Entre o plano de trabalho docente e o aprender a ser: uma análise do cuidar de si em discursos de professores de educação infantil

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE ARTES, CIÊNCIAS E HUMANIDADES FELIPE DE SOUZA COSTA

Entre o plano de trabalho docente e o aprender a ser: Uma análise do cuidar de si em discursos de professores de educação infantil

São Paulo 2014

FELIPE DE SOUZA COSTA

Entre o plano de trabalho docente e o aprender a ser: Uma análise do cuidar de si em discursos de professores de educação infantil

Monografia apresentada ao Núcleo de Apoio Social, Cultural e Educacional (NASCE USP LESTE) da Universidade de São Paulo (USP), no contexto do Programa UNIVESP – Universidade Virtual do Estado de São Paulo, como parte dos requisitos parciais para obtenção do título de especialista em Ética, Valores e Cidadania na Escola (EVC). Orientador: Prof. Mario Augusto Costa Valle

São Paulo 2014

Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

Costa, Felipe de Souza. Entre o plano de trabalho docente e o aprender a ser: uma análise do cuidar de si em discursos de professores de educação infantil / Felipe de Souza Costa; orientador Mario Augusto Costa Valle. – São Paulo, 2014. 82 f. Monografia (Especialização) - Núcleo de Apoio Social, Cultural e Educacional (NASCE USP LESTE) da Universidade de São Paulo (USP), no contexto do Programa UNIVESP – Universidade Virtual do Estado de São Paulo. 1.

Análise do discurso. 2. Educação Infantil. 3. Planejamento

educacional. 4. Políticas Públicas

Nome: Costa, Felipe de Souza. Título: Entre o plano de trabalho docente e o aprender a ser: uma análise do cuidar de si em discursos de professores de educação infantil

Monografia apresentada ao Núcleo de Apoio Social, Cultural e Educacional (NASCE USP LESTE) da Universidade de São Paulo (USP), no contexto do Programa UNIVESP – Universidade Virtual do Estado de São Paulo, como parte dos requisitos parciais para obtenção do título de especialista em Ética, Valores e Cidadania na Escola (EVC).

Aprovado em:

Banca Examinadora

Prof. ____________________________________________________________________ Instituição: ______________________________ Assinatura: _______________________

Prof. ____________________________________________________________________ Instituição: ______________________________ Assinatura: _______________________

Prof. ___________________________________________________________________ Instituição: ______________________________ Assinatura: _______________________

À minha avó Avelita, sinônimo de saudade. Aos meus alunos da escola pública, os quais, rotineiramente, sentem na pele, como eu já senti, o peso da exclusão social e da ausência do aprender a ser.

AGRADECIMENTOS A Deus, autor e consumador da minha fé em Jesus Cristo. À minha mãe, Rita de Souza Costa, grande exemplo e inspiradora do que, para mim, é aprender a ser. À minha esposa, Wirlaine Costa, pelo companheirismo infindável, amor incondicional e por compreender minhas ausências. Aos bons professores da saudosa Escola Estadual Jardim São Fernando, os quais, certamente, me ensinaram a ser. Aos meus professores da primeira graduação em Letras e Especialização em Estudos da Linguagem, na Universidade de Mogi das Cruzes, com quem aprendi o valor da pesquisa e da linguagem. Às minhas companheiras e interlocutoras de pesquisas e aprendizagens, mais do que presentes, do grupo “TOP” do EVC: Carla, Janaina, Kátia e Renata. Sem vocês, este curso não seria o mesmo. À companheira magna de pesquisa: Analice, pelas discussões e aprendizagens sempre bem-vindas, as quais resultaram, sem dúvida, neste trabalho. À gestão da EMEF Prof. Josefa Nicácio Araújo, que sempre solícitos viabilizaram parte dos estudos aqui concluídos. À direção do Centro de Educação Infantil por ceder os Planos de Trabalho Docente, analisados nesta monografia. À Universidade de São Paulo pelo compromisso com a formação de pesquisadores dos problemas sociais. Ao professor Mário, por aceitar o desafio de orientar um grupo no meio do caminho.

Verbo Ser Que vai ser quando crescer? Vivem perguntando em redor. Que é ser? É ter um corpo, um jeito, um nome? Tenho os três. E sou? Tenho de mudar quando crescer? Usar outro nome, corpo e jeito? Ou a gente só principia a ser quando cresce? É terrível, ser? Dói? É bom? É triste? Ser; pronunciado tão depressa, e cabe tantas coisas? Repito: Ser, Ser, Ser. Er. R. Que vou ser quando crescer? Sou obrigado a? Posso escolher? Não dá para entender. Não vou ser. Vou crescer assim mesmo. Sem ser Esquecer. Carlos Drummond de Andrade

RESUMO

COSTA, F. S. (2014). Entre o plano de trabalho docente e o aprender a ser: uma análise do cuidar de si em discursos de professores de educação infantil. Monografia de Especialização, NASCE EACH, Universidade de São Paulo, São Paulo.

Este trabalho tem como objetivo analisar de que maneira são construídos sentidos em Planos de Trabalho Docente, os quais foram entregues por professores de educação infantil em uma instituição de ensino pública e pertencente à cidade de São Paulo. Estabelecemos, inicialmente, uma questão-problema: Aprender a Ser: Como o Cuidar de Si, vinculado a essa aprendizagem (re) constrói sentidos em Planos de Trabalho Docente e (re) figura o sujeito professor de Educação Infantil? Para esta pergunta norteadora, elencamos duas hipóteses de pesquisa, sendo que a primeira diz respeito à acepção de que a ausência de conhecimento, no que diz respeito ao aprender a ser, pode produzir distorções na prática de um professor. A segunda aponta para a necessidade de verificação, se os Planos de Trabalho Docente contemplam, de acordo com Zabala (2010), os conteúdos atitudinais, uma vez que julgamos serem estes parcialmente presentes ou nulos nos documentos investigados. Fizemos um recorte tópico do que consideramos como um conhecimento: o aprender a ser e, dentro dele, destacamos o aspecto do cuidar de si. Tal pesquisa se justifica na medida em que pretende discutir e problematizar questões importantes no âmbito da educação subjulgada a um processo analítico orientado pela análise de discurso de linha francesa, para quem temos a filiação teórica de estudos advindos de publicações de Maingueneau (1997, 2008, 2010 e 2011). A seleção e constituição do corpus se deram pela materialização linguística dos Planos de Trabalhos Docentes, sendo que, de acordo com nossa orientação teórica, investimos em uma prática analítica que reúne, no bojo de sua metodologia, elementos oriundos de outros campos epistemológicos, a saber: da Educação e das Políticas Públicas. Finalmente, consideramos que, em partes e num plano discursivo, a primeira hipótese se prefigura ao passo que a segunda não se sustenta como verossímil porque a maioria dos professores e dos documentos mostraram uma grande preocupação com os conteúdos atitudinais. Além disso, consideramos algumas distorções contextuais e de produções discursivas que podem produzir sérios desencontros no fazer docente. Por se tratar de um estudo aberto, este trabalho em ainda se encontra em puro processo de devir. Palavras-chave: Análise do discurso; Educação Infantil; Planejamento Educacional; Políticas Públicas.

ABSTRACT COSTA, F. S. (2014). Between the Lesson Plans and learning to be: an analysis of take care of yourself in discourses of early childhood education teachers. Monografia de Especialização, NASCE EACH, Universidade de São Paulo, São Paulo. This paper aims to analyze how meanings in Lesson Plans, which were delivered by teachers of early childhood education at a public institution and which ones belongs to the city of São Paulo. We established, initially, a matter-problem: Learning to be: How Taking Care of themselves, linked to this learning (re) constructs meanings in Lesson Plans and (re) construct professor subject of Early Childhood Education? To this central question, we selected two research hypotheses, the first one concerns the meaning of that lack of knowledge with regard to learning to be can produce dissemblance in the practice of a teacher. The second point checks if the Lesson Plans include, according to Zabala (2010), attitudinal contents, since we believe that these contents are partially present or null in the documents investigated. We made a cutout topic of what we consider as knowledge: learning to be, and within it, we highlight the aspect of taking care of themselves. This research is justified to the extent that we want to discuss important issues in a subdued analytical process-driven discourse analysis of the French line, for those who have membership of the theoretical studies of publications arising from Maingueneau (1997, 2008, 2010 and 2011). The selection and constitution of the corpus are given by linguistic materialization of Lesson Plans, and, according to our theoretical orientation, we invest in an analytical practice that brings together, in the midst of its methodology, epistemological elements from other fields, namely: Education and Public Policy. Finally, we consider that, in parts and by a discursive level, the first hypothesis is while the second does not hold as credible because most teachers and the documents showed a great concern for the attitudinal content. Moreover, we consider some contextual and discursive productions that can produce serious mismatches in making teaching dissemblance. Hence, this is an open study, this work is still in process of becoming pure. Keywords: discourse analysis; Early Childhood Education; Educational Planning; Public Policy.

LISTA DE QUADROS Quadro 1. Situação de enunciação .............................................................................. p. 59 Quadro 2. Cenografia ................................................................................................... p. 62 Quadro 3. Escolha lexical “Atividades e ações” ........................................................... p. 65 Quadro 4. Escolha lexical “Interações desejadas” ....................................................... p. 66 Quadro 5. Escolha lexical “Plano de Trabalho Docente” ............................................. p. 67 Quadro 6. Escolha lexical “Elementos decorativos” .................................................... p. 68 Quadro 7. Aforizações ................................................................................................ p. 73

LISTA DE TABELAS Tabela 1. Dimensões da aprendizagem ....................................................................... p. 40 Tabela 2. Características exisntes e não existentes nos PTDs .................................. p. 63 Tabela 3. Características didáticas do gênero ............................................................. p. 69 Tabela 4. Cuidar de si é igual a ..................................................................................... p. 70

LISTA DE SIGLAS AD

Análise do discurso

AC

Análise de conteúdo

CF

Constituição Federal

CEB

Conselho de Educação Básica

CEI

Centro de Educação Infantil

CNE

Conselho Nacional de Educação

DC

Departamento de Cultura

DUDC

Declaração Universal dos Direitos da Criança

DUDH

Declaração Universal dos Direitos Humanos

DCNEI

Diretrizes Curriculares Nacionais

ECA

Estatuto da Criança e do Adolescente

EMEI

Escola Municipal de Educação Infantil

LDB

Lei de Diretrizes e Bases da Educação

LDBEN

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MEC

Ministério da Educação

PI

Parques Infantis

PNE

Plano Nacional de Educação

PTD

Plano de Trabalho Docente

RCNEI

Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil

SAS

Secretaria de Assistência Social

SME

Secretaria Municipal de Educação

SUMÁRIO CONSIDERAÇÕES INICIAIS .............................................................................................. 14 CAPÍTULO I – CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS .................................................................. 17 1.

DA ESPECIFICIDADE DA EDUCAÇÃO INFANTIL.................................................. 17 1.1.

Concepções de infância ..................................................................................... 17

1.2. Um pouco de História e Políticas Públicas em Educação Infantil .......................... 19

2.

1.2.1.

Em busca de uma universalização: Pelo mundo afora. ................................... 20

1.2.2.

Do universal ao nacional: Pelo Brasil afora ..................................................... 22

1.2.3.

Do nacional ao local: pelo município de São Paulo a dentro........................... 26

1.2.4.

História da creche no Brasil ............................................................................ 30

CURRÍCULO E CONHECIMENTO ............................................................................... 32 2.2. Do aprender a ser: um conhecimento ................................................................... 34

3.

2.3.

Do aprender a ser: Um conhecimento e diversos conteúdos.............................. 38

2.4.

Do Aprender a Ser: Cuidar de si ........................................................................ 41

2.5.

Currículo na e para a Educação Infantil: Entre Diretrizes e Bases ..................... 43

ANÁLISE DO DISCURSO: LINGUAGEM E TRABALHO DOCENTE .......................... 45 3.2. Uma Ciência da Linguagem: Da Análise do Discurso .......................................... 45

4.

3.3.

Da Análise do Discurso de linha francesa .......................................................... 47

3.4.

Linguagem e Trabalho Docente ......................................................................... 48

DO PLANO DE TRABALHO DOCENTE ...................................................................... 49

CAPÍTULO II – METODOLOGIA DE PESQUISA................................................................ 53 1.

Dos Paradigmas Dialético e Interpretativista ........................................................ 53 1.2.

Coleta de dados e Seleção do Corpus ............................................................... 54

1.3.

Método de Pesquisa .......................................................................................... 56

CAPÍTULO III – UMA ANÁLISE DISCURSIVA DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO INFANTIL ............................................................................................................................ 58 1.

Aspectos linguístico-discursivos de professores de educação infantil ............. 58 1.1.

Cenas da Enunciação ........................................................................................ 58

1.1.2. Cena Englobante ................................................................................................ 59 1.1.3. Cena Genérica .................................................................................................... 60 1.1.4. Cenografia .......................................................................................................... 61 1.2. O Plano de Trabalho Docente: Um gênero do discurso ......................................... 62 1.2.1. A forma ............................................................................................................... 62 1.2.2. O Estilo ............................................................................................................... 64 1.2.3. Entre forma e estilo: uma questão didática ......................................................... 69 1.2.4. O Conteúdo: Cuidar de Si ................................................................................... 70 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................. 75 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................... 78 ANEXOS ............................................................................................................................. 85

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS O curso de especialização em Ética, Valores e Cidadania na Escola, coerente com seus princípios e na pessoa de seu coordenador, professor Ulisses Ferreira de Araújo, possibilitou aos cursistas a oportunidade de (re) discutir aspectos ligados à educação sob diferentes égides e, ainda, abriu oportunidades para que parte deste trabalho fosse feito a quatro mãos. Nesse sentido, a vontade de investir em estudos que se instaurasse em Educação Infantil e mediados pelo Aprender a Ser, aglutinou dois alunos do curso que, com vistas à apreensão de um conhecimento mais amplo, lançaram olhares diferentes a partir de um recorte análogo: o Cuidar de Si, entendido neste trabalho como parte constituinte do Aprender a Ser. Desta forma, este trabalho tem um corpus próprio, colhido e analisado pelo autor e uma parte comum: parte das Considerações Teóricas, pois mesmo sendo as naturezas de objetos diferentes, a teoria dá conta de abarcar a maioria das discussões que propusemos1 nesta monografia. Por isso, é preciso dizer que, enquanto o discurso, materializado nos Planos de Trabalho Docente, foi analisado pelo autor deste trabalho, o que se diz sobre o “Cuidar de Si”, por outro lado, de maneira mais restrita, foi analisado pela colega, professora Analice Pereira Campos, aluna deste curso e parceira na construção das considerações teóricas. Dito isto, é preciso situar o nosso leitor o que se propõe discutir ao longo destas páginas. Inicialmente, queremos retomar o fato de que a Educação Infantil está instituída hoje por um processo contextual de lutas e de demarcação de espaço, o que nos permite dizer que, neste trabalho, a preocupação com esta etapa educativa é, no mínimo, salutar. De maneira ampla, nosso objetivo, aqui, é problematizar o pressuposto do “Aprender a Ser”, recortado e delimitado pelo “Cuidar de Si” em Planos de Trabalho Docente, tomando como fonte analítica e mobilização as teorias do discurso, especialmente a de filiação Francesa, cuja orientação está ligada a estudos divulgados por Maingueneau (1997, 2008, 2010 e 2011).

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Ao longo do trabalho, o leitor vai se deparar com enunciações marcadas em primeira pessoa do plural. Embora apenas as Considerações Teóricas tenham sido construídas em dupla, achamos adequado a uma pesquisa interpretativa manter o discurso indiciado por esse plural pessoal.

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De maneira restrita, objetivamos discutir o gênero discursivo Plano de Trabalho Docente como sendo aquele que está intimamente ligado à prática do professor e investigar em que medida princípios como “Aprender a Ser” aparecem em forma de conteúdos, segundo Zabala (2010), os denominados atitudinais, no registro escrito do professor. De modo que o discurso é peça inerente porque perfaz a linguagem como sendo, mais do que um instrumento na produção do Plano, mas uma materialização dele. Para tanto, propomos iniciar as discussões a partir de uma questão-problema, a qual serve de construto estrutural para todas as discussões aqui empreendidas: a. Aprender a Ser: Como o Cuidar de Si, vinculado a essa aprendizagem (re) constrói sentidos em Planos de Trabalho Docente e (re) figura o sujeito professor de Educação Infantil? Após essa questão norteadora, investimos em dar a ela algumas hipóteses, as quais, inicialmente, sobrevieram de inquietações subjetivas e que, ao longo deste trabalho, se configuram como elementos importantes para o deslizar analítico e teórico. A nossa primeira hipótese está centrada no fato de que a ausência de conhecimento, no que diz respeito ao Aprender a Ser, pode produzir distorções na prática de um professor. Além disso, a segunda reside no fato de que Aprender a Ser e conteúdos atitudinais, no Plano de Trabalho Docente, aparecem de maneira parcial ou quase nula neste documento. Para prosseguir na validação ou refutação dessas hipóteses e na busca de tentar responder à questão problematizadora, inscrevemos nossos referenciais teóricos a partir de considerações interdisciplinares, para as quais destacamos os conhecimentos advindos da Educação, das Ciências da Linguagem e de Políticas Públicas. Nosso percurso teórico se inicia, portanto, com uma proposição diretiva de discussão não linear de concepções de infância. Em seguida, debruçamos nossas leituras na História da Educação Infantil e em Políticas Públicas que contemplaram e a constituíram da maneira como a vemos hoje. Seguimos um percurso que principiou em buscar formulações históricosociais que vão desde aquelas que surgiram alhures, no Brasil e, mais especificamente, em São Paulo. Consideramos, também, destacar a História da Creche, uma vez que os nossos corpora são oriundos de um Centro de Educação Infantil. Depois, consideramos importante discutir, além desse fator histórico, aqueles que dialogam mais de perto com os objetivos evidenciados aqui. Primeiramente, partimos do Currículo e conhecimento, no qual retomamos postulações significativas a respeito do Aprender a Ser e do Cuidar de Si como elementos do conhecimento. Segundo, discutimos alguns elementos da Análise do Discurso e de imbricações importantes entre Linguagem e

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Trabalho Docente. Para, enfim, falar destacadamente do Plano de Trabalho Docente e sua constituição documental-prescritiva. Nossa metodologia de pesquisa é (re) construída por uma base de paradigmas dialético e interpretativista e se soma a esta seção a descrição da coleta de dados e da seleção do corpus, além, é claro, de propor uma discussão sobre o método de pesquisa e a triangulação que objetivamos perfazer neste trabalho. O “capítulo III – Uma análise discursiva de professores de educação infantil” propõe o que chamaríamos, nas ciências cristalizadas pelo positivismo, de Análise de Dados. Salvaguardadas as devidas proporções, procuramos balizar o processo analítico com base nas teorias discursivas aqui explicitadas. Por fim, as Considerações Finais apresentam discussões de tom mais conclusivo, mas não encerrados em si mesmos, resgata as hipóteses elencadas e propõe um paralelo salutar entre os dados coletados, a fundamentação teórica e a análise propriamente dita.

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CAPÍTULO I – CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS

1. DA ESPECIFICIDADE DA EDUCAÇÃO INFANTIL 1.1.

Concepções de infância

Para as implementações de mudanças decorrentes da CF de 88 e da LDB de 1996, “que articulem o trabalho pedagógico realizado ao longo destas etapas” (OLIVEIRA, 2010, p.1) foram criados os instrumentos: Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil (DCNEIs) aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação em 2009 (Parecer CNE/CEB nº 20/09) que servem como parâmetros para encadear o processo de ensino-aprendizagem em relação à Educação Básica como um todo. Nas DCNEIs está explícita a identidade da Educação Infantil, a função sociopolítica e pedagógica das instituições e o currículo e princípios básicos orientadores do trabalho pedagógico (OLIVEIRA, 2010, p.3). Por trás das orientações defendidas pelas Diretrizes estão: concepções de criança, de infância e de processos de aprendizagem das crianças nessa faixa etária. Antes de tratarmos as ideias contemporâneas, devemos enfatizar que concepções de criança e de infância são construções culturais, portanto, tiveram diferentes significados no decorrer do tempo e nas diferentes culturas. Assim, para Pinto & Sarmento (1997, p.17 apud Andrade 2010, p.54) [...] o estabelecimento desses limites não é uma questão de mera contabilidade jurídica, nem é socialmente indiferente. Pelo contrário é uma questão de disputa política e social, não sendo indiferente ao contexto em que se coloca nem ao espaço ou tempo da sua colocação. Assim “ser criança” varia entre sociedades, culturas e comunidades, pode variar no interior da pátria de uma mesma família e varia de acordo com a estratificação social. Do mesmo modo, varia com a duração histórica e com a definição institucional da infância dominante em cada época.

Mesmo considerando uma concepção de criança que a entende em sua totalidade, como sujeito de direito, como preconiza a legislação atual, ainda se torna necessário o questionamento das ações integradas para a efetivação e cumprimento desta legislação. O discurso e a teoria nem sempre traduzem a realidade tal qual se apresenta no cotidiano Silva e Castro (2005, p.86, apud Pinheiro 2008, p. 17). No âmbito das discussões da política da educação infantil, como uma das políticas públicas destinadas à criança, à família e à mulher¹, observa-se que é garantido o direito da criança de se desenvolver integralmente, mas, questiona-se como vem sendo pensada, discutida e efetivada uma política de atenção integral que garanta o desenvolvimento da criança em todos os aspectos, haja vista a grande

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complexidade de se articular ações entre os vários órgãos responsáveis por essas políticas.

A prática docente está imbricada à questão de compreensão de infância, de sociedade, de gênero, enfim na visão de mundo que o educador tem. A educação infantil, em especial o atendimento de crianças 0 a 3 anos, vem exigido dos profissionais da educação uma reformulação do papel do professor, uma vez que os existentes não servem ao novo modelo preconizado. Não cabe a essa etapa o modelo de escolarização ou um currículo que coloque o conhecimento separado por disciplinas e que tenha o professor como transmissor de saber. Demandam práticas e específicas que construam uma pedagogia que organize espaço e tempo para as crianças produzirem as culturas infantis. Bem verdade é que a revisão do modelo de escola e das práticas docentes estão sofrendo duras críticas em todos os níveis de ensino por não atender às demandas atuais. As descobertas da psicologia acerca do desenvolvimento infantil permitiram grandes avanços e subsidiaram as mudanças até chegar à compreensão de criança como um ser capaz, que aprende desde que nasce com as interações com mundo e com os outros. Segundo Larrosa (2003), o constructo da ciência não deve servir para engessar nosso olhar em relação às surpresas da infância. As construções dos direitos e as relações de poder e a construção da infância, na verdade, tratam-se do mesmo assunto, os conceitos e subjetividades como construção cultural, inseridas num contexto complexo, produzidas em relações de poder e produtoras de subjetividades. Nesse sentido, Larrosa (2003, p. 185) nos traz alguns questionamentos: Então, onde estão a inquietação, o questionamento e o vazio, se a infância já foi explicada pelos nossos saberes, submetida por nossas práticas e capturada por nossas instituições, e se aquilo que ainda não foi explicado ou submetido já está medido e assinalado segundo critérios metódicos de nossa vontade de saber e de nossa vontade de poder?

Será que estamos vendo a criança ou vemos a teoria de desenvolvimento? Será que tentamos “encaixar” as crianças naquilo que consideramos desenvolvimento normal sem nos darmos conta das singularidades das crianças? Naturalizamos o que é construção social sem os devidos questionamentos. Tratamos as teorias como “verdades” absolutas sem nenhuma reflexão. Scheinar (2012, p. 11) propõe: “Desessencializar o que é afirmado como humano é um desafio, pois este é entendido como parte de uma natureza biologicamente determinada”. As indagações aqui são sobre a questão da educação, a serviço de quem ela está? Os professores não podem ter uma atuação sem reflexão. A sociedade e sua cultura constroem subjetividades. Larrosa (2003, p. 190) nos alerta:

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O sistema totalitário é uma ordem estável e estabilizada, á qual repugna a incerteza. Por isso, o totalitarismo supõe a pretensão de projetar, planificar e fabricar o futuro, ainda que para isso tenha de antecipar e produzir, também, as pessoas que viverão no futuro, de modo que a continuidade do mundo permaneça garantida. (...) Deveríamos nos perguntar, então, até que ponto toda educação, entendida como a realização de um projeto, reduz a novidade da infância no sentido em que a reconduz às condições existentes e a faz dedutível daquilo que já existia.

Embora possamos não estar tratando de uma sociedade declaradamente totalitária, é inegável que em toda sociedade há regulação, controle ou biopoder como diria Foucault e a escola é instrumento dessa regulação. Larrosa (2003, p. 186) ainda afirma: Na medida em que encarna o surgimento da alteridade, a infância nunca é o que sabemos (é o outro dos nossos saberes), mas, por outro lado, é portadora de uma verdade à qual devemos nos colocar à disposição de escutar; nunca é aquilo apreendido pelo nosso poder (é o outro que não pode ser submetido), mas ao mesmo tempo requer nossa iniciativa; nunca está no lugar que a ela reservamos (é o outro que não pode ser abarcado), mas devemos abrir um lugar para recebê-la.

Portanto, ao retomarmos o que foi dito por Larrosa (2003), é necessário, nesse sentido, a fim de compreendermos as infâncias, olhar para esses sujeitos, escutá-los e entender suas singularidades. Sair do raciocínio de classificação para o olhar baseado na relação, porque, conforme vimos, para compreendermos infância, é imperativo entrarmos em contato com esse outro, sujeito de nossos saberes, para que possamos avançar, não numa definição, mas num movimento reflexivo de compreensão.

1.2. Um pouco de História e Políticas Públicas em Educação Infantil Neste esboço histórico, não poderíamos deixar de nos ater a algo tão caro à institucionalização da educação infantil como tal: as políticas públicas que estão enviesadas às práticas prescritivas, as quais, não raras vezes, podem estar associadas a leis e outras formas tangenciais que se fazem, por assim dizer, braços importantes do poder público na concretização de medidas que encarem e enfrentem determinadas condições de uma dada sociedade e época. Nesse sentido, podemos iniciar nossas discussões traçando alguns paralelos importantes ao que chamamos, nesta seção, de aspectos legais e de políticas públicas. Para tanto, é preciso tomarmos, como norteadoras, algumas posições que nos filiem, em termos teóricos, à perspectiva de que “a história dos direitos da infância, assim como a história da criança, é uma construção social configurada pelo caráter paradoxal quanto ao

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reconhecimento da necessidade do direito e aos entraves para sua efetivação” (ANDRADE, 2010, p. 79). 1.2.1. Em busca de uma universalização: Pelo mundo afora. Dito isto, é importante destacar que, ao pensarmos em concepções para o que entendemos como infantil, ainda que sejam em termos legais, não há possibilidade de fazêlo longe de uma construção social. Pois, como vimos no subitem “Concepções de infância”, as questões empreendidas com essa caracterização “infantil” passam, inevitavelmente, pelas lentes do sujeito, da história e da sociedade. Não seria diferente aqui. O que, de fato, nos interessa destacar é que, de acordo com Andrade (2010), a criança, ainda que tardiamente isso tenha sido compreendido, é um sujeito de direitos. Não é um adulto em miniatura, mas é um sujeito que age e deixa sua marca no fazer e deslizar histórico e que, portanto, necessita ser compreendida na esfera dos direitos, como podemos verificar em: No século XX, o discurso predominante sobre a infância atribuiu-lhe o estatuto de sujeito de direitos, imagem construída com base na elaboração de dispositivos legais e documentos internacionais, entre os quais: a Declaração de Genebra (1923), a Declaração Universal dos Direitos da Criança (1959) e a Convenção dos Direitos da Criança (1989) (ANDRADE, 2010, p. 81).

Ademais, vemos uma progressão histórica da prescrição ligada aos direitos da criança, primeiro na Declaração de Genebra, de 1923, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, doravante DUDH, na Declaração Universal dos Direitos da Criança, de 1959 e, finalmente, na Convenção dos Direitos da Criança, de 1989. Incluímos nesta linha histórica a DUDH porque, como vimos, não é redundante resgatarmos o fator importante que assumem os Direitos Humanos na constituição e demarcação de um território subjetivo às crianças, pois podemos entender que, em seu primeiro artigo, a noção de pessoa pode, tranquilamente, ser estendida às crianças: “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade” (ONU, 1948). Sobre a Declaração de Genebra, podemos asseverar que é possível compreendê-la como um marco inicial, não menos ou mais importante que a DUDH, mas como aquela que redirecionou olhares para uma luta até então muito solitária de algumas instituições que a faziam de maneiras restrita e isolada e que, contudo, traziam consigo preceitos importantes para este sujeito de direitos, como podemos verificar neste trecho: A Declaração de Genebra articulava cinco princípios básicos, salientando o direito da criança aos meios para o desenvolvimento material e espiritual; à ajuda em situação de fome, doença,

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incapacitação, orfandade ou delinquência; à prioridade no alívio em situações de risco; à proteção contra a exploração; e a uma formação orientada para a vida em sociedade (UNICEF, 2009, p. 4).

Em consequência, primeiro desta e depois da iniciativa relatada aqui anteriormente, chegamos ao que podemos considerar como, de fato, um marco histórico e de legalidade que vê a criança, em seu sétimo artigo, como sujeito de direitos e, portanto, capaz de se inscrever em mundo cada vez mais complexo: A criança tem direito a receber educação escolar, a qual será gratuita e obrigatória, ao menos nas etapas elementares. Dar-se-á à criança uma educação que favoreça sua cultura geral e lhe permita – em condições de igualdade de oportunidades – desenvolver suas aptidões e sua individualidade, seu senso de responsabilidade social e moral. Chegando a ser um membro útil à sociedade (ONU, 1959).

Embora saibamos que a delineação dessa promulgação constitutiva não seja plenamente satisfatória e que também não atenda, nos dias de hoje, a todas as demandas que surgem em nossa sociedade contemporânea, contudo não nos é possível negar o valor prescritivo e revolucionário que uma Declaração Universal como esta – direcionada oportunamente às crianças - tenha imprimido na sociedade daquela época e que, consequentemente, resvala em ações importantes até a nossa atualidade. É neste artigo supracitado e a partir dele que queremos concentrar nossas discussões em torno dos tópicos correlacionados nesta pesquisa: infância, educação e trabalho docente. Finalmente, neste delineamento universalizado de busca de Direitos das Crianças, podemos concentrar nossos olhares na Convenção de 1989, a qual trouxe para o bojo das discussões, já citadas nesta monografia, um corpo mais axiomático e próximo de nossas realidades, isto porque consegue reunir, entre seus convencionais, o Brasil e outros países importantes do globo, os quais passam a ser, também, signatários. Dela, conseguimos depreender, segundo Unicef (2009), princípios importantes como: “não discriminação ou universalidade, prioridade para o melhor interesse da criança, direito à vida, à sobrevivência e ao desenvolvimento e respeito pelas opiniões das crianças” (p. 7). Desta forma, é possível compreender que a sociedade mundial é perpassada por ações que sempre ensejaram momentos pontuais de inteligibilidade e confluências sobre o aspecto infantil, como, por exemplo, a idade, ainda que discutivelmente seja esta questão. Mas, nunca é demais negociar este ponto, especialmente porque estamos tratando de uma concepção de criança de um século passado, porém que já era constituída como sujeito detentora de direitos e, portanto cidadão de um mundo:

A Convenção define como criança qualquer pessoa com menos de 18 anos de idade (artigo 1o), cujos “melhores interesses” devem ser considerados em todas as situações (artigo 3o). Protege os direitos da criança à sobrevivência e ao pleno desenvolvimento (ar tigo 6o), e suas

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determinações envolvem o direito da criança ao melhor padrão de saúde possível (artigo 24), de expressar seu ponto de vista (artigo 12), e de receber informações (artigo 13). A criança tem o direito de ser registrada imediatamente após o nascimento, e de ter um nome e uma nacionalidade (artigo 7o), tem o direito de brincar (artigo 31), e de receber proteção contra todas as formas de exploração sexual e de abuso sexual (artigo 34) (MARCILIO, 1998, p.49, apud ANDRADE, 2010, p. 84).

Isto posto, parece-nos que a preocupação legal em torno do aspecto infantil não é, necessariamente, algo recente e nem tampouco local. Tratam-se de incursões impelidas por congruências sociais, algumas delas catastróficas, como a primeira e segunda Guerras Mundiais, e que, aos poucos, conseguem avançar quando se tem como foco o ser humano e não aquilo que se entende, en passant, por adulto ou criança.

1.2.2. Do universal ao nacional: Pelo Brasil afora

Como se é sabido, as iniciativas de ordens universais, descritas acima, ainda que tardiamente tenham chegado aos trópicos, conseguiram mobilizar uma série de iniciativas, do nosso ponto de vista, salutares. Isto porque a forte influência e pressão que se exercem sobre um país, que se torna signatário de uma Convenção, promove ações em séries que, para as nossas proporções geográficas, são bastantes marcadas de maneiras tangenciais: políticas públicas, primeiramente nacionais e depois, em cadeia, seguem para os âmbitos estaduais e municipais, mas Apesar de todo o embate para conquista e efetivação dos direitos da infância, a década de 1980 foi um marco na trajetória da história dos direitos das crianças brasileiras. A movimentação internacional em defesa dos direitos da infância, aliada à luta dos movimentos sociais no país, contrapondo-se ao regime autoritário militar e pela conquista da democracia, culminou com a instauração de um novo campo legal para as políticas de atendimento à infância, em que a criança deixará de ser objeto de tutela para figurar como sujeito de direitos. Nesse novo campo normativo interessa-nos a discussão do reconhecimento do direito da criança à educação infantil (ANDRADE, 2010, pp. 87 e 88).

O fato é que anteriormente à década de 1980, algumas questões que tentavam relacionar educação e infância, no âmbito da normatividade e da prescrição, já tinham dado alguns acenos, embora tímidos e compromissados com uma visão de sociedade fortemente ligada a uma consideração de infância e criança “assujeitadas”:

A Constituição de 1937 faz referência a que o Estado deveria providenciar cuidados especiais à infância, cabendo ao Estado Novo o “cuidado e o amparo”, em vez do “dever e do direito”; e na Constituição

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de 1946, promulgada no clima de pós-guerra mundial, encontram-se os termos amparo e assistência (ANDRADE, 2010, p.88).

Além das referidas legislações, que felizmente não estão mais vigentes em nossa nação, assistimos, no que tange à educação, à promulgação de duas leis específicas para o campo de atividade educacional, as conhecidas Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n.º 4024/1961 e outra, de igual nome, mas de n.º 5.692/1971. Na primeira, a referência à educação infantil é tida como educação-primária e que se dará até os sete anos de idade: “Art. 23. A educação pré-primária destina-se aos menores até sete anos, e será ministrada em escolas maternais ou jardins-de-infância (Revogado pela Lei nº 5.692, de 1971)”. Nesta Lei são destinados apenas três artigos à educação infantil, a saber: artigos 9º e 52º. Na segunda, a presença é assumidamente reduzida nas políticas públicas e, consequentemente, como ação de governo. Sendo que esta última está imbuída de um contexto histórico marcado pela repressão e por uma negação de direitos, ao que chamamos de Ditadura Militar. Temos, no art. 17 e inciso 2º, a tímida e dissociada prescrição: “Os sistemas de ensino velarão para que as crianças de idade inferior a sete anos recebam conveniente educação em escolas maternais, jardins de infância e instituições equivalentes”. Contudo, como pudemos ler no início desta seção, os anos 80 foram assinalados, em grande parte, por tensões múltiplas, especialmente aqui, no Brasil, onde o contexto histórico nos coloca fatalmente de frente com momentos extremamente frondosos na formação de nosso povo. Tem-se, por exemplo, a redação de uma Constituição Federal, promulgada em 1988, que representa, após um intenso período de militarização, um caminho de ruptura a ser percorrido pela democracia, ou, pelo menos, na tentativa dela. De toda forma, um país signatário de uma convenção internacional que vela pelos direitos da criança e com a proposição de uma Lei de aspiração profundamente democrática, não poderia deixar de criar internamente mecanismos importantes de ações locais. Surge, em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n.º 8.069, de 13/07/1990, do qual, entre outros, destacamos os artigos 2º e 3º, respectivamente apresentados, que vão ao encontro das aspirações tensionadas nessa reviravolta histórica, em que o universal se funde com o nacional na construção de um país que vê a criança como sujeito de direitos e instado histórica e culturalmente no mundo: Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as

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oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Nesse ínterim, vemos com atenção especial e a partir do recorte feito neste trabalho, a promulgação de uma lei de valor inestimável, como já dissemos, a Constituição Federal vigente, que, por sua vez, oferece-nos instrumentos e possibilidades de articulação com o mesmo momento histórico que se tem vivido alhures, o de uma busca pela liberdade, igualdade de direitos e de garantia deles. A Carta Magna estabeleceu a responsabilidade do Estado pela educação infantil em creches e pré-escolas, conforme o artigo 280, inciso IV, e também o direito dos trabalhadores (homens e mulheres) em ter assegurada a assistência gratuita aos seus filhos e dependentes desde o nascimento até 5 anos em creches e pré-escolas, de acordo com o artigo 7o, inciso XXV, ampliando significativamente o proposto pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) de 1943. (ANDRADE, 2010, p. 90).

Outrossim, a partir da promulgação da Constituição, deparamo-nos com o surgimento de uma concepção de educação infantil mais equipolente a uma disputa desigual de “assujeitamento”, na medida em que a criança passa a ser um sujeito irremediável de seus direitos desde o nascimento e lhe é conferido, inclusive, o direito à educação, tão caro aos processos universalizantes discutidos na subseção anterior desta monografia. A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação n.º 9.394, de 20/12/1996, no artigo 29, definia, numa redação já modificada atualmente: A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade.

Além disso, esta mesma lei consegue resolver questões que até então tinham sido esquecidas, tais como: educação infantil como etapa inicial e constituinte do processo formal de aprendizagem, definição de espaços de educação (creche e pré-escolas), organização desta etapa, responsabilização governamental, entre outras. Ainda no âmbito nacional, temos uma conjuntura marcada por iniciativas que ensejaram a aparição de documentos politicamente orientados, com a finalidade de adequar e sedimentar práticas, a saber: a redação do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, o qual conta com três volumes, data de 1998 e cujo objetivo, entre outros, é:

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contribuir com as políticas e programas de educação infantil, socializando informações, discussões e pesquisas, subsidiando o trabalho educativo de técnicos, professores e demais profissionais da educação infantil e apoiando os sistemas de ensino estaduais e municipais (BRASIL, 1998, p. 13).

Da publicação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, doravante LDB, aos dias atuais, várias são ações de políticas públicas que têm enfrentado e tido como mote a questão da educação infantil. Podemos citar, por exemplo, o Plano Nacional de Educação, doravante PNE, de 2001 a 2011 e que, embora não mais vigente, conseguiu delinear, segundo Unesco (2001), a Educação Infantil como etapa inicial a partir de diagnóstico, diretrizes e objetivos e metas, entre as quais destacamos a de número 1 (um) porque dialoga, de maneira satisfatória, com toda a historicidade vivenciada pelo mundo, em termos de prescrição, e que, a partir da década de 80, desemboca no Brasil com muita força: Ampliar a oferta de educação infantil de forma a atender, em cinco anos, a 30% da população de até 3 anos de idade e a 60% da população de 4 a 6 anos (ou 4 e 5) e, até o final da década, alcançar a meta de 50% das crianças de 0 a 3 anos e 80% das de 4 e 5 anos” (UNESCO, 2001, p. 45).

Em 2006, o Ministério da Educação institui a “Política Nacional de Educação Infantil: pelo direito das crianças de zero a seis anos à educação”. Este documento remonta, a partir de um apanhado histórico, as questões circunvizinhadas a esta etapa de educação formal e elenca uma série de outros objetivos: “Em coerência com esse processo histórico, político e técnico, o MEC define a Política Nacional de Educação Infantil com suas diretrizes, objetivos, metas e estratégias” (BRASIL, 2006, p. 16). Em decorrência deste documento, a educação infantil se vê enredada nas tramas do currículo como sendo uma preocupação importante a ser (re) discutida no âmbito das tão complexas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil, que se dá pela Resolução n.º 5, de 17 de dezembro de 2009: Art. 3º O currículo da Educação Infantil é concebido como um conjunto de práticas que buscam articular as experiências e os saberes das crianças com os conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, ambiental, científico e tecnológico, de modo a promover o desenvolvimento integral de crianças de 0 a 5 anos de idade.

No referido artigo, vislumbramos uma discussão que, desde a publicação da LDB de 1996, não havia suscitado em termos tangíveis ou meramente legais. Tem-se, portanto, a delineação de concepções curriculares também contemplando este âmbito educacional.

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Dando continuidade ao deslizar teórico pelas políticas públicas dirigidas à educação infantil, deparamo-nos com um penúltimo documento, pelo menos até a presente data, que é o da “Primeira Infância no Brasil”. Nele, encontramos uma discussão que tangencia e, ao mesmo tempo, fomenta discussões fulcrais como a da infância vista por um viés sóciohistórico, encontramos, na súmula de suas prescrições de objetivos e metas, o destaque a este excerto que sublinha a tenaz proposta do plano: “Mais do que desenhar um cenário para o futuro – a Primeira Infância no Brasil no ano 2022 -, o Plano traça objetivos e metas para agora e para o tempo que vai seguindo, assinala compromissos políticos imediatos e sequenciais” (DIDONET, 2010, p. 6). Finalmente, temos como atual direcionamento de atenção o PNE – 2012 a 2022, Lei n.º 8035/2010, que traça metas e objetivos em um decênio, o qual estamos longe de concluir, mas que (re) desenha alguns assuntos até então não tocados de maneira profunda na educação infantil, tal como a estratégia 1.13: preservar as especificidades da educação infantil na organização das redes escolares, garantindo o atendimento da criança de 0 (zero) a 5 (cinco) anos em estabelecimentos que atendam a parâmetros nacionais de qualidade, e a articulação com a etapa escolar seguinte, visando ao ingresso do (a) aluno(a) de 6 (seis) anos de idade no ensino fundamental.

Portanto, é possível enxergar, no limiar dessa construção histórica, que a educação infantil, no aspecto nacional tem alcançado lugares exponenciais e que, ao longo da história, tem se mostrado cada vez mais equiparada às demais etapas de educação que, em outros momentos, sempre mantiveram sobre ela certos privilégios. 1.2.3. Do nacional ao local: pelo município de São Paulo a dentro Como vimos, os aspectos legais em torno de educação, em especial da infantil, têm protagonizado verdadeiros avanços no que diz respeito à promoção de direitos que visem a uma equanimidade salutar e na consolidação de uma tarefa desafiadora, que é a de efetivar condições de políticas públicas no âmbito da aferição da criança como um sujeito de direitos. Em São Paulo, local em que se situa a escola pesquisada, temos um histórico bastante encorpado e que segue, sem dúvida, as confluências nacionais, embora consiga manter suas peculiaridades. Nesse sentido, podemos ater nosso recorte, sugerido por esta seção, do legal, da prescrição e da norma, a partir do Acto nº 861, publicado no Diário Oficial do Estado de São Paulo, em 31/05/1935, o qual “Organiza o Departamento de Cultura e Recreação”, o qual, segundo Kuhlmann Júnior (2000, p.9), instituía o Parque Infantil:

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Uma nova instituição, o parque infantil, começa a se estruturar no município de São Paulo, vinculada ao recém-criado Departamento de Cultura (DC) com a nomeação de Mário de Andrade para a sua direção, em 1935, nela permanecendo até 1938, e de Nicanor Miranda para a chefia da Divisão de Educação e Recreio, cargo que exerce até 1945. Com a criação do DC, o parque infantil é regulamentado e inicia sua expansão, refreada em 1940, na gestão de Prestes Maia. Uma característica distinta da instituição era a sua proposta de receber no mesmo espaço as crianças de 3 ou 4 a 6 anos e as de 7 a 12, fora do horário escolar.

Este Parque Infantil, como meio legal de instituição de uma política para o tratamento da infância ainda assim era insípida, na medida em que não atendiam a congruência desejável, até porque não era entendida assim àquela época, entre primeira infância e educação formal. No entanto, segundo Souza (2012, p. 65), há pontos consideráveis sobre essa iniciativa, embora existam contrapontos sobre essa visão, o caráter de um marco legal nos mostra a guinada histórica pela qual começa a ser delineada a educação infantil: A especificidade dos PIs é evidenciada pela integração de cuidado e educação, a forte presença de elementos da cultura e do jogo infantil, o atendimento de crianças em idade pré-escolar e de escolares no contraturno ao horário escolar, o que o caracterizou como educação extraescolar.

Contudo, de acordo com Souza (2012), a década de 80 marca a necessidade de o poder público olhar para a população infantil de São Paulo a partir de algumas demandas sociais que surgem neste, entre elas o acesso ao mundo do trabalho das mães trabalhadoras. O que faz surgir, no âmbito municipal, a criação e, por consequência, a demarcação de outro marco lega o Plano de Educação Infantil, instituído pelo Decreto 12.637 de 13 de fevereiro de 1976, o que, de certa forma, configura o início das pré-escolas na cidade de São Paulo. Uma nova instituição, o parque infantil, começa a se estruturar no município de São Paulo, vinculada ao recém-criado Departamento de Cultura (DC) com a nomeação de Mário de Andrade para a sua direção, em 1935, nela permanecendo até 1938, e de Nicanor Miranda para a chefia da Divisão de Educação e Recreio, cargo que exerce até 1945. Com a criação do DC, o parque infantil é regulamentado e inicia sua expansão, refreada em 1940, na gestão de Prestes Maia. Uma característica distinta da instituição era a sua proposta de receber no mesmo espaço as crianças de 3 ou 4 a 6 anos e as de 7 a 12, fora do horário escolar (DUARTE, 2000, p. 118-9, apud SOUZA, 2012, p. 69).

O fato é que, na atualidade, não conseguimos compreender educação infantil apenas como retrato das pré-escolas ou das amplamente conhecidas hoje como Escolas de educação infantil. À margem de toda essa constituição demarcadora, sempre estiveram as crianças de menor idade, que, em um contínuo de histórico de lutas e reivindicações de

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mães trabalhadoras, sempre foram atendidas de maneira adaptadas e nunca como uma responsabilidade oficialmente instituída do poder público municipal: Para as mulheres dos bairros populares, a necessidade da creche era sentida de forma muito premente no cotidiano. Assim é que, ao mesmo tempo em que participavam de mobilizações que encaminhavam essa demanda ao Estado, passaram a organizar suas próprias creches ou “escolinhas” comunitárias, aproveitando os espaços de paróquias, Sociedades Amigos de Bairro ou construindo pequenos barracões. Muitas dessas iniciativas encontraram apoio na Secretaria de Bem-Estar social [...] (ROSEMBERG, CAMPOS, HADDAD, 1990, p. 8)

Ainda segundo Rosemberg, Campos e Haddad (1990), a luta por uma institucionalização das chamadas creches só ganhou contornos de políticas públicas quando, ao entrarem com ação judicial, um Movimento de mulheres, encorajadas a partir do Congresso de Mães Paulistas, consegue estabelecer, junto à Prefeitura, estimativas de criação desses espaços como sendo algo de responsabilidade municipal:

Logo após o lançamento do Movimento, em ato jurídico realizado em outubro de 79, uma reunião na Prefeitura definia a meta de instalação de 500 creches na cidade. Esse número seria objeto de disputas, a partir desse momento, com o movimento puxando-o para cima e a Prefeitura puxando para baixo (p.9).

Durante anos de historicização, as creches estiveram ligadas, de acordo com Rosemberg, Campos e Haddad (1990), a diversos órgãos do Bem-Estar Social e, posteriormente, à Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social. Outra grande mudança influenciou de maneira profunda a constituição de educação infantil na cidade de São Paulo e, por consequência, também em todo o Brasil. Com a promulgação, como vimos, da LDB, a especificidade desta modalidade da educação começa a ser delineada a partir de outras referências. A mobilização de tornar a educação como etapa uma primeira etapa da educação básica exerce, especialmente em São Paulo, grandes questionamentos quanto à manutenção das creches junto à Secretaria de Assistência Social. Após intensos debates que marcaram os anos 2000 como aqueles que indicam transição para estes aparelhos municipais, com a sanção do Decreto nº 41.588, de 28 de fevereiro de 2001: Art. 1º - Os Centros de Educação Infantil - CEIs, da rede direta municipal, com suas atribuições, pessoal, acervo, recursos financeiros e próprios municipais em que se encontram atualmente instalados, ficam transferidos da Secretaria Municipal de Assistência Social - SAS para a Secretaria Municipal de Educação - SME, integrando a Rede Municipal de Ensino.

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Tal prescrição, combinada com a Lei Municipal n.º 13.326, de 13 de fevereiro de 2002, institui a transição das creches para a Rede Municipal de Ensino: Art. 6º - A integração das creches municipais - geridas diretamente pela Prefeitura e com gestão através de convênios com organizações sem fins lucrativos - ao sistema municipal de ensino orientar-se-á pela promoção dos direitos da criança estabelecidos pelo ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente e pela LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei Federal nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996). Art. 7º - Considera-se como período de transição o processo composto pela integração das creches e dos centros de convivência infantil ao sistema municipal de ensino, pelo reconhecimento das creches e escolas municipais de educação infantil como centros de educação infantil, funcionando em período integral ou parcial, conforme a opção dos pais ou responsáveis legais dos educandos.

Como vimos, este ano marcou profunda e consideravelmente a concepção de educação infantil que ainda hoje tem sido construída por meio de outras políticas públicas que têm sido empregadas no âmbito municipal. Resultado dessa luta por uma constituição territorial do lugar da creche como espaço constitutivo desta primeira etapa da educação básica, vemos, inclusive como menciona o art. 7º, a mudança de denominação das creches para Centros de Educação Infantil (CEI). Finalmente, na Secretaria Municipal de Educação, temos consolidada a educação infantil como aquela que atende crianças de zero a cinco anos de idade e 11 meses, subdivindo-se em CEIs e EMEIs. Para tanto, houve investiduras de ações que privilegiaram a consolidação desta etapa em torno de uma formação continuada dos professores e de constituição de um currículo, como as Orientações Curriculares – Expectativas de Aprendizagens e Orientações Curriculares – Educação Infantil, de 2007, cujo objetivo é “subsidiar a prática e a reflexão de todos os envolvidos com uma pedagogia para a infância, na construção de um novo paradigma para a educação infantil” (p.3) e, além disso, como exigência de ordem federal, o Plano Municipal de Educação, que, neste momento, encontrase em plena discussão. Portanto, podemos asseverar que, para a constituição do campo de atuação e do conhecimento que, na atualidade, entendemos por Educação Infantil, houve, ora por parte do poder público, ora por parte da sociedade civil uma necessidade de reconhecimento desta concepção que, na maioria dos casos, só se conseguiu chegar por meio de uma normativa, de uma prescrição legal ou pelas proposições inúmeras de políticas públicas que invistam na junção de educação e infância. É seguido deste panorama do universal ao local que encerramos este subitem de nossa monografia.

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1.2.4. História da creche no Brasil Nossa pesquisa se dá, essencialmente, em um Centro de Educação Infantil. Nesta seção, nosso objetivo é o de resgatar, de maneira ampla, aspectos históricos imbricados aos de política pública, a fim de que conseguíssemos, em parte, delinear alguns meandros de nossa análise, à qual procederemos neste trabalho. Dessa forma, julgamos necessário, especificar, de maneira breve, a formação e consolidação desse espaço, hoje entendido como integrante da Educação Infantil como um todo, a Creche e, especialmente, no âmbito do Brasil. Nesse sentido, como vimos, no Brasil, a Constituição de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, promulgada em 1996, definem a Educação Infantil como um direito da criança de 0 a 6 anos de idade e como parte integrante do sistema educacional, constituindo a primeira etapa da Educação Básica. Algumas mudanças importantes são decorrentes dessa alteração na legislação. As creches, que atendem crianças de 0 a 3 anos, passaram a fazer parte do sistema educacional. Outra mudança importante se deu com a definição da formação mínima para os professores: o curso de magistério no nível médio e como meta a formação em nível superior. (Lei 12.796 de 04/04/2013 altera a LDB e considera necessário o ensino médio normal para trabalhar com crianças nos cinco primeiros anos de vida). Por fim, a legislação estabeleceu a responsabilidade do setor público com respeito à oferta de vagas na Educação Infantil, respeitando a opção das famílias, ou seja, sem o caráter obrigatório no caso de crianças de 0 a 3 anos, e obrigatoriedade a partir de 4 anos conforme Emenda Constitucional nº 59 de 2009 que foi regulamentada pela Lei 12.796 de 04/04/2013 a ser cumprida ate 2016. Nesse contexto, a concepção sobre creches ”passa a ser visualizada como educativa também e não só assistencial” (AGUIAR, 2001, p.34). A Constituição de 1988 também traz como mudança o reconhecimento da educação infantil enquanto direito da criança “opõe-se à visão tradicional da creche como dádiva, como favor prestado à criança, no caso, à criança pobre e com funções apenas assistencialistas e de substituição da família” (OLIVEIRA, 1992, p.22). O educar e o cuidar passam a ser inseparáveis, deixando de ser espaço exclusivo de cuidados. A Constituição Federal (CF) de 1988, “em relação às políticas de atenção à infância, inaugurou um novo momento na história da legislação infantil ao reconhecer a criança como cidadã”. (ANDRADE, 2010, p.24). Outro importante avanço se deu com as Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 que propõe o desenvolvimento da criança que

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“deve ser de tal forma que o educando receba uma formação comum que venha permitir-lhe a inclusão, como cidadão, na vida em sociedade” (NISKIER, 1997, p 174). Retomando ao passado podemos dizer que a educação infantil, enquanto políticas públicas, eram inexistentes no Brasil até meados do século XIX. Os diferentes momentos estão relacionados com questões sócio-históricas: Torna-se importante, ainda, pontuar que a história do atendimento relacionado à educação infantil no Brasil corresponde a múltiplas determinações da reprodução da vida social, visto que as instituições de educação da criança pequena estão em estreita relação com as questões que dizem respeito à história da infância, da família, da população, da urbanização, do trabalho e das relações de produção (ANDRADE, 2010, p. 23).

No final da Idade Média e início da Idade Moderna, o atendimento às crianças se dava pelo recolhimento das crianças afastadas ou abandonadas pelas mães, em grande número de casos filhos da exploração sexual das mulheres negra e índias pelo senhor branco (AGUIAR, 2001, p. 31). Houve a criação das “rodas dos expostos” e as entidades religiosas procuravam para tais crianças lares substitutos. Com a urbanização e em decorrência da industrialização, já na metade do século XX, as mulheres, principalmente da classe pobre tiveram que assumir o trabalho assalariado e surge a creche com intuito de atender à criança pequena em função das necessidades das mulheres (AGUIAR, 2001, p. 31). Na década de 20, os operários passam a reivindicar melhores condições de vida e de trabalho. As indústrias passam a atender as reivindicações motivadas pela busca melhor desempenho e controle sobre os funcionários criando as vilas operárias, clubes e também algumas creches. Até a aqui podemos notar que as creches sempre estiveram atreladas ao atendimento caridoso e filantrópico às crianças pobres. De acordo com Didonet (2001, p.12) “Sua origem, na sociedade ocidental, está no trinômio mulher-trabalho-criança. Até hoje a conexão desses três elementos determina grande parte da demanda”. Segundo SME (2002), o governo Getulio Vargas, por meio da CLT salvaguarda alguns direitos políticos dos trabalhadores. Apresentadas algumas propostas para o atendimento dos filhos das trabalhadoras mais ainda timidamente com objetivo de facilitar a amamentação durante a jornada de trabalho. Às creches cabiam o papel de “promover um ambiente físico higiênico, para promover aleitamento materno e combater a mortalidade infantil” (SME, 2002, p. 34). O trabalho era assistencial, voltado para alimentar, cuidar da higiene e da segurança física das crianças. No entanto, o poder público não cobrou das

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empresas as devidas ofertas de vagas em creche para filhos das funcionárias e as empresas por seu lado também não instituíram creches e berçários suficientes. Na década de 70, aumenta o número de mulheres da classe média no mercado de trabalho. Surgem as escolas particulares pré-escolar com discurso de atendimento voltado para o pedagógico, diferenciando do que era entendido por creche. Na segunda metade dos anos 70, vimos surgir “os movimentos operários e feministas pela redemocratização do país e pelo combate às desigualdades sociais” (SME, 2002, p. 39) obrigando o estado a ampliar o acesso das crianças à escola. A partir dos anos 80, marco para a história das creches no Brasil, a creche passa ser entendida como direito da criança e o atendimento a ser entendido com critérios universais. Porém a visão assistencialista, de incompetência das mães em cuidarem dos seus filhos, onde apenas a instituição era eficiente para isso, ainda está presente no imaginário das pessoas e presente, muitas vezes, no cotidiano das práticas escolares da creche. (AGUIAR, 2001, p. 35).

2.

CURRÍCULO E CONHECIMENTO

Quando estamos lidando com aprendizagem e conhecimento em uma perspectiva educacional, outra questão que se mostra como constitutiva, nesta discussão, é o currículo. Contudo, há que se considerar, quando estamos nesse campo específico, que, ao longo do tempo e ainda hoje, defender currículo nunca foi algo simples. Isto porque estamos diante de pensamentos complexos, que influenciados pelas mais diversas teorias a este respeito, poderiam nos dizer, a partir de diferentes vieses, o que, de fato, é currículo. Uma primeira preocupação que, em geral, surge como sendo importante é a de uma definição, quase sempre difícil, desse objeto. Todavia, antes avançarmos nossas reflexões nesta seção, é preciso dizer que, em consonância com o que defende Silva (2013), não podemos assentir e corroborar com uma definição de currículo sem antes circunscrever essa ideia a partir de uma lente da história e da sociedade: Uma definição não nos revela o que é, essencialmente, o currículo: uma definição nos revela o que uma determinada teoria pensa o que o currículo é. A abordagem aqui é muito menos ontológica (qual é o verdadeiro “ser” do currículo?) e muito mais histórica (como em diferentes momentos, em diferentes teorias, o currículo tem sido definido?) (p. 14).

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Nesse sentido, apontamos que não é nossa proposta, neste trabalho, discorrer e tampouco elaborar uma perspectiva diacrônica das teorias curriculares. Mas, antes disso, é preciso situar que, nessa perspectiva histórica, a priori estaríamos fortemente entrelaçados com o que compreendem, por currículo, as teorias críticas e pós-críticas, numa miscelânea proposta pelo mesmo autor: Em suma, depois das teorias críticas e pós-críticas, não podemos mais olhar para o currículo com a mesma inocência de antes. O currículo tem significados que vão muito além daqueles aos quais as teorias tradicionais nos confinaram. O currículo é lugar, espaço, território. O currículo é relação de poder. O currículo é trajetória, viagem, percurso. O currículo é autobiografia, nossa vida, curriculum vitae: no currículo se forja nossa identidade. O currículo é texto, discurso, documento. O currículo é documento de identidade (SILVA, 2013, pp. 149-150).

Dito de outra forma, é importante lembrar que, concatenados com todas as considerações teóricas elencadas neste trabalho, poderíamos dizer que nos interessa, em particular, o currículo multiculturalmente orientado.

Isto porque acreditamos ser ele um

motivador basilar para a grande maioria das discussões aqui propostas, uma vez que: Uma vantagem de uma concepção de currículo inspirada nos Estudos Culturais é que as diversas formas de conhecimento são, de certa forma, equiparada. Assim como não já uma separação estrita entre de um lado, Ciências Naturais e, de outro, Ciências Sociais e Artes, também não há separação rígida entre o conhecimento como escolar e o conhecimento cotidiano das pessoas envolvidas no currículo (SILVA, 2013, p. 136).

Portanto, ao nos depararmos com uma proposição multifacetada, como é o aprender a ser numa perspectiva educacional, não deveríamos ignorar a presença irrefutável como sendo algo constitutivo e resultado dessa interação proposta no âmbito da aprendizagem, sem é claro deixar de nos lembrarmos das questões que, para este trabalho, são fundamentalmente importantes. Isto posto, de acordo com Moreira e Candau (2007), a escola é perpassada por diversas acepções para a palavra currículo, o que reflete, segundo eles, posicionamentos e filiações a teorias curriculares oriundos de diversos fatores, sejam estes políticos ou culturais, destacamos alguns: (a) os conteúdos a serem ensinados e aprendidos; (b) as experiências de aprendizagem escolares a serem vividas pelos alunos; (c) os planos pedagógicos elaborados por professores, escolas e sistemas educacionais; (d) os objetivos a serem alcançados por meio do processo de ensino; (e) os processos de avaliação que terminam por influir nos conteúdos e nos procedimentos selecionados nos diferentes graus da escolarização (p. 18).

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Não é uma preocupação dos autores discutir qual é mais ou menos adequada, mas de elevar o nível da discussão na medida em que propõem visões outras, que não as já conhecidas, como forma de enfrentamento deste objeto complexo que é o currículo. De certo modo, não é possível refutar, em graus menores ou maiores, todas essas concepções apresentadas são, em partes, constitutivas de um currículo, mas não é o todo. Ademais, à margem dessa discussão curricular, podemos incluir o conhecimento escolar como sendo, também, um importante dado nesta discussão: Entendemos relevância, então, como o potencial que o currículo possui de tornar as pessoas capazes de compreender o papel que devem ter na mudança de seus contextos imediatos e da sociedade em geral, bem como de ajudá-las a adquirir os conhecimentos e as habilidades necessárias para que isso aconteça. Relevância sugere conhecimentos e experiências que contribuam para formar sujeitos autônomos, críticos e criativos que analisem como as coisas passaram a ser o que são e como fazer para que elas sejam diferentes do que hoje são (Avalos, 1992; Santos e Moreira, 1995, apud Candau, 2007, p. 21).

Deste modo, podemos entender que o conhecimento perpassa o currículo, porque pode ser, em partes, concebido a partir de algumas envergaduras que extrapolam as concepções minimalistas que foram apresentadas anteriormente a esta citação. Temos aqui, nesta segunda citação, uma preocupação em relacionarmos conhecimento a uma perspectiva mais ampla e notadamente entrelaçada com as questões mais complexas, como a formação do sujeito. Neste ponto, parece-nos mais sensato e, ao mesmo tempo, eficaz destacar, neste tópico, a importância do aprender a ser como sendo um conhecimento inerente a esta visão de currículo com a qual nos comprometemos neste trabalho, aquela em que o sujeito pode ser visto como crítico, autônomo e criativo.

2.2. Do aprender a ser: um conhecimento

Aprender é, sem dúvida, um desafio vivenciado pelo ser humano desde a sua constituição fundante. Tal asserção só pode se concretizar se tomarmos como base indissolúvel o aspecto social, inerente a qualquer de nossa espécie. O fato é que aprender, numa perspectiva mais abrangente, esteve, geralmente, ligado a uma educação formal e, portanto, bastante imbuído de um conhecimento que privilegia os conhecimentos cristalizados como sendo os intelectualmente importantes para uma sublimação da condição humana:

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Ninguém escapa da educação. Em casa, na rua, na igreja ou na escola, de um modo ou de muitos todos nós envolvemos pedaços da vida com ela: para aprender, para ensinar, para aprender-e-ensinar. Para saber, para fazer, para ser ou para conviver, todos os dias, misturamos a vida com a educação. Com uma ou com várias: educação? Educações (BRANDÃO, 2007, pp. 7-8).

Nesse sentido, podemos iniciar nossas discussões partindo do pressuposto de que aprender, via de regra, pressupõe o outro. Ainda que esse outro citado na concepção menos tangencial deste trabalho não se configure, ao nosso ver, como necessariamente um indivíduo de mesma natureza, como o ser humano, por exemplo, mas outros sujeitos instituídos, tais como objetos por eles produzidos, em que consigamos, indubitavelmente, circunscrever a presença desse outro humano e, por assim dizer, de uma coerção social: “o processo de humanização se faz pelas relações entre os homens, e é dos impasses e confrontos dessas relações que a consciência emerge lentamente” (ARANHA; MARTINS, 1993, p.7). Desta forma, podemos ver nos excertos supracitados que, fatalmente, não conseguimos escapar da educação e, consequentemente, de algo inerente a ela: a aprendizagem, que por excelência interpela este outro nesse processo tão complexo e caro à existência humana. Como resultado dessa interação, temos a aprendizagem sendo uma constituinte desse processo complexo e, além disso, nos deparamos com o conhecimento que, a priori, poderia também ser delineado nesta interação como um dado importante, em que, inevitavelmente, os atos de educar, aprender e ensinar esbarram: “na verdade, ninguém inicia o ato de conhecer de uma forma virgem, pois esse ato é simultâneo à transmissão pela educação dos conhecimentos acumulados em uma determinada cultura” (ARANHA; MARTINS, 1993, p.21). Dessa forma, podemos observar que aprender é também estabelecer contato com o aqui e o agora numa relação dialética, para a qual temos a presença de múltiplos atores que corroboram na delimitação de um espaço importante à aprendizagem, o conhecimento e suas mais diversas e variadas formas. Em outras palavras, sustentamos, nesta monografia, consubstanciados ao que postula Morin (2000), a pertinência do conhecimento como sendo aquele que proporciona aos envolvidos, na complexa tarefa do aprender, os caminhos pelos quais se devem percorrer: O conhecimento dos problemas-chave, das informações-chave relativas ao mundo, por mais aleatório e difícil que seja, deve ser tentado sob pena de imperfeição cognitiva, mais ainda quando o contexto atual de qualquer conhecimento político, econômico, antropológico, ecológico... é o próprio mundo. A era planetária necessita situar tudo no contexto e no

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complexo planetário. O conhecimento do mundo como mundo é necessidade ao mesmo tempo intelectual e vital (p. 35).

A partir do que foi exposto, é possível, portanto, compreender que, em dissonância com o que há muito temos visto em educação, o conhecimento não é somente compreendido para Morin (2000) como algo de enlevo cognitivo, mas uma ação sobre e para o mundo, o qual é tomado como referência para maximizar a concepção, tacanha em nossa opinião, de conhecimento limitada. Se a axiologia do conhecimento deve pressupor o mundo, estamos, então, diante de uma circunscrição do aprendiz como aquele que deva ser preparado para se inscrever como sujeito do mundo. A este respeito, temos também, em Cortella (2009), a seguinte preocupação: Todas e todos que atuamos em Educação, porque lidamos com formação e informação, trabalhamos com o conhecimento. O conhecimento, objeto de nossa atividade, não pode, no entanto, ser reduzido à sua modalidade científica, pois, apesar de ela estar mais direta e extensamente presente em nossas ações profissionais cotidianas, outras modalidades (como o conhecimento estético, o religioso, o afetivo etc.) também o estão (p. 23).

Em face disso, nossa compreensão é que aprender a ser é, de certa forma, uma manifestação do conhecimento que a escola deve se preocupar. Isto porque, como vimos em Morin (2000) e em Cortella (2009), não há espaço tão somente para um conhecimento empírico, não que ele seja desprezível, mas não pode ser o único a ocupar as preocupações do professor do tempo presente. Ademais, ao nos depararmos com tais asserções a respeito de educação e de sua forte imbricação com o conhecimento, é inevitável que não pensemos, ao mesmo tempo, no papel que exercem os atores envolvidos nesses processos, os seres humanos, que, como tais, muitas vezes, na interação encontram-se separados por condições sócio-biológicas, mas coabitando um mesmo campo de aprendizagem: o mundo, o universo, a escola e, para ser mais específico, a sociedade. Almeida e Carvalho (2009), na condição de comentaristas dos trabalhos desenvolvidos por Morin (2000), apontam para uma realidade que exprime com muita franqueza as imbricações por nós acima destacadas: a educação do futuro é e só se dá a partir da complexidade que o mundo vivencia. Quanto ao ser humano e sua relação direta com o Universo enquanto campo de aprendizagem, especificamente, encontramos a seguinte referência: Não poderíamos conhecer um universo que fosse constituído de componentes muito diferentes do nosso. Não podemos conhecer coisas, a não ser que sejam de nosso universo, embora devamos sempre

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estabelecer a devida distância. O auto-conhecimento de si pode começar quando a reflexão nos objetiva em relação a nós mesmos. O imediato em si não permite o ato de conhecer e isso porque uma certa distância se faz necessária (pp. 89-90).

Este autoconhecimento que é, de igual modo, explorado por nós na presente seção deste trabalho, é o que nos permite filiação à ideia de que, aprender a ser, em última análise, conjuga a condição humana a partir de um viés de interação com o outro, em que os actantes dessa aventura do aprender a ser se encontram inseridos em universo que demanda deles conhecimentos ímpares: Por isso, é necessário aprender a “estar aqui” no planeta. Aprender a estar aqui significa: aprender a viver, a dividir, a comunicar, a comungar; é o que se aprende somente nas — e por meio de — culturas singulares. Precisamos doravante aprender a ser, viver, dividir e comunicar como humanos do planeta Terra, não mais somente pertencer a uma cultura, mas também ser terrenos. Devemo-nos dedicar não só a dominar, mas a condicionar, melhorar, compreender (MORIN, 2000, p. 76).

A esse respeito, de maneira mais particular, podemos recorrer a Delors (2010), o qual na condição de presidente de uma comissão instaurada pela Unesco, consegue reunir em um relatório pressupostos de elevada importância no que diz respeito a conhecimento, educação e aprendizagem. Nesta linha norteadora, encontramos, neste documento, algo que corrobora com tudo aquilo que já desenvolvemos nesta seção de considerações teóricas. Temos, por exemplo, a ideia de que, no caso específico da educação, conseguimos alicerçar seus princípios fundantes a partir de quatro pilares que sustentam as ações no campo da aprendizagem: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser. De todo modo, ancorados nos estudiosos aqui citados e na perspectiva anunciada, concentramos nossos esforços no sentido de que, com relação a essa divisão basilar do aprender, o último apresentado, objeto de nossas preocupações, pode ser assim compreendido: Aprender a ser, para desenvolver, o melhor possível, a personalidade e estar em condições de agir com uma capacidade cada vez maior de autonomia, discernimento e responsabilidade pessoal. Com essa finalidade, a educação deve levar em consideração todas as potencialidades de cada indivíduo: memória, raciocínio, sentido estético, capacidades físicas, aptidão para comunicar-se (DELORS, 2010, p. 30).

Como podemos observar, é possível depreender, a partir do excerto, que este último princípio de base traz consigo a complexidade de aglutinar, em sua essência, uma questão responsiva: ao aprendermos a ser nos tornamos mais completos. Isto porque essa

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aprendizagem exige de nós uma ligação direta com o conhecimento de uma maneira mais abrangente e que inclui, além daqueles já cristalizados pela academia, o de ser, num contínuo, humano. há uma transrelação que liga os quatro pilares do novo sistema de educação e que tem sua origem em nossa própria constituição como seres humanos. Uma educação só pode ser viável se for uma educação integral do ser humano. Uma educação que se dirige à totalidade aberta do ser humano e não apenas a um de seus componentes (WERTHEIN, apud MORIN, 2000, p. 11).

Portanto, estamos diante de uma complexidade que se instaura na relação indubitável que emerge entre educação, conhecimento e aprendizagem, estamos diante de uma conquista inequívoca de enfrentamento do mundo: podemos aprender que ser humano é, em si, uma aventura paradoxal com o outro em que a circunscrição inevitável no universo se faz necessária e, por assim, dizer o humano é constante vir a ser, na medida em que não podemos, jamais, deixar de aprender.

2.3. Do aprender a ser: Um conhecimento e diversos conteúdos

Como vimos, o conhecimento é constitutivo da aprendizagem e do currículo. De igual modo, é preciso pensar como, em educação, essas duas perspectivas são, grosso modo, tangenciadas e completadas na ação diária e, é claro, por meio dos conteúdos selecionados, para os quais, inclusive, é possível observamos uma concepção de currículo, conhecimento e aprendizagens subjacentes. Dessa forma, entendemos que essa salutar multiplicidade ambivalente e, também, dialética acaba por esbarrar, inevitavelmente, nas necessidades que ensejam os conteúdos nas mais diversas instituições educativas: Essas necessidades referem-se tanto aos instrumentos essenciais de aprendizagem (leitura, escrita, expressão oral, cálculo, resolução de problemas), quanto aos conteúdos educativos fundamentais (conhecimento, aptidões, valores, atitudes), indispensáveis ao ser humano para sobreviver, desenvolver suas capacidades, viver e trabalhar com dignidade, participar plenamente do desenvolvimento, aprimorar sua qualidade de vida, tomar decisões ponderadas e continuar a aprender (DELORS, 2010, p. 15).

É perceptível, portanto, que os conteúdos fundamentais não estão, segundo a perspectiva que adotamos neste trabalho e a partir dos estudiosos aqui apresentados, essencialmente e tão somente ligados àqueles historicamente conhecidos em nossas

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escolas. Nesse sentido, aspectos como melhorar a qualidade de vida, tomar decisões e continuar a aprender, parecem-nos estar diretamente imbricados com o aprender a ser. Ainda sob a égide desse preceito, é possível compreendermos que, numa concepção mais abrangente e mais pontual, Morin (2000) elenca algumas características a respeito da aprendizagem basilar que destacamos em nosso trabalho, sendo que, para a qual, é-nos dita a importância de inscrevermos em nós princípios humanizadores que se aproximam da discussão sobre conteúdo que propomos neste subitem, são eles: a consciência antropológica, a consciência ecológica, a consciência cívica e terrena e a consciência espiritual da condição humana (p. 76). Este último aspecto, no entanto, nos chama a atenção na medida em que, uma primeira leitura da palavra espiritual sugeriria uma possível relação teísta, quando, na verdade, Morin (2000) está preocupado, entre outras coisas, com o que ele define como condição humana: “decorre do exercício complexo do pensamento e que nos permite, ao mesmo tempo, criticar-nos mutuamente e autocriticar-nos e compreender-nos mutuamente” (pp. 76 e 77). Outro ponto importante a ser considerado, com base nessas asserções ora apresentadas, é o papel que a educação deve suscitar junto àqueles que estão envolvidos no processo de aprender. Infelizmente, segundo Zabala (2010), “a escola não foi pensada para realizar a formação integral da pessoal do aluno” (p. 65). Contraditoriamente a esta constatação, o mesmo autor nos oferece um paradigma paradoxal sobre esta instituição educativa: “a escola representa a organização mais preparada para assumir a educação global do aluno” (p. 65). Subjacentes a essas possíveis tangências paradoxais, estamos, entretanto, diante de um desafio posto à nossa realidade educacional, uma vez que, se encaramos o fato de que aprender a ser é um conhecimento que se desdobra em diversos conteúdos, precisamos compreender que, embora a escola não tenha sido pensada para essa finalidade, o presente e o futuro nos alertam para a necessidade de enfrentarmos esta dualidade com um movimento de ruptura, assim: Se aceitarmos que as pessoas constroem sua personalidade a partir das experiências geradas pelas diferentes vias educacionais, formais, informais e não formais, podemos chegar à conclusão de que, dado o sentido que dão à educação os diferentes órgãos internacionais ao interpretá-la como “o pleno desenvolvimento da personalidade humana”, os governos são instados a tomar medidas para que, por meio da ação dos diferentes agentes educacionais formais, informais e não formais, sejam promovidas experiências educacionais coerentes as quais incidam sobre o pleno desenvolvimento da personalidade (ZABALA, 2010, p. 63).

Nesse sentido, vemos outros atores, que de igual modo deveriam ser engajados no processo educativo, sendo interpelados a assumirem responsabilidades frente à concretização de uma escola que, de fato, promova a aprendizagem da personalidade

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humana como sendo importante para a constituição dos sujeitos plenos que tanto vemos ser discutidos em discursos pedagógicos. Zabala (2010) avança nessa proposta ao elaborar, segundo a perspectiva, inclusive do relatório por Delors (2010), e alguns passos que concretizam essas questões a partir de um conhecimento subjulgado a competências: A competência, no âmbito da educação escolar, deve identificar o que qualquer pessoa necessita para responder aos problemas aos quais será exposta ao longo da vida. Portanto, a competência consistirá na intervenção eficaz nos diferentes âmbitos da vida, mediante ações nas quais se mobilizam, ao mesmo tempo e de maneira inter-relacionada, componentes atitudinais, procedimentais e conceituais (ZABALA, 2010, p.11).

É possível depreender, então, que o conhecimento tangenciado pelos conteúdos assume classificações importantes, que orientados por uma pedagogia de competência, consegue, em grande parte, dirimir a questão do aprender a ser a partir do que Zabala (2010) como conteúdos atitudinais, os quais podem ser definidos como: tipo de conteúdo de aprendizagem que se enquadra na forma de ser da pessoas e cuja aprendizagem requer a experienciação de situações nas quais se deva agir de forma real para solucioná-las” (ZABALA, 2010, p. 190). Isto posto, parece-nos importante, destacar que os conteúdos estão, segundo este mesmo autor, subcategorizados em grandes dimensões: a social, a interpessoal, a pessoal e a profissional. Dessa forma, ele chega ao seguinte quadro: Tabela 1. Dimensões da aprendizagem por competências Saber Conhecimentos provenientes de múltiplas disciplinas científicas Dimensão Relacionar-se Conhecimentos interpessoal Comunicar-se provenientes da Cooperar sociologia, da Participar psicologia, da sociolinguística, etc. Dimensão Exercer Conhecimentos pessoal autonomia, a provenientes de cooperação, a múltiplas criatividade, a disciplinas liberdade científicas Dimensão Exercer uma Conhecimentos Profissional tarefa provenientes de profissional múltiplas disciplinas e profissionais. 2 Competências gerais e competências específicas Dimensão social

2

Competências Participar Compreender Valorizar Intervir

Saber fazer Fazer Participar Compreender Valorizar Intervir Relacionar-se Comunicar-se Cooperar Participar

Ser Ativo Crítico Responsável Solidário Democrático Compreensivo Tolerante Solidário

Atuar de forma autônoma Empreender Resolver problemas Habilidades gerais para profissionalização

Responsável Autônomo Cooperativo Criativo Livre Responsável Flexível Rigoroso

In: ZABALA, Antoni; ARNAU, Laia. Como aprender e ensinar competências. São Paulo: Artmed, 2010. p. 86)

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Por fim, temos neste quadro uma síntese da visão de Zabala (2010), que busca na verve das diferentes Declarações Internacionais, apresentadas e (re) discutidas neste trabalho, com vistas à apresentação de uma pedagogia que veja, na e para a aprendizagem humana, significações mais palpáveis, na medida em que se resgatam questões inerentes ao currículo, para falarmos de algo mais amplo, ao conhecimento, à educação e às competências que se entremeiam aos conteúdos.

2.4. Do Aprender a Ser: Cuidar de si

Como já descrito em tópico anterior o relatório da UNESCO, redigido por Jacques Delors, propõe que a educação seja organizada em torno de quatro aprendizagens fundamentais, quatro pilares do conhecimento, são eles: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser. (DELORS, 2010, P. 89). Para Delors (2010, p. 90) o ensino formal, nas práticas presentes nas escolas, sempre houve maior fomentação ao aprender a conhecer e aprender a fazer. Há uma subestimação de outras formas de saberes que envolvem os outros dois eixos. Ultrapassar essa forma de pensar obsoleta é um dos desafios da educação. Nesse sentido afirma: “Isso supõe que se ultrapasse a visão puramente instrumental da educação (...) e passe a considerá-la em toda sua plenitude: realização da pessoa que, na sua totalidade, aprende a ser”. Para Luckesi (2003, p. 1) os pilares “aprender a viver juntos e aprender a ser” - têm a ver com a ética, com a aprendizagem de viver consigo mesmo e com o outro”. Considera que aprender a ser é a base para os outros. Ele conclui ainda que: “o cuidado de si mesmo serve de base para adquirir conhecimentos científicos, para aquisição de habilidades profissionais, assim como para exercitar a convivência, a tolerância para com os outros”. O autor se refere à importância do educador ser capaz de cuidar de si, de saber conviver e de ter posse de conhecimentos científicos para poder atuar na sua profissão. Aquele que não sabe cuidar de si não será capaz de ensinar ao outro a cuidar de si, a ter autonomia, responsabilidade e ética. Para Gallo (2008, p. 259). Se quisermos dizer como o Rancière de O mestre Ignorante, o educador precisa emancipar-se a si mesmo, para que sua atividade docente possa ser um ato de emancipação e não de embrutecimento. Apenas se emancipado, exercitando em si mesmo, o educador poderá estar apto para um processo de subjetivação que insista em que cada um eduque-se a si mesmo.

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Ainda elucidando a relação de cuidar de si e aprender a ser, como aprendizagem necessária para o desenvolvimento do ser humano, devemos lembrar que ambos são conquistados somente com a relação com o outro. Para GROS (2008, p. 132) o Cuidar de si para Foucault trata-se de: É preciso notar, também, que o cuidado de si é muito pouco excludente do outro, que, aliás, ele supõe. Foucault mostra claramente que “cuidar de si” não é uma atitude espontânea e natural, pouco a pouco recoberta pelas alienações do mundo. O eu de que se trata de cuidar não é um dado primeiro e esquecido, mas uma conquista difícil; espontaneamente nós desprezamos este cuidado ético e preferimos o egoísmo. É por isso que a este cuidado de si austero, que nos coloca na vertical de nós mesmos, é preciso chamar um outro e é um outro que deve nos ajudar a cuidarmos bem de nós mesmos: donde a figura do mestre da existência. O cuidado de si não é tampouco uma atividade solitária, pois supõe sempre o acompanhamento de um mais velho e ele se distribui segundo atividades eminentemente sociais: conversações, troca de cartas, ensinamento e aprendizagem em escolas, formações individuais, etc.

Para Foucault, segundo GROS (2008, p. 132), o cuidado de si aprofunda as relações do sujeito com o mundo, ou em suas palavras, “é constitutiva da ação” e quanto mais essa ação for elaborada, quanto mais a pessoa reconhece a si e as suas necessidades mais haverá correspondência entre o discurso e a prática. Outra dimensão importante na presente discussão é a divisão de saberes presentes na educação formal. A importância dada a dimensão dos saber conhecer e saber fazer mencionadas por DELORS (2010, p. 90) em detrimento as demais. Para GROS (2008, p. 133) Foucault compara essa separação dos saberes com a separação das ciências físicas e biológicas das ciências humanas “como se se tratasse de separar o que posso aprender sobre o mundo, do que posso aprender sobre mim mesmo”. Para Foucault, segundo GROS (2008, p. 133) não são dois domínios de objetos diferentes. Para Luckesi (2003) a educação pós-moderna, num paradigma transdisciplinar, deve entender o ser humano como integral “um ser de corpo, psique e espírito; o que implica em outras possibilidades conhecer além da pura razão lógica”. Por fim, sem a pretensa intenção de esgotar relevante assunto, mas apenas fazendo um recorte para a presente monografia voltamos ao Relatório de Jaques Delors (2010, p. 98) que nos coloca que o conhecimento do outro passa necessariamente pelo conhecimento de si e que a educação, na compreensão ampla da palavra, que engloba escola, família e sociedade, deve oferecer as crianças e adolescentes oportunidades para descobrir-se a si mesmo para adquirir a capacidade de alteridade e empatia.

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Aprender a ser, segundo o Relatório, tem o objetivo de desenvolver a personalidade dos

alunos

para

atingir

maior

capacidade

de

autonomia,

discernimento

e

de

responsabilidade pessoal (DELORS, 2010, p. 102).

2.5. Currículo na e para a Educação Infantil: Entre Diretrizes e Bases

As Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação Infantil (DCNEIs), aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) em 2009 (Parecer CNE/CEB nº 20/09 e Resolução CNE/CEB nº 05/09), foram criadas a partir de discussões com professores, pesquisadores, entidades de movimentos sociais e professores universitários, com objetivo de articular o trabalho pedagógico e a atuação dos professores de crianças de 0 a 5 anos, afim de uma consonância com os avanços alcançados com Constituição Federal (CF) de 1988 e com a Leis de Diretrizes e Bases de 1996 (LDB). Segundo Oliveira (2010, p. 1), os professores dessa faixa etária “foram desafiados a construir propostas pedagógicas que, no cotidiano de creches e pré-escolas, deem voz às crianças e acolham a forma delas significarem o mundo e a si mesmas”. A educação infantil cobra a construção de uma docência, uma vez que o modelo e a formação de professor para as demais etapas não cabem a essa faixa etária. As teorias de desenvolvimento infantil e de aprendizagem de crianças sempre foram voltadas para compreensão da criança sozinha e a educação infantil exige novos conhecimentos acerca das crianças na convivência com outras crianças. Para Oliveira (2010, p. 2) outro desafio é a desigualdade de acesso às creches e pré-escolas entre crianças brancas e negras, ricas e pobres e de diferenças por regiões do país. Como também as desigualdades na qualidade da educação que impossibilitam os direitos constitucionais. Para o enfretamento desses desafios as DCNEIs propõem em seus “Objetivos Gerias e Função Sociopolítica e Pedagógica da Instituições de Educação Infantil” que os professores busquem: a) Oferecer condições e recursos para que as crianças usufruam seus direitos civis, humanos e sociais; b) Assumir a responsabilidade de compartilhar e complementar a educação e cuidado das crianças com as famílias;

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c) Possibilitar tanto a convivência entre crianças e entre adultos e crianças quanto à ampliação de saberes e conhecimentos de diferentes naturezas; d) Promover a igualdade de oportunidades educacionais entre as crianças de diferentes classes sociais no que se refere ao acesso a bens culturais e às possibilidades de vivência da infância; e) Construir novas formas de sociabilidade e de subjetividade comprometidas. com a ludicidade, a democracia, a sustentabilidade do planeta e com o rompimento de relações de dominação etária, socioeconômica, étnico-racial, de gênero, regional, linguística e religiosa.

Para Olivera (2010, p. 4) a ideia currículo para educação infantil, presente nas DCNEIs, refere-se “as práticas educacionais organizadas em torno do conhecimento e em meio às relações sociais que se travam nos espaços institucionais, e que afetam a construção das identidades das crianças”. Não se trata de estipular conteúdos ou disciplinas obrigatórios, mas pensar um projeto pedagógico que articule as experiências e saberes das crianças com os conhecimentos e saberes que circulam na cultura mais ampla. Nas DCNEIs, a criança é entendida como sujeito histórico e de direitos, que se desenvolve nas relações com adultos e crianças com as quais convive e em diferentes contextos culturais. Conforme Oliveira (2010, p. 5): Assim a criança busca compreender o mundo e a si mesma, testando de alguma forma as significações que constrói, modificando-as continuamente em cada interação, seja com outro ser humano, seja com objetos. Em outras palavras, a criança desde pequena não só se apropria de uma cultura, mas o faz de um modo próprio, construindo cultura por sua vez.

Um currículo de educação infantil deve garantir que as crianças vivam experiências que possibilitem, segundo Oliveira (2010, p. 5), “o encontro de explicações pela criança sobre o que ocorre à sua volta e consigo mesma enquanto desenvolvem formas de sentir, pensar e solucionar problemas”. O documento traz também um conjunto de princípios que devem servir de norteadores nos trabalhos desenvolvidos nas unidades de Educação Infantil, são eles: 1. Princípios éticos – valorização da autonomia, da responsabilidade, da solidariedade e do respeito ao bem comum, ao meio ambiente e às diferentes culturas, identidades e singularidades. 2. Princípios políticos – garantia dos direitos de cidadania, do exercício da criticidade e do respeito à ordem democrática.

3. Princípios estéticos – valorização da sensibilidade, da criatividade, da ludicidade e da diversidade de manifestações artísticas e culturais.

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Na questão de elaboração do currículo da educação infantil Oliveira (2010, p. 9), em sua análise dos documentos DCNEIs e Parecer 20/2009, afirma que o educar e cuidar são aspectos indissociáveis nessa faixa etária e o ambiente deve ser acolhedor para que a criança possa expor e trabalhar suas emoções como ciúmes, medos, raiva, apatia, enfim possa sentir-se segura para lidar com seus sentimentos e, com isso, elaborar sua identidade. Como objetivo, a autora menciona a importância de ampliar “as possibilidades infantis de cuidar de si e de outrem, de se expressar, comunicar e criar, de organizar pensamentos e ideias, de conviver, brincar e trabalhar em grupo (...)” num ambiente rico em experiências em diferentes linguagens ampliando seu conhecimento de si e do mundo. A apresentação das Diretrizes Curriculares de Educação Infantil (2010) e do Parecer 20/2009 mostram avanços na elaboração das normatizações e propostas norteadoras do trabalho pedagógico e de efetivação dos direitos das crianças de 0 a 5 anos de idade. Contudo, isso não significa que os problemas encontrados nas unidades educacionais, decorrentes das desigualdades sociais, da formação inadequada dos professores de educação infantil e da presença de paradigmas e concepções de creches como equipamento de atendimento a pobreza e tenham sido superados.

3.

ANÁLISE DO DISCURSO: LINGUAGEM E TRABALHO DOCENTE 3.2. Uma Ciência da Linguagem: Da Análise do Discurso

Ao tomarmos por base um trabalho que pretende desenvolver uma pesquisa no campo da Análise do Discurso, sentimos a necessidade de (re) estabelecer, primeiramente, algumas discussões importantes que margeiam o estudo de documentos e de linguagem em nossa sociedade. Primeiramente, é preciso esclarecer que os documentos propostos como corpora de análise desta monografia devem ser compreendidos como fenômenos de linguagem e que, como tais, conseguem estabelecer, nas Ciências Humanas, um campo distintivo epistemológico: “estudiosos passam a buscar uma compreensão do fenômeno da linguagem não mais centrado apenas na língua, sistema ideológico neutro, mas um nível situado fora

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desse polo da dicotomia saussureana3. E essa instância da linguagem é do discurso” (BRANDÃO, 1996, p. 12). Isto posto, fica mais fácil, a nosso ver, compreender por que tratamos de incluir nossa pesquisa no campo das Ciências Linguagem. Porque, na atualidade, e já há algum tempo, discutir a língua como fenômeno isolado de um ser social, se torna insuficiente para dar conta das inúmeras implicações que sobrevieram ao homem do mundo moderno. A própria compreensão e a polissemia do termo linguagem nos permitem dizer que estamos em um campo extremamente fecundo e que exige de nós, pesquisadores, uma inscrição fundamentada em estudos anteriores. Para tanto, recorremos a Benveniste (1976) para marcarmos o que, neste trabalho, é compreendido deste vocábulo: “a linguagem é também um fato humano; é, no homem, o ponto de interação da vida mental e da vida cultural e ao mesmo tempo o instrumento dessa interação” (p. 17). Concatenados com as visões anteriores da linguagem e de suas múltiplas possibilidades de acepções, encaramos esta pesquisa no âmbito das Ciências da Linguagem e, a partir dela, inscrevemos nossas análises no campo da Análise do Discurso, doravante AD. Novamente, no entanto, nos vemos enredados em meio a questões de multiplicidades de sentidos que nos pedem, nos dias atuais, demarcações conceituais: Mas a história da análise do discurso, desde os anos 60, mostra que seu caráter disciplinar só se reforçou. Se é indiscutível que, no seu início, ela teve, sobretudo, um olhar crítico, progressivamente alargou seu campos de estudo para o conjunto das produções verbais, desenvolveu um aparelho conceitural específico, fez dialogarem cada vez mais suas múltiplas correntes e definiu métodos distintos daqueles da análise de conteúdo ou das abordagens hermenêuticas tradicionais. A própria existência de uma disciplina como a análise do discurso constitui um fenômeno que não é banal: pela primeira vez na história, a totalidade dos enunciados de uma sociedade, apreendida na multiplicidade de seus gêneros, é convocada a se tornar objeto de estudo (CHARAUDEAU, P; MAINGUENEAU, P; 2008, p. 46).

Vemos, portanto, que estamos diante de um campo epistemológico, que é a AD encarada como uma disciplina constitutiva das Ciências da Linguagem. Contudo, outro fator importante a ser considerado nesta Ciência é que se faz necessário, portanto, estabelecermos alguma congruência para o que, neste trabalho, é entendido como discurso:

Chamaremos de discurso um conjunto de enunciados, na medida em que se apóiem na mesma formação discursiva; ele não forma uma unidade retórica ou formal, indefinidamente repetível e cujo aparecimento ou utilização poderíamos assinalar (e explicar, se for o caso) na história; é constituído de um número 3

Referência a Ferdinand Saussure, considerado para muitos linguistas, o país da Linguística moderna, datada a partir do século XX, que inaugura dicotomias para discutir este campo do conhecimento como Ciência.

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limitado de enunciados para os quais podemos definir um conjunto de condições de existência. O discurso, assim entendido, não é uma forma ideal e intemporal que teria, além do mais, uma história; o problema não consiste em saber como e por que ele pôde emergir e tomar corpo num determinado ponto do tempo; é, de parte a parte, histórico - fragmento de história, unidade e descontinuidade na própria história, que coloca o problema de seus próprios limites, de seus cortes, de suas transformações, dos modos específicos de sua temporalidade, e não de seu surgimento abrupto em meio às cumplicidades do tempo (FOUCAULT, 2008, pp. 132 e 133).

Esta asserção nos permite dizer que estamos diante de uma concepção que se fundamenta na ideia de que discurso, antes de tudo, é ação de linguagem e, como tal consegue remontar os diversos atores que atuam em face da produção dos discursos: o enunciado, o tempo, a história, a sociedade e, obviamente, o enunciador. Maingueneau (2011) aponta algumas características constituintes do discurso: “é uma organização situada para além da frase, orientado, forma de ação, interativo, contextualizado, assumido por um sujeito, regido por norma e, finalmente, considerado no bojo do interdiscurso (pp. 52-56)”. Dito isto, partimos para uma discussão conceitual e importante, que é o da demarcação de uma AD situada em um campo específico de estudo, pois, como vimos, estamos diante uma área plural por natureza e, a fim de evitarmos desgastes indesejáveis, situamos nosso estudo na AD de linha francesa, a partir de estudos divulgados por Maingueneau (1997).

3.3. Da Análise do Discurso de linha francesa Hoje, quando falamos de Análise do Discurso, é preciso que, de maneira responsável, indiquemos ao nosso interlocutor de que campo da AD estamos nos reportando. No sentido de que, ao vislumbrarmos as inúmeras possibilidades desta disciplina, estamos diante de uma epistemologia que, por si só e desde sua gênese, é plural. Segundo Maingueneau (1997), o contexto no qual surgiu a AD na França sugere essa concepção multifacetada: “A conjuntura intelectual e aquela que, nos anos 60, sob a égide do estruturalismo, viu articularem-se, em torno de uma reflexão sobre a ‘escritura’, a linguística, o marxismo e a psicanálise” (p. 10). Vemos, portanto, que ao explicitarmos e delimitarmos nosso campo teórico a partir do que já foi divulgado e constituído na AD francesa, estamos melhor respaldados. Isto porque, no início de seu surgimento, os anos 60 e 70, como referidos acima, podíamos dizer que estávamos diante, naquele momento, de uma Escola Francesa de Análise do Discurso. Contudo, principalmente a partir dos anos 80, hoje é possível nos referirmos à Análise do Discurso de linha francesa, como tendências francesas. No plural, porque, mesmo nas tendências francesas, temos caminhos diferentes: “A partir dos anos 80, essa corrente foi

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progressivamente marginalizada. Não se pode mais falar em “Escola Francesa”; existem, indubitavelmente, tendências francesas da análise do discurso” (p. 202). Desta forma, queremos orientar nosso interlocutor no sentido de que, neste trabalho, optamos pela orientação francesa da AD, à qual acessamos por meio dos estudos postulados por Dominique Maingueneau (1997). Nesse sentido, investimos nossas discussões baseados em muitas de suas divulgações científicas e de conceitos criados a partir de seus estudos. Uma premissa importante neste campo teórico é que entendemos ser o analista do discurso aquele que, preocupado com o discurso, não o descreve mas margeia procedimentos de como analisá-lo. 3.4. Linguagem e Trabalho Docente Definidas as configurações fundantes da Análise do Discurso, é-nos imperativo destacar de que modo a linguagem é cingida neste trabalho. Como vimos, estamos situados, nesta pesquisa, em uma tríade de conhecimentos: educação, linguagem e Análise do Discurso. No que diz respeito à primeira área, nos vemos de maneira perpendicular à educação e sua territoralização no campo infantil. Com relação à linguagem, podemos dizer que é nosso objeto de estudo singularmente declarado nesta monografia. E quanto à Análise do Discurso, acreditamos ser esta disciplina uma fonte de conhecimentos pela qual dissecaremos nossos corpora. Todavia, inerente à educação e como produto de linguagem, temos os Planos de Trabalho Docente. Desta forma, este último elemento, o docente, aparece como sendo uma peça constitutiva de nossas análises discursivas. Portanto, a imbricação entre linguagem e trabalho docente é salutar e inerente às discussões que traçamos para esta pesquisa. Com efeito, precisamos entender, primeiramente, que a docência é um trabalho feito exclusivamente por profissionais: No fundo, o que frequentemente se esquece ou negligencia na educação, é que a escola, da mesma forma que a indústria ou o sistema hospitalar , repousa em última instância sobre o trabalho realizado por diversos grupos de agentes. Para que essa organização exista e perdure é preciso que esses agentes, servindo-se de diversos conhecimentos profissionais e apoiando-se em alguns recursos materiais e simbólicos, cumpram tarefas específicas, realizadas em função de obrigações e objetivos específicos. É, portanto, imperativo que o estudo da docência se situe no contexto mais amplo da análise do trabalho dos professores e, mais amplamente, do trabalho escolar (TARDIF, M; LESSARD, C; 2013, p. 24).

Estamos diante de uma profissionalização da docência que incita, conforme afirmam Tardif e Lessard (2013), por sua vez, relações humanas. Como vimos, é constituinte das relações humanas a aprendizagem, o conhecimento, a linguagem e, por conseguinte, o

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discurso. Isto porque, todas as constituição ora apresentadas, estão diretamente ligadas à interação como fonte sine qua non do trabalho docente: Esse trabalho sobre o humano evoca atividades como instruir, supervisar, servir, ajudar, entreter, divertir, curar, cuidar, controlar, etc. Essas atividades se desdobram segundo modalidades complexas em que intervêm a linguagem, a afetividade, a personalidade, ou seja, um meio em vista de fins: o terapeuta, o docente, trabalhador de rua engajam diretamente sua personalidade no contato com as pessoas e estas os julgam e os acolhem em função dela. Componentes como o calor, a empatia, a compreensão, a abertura de espírito, etc., constituem, então, os trunfos inegáveis do trabalho interativo (TARDIF, M; LESSARD, C; 2013, p. 33).

Nesse sentido, é possível ver que a linguagem, inerente ao trabalho com seres humanos principalmente, ganha contornos de destaque quando o assunto está intimamente ligado à docência. Desta forma, podemos depreender, a partir do que vimos nos excertos acima, que, como atividade de interação, o trabalho docente pressupõe a linguagem e, como tal, lança mão de alguns muitos fatores organizacionais que corroboram para suas finalidades desenvolvimento. Segundo trabalhos apontados por Machado (2009, pp. 80-1), o trabalho do professor pode ser constituído a partir de três vieses: o prescrito: “um conjunto de normas e regras, textos, programas e procedimentos que regulam as ações”, o planificado: “explicitam o conjunto das tarefas, seus objetivos, suas condições materiais e sua forma de desenvolvimento das ações projetadas pelo próprio trabalhador”, o realizado: “o conjunto de ações efetivamente realizadas”. Em todos esses níveis, vemos o trabalho do docente atravessado pela linguagem. Ainda sobre esse aspecto, Tardif e Lessard (2013, p. 224) argumentam que “quando observamos as diversas adaptações e transformações que os professores inserem nos programas, verificamos uma lacuna importante entre o trabalho prescrito e o trabalho real”. Esta lacuna, a que se referem os autores mencionados neste parágrafo, alerta-nos para a necessidade imanente de o trabalho docente, que é interativo, ser preenchido pelo que Machado (2009) nomeia como sendo o trabalho planificado. Desta forma, entendemos ser importante apontar, no trabalho planificado, considerações do Plano de Trabalho Docente nesta fundamentação teórica, a fim de que consigamos estabelecer, como proposto no início deste subitem, um diálogo analítico entre educação, linguagem e análise do discurso. 4.

DO PLANO DE TRABALHO DOCENTE

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O trabalho docente é constituído de múltiplas facetas que formam um todo complexo da ação deste profissional. Ao longo dessa institucionalização profissionalizante, muitas são as requisições tácitas para o desenvolvimento qualitativo do papel que coloca o professor como figura central de um processo desencadeador de aprendizagem. Nesse sentido, poderíamos pensar que, no desenrolar destas ações, o planejamento, bem como a avaliação, são anteriores a qualquer atuação educadora. Com efeito, a necessidade de marcar as obrigações relacionadas à certa profissionalização exige do docente, inclusive por meio de um instrumento legal, a redação de um documento que legitime essa antecipação peremptória ao seu trabalho. É justamente neste cenário de grande processo combativo que o Plano de Trabalho surge como um documento imbricado ao imperativo de uma lei, como podemos observar no Artigo 13º, combinado com o inciso II, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (9.394, 20/12/1996): “Os docentes incumbir-se-ão de: [...] elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino”. Vemos que, em nosso país, é uma prerrogativa legal a necessidade de se redigir um plano de trabalho docente e, além disso, de zelar pelo seu cumprimento. O fato é que o plano está ligado a uma dimensão maior que é a do planejamento como sendo um elemento e etapa indispensável à ação pedagógica. É taxativo o ato de normatizar, em lei, um documento que, para o professor, deveria ser antes uma necessidade e não uma exigência somente. Partindo do pressuposto lega que foi discutido nos parágrafos, podemos avançar pensando na constituição deste plano imbricado ao ato de planejar como sendo etapas e processos complementares com múltiplos objetivos e especificidades. Desta forma, é preciso asseverar que os planos se constituem como uma parte mais tangível do planejamento porque nos permitem visualizar e deixar mais próximo o que pretendemos realizar, ele é, em última análise, um registro importante do fazer cotidiano de um professor, uma vez que: “planejamento e plano estão estritamente relacionados, mas não são sinônimos. O primeiro representa o processo e o segundo é um registro do processo” (SOBRINHO, 1994, p. 4). O registro, instrumento indispensável ao professor, ganha um contorno especial quando aliado à nomenclatura do “plano” porque estabelece caminhos importantes a serem percorridos ou considerados, isto se dá também ao fato de a atividade docente ser permeada de finalidades, as quais, quando aliadas às metodologias previamente pensadas, conseguem delinear andamentos com uma carga de significação importante:

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Mediados por nossos registros, reflexões, tecemos o processo de apropriação de nossa história, a nível individual e coletivo. A criança tem seu espaço de registro, reflexão, concretização de seu pensamento, no desenho, no jogo e na construção de sua escrita. Esta é sua tarefa. Tarefa que formaliza, dá forma, comunica o que pensa, para assim refletir, rever, revisar, aprofundar, construir o que ainda não conhece: o que necessita aprender. A escrita materializa, dá concretude ao pensamento, dando condições assim de voltar ao passado, enquanto se está construindo a marca do presente (WEFORT, 1996, p. 23).

É nessa linha norteadora que podemos encarar o plano de trabalho docente, um registro escrito que precisa ser revisitado e encarado como um documento que dá concretude ao processo de ensino-aprendizagem, mas sem perder o caráter essencial e peculiar de qualquer desafio educativo: a reflexão sempre deve acompanhar os atores envolvidos, pois é a partir dela que os educadores, bem como os educandos, conseguem (re) ajustar percursos e procedimentos. Dadas as questões precedentes do Plano de Trabalho Docente, as quais foram elencadas neste subtítulo, inscrevemos nosso fazer teórico nas perspectivas fundantes deste

documento

de

incumbência

docente,

como

sendo,

primeiramente,

uma

responsabilidade legal dos educadores e, ao mesmo tempo, um registro escrito das ações futuras. Além disso, é necessário entendermos que: O plano de ensino é um roteiro organizado das unidades didáticas para um ano ou semestre. É denominado também plano de curso ou plano de unidades didáticas e contém os seguintes componentes: justificativa da disciplina em relação aos objetivos da escola: objetivos gerais; objetivos específicos, conteúdo (com a divisão temática de cada unidade); tempo provável e desenvolvimento metodológico (atividades do professor e dos alunos) (LIBÂNEO, 2008, p. 232).

Partindo dos pressupostos discutidos por Libâneo (2008), podemos entender algumas partes que, segundo ele, são genuinamente constituintes do Plano de Trabalho Docente, para os quais os professores precisam estar atentos no sentido de que exige deles certo compromisso com o ato registrar ações futuras, que se fundem, em educação especificamente, com o que chamamos de objetivos, sendo indispensável, para a concretização deles, outros processos congruentes e que envolvem diretamente a gestão do tempo e dos espaços. Segundo Vasconcellos (1995, p. 94), o plano de ensino é, em última análise, “a sistematização da proposta geral de trabalho do professor numa determinada disciplina ou área de estudo”. O que nos permite, a partir desta asserção, ao mesmo tempo, remontarmos o cenário do registro como previsão de ações norteadoras de um trabalho docente.

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Não obstante às discussões ora propostas, no âmbito deste trabalho é preciso, de igual modo, considerar o plano realizado pelo professor como um documento que revela, por parte de quem o redige, intencionalidades que, é claro, nos permitem desvelar suas ideologias e concepções político-pedagógicas que subsidiarão suas práticas ao longo do ano letivo.

Lembramos que realizar planos e planejamentos educacionais e escolares significa exercer uma atividade engajada, intencional, científica, de caráter político e ideológico e isento de neutralidade. Planejar, em sentido amplo, é um processo que visa dar respostas a um problema, através do estabelecimento de fins e meios que apontem para a sua superação, para atingir objetivos antes previstos, pensando e prevendo necessariamente o futuro, mas sem desconsiderar as condições do presente e as experiências do passado, levando-se em conta os contextos e os pressupostos filosófico, cultural, econômico e político de quem planeja e de com quem se planeja (PADILHA, 2001, p. 63).

Por fim, é pertinente asseveramos a importância da análise deste documento, o qual é de autoria exclusiva do docente, como fonte importante de inserção de práticas no currículo da educação brasileira, especialmente quando conjugado à educação infantil. Portanto, o plano de trabalho não pode ser encarado como mera tarefa ou invencionice das escolas, mas como um documento que traz consigo considerações importantes, do ponto de vista profissional e, também, filosófico.

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CAPÍTULO II – METODOLOGIA DE PESQUISA Pesquisar em Ciências Humanas sempre foi e, pelo visto, continuará sendo um desafio para todos aqueles que se aventuram a tomar como objeto de pesquisa algo tão inconstante e sem delineações marcadas: o ser humano e suas relações estabelecidas com o outro. De qualquer forma, estamos dentro do que chamamos Ciências, porque “não nos referimos aqui às ciências ditas e naturais. O que se julga válido para estas também é válido, pelo menos em parte, para as outras ciências humanas e sociais. Todavia, constituem um espaço também próprio de construção científica” (DEMO, 1985, p. 13). Neste capítulo, propomo-nos a discutir as relações de pesquisa que se deram entre pesquisador e objeto de pesquisa, a fim de que consigamos elencar os processos constituintes deste trabalho do ponto de vista metodológico. Para tanto, julgamos necessário tratarmos do Paradigma Epistemológico ao qual nos filiamos e, por conseguinte, da seleção do corpus e metodologia empregada. 1. Dos Paradigmas Dialético e Interpretativista

Isto posto, podemos pensar que a tradição das Ciências, de uma maneira geral, é da afirmação de uma objetividade em detrimento de uma subjetividade. Isto porque, na história, as relações privilegiadas de distanciamento na pesquisa construía certa capa de neutralidade, que, nos dias atuais pode ser considerada como obsoleta e sem fundamento, uma vez que não há como negar o fato de que somos perpassados por subjetividades, ainda que a pesquisa tente se afastar dessa realidade: podemos aduzir aquilo que julgamos ser a diferença mais profunda, ou seja, o caráter ideológico das ciências sociais. A ideologia acomete qualquer ciência, também as naturais, mas aqui de forma extrínseca, a saber no possível uso que se faz delas. Seu objeto não é ideológico em si. O objeto, porém das ciências sociais é intrinsecamente ideológico, porque a ideologia está alojada em seu interior, inevitavelmente. Faz parte intrínseca do objeto (DEMO, 1985, p. 17)

Desta forma, não pretendemos, neste trabalho, esgotarmos todas as possibilidades de discussão a respeito do assunto, mas inserirmos nossa pesquisa numa perspectiva das Ciências Humanas Sociais, que podem ser representadas nesta monografia como o campo da Educação. Dito isto, é preciso (re) discutir que, se estamos diante de posicionamentos reflexivos, subjulgamos a metodologia empregada nesta pesquisa ao paradigma dialético, que segundo SEVERINO (2007, p. 116):

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Uma terceira tradição filosófica é aquela representada pela Dialética. Esta tendência vê a reciprocidade sujeito/objeto eminentemente como uma interação social que vai se formando ao longo do tempo histórico. Para pensadores, o conhecimento não pode ser entendido isoladamente em relação à prática dos homens, ou seja, nunca é questão apenas de saber, mas também de poder. Daí a priorizarem a práxis humana, a ação histórica e social, guiada por uma intencionalidade que lhe dá um sentido, uma finalidade intimamente relacionada com a transformação das condições de existência da sociedade humana.

Desta forma, a relação que se estabelece em um trabalho com forte apelo na educação, que é um construto social, é a dialética como fonte filosófica e epistemológica segura de resgate de interações entre sujeito/objeto ligados a um contínuo bipartido e, ao mesmo tempo, imbricado: a história e a sociedade. Ainda sobre este paradigma, é possível encontrarmos em Demo (1985, p.21) a seguinte asserção: “dialética, que se faz a expectativa de ser a metodologia específica das ciências sociais, porque vê na história não somente o fluxo das coisas, mas igualmente a principal origem explicativa”. Dito de outro modo e sob uma perspectiva aproximada, podemos, também, identificar nossa pesquisa no âmbito do Interpretativismo, paradigma que, embora se apresente a partir de diferentes concepções, pode ser colocado numa linha paralela de continuidade, principalmente quando estamos fincados em uma abordagem qualitativa: Accordingly, qualitative researchers deploy a wide-range of interconnected interpretive practices, hoping always to get a better understanding of the subject matter at hand. It is understood, however, that each practice makes the world visible in a different way. Hence, there is frequently a commitment to using more than one interpretive practice in any study (DENZIN, N. K.; LINCOLN, Y. S., 2008, p. 4).

Portanto, estamos diante de uma prática que evoca para si a necessidade de trazer para a discussão uma concepção de Ciência que não se restringe à objetividade, aos números, ao naturalismo, mas aquela que está pronta para circunscrever elementos outros que invistam em uma abordagem qualitativa: “Pesquisar em Educação significa trabalhar com algo relativo a seres humanos ou com eles mesmos, em seu próprio processo de vida” (GATTI, 2002, p. 12). 1.2.

Coleta de dados e Seleção do Corpus

O curso de Especialização em Ética, Valores e Cidadania na Escola nos propiciou certo envolvimento com o que hoje chamamos de Aprendizagem baseada em problemas. Desta forma, desde o início das disciplinas temos reunido e produzido discussões que versem sobre educação e, em especial, sobre o olhar para o encontro e observação de problemas possivelmente existentes.

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A Educação Infantil sempre nos foi um campo muito atrativo, embora nossa condição profissional não nos permita um contato diário e direto com este universo, sempre nos interessaram as relações discursivas que se instauram nos ambientes permeados por essa divisão empírica de educação. Denominamos corpus o conjunto de registros documentais, Planos de Trabalho Docente, estabelecidos como fonte de dados para análise e objeto de pesquisa. Isto posto, em contato com alguns gestores de espaços destinados à Educação Infantil na cidade de São Paulo, por meio de uma solicitação formal, a qual se encontra anexa a este trabalho, conseguimos ter acesso aos Planos de Trabalho Docente (PTDs) de um Centro de Educação Infantil (CEI), localizado na Zona Leste. Em seguida, formalizamos mais um pedido para termos acessos e investir na pesquisa que empreendemos nesta monografia. Foi-nos concedida a autorização na pessoa da Diretora em exercício no estabelecimento de ensino: Determinados registros têm como característica o fato de servirem como documento de situações que ocorreram no passado, seja afastado ou recente. Vários registros podem ser utilizados como documentos: registros políticos (por exemplo, discursos do atual presidente proferidos quando era senador), registros administrativos (por exemplo, registro de óbitos em partos, nas diferentes cidades do Estado de São Paulo), registros cartoriais, cartas pessoais, meios de comunicação de massa, plano de curso, etc. Os registros podem ser utilizados como fonte confiável de dados, desde que alguns cuidados sejam tomados como, por exemplo, certificar-se de que os documentos sejam autênticos e de que não sejam seletivos (GIANFALDONI, M.; MOROZ,M., 2006, P. 80).

Nosso corpus é constituído de cinco PTDs, os quais foram entregues no início do ano de 2014 à gestão do CEI. Eles dizem respeito à proposição de Planos que visam a organizar os trabalhos nos berçários e minigrupos, apenas no primeiro semestre deste mesmo ano. Foram produzidos por mais de uma professora, isto porque elas dividem as responsabilidades da turma e os horários diurnos e vespertinos. Por se tratarem de documentos da escola e não de suas autoras, a autorização outorgada pela gestora da unidade nos permite certa segurança para procedermos à análise empreendida aqui. De posse dos corpora, iniciamos a leitura constituição de um projeto de pesquisa, em que contemplasse, entre outras coisas, o estabelecimento de um problema de pesquisa, hipóteses, objetivos e justificativas. Em seguida, o levantamento bibliográfico e, em consonância, com a coparticipante desta pesquisa, decidimos que, dentro do que entendíamos por Aprender a Ser, analisaríamos o aspecto Cuidar de Si, sendo a parte dela constituinte de outra metodologia.

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1.3.

Método de Pesquisa

Comumente, em Ciências Humanas, principalmente por estarem alicerçados em uma abordagem qualitativa, os métodos costumam sofrer o que chamamos de hibridização. Aqui, tomamos o cuidado de suplantar nossas discussões a partir de algumas visões hibridas, mas que, ao mesmo tempo, conseguíssemos deixar claro que, apesar da interdisciplinaridade salutar, nossa pesquisa possui uma linha norteadora que baseia grande parte de nossas discussões. Nesse sentido, é possível desvencilhar, primeiramente, nosso método da Análise de conteúdo e, também, ousar enfrentar a Análise do Discurso como epistemologia, uma disciplina das Ciências da Linguagem, um suporte e não como método, isto porque: A maior diferença entre as duas formas de análises é que a AD trabalha com o sentido e não com o conteúdo; já a AC trabalha com o conteúdo, ou seja, com a materialidade lingüística através das condições empíricas do texto, estabelecendo categorias para sua interpretação. Enquanto a AD busca os efeitos de sentido relacionados ao discurso, a AC fixa-se apenas no conteúdo do texto, sem fazer relações além deste. A AD preocupa-se em compreender os sentidos que o sujeito manifesta através do seu discurso; já a AC espera compreender o pensamento do sujeito através do conteúdo expresso no texto, numa concepção transparente de linguagem. Na AD, a linguagem não é transparente, mas opaca, por isso, o analista de discurso se põe diante da opacidade da linguagem (CAREGNATO, R. A.; MUTTI, R., 2006, p. 684).

Ainda a respeito dessa diferença, evocamos o que Orlandi (2009, p. 66) postula a respeito da Análise do Discurso, de sua relação intrínseca com a interdisciplinaridade e com os efeitos de sentidos produzidos por meio dos discursos e de seus objetos simbólicos: “Nosso ponto de partida é o de que a análise de discurso visa compreender como um objeto simbólico produz sentidos.” A conjunção como, presente no excerto acima, sugere que o analista não trabalha com o que está posto, como faz análise de conteúdo, mas com elementos outros que se somam à construção de sentidos de um discurso, materializado por meio da linguagem. Nesse deslizar analítico, esbarramos, mais uma vez, com os paradigmas discutidos em um dos subitens anteriores: A interpretação não é livre de determinações: não é qualquer uma e é desigualmente distribuída na formação social. Ela é “garantida” pela memória, sob dois aspectos: a. a memória institucionalizada (o arquivo), o trabalho social da interpretação onde se separa quem tem e quem não tem direito a ela; b. o trabalho histórico da constituição do sentido (o dizível, o interpretável, o saber discursivo) (ORLANDI, 2009, p. 48).

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Marcados os percalços pelos quais pretendemos caminhar, entendemos que o nosso método é, em outras palavras, está singularmente relacionado a uma triangulação porque traça um diálogo interdisciplinar entre: Ciências da Linguagem, Educação e Política Pública: Of course, qualitative research is inherently multimethod in focus (Flick, 2002, pp. 226–227; 2007). However, the use of multiple methods, or triangulation, reflects an attempt to secure an in-depth understanding of the phenomenon in question. Objective reality can never be captured. We know a thing only through its representations. Triangulation is not a tool or a strategy of validation but an alternative to validation (Flick, 2002, p. 227; 2007). The combination of multiple methodological practices, empirical materials, perspectives, and observers in a single study is best understood, then, as a strategy that adds rigor, breadth complexity, richness, and depth to any inquiry (see Flick, 2002, p. 229; 2007, pp. 102–104). (DENZIN, N. K.; LINCOLN, Y. S., 2008, p. 5).

Portanto, se tivéssemos que definir o método pelo qual acessamos e analisamos nossos dados, diríamos que não estamos, necessariamente, pautados em um único apenas, mas apoiados em conhecimentos diversos oriundo de diversas disciplinas, para as quais lançamos luz sob um determinado objeto e conseguimos estabelecer relações de sentidos e, consequentemente, de discursos. A triangulação, portanto, serve-nos de base para um movimento que dizemos ser a gênese dos estudos linguísticos: a interdisciplinaridade. Por fim, direcionamos nosso fazer interpretativo a partir de algumas categorias que consideramos importantes estabelecer um recorte. O primeiro se deu no corpus, pois não analisamos aqui tudo o que é depreendido da aglutinação que fizemos dos PTDs, mas cindimos nosso olhar no tópico linguístico: “Cuidar de Si” e nas cenas de enunciação que remontam o gênero discursivo de âmbito profissional, o Plano de Trabalho de Trabalho Docente. Desta forma, conseguimos recuperar a multifacetada caminhada que envereda o analista do discurso, sob a égide de um estudo linguístico aplicado.

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CAPÍTULO III – UMA ANÁLISE DISCURSIVA DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO INFANTIL

1. Aspectos linguístico-discursivos de professores de educação infantil

Neste capítulo, procederemos à análise dos documentos que constituem os corpora de nosso trabalho. Para tanto, escolhemos, como ponto de partida, falar dos aspectos linguístico-discursivos que atravessam os meandros constitutivos dos Planos de Trabalho Docente, doravante PTD. Uma primeira tomada de consciência nos leva à constatação de que os PTDs podem ser encarados como gêneros do discurso. Como vimos, Foucault (2013) nos chama a atenção para o fato de o discurso ser, para além de outras afirmações, um “conjunto de enunciados”. Ora, o PTD é um conjunto de enunciados e, portanto, no que tange à linguagem pode e deve ser considerado dentro do âmbito do que entendemos aqui por discurso. Desta forma, queremos levantar e discutir alguns aspectos que permitem a constatação do que foi supracitado, a partir de uma discussão genérica4 do discurso, uma vez que é por meio deles que construímos e instauramos enunciados em um dado momento da história: Os enunciados dependentes da AD se apresentam, com efeito, não apenas como fragmentos de língua natural desta ou daquela formação discursiva, mas também como amostras de um certo gênero de discurso (MAINGUENEAU, 1997, p. 34).

Isto posto, interpelamos a presença dessa amostra, constituída por meio de enunciados, a fim de que possamos delinear por que podemos considerar o PTD como sendo um gênero do discurso e de que forma ele constrói, junto com todos os demais elementos que o margeiam, sentidos. 1.1.

Cenas da Enunciação

Antes de tratarmos do gênero do discurso PTD, é preciso balizar esta questão em alguns pressupostos que desencadeiam e nos fazem afirmar que este documento é, de fato, um gênero. Em geral, pensamos em enunciação como sendo algo essencialmente da fala,

4

No sentido de gênero.

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que em discurso não é descartada, mas Maingueneau (2010, p. 205) propõe a seguinte reflexão: “[...] apreender uma situação de discurso como cena de enunciação é considerá-la “do interior”, através da situação que a fala pretende definir, o quadro que ela mostra (no sentido pragmático) no movimento mesmo de seus desdobramentos. Um texto é, na verdade, rastro de um discurso no qual a fala é encenada”.

Vemos neste excerto que, ao mobilizarmos os conceitos de Cenas da Enunciação, estamos, dessa forma, percorrendo os rastros que um discurso (plano maior) deixa quando está assujeitado a um registro, por exemplo, escrito. Uma vez que, texto, para a constituição discursiva, pode claramente ser entendido em ambas as modalidades da língua (oral e escrita). Deste ponto de vista, para podermos validar a asserção de que o PTD é um gênero do discurso, é preciso, antes de tudo, seguir os rastros e as pistas que ele nos dá e isso, segundo Maingueneau (2010), pode ser feito a partir do rastro deixado pelo texto. 1.1.2. Cena Englobante A primeira cena com a qual os locutores de um discurso entram em contato é a englobante. O nome dado por Maingueneau (2011) a esta cena já nos antecipa que ela está num plano macro e, por isso, engloba alguns fatores de ordem maior: “a cena englobante é a que corresponde ao tipo de discurso. Quando recebemos um folheto na rua, devemos ser capazes de determinar a que tipo de discurso ele pertence: religioso, político, publicitário, etc.” (p. 86).

Aqui, é necessário dizer que estamos diante de gênero cuja circulação se dá de maneira restrita. Uma vez que os PTDs são entregues pelos professores à coordenação da escola, que, de maneira responsiva, deve (ria) reportar este documento à direção da escola. Portanto, na cena englobante temos alguns fatores que legitimam uma situação de locução. Segundo Maingueneau (2010), existem três posições de locução: “o lugar do locutor, daquele que fala; o lugar do alocutário, daquele a quem se dirige a fala; o lugar do delocutado, daquele do qual falam os interlocutores” (p. 202). Desta forma, temos constituída a seguinte cena englobante dos PTDs:

Situação de Enunciação

Locutores

Produção/Recepção dos PTDs na Escola

Professoras que produzem os PTDs

Quadro 1. Situação de Enunciação

Alocutários

Coordenação e Direção

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Ao instaurarmos a situação de enunciação, conseguimos entender que fazem parte da cena englobante: as professoras, a coordenação e a direção. Cada um desses locutores ocupa um lugar diferente no discurso. Por isso, ao receber os PTDs, o reconhecimento do tipo de discurso deve proceder dos alocutários, neste caso, a coordenação e a direção. Na cena englobante, o tipo de discurso da educação ganha contorno quando associado à profissionalização docente. Somente os profissionais envolvidos diretamente com educação e, especificamente, com a docência conseguem, de pronto, identificar aquele documento como sendo comum ao discurso da educação. 1.1.3. Cena Genérica A cena Genérica inicia um processo de minúcia, na qual se estabelece uma relação direta com o gênero, uma vez que a cena anterior, permite ao locutor, de maneira geral, instituir o tipo de discurso ao qual o gênero, propriamente dito, pertence. Nesta cena, o coenunciador consegue entender que, para além do tipo de discurso, existem outros fatores agindo sobre aquele texto: Essas duas “cenas” definem conjuntamente o que poderia ser chamado de quadro cênico do texto. É ele que define o espaço no interior do qual o enunciado adquire sentido – o espaço do tipo e do gênero do discurso (MAINGUENEAU, 2011, p. 87).

É importante iniciar dizendo que, embora na atualidade pareça, talvez por desconhecimento, que Bakhtin (2008) tenha inaugurado e cunhado o termo gênero, temos visto, desde Antiguidade5, a presença desse vocábulo que, ao longo dos tempos, tem ganhado notoriedade. De todo modo, não é nosso objetivo tomar como base unívoca a acepção Bakhtiniana de gênero, mas reconhecer sua importância nos estudos discursivos, isto porque o que empreendemos aqui não é, em suma, uma análise dialógica6 do discurso, mas aquela, como dissemos, orientada pela tendência francesa. Nesse sentido, queremos resgatar o que postula Bakhtin a respeito dos gêneros do discurso, principalmente quando diz: “(...) cada enunciado particular é individual, mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros do discurso” (BAKHTIN, 2003, p. 262). A partir dessa asserção, podemos prosseguir dizendo que, para a noção de gêneros discursivos, Charaudeau e Maingueneau (2008, pp. 249-250) afirmam haver alguns pontos 5

6

A noção de gênero remonta à Antiguidade. (CHARAUDEAU, P; MAINGUENAU, D; 2008, p. 249)

Entendemos por análise dialógica do discurso aquela que lança mão de estudos divulgados, principalmente no Brasil, a partir de textos constituídos pelo Círculo de Bakhtin (Bakhtin, Voloshinov e Medvev).

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de vistas: o funcional, enunciativo, textual e comunicacional. Destes quatro apontados, eles situam Bakhtin (2003) como um nome constitutivo para o último ponto de vista apresentado, o deles próprios, Charaudeau Maingueneau (2008), ainda que entre eles façam uma distinção. Interessa-nos, por conta de nossa orientação francesa, destacar o que empreende Maingueneau (2008) a respeito do gênero do discurso: “Para Maingueneau e Cossutta, trata-se de selecionar e descrever ‘tipos de discurso que aspiram a um papel [...] fundador e que nós chamamos constituintes’ (1995:112), cuja finalidade simbólica é determinar os valores de um certo domínio de produção discursiva. São constituintes essencialmente os discursos religioso, científico, filosófico, literário, jurídico” (CHARAUDEAU, P; MAINGUENEAU, D; 2008, p. 251).

Instauradas as concepções de visões comunicacionais do discurso, destacamos a importância de estabelecermos neste momento uma categoria interpretativa, a partir do que já foi discutido até aqui, com os corpora de nosso trabalho. A primeira categoria que destacamos para podermos legitimar o fato de que o PTD não cria efeito de sentidos do nada Como vimos, a Cena de Enunciação instaurada permite apenas aos envolvidos em educação o reconhecimento e a validação dela, uma vez que a circulação deste documento se dá em um âmbito restrito. É a legitimação da cena enunciativa que faz, por exemplo, a coordenação e a direção distinguir, no âmbito da escola, um PTD de um Requerimento de Abono de Ausência, de um Projeto Escolar, de uma Solicitação de Esclarecimento, de uma Pauta de Reunião ou de um Diário de Classe. Desta forma, chegamos à cenografia. 1.1.4. Cenografia Embora tenhamos elucidado primeiramente as cenas, é importante dizer que a cenografia, concebida como produto da interação paradoxal dessas outras duas que ora foram apresentadas. Temos, portanto, o entrelaçamento constitutivo com vistas à marcação de um sujeito instaurado, ou de múltiplos deles, com o objetivo de legitimar uma enunciação: Com efeito, tomar a palavra significa, em graus variados, assumir como se o discurso aparecesse inesperadamente no interior de um espaço já construído e independente dele: é a enunciação que, ao se desenvolver, esforça-se para constituir progressivamente o seu próprio dispositivo de fala (MAINGUENEAU, 2011, p. 87).

Ao se posicionarem no mundo discursivo, as professoras, que por força de uma prescrição, produzem um documento como o PTD estabelece uma relação de legitimação com os outros atores presentes na formação discursiva, mesmo que a força de uma prescrição, a lei que obriga a todos os docentes a entregarem tal documento, se faça presente, o estabelecimento do discurso se dá na interação.

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Cena Genérica: É um Plano de Trabalho Docente

Cena Englobante: É um discurso da educação

Cenografia: Aventurar-se no e pelo discurso

Quadro 2. Cenografia Em geral, entenderemos o núcleo como sendo aquele sustentará todos os demais, mas a permeação, o alcance, a tangencialidade se faz exclusivamente pela superfície, que em geral é tomada como algo simples, mas para que se chegue à superfície, é preciso considerar outro elementos constitutivos e não visíveis, não mostrados, a fim de que se chegue, a priori, ao que entendemos, neste trabalho, como a cenografia, resultante de uma situação enunciativa que envolve os PTDs de um Centro de Educação Infantil.

1.2. O Plano de Trabalho Docente: Um gênero do discurso 1.2.1. A forma

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Ao considerarmos o PTD como um gênero do discurso, assumimos, junto com essa consideração, a necessidade de validarmos nossa asserção a partir de um viés prático. Isto porque, bem sabemos, não é possível delimitar e classificar todos os gêneros existentes, mas o estudo de um em particular, permite-nos lançar luz sobre ele e resgatar alguns elementos, muitas vezes explicitados de maneira tácita. Ademais, o estudo de um gênero em especial permite seu aperfeiçoamento, bem como sua delimitação característica e vinculação ao mundo real onde ele circula. Dito de outra forma, podemos dizer que, em nossa análise, levantar pontos importantes sobre esse gênero do discurso, nos posiciona em uma segunda categoria interpretativa, para parafrasear Bakhtin (2003): conteúdo, estilo e forma do gênero. Uma breve descrição nos permite informar que o gênero PTD é produzido, quanto à sua forma, em tabelas. O cabeçalho apresenta descrições e informações a respeito do local de circulação deste gênero (CEI), dos locutores (Professoras), da duração e da turma à qual ele será dirigido. Ao fazermos um levantamento criterioso, chegamos às seguintes dicotomias de sistematização da forma: Tabela 2. Características existentes e não existentes nos PTDs Características existentes Apresentam o nome do CEI no início do plano Apresentam a coluna "Campos de Experiências" Apresentam a coluna "Experiências Priorizadas" Apresentam a coluna "Expectativas de Aprendizagens"

% 100 100 100 100

%

Total %

0

100

0

100

0

100

0

100

80

100

0

100

Apresentam a coluna "Atividades e Ações" Apresentam a coluna "Materiais Necessários"

100

Apresentam os nomes das professoras

100 Não apresentam os nomes das professoras

0

100

Apresentam a Turma

100 Não apresentam a Turma

0

100

Apresentam a duração

100 Não apresentam a duração

0

100

20

100

Apresentam a coluna Interações desejadas Chamam de Organização do Trabalho Pedagógico Chamam de Plano de Trabalho do Professor

80 Não apresentam elementos decorativos Não apresentam a coluna Interações 80 desejadas Não chamam de Organização do Trabalho 80 Pedagógico Não chamam de Plano de Trabalho do 20 Professor

20

100

20

100

80

100

Apresentam a coluna Preparo do Espaço

80 Não apresentam a coluna Preparo do Espaço

20

100

Apresentam a coluna Tempo Pensado

80 Não apresentam a coluna Tempo Pensado

20

100

Apresentam elementos decorativos

20

Características não existentes Não apresentam o nome do CEI no início do plano Não apresentam a coluna "Campos de Experiências" Não apresentam a coluna "Experiências Priorizadas" Não apresentam a coluna "Expectativas de Aprendizagens" Não apresentam a coluna "Atividades e Ações" Não apresentam a coluna "Materiais Necessários"

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As dicotomias sugeridas acima apresentam as ocorrências de entradas nas tabelas ou de elementos que constituem, para ser mais específico, nas colunas, as quais são preenchidas de maneira, mais ou menos, igual em quase todos os PTDs. Como vemos, é consensual a presença de alguns elementos. Desta forma, aparecem em todos os PTDs, nas colunas ou nos vocábulos paratextuais7: o nome do CEI, as colunas: Campos de Experiências,

Experiências

Priorizadas,

Expectativas

de

Aprendizagens,

Materiais

Necessários, os nomes das professoras, as turmas e as durações (todas elas semestrais). Dados os objetos consensuais, podemos, inicialmente, formular a asserção de que este gênero, que remonta uma cenografia discursiva, incide e elenca, a partir do que podemos chamar de formação discursiva, alguns componentes essenciais para a sua produção, o que nos faz pensar que ele mantém certa regularidade em sua composição genérica. Inferimos que os campos que não apresentaram diferenças comparativas podem ser considerados como aqueles de maior importância para aquele determinado grupo social, uma vez que, como já nos foi apresentado neste trabalho, este gênero “aspira a um papel social” (CHARAUDEAU, P; MAINGUENEAU, D; 2008, p. 251). Partamos agora para aqueles que não aparecem consensualmente, os quais, embora, apresentem diferenças mínimas, revelam o caráter fluido de um gênero, uma vez que dentro da regularidade de enunciados pode haver adaptações e incongruência a fim de legitimar e validar esta situação de comunicação de acordo com os envolvidos. Diferem, portanto, na regularidade formal dos corpora analisados: A colunas Atividades e Ações, Interações Desejadas, Preparo do Espaço e Tempo Pensado, além dos elementos decorativos e das opções lexicais de “Organização do Trabalho Pedagógico” e “Plano de Trabalho do Professor”. Pensaremos essas diferenças, que ao nosso olhar, refletem uma escolha lexical, portanto de estilo, no próximo subitem. 1.2.2. O Estilo Pode parecer que este assunto seja estranho ao nível discursivo, contudo, ao fazermos um recorte estilístico queremos mostrar, no plano do discurso e a partir dos vieses enunciativos, que, ao se fazer um recorte, temos um gesto marcado pelo sujeito, que, aqui, é compreendido para além de uma relação autoral de produção enunciativa: Qualquer que seja o polo, a estilística está sempre atravessada, por força de seu recorte, pelo eixo da individualidade: a discussão dos fenômenos estilísticos se faz pelo viés do falante que usa ou cria a língua. Por outra parte e por consequência, é difícil os estudos estilísticos fugirem de um pressuposto geral de que a atividade estilística 7

Chamamos de elementos paratextuais aqueles que estiverem ao lado das tabelas principais.

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do falante envolve gestos de escolha, de seleção, seja entre as alternativas fornecidas pelo sistema como tal, seja entre diferentes possibilidades de criação expressiva (FARACO, 2009, p. 135).

Nesse sentido, estamos diante de um componente importante na construção do PTD, especialmente porque estamos diante de um recorte subjetivo e que produz, embora de maneira tímida, um traço de diferenciação na produção desse gênero discursivo. Desta forma, queremos iniciar nossas análises partindo de um fator dessemelhante: a opção lexical pela coluna “Atividades e Ações” em oposição àquela que nomeada por “Interações Desejadas”:

Quadro 3. Escolha lexical “Atividades e Ações”

Esta coluna foi apresentada em apenas um PTD e o conteúdo apresentado nela é análogo ao que foi apresentado, também em forma de coluna, nos demais documentos, porém com outro nome: “Interações Desejadas”. A oposição criada a partir dessas escolhas nos permite (re) discutir o papel do professor frente às questões de linguagem e do trabalho. Retormando o que Tardif e Lessard (2013) propõem como trabalho humano desenvolvido pelo docente: “Componentes como o calor, a empatia, a compreensão, a abertura de espírito, etc., constituem, então, os trunfos inegáveis do trabalho interativo” (p. 33). Ao nosso ver, num gesto interpretativo, podemos inferir que a opção por utilizar Atividades e Ações investe numa constituição do ser-sujeito do docente em incitar e conclamar outros artifício com vistas a legitimar sua prática junto aos alunos, tomando portanto o binômio Atividades/Ações como algo único e exclusivo de sua responsabilidade. O que, de certa forma, desconsidera os componentes discutidos por Tardif e Lessard (2013). Parece-nos, portanto, que neste jogo de palavras, o discurso instaurado, a partir deste recorte, sugere

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que o campo “Interações Desejadas” considera outros fatores importantes na constituição do trabalho docente:

Quadro 4. Escolha lexical “Interações Desejadas”

Deste ponto de vista, que foi realizado pela maioria, percebemos um forte apelo com certa aproximação à interação com o Outro, o qual, embora esteja inscrito na fase infantil e, principalmente, no campo educacional conclama por Interações. Não é que os léxicos “Atividades/Ações” estejam, necessariamente, desvinculados do pressuposto interacional, mas de uma maneira mais clara e menos tácita estamos diante de algo mais claro e visível, parece-nos que o sintagma nomina “Interações Desejadas” se mostra mais elucidado. Há também no vocábulo “Desejadas” a marcação de um sujeito. Neste caso, personificado pelas professoras, mas elevado ao nível de sujeito quando falamos em discurso. Sugestionados nesta escolha lexical estão os componentes do trabalho docente, elaborados por Tardif e Lessard (2013): “calor, empatia, compreensão, abertura de espírito (p.33).” Outra dicotomia, sugerida pelos gestos seletivos, se dá pelo estabelecimento de uma pequena ruptura de paradigmas que, para nós, também apresenta outro fato crítico, principalmente do ponto de visto analítico. Isto porque estamos diante de uma confusão genérica e de concepção de atividade. Nomear é uma ação constante dos seres humanos, até para que possamos dar existência a determinado ser e/ou objeto. Dito isto, queremos trabalhar com o binômio “Organização do Trabalho Pedagógico” e “Plano de Trabalho do Professor”, os quais apareceram como fatores diferenciais de estilo na composição do gênero discursivo PTD:

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Quadro 5. Escolha lexical “Plano de Trabalho do Professor”

De todos os PTDs analisados, apenas 20% do montante inscreve no documento o termo Plano de Trabalho do Professor, os demais optam por chamá-los de “Organização do Trabalho Pedagógico”. Há uma diferença substancial do ponto de vista enunciativo e constitutivo deste documento quando optamos por nomeá-los da primeira maneira apresentada aqui ou da segunda. O fato é que estamos diante de um movimento incongruente de formações discursiva. Ao lançarmos mão de uma generalização pedagógica, muito comum nos campo educacional, estamos, de certo modo, tentando criar uma distância de responsabilidade do sujeito frente à situação enunciativa instaurada. Isto se dá porque a Organização do Trabalho Pedagógica classifica vários processos constitutivos do fazer docente, mas não dá conta de delimitar o documento que deve ser apresentado à instituição à qual está vinculado. A Lei 9.394/96 estabelece e prescreve um nome para o documento apresentado: “Artigo 13º Os docentes incumbir-se-ão de: [...] elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino”. Dessa forma, temos uma primeira força para a utilização de um nome mais definido em oposição a um mais genérico. Um dos fatores que, talvez, possam influenciar a escolha de uma generalização em detrimento de uma especificação, é a ausência do sujeito no discurso, que, neste caso, deveria ser essencialmente profissional. Contudo, Padilha (2001) afirma que é necessária a tomada de consciência de que o fazer docente está imbricado com uma ação engajada e, portanto, o nome Plano de Trabalho do Professor instaura esse sujeito discursivo marcado por uma expressividade e refuta uma possível tentativa de mascarar o trabalho do docente como algo isento de subjetividade.

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Uma última característica estilística, mas não menos importante, é a aparição de elementos decorativos nos PTDs que compõem nossos corpora. Consideramos, neste item, decorativos os acessórios instados pelas professoras na produção desse documento, a saber: Bordas, desenhos, plano de fundo figurativos, cores e fontes pouco formais. Temos, portanto, os seguintes resultados:

Quadro 6. Escolha lexical “Elementos Decorativos”

É expressivo o número de PTDs que apresentam elementos decorativos. O montante de 80% revela um conflito discursivo, principalmente no que se refere ao contexto. Estamos numa formação discursiva que está perpassada por uma questão extremamente formal: o ambiente de trabalho e a força da prescrição, advinda de uma Lei Federal, que requer a elaboração de um documento. A produção de gêneros discursivos não está ao largo da sociedade, pelo contrário, ele só é legitimado quando perpassado por alguns elementos contextuais: a história, a sociedade e a ideologia. Neste caso, podemos apreender que, um discurso mais formal e do mundo do trabalho parece rechaçar tais elementos que, aqui, denominamos como decorativos. No âmbito da legalidade e da prescrição não parece ser comum encontrarmos, por exemplo, em Fóruns, Indústrias, Empresas, etc., uma marcação de tamanha subjetividade, pelo menos uma que se expresse por meio de marcações pictóricas de tendências decorativas. Não é nosso objetivo, é claro, discorrer a respeito do certo e do errado a respeito deste item, mas de propor uma discussão enviesada pelo contexto: é ou não é adequado? Desta forma, o que podemos entender que a necessidade de se firmar com uma identidade social: educação infantil, talvez os elementos pictóricos sugiram uma tentativa de aproximação desse universo tão denso e complexo, o infantil.

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1.2.3. Entre forma e estilo: uma questão didática Outrossim, discutidos a forma e o estilo, é preciso apreender este gênero, aqui discutido, a partir de comparações genéricas, instadas neste trabalho, com o que se tem produzido socialmente no campo epistemológico da didática a respeito dos PTDs. Queremos, neste momento, estabelecer algumas características propostas por Libâneo e de algumas considerações constitutivas dos corpora de nossa pesquisa: Tabela 3. Características didáticas dos gêneros

Características apontadas por Libâneo

Estão presentes nos PTDs analisados?

(2008, p. 232) Roteiro organizado das unidades didáticas?

Sim, é organizado por unidades didáticas.

Para um ano ou semestre?

Sim, semestral.

É denominado Plano de Curso ou Plano de

Não, a maioria nomeia como Organização

unidades didáticas?

do Trabalho Pedagógico

Justificativa da disciplina em relação aos

Não há presença de justificativas.

objetivos da escola? Objetivos Gerais?

Não há presença de objetivos gerais.

Objetivos Específicos?

Não há presença de objetivos específicos.

Conteúdo com a divisão temática de cada

Sim, está dividido em campos de

unidade?

experiências.

Tempo provável?

Sim, no campo “Tempos pensados”.

Desenvolvimento metodológico?

Sim, a grande maioria nomeia como “Interações Desejadas”.

Ademais, é preciso notificar que em suas considerações didáticas, Libâneo (2008) não está preocupado em enrijecer ou fixar elementos constitutivos de um PTD, inclusive ele dá outro nome, que é análogo, mas diferente. Contudo, é uma grande referência quando estamos tratando deste assunto, uma vez que ele erige componentes essenciais e indispensáveis na produção deste documento. Embora não sejam características fixas, verificamos que, nos PTDs analisados, faltam informações importantes e que denotam, por parte do docente, certo comprometimento com um discurso engajado: objetivos gerais,

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específicos e justificativas. Trataremos dessa ausência no subitem Conteúdo, em que a explicitação de alguns fatores corroboram para a anulação dessa presença importante. 1.2.4. O Conteúdo: Cuidar de Si Concatenados a todas as questões ora apresentadas, estão os conteúdos que, em grande parte, têm muito a nos dizer a respeito da construção de sentidos nos planos de trabalho. Contudo, como já foi dito, nosso recorte metodológico se dá no âmbito do Aprender a Ser e, especialmente, o aspecto tópico “Cuidar de Si”. Foi-nos aqui mostrado que, segundo Luckesi (2003), cuidar de si compreende, entre outros fatores, o exercício da convivência, o qual abarca, para além de outras aprendizagens, aquela que chamamos de “Aprender a ser” e outra análoga “Aprender a conviver”, sendo estas duas últimas constantes no relatório entregue por Delors à UNESCO. Nesse sentido, pudemos observar, nos PTDs que serviram de corpora para este trabalho, o item Cuidar de Si ligado a um “Campo de Experiência” e ao subitem “Experiência Priorizada”. Sendo que, dos planos analisados, apenas um não apresenta algo relacionado ao tópico tratado nesta seção. Dessa forma, chegamos à seguinte recorrência semânticodiscursiva presente nos PTDs: Tabela 3. Cuidar de si é igual a Cuidar de Si é igual a

%

Higiene

50

Cuidado Pessoal

50

Neste caso, temos uma direção discursiva que nos aponta o “Cuidar de si” dentro de uma esfera ligada ao próprio sujeito e seu direcionamento constitutivo em um mundo que exige dele e dos demais determinados comportamentos que excluem outros processos importantes dentro do recorte “Cuidar de Si”. No item léxico-semântico “Higiene” as aprendizagens pensadas nos PTDs estão associadas a ações diárias: escovar dentes, tomar banho e assear-se de uma maneira mais abrangente. Ao passo que, em “Cuidado Pessoal”, temos outro campo de sentidos: vestirse, desnudar-se, reconhecer situações de perigo e noções básicas de produtos que não devem ser ingeridos ou restritos às crianças. Aqui, esbarramos em três grandes questões que foram discutidas em nossas considerações teóricas. A primeira diz respeito à concepção de infância que é convocada a

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fazer parte de um núcleo discursivo dos professores enquanto elaboradores de um PTDs. Neste ponto de primazia, nossa análise convoca uma discussão importante: nos PTDs capturamos uma relação entre adulto e criança, na qual aquele que exerce determinado constituído discursivamente é o professor. A criança, neste caso, é assujeitada a uma visão de desenvolvimentista e, ao mesmo tempo imbricada a uma tentativa, ainda que momentânea, de tentativa de tornar social o que, para os educandos, já é um direito: “o direito de ser sujeito de direitos”: Então, onde estão a inquietação, o questionamento e o vazio, se a infância já foi explicada pelos nossos saberes, submetida por nossas práticas e capturada por nossas instituições, e se aquilo que ainda não foi explicado ou submetido já está medido e assinalado segundo critérios metódicos de nossa vontade de saber e de nossa vontade de poder? (LARROSA, p. )

Vemos que as crianças são vistas como aquelas que, para acessarem ao mundo da convivência precisa estar alinhada a alguns preceitos normativos de determinada sociedade: aprender a conviver com os perigos e valorizar a higiene pessoal como sendo algo indispensável à manutenção da vida social. Contudo, poderíamos dizer, a priori, que “Cuidar de Si” está restrito, primeiramente à visão de infância que o adulto – professora – tem sobre seus alunos. Uma visão ainda marcada por uma contingência biológica: crianças não sabem o que é higiene e nem sabem viver com perigos e, portanto, para cuidarem de si, necessitam saber e estar atentas a essas duas microvisões. Não queremos, de maneira alguma, advogarmos no sentido de que a higiene e o cuidado pessoal sejam dispensáveis, mas asseverar que estes dois princípios, arraigados em uma concepção biologicamente marcada, não consegue dar conta de outros aspectos que os vocábulos “Cuidar de Si” representam numa proposta em que “Aprender a Ser” assume responsabilidades importantes no mundo atual. Uma segunda questão é a observância de que “Cuidar de Si”, nos PTDs, não conseguem avançar para outros aspectos constitutivos de um sujeito, como, por exemplo, as dimensões pessoais e interpessoais, explicitadas neste trabalho a partir de Zabala (2010) e sugeridas a partir de conteúdos. A primeira dimensão, ainda que aparentemente seja suprida no binômio higiene e cuidados pessoais, não traz consigo elementos outros de cuidado de si: liberdade e, principalmente, de cooperação (ZABALA, 2010). Cooperar, de certo modo, é garantir um cuidado de si, uma aprendizagem do Ser e para Ser, além de instaurar uma ideia constitutiva de sujeito e, mais do que isso, sugere uma demarcação desta criança como sujeita de direito. A terceira questão diz respeito às construções linguístico-discursivas, a qual está enviesada por uma discussão bifrontal: Políticas Públicas e de Interdiscurso. Sobre a

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primeira frente, vimos na exposição histórica que fizemos da Educação Infantil neste trabalho e todas as passagens foram marcadas por rupturas que surgiam a partir de demandas e pressões sociais. No caso específico da cidade de São Paulo, estamos lidando com um contexto de políticas públicas inteiramente ligado a uma tentativa de legitimação e de afirmação de um papel docente. A mudança, como vimos, de gestão hierárquica de Secretaria a que foram submetidos os CEIs resultou em avanços e, por assim dizer, em grandes questionamentos. Na busca pela construção de uma identidade educativa, documentos como as “Orientações Curriculares e Expectativas de Aprendizagem da Educação Infantil” se fizeram, e ainda se fazem, necessárias para, como o próprio nome diz, orientar o trabalho nestes espaços, mas nunca e jamais verticalizar e instituir práticas unívocas. É justamente neste ponto que entramos na segunda fronte desta terceira questão, a Interdiscursividade nada mais é do que: “Todo discurso é atravessado pela interdiscursividade, tem a propriedade de estar em relação multiforme com outros discursos, de entrar no interdiscurso. Esse último está para o discurso como intertexto está para o texto. (CHARAUDEAU, P.; MAINGUENEAU, D, 2008, p. 286).

Fazendo um paralelo rápido com as “Orientações Curriculares e Expectativas de Aprendizagem para a Educação Infantil, documento fruto de políticas públicas diversas e instituído no âmbito da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo”, e os PTDs aqui analisados, conseguimos estabelecer uma relação de interdiscursividade. Isto porque é possível estabelecer mais do que proximidades entre o documento supracitado e os PTDs, é possível visualizar cópias fiéis de uma política pública que deveria ser tomada, a priori, como indicador de norte e não de prescrição verticalizada: Ao longo de sua experiência cotidiana no CEI, creche ou EMEI, as crianças necessitam: apropriar-se de hábitos regulares de higiene pessoal (interessar-se por lavar as mãos, limpar o nariz sozinho, escovar os dentes com cuidado, usar corretamente os materiais necessários para sua higiene, ter as mãos e o rosto limpo em certas ocasiões), perceber a vontade de ir ao banheiro e ter progressivo controle de esfíncteres, aprender a executar movimentos colaborativos ao vestir-se ou desnudarse (como colocar (ou tirar) os sapatos, (des) abotoar-se, etc.), a comer sem ajuda e usar talheres adequadamente, a escolher o que quer comer ao servir-se de comida e a expressar preferências em relação a cheiros e paladares (SME, 2007, p. 46).

As palavras que, neste trecho foram citadas no referido documento, constam nos PTDs de maneira reproduzida, exatamente igual, o que nos leva a pensar no papel dos planos e, principalmente, dos professores como mediadores de aprendizagem, na medida em que eles apenas copiam trechos para algo que balizará suas ações docentes, existe aqui, também, muito mais do que interdiscurso, uma relação pouco questionadora e, ao

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mesmo tempo, de negação do contexto e da realidade de seus alunos, uma vez que, sendo as Orientações Curriculares norteadoras, elas pressupõem adequações às múltiplas realidades encaradas pelos CEIs na megalópole cidade de São Paulo. Neste ponto linguístico-discursivo, a teoria que mobilizamos como filiação teórica e de análise, nos fornece elementos importantes que julgamos necessários discutir nesta monografia. Para além da imbricação análoga de Política Pública e Interdiscurso estão as aforizações, que consistem, segundo Maingueneau (2010), em enunciados que recebem destaques de um texto por sua própria natureza ou por um texto: Todo gênero de discurso define duas posições correlativas, de produção e de recepção, em interação e especificadas pelas restrições da cena genérica. O que faz com que possamos falar de “papéis”. Poderíamos também dizer que na textualização não nos relacionamos com Sujeitos, mas com facetas, aquelas que são pertinentes para a cena verbal, onde a responsabilidade do dizer é partilhada e negociada. Na enunciação aforizante, em contrapartida, não há posições correlativas, mas uma instância que fala a uma espécie de “auditório universal” (Perelman), que não se reduz a um destinatário localmente especificado: a aforização institui uma cena de fala onde não há interação entre dois protagonistas colocados num mesmo plano (p. 13)

Desta forma, temos nos PTDs algo que, primeiramente, nos chamou a atenção: as frases e palavras que se repetiram de igual modo em todos os corpora selecionados e que suscitou de nossa parte verdadeira inquietação: sendo o PTD um documento elaborado pelo próprio professor: como reiterada vezes os conteúdos e palavras se repetem de maneira inalterada? Podemos observar no excerto acima que, numa perspectiva discursiva, a interação que é instaurada por essa “cópia” é, portanto, um modo de interação, ainda que, do ponto de vista do trabalho docente, seja sumariamente questionável, porque: “Não basta constatar que certas frases foram destacadas de um texto: deve-se considerar também como elas se apresentavam antes do destacamento. Frequentemente, de fato, é o textofonte que apresenta tais ou quais de seus fragmentos como destacáveis (MAINGUENEAU, 2014, p. 13)”. Nesse sentido, entendemos como partes aforizantes os seguintes sintagmas extraídos dos PTDs, os quais também constam no trecho supracitado das Orientações Curriculares:

Hábitos regulares de higiene [...]

Vestir-se, desnudar-se, tirar e colocar sapatos [...]

Noções básicas de perigo [...] Quadro 7. Aforizações

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Por fim, tais aforizações revelam, além da interdiscursividade, uma relação comprometida do ponto de vista funcional que é estabelecida entre o professor, como profissional de uma Instituição de Educação, e o seu trabalho propriamente dito, que se inicia na prescrição da Lei, que exige dele um PTD e, depois, no nível da planificação, que, como foi mostrado, se revela precário, no sentido de que o professor não cria, apenas copia, sem, nem ao menos, ressignificar o conteúdo selecionado.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Empreender uma análise discursiva requer, daquele que a isso se propõe, sérios comprometimentos dos pontos de vistas linguístico, ideológico e, sobretudo, epistemológico. Neste trabalho, o desafio se constitui, primeiramente, porque este curso, embora tenha uma gênese interdisciplinar, está alicerçado no âmbito da Educação e, por isso mesmo, propor um trabalho tendo como base os pressupostos linguístico-discursivos é, por si só, um desafio incalculável. É-nos, de igual modo, desafiador analisar um documento que, na maioria das instituições escolares, é deixado de lado e entendido como mero fazer burocrático, o que descaracteriza seu valor constitutivo na ação docente e renega a prescrição normativa de uma Lei Federal que o institui como sendo obrigação do professor. Nesse encadeamento desafiante, temos o fato de que, como vimos nas considerações teóricas, a Educação Infantil, e a creche em especial, sempre esteve à margem daquilo que entendemos por educação básica e como direito da criança. É uma luta que remonta tempos históricos e que, no Brasil, ainda está engatinhado, se olharmos a partir de uma perspectiva temporal. As pressões de órgãos internacionais e de leis sancionadas em nosso país têm feito como que políticas públicas consigam ver, na Educação Infantil, um lócus singular de aprendizagem e de constituição de direitos e deveres dos sujeitos ainda em tenra idade. Explicitados os desafios empreendidos pelo autor deste trabalho, partimos para uma discussão de ordem prática. Nossa pesquisa se preocupa em trabalhar com um documento prescritivo como um gênero discursivo e, portanto, com implicações sócio-históricas de seu contexto de produção. Conseguimos, nesta monografia e a partir dos dispositivos analíticos, enfrentar este documento, geralmente esquecido e confundido com Planejamento, como um gênero do discurso porque, como vimos na análise, ele remonta vários dos preceitos que, hoje, entendemos ser um gênero. É preciso dizer que, neste ponto, a diferenciação entre o Planejamento, esfera macro, e o Plano, esfera mínima, necessita de maior atenção porque estamos diante de processos de produções análogos, mas diferentes. Acreditamos que, quando o docente, compreender que o registro é parte constituinte de seu trabalho e não meramente reprodutivo, podemos ter avanços qualitativos na educação de um modo geral.

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Além disso, foi possível constatar que, dos níveis apresentados na imbricação entre linguagem e trabalho docente, ele está fortemente ligado ao prescritivo e ao planificado, que se movem na ação do professor como aqueles que unem e produzem resultados diversos ao longo das práticas. Ademais, é notório que o contexto de luta e de exclusão, no qual estão inseridos todos os atores discursivos da Educação Infantil, produz para o campo epistemológico educação verdadeiros contratempos, porque, na Creche especialmente, a cisão entre o que é trabalho docente e o que é constituição histórica do que é cuidar produz documentos oficiais, como os PTDs, marcados por uma característica pouco reflexiva, uma vez que, como observamos na análise, a cópia e a pouca atenção dada à planificação se revelam como destruidoras de etapas importantes do Planejamento, como, por exemplo, a explicitação diagnóstica, dos objetivos e das justificativas. Outrossim, no que diz respeito à nossa primeira hipótese, que foi avençada no início de neste trabalho, podemos asseverar que ela se confirma na medida em que foi possível constatar o fato mormente destacado de que a ausência de conhecimento do que é “Aprender a Ser”, especialmente do “Cuidar de Si”, pode produzir distorções na prática de professores. Isto porque entendemos os PTDs, produzidos e assinados pelos próprios docentes, como sendo parte integrante de suas práticas. As distorções são dadas por meio de duas constatações. A primeira é o desconhecimento teórico do que é “Cuidar de Si”, entendido de maneira bilateral e encerrada a partir de dois eixos, que embora se apresentem como sendo participante deste conteúdo, não consegue dar conta a extensão maior que interpela conteúdos dentro de uma acepção macro, a que chamamos “Aprender a Ser”. Ainda no campo das distorções, percebemos que o fazer reflexivo do professor é tolhido por um documento institucional, as Orientações Curriculares e Expectativas de Aprendizagem, que, para eles, não se mostram como sendo um norte, mas uma verdade a ser acolhida e copiada sem qualquer método seletivo ou de adequação às realidades por eles vivenciadas. De igual modo, a produção do documento PTD, propriamente dita, se revela pouco formal, o que pode sugerir questionamentos do ponto de vista legal, uma vez que esta produção está notadamente prescrita em uma Lei. É bem verdade que não é nosso interesse prescrever modelos de formalidades para este gênero, mas dizer que, do ponto de vista discursiva, há uma quebra e desconstrução de um contexto no qual ele deveria se

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apresentar: relações de trabalho pressupõem formalidade e, no mínimo, consciência ética e estética do objeto produzido. Da ética, queremos fazer um recorte funcional da cópia, entendida aqui como interdiscurso. É comum enxergarmos nos PTDs referências bibliográficas que remetem um mínimo de cuidado com o discurso citado/produzido no âmbito deste documento. Nos que nós analisamos não encontramos a presença, mais do que devida, desses referenciais, o que configura, além de desconhecimento, pouco comprometimento com o nível planificado do trabalho docente. Além disso, percebemos a inabilidade, discursivamente mostrada, de estabelecer paralelos entre teoria e prática, dado que os professores possuem em suas jornadas momentos de formação contínua. A segunda hipótese, abarcada neste trabalho, não pôde ser legitimada porque residia no fato de que, inicialmente, acreditávamos que o Aprender a Ser e os conteúdos atitudinais, recortados aqui pelo viés do “Cuidar de Si, apareciam de maneira parcial ou inexistente nos PTDs de professores de Educação Infantil. A não constatação deste fato se deu porque, numa análise primária, os planos por eles entregues à escola estavam, praticamente, marcados no que chamamos em nossas considerações teóricas de conteúdos atitudinais. Parece-nos que, neste ponto, a Educação Infantil está bem à frente de outras etapas da educação básica, uma vez que a conjugação da infância e de seus múltiplos processos constitutivos corroboram para a legitimação de processos educativos que envolvam os conteúdos atitudinais como norteadores de ações docentes. Mesmo havendo a constatação de que o “Cuidar de Si” se dê de maneira pouco explorada, a parcialidade não se concretiza porque, em todos os PTDs, a presença inequívoca de conteúdos atitudinais é suficiente mostrada na superfície linguística. Por fim, os objetivos lançados para este trabalho foram alcançados porque conseguimos realizar uma discussão, ainda que mediados por um viés linguístico-discursivo, sobre o PTD como um gênero do discurso de domínio do trabalho docente e do “Aprender a Ser”, entrecortado pelo “Cuidar de Si” como elemento analítico de discursos constituintes de professores de Educação Infantil. Sendo a natureza deste trabalho múltipla, pois, como sabemos, uma parte dele foi produzido a quatro mãos, ensejamos dizendo que não é nossa finalidade esgotar as discussões que possam gerar o que aqui se propôs, mas oportunizar momentos outros de (re) direcionamento de olhares a fim de que as análises e as considerações depreendidas desta monografia se somem ao universo das Ciências da Linguagem e da Educação como forma de produção de conhecimentos, principalmente de aqueles ligados à atuação docente.

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ANEXOS

Planos de Trabalho Docente

Anexo 1

Anexo 2

Anexos @

Anexo 4

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