Entre orquídeas e bichos-de-pé: Saint-Hilaire, civilização e a natureza da Estrada Real. Apresentação no XIV Encontro Regional de História (ANPUH-MG). Juiz de Fora, 2004.

August 4, 2017 | Autor: Guilherme Luz | Categoria: Brazilian History, Naturalism, Colonial Brazil, French Voyagers, Auguste De Saint-Hilaire
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Entre orquídeas e bichos-de-pé: Saint-Hilaire, civilização e natureza na Estrada Real Guilherme Amaral Luz Doutor em História pela UNICAMP Professor e Coordenador do Curso de História da UNIVALE

Na tradição historiográfica brasileira, falar de viajantes “estrangeiros” no Brasil é, quase sempre, falar de uma “fonte preciosa” de informações sobre a realidade do passado, através de lentes, se não descompromissadas com os projetos políticos relativos a ele, marginais em relação às práticas hegemônicas que visam à condução de seu devir histórico, seja como uma peça do Antigo Sistema Colonial, como parte do reino luso ou como nação independente. A própria noção de “estrangeiro” pressupõe uma contraposição do olhar “externo” do viajante em relação ao olhar “interno” das autoridades e elites intelectuais lusas ou brasileiras a respeito do projeto que chamamos hoje de Brasil1. No campo específico das políticas ambientais, tal contraposição (ou ao menos falta de conexão) também se manifesta, ainda que nas mais sofisticadas análises recentes sobre a crítica ambiental desenvolvida no mundo luso-brasileiro2. De fato, nos parece razoável entender que o lugar de enunciação (inclusive nacional se pensamos no contexto oitocentista) funda interpretações relativamente diferenciadas em relação a um mesmo objeto; no entanto, limitar o horizonte da crítica ambiental às fronteiras entre nações ou tipos de nações, que coexistem ou se formam no início do século XIX, não se apresenta como um caminho adequado. Afirmamos isso não somente porque as várias nações oitocentistas passavam por processos semelhantes relativos a constituição de saberes sobre a natureza3 e sua interferência sobre as práticas políticas, como também porque estes saberes eram formulados em cooperação entre as nações4.

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Paradigmático nesse sentido é o texto: OBERACKER, Carlos. ‘Viajantes, naturalistas e artistas estrangeiros’. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. História Geral da Civilização Brasileira, tomo II, v. 1, São Paulo: Difel, 1985. pp. 119 – 131. 2 Nos referimos aos trabalhos de José Augusto Pádua sobre a crítica ambiental entre fins do século XVIII e o século XIX. Nesses, o autor trabalha exclusivamente com obras do mundo intelectual luso-brasileiro sem fazer referência, ainda que para efeito de comparação, aos viajantes estrangeiros que estiveram no Brasil. 3 Tais modificações operam não somente no campo científico, mas na própria sensibilidade em relação ao mundo natural. É interessante notar que, mesmo trabalhando com essas mudanças no contexto inglês, Keith Thomas não raramente em seu texto se reporta a processos semelhantes na França, na Baviera e na Áustria, por exemplo. Ver:

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Analisando os escritos do naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire, como exemplar típico desses viajantes oitocentistas no Brasil, Lorelai Kury introduz um conceito que nos parece bastante adequado para se perceber a cooperação entre as nações na busca pela construção de um saber sobre a natureza que fosse útil à civilização. Trata-se do conceito de troca filantrópica. Para entendê-lo é preciso fazer, em primeiro lugar, a distinção ilustrada entre as nações civilizadas (as que promoviam o progresso da ciência como um modo de melhorar o bem-estar da humanidade e aumentar a glória da nação) e as não totalmente civilizadas (aquelas cujas práticas empregadas para o bem-estar são pautadas pelas formas empíricas tradicionais). Das nações não totalmente civilizadas, como o Brasil, as civilizadas, como a França, poderiam receber um vasto campo de observações capazes de colaborar para o acúmulo do conhecimento naturalista sobre o globo. Por outro lado, das nações civilizadas, as não totalmente civilizadas poderiam receber o resultado do conhecimento científico sobre a sua natureza, aproveitando-o na promoção do seu bem-estar. Nisso consiste a troca filantrópica, resultado de uma classificação hierárquica das nações em relação ao seu estágio de civilização e de um objetivo compartilhado entre elas de ver expandido o domínio da própria civilização universal, entendida como promoção do bem-estar via conhecimento científico e uso racional dos recursos da natureza5. No final do século XVIII e início do XIX, o Brasil, assim como, em certa medida, Portugal, não desfrutava do status de um povo civilizado. Se, em Portugal, as reformas pombalinas, sobretudo a da Universidade de Coimbra, visavam introduzir a nação lusitana entre aqueles que se destacavam pela confluência entre a administração pública e o saber científico de tradição racionalista e ilustrada; no Brasil, tal introdução é bem mais tímida e só passa a ser percebida com maior visibilidade a partir de 1808, quando da fuga da família real portuguesa para o seu território6. No campo do saber naturalista, as primeiras tentativas portuguesas de compreender o Brasil sob o ponto de vista científico e ilustrado remonta às viagens filosóficas da segunda THOMAS, Keith. O homem e o mundo natural: mudança de atitude em relação às plantas e aos animais, 15001800. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. 4 Um argumento simples que justifica a idéia de que os saberes sobre o mundo natural deveriam ser produzidos em cooperação internacional é a própria necessidade de se constituir um léxico livre de línguas nacionais e fronteiras regionais capaz de ser utilizado para classificar os entes da natureza. Esse léxico é o que fornece o sistema taxinômico de Lineu a partir do século XVIII. 5 Ver: KURY, Lorelay. Auguste de Saint-Hilaire, viajante exemplar. In: Intellèctus, Rio de Janeiro, ano II, nº 1, 2002. 6 Não nos parece coincidência, nesse sentido, que o idealizador do deslocamento da Família Real para o Brasil seja exatamente um intelectual da ilustração portuguesa ligado ao circulo de Vandelli e ao saber naturalista desenvolvido na Universidade de Coimbra: o ministro Rodrigo de Souza Coutinho.

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metade do século XVIII, como a de Alexandre Rodrigues Ferreira, por exemplo. As viagens filosóficas compunham uma estratégia de Estado, que as articulava à criação de universidades e centros de ciência, financiamentos de viagens e políticas de atração de sábios. Sua intenção era conhecer as possessões ultramarinas para melhor explorá-las economicamente, o que significava, em primeiro lugar, recolher e processar informações a respeito de seus recursos naturais. Tais estratégias ligavam-se diretamente a ações políticas da Secretaria de Estado da Marinha e Negócios Ultramarinos e eram mantidas, do ponto de vista científico, sob o controle normativo da Academia de Ciências de Lisboa e da Universidade de Coimbra, ao redor do círculo intelectual formado em torno da figura de Domingos Vandelli. As viagens filosóficas do século XVIII correspondiam ao ideal ilustrado de aproveitamento econômico dos recursos naturais através do domínio científico dos mesmos em um momento em que a crise da mineração impunha a Portugal buscar alternativas econômicas para a colônia7. José Augusto Pádua demonstrou como se formou, ao redor de Vandelli e dos círculos intelectuais da Universidade de Coimbra, uma elite política ilustrada na colônia, responsável pelo início da crítica ambiental a respeito da destruição da mata atlântica. Inspirada pelas teorias da economia-política liberal e pelos avanços científicos do século XVIII e início do século XIX, esta elite intelectual defendia, antes de uma preservação da natureza pelo seu valor intrínseco, uma utilização racional de seus recursos que permitisse o seu aproveitamento pleno para o progresso material, sem comprometer a preservação dos recursos para as gerações futuras. Dentre esses intelectuais, destacava-se José Bonifácio Andrada, figura central do processo de constituição do Império Brasileiro e um arauto da utilização racional e científica do potencial natural do Brasil. Ainda que políticas efetivas de preservação da natureza não tenham sido adotadas em peso naquele momento no Brasil – o que pode se explicar pela própria crítica que as teorias ambientais traziam em relação à escravidão – formou-se, claramente, ao redor do poder do Estado um grupo altamente influente de críticos ambientais que surgiam como vozes de um projeto civilizatório atento às condições ambientais capazes de alavancar ou emperrar o progresso da nação8. Warren Dean, em artigo publicado na revista Estudos Históricos, defende que, depois da vinda da Família Real Portuguesa para o Brasil e ao longo do Império, intensificaram-se as

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Ver: COSENTINO, Francisco Carlos. “Política e viagens científicas na América Ibérica”. In: Cronos: revista de História, n. 7, 2003. pp. 153 – 182. 8 Ver: PÁDUA, José Augusto. Um sopro de destruição (pensamento político e crítica ambiental no Brasil escravista 1786 – 1888), Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002.

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estratégias econômicas lideradas pelo Estado na direção da aclimatação e domesticação de plantas de valor comercial/econômico. Nesse caminho, teriam sido criados Jardins Botânicos no Brasil e incentivadas as expedições científicas de viajantes estrangeiros ao interior “selvagem” do Brasil, como nos casos exemplares de Spix, Martius e Saint-Hilaire9. Podemos, assim, perguntar: não estariam as expedições de naturalistas estrangeiros ao Brasil interligadas às concepções ilustradas de crítica ambiental que se desenvolveram no âmbito intelectual e político das elites ligadas à corte do Rio de Janeiro? Será que a troca filantrópica não funcionaria como ingrediente capaz de colaborar com a crítica ambiental luso-brasileira em um projeto político de aproveitamento civilizado dos recursos da natureza brasileira? Nossa hipótese é a de que sim, o que pode ser visualizado nos escritos de Saint-Hilaire sobre suas viagens pela Estrada Real. Seus escritos são construídos através da contradição da riqueza natural do Brasil com as rústicas práticas das populações humanas que o habitam e que, com ela, interagem. No texto de Saint-Hilare, no entanto, o aproveitamento racional da natureza do interior do Brasil aparecerá como uma utopia distante, lançada como a imagem negativa da barbárie encontrada nas ruínas do ouro e dos diamantes. Em nota preliminar à sua Viagem pelo Distrito dos Diamantes e Litoral do Brasil, Saint-Hilaire refere-se, com grande pessimismo, às populações que habitam o interior do Brasil e as cidades litorâneas que se distribuem entre Rio de Janeiro, Recife e “Bahia” (Salvador). Para ele, nas grandes cidades é possível que tenha havido um grande avanço em relação ao tempo em que estivera no Brasil, fruto das ações políticas entre a chegada de D. João VI e a abdicação de Dom Pedro I. No interior, diria Saint-Hilaire, a instrução seria tão pouco difundida que o “novo estado de coisas” não poderia ter qualquer influência sensível. No final, todavia, afirma que já se daria por contente caso seus trabalhos possam ter sido úteis às ciências10. Esse trecho inicial revela, em primeiro lugar, que Saint-Hilaire compartilha das ações políticas da corte do Rio de Janeiro enquanto estava no Brasil e acredita da sua correção para introduzir o Brasil no mundo civilizado. O limite dessas ações, no entanto, estaria na rudeza da população que se encontra fora dos grandes centros urbanos do litoral que, antes da ação civilizatória da corte, não seria tão diferente assim do restante do Brasil11. Ao longo de

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Ver: DEAN, Warren. A botânica e a política imperial: a introdução e a domesticação de plantas do Brasil. In: Estudos Históricos, vol. 4, n. 8, 1991. pp. 216 – 228. 10 SAINT-HILAIRE, Auguste. Viagem pelo Distrito dos Diamantes e Litoral do Brasil, Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de Sã Paulo, 1974. p. 11. 11 Menos otimista em relação à maneira de se encarar as grandes cidades do Brasil é a versão de viajantes estrangeiros da segunda metade do século XIX como, por exemplo, Charles Ribeyrolles. Esse autor, de fato,

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todos os seus textos de viagem esta imagem pessimista do interior do Brasil se repete, dando um tom ressentido à narrativa. Sua contraposição é o ideal científico de domesticação do mundo natural visualizado nas viagens e evidenciado pelas cores de uma paisagem pitoresca. Um exemplar paradigmático da contraposição entre o ressentimento de Saint-Hilaire quanto à possibilidade civilizatória do interior do Brasil e o deslumbre frente o reservatório de plantas e animais “a espera” de serem classificados e estudados encontra-se na sua Segunda Viagem do Rio de Janeiro a Minas Gerais e a São Paulo (1822). Nela, toda sua descrição das populações adjacentes a Serra da Mantiqueira, sobretudo à altura de Aiuruoca, pauta-se em contrapontos à beleza das flores, matas e paisagens pitorescas experimentadas ao longo do percurso pela Serra. Vejamos o seguinte trecho:

Depois de descer uma encosta pedregosa e difícil, chegamos à fazenda onde devíamos pousar. Fica situada numa baixada e cercada de capoeiras e pastagens. Embaixo passa um regato margeado por árvores e arbustos, entre os quais se distingue o pão dove (...), de belas espículas de flores de um amarelo-dourado, e o pinheiro-doparaná, com sua forma pitoresca e majestosa. Um filete de água fresca e límpida, desviada do ribeirão, passa em frente à casa do proprietário, que dele se serve. Esta habitação, apesar do pomposo nome de fazenda que se lhe dá, não passa de choupana que pode ser arrolada entre as mais miseráveis de todas onde parei desde o começo de minhas viagens12. Nesse trecho, a exuberância da natureza contrapõe-se à miséria material da “fazenda”, na verdade, uma pobre choupana. A áspera montanha e seu entorno natural ameno no qual desemboca prestam-se à construção de uma paisagem “majestosa” e “pitoresca”, ou seja, de uma “rudeza” aparente que se revela belíssima ao observador culto e letrado13. Ao ignóbil, contudo, esta natureza não demonstra qualquer valor e resta incompreendida. Em ambientes miseráveis como os deste trecho da viagem, Saint-Hilaire demonstra seu desagrado com a ignorância da população em relação à natureza. Quando chega a Baependi tendo recolhido várias plantas na Serra da Mantiqueira, o naturalista reporta-se à curiosidade da população ao vê-lo com suas amostras. Ironicamente, Saint-Hilaire refere-se às conjecturas daquela gente sobre a serventia das plantas, ficando a maioria com a hipótese de que seu uso seria para a reconhece, no Rio de Janeiro, o afastamento da natureza rude e selvagem pela sua urbanização; mas, ainda assim, vê a cidade como ainda carente das “luzes da civilização”. Ou seja, nesse momento, a cidade tropical é retratada como um “lugar sem rosto”, não sendo nem um ambiente selvagem nem tampouco civilizado. Ver, a respeito: CHACHAM, Vera. “Natureza e cultura na cidade tropical. Uma leitura de Brasil Pitoresco de Charles Ribeyrolles”. In: Varia Historia, Belo Horizonte, n. 24, 2001. pp. 107-125. 12 SAINT-HILAIRE, Auguste de. Segunda Viagem do Rio de Janeiro a São Paulo (1822), Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1974. p. 56. 13 Ver a noção de “pitoresco” que aparece em: THOMAS, Keith. O homem e o mundo natural...

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confecção de “padrões novos para chitas”. Em Baependi, Saint-Hilaire muda o tom de sua narrativa drasticamente em relação ao de sua “saudosa” passagem pelas “belas campinas percorridas entre S. João e Aiuruoca”, onde havia sempre “horizontes extensos”, “ar puro” e tantas “belas plantas” para se recolher. Em Baependi, Saint-Hilaire diz ser alojado em “um quarto onde precisa se passar para se chegar na sala” de uma casa onde “galinhas e porcos passeiam em plena liberdade”, fazendo-o sofrer com os “ataques das pulgas e bichos-de-pé”14. Para Saint-Hilaire a explicação para o estado de ignorância da população que encontra ao longo do percurso de suas viagens pela Estrada Real não se confunde com a índole ou a moral intrínseca da mesma. A explicação para a ignorância estética e irracionalidade do uso dos recursos naturais pelos brasileiros encontra-se nas diversas práticas econômicas e tecnológicas que se estabeleceram na região ao longo do tempo, refletindo políticas equivocadas de Estado e formas imediatistas de enriquecimento. Findados os recursos naturais da antiga mineração, a imagem que resta a Saint-Hilaire da população da Estrada Real é a decadência: lugares abandonados, de poucos núcleos populacionais, de população pobre e mestiça, vivendo da subsistência e próximos de regiões marcadas pelo desgaste do solo e das águas. Não são poucas as cenas de rios com margens repletas de cascalhos (ruínas da mineração) e de solos arenosos, onde a vegetação exuberante de outras passagens já não pode mais existir. Mais uma vez, pode-se exemplificar a ruína com uma passagem em Juruoca:

Achava-se outrora muito ouro nas margens do Rio Grande e nas do Rio Juruoca, e é um arraial de mineradores que a cidade deste nome deve origem. Hoje, não há mais lavras entre S. João e Juruoca e apenas se contam duas ou três de pouca importância nestes arredores. Segundo o que me disse o cura, as conjeturas que formava ontem sobre a população desta cidade estão perfeitamente fundadas. Não é habitada durante a semana senão por mercadores, operários e prostitutas15. No lugar onde havia os mineradores (lavradores de outrora), há agora mercadores, operários (escravos) e prostitutas... A imagem de decadência retratada por Saint-Hilaire e associada ao seu pessimismo quanto às possibilidades de “civilizar” o interior do Brasil tem poderoso efeito moral. A narrativa do viajante francês é carregada de ensinamentos ilustrados que alertam para os riscos de promover ações econômicas e políticas que não se pautem no seguro conhecimento científico sobre os recursos naturais. Escrevendo para a ciência, como 14 15

Idem pp. 63-64. Ibidem p. 53.

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um homem da ciência, Saint-Hilaire acredita ser porta voz da civilização. Seu olhar crítico e cético em relação às práticas rudimentares, superstições, crendices e políticas tradicionais de ocupação do território na região das Minas e adjacências elabora, narrativamente, um traçado para a Estrada Real que lhe transforma em uma triste ruína da ignorante exploração humana no meio de uma natureza riquíssima a ser ainda descoberta em suas propriedades estéticas e utilitárias. O serviço, assim, que o naturalista se vê prestando à ciência e à Civilização não é somente o de coletar e descrever a riqueza dessa natureza, mas também o de delatar o estado decadente desse espaço dilapidado pela barbárie da economia escravista e colonial. Nesse sentido, o cientista francês engrossa o coro dos críticos ambientais do mundo luso-brasileiro da crise do Antigo Sistema Colonial, clamando pela necessidade de substituir os hábitos e práticas econômicas da colônia em relação ao meio natural para que o Brasil, enfim, torne-se uma nação dentre as civilizadas. Nesse projeto civilizatório, fundamental é buscar o conhecimento científico da natureza, pautando as ações políticas e econômicas em tal saber. O ideal civilizatório representado por Saint-Hilaire e seu saber naturalista traduzem, enfim, a paisagem colonial das “decadentes” sociedades (e economias) que se sedimentaram ao longo da Estrada Real na imagem do contraste entre uma natureza exuberante e misteriosa a ser revelada e uma pobreza humana desconfortante. Esse contraste possui um teor moral/educativo que, levado ao pé da letra, colabora com a tradicional imagem de desleixo e exploração aventureira da colonização portuguesa, que persiste na historiografia brasileira, particularmente, a partir da obra Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda16. As viagens naturalistas, assumidas como fontes da História do Brasil, transportaram, portanto, para o domínio da análise histórica da colonização, o seu pré-conceito fundamental: a disjunção entre a natureza brasileira e a sociedade que, nela, constituiu-se. Dos “estrangeiros”, vem-nos o germe da concepção do exílio que experenciamos em nossa própria terra...17

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HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil, São Paulo: Companhia das Letras, 1998. Desenvolvemos esta noção de exílio, comparativamente, nas obras de Sérgio Buarque de Holanda e de Murilo Mendes em: LUZ, Guilherme Amaral. "Semeadores do exílio: poemas para a história das raízes do Brasil". In: MNEME 17

Revista de Humanidades. Vol. 2, n. 3, 2001. http://www.seol.com.br/mneme/.

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