título de exemplo, contrariamente às disposições que se referem à espessura de blocos e de argamassas de revestimento,

contempladas

Desempenho

estabelece

pelas

critérios

normas de

prescritivas,

conforto

a

acústico

Norma e

de

térmico,

independentemente dos materiais constituintes. Diferentemente das normas prescritivas, que focam nas especificações, o uso do conceito de desempenho para avaliar sistemas, elementos e componentes, permite que sejam

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desenvolvidos novos materiais e métodos na construção das edificações. Tratando dos resultados ao invés dos meios abre-se o caminho para a evolução e inovação (GONÇALVES, 2014). Com a modelagem paramétrica, etapas iniciais de design se tornaram mais fortes que em modelos em CAD convencionais e menos limitadas que os modelos de informação da construção (BIM). Parâmetros expressam os conceitos contidos nestes novos modelos e dão um comportamento interativo aos componentes e sistemas de uma edificação. Isto significa uma mudança em como as ferramentas precisam apoiar as atividades do design. Em vez de uma solução única para o edifício, os designers exploram toda uma solução espacial descrita parametricamente (WOODBURY, 2010). Segundo Frazer (2014), o uso maciço do computador permite a compactação temporal do espaço (ou seja, podemos construir modelos muito grandes com uma variedade de coisas - cidades por exemplo - em pequenos espaços no computador), a compactação espacial de tempo (significa que podemos acompanhar a evolução das cidades por mais de duzentos anos, por exemplo, em poucos minutos no computador), a prototipagem virtual para explorar

várias

possibilidades

de

design

(analisar,

explorar

o

seu

comportamento, o seu uso de energia) e ter o controle de ferramentas de fabricação e robótica diretamente pelo computador.

3.2 CONCEITOS PARA UM PROCESSO DE PROJETO DIGITAL "Em arquiteturas paramétricas, são os parâmetros de um projeto em particular que são declarados, não sua forma" (KOLAREVIC, 2001). Ao atribuir valores diferentes para os parâmetros, diferentes objetos ou configurações podem ser criados. As equações podem ser utilizadas para descrever as relações

entre

objetos,

definindo

assim

uma

geometria

associativa,

mutuamente ligadas (BURRY, 1999 apud KOLAREVIC, 2001). Dessa forma, interdependências entre objetos podem ser estabelecidas e o comportamento dos objetos sob transformações pode ser definido. Como observado por Burry, "a capacidade de definir, determinar e reconfigurar as relações geométricas é de particular valor" (KOLAREVIC, 2001). Segundo Woodbury (2010), construções geométricas envolvem a criação de sequências de operações simples para solucionar problemas.

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Quase todas as construções podem ser feitas de maneiras diferentes e algoritmos podem computar qualquer coisa (ao menos qualquer coisa computável). Kotnik (2010) afirma que o processo de projeto em arquitetura pode distinguir-se em três grandes níveis de utilização computacional - que podem ser definidos como níveis de "computabilidade" projetual: o representacional, o paramétrico, e o algorítmico. Um nível de representação é caracterizado pela utilização do computacional principalmente como uma ferramenta de desenho eletrônico. Um exemplo de uma tal aplicação é o desenho do edifício Kunsthaus Graz de Peter Cook e Colin Fournier (ver figura 19). Isso significa que, no entanto, em um nível de representação não há percepção real da natureza computacional que controla o ambiente digital. Em vez disso, o processo de projeto ainda está em consonância com o raciocínio visual de uma abordagem de design convencional em papel (KOTNIK, 2010). Um nível paramétrico é caracterizado pela utilização de um tal dado como um espectro de possibilidades entre a entrada (input) e na saída (output) por meio da possibilidade de uma variação contínua ao longo do processo. Um exemplo conhecido deste tipo de variação de parâmetros é o projeto para o Museu Mercedes Benz, em Stuttgart, feito pelo escritório UN Studio (ver figura 19) (KOTNIK, 2010). Já o Terminal Internacional na Estação de Waterloo em Londres, por Nicholas Grimshaw, é um dos primeiros exemplos de design não-repetitivo, a temática contínua de design linear do projeto estava preocupada com a experimentação. Sua forma de vidro sinuosa e curvilínea foi projetada usando aplicações iniciais de técnicas de desenho paramétrico. Estas características de forma topológica, transformacional (ou diferenciada), a evolução da estrutura espacial (de organização não-hierárquica e complexa) e as condições espaciais "hiper-conectivas" tornaram-se mais proeminente em projetos posteriores ao de Grimshaw (OXMAN, 2005; KOTNIK, 2010). No nível paramétrico já existe um entendimento claro da existência de uma relação computacional entre a entrada e a saída dos dados e sua integração no processo de design como um regime de interdependência entre as várias partes do projeto. A descrição algorítmica da relação, no entanto, não

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é realmente ativada como ferramenta de design. A relação é fixada e o foco é sobre a possibilidade de quantificação da entrada em que permite uma variação controlada da saída (KOTNIK, 2010). Um nível algorítmico abre esta relação entre a entrada e a saída e é caracterizada pela utilização da descrição formal em si e a sua aplicação como uma estratégia de projeto. Um dos primeiros exemplos construído com base em uma abordagem de design algorítmica foi o National Swimming Center, em Beijing, por PTW Architects (ver figura 19). No nível algorítmico o foco está no desenvolvimento da lógica do design computacional enquanto uma sequência algébrica, analítica, e de operações geométricas para a manipulação de dados e sua tradução em propriedades arquitetônicas. Portanto, é o "resultado da descrição algorítmica de uma função calculável" e a "possibilidade de uma superação individualizada das limitações da funcionalidade inerente do software utilizado" (KOTNIK, 2010). Figura 19 - Diagrama de níveis de computabilidade digital em projetos de arquitetura

Fonte: Kotnik, 2010.

Todas estas definições implicam que a distinção entre os três níveis de computabilidade

projetual não é baseada em uma avaliação da qualidade

arquitetônica do projeto resultante, mas sim sobre o nível de compreensão e maturidade na exploração da natureza computacional das ferramentas digitais. Isso significa que os níveis não são acerca de formas, mas sim sobre as formas de pensamento e estas formas de pensamento tem que ser vistas como uma habilidade digital. "Em um processo de design digital, a atenção se desloca para longe da própria geometria, de forma a gerar a lógica da função computacional subjacente" (KOTNIK, 2010). A investigação sobre o conceito de computabilidade e sua importância para design digital na arquitetura mostra que o computador não é um

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instrumento neutro, mas molda ativamente o modo como designers estão se apropriando da questão no projeto arquitetônico (KOTNIK, 2010). No design digital, a formalização necessária do pensamento de design por meio de funções computáveis resultam em uma descrição precisa da relação de causalidade entre a entrada e saída dos dados, uma relação entre dois conjuntos, onde há uma relação entre cada um de seus elementos. Esta noção

de

função

matemática

difere

da

noção

de

funcionalidade

tradicionalmente usado na arquitetura. Funcionalidade em um sentido arquitetônico é, em geral, não declarada explicitamente da forma como uma relação causal pode ser computada, mas em vez disso é usada mais vagamente em um nível conceitual como um elo entre uma finalidade arquitetônica, muitas vezes não quantificável, e sua expressão por meio da forma e da materialidade. Ou seja, a funcionalidade tem de ser vista como uma ideia do projeto - "uma lógica interna como condutora do processo de design" o que resulta em uma imagem de racionalidade ao invés de um campo computável de relações formais. Com o surgimento de ferramentas de design digital da arquitetura, uma família de estratégias formais emergiu com base no uso de funções computável (KOTNIK, 2010). Entre as características do Design Paramétrico está sua ênfase sobre a documentação, explicação e interpretação de objetos de design e a sua razão. Na verdade, design digital é um fenômeno único e uma nova forma de projeto em vez de apenas um projeto convencional realizado com novas mídias. Entre esses conceitos desafiados pelos processos de design digital e, portanto, que requerem a reconsideração da sua formulação em teoria do design estão as idéias fundamentais mais relevantes para o pensamento de projeto e os conceitos relacionados com a metodologia do design, como a representação, a interação, e a geração (OXMAN, 2006). Kolarevic (2001) afirma que planos não mais "geram" o projeto; as representações de secções (ou cortes) atingiram uma função puramente analítica ao mesmo tempo que grids, repetições e simetrias perderam a sua razão de ser na medida que a variabilidade infinita se tornou viável com a personalização em massa e a sua produção. Portanto, no processo produtivo contemporâneo (como veremos mais a frente), perde-se o sentido construtivo

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das

representações

em

elevações,

transformando-se

em

ferramentas

puramente documentacionais e para análise em projeto. Para entendimento das relações entre parâmetros, variáveis e suas relações podemos recorrer ao exemplo de uma planilha. Uma planilha (feita pelo software Excel, por exemplo) é um modelo paramétrico. Tanto numa planilha quanto nos sistemas de modelagem paramétrica baseada em projeto, o trabalho é dividido entre o usuário e o computador, ou seja, na interação entre homem e máquina e na interação dos valores em uma planilha. O usuário define o conteúdo da célula e a estrutura conectada em rede e o computador mantém as relações dos valores. Dizemos que os dados atravessam essa rede e chamamos de fluxo de dados tanto o diagrama gerado quanto o processo (WOODBURY, 2006). Na abaixo, a célula "B" recebe dados das células "A1" à "An". O designer usando um sistema de modelagem paramétrica deve descrever as células a partir do qual os dados são recebidos e como os dados são utilizados para calcular um valor para "B" (WOODBURY, 2006). Figura 20 - A célula b requer um algoritmo para computar os valores recebidos

Fonte: Woodbury, 2006.

Na prática, estes sistemas são complexos e exigem um esforço considerável para se

aprender. Trabalhar com eles é muito diferente de

trabalhar com outros sistemas. Além disso, os sistemas de modelagem paramétrica podem fornecer aos projetistas a capacidade de conceber os seus próprios cálculos para colocar no interior das células. Com esta capacidade, uma célula pode calcular, teoricamente, toda uma estrutura de um edifício, por exemplo (WOODBURY, 2006). Variando as entradas (inputs) de um modelo, diferentes modelos específicos são produzidos. Estas ideias não são fáceis de assimilar, ao menos para aqueles com premissas típicas em design. Dominá-las obriga-nos a ser parte designers,

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parte cientistas da computação e parte matemáticos. Woodbury (2010) afirma que o uso de padrões (patterns) pode facilitar o processo e ser uma boa ferramenta para uso em modelagem paramétrica. Um padrão é uma solução genérica para um problema comum. Usar padrões para pensar e trabalhar podem ajudar designers a dominar a nova complexidade imposta à eles pela modelagem paramétrica. Na computação é comum o uso de padrões para solução de problemas, enquanto que para a arquitetura ainda parece um campo modesto e limitado a se explorar. Vale ressaltar que Woodbury (2010) parte da premissa que o design de padrões é importante apenas se for útil, e útil apenas se for usado. A programação está escrevendo algoritmos que construam modelos ou trabalhos que atualizem sua própria direção. Ambos, construção e programação são estranhas à maioria dos designers e a modelagem paramétrica e o design contemporâneo conspiram para exigir essas duas habilidades. Um exemplo objetivo do conceito de interação em design digital é o conceito matemático usado na manipulação digital de curvas e superfícies contínuas, descrito como NURBS - Non-Uniform Rational B-Splines. O que faz curvas NURBS e superfícies particularmente atraentes é a capacidade de controlar facilmente a sua forma por meio da manipulação dos pontos de controle. As NURBS podem criar as formas heterogêneas e ainda coerentemente possíveis das arquiteturas topológicas computacionais e sua construção

atingível

por

meio

de

máquinas

de

controle

numérico

computadorizado - CNC (KOLAREVIC, 2001). Acredita-se ainda que a modelagem paramétrica pode ser uma ponte importante na interação entre design e engenharia. A palavra "design" tem dois significados conflitantes segundo Woodbury (2006). No primeiro sentido ("projeto como um ato"), a modelagem paramétrica pode ser usada para modelar os critérios de projeto (pelo menos uma aproximação), permitindo a exploração de possibilidades além das possíveis com meios convencionais. No segundo sentido ("projeto como um rótulo disciplinar"), a modelagem paramétrica pode muito bem ser uma ponte que permite a conversa entre as disciplinas com base em objetivos compartilhados e a técnica profissional. O inverso também é muito provável que seja verdade - que conhecimentos de engenharia em modelagem paramétrica podem alargar os caminhos para os

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alunos

aprenderem a

trabalhar em

todas

as

disciplinas de

design

(WOODBURY, 2006). Portanto, o uso eficaz do que chamamos de Design Paramétrico requer uma compreensão prática de conceitos como visualização tridimensional, álgebra linear, cálculo, representação paramétrica e programação. Se o processo de geração no design digital for bem formulado, ele pode potencialmente fornecer um quadro analítico e estrutural que irá, por si só ajudar a identificar os elementos, vínculos, relações, processos e propriedades do design digital. Um exemplo desta tese é a taxonomia desenvolvida por Oxman (2006). Em uma tentativa de organizar teorias atuais do projeto e metodologias, Rivka Oxman propôs cinco classes paradigmáticas de modelos de design digital de acordo com várias relações entre o designer, o conteúdo conceitual, os processos de design aplicado, e o próprio objeto de design, sendo eles: modelos CAD, modelos de formação, modelos geradores, modelos de desempenho e modelos compostos (KOTNIK, 2010; OXMAN, 2006). Para o entendimento dos esquemas gerais de Rivka Oxman à seguir é necessária a compreensão dos símbolos, limites e ligações dos mesmos (ilustrados na figura 21): o designer e os quatro componentes do design digital (R=Representação, G=Geração, E=Avaliação ou evaluation, e P=Desempenho ou performance). A representação no esquema de Oxman (2006) está fortemente relacionada com a mídia representacional. A geração inclui processos generativos. A avaliação inclui processos de análise e julgamento avaliativo, enquanto que o desempenho inclui processos performativos relacionadas com considerações programáticas e contextuais. Os modelos tradicionais de processos de projeto são baseados em relações implícitas de conhecimento, ao invés de explícita. Os processos de geração e avaliação não são formalizados e, muitas vezes, essas falta de formalização é associada a intuição ou criatividade. Em um visão de projeto computacional, a explicação dos processos cognitivos é baseada na capacidade

de

formular,

representar,

implementar

e

interagir

com

representações explícitas e bem formuladas do conhecimento (OXMAN, 2006).

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Figura 21 - Modelo baseado no papel. O designer interage apenas sobre a representação no papel em um processo explícito, enquanto a geração, a avaliação e o desempenho do projeto é dado de forma implícita

Fonte: Oxman, 2006.

Para Oxman, modelos CAD (figura abaixo) são descritivos, empregando vários softwares de modelagem geométrica e renderização, mas têm pouco efeito qualitativo sobre o pensamento de design. Assim, modelos CAD retratam métodos de design digital em um nível de representação computacional (KOTNIK, 2010; OXMAN, 2006). Figura 22 - Modelo CAD tradicional (à esquerda), similar ao modelo baseado no papel, o designer interage apenas sobre a representação digital em um processo explícito, enquanto a geração, a avaliação e o desempenho do projeto é dado de forma implícita. Modelo de geração-avaliação CAD (à direita), o processo de representação e avaliação são explicados, enquanto os outros processos permanecem implícitos. O processo de geração não é formulado ou automatizado e não o relaciona diretamente à representação ou a avaliação do modelo

Fonte: Oxman, 2006.

Os modelos de formação observados na figura a seguir são definidos por Oxman como um processo digital geométrico estruturado ou formal, fornecendo ao designer um alto nível de interação digital e controle, resultando em "um desempenho do digital que é, talvez, a primeira característica da qualidade dos fenômenos digitais". Ou seja, para Oxman, modelos de formação marcam o limite entre metodologias de projeto digitais e não-digitais. A paradigmática classe subdivide-se em modelos topológicos, modelos de design associativos e modelos baseados em movimento. Em todas essas subclasses, a interação e o controle baseiam-se na alteração de um conjunto de parâmetros incorporados a um campo fixo de relações geométricas. Todos os

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modelos de formação, portanto, são métodos de design digital no nível de computabilidade paramétrica (KOTNIK, 2010; OXMAN, 2006). Figura 23 - Modelo de formação. O designer interage apenas sobre a representação digital em um processo explícito, porém com interação no ambiente digital. A geração, a avaliação e o desempenho do projeto é ainda dado de forma implícita

Fonte: Oxman, 2006.

Modelos de geração (figura 24) de design digital são caracterizados por Oxman por meio do fornecimento de um mecanismo computacional para processos

de

geração

formalizados.

Por

conseguinte,

esta

classe

paradigmática é formado por métodos de design digital no nível de computabilidade algorítmica (KOTNIK, 2010; OXMAN, 2006). Figura 24 - Modelo de geração. O designer interage explicitamente com o mecanismo de geração (ou emergência das formas a partir de regras, relações e princípios generativos) do modelo em um ambiente digital, e sua representação é consequência da geração, porém a avaliação e o desempenho permanecem implícitos

Fonte: Oxman, 2006.

Um modelo de desempenho, a próxima abordagem de Oxman ilustrada nesta pesquisa, é considerado como um processo de formação que é guiado por um critério de desempenho desejado. Os modelos de desempenho cumprem um papel importante na arquitetura com respeito à questão da funcionalidade do desenho digital, mas eles não proporcionam um novo nível de computabilidade digital, devido à natureza intrínseca da classe (KOTNIK, 2010; OXMAN, 2006).

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Figura 25 - Modelo de formação baseado no desempenho (à esquerda), o designer interage com base no desempenho em simulações digitais de forças externas aplicadas na condução do processo. O modelo de geração baseado no desempenho (à direita), diferencia-se por ser guiado por processos generativos integrados ao processo, ou seja, o designer pode interagir com os três módulos, definindo os critérios de desempenho no módulo de desempenho, definindo a geração do módulo de geração e de interagir diretamente com a representação digital

Fonte: Oxman, 2006.

Modelos compostos, o último modelo aqui representado, representam uma classe de mídia de design digital paradigmática e tem importante potencial para implicações futuras da mídia em design. Estas formas de mídia projeto integrado são o objetivo futuro de todos os sistemas digitais integrados (KOTNIK, 2010; OXMAN, 2006). Figura 26 - Modelos compostos são baseados em processos integrados, incluindo a formação, a geração, avaliação e desempenho. Simulação de desempenho, processos formativos e generativos podem ser integrados em mídia design digital

Fonte: Oxman, 2006.

A discussão sobre a taxonomia de métodos de concepção digital de Oxman demonstra que todas as várias metodologias contemporâneas podem ser incluídas e comparadas sob o conceito de níveis de computabilidade digitais (KOTNIK, 2010): Figura 27 - Níveis de computabilidade digital e modelos de design digital de Oxman

Fonte: Kotnik, 2010.

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O alcance de métodos digitais para o processo de design, abriu um caminho ao longo do qual os métodos matemáticos de investigação de campos como a topologia, geometria diferencial, ou a teoria da complexidade pode difundir

na

diferenciação,

arquitetura.

Conceitos

bifurcação,

como

morphing,

ou

continuidade

e

suavidade,

auto-organização

descrevem

propriedades de funções matemáticas que estão agora a ser utilizados como conceitos em processos de projeto (KOTNIK, 2010). Portanto, os níveis de computabilidade digital permitem um olhar mais atento a este processo de difusão e oferta à possibilidade de uma fundamentação teórica da relação entre as ciências e a arquitetura, tanto de funcionamento como em nível teórico (KOTNIK, 2010). Segundo Kolarevic (2001), as novas abordagens digitais para projeto de arquitetura (arquiteturas digitais) são baseadas em conceitos computacionais, tais como espaço topológico (arquiteturas topológicas), superfícies de isomorfismo (arquiteturas isomorfas), cinemática e dinâmica (arquiteturas dinâmicas),

keyshape

animation

(arquiteturas

metamórficas),

design

paramétrico (arquiteturas paramétricas), e algoritmos genéticos (arquiteturas evolucionárias). Novas categorias poderiam ser adicionados a esta taxonomia como novos processos com base em abordagens computacionais emergentes, por exemplo, os novos métodos poderiam surgir com base no desempenho (estrutural, acústica, ambiente, etc.), geração e transformação das formas. Hoffman e Joan-Arinyo fornecem uma visão geral de diferentes tipos de sistemas paramétricos. Cada um é definido pela sua abordagem para resolver restrições, e cada um tem suas próprias características e implicações para o trabalho em projeto, sendo: a abordagem baseada em gráfico (graph-based), a abordagem baseada na lógica (logic-based) e a abordagem algébrica (algebraic). Restrições precisam ser expressadas antes que elas possam ser resolvidas (WOODBURY, 2010). Da perspectiva de um usuário, existem dois tipos de sistemas de modelagem paramétrica: sistemas baseados em restrição e sistemas baseados em propagação (WOODBURY, 2006). Aish e Woodbury derivam destas abordagens os sistemas baseados em propagação (propagation-based systems), que presume que o usuário organize

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um gráfico que pode ser solucionado diretamente. Sistemas de propagação organizam objetos em um gráfico direcionado de modo que a informação conhecida é a resultante de informações desconhecidas, o sistema se propaga a partir do conhecido para calcular os desconhecidos. A relativa vantagem deste sistema é a confiança, velocidade e clareza, além da generalidade. Criando algoritmos eficientes e simples para o processo de tomada de decisão necessária ao usuário. Propagação é a mais simples forma de modelagem paramétrica (WOODBURY, 2010). Grafos são nós conectados por ligações. Em um grafo direcionado, as ligações são setas; eles explicitamente vinculam o nó antecessor à frente, aos nós sucessores. Em um modelo paramétrico, os nós são esquemas, são objetos que contém propriedades. Cada propriedade é associada a um valor, acessada por uma notação de ponto e relaciona-se com outros nós, guardando, acumulando ou alterando sua propriedade (os valores de propriedade podem ser expressões de restrição e são avaliados sempre que suas propriedades contidas alteram o valor). A visualização de fluxo de dados de expressões de restrição oferece uma visão mais precisa dos valores de propriedade (WOODBURY, 2010). Figure 28 - Um grafo possui uma coleção de nós conectados por ligações. Este grafo é tanto direcionado quanto cíclico

Fonte: Woodbury, 2010.

De acordo com Celani (2011a), "um sistema generativo pode ser utilizado visando à otimização (convergência) ou à variedade (divergência), por meio da geração de múltiplas alternativas. Para problemas bem definidos, mas para os quais não existe nenhum método direto para encontrar uma solução, pode-se gerar sistematicamente todas as alternativas possíveis e em seguida testá-las, de modo a encontrar a alternativa ótima – aquela que melhor corresponde aos critérios exigidos. Em outras situações o objetivo pode ser a geração de uma grande diversidade de opções dentro de uma linguagem, seja

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para a exploração criativa de idéias, seja para a criação de famílias de objetos. Os métodos generativos em geral utilizam procedimentos sistemáticos que incluem o uso de parâmetros e a avaliação de condicionais" (SALINGAROS, 2010 apud CELANI, 2011a).

3.3 O DESIGNER E O USO DE PARÂMETROS A genérica descrição de modelagem paramétrica feita anteriormente define importantes termos técnicos e estruturais, mas não fala do efeito de cada sistema no ato de projetar. Com as ferramentas convencionais de design é "fácil" criar um modelo inicial assim como seria fácil apagá-lo se necessário, porém, realizar mudanças a este modelo pode ser difícil: cada mudança requer o ajuste de muitas outras partes e todo retrabalho é manual e, quanto mais complexo o modelo, mais trabalho implicará. De uma perspectiva do design, decisões tomadas requerem muito trabalho a ser feito. Estas ferramentas podem limitar a exploração e efetivamente restringir o design. Desde a década de 80, ferramentas convencionais têm usado o conceito genérico de copiar, cortar e colar (WOODBURY, 2010). A modelagem paramétrica objetiva direcionar estas limitações. Ao invés do designer criar a solução do design (por manipulação direta) em um uma ferramenta convencional, a ideia é que o designer "estabeleça relações através das quais se conectem", então constrói-se o design usando estas relações e editam-se as relações por observação à partir dos resultados obtidos dessas relações. O sistema se encarrega de manter o design consistente com os relacionamentos e, portanto, aumenta a capacidade do designer para explorar ideias (WOODBURY, 2010). Woodbury (2010) afirma que, naturalmente, há um custo para esse processo. O desenho paramétrico depende de definições de relações e da vontade (e capacidade) do designer em considerar a fase de definição de relações como parte integrante do processo de concepção. Ele inicialmente requer do designer um passo atrás na atividade direta do design de modo a concentrar-se na lógica que vincula o projeto em um conjunto. Este processo de criação de relações exige uma notação formal e introduz conceitos adicionais que talvez não tenham sido previamente considerados como parte

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do "pensamento de design". Definir relações é um ato complexo de pensar, trata-se de estratégias e habilidades muitas vezes novas para os projetistas. Desta forma o desenho paramétrico e os seus modos de pensamento podem alargar o âmbito intelectual do projeto por representar explicitamente as idéias que são normalmente tratadas de forma intuitiva. Ser capaz de explicar conceitos de forma explícita demonstra ao menos alguma real compreensão do processo e do resultado (WOODBURY, 2010). O desenho é uma habilidade enquanto que combinar vários esboços e perspectivas para revelar as implicações de uma ideia do projeto pode ser uma estratégia. Woodbury (2010) lista seis habilidades detidas por aqueles que conhecem e usam ferramentas paramétricas. Algumas habilidades são paralelas às habilidades de design tradicionais, algumas são muito simples, quase triviais, enquanto que outras podem ser novas para a concepção - o design paramétrico requer todas essas habilidades. As habilidades listadas são: conceber o fluxo de dados, "dividir e conquistar", nomear as partes, pensar com abstração, pensar matematicamente e pensar algoritmicamente. Os dados fluem por meio de um modelo paramétrico, de nós independentes para nós dependentes. A maneira que os fluxos de dados são concebidos afeta profundamente as possibilidades de design e como o designer interage com elas. Conforme o projeto se torna mais complexo, as "cadeias de dependência" (destes nós sequenciais do projeto) tendem a crescer. O objetivo das abordagens paramétricas para projeto é proporcionar aos designers ferramentas para tomada de decisões de forma explícita, editáveis e re-executáveis (WOODBURY, 2010). Por diversas razões, os projetistas organizam seu trabalho em partes (ou "hierarquias próximas"), em sistemas cíclicos (ou recursivos) com interações limitadas entre as partes. Uma das muitas razões para estas divisões em "hierarquias próximas" é que permitem uma estratégia de design de "dividir e conquistar", ou seja, dividir o projeto em partes, projetar as partes e combinar as peças em um projeto inteiro, administrando o tempo todo as interações entre as partes. Usar uma estratégia de "dividir e conquistar' é organizar um desenho paramétrico em partes, de modo que há conexões limitadas e compreensíveis de parte à parte. Designers qualificados investem muito tempo no desenvolvimento e refinamento na estrutura de seus modelos com a intenção

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de tornar os fluxos de dados de parte à parte claros e explicáveis. Nomes facilitam a comunicação no projeto destas partes e a ação de nomeá-los, de forma compreensível, é prática do projetista. De igual maneira é necessário tempo na elaboração e aperfeiçoamento dos nomes das partes de um projeto (WOODBURY, 2010). O projetista ou designer também deve conhecer e praticar a abstração. Abstrair um modelo paramétrico é torná-lo aplicável em situações novas, tornálo aplicável em entradas (inputs) essenciais. Isto é particularmente importante porque grande parte do trabalho na modelagem é semelhante e o tempo é sempre escasso. Módulos dimensionais, eixos estruturais e detalhes padronizados são meios para abstrair ideias de design. Uma importante forma de abstração para a modelagem paramétrica é condensar e expandir um conjunto de nós (ou ações) (WOODBURY, 2010). Os modelos assistidos por computador são um conjunto de proposições matemáticas. Uma linha é uma declaração de um segmento entre seus pontos extremos, ou seja, desde uma simples linha, cálculos matemáticos são frequentemente realizados pelo sistema. Porém o projetistas faz mais do que colecionar proposições matemáticas, eles "constroem provas matemáticas de que os projetos são consequência de seus pressupostos básicos". O design sempre teve profissionais que tomaram mais do que ligeiros passos em direção à maturidade matemática, por exemplo, edifícios góticos podem ser compreendidos

e

foram

evidentemente

concebidos

como

sequências

complexas de um processo de construção geométrico, enquanto que construções geométricas e clareza visual são assinaturas nos projetos de Foster + Partners. Sistemas paramétricos podem tornar tal matemática ativa, designers podem experimentar ideias matemáticas enquanto constroem. As normais de superfície, resultados cruzados, tangentes, projeções e equações tornaram-se uma parte essencial do repertório do modelador (WOODBURY, 2010).

No

design

paramétrico,

os

projetistas

precisam

pensar

matematicamente a construção de seus projetos. A geometria do Templo Expiatório da Sagrada Família, de Antoni Gaudí, é uma exploração de possibilidades de superfícies reveláveis (abordaremos com mais detalhes o projeto e a construção da Sagrada Família no próximo capítulo).

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Conforme exposto anteriormente, um desenho paramétrico é um gráfico que possui nós que contém expressões de propagação ou de restrição. O desenho paramétrico é uma expressão algorítmica que pode ser alterada pelos utilizadores, pelo menos em princípio. Woodbury (2010) afirma que, mais cedo ou mais tarde, os designers deverão (ou pelo menos irão querer) escrever algoritmos para realizar seus projetos. Um algoritmo é uma sequência finita de passos, governado por instruções, passo a passo. Destacam-se dois aspectos do pensamento algorítmico: um é justamente seu aspecto processual (designers costumam descrever objetos ao invés de processos), o outro é sua precisão (um "nó" extraviado significa que provavelmente o algoritmo não irá funcionar). Em contraste as representações convencionais em arquitetura estão repletas de imprecisões e contam com a leitura humana para interpretar marcas de forma adequada. Em ambos os sistemas (convencionais e paramétricos), a linguagem de programação pode ser utilizada para se projetar. As novas habilidades citadas anteriormente formam a base para os designers construírem o ofício por meio do design paramétrico. O próximo passo é entender como estas habilidades podem se tornar estratégias em um projeto paramétrico. Modelos paramétricos são, pela sua natureza, dinâmicos. Uma vez criados, eles podem ser rapidamente alterados para responder às questões de design. Às vezes, um único modelo substitui páginas de desenhos manuais. Por outro lado, os modelos paramétricos são estruturas complexas, definidos que levam tempo para criar. Muitas vezes, eles não são rápidos. Um desafio para os desenvolvedores do sistema é permitir a modelagem rápida (WOODBURY, 2010). A maior vantagem dos esboços manuais é precisamente esta, são "rápidos; oportunos; baratos; descartáveis; abundantes; de vocabulário claro; de gesto distinto; possibilita o detalhe mínimo; sugere e explora ao invés de confirmar; possuis níveis adequados de refinamento; e ambigüidade". Woodbury (2010) sugere ainda adicionar a palavra "dinâmico" a essa lista devido à necessidade atual de mudança. (BUXTON, 2007 apud WOODBURY, 2010)

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Figura 29 - Os esboços iniciais (a) e (b) levaram ao esboço paramétrico, cujo objetivo era construir e compreender como uma superfície poderia reagir a objetos embaixo desta. Os elementos da tela que medem a superfície (c) foram construídas, literalmente, em cima do esboço

Fonte: Woodbury, 2010.

Designers tendem a reconstruir um código (de programação, seja visual ou escrita), em vez de reutilizá-lo. Projetistas ficam satisfeitos se o modelo resultante funciona. Porém, um dos aspectos das linguagens de programação (e a modelagem paramétrica é uma programação) visa tornar o código claro, reduzindo a redundância e promovendo a reutilização. "Jogar fora um código" é um fato a se considerar em desenho paramétrico. Por outro lado, a busca de modelos existentes para usá-los em seu próprio contexto é comum no processo de projeto paramétrico. Encontrar e reusar um código existente reduz o trabalho de refazer um modelo, é tipicamente mais fácil editar e alterar um código que funciona do que criar um código a partir do zero. Então "copiar e modificar" é uma prática comum entre designers, sendo relativamente fácil encontrar comunidades na internet que disponibilizam códigos já escritos a outros designers (WOODBURY, 2010). Sistemas paramétricos permitem um novo conjunto de controles para operar curvas e superfícies. Isso cria infinitas oportunidades para explorar formas que não seriam alcançáveis anteriormente. A história do design pode ser lida como o processo de explorar (procurar, buscar) novas idéias de construção da forma, usando quaisquer ferramentas e conceitos intelectuais que estejam à mão e em constante mudança. Para tal, o uso da matemática (especialmente a geometria) e da computação pode trazer em foco alguns conceitos de design, ou seja, às vezes será necessário entender a matemática subjacente para efetivamente criar um modelo (WOODBURY, 2010).

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Como um desenho paramétrico compromete-se a uma rede de relações, é possível adiar decisões de projeto. Tomar uma decisão influencia, de certa forma, todas as relações do modelo, visto que o sistema mantém as decisões feitas anteriormente - por meio de uma "história explícita". Quanto maior a propagação do sistema, maior seu tamanho, suas relações e seu tempo de atualização, e o mais importante, tornam os modelos difíceis de entender. Para atuar em um sistema amplo é comum reduzir a complexidade e permitir o reuso de suas partes por meio de ferramentas de construção de módulos. O uso de módulos é essencial para projetos complexos com elementos que se repetem (WOODBURY, 2010). Ajudar os outros (sistemas ou pessoas) é uma estratégia em design paramétrico, com a colaboração adquire-se recompensas que vão além do reconhecimento, ela ajuda a encarar novos problemas e novas abordagens para soluções (WOODBURY, 2010). Utilizar bem um sistema paramétrico requer, portanto, a combinação das diversas habilidades e estratégias mencionadas acima e com o tempo e a prática o próprio designer acaba por desenvolver sua caixa de ferramentas com suas próprias soluções e estratégias.

3.4 PROTOTIPAGEM E FABRICAÇÃO DIGITAL A era digital também reconfigurou radicalmente a relação entre concepção e produção, criou-se uma ligação direta entre o que pode ser concebido e o que pode ser construído. Hoje, projetos de construção não nascem apenas digitalmente mas podem ser construídos por meio de processos "direto-para-fábrica" (file-to-factory) por tecnologias de fabricação de "controle numérico computadorizado" - CNC (KOLAREVIC, 2009). "Os novos métodos de produção não são mecânicos, são controlados por computadores, daí o nome Computer Numeric Control, ou CNC, normalmente associado às fresas de controle numérico" (CELANI e PUPO, 2008). Segundo Celani e Pupo (2008), os "métodos de produção automatizada de peças modeladas digitalmente" podem ser classificados segundo o número de eixos, segundo a maneira como produzem objetos ou segundo sua finalidade (destinados à produção de protótipos ou modelos para avaliação -

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prototyping - ou à produção de produtos finais, como elementos construtivos a serem empregados em obra - fabrication ou manufacturing). Quando referindo-se ao termo prototipagem rápida - rapid prototyping ou manufatura rápida - rapid manufacturing - o termo rapid, em ambos os casos, "faz referência ao fato desses sistemas não requererem nenhum tipo de assistência humana" (CELANI e PUPO, 2008). As superfícies contínuas altamente curvilíneas que caracterizam arquiteturas digitais trouxeram a questão de como trabalhar as ramificações espaciais e tectônicas de tais formas não euclidianas. A questão da construtividade colocou em causa a credibilidade das complexidades espaciais introduzidas pelo avantgarde digital. No entanto, o fato de que essas geometrias topológicas podem ser precisamente descritas em NURBS significa que sua construção seria perfeitamente alcançável por meio de processos de fabricação de controle numérico computadorizado (CNC), tais como corte, subtração, adição, etc. (KOLAREVIC, 2001). No que se refere ao número de dimensões, esses sistemas possuem tipicamente duas dimensões, duas dimensões e meia e três dimensões (CELANI e PUPO, 2008). Kolarevic (2009) divide a fabricação digital em: escaneamento ou mapeamento tridimensional (em um processo do físico para o digital), fabricação bidimensional, fabricação subtrativa, fabricação aditiva, fabricação formativa e montagem. E ainda sugere estratégias para se trabalhar com superfícies, com a produção, com a nova materialidade e com a personalização em massa. Celani e Pupo (2008) afirma que métodos que não são necessariamente baseados em sistemas aditivos são, em geral, genericamente chamados de "sistemas de fabricação digital" (digital fabrication) e incluem as cortadoras a jato d’água e diversos tipos de equipamentos CNC em diferentes tamanhos e números de eixos. Segundo Celani, suas aplicações na arquitetura e construção são as mais variadas, desde "a produção de fôrmas para concreto armado com formas especiais até a produção de ornamentos esculpidos em pedra que são utilizados como 'próteses' arquitetônicas em obras de restauro". O papel dos diferentes profissionais envolvidos na indústria da construção civil também está sendo modificado em consequência do surgimento dessas novas

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tecnologias e, consequentemente, faz surgir novos nichos de atuação desses profissionais (CELANI e PUPO, 2008). Para alguns arquitetos, como Frank Gehry, o contato direto de um modelo físico é uma forma preferida de projetar do que uma manipulação digital em uma tela de computador. No caso de Gehry, as tecnologias digitais não são usadas como meio de concepção, mas como uma forma de tradução de um processo que toma como entrada a geometria do modelo físico e produz como saída o controle da informação codificada digitalmente, que é usado para conduzir várias máquinas de fabricação (KOLAREVIC, 2009). Técnicas de mapeamento tridimensionais podem ser usadas para capturar digitalmente não apenas modelos físicos, mas também condições existentes ou "conforme construído" (as built), ou mesmo paisagens (KOLAREVIC, 2009). Do processo inverso (ou seja, "do digital ao físico"), CNC de corte, ou de fabricação 2D, é a técnica de fabricação mais utilizada. Várias tecnologias de corte, tais como o plasma, do feixe de laser ou de jato de água, envolvem o movimento de dois eixos e são aplicadas por meio de uma cabeça de corte em movimento, de uma cama em movimento, ou uma combinação dos dois. As estratégias de produção utilizadas na fabricação 2D muitas vezes incluem o contorno, ou seja, seccionamento sequencial, triangulação (tessellation), uso de

regras

(ruled),

desdobramentos componentes

superfícies

(unfolding).

planares

reveláveis

Todos

bidimensionais

(developable

estes de

envolvem superfícies

a

surfaces) extração

e de

geometricamente

complexas ou sólidos que compreendem a forma do edifício. Qual destas estratégias deve ser utilizada depende do que está a ser definido: estrutura, envelope, uma combinação dos dois, etc. (KOLAREVIC 2001, 2005, 2009). Figura 30 - Corte de plasma (CNC)

Fonte: Kolarevic, 2001.

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Para Celani e Pupo (2008), o modo de produção dos objetos podem ser classificados de acordo com sua tridimensionalidade. A saber: Uma fresa de controle numérico com um spindle (eixo) pode cortar figuras planas e executar relevos, porém não é capaz de produzir modelos tridimensionais complexos. Por esse motivo esse tipo de equipamento é freqüentemente chamado de 2.5D. Já uma fresa de três eixos ou um sistema de impressão 3D são considerados efetivamente tridimensionais.

E complementam que no que se refere à maneira como produzem os objetos, os métodos automatizados podem ser do tipo subtrativo, formativo ou aditivo. Acompanharemos a explanação de cada qual a seguir. No sistema subtrativo "um bloco de material é desbastado seletivamente por fresas que se movem automaticamente em diversas direções." (CELANI, 2014) Como o seu nome indica, envolve a remoção de um volume específico de material de superfícies sólidas utilizando moagem (milling) de vários eixos. Esta tecnologia está sendo aplicada de forma inovadora na indústria da construção para produzir moldes para elementos de concreto com geometria de dupla curvatura (KOLAREVIC 2001, 2005, 2009). O sistema formativo "assemelha-se a um molde versátil, com a capacidade de se adaptar a diferentes formas" (CELANI e PUPO, 2008). Forças mecânicas, restringindo formas, são aplicadas sobre um material de modo a moldá-lo na forma desejada por meio de remodelação ou deformação. Por exemplo, o material pode ser permanentemente deformado por processos que estressam metais além do limite elástico, aquecendo o metal, por exemplo, e em seguida, dobrá-lo enquanto ele está em um estado amolecido (KOLAREVIC 2001, 2005, 2009). Por fim, Celani e Pupo (2008) esclarecem o sistema aditivo: Finalmente, o sistema aditivo consiste em sobrepor camadas de material sucessivamente, até que o objeto tridimensional seja formado (VOLPATO, 2007 apud CELANI, 2014). Para isso o software precisa criar fatias horizontais do modelo digital, que são impressas, solidificadas ou cortadas, e coladas umas sobre as outras. Estes, por sua vez, podem ser subdivididos de acordo com o tipo de material que utilizam: sólido (sinterização seletiva a laser e impressão 3D), líquido (estereolitografia) ou em lâminas (laminated-objectmanufacturing).

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A fabricação aditiva é realizada pela adição de material camada por camada, em um processo inverso da moagem. O modelo digital (sólido) é cortado em camadas bidimensionais; a informação de cada camada é, então, transferida para o processamento da máquina de fabricação e o produto físico é incrementalmente gerado camada por camada. Devido ao tamanho limitado dos objetos que poderiam ser produzidos, dos equipamentos caros e de longos tempos de produção, os processos de fabricação de aditivos têm uma aplicação bastante limitada na construção e produção. No design, eles são usados principalmente para a fabricação de modelos (massing) com geometrias complexas e curvilíneas (KOLAREVIC 2001, 2005, 2009). Depois que os componentes são digitalmente fabricado, a sua montagem (assembly) no local pode ser compreendida por meio da tecnologia digital. Modelos tridimensionais digitais podem ser usados para determinar a localização de cada componente, para mover cada componente à sua localização, e, finalmente, para fixar cada componente no seu devido lugar (KOLAREVIC 2001, 2005, 2009). Kolarevic (2001) afirma que novas tecnologias conduzidas digitalmente, tais como levantamento eletrônico e posicionamento a laser, estão cada vez mais sendo usado em canteiros de obras em todo o mundo para determinar com precisão a localização de componentes de construção. A capacidade de produção em massa de componentes de construção irregulares com a mesma facilidade que peças padronizadas introduziu a noção de personalização em larga escala na construção de design e produção (para a fabricação digital, é tão fácil produzir mil componentes distintos quanto mil componentes idênticos) (KOLAREVIC, 2001). A produção em massa está aberta para a variação de parâmetros durante o processo de produção, então pode-se produzir séries de componentes únicos. Segundo Kas Oosterhuis, não há razão para se produzir em massa componentes iguais visto que não será mais caro se você seguir as regras simples da complexidade e que acabam gerando riqueza de expressão. Mas a liberdade de criação está condicionada à capacidade em configurar estas regras simples. De um lado, mais controle; de outro lado, mais liberdade de expressão. E este seria o novo equilíbrio entre estratégias de cima para

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baixo (top-down) e de baixo para cima (bottom-up) (OOSTERHUIS apud ALVES, 2013). À medida que novos processos digitais de concepção e de produção começam a permear projeto de construção e produção, há um crescente interesse em "novos" materiais bem conhecidos em outras áreas de produção e só recentemente descobertos pelos arquitetos, como espumas de alta temperatura, borrachas, plásticos, etc. Grande parte do interesse dentre os arquitetos em novos materiais decorre das novas complexidades geométricas (KOLAREVIC, 2001). A mudança de paradigma atualmente em jogo no projeto arquitetônico contemporâneo é fundamental e inevitável, deslocando muitas das convenções estabelecidas. Todos os modelos de projeto capazes de transformações consistentes, contínuas e dinâmicas estão substituindo as normas estáticas de processos convencionais. As relações previsíveis entre o projeto e as representações

são

abandonadas

em

favor

de

complexidades

computacionalmente geradas. Hoje, as geometrias topológicas e curvilíneas podem ser produzidas com a mesma facilidade com geometrias euclidianas de formas planas e cilíndricas, esféricas ou cônicas (KOLAREVIC, 2001). De acordo com Kolarevic (2001) as arquiteturas digitais estão mudando profundamente os processos de concepção e construção. Ao integrar o projeto, análise, fabricação e montagem de edifícios em torno de tecnologias digitais, arquitetos, engenheiros, construtores têm a oportunidade de reinventar o papel do "mestre-construtor" e reintegrar as disciplinas atualmente separadas de arquitetura, engenharia e construção em uma agência colaborativa.

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4 ESTUDO DE CASO E EXPERIMENTAÇÃO - TEMPLO EXPIATÓRIO DA SAGRADA FAMÍLIA, DE ANTONI GAUDÍ "Having abandoned the discourse of style, the architecture of modern times is characterized by its capacity to take advantage of the specific achievements of that same modernity: the innovations offered it by present-day science and technology. The relationship between new technology and new architecture even comprises a fundamental datum of what are referred to as avant-garde architectures, so fundamental as to constitute a dominant albeit diffuse motif in the figuration of new architectures." Ignasi de Sola Morales, em "Differences: Topographies of Contemporary Architecture" (1997)

4.1 INTRODUÇÃO A origem e a natureza da inovação arquitetônica surgem de dois extremos. Em um extremo, há a profunda inovação do pensamento em pessoas como Antonio Gaudí ou Frei Otto, cuja abordagens foram fundamentalmente baseadas em diferentes formas de olhar o mundo. No outro extremo, há a inovação detalhada e rigorosa que, por meio da investigação e pequenos

passos de

progresso, tornam

possíveis

projetos

novos

e

emocionantes como a Grande Corte no Museu Britânico, do escritório Foster and Partners. Então inovação não é apenas sobre a inspiração, por vezes ela tem de ser metódica por meio de análises, modelagem, investigação, ensaios, testes e provas. Um tipo é a inspiração, outro a transpiração, quando ambos se juntam é que se tornam possíveis a realização de construções significativas. Este processo é facilitado se existe uma estrutura (intelectual e física) para fazer acontecer (COOK e HAPPOLD in BROOKES e POOLE, 2005). Seja qual for o lado, a inovação requer confiança, poder de persuasão, convicção e determinação. Muitas vezes ela vem quando as pessoas estão operando "no limite" de sua disciplina e enxergam caminhos férteis para tal, por vezes "jogando fora o livro de regras" e inventando-se um quadro próprio a se trabalhar (COOK e HAPPOLD in BROOKES e POOLE, 2005). É necessário saltar de um mundo onde se é ensinado a um mundo onde tem que se descobrir por si mesmo. É possível que esteja aí a dificuldade que é inovar. Neste sentido sempre vale a pena pensar sobre quem a história mostra ter sido realmente inovador em arquitetura e engenharia. Pode-se citar Antoni Gaudí, Frei Otto, Buckminster Fuller, Jean Prouvé, Cedric Price e Charles e

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Ray Eames, como pioneiros nos esforços para repensar as práticas habituais do processo de design, porém percebe-se que as ferramentas que se utilizaram mantiveram-se em grande parte a mesma (SHEIL, 2008). Frei Otto, por exemplo, destaca-se pela sua abordagem onde trabalhava entre as disciplinas da engenharia e arquitetura e mostrou sempre um fascínio com a natureza (suas formas naturais e suas formas como origem de maior eficiência). Esta abordagem parece conduzir a uma síntese da arquitetura e da engenharia nascida da natureza e o fez produzir, em colaboração com outros arquitetos e engenheiros, edifícios que são extremamente eficientes no uso de materiais e formas, libertando-se da convenção de arquitetura habitual (COOK e HAPPOLD in BROOKES e POOLE, 2005). Modelos físicos sempre foram a chave para processo de projeto de Frei. Estes modelos foram necessários para gerar, em experimentos, as formas complexas que resultariam do equilíbrio natural de forças físicas, o que ele chamou de "pesquisa de analogia sintética". Muitas construções "naturais" investigaram neste momento superfícies mínimas, bolhas de sabão e espuma, pneumáticos e estruturas tensionadas. Em cada caso, apropriou-se das leis naturais da física responsáveis por fenômenos específicos da natureza para definir formas de equilíbrio naturais. Por um lado, atualmente as ferramentas de modelagem pelo computador permitem ir além da natureza e criar formas arbitrárias, "dolosas", confusas e com pouca lógica técnica ou de engenharia. Porém, por outro viés pode ser transformada em vantagem para o processo projetual (COOK e HAPPOLD in BROOKES e POOLE, 2005, GRUBER, 2011). Em 1958, Otto fundou a primeira de várias instituições dedicadas a estruturas leves - Institute for Development of Lightweight Construction - um pequeno instituto privado, em Berlim. Em 2015 foi premiado com o prêmio Pritzker de arquitetura. Atualmente, muitos arquitetos tem se inspirado nos experimentos de Frei Otto (http://www.pritzkerprize.com/2015/biography, acessado em 18.06.2015). A pesquisa prévia na metodologia de design e pensamento de design tem sido frequentemente centrado na análise e modelagem formal das atividades comportamentais, processuais e cognitivos da concepção. Oxman (2006) propôs que um novo quadro teórico para a formulação das características e problemas teóricos de design digital pode, de fato, ser

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formulado em referência a alguns dos modelos canônicos existentes de design. (OXMAN, 2006). Figura 31 - Modelo de fio de lã para calcular redes de caminho de desvio otimizados, Institute for Lightweight Structures (ILEK), Stuttgart, 1991. Experimento realizado por Marek Kolodziejczyk. Dependendo do parâmetro ajustável do comprimento do fio, o aparelho - através da fusão de segmentos - calcula uma solução que reduz significativamente o comprimento global do sistema de caminhos, mantendo um fator de desvio médio baixo

Fonte: AD Architectural Design - Digital Cities, Vol 79, No 4, July/August 2009. Figura 32 - A rede de caminho foi gerada como um modelo de fio de lã digital. Zaha Hadid Architects, Kartal Pendik-Masterplan, Istambul, Turquia, 2006

Fonte: AD Architectural Design - Digital Cities, Vol 79, No 4, July/August 2009.

Outro arquiteto que foi capaz de estudar a natureza ao seu redor para ajudar a computar seus projetos foi Antoni Gaudí. Entre seus experimentos mais famosos estão os modelos de cadeia de suspensão. Gaudí, o arquiteto da Sagrada Família e muitos outros edifícios igualmente emocionantes em torno de Barcelona, tornou-se um dos arquitetos mais conhecido do passado. Sua ruptura com a convenção e sua vontade de explorar formas totalmente originais capturou a imaginação das pessoas (COOK e HAPPOLD in BROOKES e POOLE, 2005). Gaudí parece ter desenvolvido sua própria visão de como criar edifícios como objetos tridimensionais. Talvez sua rejeição pela representação bidimensional foi uma parte importante deste modo de ver e criar. Ele usou modelos físicos para encontrar tais formas tridimensionais e estes modelos tornaram-se ferramentas para definir a geometria a partir da qual os pedreiros poderiam construí-la. Sendo modelos físicos, eles tinham de responder às

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forças naturais (em especial gravidade) e tornaram-se "formas de otimização". Gaudí possuía o seu próprio quadro de referência, seu próprio conjunto de regras, criando o projeto dentro desses novos parâmetros. Felizmente para ele - e para a disciplina da arquitetura - ele encontrou um grande patrocinador de suas ideias - Eusebi Güell - que financiou muitos de seus projetos. Isto serve como "um lembrete dos poderes de persuasão ou influência que o inovador precisa ter para que ideias se tornem realidade" (COOK e HAPPOLD in BROOKES e POOLE, 2005). Analisando estes grandes inovadores do século XX, é importante perceber que a sua verdadeira inovação foi em seu quadro original de referência, impulsionado por sua nova maneira de pensar, um novo conjunto de prioridades. O grande mérito e avanço da inovação se deu pelo caminho avesso ao treinamento convencional e das regras do dia-a-dia, e não somente pelo simples fato de ser algo novo. O modo de pensar atravessou disciplinas, trabalhando com seus limites (COOK e HAPPOLD in BROOKES e POOLE, 2005). Portanto, a grande inovação nasce de um novo pensamento e de novas formas de ver o mundo. O método de computar o processo que Antoni Gaudí e Frei Otto utilizaram em seus experimentos é conhecido como "Computação Analógica". Tanto os "sistemas de caminhos otimizados" de Frei Otto e sua equipe no Instituto de Estruturas Leves em Stuttgart, quanto a técnica de modelagem de cadeia que Gaudí utilizou para a igreja da Sagrada Família, experimentaram um sistema material para cálculo da forma (ou form finding). Cada uma dessas "máquinas de materiais" foi concebida de modo que, por meio de inúmeras interações entre seus elementos ao longo de um certo período de tempo, a máquina se reestruturou ou "encontrou a forma" (KOLAREVIC e MALKAWI, 2005). Leach (2009) chama essa forma analógica de computação de "computação material" e apesar da aparente dureza do processo de modelagem, na verdade são meios altamente sofisticados de compreensão do desempenho estrutural (LEACH, 2009). "Computação" - um termo derivado de "computare" do latim (para "pensar juntos') - refere-se a qualquer sistema onde os componentes individuais estão trabalhando em conjunto. Leach (2009) afirma ser igualmente importante reconhecer que a computação de forma digital também tem suas

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limitações, visto que envolve necessariamente a redução do mundo a um conjunto limitado de dados que pode ser simulado digitalmente, mas nunca pode replicar a complexidade de um sistema, como "uma bolha de sabão cujo cálculo estrutural interno envolve um difícil equilíbrio entre as organizações materiais de superfícies altamente complexas e a pressões atmosféricas". Uma vez que os materiais funcionam como "agentes", é essencial que eles tenham uma certa flexibilidade, uma certa liberdade de agir. É também essencial, no entanto, que esta liberdade seja limitada a um certo grau definido pela estrutura da própria máquina. As interações materiais resultam frequentemente em uma geometria que é baseada no comportamento complexo do material em elasticidade e variabilidade. Em uma computação analógica clássica a maioria dos movimentos está contida em engrenagens, pistões ou ranhuras, ou muitas vezes em líquidos detidos pelos recipientes rígidos, mas, no caso de máquinas de Frei Otto, a maioria dos materiais são misturas de líquidos e sólidos (como areia, balões, papel, película de sabão, bolhas de sabão, cola, verniz, etc.) ou eles começam como líquido e acabam como uma estrutura rígida (KOLAREVIC e MALKAWI, 2005; WEINSTOCK, 2006). Ambas as técnicas são totalmente sistêmicas: todos os recursos são formados simultaneamente. O sistema está a calcular tudo ao mesmo tempo, sólido e vazio, no decorrer do processo, por meio de milhares de iterações, onde cada posicionamento é dependente da formação de outro. Portanto, ordem e forma são produzidos e surgem durante o processo. É um construtivismo: "um construtivismo suave, não um mecanicista russo". Isso significa que utilizar técnicas de computação analógicos não são apenas para calcular forma estrutural, mas também - em um nível superior - forma organizacional (KOLAREVIC e MALKAWI, 2005). Portanto, a Biologia fornece uma das principais fontes de inspiração para a investigação sobre a morfogênese em arquitetura e engenharia. A natureza opera principalmente por meio de uma lógica de otimização, e pode, portanto, oferecer lições importantes aos arquitetos. Sendo assim, a biomimética - o estudo do que podemos aprender por replicar os mecanismos da natureza emergiu como um importante campo de pesquisa. Não é simplesmente que a natureza possa inspirar produtos e formas, em vez disso, a própria natureza

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pode nos ensinar lições importantes sobre a eficiência de certas organizações estruturais (LEACH, 2009). Biomimética é essencialmente interdisciplinar, uma série de colaborações e intercâmbios entre matemáticos, físicos, engenheiros, botânicos, zoólogos e médicos. As fronteiras rígidas entre a taxonomia herdada de disciplinas "puras" fazem pouco sentido neste novo território. Do mesmo modo, as formas de arquitetura e engenharia tradicionais de pensar em materiais como algo independente da forma e estrutura são obsoletos (WEINSTOCK, 2006). Não é de surpreender que em uma época dominada pelo computador, este interesse em computação material tem sido acompanhado por um interesse em computação digital, sendo explorada por meio de novas técnicas digitais. Estas estendem-se desde a manipulação e uso de programas de geração de forma por autômatos celulares, algoritmos genéticos, L-Systems e sistemas multiagentes. Estes modos de produção têm sido usados por designers para produzir uma nova geração de formas, com a utilização do computador para compreender, testar e avaliar as estruturas projetadas (LEACH, 2009). Leach (2009) afirma que o uso aparentemente paradoxal do domínio imaterial do computador para entender as propriedades dos materiais de arquitetura gerou um novo termo na arquitetura: "tectônica digital". Em outras palavras, a velha oposição entre o mundo altamente material e o mundo imaterial digital tem sido quebrada. O computador é visto não simplesmente como uma ferramenta de elaboração sofisticada mas também como um dispositivo que pode tornar-se parte do processo de design em si. O arquiteto tem o papel de controlador de processos generativos, onde a aparência final é um produto não da imaginação do arquiteto sozinho, mas também das capacidades geradoras de programas de computador. A criatividade foi deslocada ao uso de vários processos (LEACH, 2009). O designer então estabelece certas coordenadas definidoras, e, em seguida, "libera" o programa, o que eventualmente "cristaliza" e resolve-se em uma determinada configuração. Cada configuração é uma forma estrutural que vai apoiar-se contra a gravidade e outras cargas prescritas, e ainda assim cada uma é diferente. Essa é a lógica de um sistema bottom-up (LEACH, 2009). A

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qualidade do projeto final depende sempre da adequação da aplicação. Mas é importante estar consciente para não confundir as abordagens formais com o apoio científico de uma proposta de design (GRUBER, 2011). O computador, então, surge não apenas como um dispositivo que amplia o alcance da imaginação arquitetônica, mas também - bem como uma calculadora - como uma ferramenta de otimização que oferece um meio mais rigoroso de busca de possíveis opções do que poderia ser descrito como "a lógica

pseudo-computacional"

que

muitas

vezes

domina

a

prática

contemporânea (LEACH, 2009). Com a crescente utilização de métodos computacionais, os processos naturais podem ser simulados digitalmente, em tentativas de transferir as leis da física ou o dinamismo dos processos de vida em um ambiente construído digitalmente (GRUBER, 2011). Um número de arquitetos contemporâneos têm re-examinado as obras de Gaudí e Otto, e encontraram nelas fontes de inspiração para pesquisas sobre a nova geração morfogenética de busca da forma, muitas vezes conectando as lições da experimentação analógica com técnicas digitais mais contemporâneas. Mark Burry, como consultor de arquitetura para a conclusão da Igreja Sagrada Família de Gaudí, em Barcelona, tem vindo a explorar técnicas digitais para a compreensão da lógica própria de Gaudí (LEACH, 2009). Segundo Leach (2009), essa preocupação com o desempenho das edificações pode se estender além engenharia estrutural para abraçar outros discursos de construção, tais como ambientais, econômicos, paisagísticos ou preocupações de fato programáticas. Ou seja, um desdobramento da arquitetura para as outras disciplinas que englobam a industria da construção.

4.2 TEMPLO EXPIATÓRIO DA SAGRADA FAMÍLIA, ENTRE O ANALÓGICO E O DIGITAL O arquiteto Antoni Gaudí se apresentou como uma experiência à parte do contexto da modernidade, inovador, perturbador, genial, ainda que periférico e sem seguidores internacionais, uma vez que se tratava de uma empreitada local diferenciada. Um experimentador nato, mesclava em seus projetos o neogótico, os mosaicos de ladrilhos e azulejos, e as referências formais da natureza, sempre de modo empírico dado seu método de trabalho com

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maquetes ao invés de desenho técnicos propriamente ditos e, frequentemente, construindo em um sistema work in progress ou just-in-time para usar as palavras de Mark Burry, sistema de trabalho sem configuração pré-definida em que as soluções vão se desenvolvendo, conforme o trabalho vai acontecendo. (DIAS, 2012 e 2014; BURRY, GRIFOLL e SERRANO, 2008) Gaudí deu forma a Barcelona. Nas obras de Gaudí não faltam referências e símbolos nacionais, como o brasão da Catalunha reproduzido no Parc Guell, mas a obra-prima de Gaudí é sem dúvida aquela deixada inacabada (e a qual foi contratado após o abandono da obra por parte de Francisco de Paula del Villar e do declínio de Joan Martorell): a Igreja da Sagrada Família, materialização de todo intelecto, religiosidade e misticismo de Gaudí (DIAS, 2012 e 2014; CONTRY, 2011; BURRY, GRIFOLL e SERRANO, 2008). Figura 33 - A Igreja da Sagrada Família em 1915 e em 2010, rodeada de praças e ruas de Barcelona, definindo o horizonte da cidade

Fonte: Revista National Geographic, Dezembro, 2010.

Arquiteto catalão, Antoni Gaudí morreu em 1926, aos 74 anos. Trabalhou em sua obra-prima, o Templo da Sagrada Família, durante a maior parte de sua longa carreira dedicando seus últimos anos (1914-1926) exclusivamente ao Templo e, assim que percebeu as implicações de sua própria fragilidade física, viu crescer a necessidade de criar um sistema para garantir que seu projeto tivesse um legado. Durante seus 43 anos como arquiteto dirigindo o projeto, menos de 10% do edifício previsto foi construído. Hoje usa-se a tecnologia mais recente para avançar este desafiador projeto (BURRY, 2005, BURRY, GRIFOLL e SERRANO, 2008). Burry, Grifoll e Serrano (2008) afirmam que, desprovido da presença constante de Gaudí no local da obra da Igreja, muitos acreditaram que o

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projeto tivesse sido destinado a permanecer como uma ruína icônica após a sua morte. Para aumentar a crença em sua eterna incompletude, durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939), sua oficina e escritório em obra foram saqueados. Os desenhos que haviam sido deixados a seus sucessores foram queimados e os modelos de gesso que mostravam os elementos não construídos do edifício foram quebradas em pedaços. No entanto, em seus últimos anos, Gaudí tinha introduzido um alto grau de racionalidade geométrica para a Igreja da Sagrada Família. O rigor e aplicação desta geometria fizeram com que seus sucessores tivessem abundante material a partir do qual iriam trabalhar, uma vez que os fragmentos de seus modelos elaborados tinham sido recuperados e restaurados nas décadas seguintes. Figura 34 - Um trabalho em andamento: alguns passos fundamentais na lenta marcha da igreja até a conclusão

Fonte: Revista National Geographic, Dezembro, 2010.

A concepção e construção da nave da Igreja começou durante a década de 1980, coincidindo com o período em que a profissão de arquitetura começou a utilizar a computação para auxiliar o processo de projeto e documentação. Por volta de 1990, era evidente que o software desenvolvido especificamente para a arquitetura não era capaz de ser adaptado às necessidades primárias da Igreja da Sagrada Família. Então, assim como agora, os arquitetos se voltaram para as indústrias de design aeronáutico e de veículos, que utilizam um software de desenho paramétrico de alta capacidade para ajudar na continuação do projeto de Gaudí. Este aspecto, juntamente com os métodos altamente avançados de construção, utilizados em um lugar que recebe mais de dois milhões e meio de visitantes a cada ano, coloca a Igreja da Sagrada

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Família na vanguarda das iniciativas arquitetônicas mais avançadas (BURRY, GRIFOLL e SERRANO, 2008).

As imagens que acompanham esta pesquisa demonstram a abrangência da modelagem do projeto de Gaudí, e sua tradução póstuma a operações de construção em grande escala. Burry (2005) afirma que apesar da necessidade de introdução de softwares além das demandas do setor de arquitetura, e apesar de ser um dos primeiros projetos a envolver prototipagem rápida de design e preparação automatizada de material por CNC, o estúdio de modelagem permanece intacto, e sua força de trabalho vibrante, como qualquer visitante pode testemunhar. É possível que a Igreja da Sagrada Família seja um dos primeiros projetos a adotar as ferramentas digitais mais sofisticadas, um dos primeiros projetos a entrar numa era postdigital como um condutor, em circunstâncias em que "a contribuição contínua do artesão é julgada como um parceiro crucial para o diálogo digital" (BURRY, 2005). Após os acontecimentos da perda de plantas, documentos e da destruição dos modelos de Gaudí, o ambicioso projeto continuou apenas com o auxílio de modelos restaurados, com a memória de seus colegas e o estudo de todos os documentos literários, fotografias e plantas reproduzidas que foram preservadas; uma intensa pesquisa que passou por um momento decisivo na década de 1990 quando, sob proposta do departamento técnico da Junta Constructora para a Igreja da Sagrada Família, mostrou-se que, por meio da aplicação de tecnologia CAD para as figuras geométricas com que Gaudí trabalhou (que vieram a partir de superfícies simples, regulares, tais como hiperbolóides ou parabolóides), poderiam ser estabelecidos conceitos chaves em resposta a certas regras e matemática. Percebeu-se que não se aplicava o sistema decimal prevalecente, mas o sistema duodecimal (doze), ou seja, a recuperação de uma unidade de medida usado por egípcios e caldeus e muitos construtores de catedrais na Idade Média (BURRY, GRIFOLL e SERRANO, 2008). Este sistema de medição ao lado do uso de geometria simples e o complexo desenvolvimento de sua aplicação à construção de cada uma das partes do Templo (dividido por Burry em colunas, janelas, abóbodas, coberturas das naves, sacristias e torres, etc. como observado na figura 35) é o assunto a ser apresentado neste capítulo para tentar ajudar a entender o que

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Gaudí chamou de "meu método experimental". Unindo teoria e prática, a investigação científica e o domínio do artesanato, percebe-se que até hoje todas as partes do templo da Sagrada Família ainda é um produto de oficina, uma pesquisa que, apesar de trabalhar com os mais recentes instrumentos tecnológicos, ainda muito adere ao método de trabalho de Gaudí (BURRY, GRIFOLL e SERRANO, 2008). Figura 35 - Colunas, janelas, abóbodas, cobertura principal da nave, sacristias e torres

Fonte: Burry, Grifoll e Serrano, 2008.

Existem quatro tipos de colunas utilizadas na parte inferior da nave central, sendo de 6, 8, 10 e 12 faces ou lados do polígono e estas são o padrão para a geometria de toda a sua altura (figura 36). Naturalmente, a coluna seis lados é a mais delgada e a doze lados, a mais massiva. Elas têm seções de diferentes tamanhos, juntamente com uma gama de tipos de pedra usados para estabelecer uma relação hierárquica clara entre eles. O material para cada coluna foi selecionado de acordo com as suas propriedades mecânicas para resistir a cargas de compressão. Gaudí construiu um equipamento especial no local para avaliar o desempenho de carregamento de cada pedra, a fim de determinar o diâmetro de cada coluna a trabalhar com relação ao sistema proporcional que tinha estabelecido. Todas utilizam o mesmo sistema com base na "dupla hélice". Sua originalidade não encontra precedentes históricos diretos de qualquer outra fonte (BURRY, GRIFOLL e SERRANO, 2008).

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Figura 36 - Colunas com 6, 8, 10 e 12 faces

Fonte: Burry, Grifoll e Serrano, 2008.

Atualmente, a construção das colunas, no entanto, usa a pedra como revestimento ao concreto armado, a fim de suportar os consideráveis cargas sísmicas e de vento horizontais. Burry, Grifoll e Serrano (2008) afirmam ser de conhecimento que Gaudí aceitou o desejo do cliente para usar pedra para as colunas na cripta, portanto, podemos aceitar que o simbolismo dos materiais selecionados com tanto cuidado científico não é de menor importância quando se considera a necessária introdução de material de alta resistência. Cada variação de coluna tem uma localização. Este uso deliberado de materiais de acordo com diferentes condições de carga tem origem na arquitetura antiga, mas a extensão dessa expressão por meio da geometria real por trás da geração da forma para cada coluna parece bastante original. A composição das colunas, como a maior parte do trabalho de Gaudí, é mais fácil explicar como um princípio do que sua realização. Eles são a intersecção entre duas colunas helicoidais; uma torcida com um determinado ângulo em um sentido positivo no que diz respeito ao eixo de colunas, e o outro com o mesmo grau de torção mas no sentido oposto. Não se sabe como Gaudí foi capaz de visualizar o efeito dessa manipulação para si mesmo, seja por desenhos ou pelo uso de modelos. Antes de contar com computadores, Jordi Brunet inventou uma máquina engenhosa (1951) que permitia construir as colunas definitivas usando qualquer perfil e angulo de rotação. A necessidade e a simplicidade dessa máquina, e a lógica da sua função, são a prova da incapacidade de desenhos tradicionais para auxiliar na construção de uma dessas colunas. O sistema CAD / CAM dá a utilidade do computador para além da época de Gaudí e hoje a robótica ajuda a produzir as colunas diretamente

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da tela para a próprio serra, como as construídas na Fachada da Paixão (BURRY, 2011; BURRY, GRIFOLL e SERRANO, 2008). Figura 37 - Geração das colunas em computador; série de imagens por construção analógica e sendo esculpida por serra em uma máquina de controle numérico - CNC

Fonte: Burry, Grifoll e Serrano, 2008.

Em alguns momentos na montagem de colunas de 4 lados os fabricantes do modelo tinham que encontrar os pontos de intersecção, não sendo fácil executar as conexões entre distintas peças de concreto, então tiveram que confeccionar maquetes em escala real. Como um teste de comprovação, o mesmo exercício foi realizado usando o computador, com as maiores discrepâncias detectadas foram de menos de 2 milímetros entre o artesanal e a investigação digital. Isto demonstra tanto a habilidade dos fabricantes do modelo como a eficácia do computador. Mas seja qual for a técnica é usada para promover a construção da nave, tudo isso contribui para demonstrar a genialidade de Gaudí e sua capacidade de gerar uma arquitetura aparentemente abstrata em uma base racionalista (BURRY, GRIFOLL e SERRANO, 2008).

A próxima parte estudada foi o conjunto de diferentes janelas, exemplificando com a janela lateral da nave e a rosácea do transepto a oeste

100

(Fachada da Paixão), que juntos fornecem um conhecimento detalhado do trabalho do projeto de Gaudí na fase final em sua carreira: Figura 38 - A janela lateral da nave. A esquerda o modelo de Gaudí em escala 1:10 construído antes da sua morte, em 1926. Ao centro o processo decorativo feito parcialmente por scripts e à direita o processo de geração por subtração

Fonte: Burry, 2005; Burry, Grifoll e Serrano, 2008.

A janela lateral situa-se na parte superior das naves laterais de ambos os lados, e as ilumina. A janela está situada a 20 metros acima do chão, e os pináculos (cestas de frutas esculpida em pedra) atingem uma altura de 40 metros. Há seis janelas com 7,5 metros de largura, em cada lado da nave, uma série de cinco em linha com a sexta em 90 graus que se conecta com os transeptos (BURRY, GRIFOLL e SERRANO, 2008). Os fragmentos conservados dos modelos em escala 1:10 de Gaudí são suficientes para deduzir as características geométricas de cada uma das superfícies

regulares,

bem

como

a

composição

de

toda

a

janela.

Suficientemente precisos para a análise básica, contudo, não podem ser simplesmente escalonado por dez vezes ao tamanho completo, eles precisam ser geometricamente configurados com precisão (BURRY, GRIFOLL e SERRANO, 2008).

A medida total de cada janela lateral (7,5 x 15 metros) não é de um tamanho prático para ser considerada como uma peça única (figura 39). O critério principal para dividir as janelas foi o peso máximo de duas toneladas, assim poder-se-ia levantar com uma grua. Uma vez que o efeito visual desses planos chanfrados é uma consequência direta de hiperboloides de revolução, e sabendo os métodos de design de Gaudí, é possível que ele fora modificando as condições arquitetônicas do conjunto cada vez que o resultado visual não o satisfazia (BURRY, GRIFOLL e SERRANO, 2008).

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A dificuldade em encontrar as curvas de intersecção entre hiperbolóides de revolução adjacentes usando técnicas gráficas motivou o uso do computador, especificamente com o desenho da janela lateral superior da nave. As operações booleanas têm um enorme impacto sobre a interpretação dos modelos de Gaudí. Foi valioso, pois, descobrir que por trás de realizar um modelo de sólidos poderiam se obter uma série de informações numéricas (como centróides, momentos de inércia, o volume, o peso, etc.). O computador, ao tempo que foi uma ferramenta para auxiliar a resolução visual, também teve um impacto considerável sobre o processo de construção (BURRY, GRIFOLL e SERRANO, 2008).

Burry, Grifoll e Serrano (2008) afirmam que realizar o trabalho requer uma quantidade significativa de espaço livre, então, a partir de 1990, a oficina foi locada na cripta ao leste da nave. Isso contribui para a forte impressão de que o trabalho é um processo vivo, em que a preparação de novos modelos compartilham o espaço usado para arquivar, reparar e interpretar os modelos originais escalados em 1:25 e 1:10. Em um processo mais recente, a janela de rosa (ou rosácea) localizada entre os dois grupos de torres que compõem a "fachada da paixão" da Igreja da Sagrada Família foi concluída em 2001. Ela mede oito metros de largura por trinta e cinco metros de altura. Havia quatro fases para o projeto baseado em três localizações geográficas distintas: o projeto foi realizado no local em Barcelona, a descrição do projeto na Austrália, e o corte de pedra em Galícia, na Espanha: Figura 39 - À esquerda e ao centro a janela lateral da nave. À direita a precisa e colaborativa construção das rosáceas da Fachada da Paixão, processo construído "just-in-time" por meio digital e de artesãos

Fonte: Burry, 2005.

102

Para Burry, Grifoll e Serrano (2008) este tipo de construção "Just-intime" é um processo relativamente inovador onde se vai realizando uma parte da construção do projeto, enquanto outras partes ainda estão tendo seu projeto detalhado e finalizado. Assim como acontecia na época de Gaudí. Estudos anteriores realizados em gesso em escala 1:25 pelos arquitetos Puig Boada e Bonet Garí resultaram no ponto de partida para Mark Burry e equipe. Estes foram capazes de utilizar este modelo como base para o desenho final, e usando um desenho paramétrico, toda a composição pode ser adequada. A posição de uma abertura, ou o tamanho da própria abertura pode ser alterado à vontade com o modelo tridimensional feito pelo computador visto que se modifica automaticamente sem a necessidade de reconstruir o modelo digital por meio de um processo de "apagamento e redesenho subsequente". Por exemplo, permitindo ajustar o modelo de um modo relativamente fácil para que cumpra com circunstancias de medidas "in-situ". Isso representou uma combinação muito bem sucedida da precisão e eficiência da mídia digital e a comunicação com aspectos tradicionais da modelagem do projeto e da alvenaria de pedra (BURRY, GRIFOLL e SERRANO, 2008). Percebe-se uma semelhança entre este modus operandi concreto que se utiliza de poderosos aparelhos digitais e da modelagem de projeto iterativa usadas por Gaudí durante a pré era digital. No planejamento das abóbadas, usa-se superfícies regulares com base em hiperbolóides para construir as clarabóias e capitais, por exemplo, e parabolóides hiperbólicas para os elementos de transição entre eles (BURRY, GRIFOLL e SERRANO, 2008): Figura 40 - À esquerda, os arcos de Gaudí comparados a outros. À direita, diferentes visões de hiperboloides de uma folha e suas seções

Fonte: Revista National Geographic, Dezembro, 2010; e Giralt-Miracle, 2002.

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A superfície do hiperbolóide pode ser gerada por uma hipérbole girando em torno do seu eixo imaginário. Pode haver hiperbolóide de revolução e elíptica. De acordo com a própria simbologia de Gaudí, o hiperbolóide representa a luz e é por isso que ele é usado, principalmente em todos os pontos onde a luz tem que passar para ser difundida e transmitida de uma parte

para

outra,

de

um

exterior

para

um

interior

(http://www.sagradafamilia.org/). Durante a década de 1990 a nave central foi construída com as abóbodas que Gaudí tinha planejado. Ao reconstruir partes importantes do modelo de gesso, e utilizando o sistema de modulação e proporções em conjunto com as fotografias da oficina, foi possível construir as abóbadas das naves laterais e centrais por computador, e, assim, finalmente, realizar a construção (BURRY, GRIFOLL e SERRANO, 2008). A construção das abóbadas de 30 metros foram feitas com concreto in situ, e segui-se um longo processo construtivo. Em um primeiro momento, cada módulo, juntamente com seus detalhes e superfícies secundárias, foi feito de gesso, em escala real, no local. Posteriormente, moldes de fibra de vidro foram sobrepostos aos módulos de gesso e colocado de cabeça para baixo no chão da igreja. Os elementos menores foram pré-fabricados no local, uma vez que eles levam cor e decoração de vidro de Murano (BURRY, GRIFOLL e SERRANO, 2008).

Construídas em concreto, as abóbadas de 45 metros de altura possuem 15 metros de largura e fecham a nave central entre as duas janelas superiores. Assim como as outras abóbodas, mas com mais intensidade, estas foram construídas como uma mistura da tradição construtiva e da tecnologia bem aplicada, com o equilíbrio entre os dois. As abóbodas de 60 metros de altura são o ponto central do Templo e são perfeitamente simétricas (BURRY, GRIFOLL e SERRANO, 2008).

Acima das abóbodas encontra-se a cobertura da nave principal. Ainda hoje se conserva um modelo da cobertura realizado por Gaudí em gesso na escala 1:25. Este modelo é muito detalhado e pode ser considerado como definitivo. Apesar e ter sido quebrado durante a destruição causada durante a Guerra Civil (1936-1939), ainda é suficiente para que se possa "ler" e interpretar a sua geometria com alta precisão.

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Figura 41 - Vista da nave próxima de sua conclusão

Fonte: Burry, 2011.

O conjunto tem uma altura total de 22,3 metros, aproximadamente, e descansa sobre duas baías de 7,5 metros de largura e 15 metros de comprimento, construída por meio de uma combinação da técnica de abóboda catalã e de concreto (BURRY, GRIFOLL e SERRANO, 2008). Não se sabe como Gaudí projetou esta parte do edifício, mas, possivelmente passou por um processo iterativo pelo qual alcançou um resultado aceitável. Pode ter sido ensaiado com uma técnica manual utilizando o mesmo método de modelagem com gesso, seguindo o sistema de tentativa e erro. Com a introdução do design paramétrico para, por exemplo, a dedução das colunas, é evidente a possibilidade de optar por uma interpretação viável usando uma abordagem semelhante (BURRY, GRIFOLL e SERRANO, 2008). O desenho paramétrico depende dos parâmetros que formam um conjunto infinito a fim de trabalhar dentro de limites conhecidos e úteis. É essencial que os critérios de projeto sejam estabelecidos no início do exercício, porque "é difícil e muitas vezes impossível rever os critérios na metade do trabalho". É também necessário priorizar operações, e neste caso, a primeira coisa a fazer é encontrar uma solução viável para o local do ponto virtual do vértice (BURRY, GRIFOLL e SERRANO, 2008).

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A técnica usada foi, primeiro, medir e desenhar o modelo existente e posteriormente introduzir as medidas como dados tridimensionais em um modelo baseado em computador. Se o modelo original possui uma geometria precisa em todos os sentidos, poderia se construir em escala e usá-lo diretamente para a construção (BURRY, GRIFOLL e SERRANO, 2008). Após a digitalização do modelo original, usando técnicas "manuaisdigitais", um diagrama da estrutura é obtido em 3D, o qual por sua vez é "vestido" com a aplicação de superfícies rugosas entre as linhas resultantes, que são as extremidades das superfícies adjacentes. Este, então, é o modelo de base que podem ser sobrepostas e definir "ao vivo" um modelo geometricamente exato e parametricamente variável, o que lhe permite ajustar a maior parte do modelo desenhado por Gaudí e seu equivalente mais fiel (BURRY, GRIFOLL e SERRANO, 2008): Figura 42 - À esquerda a cobertura da nave desenhada por Gaudí em 1:25 mas não fotografada até 1926. À direita, busca da combinação certa de valores para a capa virtual de paraboloides hiperbólicas - o modelo de centro tem a correspondência mais próxima das três variantes mostradas

Fonte: Burry, 2011.

As sacristias se localizam no dois chanfros na rua Provença, arrematando os ângulos do claustro que rodeia o templo. Seus espaços serão dedicado à sacristia e serviços auxiliares da paróquia e do Templo. Gaudí estudou a solução final para a sacristia, em 1920, que foram submetidas a uma solução neogótica, como o resto do Templo. O modelo final é observado com grande clareza em numerosas fotografias de sua oficina e possui muitos fragmentos ainda conservados (figura 43). Estes, juntamente com uma planta esculpida em pedra por Gaudí, permitiram desenhar novamente com grande fidelidade a sacristia projetada (BURRY, GRIFOLL e SERRANO, 2008).

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Figura 43 - À esquerda, modelo em escala 1:25 de Gaudí para as sacristias, apareceram pela primeira vez em uma fotografia em 1923. À direita, as torres derivam das sacristias, porém são mais altas e esbeltas

Fonte: Burry, 2011.

A geometria da sacristia é formada pela intersecção de doze parabolóides seccionados ao meio num plano horizontal e em rotação em torno do eixo vertical do edifício. Esta é a geometria básica, mais tarde, outros elementos, tais como janelas, se conectam a ela (BURRY, GRIFOLL e SERRANO, 2008).

Segundo Burry, Grifoll e Serrano (2008), Gaudí disse explicitamente que as torres teriam que realizar-se à semelhança das sacristias, as quais estudou intensamente para transmitir seu processo projetual.

4.3 PROTOTIPAGEM E EXPERIMENTAÇÃO EM ARQUITETURA As simulações digitais de experiências de form finding físicas (tais como os modelos de cadeia de suspensão ou membranas tensionadas originalmente usados por arquitetos e engenheiros, como Antoni Gaudí ou Frei Otto) já se tornaram comumente disponíveis. Ambos os métodos produzem otimizadas formas estruturais a partir de uma relação causal direta entre a espacialidade do fluxo de força e a forma gerada (KOTNIK, 2012; WEST in SHEIL, 2008). Como qualquer representação em design, a modelagem paramétrica pode ser usada para vários fins. A partir de sua experiência em uma série de workshops que lecionou, Woodbury, Williamson e Beesley (2006) acreditam que, após a aprendizagem básica, uma motivação para muitos é a averiguação do modelo paramétrico, o uso de uma hipotética influência externa para orientar a forma e o material de composição física de um projeto. A descoberta da forma (form finding) é uma estratégia comum em design de engenharia, onde a otimização objetiva a descoberta de soluções

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maximizadas para um conjunto de restrições. Na arquitetura, alguns dos melhores usos da estratégia de form finding tem ocorrido em colaboração com designers estruturais, como em projetos de Frei Otto ou no Museu Britânico de Foster and Partners. Na arquitetura os problemas de design raramente são tão claros quanto na engenharia. Uma situação típica é que um dos vários objetivos do projeto (por exemplo, identidade, alojamento, privacidade, acesso, iluminação, ventilação e estrutura) sejam cumpridos em vários sistemas técnicos (por exemplo, juntando a forma geral, organização espacial, estrutura, revestimento, divisórias internas, sistemas mecânicos, sistemas de iluminação, etc.). Além disso, muitos objetivos só são descobertos no processo de design. A tarefa de arquitetura é para formar um todo, constituído por muitas peças separadas, que satisfaz aceitavelmente distintas (e potencialmente vagas) metas (WOODBURY, WILLIAMSON e BEESLEY, 2006). Os critérios usados na busca da forma podem não ser puramente técnicos. A cobertura do Museu Britânico fornece um exemplo dessa aceitação. A sua configuração foi determinada por um algoritmo de relaxamento, na qual o critério objetivo era continuidade visual, e não a estrutura. A resistência estrutural foi adquirida, em parte, pelas propriedades seccionais - algumas das peças nas extremidades são quase inteiramente de aço (WOODBURY, WILLIAMSON e BEESLEY, 2006): Figura 44 - Cobertura do Museu Britânico. Foster and Partners Architects

Fonte: Woodbury, Williamson e Beesley, 2006.

Ainda de acordo com as experiências em workshops de Woodbury, Williamson e Beesley (2006), a maioria dos designers não tiveram muita educação formal em matemática, computação ou engenharia de software, porém, nota-se que a maioria dos participantes das oficinas são capazes de ganhar esses conceitos em prática, talvez sem poder sequer nomeá-los, mas

108

sendo capaz de prever os seus efeitos geométricos importantes. É possível que as experimentações práticas realizadas em workshops possam muito bem ser apropriadas para estruturar uma introdução a estes conceitos-chave, pelo menos para os designers, em torno do ato de modelagem paramétrica (WOODBURY, WILLIAMSON e BEESLEY, 2006). Vimos anteriormente que o ambiente físico que a tecnologia compartilha com a biologia é responsável por muitas analogias que ocorrem em projetos arquitetônicos. Antoni Gaudí e Frei Otto encontraram uma maneira simples de fazer uso do fenômeno da catenária em modelos experimentais. De acordo com a carga contínua do seu próprio peso em uma cadeia de ligação entre dois pontos segue-se uma curva catenária - o estado mínimo de energia do sistema. O arco da catenária é particularmente interessante porque é a forma que uma linha de suspensão, naturalmente, faz quando envolto entre dois apoios (ver figura 45). Passando esta de cabeça para baixo, uma curva ideal para a transmissão de carga é encontrado. Desta forma, os modelos de suspensão podem ser usados para encontrar formas em que existem apenas forças normais. A forma da curva muda de acordo com o peso da cadeia: a fim de utilizar este fenômeno para fazer modelos analógicos tem de se ter em conta todas as cargas permanentes. Gaudí e Otto eram especialistas em modelos de suspensão para busca da forma (form finding). As formas livres da arquitetura de hoje são difíceis de controlar, e métodos computacionais podem ajudar. Hoje em dia, é possível que métodos computacionais possam substituir a modelagem física por meio de simulação de partículas em ambiente digital (GRUBER, 2011). Para realizar averiguações a respeito do que foi até então mencionado, foi realizado um experimento simulando o modelo de cadeia de suspensão. Inspirados pelas estruturas físicas e a eficácia da tecnologia usada para projetá-los, o objetivo foi analisar as dificuldades e facilidades comparando modelos similares em um ambiente físico e em um ambiente digital.

109

Figura 45 - (a) Curvas catenárias, registros de experiências de Frei Otto, em 1962. (b) Lei de Hooke. (c) Catenárias distintas e representação funicular de Sterin (séc. XVII)

a

b

c Fonte: Gruber, 2011; Huerta, 2006 e Giralt-Miracle, 2002.

As ferramentas de design digital consideradas apropriadas para tal foram o software CAD Rhinoceros e um plug-in em linguagem de programação visual (visual scripting), chamado Grasshopper. Para analisar as geometrias precisávamos de um modelo parametrizado, digital da estrutura arquitetônica específica (um modelo de cadeia de suspensão) que pode ser usado na simulação. Ou escolher uma classe genérica de estruturas e criar uma família de modelos digitais (por exemplo, treliças, arcos, cúpulas, abóbadas, contrafortes, etc.) parâmetros úteis podem incluir a resolução de malha, topologia, colocação apoio, dimensões, etc. Da mesma forma foi necessário a criação de modelos físicos a entender o mesmo objeto em nível físico, de acordo com diferentes materiais utilizado para se alcançar o objetivo, a sua trama, a superfície de apoio e o controle dos parâmetros cabíveis ao objeto. Modelos físicos permitem comparar e validar as ferramentas de design digitais que utilizamos. Na investigação, ambos os modelos deveriam liberar a exploração das possibilidades de modelagem física e digital. Para tanto o experimento guiou-se a esquemas similares ao das figuras a seguir e em experimentos anteriores de Gaudí:

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Figura 46 - (a) Exemplo de cadeia de suspensão para uma abóboda gótica em cruz. (B) Uso de saquinhos para aplicar cargas para o modelo de suspensão

a

b Fonte: Huerta, 2006.

Figura 47 - (a) Tradução de arcos de catenária. (b) Modelo de catenária do Espaço Gaudí da Casa Milá e (c) Modelo de cadeia de suspensão para a Sagrada Família

a

b c Fonte: Giralt-Miracle, 2002; e Huerta, 2006.

O experimento físico sucedeu uma série de tentativas, algumas por vezes descartadas. O primeiro teste partiu da tentativa de uso de uma malha pré-definida (uma rede) que, apoiada sobre um modelo de madeira, se mostrou pouco eficiente comparado aos experimentos em cadeia de suspensão de Gaudí. Porém foi de grande valia a percepção de que o material e a forma da trama influencia diretamente o resultado a que buscávamos: Figura 48 - Experimento realizado com uma trama pré-definida e utilizando-se de um peso para testar a manipulação da malha. À direita o detalhe da amarração da malha

Fonte: do autor, 2015.

Após, utilizando-se de uma superfície contínua demarcada por linhas em uma trama quadrangular (para efeito de comparação com o processo digital),

111

mostrou-se um comportamento mais estável que o anterior, porém ainda com difícil manipulação das cargas: Figura 49 - Experimento realizado com um tecido em repouso com um desenho de tabuleiro de xadrez. Foram utilizados pesos equidistantes para aumentar o peso do material e um peso em ponto específico para simular a manipulação da malha

Fonte: do autor, 2015.

Por fim chegou-se ao modelo considerado de melhor manipulação e visualização, utilizando-se clipes metálicos para a construção da trama 10x10 escorada na estrutura de apoio. Talvez não por coincidência o que mais se aproxima do experimento de cadeias de suspensão de Gaudí: Figura 50 - O experimento foi construído com uma trama quadricular por meio de clipes e foi utilizado em ponto específico um peso maior para comparação com o experimento digital

Fonte: do autor, 2015.

Como West (2008) observa, um modelo físico é excelente porque, ligado como é em "realidade atual", é qualitativamente rico: cheio de informações densa sobre as forças e as tensões físicas, sequência em construção e detalhe. É muito difícil, no entanto, para obter a informação quantitativa neste tipo de modelo (WEST in SHEIL, 2008). Na manipulação digital, a programação visual realizada no Grasshopper foi construída sequencialmente por meio de instruções que são convertidas em modelos tridimensionais no software Rhino. Ou seja, o processo é de certa

112

forma intuitivo, realizado por meio de componentes gráficos que executam determinadas funções, em um pensamento algorítmico. O plug-in Grasshopper classifica os componentes de acordo com sua função: parâmetros importados do

Rhino,

componentes

com

funções

matemáticas,

vetores,

curvas,

componentes de transformações, etc. e ainda outros que não são nativos (geralmente criados por usuários) e podem ser adicionados posteriormente, como o simulador de partículas Kangaroo 2.0, usado por exemplo para simular a gravidade em um modelo de cadeia de suspensão. Figura 51 - Interface lado a lado do software Rhinoceros (esquerda) e do plug-in Grasshopper (direita)

Fonte: do autor, 2015.

O primeiro passo na sequência algorítmica foi a criação de um plano bidimensional. Dentre as variadas possibilidades de criação de um plano em dois eixos, optou-se pela utilização de um componente chamado Mesh Plane, que possibilita interagir com três inputs parametrizáveis. O primeiro foi a definição de uma geometria plana na janela do Rhino, o tamanho utilizado foi de 46cm x 46cm (a mesma dimensão do modelo físico) e a partir desse quadrado, os outros dois parâmetros que subdividem o plano bidimensional foram configurados (no caso, com 10 subdivisões cada): Figura 52 - Criação de um plano bidimensional de mesma dimensão do modelo físico e subdividido em uma malha 10x10

Fonte: do autor, 2015.

113

A etapa seguinte definiu os pontos de ancoragem, da mesma forma que no modelo físico os pontos selecionados foram três pontos de cada canto do quadrado, totalizando doze pontos. Desta forma utilizou-se o componente Deconstruct Mesh que converte o plano existente anteriormente em vértices, faces, cores e "normais". Após, o componente List Item reconhece os vértices gerados em uma lista onde possibilita a seleção dos pontos para ancoragem (no caso, os pontos selecionados foram o 0, 1, 9, 10, 11, 21, 99, 109, 110, 111, 119 e 120). Por fim, o componente Anchor que faz a função de fixar os pontos selecionados quando estes forem simulados no simulador de partículas Kangaroo: Figura 53 - O plano bidimensional criado anteriormente serve de input para sua desconstrução em vértices, os quais os selecionados serão os pontos de ancoragem do sistema

Fonte: do autor, 2015.

Para que os pontos que não foram ancorados não sejam emulados infinitamente de acordo com o eixo do simulador de partículas, é necessário que o modelo digital também entenda as inter-relações entre os vértices e o próprio sistema, como a resistência e limite elástico da malha criada no primeiro passo, para isso utilizou-se o componente não-nativo Weaverbird' Catmull-Clark Subdivision: Figura 54 - Interligado, o sistema precisa "pensar junto", ou seja, trabalhar em conjunto todos os componentes individuais. A ação de um componente negocia diretamente com outro componente e com o próprio sistema

Fonte: do autor, 2015

Uma vez que os materiais estejam conectados, é essencial para o experimento que possibilitem uma liberdade em certo grau definido para averiguar variedades de soluções de acordo com que melhor atenda os requisitos de determinado projeto. Então por fim, o código criado a seguir

114

exerce uma forma em um determinado vértice escolhido pelo designer, no caso o vértice escolhido na lista gerada foi o número 70, para que se possa comparar os resultados posteriormente com o modelo físico e analisar ambos os comportamentos.: Figura 55 - O sistema com possibilidade de interação do designer

Fonte: do autor, 2015.

Por fim, é utilizado o componente Kangaroo 2.0 para o teste do experimento, podendo resultar em falso ou verdadeiro, se este conseguiu seguir uma lógica coerente de pensamento e da utilização das ferramentas oferecidas. É possível ainda espelhar o resultado digital (onde não há necessidade de ser realizado de forma invertida, como nas cadeias de suspensão que agem de acordo com a gravidade) para comparar os resultados com o modelo físico. Como Woodbury,

Williamson

e

Beesley (2006) observaram,

é

necessária certa habilidade para lidar com o modelo criado digitalmente, concebendo o fluxo de dados, dividindo o processo "para conquistar", organizar a escrita para que tenha clareza e sem redundâncias, e mesmo nomear a função de cada etapa do processo. Portanto, um modelo deste processo teria o resultado obtido na figura a seguir: Figura 56 - O resultado de scripting final, de acordo com os critérios e organização escolhidos pelo autor

Fonte: do autor, 2015.

115

Quanto mais complexo o projeto, maior tende a ser o código gerado e os problemas a se resolver. Nós buscamos simbolicamente demonstrar esta complexidade de acordo com o afastamento de figura à figura na tela de visualização, com cada vez menos clareza e detalhamento do processo. Este processo poderia ser descrito de milhares de formas diferentes e o resultado também poderia variar de acordo com as necessidades do projeto ou de acordo com os critérios e conhecimentos do projetista. West (2008) explicita que os modelos digitais, portanto, são excelentes porque eles são ricos em quantidade e este conteúdo o torna inestimável em qualquer cultura de construção que pressupõe o calcular antes de construir. Cálculos para estruturas compostas por superfícies planas e volumes de seção uniforme são simples o suficiente para ser realizada manualmente. Estruturas compostas de curvas complexas, tais como os gerados por superfícies de tensão ou compressão e moldes flexíveis, são mais difíceis de quantificar e prever. Para ambos os modelos digitais possuem valor (WEST in SHEIL, 2008). Alguns modelos digitais são essencialmente equivalentes aos seus homólogos físicos, por exemplo, objetos relativamente pequenos ou objetos produzidos a partir de pequenos moldes. Por outro lado, a desigualdade tende a aumentar para coisas maiores realizadas a partir de moldes montados, tais como edifícios (WEST in SHEIL, 2008). Para explicitar os processos, tanto analógico quanto digital, criou-se a tabela a seguir com cada seqüência de ações tomadas organizadas em sequência como

em um pensamento algorítmico. Foi considerado que o

designer já possuía o material necessário para cada qual experimento (por exemplo, a estrutura física para apoiar o modelo de cadeia de suspensão ou o computador para rodar o software). Nota-se que explicitar um pensamento algoritmicamente pode ser uma tarefa difícil para quem não está habituado, portanto, o exemplo da tabela a seguir pode ter mantido de forma implícita determinadas ações que são consideradas óbvias para o processo. Por exemplo, ao mover um objeto em um ambiente digital é necessário explicitar qual será o eixo (x, y, z) ao qual o objeto será movido, quando o fazemos em um ambiente físico esta decisão

116

está implícita na ação de mover o objeto. Ou então para a simulação física da cadeia de suspensão a força da gravidade para baixo já está computada, enquanto que no ambiente digital esta simulação pode ser direto para cima no eixo z, visto que o modelo físico tem de ser invertido para funcionar como uma catenária.

117

Tabela 01 - Pensamento sequencial algorítmico para o processo analógico (físico) CONSTRUÇÃO DO EM UM PROCESSO PARÂMETROS (INPUTS) ALGORITMO ANALÓGICO 1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

11

Definir dimensão da superfície

(com limitações)

Escolher o material (parâmetro

Escolha do material, espessura,

que influenciará no processo)

etc.

Montar o plano bidimensional no

Triangular, quadrangular,

eixo x e y de acordo com o

hexagonal, número de divisões,

material

etc.

A definição da malha decorre do material utilizado

Tecido, correntes, etc.

Definir e selecionar os pontos de

Dificuldade em alterar os pontos

ancoragem

de ancoragem

O próprio material dará a interação do sistema

O próprio material dará a resistência do sistema

O sistema limita-se ao comportamento do material préselecionado O sistema limita-se ao comportamento do material préselecionado

Selecionar um vértice da malha

Pode-se selecionar vértices que

para exercer uma força maior

estejam contidos na malha

Definir o peso que será exercido

Pode-se alterar a força exercida

neste vértice

(pode haver ruptura)

Conectar o peso na malha

Forças externas são difíceis de considerar

Soltar o peso e testar o

Pode-se repetir o teste com

resultado

certa limitação

Controlar o resultado alterando a 12

Milímetros, centímetros, metros.

posição das forças exercidas ou reajustar o experimento de acordo com os novos critérios Fonte: do autor, 2015.

O designer não pode interagir em cada etapa do sistema após o sistema estar pronto

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Tabela 02 - Pensamento sequencial algorítmico para o processo digital (virtual) CONSTRUÇÃO DO EM UM PROCESSO DIGITAL PARÂMETROS (INPUTS) ALGORITMO 1

Definir dimensão da superfície

Milímetros, centímetros, metros, etc.

Modelar o plano bidimensional 2

no eixo x e y (o material pode

Escolha do material, espessura,

ser alterado no decorrer do

etc.

processo)

3

4

5

6

Subdividir o plano em uma malha

Triangular, quadrangular, hexagonal, número de divisões, etc.

Desconstruir o plano em pontos

Pontos eqüidistantes, mais

(vértices)

próximos, mais afastados, etc.

Definir e selecionar os pontos de ancoragem

Definir interações e a suavização entre os pontos

Possui possibilidade de alteração dos pontos de ancoragem O sistema pode ser mais ou menos suavizado, com splines, etc.

Selecionar todas as arestas da 7

malha e determinar o comprimento e resistência da

Rigidez, elasticidade, etc.

malha quando esticada

8

9

10

11

Selecionar um vértice da malha para exercer uma força maior

Pode-se selecionar vários vértices, alterando-os de posição

Definir a força que será exercida

Pode-se alterar a força exercida

neste vértice

e testá-la

Carregar a força na malha

Testar as interações, forças e pontos de ancoragem

Forças externas podem ser consideradas Pode-se repetir o teste infinitamente, usar um algoritmo genético de otimização, etc.

Controlar por meio de sliders os 12

parâmetros (como tamanho da

O designer pode interagir em

malha, força aplicada,

cada etapa do sistema

localização da força, etc.) Fonte: do autor, 2015.

119

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS "Qualquer valor (no sentido filosófico) que você pensar pode ser problematizado e esses valores complexos - a "complexidade de valores", usando o termo de Edgar Morin - são a garantia da sua liberdade, por que, se os valores compusessem uma tabela fechada (com um valendo mais que o outro), se os valores indicassem uma verdade sobre a vida prática, a consequência imediata disso seria o fim da liberdade. Seria o fim da possibilidade de escolha. Mas é por que os valores são complexos que continuamos vivendo a vida cercado de dilemas, (quando duas alternativas nos parecem igualmente ruins), de trilemas, de tetralemas, exatamente por que diante da complexidade de valores o "abacaxi" de escolher critérios é nosso e dessa responsabilidade não podemos nos eximir." Professor Clóvis de Barros Filho, com Mario Sergio Cortella, em "Café Filosófico: Ética no cotidiano (2014)

Para o entendimento das consequências impostas pelas ferramentas digitais sobre o processo de projeto contemporâneo foi necessário em um primeiro momento compreender os conceitos básicos por trás de um processo de projeto. Como vimos no primeiro capítulo, a evolução histórica trouxe reviravolta na prática da arquitetura (por exemplo, por meio da perspectiva) abrindo-se uma nova gama de potencialidades que os arquitetos poderiam explorar, da mesma forma novos conceitos surgiram (como o metadesign) e dominá-los auxiliam no controle do processo de produção de arquitetura e o seu resultado. Hoje, vivemos em uma sociedade cada vez mais complexa, onde a atualização das informações torna-se imprescindível para o sucesso das ações. No segundo capítulo demonstrou-se como a computação ampliou o poder de manipulação e criação que se possuía nos métodos convencionais de projeto. As novas tecnologias aproximaram outras disciplinas ao campo da arquitetura, assim como criaram novos desafios para se consolidar o processo, numa tentativa de quebrar o paradigma da representação em arquitetura e trazer para a realidade construtiva o que anteriormente era apenas visto como algo abstrato criado por meio de uma mídia digital. Na arquitetura, novos parâmetros e exigências são incorporados ao projeto a cada dia, sendo assim o fluxo e a credibilidade das informações se tornaram fundamentais para a concepção e desenvolvimento do projeto, bem como para a sua execução. Em ambos os capítulos iniciais houveram a tentativa de demonstrar o papel que o projetista tem no decorrer do processo e como o designer

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influencia o resultado. Além disso, foi apresentado quais conhecimentos seriam necessários para atravessar com maestria todo o processo criativo em arquitetura. Até aqui foi construído uma base teórica para compreender o processo de projeto na qual estamos inseridos. O terceiro capítulo busca sintetizar os conceitos apresentados por meio do estudo de uma edificação - a Igreja da Sagrada Família - que, mesmo tendo se iniciado há mais de um século, necessita hoje da tecnologia mais avançada para se interpretar e construir o que seu arquiteto visionário tinha em mente à época. Na experiência aparentemente fora de contexto de Gaudí, o empirismo e a genialidade se encontram e produziram algumas das mais belas e intrigantes obras arquitetônicas. É incrível o fato de que suas obras possuam caráter autoral, ideológico, de expressão de valores e de identidade local (catalã) mesmo seguindo um modo de pensar racionalizado matematicamente. Por fim, por meio de uma experimentação de ordem prática, é sugerida uma comparação entre manipulação física e simulação digital utilizando-se de um conceito que Gaudí adotou para a realização de seus projetos: a catenária. Por meio do experimento percebeu-se que a manipulação digital possibilita também a própria manipulação do tempo, o processo digital tende a ser mais fácil e rápido de se testar e avaliar situações apesar de um complexo entendimento inicial. Talvez a maior vantagem esteja na interação simultânea entre análise, avaliações e sua aplicação direta em projeto com possibilidades de sua alteração facilitada. Apresentou-se, portanto, ferramentas capazes de provocar um novo deslocamento da prática profissional, valorizando a experimentação (por meio de simulações ou algoritmos onde se prioriza a performance do edifício) em substituição da mera representação cartesiana para o desenvolvimento do projeto e, assim, incorporando uma quantidade de informações que não seria possível no método tradicional. Acredita-se que os objetivos do trabalho foram atingidos no aspecto explicativo e comparativo entre os métodos projetuais analógico e digital, demonstrando a importância do arquiteto na escolha do processo e dos critérios arquitetônicos para a criação de um artefato de arquitetura. Mesmo acreditando-se que a pesquisa seja rica em referências, talvez o limitado volume das experimentações se depararam com a dificuldade em criação de

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um objeto que pudesse ser facilmente manipulado. Em paralelo percebe-se que linguagens de programação de computador ainda são estranhas ao campo de atuação do arquiteto, não favorecendo sua aproximação com a disciplina, sendo necessário um certo esforço para encarar o desconforto que scripts trazem em um primeiro momento. Por outro lado, o uso de diagramas analógicos são mais amigáveis. As expectativas futuras em relação as possibilidades de continuação do trabalho são a abertura de novos e variados caminho, onde muitos deles se encontram ainda dentro das universidades, pouco acessíveis a prática dos profissionais. Sendo esta pesquisa uma humilde contribuição que estamos compartilhando com a comunidade acadêmica e esperamos que possa chegar a realidade do mercado da construção. Cada vez se torna mais importante ações no ensino que incorporem a manipulação do meio que vivemos, indo além de meros usuários e tornando possível interferir também no sistema. A partir disso surge a oportunidade de simular a aplicação em nível urbanístico, para a cidade. Ou ainda promover um debate com a população local e avaliar os impactos de sua construção sobre o entorno. Acredita-se que novamente uma ferramenta, assim como foi a perspectiva, poderá ser capaz de revolucionar a prática da arquitetura. As ferramentas digitais apresentam essa oportunidade de modificar os padrões da prática de projeto atual, valorizando a arquitetura em detrimento da representação e oferecendo ganhos como a diminuição do trabalho braçal de execução de desenhos técnicos, e permite a tomada de decisão projetual baseada em avaliações técnicas com associações de parâmetros (por exemplo, iluminação natural, eficiência e racionalização construtiva, etc.). Para que isto aconteça, é fundamental que os profissionais modifiquem sua maneira de pensar e estejam dispostos a fazer uma mudança no modo de projetar. Apesar dos benefícios que trazem ao processo de projeto e do novo modo de pensar que surge inerente ao processo, essas inovações continuam sendo ferramentas que necessitam da interação humana. É preciso que os profissionais adotem uma postura mais crítica frente as inovações tecnológicas a fim de se obter uma melhoria da qualidade arquitetônica das construções. Portanto a matematização e informatização do processo de projeto em arquitetura não resulta em uma resposta linear e previsível.

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