Entrevista Geraldo Jordão Pereira

July 22, 2017 | Autor: Jorge Felix | Categoria: Publishing, Books, Editorial Design, Publisher, Dan Brown, Livros, Mercado Editorial, Livros, Mercado Editorial
Share Embed


Descrição do Produto

Geraldo Jordão Pereira

“Tem que ter faro” Publicado no site Nomínimo em 2004 Por Jorge Felix

Nem carrão, nem iate. O editor de O Código da Vinci, Geraldo Jordão Pereira, mantém sua mesma rotina um ano depois da publicação de um dos maiores sucessos editoriais de todos os tempos. Todas as manhãs, por volta das dez e meia, ele chega à sede da Editora Sextante, em Botafogo (Zona Sul do Rio), vindo do mesmo apartamento a bordo do mesmo automóvel. “O que muda é a auto-estima”, afirma este seguidor das filosofias budista e franciscana. De fala mansa, gestos calmos e quase um inibido, Geraldo só revela mesmo uma ponta de soberba quando o assunto é livro. Aí ele leva o dedo indicador ao nariz, dá dois tapinhas e ensina: “Tem que ter faro.” Esta sensibilidade para escolher o que todo mundo vai gostar de ler, Geraldo aprendeu ao longo de 50 anos de mercado editorial, onde começou aos 17 na editora de seu pai, o lendário José Olympio. Neste meio século, vendeu a JO, revolucionou o livro infatil com a Salamandra, também vendida, e entrou, sem preconceito, no mundo da auto-ajuda. Ao lado dos filhos, Thomas e Marcos, emplaca mais de 10 títulos entre os 30 mais vendidos no país. O melhor livro, porém, seria sua biografia. Nesta entrevista, Geraldo fala de seus sucessos e fracassos no meio do livro, conta histórias de sua convivência com a nata da literatura brasileira e lembra o drama de esperar quatro anos na fila de transplante para curar a hepatite C. “O sofrimento não me fez mais religioso. Não acredito mais nas religiões. Acredito mais no cristianismo do que na igreja católica", revela o editor de O Código da Vinci. É justamente seu lado cristão que permite a Sextante enviar uma parte significativa das cifras de seu maior best-seller para outra grande paixão de Geraldo: os projetos sociais. Qual é a receita para publicar um best-seller como O código da Vinci?

Geraldo Jordão Pereira - A gente tem que errar o menos possível. Sempre digo isso para meus filhos. Eu sou assistente deles. Sou um assessor ad hoc. (dá uma risadinha) Eles é que tocam a editora. A minha tarefa é, sobretudo, a de escolher livros. Analisar os originais, títulos que vêm de fora, depois um deles lê também, coisa e tal, e publica-se ou não. A gente sempre chega a uma acordo. Não tem receita. A receita é o faro (leva o dedo indicador ao nariz e dá dois tapinhas). Estou no ramo há 50 anos. Comecei a trabalhar em editora aos 17 anos. Estou com 67 de vida. Aprendi muito com os erros. Qual foi o seu erro clássico, histórico? GJP - Clamoroso assim ? Tive também. Havia um padre canadense, chamado Marcel-Marie Desmarais, que publicou uns livrinhos pequenininhos chamados “Pílulas de otimismo”. Aquilo chegou às minhas mãos e eu achei aquilo tão água com açúcar, tão bobo. Naquele tempo não havia leituras de auto-ajuda. Não quis publicar, acho que saiu pela Vozes ou Paulinas (o livro saiu pela editora Vozes). Foi um sucesso. Porque desde aquela época (década de 70) as pessoas precisavam de alguma coisa que as ajudasse a refletir, a encontrar um caminho. Nós da Sextante enveredamos por essa linha. As pessoas falam “ah, é auto-ajuda”, “ah, é esoterismo”. Nada disso. Costumo dizer que o que nos norteia são livros que façam bem às pessoas. Se eu acho que é um livro que vai fazer bem a alguém, eu publico. Claro, tem que ser bom e sério. Então, a receita é essa: se colocar na pele do piloto. Se perguntar, será que esse livro vai fazer bem a alguém? Às vezes não se acerta. Como foi a descoberta de O Código da Vinci? GJP - A minha mulher (Regina, com quem está casado há 40 anos) diz que eu só consegui pegar O Código da Vinci porque não mexo com computador. Tenho horror. É uma barreira emocional. Os meus filhos mexem com computador o dia inteiro. Entram na internet, nos jornais americanos, nas revistas. Eu não. Leio sempre com muita atenção a revista Publishers Weekly. Leio com toda atenção, as matérias, os anúncios. Um dia, vi uma notinha de um livro que iria ser publicado chamado Da Vinci Code (título em inglês de O Código Da Vinci). Esse livro estava sendo escrito por um autor que já tinha escrito outros dois ou três livros, mas sem grande repercussão. Eu, como sou tiete do Leonardo da Vinci, quando era criança, na escola, cheguei a fazer até

ensaio sobre ele, li a sinopsesinha pequena que descrevia o que o livro iria abordar. Aí veio aquele negócio (leva o dedo indicador ao nariz e dá dois tapinhas)...senti cheiro dali...senti cheiro de sucesso. Telefonei para o editor americano e ele me disse que ainda não tinha provas, só seria publicado no próximo ano. Eles trabalham com muita antecedência lá fora. Ele disse “se você quiser, mando o original”. Eu disse tá ótimo. Me mandou e eu li num fim de semana. Pensei, realmente é bom. Nem tem como classificar. Liguei para os meus filhos e ocorreu um fato engraçado. Quando abrimos a Sextante, tinha estabelecido uma regra que só publicaríamos não-ficção. E aí eles falaram: “Mas papai, é um contra-senso, você que estabeleceu a regra”. E eu disse: só não muda de idéia quem não as tem. E aí, pelo que se sabe, começou uma longa queda de braço entre vocês? GJP - Eu disse que tinha certeza de que iria ser um sucesso. De repente, o livro foi lançado lá, quando estava ainda sendo traduzido aqui, e tornou-se o sucesso mundial. Foi aquela repercussão aqui também. Nós adquirimos por pouco mais de 10 mil dólares (em números exatos 12 mil dólares), o que para o mercado internacional é uma bobogem. Qualquer livro de um autor como este custaria 50, 60, 70, 80 mil dólares. O senhor falou em preconceito com a auto-ajuda e logo no lançamento de O Código da Vinci as pessoas olhavam o livro com o nariz torcido. O senhor acha que ele sofreu por sair por uma editora especializada em auto-ajuda? GJP - Não. Eu acho que não. O livro causou muita polêmica porque mexe com temas que são muito questinados, a questão da igreja, polêmicos mesmo, ou melhor, provocativos! Tanto é que já publicaram aí muitos livros discutindo O Código da Vinci, uns contra outros a favor. Nós não pretendemos seguir publicando ficção. Eventualmente. Por exemplo, um livro recente de um autor muito querido nosso, pessoa muito amiga, o Mitch Albon, um americano, de quem publicamos um outro livro de não-ficção, A última grande lição. É um dos livros mais bonitos que já publicamos. É a história de um professor que está morrendo e um antigo aluno vai visitá-lo e começa um diálogo com ele. Muito bonito. Quando o senhor...

GJP - Posso pedir uma coisa....pare de me chamar de senhor, pode me chamar de você. (risos) Ah, Ok, então. Você recebeu críticas ou uma estranheza no mercado livreiro porque a família de José Olympio estava editando auto-ajuda? GJP - As pessoas comentavam, mas eu já tinha feito outra editora, a Salamandra, voltada para a literatura infanto-juvenil. Ela resistiu 22 anos. Depois foi comprada pela Moderna (hoje pertence ao grupo espanhol Santillana) Foi um segmento que me deu muita alegria, muito prazer porque acho que a salvação do mundo está na criança. Se você se dedica realmente à criança, no sentido de educá-la, de dar-lhe condições de satisfazer os futuros indivíduos adultos, o mundo vai ser bem melhor. Então os livros que eu publicava mexiam um pouco com a cabeça da criança. Não eram livros bobocas. Autoras como Ruth Rocha, Ana Maria Machado, Eliane Ganem, Cora Rónai, são todas excelentes. A Salamandra mudou bastante o perfil dos livros infantis. GJP - Eu acho, sim. Surgiram novos autores. As editoras passaram a cuidar mais do livro infantil e se voltar para ele, a Nova Fronteira, a Companhia das Letras, a Record, passaram a publicar um livro infantil muito melhor. Quando eu vendi a Salamandra e decidi fundar a Sextante não tinha certeza de qual era o nicho. Acho que a editora precisa ter um nicho. Ou é ficção, como muitas buscam, tornando a competição muito acirrada. Ou então, parte para técnico. Achei que essa área da auto-ajuda era a ideal para o momento porque acho que as pessoas estão muito sem rumo. Perdidas. E os amigos, que tiveram até convivência com autores que seu pai lançou não estranharam? GJP - Pelo menos não comentaram, tiveram a elegância. Se tivessem estranhado, não mudaria nada. Eu não podia continuar a fazer livros como fazia porque faz parte do acordo comercial com quem comprou a José Olympio. Você se compromete a não fazer outra editora concomitante porque senão você começa a competir com a própria editora que vendeu (a José Olympio hoje pertence à Record). Também não podia partir para pegar livros ou autores da José Olympio, seria um contra-senso, atuar contra a

editora de meu pai, onde trabalhei e onde aprendi tudo. Então o que me sobra ? Sempre tive uma preocupação grande com a qualidade de vida. Sou sociólogo e esse meu outro lado sempre pesou muito. Tenho um trabalho na área de responsabilidade social ao qual dou muita importância. E a Sextante, até o nome, foi isso. Sextante é o instrumento antigo que indicava o rumo para os navegantes. Esse trabalho social está se ampliando desde os tempos que o senhor, (ele faz cara feia), quer dizer, você dirigia o Jardim Botânico? GJP - Fui diretor-geral do Jardim Botânico por dois anos. É uma das minhas paixões. Demos uma revigorada ali, estava muito apagado, degradado. Foi um tempo para colocar ordem na casa. Porque o Jardim Botânico é submetido ao governo federal, então era da esfera do antigo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal e, agora, é da do Ibama. Depende de muitas coisas de Brasília e tem muita gente que chega em Brasília vinda de outros estados e não tem uma cabeça carioca para entender o que é, o que precisa ser feito para preservar um local como o Jardim Botânico do Rio. Criamos a Sociedade de Amigos do Jardim Botânico, que tem mais de 3 mil e 500 associados e colaboram para a manutenção. É um feito, acredito, numa sociedade sem tradição participativa. É decepcionante cuidar de um local símbolo como este e ver muitas coisas erradas na cidade? O que precisa mudar no Rio? GJP - A cidade está mal cuidada. Você vai ao centro e não consegue andar. Está cheio de camelôs. O calçamento daquelas ruas do centro estão todos faltando pedras e você tem que tomar o maior cuidado para não cair, não esbarrar nos camelôs, nas barracas. É uma pena. O centro do Rio é lindo. Espero que o nosso alcaide veja isso. Se bem que ele está mais interessado em ser presidente da República do que cuidar da cidade. A cidade está jogada às traças. Mas o seu lado sociólogo não parou no Jardim Botânico, parece que foi até a Zona Oeste do Rio? GJP - É foi. Por meio da Fijan, a Federação das Indústrias do Rio, desenvolvemos outros projetos sociais. A pouco tempo passei a integrar o

Conselho Empresarial de Empresas Sociais. Os empresários começam a participar disso com mais empenho. Em Campo Grande (Zona Oeste do Rio) há um projeto que resgata meninas carentes, de três favelas, por meio de uma instituição de ensino, com cursos profissionalizantes, educação sexual, atividades artísticas e esportivas. São meninas resgatadas da marginalidade. São mais de 3 mil. Há empresas como Shell, Ipiranga, Visa e a Sextante contribui com uma parcela significativa. Há também um projeto com idosos. Quer dizer que o dinheiro de O Código da Vinci vai para a zona oeste? GJP - Uma boa parte. Mas isso é preciso deixar claro. A IstoÉ Dinheiro fez uma capa dizendo que se vendeu 400 mil, o autor tem 10%, então o editor tem 90%. É um desconhecimento do mercado editorial. Parece que você faturou realmente 7 milhões de dólares e é completamente errado. Meus amigos do pôquer falaram que vão aumentar a aposta porque eu fiquei milionário. O repórter sacou esse número do bolso do colete, com cálculos dele lá. Não é assim. O que mudou na sua vida com o dinheiro do livro? GJP - Nada. Não troquei de carro. Já tinha mudado do Cosme Velho para a Lagoa, antes da publicação do livro. Não passei a consumir nada que não consumia. Foi uma riqueza para a minha auto-estima. Sem nenhuma extravagância. Não viajei. Apenas temos fôlego para enfrentar leilões de livros. Temos mais audácia e mais tranquilidade. É uma vitória depois de tantos problemas de saúde? GJP - Sem dúvida. Foi uma fase dura (de 1988 a 2002, Geraldo, com hepatite C, aguardou por um transplante de fígado na fila das transplantes). Fiquei 4 anos na fila. Tive brigas enormes com o Serra (José Serra, então ministro da Saúde). Ele não dava a importância devida e se tornou uma epidemia. A doença não se revela. A maioria dos doentes, quando descobre, só pode partir para o transplante. O Brasil não tem cultura de doação e o governo não estimula. A Aids foi boa, a campanha. Mas a de doação, não. Então virou uma epidemia de hepatite c. O que muda quando se vê a morte tão de perto?

GJP - Você passa a relativizar muito. Tive muita proteção, espiritual. Nunca acreditei que ia morrer. Depois da cirurgia o médico disse que talvez eu não tivesse consciência, mas a equipe dele achava que eu não passaria de duas semanas. Falei: “Então fiquei pela bola sete”. E ele respondeu: “E a sete estava na boca da caçapa. Você ficou religioso? GJP - Religioso, não. Estou em busca. Já tinha largado as práticas religiosas. Sempre acreditei no transcendente. Sempre tive essa preocupação. Procuro mais o budismo, que não é uma religião, é uma filosofia. Não acredito muito nas religiões. Acredito no Cristianismo e sigo a minha vida pelas determinações cristãs, mas não de religião. Acredito mais no cristianismo do que na igreja católica. As religiões hoje respondem muito pouco e a igreja católica não é exceção. O que a auto-ajuda da Sextante difere das concorrentes? GJP - Embora a gente tenha feito alguns livros na área espiritual, nunca fizemos livros espíritas, budistas, fizemos Dalai Lama, fizemos um autor americano que é medium. Mas são termos que não são exatamente o que faziam. Temos um critério de seriedade que muitas do segmento não têm. Vamos chamar os livros de outras editoras de rápidos, de fáceis, ou melhor, ligeiros. Nós estamos procurando coisas mais permanentes. Livros que façam refletir, pensar. Não pode ter preconceito, então? GJP - Acho fundamental. Se você tiver nas mãos um original, enfim, que tivesse assim alguma resistência pelo fato de ser de umbanda, por exemplo. Mas que fosse ajudar, fosse bem escrito, viesse de uma pessoa muito séria, tivesse uma mensagem, por que não ? Se for um livro que vai ajudar a muita gente a ser melhor, por que não ? O que pode acontecer é que você pode se enganar, que vai ser bem aceito e não é. Porque o que faz o livro é o boca a boca. Tem que ser lido e comentado. Não é anúncio de jornal, out-door...é claro que tem que fazer um pouco disso para dizer que o livro existe. Mas a melhor propaganda é o livro. É como no cinema. Faz aquele oba-oba todo,

mas se não tiver um monte de gente falando: “Ah, você viu o filme do Almodóvar ?”, o filme não acontece. Por falar em cinema, a expectativa é grande com o filme O Código da Vinci? GJP - Será com Tom Hanks, um dos meus artistas preferidos no cinema. O livro tem muito isso. O best-seller estabiliza num determinado patamar e depois é natural que sofra uma queda, perca o interesse. De repente, por uma razão qualquer, um filme, por exemplo, tem um ressurgimento. Aconteceu isso com vários autores, a Marguerite Yocenar e tantos outros. O brasileiro ainda lê muito pouco ? GJP - Ainda lê muito pouco. Lê mais, porque a população cresceu. Mas lê pouco. Eu não chamaria ainda de hábito de leitura, como muitos chamam, eu chamaria gosto pela leitura. Ainda não tem. Quando a pessoa tem gosto, ela cria o hábito. É preciso muita coisa. O atual governo está interessado em fomentar a criação a um gosto maior pela leitura. Há a câmara setorial do livro que está se criando. Não conheço o Galeno (Amorim, coordenador do Plano Nacional do Livro e Leitura), mas me parece bom. A criação de bibliotecas é fundamental. O Brasil tem mais de 5 mil municípios e mil e poucas bibliotecas! Tem que criar a biblioteca e aparelhar. O mercado editorial está sofrendo uma internacionalização grande. As coisas mudaram muito? GJP - É um movimento normal da economia brasileira. É sinal que as editoras lá fora, que são empresas sérias e sólidas, estão vendo o Brasil como um mercado muito bom. A população que nós temos, se tivermos governos sérios comprometidos a elevar o nível da população, não só o econômico, social, mas também educacional, terá um mercado imenso. Essa internacionalização obriga as editoras brasileiras a trabalharem com muita seriedade, com muito cuidado, com muito profissionalismo. Não dá mais para ser uma editora para fazer o livro do amigo. Tem que ser muito profissional. Não dá para brincar em serviço. Antigamente meu pai fazia livros fantásticos, claro, mas fazia livros de amigos. Políticos. Ou alguém pedia. Às vezes acontecia de dar certo, às vezes, não. É verdade que até hoje não se faz pesquisa editorial, nem aqui, nem no mundo inteiro. Não dá.

Quando você faz uma coleção, uma série, fascículos, faz. A (Editora) Abril já deve Ter feito muitas. Mas livro assim, não vai. Tem que seguir mesmo aqui, o faro (leva o dedo ao nariz e faz o gesto de novo). O que o seu pai deixou como lição? GJP - Ele dizia coisas muita engraçadas. Dizia que a vida é feita de acasos, circunstâncias e contingências. Levei um tempo para entender. Gosto de acoplar a esta frase dele, um poema do Borges, esqueci o título, se pudesse viver de novo, faria muito mais besteira, andaria mais descalço na chuva, todos conhecem (o poema chama-se Instantes, atribuído ao argentino Jorge Luís Borges). Eu gosto muito daquele poema que é atribuído a ele e ninguém sabe se é dele ou não. E o Borges diz: você não sabe? A vida é feita de momentos, aproveite agora. O momento era mais saboroso no tempo de seu pai? GJP - Ah, era diferente. O autor nunca marcava hora para ir à editora. Aparecia. E você tinha que estar lá, receber e conversar. Assim como eu tenho meus filhos para cuidar da editora, meu pai tinha os irmãos. Eu fazia de tudo, era revisor. Era um ótimo revisor. Tinha uma vista boa. Na José Olympio tive a oportunidade de conviver com a nata da literatura. Hoje os autores nem vêm à editora. Alguns você nem conhece. Lá passavam Manoel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, José Lins do Rêgo, Rachel de Queirós, Guimarães Rosa e tantos outros. Você os recebia e ficava naquele bate-papo, horas e horas, falavam de tudo, menos de literatura. (risos) Falavam muito de cinema, de política. Meu pai era muito politiqueiro. Publicou Getúlio Vargas, Juscelino Kubitscheck, Armando Sales de Oliveira. Não era sectário. Era aberto. Editava várias concorrentes. Fazia algumas restrições, mas era amplo. Era uma convivência muito rica e uma excelente escola. Deve ter boas histórias daquela época. GJP - Ótimas. O Guimarães Rosa, por exemplo, era um sujeito muito brincalhão. Você sabe que o meio literário é muito vaidoso. Alguns escritores detestam ser chamados de vaidosos, outros fazem brincadeira até. Era o caso do Guimarães Rosa. Um dia eu estava sentado na sala de meu tio e adentrou

o Rosa. Eu levantei e disse: “Salve o maior escritor brasileiro!” E ele imediatamente: “Por que a restrição?” E caiu na gargalhada. Foi uma cena muito hilária. Era assim o dia a dia. Como é o seu trabalho no dia a dia, de garimpar títulos? GJP - Varia. São coisas que ás vezes pintam, outras não. Por exemplo, há uns dois anos, encomendei ao Leonardo Boff, que eu gosto muito, pessoa muito querida, um livro. Eu sempre fui muito adepto a São Francisco, sabia que o Boff era franciscano, embora tivesse largado a batina. Então, pedia a ele para fazer um livro sobre a oração de São Francisco, que todo mundo conhece, todo mundo sabe, mas queria um livro um pouco dissecando essa oração muito bonita, do é dando que se recebe. Ele adorou a idéia. Parou tudo o que ele estava fazendo e escreveu o livro. Foi sob encomenda. Foi ótimo. Fez sucesso e foi muito bom. De vez em quando a gente faz isso. A gente tem uma idéia, dá a idéia para alguém e a pessoa desenvolve. Quais são as qualidades do bom editor? GJP - A primeira delas é ter humildade. Não achar que sabe tudo. Ter humildade para quando ler um livro que ele acha bom, buscar a opinião de outras pessoas também. Não achar que ele é o dono da verdade. Às vezes, pode ser, que avaliando sozinho, até dê certo. Mas não sempre. Então, essa humildade é fundamental. Acho que um certo bestunto também. Uma certa inteligência mineira para avaliar. Um conhecimento de mercado. Sabe, aquele negócio do faro (faz o gesto). Uma sensibilidade. GJP - Uma sensibilidade. Taí. Eu diria que é isso para perceber se o público vai gostar. É muito sofisticado? Não é ? Para quê camada vai ser vendido ? Aquilo que às vezes muitos não gostam de ouvir, mas é verdade, é aquele livro high-brow (gíria inglesa que significa intelectual, cabeçudo, papocabeça) e aí não vai pegar. Outras vezes, o livro é muito low- basement (rasteiro). Nosso segmento, na Sextante, é a faixa de classe média, mais intelectualizada, mas há o preconceito, que está sendo vencido, com o livro de auto-ajuda. Em modo geral o livro de auto-ajuda era de um nível e um estilo de literatura muito pobre. Como nossos livros estão elevando esse

nível, estão subindo esse nível a um patamar mais palatável, você muita gente de bom nível intelectual aderindo e lendo. Nesse sentido, estamos muito bem. Rompendo preconceitos e vencendo barreiras.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.