Entrevista - Latoaria da Malveira (profissões antigas)

July 26, 2017 | Autor: Rafaela Jorge | Categoria: Jornalismo, Entrevistas, Jornalismo Cultural, Entrevista, Sociologia das profissões
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“Tudo aquilo que eu imagino eu consigo transpor para a chapa” Trabalha a chapa como o cliente pedir e assume não ter mãos a medir. O futuro da profissão é uma incógnita mas as espectativas deste latoeiro não são favoráveis porque falta quem queira aprender. ENTREVISTA E FOTOGRAFIAS DE RAFAELA JORGE

Estamos na Malveira, uma vila do concelho de Mafra. A Latoaria fica numa rua estreita e damos facilmente por ela porque mesmo antes de entrarmos na oficina, no chão de calçada portuguesa, estão expostos alguns dos trabalhos destes dois latoeiros de profissão. Pai e filho, Victor Faustino de 67 anos e Paulo Faustino de 42, partilham o amor pelo ofício da família que passou de geração em geração. Paulo Faustino concedeu-nos com orgulho esta entrevista. Como descreve a sua profissão? Eu gosto muito da minha profissão porque tudo aquilo que eu imagino eu consigo transpor para a chapa. Só trabalhamos em chapa zincada e em inox. É uma profissão de que eu gosto porque para além da parte estrutural em que temos de pensar bastante em aspetos funcionais e no molde tem também a parte mais criativa. É aliciante ver a peça depois de pronta. Que peças se fazem mais aqui na latoaria? Tanta coisa! Fazemos comedores, bebedores, girandolas para as chaminés, canos, … nós fazemos de tudo. No tempo do meu pai e do meu avô, há 50 anos, fazia-se bilhas para o leite, os caldeiros para as rações dos animais… agora faço esse género de peças mas mais para decoração. As pessoas gostam de ter peças antigas como decoração. Mas há coisas que há uns anos se faziam mais, como é natural. Talvez por não se encontrar em mais lado nenhum… Exato… não havia mesmo… e hoje ainda não há mas as pessoas já não precisam tanto desse tipo de peças porque já não podem, por exemplo, pegar no leite e leva-lo de porta em porta… isso agora seria impensável… compram a bilha, sim, mas para por em casa, para decoração, o que é engraçado. Pedem-me também muitos regadores… ainda há pouco tempo fiz perto de 200 regadores pequeninos para por flores que me pediram para uma loja em Londres. E trabalhos fora do comum, diferentes do que é costume fazerem aqui… Ainda da parte da manhã saíram daqui oito chapéus lindíssimos para uma sapataria e loja de acessórios que vai abrir no colombo esta sexta-feira. A cliente já me conhecia e

eu já tinha feito trabalhos para uma loja que ela abriu na Baixa. São chapéus em tecido, que eu forrei por dentro em chapa e eletrifiquei para fazer candeeiros… ficaram lindíssimos.

   

Paulo Faustino e o pai, Victor Faustino, partilham o mesmo amor pelo ofício da família.

Os preços das vossas peças rondam em torno de que valores? Eu tenho aqui peças desde os dois, três euros até aos cento e tal, duzentos… E acredito que haja peças mais pequenas que dão bastante trabalho e que deve até custar vender tão barato… É verdade sim… porque são precisos moldes, que levam muito tempo a fazer… mas eu também estou a falar de peças pequenas mas que eu vendo às centenas para as cooperativas. Por exemplo na altura da castanha vendi centenas e centenas de assadores para os supermercados. O que acha que leva as pessoas a manterem a preferência pelo vosso trabalho? Porque com as evoluções da indústria há imensa coisa feita em série e que de certa forma pode substituir o trabalho das oficinas mais tradicionais… Porque por muito que a pessoa procure há coisas que não se encontram já feitas. Por vezes pedem-nos coisas com uma medida específica e isso só nestas oficinas é que é possível fazer.

E como vê o futuro desta profissão? Continua a ser ensinada aos mais jovens ou terá tendência para desaparecer? Sinceramente, eu acho que tem tendência para vir a desaparecer. Eu tenho dois filhos e falo um bocado contra a juventude (risos) porque a malta hoje em dia gosta mais do computador e do tablet e não gosta muito de “sujar” as mãos. Eu tenho lá dois e sei como é… Não vejo grande futuro para isto. Graças a Deus, temos muito trabalho aqui na oficina… sou só eu e o meu pai e portanto não temos mãos a medir… mas é difícil porque também não vejo quem se interesse ou a quem transmitir. Já passaram por aqui vários miúdos e eu tentei ensinar-lhes mas eles não quiseram, não gostaram e foram embora. E eu precisava de alguém aqui para me ajudar porque o meu pai já tem 66 anos e quando eu ficar sozinho aqui não tenho ninguém para continuar. Tenho um filho com 15 e outro com 10 mas eles não querem vir para aqui e acho muito bem… querem seguir a vida deles. O que o levou a ser latoeiro? Gosta daquilo que faz? Eu gosto muito do que faço… eu não gostava da escola… não era mau estudante mas sempre disse ao meu pai que não queria seguir. Fiz o ciclo preparatório, que hoje é o 6º ano e vim para aqui. Antes disso já vinha trabalhar nas férias e vinha trabalhar porque gostava, adorava a oficina. Quando acabei a escola o meu pai disse “nem se fala mais nisso… não queres estudar, trabalhas!”. E ainda bem porque nós vemos aí muita malta nova que além de não querer fazer nada depois não dão valor ao dinheiro… tal e qual como os meus (risos), porque eles pedem-me dez euros, quinze, para um jogo e eles não sabem o que é que custa a ganhar esse dinheiro. O seu pai, que está lá dentro a trabalhar nas peças, continua e continuará por aqui enquanto puder… ele próprio começou porque era o negócio da família? Sim, isto já vem do meu bisavô. Para além da sua oficina tem conhecimento da existência de mais alguma latoaria? Não… aqui na Malveira antigamente havia pelo menos mais três… agora já não há mais ninguém. Um dos senhores faleceu, o outro reformou-se e ninguém continuou… não há. Quer dizer, a nível nacional é natural que haja mas não que eu tenha conhecimento… Existe inclusive um Museu da Latoaria em Tomar. Já tinha ouvido falar? Não conhecia, mas é engraçado porque eu já tenho visto varias peças de latoaria e cada zona do país tem um formato diferente e moldes diferentes para as peças. A bilha do Alentejo por exemplo é mais “barriguda”, no Algarve a bilha já tem outro formato, a nossa bilha, a tradicional bilha Saloia também é diferente das outras…

Na oficina faz-se de tudo um pouco mas o mais tradicional continua a ser o mais solicitado.

É pena que não haja perspetivas animadoras para o futuro da profissão porque se na realidade têm tanto trabalho quando deixarem de existir estas oficinas fica a questão de onde se irá encontrar este tipo de peças… Exatamente, e eu nem me importava nada de transmitir mas é preciso que haja alguém que queira aprender… E isso acontece com todas estas profissões mais tradicionais, com os barbeiros e com os sapateiros… Exato, porque é uma profissão que não é fácil, é uma arte… e é preciso a pessoa gostar e ter amor por aquilo que faz para a peça sair bem. Porque duas pessoas a fazer a mesma peça é como dois cozinheiros a fazer o mesmo prato, nunca sai com o mesmo paladar… nunca fica igual. Desde os 12 anos aqui, já viu certamente muitos clientes, muitas histórias diferentes… Tanta gente… e tenho a sorte de poder dizer que normalmente o cliente sai sempre satisfeito com o nosso trabalho e isso é uma das coisas mais gratificantes.

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