Envelhe(s)er – Uma reflexão audiovisual sobre o envelhecimento na comunidade LGBT de Campo Grande (MS)

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL – HABILITAÇÃO EM JORNALISMO

ENVELHE(S)ER: UMA REFLEXÃO AUDIOVISUAL SOBRE O ENVELHECIMENTO NA COMUNIDADE LGBT DE CAMPO GRANDE (MS)

KIOHARA SCHWAAB EVANGELISTA FERREIRA RAUL MAURICIO DELVIZIO

Campo Grande 2015

ENVELHE(S)ER: UMA REFLEXÃO AUDIOVISUAL SOBRE O ENVELHECIMENTO NA COMUNIDADE LGBT DE CAMPO GRANDE (MS) KIOHARA SCHWAAB EVANGELISTA FERREIRA RAUL MAURICIO DELVIZIO

Relatório apresentado como requisito parcial para aprovação na disciplina Projetos Experimentais do Curso de Comunicação Social / Jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Fernanda Salvo

UFMS Campo Grande 2015

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SUMÁRIO Resumo ............................................................................................. 04 1- Alterações no plano de trabalho .................................................. 05 2- Atividades desenvolvidas ............................................................. 07 2.1- Período preparatório ............................................................. 07 2.2- Execução .............................................................................. 09 2.3- Revisão bibliográfica ............................................................. 15 3- Suportes teóricos adotados ......................................................... 19 3.1- A (homo)sexualidade no processo de envelhecimento ........ 19 3.2- O cinema enquanto ferramenta de resistência social ........... 21 3.3- O documentário: uma fonte de representação social ........... 24 4- Objetivos alcançados ................................................................... 27 5- Dificuldades encontradas ............................................................. 29 6- Despesas (orçamento) ................................................................. 31 7- Conclusões .................................................................................. 32 8- Apêndices .................................................................................... 34

4 RESUMO: O documentário Envelhe(s)er apresenta uma reflexão sobre a velhice na comunidade LGBT de Campo Grande (MS). Pelo aporte teórico das ciências sociais e a discussão em torno do cinema documental é que se pode fornecer elementos para a realização do filme. O documentário procura trazer à cena as individualidades – falas e gestos – de alguns integrantes do coletivo LGBT na capital. Do ponto de vista da forma, privilegiou-se a não-intervenção dos depoimentos, a utilização de cenas duradouras e enquadramentos fechados na tentativa de preservar as singularidades das pessoas filmadas. A conclusão é de que a idade não usurpou o gosto pela vida. Envelhecer é, no final das contas, um processo particular. Por mais que o tempo passe, os anos deixem marcas no corpo, modifiquem pensamentos e emoções, as pessoas vivem e ainda possuem voz – que merece ser ouvida. PALAVRAS-CHAVE: velhice, comunidade LGBT, documentário.

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1- ALTERAÇÕES NO PLANO DE TRABALHO

Inicialmente, a concepção deste projeto experimental era representar1 o coletivo LGBT de Campo Grande (MS) com idade mais madura no formato de um filme documentário2: mostrar relatos de vidas que cruzaram tempos, anos e gerações, por meio de um produto audiovisual que priorizasse as histórias, a fala minuciosa, os quadros longos, os gestos singulares, a voz – ouvida, sentida, vivida. A apreensão do depoente filmado quando se senta na cadeira para revelar seu testemunho único. Isto se manteve, principalmente, ao retratar as diferenças e dificuldades daqueles que fogem ao padrão heteronormativo3. Queria-se dignificar essas pessoas, pautando a marginalização das lésbicas (L), gays (G), bissexuais (B) e das travestis/transexuais/transgêneros (T) no meio social, quando esses indivíduos são ignorados, perseguidos ou rechaçados por seus comportamentos e práticas sexuais desviantes da norma comum, que considera a constituição de casal a relação entre homem e mulher. À medida que se discutiu o projeto com a orientadora, surgiu a questão do processo de envelhecimento. Afinal, envelhecer faz parte da vida de qualquer ser humano. No mundo contemporâneo, em que o jovem é o protagonista, modelo mercadológico de virtude e beleza, onde estariam os idosos LGBT na sociedade? Quais foram seus planos de vida? Alcançaram suas próprias metas? E, em especial, o que esperam da vida em sua “nova” faixa etária? Com estes questionamentos, buscou-se desmistificar a velhice visitada – talvez – por dúvidas, medos e incertezas. Por isso, o objetivo tornou-se a escutar o conjunto vida (idade) e sexualidade (orientação sexual) particular à cada um dos personagens, e não somente retratar o coletivo de uma maneira 1

O conceito de representação para filmes documentários será esclarecido no subcapítulo 3.3. Para Bill Nichols, o filme não-ficcional – ou documentário – é um produto audiovisual que buscar retratar um determinado assunto sob os aspectos ou representações de uma parte do mundo histórico, isto por meio de pontos de vistas de indivíduos, grupos e instituições. Acrescenta, portanto, visões sociais e atualidades, problemas recorrentes e soluções possíveis. O documentário acrescenta uma nova dimensão à memória popular e à história social. Esta e outras definições teóricas sobre a temática deste projeto, cinema e documentário serão explanadas no capítulo 3. 3 Por um viés etmológico – do Grego hetero, “diferente”, e do Latim norma, “esquadra” –, entende-se heteronormatividade o conjunto de ações, relações, atividades e comportamentos sociais praticados entre pessoas de sexos opostos. 2

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genérica. Era preciso restabelecer visibilidade à essas pessoas, contestando esse modelo contemporâneo de “boa velhice” heteronormativa. Outra questão que também alterou significantemente o projeto foi no que tange o processo de busca pelos personagens até então disponíveis. O desejo inicial era exibir pessoas a partir dos 60 anos de idade, usando como fundamentação teórica o Estatuto do Idoso (2013). Entretanto, ao restringir a faixa etária em questão, o recorte acabou por ficar excessivamente afunilado. Na procura pelos indivíduos da comunidade LGBT sexagenários, quase nenhum estava disposto a participar do documentário. Foi alterado, portanto, o escopo de idade para acima dos 50 anos, trabalhando com o senso comum do que é um indivíduo mais velho – os “coroas” e as “cinquentonas” da sociedade contemporânea. Ainda, oportunizaria conhecer histórias (também) muito interessantes. Isto facilitou, mesmo que um pouco, a procura pelo recorte estabelecido na sociedade LGBT campo-grandense.

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2- ATIVIDADES DESENVOLVIDAS

2.1- Período Preparatório

Para o desenvolvimento de Envelhe(s)er foi necessário, primeiramente, buscar uma orientação que condissesse com o desejo de elaborar um projeto experimental em que o produto estivesse no formato de um documentário. Ambos da dupla adquiriram durante o curso de Jornalismo UFMS a técnica fotográfica e o conhecimento da produção audiovisual para a mídia televisiva. Ainda, tinham experiências anteriores – mesmo que amadoras – com a produção cinematográfica ficcional. A realização de um filme nãoficcional pelos autores deste trabalho possibilitaria, nesse ponto de vista, adquirir uma nova gama de aprendizagens que pouco foram exploradas durante o período acadêmico. Esses novos entendimentos trariam uma cultura prática da produção documental. Primordialmente, viabilizaria aos dois alunos poder conhecer e ouvir histórias de vida de outrem. Na sequência, foi preciso apurar referenciais bibliográficas sobre o tema proposto. Isto incluiu uma busca por pesquisadores e teóricos que trabalhassem com a temática velhice e sexualidade – separado e em conjunto –, seja do ponto de vista da comunicação, ciências sociais ou da psicologia. Houve certo cuidado nesta etapa, pois é comum nas ciências humanas e sociais o uso de pressupostos e o reforço de estigmas, estereótipos e preconceitos em diversos estudos acadêmicos. Por mais que existam escritos que combatam a discriminação, ainda persiste alguma imprudência no que tange artigos que dialogam com as questões ligadas aos direitos humanos. No mesmo período, um dos grupos mais influentes nas causas LGBT, o Grupo Gay da Bahia (GGB), publicou um relatório4 com o número de assassinatos transhomofóbicos que ocorreram no país durante o ano de 2015. O levantamento revelou 4

Há três décadas o Grupo Gay da Bahia (GGB) divulga um relatório anual com estatísticas de violência praticadas contra pessoas da comunidade LGBT no Brasil. O objetivo é coletar informações sobre homofobia no país e denunciar a omissão das autoridades na garantia da segurança individual. O documento revela dados de todos os estados brasileiros, compilando as médias por região e do parecer nacional.

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que o estado de Mato Grosso do Sul continua sendo um dos mais violentos, com 6,49 mortes por milhão de habitantes. Este e outros dados também serviram como reflexão sobre a problemática da violência LGBT. Para o coletivo, a legislação ainda é uma ferramenta ineficaz para a ampla promoção da seguridade social. O que persiste é uma cultura do horror, pautada no descaso e na impunidade. Além da dor e do sofrimento, resta aos familiares saudade e muita esperança. Do ponto de vista jornalístico, era preciso examinar o que já fora divulgado na mídia à respeito da temática na região de Campo Grande (MS), e conforme for assimilar as fontes consultadas pelos autores das matérias apenas como referencial. Optou-se pela pesquisa em matérias de jornais, reportagens televisivas e notícias nos websites informativos, todos esses que publicaram casos de homicídios de homotransfobia, como aquele da morte do universitário Lawrence Corrêa Biancão5, que ganhou ampla repercussão midiática na Capital pela idade imatura tanto da vítima quanto dos assassinos. O período de limitação temporal da busca foi de no mínimo cinco e máximo de dez anos anteriores a 2015. Considerou-se também o trabalho de conclusão de curso (TCC) de Jornalismo UFMS Em Silêncio: Prazer e Morte – Assassinatos de homossexuais em Campo Grande (1994), com autoria de Oscar Rocha, que do mesmo modo teve como recorte a comunidade LGBT, em especial a violência praticada por transexuais que se encontravam em situação de prostituição. Foi necessário o estudo em teóricos que definissem identidade de gênero e sexualidade (enquanto orientação sexual) justamente para que o projeto não caísse em ignorância, preconceito e desrespeito com todos os personagens participantes no documentário. Esses pesquisadores também puderam esclarecer a questão do processo de envelhecimento. Incluiu-se também a leitura de publicações e artigos que dissertassem sobre técnicas de documentário e entrevista, fundamentais para o desenvolvimento de Envelhe(s)er. Por fim, explorou-se filmes documentais que tratasse da mesma temática, como no caso do documentário Bailão (2009), do cineasta Marcelo

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O caso do estudante aconteceu em dezembro de 2012. Lawrence foi morto estrangulado dentro do próprio carro por dois garotos de 15 anos que confessaram o crime. O motivo do latrocínio foi claramente homofóbico. Um dos meninos falou às autoridades: “gay para mim é verme”.

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Caetano, e de Velhos Sujeitos Outros Transgressivos (2015), com direção de Dário Azevedo, doutor em sociologia pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Após a conclusão das pesquisas bibliográficas e da elaboração do anteprojeto, havia base teórica suficiente para saber o que era necessário abordar no documentário e, principalmente, como abordar. Quando se fala sobre este formato cinematográfico – o filme de não-ficção ou documentário –, um dos pressupostos é a humanização das relações, visto que a perspectiva daquele que entrevista entra em fricção com outra perspectiva humana: a do sujeito que será filmado. 2.2- Execução

Nas reuniões de orientação, foi debatido entre os acadêmicos e a orientadora filmes documentários brasileiros6 que, mesmo com extrema simplicidade técnica e estética, carregam consigo significados simbólicos, reflexivos, morais e culturais sobre determinado assunto. Os aspectos não-convencionais desses produtos são por vezes melhores trabalhados e traduzidos no formato documental do que aqueles em que a prioridade é a técnica, ou persistem na convencionalidade do formato – como acontece naqueles produzidos especialmente para a mídia televisiva. Assim sendo, foi realizado um projeto de documentário onde a própria forma contribuísse para que os sujeitos filmados tivessem condição de expressar seus gestos únicos de ser e pensamentos mais particulares. O documentarista Bill Nichols apresenta em sua conhecida impressão Introdução ao documentário (2007) o modo observativo de se fazer filme não-ficcional, sem a necessidade de construir padrões formais, argumentos persuasivos ou trabalhar demasiadamente nos aspectos técnicos. Não seria, então, uma forma convincente de 6

Um destes filmes é Jogo de Cena (2007), documentário dirigido por Eduardo Coutinho. O longa-metragem convida mulheres a compartilharem suas histórias singulares, marcadas entre alegrias e tristezas. O ambiente é quase que somente o interior do Teatro Glauce Rocha, na Cidade do Rio de Janeiro. Coutinho também selecionou atrizes que interpretassem – a seu modo particular – essas histórias de vida. Ao final, tornam a representar si mesmas. O documentário, portanto, é uma mescla entre realidade e dramaturgia, uma experimentação do autor na linguagem narrativa em prol da forma.

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documentação se o próprio documentarista não interviesse em sua matéria-prima com algum tipo de reflexão, perspectiva ou argumento, nos moldes cinematográficos?

Todas as formas de controle que um cineasta poético ou expositivo poderia exercer na encenação, no arranjo ou na composição de uma cena foram sacrificadas à observação espontânea da experiência vivida. O respeito a esse espírito de observação, tanto na montagem pós-produção como durante a filmagem, resultou em filmes sem comentários voz-over, sem música ou efeitos sonoros complementares, sem legendas, sem reconstituições históricas, sem situações repetidas para a câmera e até sem entrevistas. (NICHOLS, 2007, p. 146-147)

A partir desta conceituação, o modelo proposto para a realização do documentário Envelhe(s)er foi definido: sem uma intervenção direta na imagem (aparecer no próprio filme) ou no som (textos/comentários emitidos em áudio). Até mesmo porque se entende que o olhar do diretor sob o objeto/pessoa a ser filmado permanece presente por diversos outros meios, como pelo posicionamento de câmera, aspectos fotográficos, cortes e sobreposições, dentre outros. Mesmo fundamentado a categoria, é importante ressaltar que o cinema documental não possui um só modelo estagnado, e está na duração fílmica a mesclar diferentes estilos e vertentes de como se fazer uma obra de não-ficção sem padrões formais. O princípio básico de toda produção documental começa por estabelecer graficamente o filme. Qual a ideia central? O que abordar? Quais são as cenas hipotéticas? Quais elementos textuais e audiovisuais são necessários para a máxima compreensão fílmica? Determinar esses aspectos é fundamental para traçar um panorama – e até mesmo definir pressupostos – sobre o tema do filme. De maneira geral, isto se chama argumento. A definição da proposta de um filme de não-ficção é, segundo Puccini (2009), realizada em cinco etapas. Primeiro, é preciso estabelecer o conceito fílmico (storyline). Depois, escrever a sinopse/argumento (outline), isto é, um breve resumo da história com início, desenvolvimento e resolução. Em seguida, é necessário “moldar” a sinopse por

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meio do tratamento/escaleta (stepoutline), ou seja, decupar7 a narrativa em cenas concretas, dramáticas, informando o conteúdo crônico em uma ordem de aparecimento. Por fim, montar um roteiro literário (masterscene script) e o roteiro técnico (shooting script). Estas últimas fases estão à frente do tratamento, pois é onde se trabalha detalhadamente o conteúdo das cenas em uma micro-estrutura lógica – começo, meio e fim –, na qual a primeira etapa visa uma projeção cinematográfica do conteúdo em termos de enquadramento, fotografia, personagens, etc., enquanto o roteiro técnico objetiva uma construção apropriada para a montagem (edição) do filme: cortes, transições, legendas, trilha sonora, créditos, etc. Embora sejam recomendadas as cinco etapas descritas acima, para este projeto – que se trata de um trabalho de cunho experimental – utilizou-se apenas o argumento (apêndice 8.1), o que incluiu a sinopse (apêndice 8.1.1) e tratamento (apêndice 8.1.2), além do roteiro (apêndice 8.2), justamente porque as outras fases apresentam a necessidade de uma equipe maior, mais qualificada e de um financiamento (público ou privado). A roteirização prévia serviu para delimitar o filme, ou pelo menos traçar um guia resumido da construção narrativa (de cenas e elementos cinematográficos a serem alcançados) no documentário. O roteiro de fato surgiu somente após todos os dados serem coletados: áudio/vídeo, depoimentos, imagens de apoio, acervos pessoais, fotografias, arquivos variados, etc. Por meio deles, conseguiu-se uma lógica aceitável para a máxima compreensão do tema. Esta escolha partiu da vontade de se deixar sensibilizar pela história e particularidade de cada personagem, sem ficar preso a uma técnica pré-programada, como acontece na sugestão de Puccini. O autor conceitua três eixos principais que dividem e fundamentam toda a trajetória da realização de um filme documentário: (1) pré-produção, (2) produção e (3) pós-produção. Toda a passagem anterior diz respeito à primeira etapa: pesquisa

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Do francês découpage (corte), derivado do verbo découper (recortar). Originalmente, é o ato de cortar/recortar algo dando uma nova/outra forma. Na impressão Dicionário Teórico e Crítico de Cinema, Jacques Aumont e Michel Marie (2001) definem decupagem enquanto o planejamento da filmagem, a divisão de uma cena em planos e a previsão de como estes planos vão se ligar uns aos outros através dos cortes de cena, transições e outros elementos narrativos.

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(relatado no subcapítulo 2.1), argumento e tratamento. É preciso agora encarar a etapa de gravação, isto é, a produção propriamente dita do produto audiovisual. A prioridade foi buscar participantes que estivessem dentro do escopo temático e dispostos a ter seus depoimentos coletados (gravados). Atentou-se principalmente à escolha desses indivíduos que integrariam o filme, já que eles exerceriam uma função definitiva para o produto audiovisual. No jargão jornalístico, essas pessoas são consideradas fontes ou entrevistados. Para este projeto, entretanto, são personagens: contadores de história, testemunhas oculares, documentos-humanos. A partir de suas falas, e sob o ponto de vista previamente adotado pelos autores do filme, aproximou-se daquilo que Nichols conceitua como documentário de representação social: Esses filmes representam de forma tangível aspectos de um mundo que já ocupamos e compartilhamos. Tornam visível e audível, de maneira distinta, a matéria de que é feita a realidade social, de acordo com a seleção e organização realizadas pelo cineasta. (NICHOLS, 2007, p. 26)

Abordar esses atores sociais8 no documentário foi um processo complicado, visto que o tema permanece tabu na sociedade contemporânea. A complexidade está no conjunto envelhecimento e sexualidade, processo natural e estritamente particular a cada ser humano. É uma privacidade individual. Foi difícil encontrar aqueles que estavam dispostos a abrir mão disto. A partir desta concepção ocorreram contatos com diversas pessoas da comunidade LGBT, justamente para averiguar a importância, a sensibilidade, o valor documental dos personagens que indicariam. No total, Envelhe(s)er reuniu 7 pessoas: quatro personagens queer9 com idade mais madura e outros três que serviram enquanto especialistas10. 8

A definição de ator social – referente à representação do depoente na cena fílmica – será esclarecida no subcapítulo 3.3. 9 Genderqueer é um termo “guarda-chuva” proveniente da língua inglesa que designa pessoas nãorotuladas pelo padrão heteronormativo – gays, lésbicas, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros. É uma forma análoga à sigla LGBT. 10 Na cultura jornalística, os especialistas ou fontes oficiais são considerados entrevistados de extrema importância. Isto se revela pelo fato dessas figuras estabelecerem critérios avaliativos que trazem confiabilidade à informação. Nelson Traquina (2001, p. 105) menciona três deles: autoridade, produtividade e credibilidade.

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Com relação a opção por esses últimos participantes, seja de caráter acadêmico ou profissional, suas colocações acrescentaram valor informativo e discursos reflexivos mais oficializados. No jornalismo, os especialistas não somente possuem relevância perante a sociedade por compreender o tema na sua área de atuação, mas por estarem vinculados à credibilidade das instituições oficiais. No caso do documentário, eles poderiam contribuir com o esclarecimento mais aprofundado da temática – e foi o que fizeram. Esses depoentes foram escolhidos a partir de três vieses: acadêmico, militante e de natureza jurídica. Respectivamente, um professor doutor pesquisador do tema; uma militante da causa LGBT em cargo público; e um advogado que atua na área da diversidade sexual. Esta metodologia esteve associada aos dois principais critérios jornalísticos de entrevista: relevância e contraste11. A etapa de gravação dos depoimentos foi realizada com cautela por ambos os autores. Como dito anteriormente, sabia-se que a proposta do filme de certa forma causava uma invasão à privacidade individual dos personagens. Teve-se todo um cuidado para não os ofender, contradizer e afrontá-los nas situações fílmicas. Sendo assim, as localidades das gravações foram escolhidas pelos próprios participantes, nos espaços em que se sentiam mais à vontade. Este critério acabou por se tornar as próprias cenas do documentário. Sobre possíveis perguntas e questionamentos direcionados à essas pessoas – como é de praxe no jornalismo factual –, o desenrolar dos depoimentos aconteceram mais como uma conversa informal do que uma gravação ou entrevista formal. Deixou-se transparecer a simplicidade e a coloquialidade nas cenas quando o cigarro é acesso, a fumaça expelida, o café tomado, os espirros e as tosses surgem, os automóveis passam nas ruas, os burburinhos alheios ecoam, a música do rádio toca ao fundo, e mais. A fotografia e o enquadramento foram pensados seguindo justamente essa mesma lógica. A partir dos locais de gravação, a informalidade da situação também pôde ser expressada sob a iluminação natural. Este tipo de luz, própria do momento (dia), propiciou 11

Traquina (2005, p. 79) analisa os critérios adotados para que um fato se torne notícia. Um deles é o de relevância, isto é, que corresponde à preocupação de informar o público dos acontecimentos que têm algum impacto na vida das pessoas. Já contraste é definido como o valor-notícia que se refere a um conflito ou controvérsia: polêmica.

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espontaneidade aos aspectos fotográficos de cor e tom ao filme (clima). Sobre o enquadramento, os planos abertos contextualizaram o ambiente, enquanto os fechados (closes) aproximaram o espectador aos rostos humanos. Todo esse conjunto de aspectos cinematográficos definiu os gestos dos personagens, e portanto a voz12 de Envelhe(s)er. Optou-se por incluir nas gravações cenas com a presença de um ator. Este personagem ora interpreta um texto sobre a sexualidade na velhice, ora se comporta como depoente, um “gay velho”. O que se tem é uma amálgama do ator – que fala para a câmera – com o próprio ator que também é um homossexual em idade madura. Isto acrescentou um tom poético ao documentário, retratando a questão dupla velhice e (homo)sexualidade. O objetivo foi proporcionar uma experimentação à narrativa documental, além de apresentar ao espectador a diretriz rítmica ao filme. Afinal, está ele a atuar ou se comportar como si próprio? Esta dúvida fica a cargo da pessoa que está a assistir Envelhe(s)er em respondê-la. Nas imagens em que ele aparece serviram para compor os entretítulos do filme, uma espécie de elemento narrativo que serve de passagem e vai seccionando o documentário em três diferentes assuntos principais a serem explorados nos depoimentos com os demais personagens: presente, passado, futuro. A escolha moldou tanto a abertura quanto o fechamento da obra fílmica. Como já dito que o documentário trabalha conjuntos de modelos, pode-se dizer que a participação do ator reflete ao modo reflexivo de se fazer cinema documental. No que tange a etapa de pós-produção, isto é, decupar as cenas gravadas e montá-las em uma ordem lógica para o documentário, foram utilizadas imagens de apoio – seja cenas avulsas, imagens de arquivo ou da Internet – que ajudaram na construção de uma narrativa mais dinâmica, e não somente no esquema “pergunta-resposta” comum aos documentários convencionais. De certo modo, contribuíram para reforçar as falas dos sujeitos fílmicos. Legendas e outros elementos gráficos presentes na tela corroboraram neste mesmo entendimento. Inclusive a trilha sonora, que avivou a atmosfera imagética da temática: músicas quase que na totalidade só instrumentais, de tempo mais antigo, por vezes calmas e suaves, outros dramáticos e precisos ao teor do 12

O conceito de voz no filme documental será explanado ao final do subcapítulo 3.3.

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assunto abordado. Esta escolha plástica conduziu o ambiente sonoro, justamente para que não atrapalhasse aquele que fala, porém que evidenciasse a abertura e o fechamento do documentário, os capítulos, as imagens de apoio e demais elementos narrativos a parte dos depoimentos. Nesse sentido, estas opções cinematográficas adicionaram movimento e personalidade à obra fílmica, isto graças ao toque pessoal dos diretores. Outros aspectos visuais na tela – como efeitos de transição, sobreposição ou correção de cor no vídeo (color grading) – também foram pensados e exigidos na etapa de montagem do documentário. Sempre que possível, seguiram o raciocínio de suavizar a imagem enxergada, de não trabalhar com uma edição muito contrastada, carregada ou pesada em cor e contraste. Era necessário adequar à temática do filme, moderando a fotografia e os cortes/transições de cena de uma maneira sutil: que o espectador percebesse as mudanças de movimento sem se desorientar do assunto abordado na cena fílmica que estivesse a assistir. Ao final da montagem, Envelhe(s)er atingiu o patamar de uma médiametragem, com duração de 44 minutos. Desta preparação, isto é, o documentário completo, foram construídas outras duas chamadas extras – protótipos audiovisuais – preparadas e exibidas nos períodos da banca de qualificação e de defesa, com o objetivo de aguçar a curiosidade do espectador. Experimentou-se o mesmo processo de montagem do documentário completo, porém com duração respectivamente de 4 e 8 minutos. Um convite à obra fílmica, mesmo que simplificado, mas que também exigiu técnicas e conhecimentos de pré e pós-produção cinematográfica (PUCCINI, 2009). 2.3- Revisão Bibliográfica

2.3.1- Livros

BEAUVOIR, Simone de. A Velhice. 5ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2003. 712 p.

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BRASIL. Legislação sobre o idoso. 3ª ed. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação Edições Câmara, 2013. 122p. COSTA, Antonio. Compreender o cinema. 2ª ed. São Paulo: Globo, 1989. 271 p. GOFFMAN, Erving. A representação do eu na vida cotidiana. Trad. Maria Célia Santos Raposo. 13ª ed. Petrópolis: Vozes, 2006. 236 p. NICHOLS, Bill. Introdução ao documentário. 2ª ed. Campinas: Papirus, 2007. 270 p. PUCCINI, Sérgio. Roteiro de documentário: da pré-produção à pós-produção. 3ª ed. Campinas: Papirus, 2009. 144 p. TRAQUINA, Nelson. O estudo do jornalismo no século XX. São Leopoldo: Ed. Unisinos, 2001. 220 p. TRAQUINA, Nelson. Teorias do jornalismo: porque as notícias são como são. Vol 1. Florianópolis: Insular, 2012. 224 p. 2.3.2- Artigos

ARNEY, Lance; FERNANDES, Marisa; GREEN, James. Homossexualidade no Brasil: uma bibliografia anotada. In: Cadernos AEL, v. 10, n. 18/19, p. 317-348. Campinas: Arquivo Edgar Leuenroth/Unicamp, 2003. FERNANDES, Thiago. Desvendando a Homossexualidade na Grécia e Roma Antiga Através da Pintura e Literatura. Rio de Janeiro: UFRJ. Escola de Belas Artes, Centro de Letras e Artes, Departamento de História e Teoria da Arte, mai. 2014. p. 2. MORENO, C. A. C. O paradigma da notícia como construção social. In: Logos – revista eletrônica. Rio de Janeiro: FCS, UERJ, v. 16, p. 63-71, 2002. MOTA, Murilo Peixoto. Homossexualidade e Envelhecimento: algumas reflexões no campo da experiência. In: SINAIS – revista eletrônica. Vitória: CCHN, UFES, v. 1, n. 06, p. 26-51, dez. 2009. SCHETTINO, P.; GONÇALVES, M. As três dimensões do cinema (anotações de aula). Sorocaba: UNISO, 2007. SILVA, Luna Rodrigues Freitas. Da velhice à terceira idade: o percurso histórico das identidades atreladas ao processo de envelhecimento. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 15, n. 01, p. 155-168, jan.-mar. 2008.

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SILVA, Silvio César. Cinema, multidimensionalidade e ideologia. Faculdade de Comunicação Social UERJ, Rio de Janeiro, v. 6, n. 10, p. 83-93, jan.-jun. 2008. Disponível em: . Acesso em: 30 out. 2015.

2.3.3- Blogs e sites

GGB – Grupo Gay da Bahia. Assassinato de LGBT no Brasil: relatório 2015. Disponível em: . Acesso em: 30 mar. 2016. IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo 2010. Disponível em: . Acesso em: 30 out. 2015. MAGNAVITA, AlexeyDodsworth. Identidade gay e os preconceitos que cerceiam a tolerância. Portal Ciência & Vida. Disponível em: . Acesso em: 30 out. 2015. MARINHO, J. Homossexualidade na terceira idade. Blog Nossos Tons. Disponível em: . Acesso em: 30 out. 2015. ONU – United NationsHumanRights. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: . Acesso em: 30 de out. 2015.

2.3.4- Reportagens e entrevistas jornalísticas

AZEVEDO, D.. Homoafetividade na terceira idade: depoimento. [15 de junho, 2015]. Belém: Programa Sem Censura Pará, Canal Portal Cultura. Entrevista concedida a Renata Ferreira. Disponível em: . Acesso em: 30 out. 2015. CASTRO, Nadyenka; LOPES, Mariana. “Veio me beijar e eu quis matar”, diz garoto que matou estudante. Campo Grande News, Campo Grande, 11 dez. 2012. Disponível em:

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. Acesso em: 30 out. 2015. COUTINHO, L.. Vontade de se vestir de mulher: depoimento. [04 de novembro, 2010]. São Paulo: Portal Online do Jornal Folha de São Paulo. Entrevista concedida a Ivan Finotti. Disponível em: . Acesso em: 30 out. 2015. COUTINHO, L.. Gostaria de não ter renegado minha homossexualidade por 40 anos: depoimento. [11 de março, 2014]. São Paulo: Portal iGay do iG. Entrevista concedida a IranGiusti. Disponível em: . Acesso em: 30 out. 2015. LOPES, Mariana; MACIULEVICIUS, Paula. Universitário é encontrado morto estrangulado na Orla Morena. Campo Grande News, Campo Grande, 9 dez. 2012. Disponível em: . Acesso em: 30 out. 2015. MACIULEVICIUS, Paula. Estudante é estrangulado e principal suspeita é de crime passional. Campo Grande News, Campo Grande, 9 dez. 2012. Disponível em: . Acesso em: 30 out. 2015. VERÃO, Helton. Caso de menino espancado pelo pai por ser gay cria polêmica no Facebook. Campo Grande News, Campo Grande, 5 ago. 2013. Disponível em: . Acesso em: 30 out. 2015.

2.3.5- Produtos audiovisuais

BAILÃO. Direção: Marcelo Caetano. Produção: Jurandir Müller. Fotografia: Julia Zakia. 16 min., color. São Paulo: 2009. Disponível em: . Acesso em: 30 out. 2015. ROCHA, Oscar. Em silêncio: prazer e morte. Assassinatos de homossexuais em Campo Grande. 1994. Vídeo-reportagem. 20 min., color. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo) – Curso de Comunicação Social, UFMS, Campo Grande. 1994.

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VELHOS SUJEITOS E OUTROS TRANSGRESSIVOS. Direção: Dário Azevedo. Produção: Âncora Films. 21 min., color. Belém: 2015. Disponível em: . Acesso em: 30 out. 2015.

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3- SUPORTES TEÓRICOS ADOTADOS

3.1- A (homo)sexualidade no processo de envelhecimento

Se existe uma lei que dita a vida é que todo ser vivo envelhecerá. Do primeiro momento em que se inspira o ar, o pulmão infla, o coração se aquece de sangue e as células recebem o oxigênio que precisam, o corpo já está a trabalhar – e portanto a envelhecer. Por mais que desejam, os seres humanos não escapam da regra. Permanecer jovem por artifícios plásticos, cirúrgicos e comportamentais é a maneira encontrada para fugir dessa realidade. Nas relações humanas a velhice é a constante final. O meio científico racionaliza o ato de maturidade como sendo um processo biológico, uma manifestação involuntária a tudo que é vivo, quando as células param de se reproduzir com aquela efervescência viril comum aos mais jovens. Quando chegamos à última etapa da vida, o metabolismo diminui, o reflexo no espelho se modifica. Do ponto de vista da religião, a velhice existe como uma transição da vida para a morte (SILVA, 2008, p. 156). Outra interpretação é de que a velhice é na realidade um privilégio social. Afinal, quem consegue chegar a senioridade já passou por todos os estágios da vida, adquirindo conhecimento e experiência, fazendo escolhas certas e erradas, conquistando perdas e ganhos suficientes para sair da cadeira de adulto e sentar-se em sua nova poltrona: a de idoso. Entretanto, é preciso pensar em outros significados de envelhecer. Como já elucidado, tornar-se velho faz parte de um processo da vida e tem representações e simbologias mais complexas na sociedade contemporânea. No entendimento das ciências sociais, por exemplo, a velhice está ligada a um processo histórico-humano que envolve questões culturais, sociais e econômicas. Para a demografia, significa aumentar os anos de vida. O surgimento de “novas” categorias etárias relaciona-se intimamente com o processo de ordenamento social que teve curso nas sociedades ocidentais durante a época moderna:

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O reconhecimento da velhice como uma etapa única é parte tanto de um processo histórico amplo – que envolve a emergência de novos estágios da vida como infância e adolescência –, quanto de uma tendência continua em direção à segregação das idades na família e no espaço social. (SILVA, 2008, p. 157)

O que se põe em questão: na sociedade atual, onde a juventude é excessivamente reverenciada, o culto à beleza uma ditadura, como o velho poderia ser ao menos considerado? Ou como já questiona Mota (2014, p. 17), “quais são as suas particularidades sociossexuais?”. Entre todas as interrogações que circundam o ato de envelhecer no mundo contemporâneo, uma ainda pouco explorada se encontra no campo da sexualidade. No

caso,

como



de

ser

uma

pessoa

idosa

e

desviante

da

heteronormativadade? “Sair do armário” ainda é tabu, seja para a sociedade branca, hétero-machista (e em alguns casos misógina), jovem, rica, consumista quanto para a academia científica. O “velho gay” também é por muitas vezes refutado na própria comunidade LGBT, como se existisse um padrão também para ser homossexual: Um sujeito pode ser homossexual, contanto que não seja uma “maluca desvairada e caricata” (leia-se: afeminado) e, ao que parece, ser “velho” é também um demérito, e não uma condição natural e inevitável da biologia. Tal discurso não dá espaço para a invenção da homossexualidade a partir de um ativismo constante e autoquestionador, conforme nos propõe Foucault. Existe, para este tipo de militante, uma forma ideal de ser homossexual, uma forma que, justamente por ser idealizada, exclui terminantemente uma realidade: efetivamente, existem homens homossexuais afeminados, quer gostem disso ou não os gays descolados, modernos e másculos. (MAGNAVITA, 2008, p. 4)

Há quem diga que o transexual é mais bem-vindo à “irmandade”13 do que o próprio idoso, pois é comum à própria comunidade LGBT proferir frases de baixo calão, preconceitos do tipo: “Seu velho safado”, “Pederasta!”, “Que nojo de você, vovô”. Mesmo 13

Neste contexto, está relacionado a comunhão e boa relação entre as pessoas que desenvolvem sentimentos afetuosos entre si, como se fossem irmãos ou membros de um mesmo clã, grupo social ou família.

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assim, não há escapatória: a velhice eventualmente chegará à todas as classes, gêneros e conceitos. Mota (2009) discursa sobre essa questão:

Se por um lado a sexualidade na velhice se mostra pela representação de ternura e carinho, por outro, no âmbito da homossexualidade, está crivada pelos estereótipos do tipo “bicha velha” ou “coroa assanhado”. Esta problemática contextualiza a análise simbólica sobre o corpo quando visto em seu processo etário, cronológico, rumo ao envelhecimento, como se o caminho da degeneração da aparência física excluísse o erotismo e a perda da atratividade. (MOTA, 2009, p. 27-28)

A novidade dessa discussão não é a análise da experiência da homossexualidade e da velhice em si, mas a percepção da diversidade sociossexual, ou seja, das diferenças sexuais e a complexidade que vem dessas duas categorias experimentadas pelos indivíduos na contemporaneidade. A novidade dessa discussão não é a análise da experiência da homossexualidade e da velhice em si, mas a percepção da diversidade sociossexual, ou seja, das diferenças sexuais e a complexidade que vem dessas duas categorias experimentadas pelos indivíduos na contemporaneidade. 3.2- O cinema enquanto ferramenta de resistência social

Antes de discorrer a definição de documentário e seu propósito no mundo, é preciso ressaltar alguns aspectos sobre o cinema enquanto documento, e o porquê disto auxiliar nas formas de resistência na sociedade. Conforme Paulo Schettino e Márcio Gonçalves (2007) inferiram, o cinema é sem dúvida uma forma de expressão humana: um meio de se comunicar, uma mercadoria industrial e um produto artístico. Existem outras interpretações enquanto suas dimensões no mundo, principalmente nos estudos da Teoria do Cinema. Como toda epistemologia, é um campo de acirradas reflexões. Antonio Costa, em seu livro

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Compreender o cinema, possui uma explanação simplificada sobre as diversas formas de abordá-lo: Sobre o cinema podemos dizer muitas coisas: que é técnica, indústria, arte, espetáculo, divertimento, cultura. Depende do ponto de vista do qual o consideramos. Cada um deles é igualmente fundamentado e não pode ser negligenciado. (COSTA, 1989, p. 28)

Voltando-se a interpelação de Schettino e Gonçalves, uma abordagem multiperspectívica do cinema é interpretada pelo tripé comunicação, indústria e arte. O cinema é visto como uma poderosa ferramenta comunicacional enquanto transmissão em massa, seja para fins informativos, pedagógicos, políticos, ideológicos ou de entretenimento. No que tange à industrialização, cinema cada vez mais é uma fábrica mercadológica, com seus princípios organizacionais, critérios técnicos e recursos financeiros. Já pelo espectro da arte corresponde ao seu formato não-estanque: a partir da soma de todos os recursos cinematográficos e da narrativa fílmica – que sobre um mesmo assunto pode ser realizada de inúmeras maneiras –, dá-se a obra fílmica. A particularidade está no uso da emoção e da sensibilidade artística como elemento agregador. Costa consegue ir além, voltando-se para o cinema em seu âmago: Mas se considerarmos o cinema como um todo, através da interação dos vários aspectos que acabamos de recordar, saímos do campo das definições e entramos no da observação. E observaremos então que o cinema é aquilo que se decide que ele seja numa sociedade, num determinado período histórico, num certo estágio de seu desenvolvimento, numa determinada conjuntura político-cultural ou num determinado grupo social. (COSTA, 1989, p. 29)

Partindo dessa análise, o cinema é considerado documento. Muitos autores da Teoria do Cinema entendem a importância do filme enquanto manifesto, evidência, registro, tal qual escritos antigos de um papiro egípcio. Jean-Claude Bernardet (apud SILVA, p. 86, 2008) também entende que o cinema já nasce documental. Embora também concorde com essa interpretação, Costa (1989, p. 48-53) chama a atenção para o fato de que, em seus primeiros anos, o cinema debateu-se entre o suposto caráter de

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reprodução fiel da realidade e a extraordinária facilidade que o novo meio proporcionava de produzir simulações perfeitamente aceitáveis. Esta discussão sobre a óptica da representatividade no cinema documental será retomada no subcapítulo 3.3. Falar dos aspectos documentais do cinema é voltar aos seus vieses históricos. A atividade fílmica ao longo dos anos ficou envolvida em certos valores simbólicos. O de maior importância, talvez, seja o cinema como ferramenta de resistência social. A invenção da fotografia, e em sequência a fotografia em movimento – o filme – ocorre propriamente no final do século XIX. Na época, uma outra descoberta afetaria em conjunto com o cinema: o rádio. Pela primeira vez após a revelação da imprensa por Gutenberg, o homem concebia novas tecnologias que influenciaram substancialmente as mídias comunicacionais e, portanto, as massas globais. Como todo invento, o cinema e o rádio também foram utilizados para propósitos político-ideológicos. A partir dessas máquinas, a propagação de ideias se dá na chegada da Primeira Guerra Mundial e em sua sequência. Um árduo controle social, em especial, culmina no nazismo alemão e no fascismo italiano. No Brasil, a regulamentação de todos os aspectos da vida pública e privada, além do emprego do rádio e do cinema como regime ideológico, acontece na Era Vagas. Costa discorre sobre a dialética cinema e guerra pelo viés documental: Se examinarmos em qualquer manual de história o gráfico do tempo da última década do século XIX, quando surgiu o cinema, encontramos uma lista de guerras de natureza, direta ou indiretamente colonial. [...] Encontramos também registrados eventos de grande releve políticosocial. [...] Junto a estes fatos, são citadas as principais novidades científico-tecnológicas e culturais. (COSTA, 1989, p. 46)

Com o término da Segunda Guerra Mundial e o enfraquecimento dos sistemas de governo totalitários na Europa, o mundo ocidental se via diante de ruínas. Do ponto de vista humanista, a guerra é um fracasso premeditado, que resulta em morte e destruição. Os países participantes dessas duas guerras globais foram os que mais vivenciaram isso, principalmente os do Eixo – perdedores. A partir do pós-guerra, o cinema começa a ser aproveitado como uma ferramenta de resistência social, exercitado

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no formato documental. Na época, filmar o horror, o caos e a tristeza da situação cotidiana de uma maneira crua e natural seria um impedimento para que a barbárie jamais acontecesse novamente. Não havia necessidade de contextualização, roteirização, criação de texto, gravação de locução ou utilização de música em plano de fundo. A vontade era mostrar a dor e o sofrimento das mães que perderam seus filhos. Capturar os prédios em escombros, devastados, que antes abrigavam milhares de famílias. Compilar a cidade repartida, retalhada, apagada em um gradiente descolorido. Filmar a situação do pós-guerra era expor a vida que persiste. No meio da conjuntura fúnebre, representar a exclusão da sociedade em decadência. 3.3- O documentário: uma forma de representação social

Para Bill Nichols (2007), todo o filme é documentário. Mesmo o filme de ficção contém traços característicos relativos à época de realização do filme, contexto histórico, percepção cultural do diretor. Todos os filmes contam uma história, portanto, possuem uma narrativa. São, então, documentais. Se existem, porém, filmes de ficção e não-ficção, logo há uma distinta segmentação entre ambos os gêneros. Nichols argumenta que o primeiro sustenta naturalmente uma incredulidade; o espectador facilmente sugere uma plausibilidade sobre o universo ficcional do filme. Por outro lado, o filme não-ficcional ou documentário procura convencer o espectador de que o produto audiovisual que ele assiste refere-se ao mundo em que ele vive. Por vezes, produz mais perguntas do que respostas sobre um tema que necessite de atenção no meio social em determinado período histórico. Acrescenta, então, um ponto de vista ou enfoque preferível ao assunto central, e tenta persuadir o espectador a aderi-lo. Em resumo, Os documentários mostram aspectos ou representações auditivas e visuais de uma parte do mundo histórico. Eles significam ou representam os pontos de vista de indivíduos, grupos e instituições. Também fazem representações, elaboram argumentos ou formulam suas próprias estratégias persuasivas, visando convencer-nos a aceitar suas opiniões. Quanto desses aspectos da representação entra em cena varia de filme

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para filme, mas a ideia de representação é fundamental para o documentário. (NICHOLS, 2007, p. 30)

É importante entender o conceito de representação no cinema não-ficcional. Para Nichols, representar significa retomar ou re-significar uma parte do mundo pelo uso de aspectos visuais e auditivos. Representar o outro, isto é, retratar sobre as pessoas comuns ou temas humanos, refere-se ao ato de considerar uma determinada perspectiva subjetiva do cineasta. Essa ideia, segundo o autor, é fundamental na produção de um documentário quando o cineasta e sua equipe precisam apresentar e sustentar este ponto de vista na narrativa fílmica. Em suas palavras, [...] os documentários representam o mundo histórico ao moldar o registro fotográfico de algum aspecto do mundo de uma perspectiva ou de um ponto de vista diferente. Como representação, tornam-se uma voz entre muitas numa arena de debate e contestação social. O fato dos documentários não serem uma reprodução da realidade dá a eles uma voz própria. Eles são uma representação do mundo, e essa representação significa uma visão singular do mundo. A voz do documentário é, portanto, o meio pelo qual esse ponto de vista ou essa perspectiva singular se dá a conhecer. (NICHOLS, 2007, p. 73)

O conceito de voz a que o autor se refere quer dizer os elementos visíveis e invisíveis, objetivos e subjetivos, operacionalizados para defesa da causa com argumentos lógicos, organizacionais e informativos. O molde do filme documental é seu estilo, e este está relacionado à maneira em que o diretor compreende e trabalha em termos audiovisuais o assunto. Isto acontece ao longo de toda a narrativa: nos cortes de cena, fade in/fade outs, aspectos fotográficos, posicionamento dos envolvidos no quadro, etc. No caso do documentário Envelhe(s)er, prevaleceu a não-interrupção dos personagens durante as entrevistas, o que acarretou nas cenas mais prolongadas, enquadramentos em planos fechados ou close-up de detalhes. Não houve intervenção sonora por parte da equipe na etapa da montagem. A atenção ficou voltada aos gestos, expressões e comportamentos dos atores sociais, ou seja, dos próprios personagens. Nichols explica que esses “atores” correspondem a si próprios, à medida que prosseguem

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suas atividades cotidianas normalmente, com ou sem a presença da câmera, isto é, são pessoas reais e não atores contratados por uma equipe que realizará um filme de ficção. Isto desperta alguns questionamentos éticos. Quando se discute algo do mundo de modo a representá-lo cinematograficamente, como abordá-lo? Como filmar de uma maneira ética, sem deturpação ou modificação na atmosfera documental? No filme de ficção, o mundo é fabricado, moldado ao bel-prazer do cineasta. Já no documentário, as pessoas encontram-se na posição de atores sociais, como explicado anteriormente. De acordo com Nichols, a ética na produção do filme de não-ficção é uma linha tênue e maniqueísta entre o certo e o errado, o vantajoso e o prejudicial, o moral e o imoral. Cabe ao diretor a responsabilidade – e as consequências – em discernir um do outro, conforme sua interpretação do que é adequado ou inadequado ao filme sem que haja deturpação ou ridicularização dos personagens envolvidos. Pensando nisso, Envelhe(s)er buscou a valorização do outro permitindo que se expressassem livremente, sem interferência direta na maneira que falam, pensam e se posicionam sobre o mundo.

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4- OBJETIVOS ALCANÇADOS

O objetivo principal de desenvolver um documentário a partir de histórias, perspectivas, características e diferenças dos indivíduos que pertençam a comunidade LGBT de Campo Grande (MS) e que possuam idade igual ou superior a 50 anos foi alcançado. Sobre os objetivos secundários, listaremos abaixo:



“Respeitar os direitos humanos, sem que se mascare pressupostos ou preconceitos”. Ter a iniciativa de fazer um filme sobre algum grupo excluído já é uma prerrogativa básica de respeito e promoção dos direitos humanos. Porém, para desmistificarmos de fato a questão central nos sensibilizamos durante a montagem percorrendo as falas mais relevantes, os gestos mais emotivos, etc., dando valor e sentido ao vídeo.



“Construir o produto audiovisual a partir da subjetividade dos personagens e da sensibilidade de suas histórias”. Isto foi feito nas entrevistas, pelas perguntas de maior carga emocional, e também na montagem, quando selecionamos e recortamos o documentário da maneira mais coerente com a temática.



“Coletar personagens que se encaixam no recorte estabelecido e entrevistar aqueles que tiverem experiências de vida e/ou opiniões mais relevantes para o referido documentário”. Como o escopo préestabelecido é limitado, encontrar os entrevistados foi um desafio. Porém, este objetivo foi alcançado no sentido de que os participantes argumentam aberta e evidentemente o assunto.

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“Identificar as dificuldades, características, diferenças e peculiaridades sociais do grupo de indivíduos proposto e apontá-las por meio de suas histórias”. Os indivíduos por si só representam a si mesmos ao adotarem a postura de atores sociais no documentário. Assim sendo, suas histórias apontam suas particularidades individuais, suas singularidades enquanto indivíduos. Eles mesmos revelam o status quo a qual pertencem, suas bandeiras e lutas pessoais. Por vezes reforçam preconceitos e estereótipos que tentam evitar, o que acentua diferenças sociais do padrão heteronormativo.



“Conhecer e expor outras opiniões do tema, não somente dos personagens, mas também dos familiares, amigos, advogados, assistentes sociais, teóricos, pesquisadores e demais especialistas no assunto, mas que isto esteja limitado ao escopo pré-estabelecido”. Alcançou-se parcialmente este objetivo, visto que no decorrer do projeto percebeu-se a não-necessidade dos familiares, amigos, etc. para corroborar o que os personagens relataram. A veracidade das histórias foi assegurada quando se desejava a priori ouvi-las. Ainda, os próprios personagens estavam aptos – pela questão da idade – e dispostos a participar e revelar reflexões sobre o assunto. Eles entendem a importância do falar e do ser ouvido. Porém, assegurou-se a utilização das fontes oficiais (especialistas), como teóricos, militantes e advogados no tema.

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5- DIFICULDADES ENCONTRADAS

De maneira geral, o maior obstáculo encontrado foi a etapa de busca pelos personagens. No meio científico, nem todos os artigos e trabalhos referem-se ao tema proposto. Percebe-se, então, que a questão é pouco debatida na academia brasileira. Observou-se também que a discussão ainda é tabu para os idosos que têm a sexualidade diferente da heteronormatividade, seja pelo autoreconhecimento da idade, pela questão da privacidade individual ou pelo preconceito dentro da própria comunidade LGBT. Ficou difícil, então, descobrir aquelas pessoas que se encaixavam na temática principal, mas não uma tarefa impossível. Por meio de parentes, amigos e conhecidos, podem-se localizar esses entrevistados e convidá-los a participar do documentário. Entretanto, a questão ainda resultava na lacuna de destacar a comunidade LGBT no seu todo: de lésbicas à gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros. No filme, os personagens pertencem a apenas duas categoriais sexuais, homo e trans. Nesse contexto, tanto a pessoa lésbica quanto a bissexual não estariam inclusos, o que remeteu a outra dificuldade: definir termologicamente o escopo do trabalho. É complexo, porém, muito importante entender que identidade de gênero nada se assemelha ou corresponde à identidade sexual. Se o documentário Envelhe(s)er não apresenta indivíduos cujo sexo biológico é o feminino, isto não quer dizer que o filme não exiba mulheres. Quando se traz à tela um homem transexual, isto é, um indivíduo de sexo biológico masculino que se identifica e assume um papel de gênero feminino, então se está a evidenciar uma mulher e, portanto, a retratar questões relacionadas ao feminino no lato sensu da palavra. Todas essas problemáticas foram resolvidas em conformidade nos estudos e pesquisas sobre velhice e sexualidade (etapa bibliográfica), como também nos encontros de orientação. Após meses de desenvolvimento, ficou esclarecido que mesmo abordando apenas duas esferas de representação sexual (homo e trans), elas ainda sim compreendem o universo LGBT, podendo argumentar sobre a classe como um todo. Por fim, Envelhe(s)er também está sim a discutir e contrapor o papel de homem e mulher na

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sociedade contemporânea heteronormativa, visto que os papeis de gênero estão definidos como identificador particular e subjetivo de cada um dos personagens. Por mais dificultoso que foi esclarecer todas essas questões conceituais e encontrar cada um dos personagens participantes, os objetivos foram alcançados. Conseguiu-se, então, um número razoável dos atores sociais. No total, quatro aceitaram o convite para falar abertamente sobre o tema, mesmo se tratando de um produto audiovisual, isto é, de um projeto que tem a câmera – para muitos – como um objeto inibidor.

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6- DESPESAS (ORÇAMENTO)

A fim de registrar financeiramente o desenvolvimento do documentário, a tabela abaixo relaciona o material adquirido, a finalidade para uso exclusivo do projeto e suas respectivas despesas (valores em reais – R$). O orçamento, então, serve como uma amostra dos gastos que houve no decorrer do programa, para que se tenha um parecer dos desembolsos aplicados para realização do trabalho.

TIPO DE MATERIAL

ESPECIFICAÇÃO TÉCNICA

FINALIDADE DE UTILIZAÇÃO

DESPESA (EM REAIS – R$)

Pendrives

8 GB USB 2.0 (Multilaser)

Entrega dos arquivos deste relatório

100,00

Cabo de áudio

Canon fêmea para P2, extensão de 5 metros

Captação de áudio

60,00

Livro

“Introdução ao Documentário”, de Bill Nichols

Suporte teórico

69,00

Transporte





100,00

Painel de LED

Amaran AL 198C (Aputure)

Equipamento de iluminação

200,00

HD externo

D3 Station 3TB USB 2.0 (Samsung)

Backup dos arquivos digitais

300,00

Câmera fotográfica

D5500 (Nikon)

Equipamento fotográfico

3000,00

TOTAL (EM REAIS – R$)

3829,00

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7- CONCLUSÕES

No decorrer do documentário Envelhe(s)er, o que mais observou-se dos personagens é que são indivíduos de uma geração que acompanhou diversas transformações sociais históricas, desde os movimentos sociais dos anos 60; ao período da Ditadura Militar e do AI-5; além da pandemia da HIV/AIDS. Com essas experiências, aprenderam a seguir suas vidas sem a necessidade de ressaltar qualquer bandeira. Pelo contrário, muitos utilizaram suas rotinas cotidianas como forma de militância. A consequência, entretanto, é que essas pessoas não se vêem hoje pertencente a uma classe ou grupo social em específico – como a de idoso por exemplo –, mas como indivíduos que estão presentes em todas as cadeias sociais, e ainda trabalham, estudam, votam e batalham diariamente por seus direitos civis. Por meio dos depoimentos, foi possível encontrar gays e transexuais oriundos de diferentes profissões, estilos de vida, classes sociais, etnias e religiões. Pôs-se em evidência uma heterogeneidade das experiências sociossexuais, sejam elas homo ou trans, suas transformações como modo de vida e representações de si mesmas. Dos relatos, percebeu-se que o debate velhice na comunidade LGBT continua pouco discutido na contemporaneidade, principalmente pelos cidadãos pertencentes a ela. Foi uma surpresa, porém, encontrar pessoas dispostas a depor sobre o assunto de forma quase como em um “confessionário”. Afinal, esses personagens revelaram muito de si e do universo em que vivem hoje. A câmera não os intimidou, e a situação de entrevistadoentrevistador ficou conjugada em uma atmosfera de mediação, em que a proposta foi uma via de mão-dupla, uma humanização das relações. Ambos os envolvidos, após esse encontro, nunca mais serão os mesmos. Os diálogos reforçaram o entendimento físico da velhice, da mudança do corpo, cansaço, irritação e da falta de energia perante algumas atividades outrora desempenhadas. Os vínculos sociais não são mais os mesmos, e há uma clara percepção de saudosismo do tempo vivido. Dentro desses discursos, os personagens estimularam os mesmos preconceitos que repudiam, como se estivessem a se “enquadrar” mais próximo à normalidade social, fugindo da realidade que vivem. Se estão

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a refletir sobre suas particularidades sexuais, volta e meia confrontam essa situação, como se precisassem elevar seus status quo a algo mais significante ou menos rechaçado. Talvez isto seja uma questão da geração a qual pertencem, ou possivelmente por uma relação cultural de história de vida. De modo geral, mencionou-se a ditadura da beleza, o culto ao corpo e ao belo, além da incansável busca à eterna juventude. Em todos os meios sociais, parece que há uma obrigação não em apenas ser jovem, mas também em permanecer assim. Essa problemática esconde uma questão intrínseca ao ser humano: a de que um dia todos envelhecerão. Fica a pergunta se a sociedade atual – o que inclui as pessoas LGBTs – está preparada para essa “nova” etapa de vida. Nesse sentido, ainda faltam políticas públicas que amparem esse grupo de indivíduos, mesmo com a presença de direitos mais igualitários para a comunidade. Por fugirem da heteronormatividade, alguns se encontram sem o apoio familiar ou de ambientes em que os abrigam. Isto acontece porque a “margem social” que se deparam não os leva a questionar o seu próprio futuro. O que esses idosos, então, podem esperar dos anos que virão? O amanhã certamente é de esperança para os jovens que lutam pelas causas LGBTs, mas de repleto de incertezas para aqueles que viveram gerações passadas.

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8- APÊNDICES

8.1- Argumento

8.1.1- Sinopse

Mãos marcadas pelo tempo. Nos olhos, expressões de quem viveu gerações. A voz enuncia a história construída, e o que se foi, passou, inclusive a juventude. No coração, permanece o sentimento de querer amar e ser amado, independente quem for: homem ou mulher. Antes pouca liberdade, hoje muita intolerância. Resta uma pergunta: permanecer invisível ou falar e ser ouvido? Envelhe(s)er é uma das resposta. 8.1.2- Tratamento

PROPOSTA DO FILME

1. Relatar histórias de vida de pessoas pertencentes à comunidade LGBT e que estão em idade igual ou superior aos seus 50 anos; 2. Debater a questão da homossexualidade/transexualidade na velhice por meio das colocações dos personagens; 3. Explorar as emoções de cada personagem pela não-interrupção de suas falas, gestos ou comportamentos; 4. Mesclar encenações e depoimentos com o objetivo de tornar o documentário mais leve, com certo ritmo experimental e também mais subjetivo; 5. Convidar especialistas para que possam – cada um em sua respectiva área de atuação – emitir uma reflexão mais aprofundada e embasada sobre o tema.

ABORDAGEM DO FILME (APPROACH)

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A abordagem deste documentário será em estilo de entrevista (pergunta-resposta), mas que respeite a fala do personagem, sem interrompê-lo a todo momento. Os depoimentos acontecerão no ambiente em que o indivíduo filmado se sinta mais a vontade, seja em sua casa ou no trabalho, sendo estimulados a agirem naturalmente, como uma conversa informal. Desta forma, no sentido das relações humanas, aproximaremos mais dos indivíduos diante da câmera. Exploraremos também as memórias, conhecendo as vivências pessoais e reavivando sentimentos pessoais, respeitando os limites morais e éticos. Por fim, utilizaremos a encenação de um ator nas cenas de introdução de cada capítulo do documentário. Este profissional ora interpretará em leitura dramática, ora se torna entrevistado participativo, tal qual os outros personagens. O objetivo é trazer uma maior poeticidade e sensibilidade ao tema.

CONTEÚDO DO FILME

As situações a serem filmadas deverão incluir (não somente): 1. Gestos, olhos, boca, expressões dos entrevistados; 2. Atividades corriqueiras exercidas em seu dia-a-dia, sejam elas de caráter profissional ou pessoal; 3. Imagens de apoio, como álbuns de família, objetos, paisagem, imagens de arquivo, etc.

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8.2- Roteiro

MINUTAGEM

VÍDEO

ÁUDIO

INTRODUÇÃO 00:00:00 – 00:00:18

Logos da UFMS e do curso de Jornalismo. Descrição do filme enquanto experiência de TCC.

Sem som

ABERTURA BG: “Gracias a la Vida” (versão instrumental) OFF 1: “Como é que é envelhecer sendo homossexual? Parece que todo homossexual é jovem, bonito e endinheirado”.

00:00:18 – 00:02:11

Enquadramento fechado no ator Jair Damasceno, dos gestos, das mãos, braços, expressão facial e corporal. Enquanto solta os áudios dos personagens, o ator permanece em sua performance. Encerra a cena com o enquadramento fechado e aproximação do rosto inerte do ator.

OFF 2: “Tem dias que você acorda, se olha no espelho e diz: nossa, não sou eu! Então eu tomo um banho, passo maquiagem e pronto, viver a vida de novo. Não tem o que fazer, o tempo não retrocede”. OFF 3: “Até hoje, apesar de todo avanço que teve, ainda existe preconceito. Eu sinto isso, inclusive da minha própria família”. OFF 4: “Ah!, hoje eu sou uma bicha “poc poc”, grande bosta! Você vai ficar velho que nem eu, e ai?” OFF 5: “Se é uma coisa que não me impeça de viajar, de comer e de beber.e de conversar, eu não vou me incomodar”.

00:02:11 – 00:02:29

ENVELHE(S)ER

APRESENTAÇÃO

Sem som

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MINUTAGEM

VÍDEO

ÁUDIO

Ortiz: se apresenta falando o nome, o dia e o local em que nasceu. Fade in / fade out dos entrevistados se apresentando na seguinte ordem: Ortiz, Ursula, Cido, Rubens, e por fim o ator Jair. 00:02:29 00:04:49

Imagens de apoio: foto dos personagens Ortiz e Rubens; movimento Diretas Já; Ursula exercendo a profissão de cabeleireira.. Encerramento da entrevista do Jair em fade out.

Ursula: fala o nome, a idade, a cidade em que nasceu e a profissão Cido: fala sobre a profissão, a idade e o tempo que está na docência. Rubens: diz seu nome completo e que gostaria de se tornar “Ortiz” um dia. Fala a idade, a profissão e sobre como lutou por direitos junto com as demais pessoas e sua militância política nos movimentos da Diretas Já. Jair: fala seu nome, profissão e nacionalidade.

CAPÍTULO 1: PRESENTE BG: “Reminiscências do Passado” (versão instrumental) 00:04:49 – 00:05:26

Fade in Jair na leitura dramática. Inserir o subtítulo “Presente” ao final da atuação do Jair, e perdurar por mais 4s

Imagens dos entrevistados, em alguns momentos utilizando-se de imagens de apoio e intercalar cada assunto abordado com as fontes-oficiais.

00:05:26 – 00:16:06

Imagens de apoio: Ursula usando óculos; cenas da juventude, culto ao corpo, à beleza. GC: Guilherme Passamani (Professor Doutor em Ciências Sociais da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS); Júlio Valcanaia (Membro da Comissão da Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB/MS); Cris Stefanny (Coordenadora

OFF: “Virá o dia em que eu hei de ser um velho experiente e ainda que eu carregue as mãos enrugadas do tempo vivido... Meus ombros, encolhidos, mostrem a bagagem que levo... Meus olhos revelem os caminhos percorridos... Ainda sim, mesmo assim, serei a eterna mocidade sentida...” Jair: começa falando sobre a velhice e a sexualidade de um modo geral. Ortiz: diz que a idade pesa e que se sente a cada dia mais cansaço. Ursula: fala que as pessoas acabam se adaptando a tudo. O modo de se vestir, o cabelo, que elas mudam com o tempo. E que hoje, por exemplo, ela precisa usar óculos. Cido: conta que o mundo é feito para quem tem até 60 anos e para quem tem mobilidade. Menciona o fato de parecer que a sociedade não enxerga o idoso

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MINUTAGEM

VÍDEO

ÁUDIO

de Políticas Públicas LGBT do Município de Campo Grande / MS).

como alguém que faz tudo que o jovem faz, como namorar, sair, fazer sexo, etc. embora seja com menos intensidade e/ou freqüência. Rubens: relata que a frequência de se praticar o ato sexual, diminui. Que outras coisas passam a ser prioridade. Ursula: diz que o corpo e a cabeça, as vezes, não correspondem. Guilherme Passamani: fala sobre a importância da juventude caracterizada pela sociedade e o duplo estigma que os sujeitos sofrem por pertencerem a comunidade LGBT e estarem em idade mais avançada. Ursula: conta que não “dá bandeira”, que vive sua vida normalmente e que não necessita que as pessoas saibam da sua transexualidade. Ortiz: conta que é casado com o Rubens a 35 anos e acredita que nunca sofreu preconceito porque não possui comportamento “exagerado”. Julio Valcanaia: explica que os idosos que estão na comunidade LGBT, hoje, estão “perdidos” pois vieram de uma geração de muitas transformações, torturas, pressão. Cido: revela que passou a mudar o comportamento, o modo de falar, de gesticular. Ursula: diz que as pessoas possuem preconceito de um assunto que elas nem mesmo conhecem. E que sempre se sentiu a Úrsula, então não sente necessidade de gritar para a sociedade sua transexualidade. Julio Valcanaia: explica que os próprios LGBT’s em idade mais avançada e pertencentes a comunidade precisam se reconhecer como parte da sociedade. E

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ÁUDIO que não precisam mudar, pois há na sociedade um contrato social, em que é preciso haver o respeito. Cido: revela que há muita cobrança por ser homossexual, porque ele precisa ser mais bem sucedido para ser respeitado pela família, pelo grupo social em que vive. Cris Stefanny: defende que o fato de ser gay, lesbica ou ser transexual está muito ligado ao “glamour”, ao belo, juventude. E acaba que a própria comunidade não pensa na questão do envelhecimento e seus direitos.

TRANSIÇÃO DE CAPÍTULO BG: “Bachianas Brasileiras No. 5 - I - Aria” (versão instrumental/lírica)

00:16:06 – 00:16:53

Fade in Jair na leitura dramática. Inserir o subtítulo “Passado” ao final da atuação do Jair, e perdurar por mais 4s

OFF 1: “Serei um velho, não terei mocidade, nem sexo, nem vida, só terei uma experiência extraordinária... OFF 2: “Sei que venho do século passado...e que trago comigo todas as idades...mas não sei se sou velho, você acha que sou?”

CAPÍTULO 2: PASSADO

Imagens dos entrevistados, em alguns momentos utilizando-se de imagens de apoio e intercalar cada assunto abordado com as fontes-oficiais. 00:16:53 – 00:29:42

Imagens de apoio: livro do João Silvério Trevisan; da Úrsula em seu ambiente de trabalho; ditadura militar; revista sobre o menino que ganhou o direito de ser tratado como menina; imagens da artista Rogéria, Jeni de Castro; Cazuza cantando; parada gay em Campo Grande MS

Jair: conta do seu primeiro contato com a “sexualidade”, segundo seu entendimento. Rubens: revela que a lembrança mais remota sobre sentir-se homossexual foi com seis anos de idade em que fugia de casa para cheirar a cueca do vizinho. Ursula: conta que quando criança adorava circo, que gostava de se vestir como menina. E que se sentia como a cantora Kátia Cilene. BG: música da Kátia Cilene como referência.

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Ursula: lembra que aos nove anos de idade se vestiu com um biquíni de paetês e convidou todo mundo do bairro para assistir e que acabou apanhando do pai. Cido: conta que não sabia o que era a homossexualidade no período em que viveu no campo com os pais. Que por causa da ditatura não era um tema que se comentava, ou que as pessoas falassem. Ortiz: comenta que não sabia o que era homossexualidade, que em sua época também não se comentava. E que a tendência dos adolescentes era ir para a zona, transar com mulher. Aparecido: diz que somente quando foi para cidade que entendeu o que era e que foi da pior maneira possível, pois sofreu preconceito dos colegas da escola em que estudava. Guilherme Passamani: diz que os homossexuais mais velhos estão perdidos no mundo atual porque vieram de uma época de muita repressão. Rubens: se emociona ao dizer sobre as conquistas que os homossexuais ou travestis já conquistaram. E sobre a maneira como eram tratados na época da repressão militar. Ursula: comenta que a maioria dos seus amigos morreram de AIDS, devido à promiscuidade que muitos viviam. Cido: lembra que sua geração sofreu muito com a AIDS. Que ficou como uma maldição da época e que as pessoas não sabiam como evitar, porque não havia muita informação sobre ela, então a solução era ficar sem fazer sexo. Rubens: conta que muitos amigos morreram de AIDS, que também foi uma época devastadora e que marcou sua vida.

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BG: “O tempo não para” (versão ao vivo) Rubens: lembra que foi convidado por uma assistente social para liderar um movimento para a prevenção da HIV/AIDS e de demais doenças sexualmente transmissíveis. Julio Valcanaia: fala que a partir da década de 80 que a população começa a procurar do governo uma resposta em relação a epidemia de AIDS, e que a partir dai que o movimento LGBT começou a se organizar. BG: “O tempo não para” (versão ao vivo) TRANSIÇÃO DE CAPÍTULO BG: “Choro da Saudade” (versão instrumental) 00:29:42 – 00:30:11

Fade in Jair na leitura dramática. Inserir o subtítulo “Futuro” ao final da atuação do Jair, e perdurar por mais 4s

OFF: “Ah! Quanto futuro me espera pela frente, e quão rápido chegarei, mesmo indo devagar... E por isso, quero aqui convocar os velhos como eu, ou mais velhos que eu, para exercerem seus direitos... Devagar, chegaremos juntos!”

CAPÍTULO 3: FUTURO Jair: diz que não pensa no futuro, mas que a sexualidade ainda estará acontecendo com ele. Ursula: conta que não para pra pensar no futuro. 00:30:11 – 00:35:29

Imagens dos entrevistados, em alguns momentos utilizando-se de imagens de apoio e intercalar cada assunto abordado com as fontes-oficiais.

Cris Stefanny: diz que para pensar em futuro, a própria categoria LGBT precisa pensar na questão da velhice para vive-la de uma maneira tranquila e bem resolvida. Cido: afirma que é preciso pensar no futuro, nos estudos e cuidar da sua própria existência.

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Rubens: diz que passou a pensar na questão de futuro após o Antonio sofrer amputação nas pernas. E que tem medo de ficar sozinho. Cris Stefanny: revela ter uma esperança em relação aos que estão nascendo hoje para que possuam respeito e sejam capazes de acolher e tratar os homossexuais e transexuais igual a todo mundo. Julio Valcanaia: acredita que o futuro é promissor e que muitas transformações ainda ocorrerão. E que os próprios idosos LGBTs precisam se mobilizar para que haja mudança. Cido: diz que espera chegar lá. FECHAMENTO

00:35:29 – 00:36:47

Fade in na entrevista com o Jair, na parte em que sai da “cadeira de depoente” e assume o papel de ator. Assim que perguntar o porquê do trabalho, cortar em preto. Aguardar uns 5s

Jair: revela que as histórias foram contadas por ele.

00:36:47 – 00:36:55

ENVELHE(S)ER

Sem som

00:36:55 – 00:44:04

Créditos em fade in/fade out, e a continuação do vídeo anterior em formato 4:3 (proporção), não ocupando a área inteira das bordas

BG: “Volver a los 17” e “Gracias a la vida” (ambas em versão cantada) na íntegra até o final do vídeo

MINUTAGEM FINAL: 44 MINUTOS E 04 SEGUNDOS

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8.3 – Modelo de autorização de uso e autorização de imagem

Para todos os envolvidos que participaram de Envelhe(s)er e que tiveram sua imagem capturada em câmera, seja na forma de depoimento ou entrevista, foi solicitada a assinatura do Termo de autorização para realização de entrevistas e uso de imagens documentais, disponível abaixo. Isto garante aos autores do produto audiovisual uma garantia legal na inclusão e divulgação do documentário tanto para a disciplina de Projetos Experimentais como em eventos acadêmicos, mostras, exibições, editais, premiações e demais eventos públicos.

TERMO DE AUTORIZAÇÃO PARA REALIZAÇÃO DE ENTREVISTAS E USO DE IMAGENS DOCUMENTAIS

Neste ato, e para todos os fins em direito admitidos, autorizo expressamente, a participação no projeto experimental de conclusão de curso intitulado “ENVELHE(S)ER”, o qual resultará na elaboração de um produto audiovisual (documentário) a ser apresentado no segundo semestre de 2015 para obtenção do grau de Bacharel em Comunicação Social – Jornalismo na UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL (UFMS), sob orientação da Prof.ª Dr.ª Fernanda Salvo. Procedimentos utilizados: ( ) entrevista / depoimento COM identificação do(a) entrevistado(a) ( ) entrevista / depoimento SEM identificação do(a) entrevistado(a) ( ) fotografias de ambientes, pessoas e objetos O material resultante do desenvolvimento do projeto deverá ser apresentado na elaboração do documentário que objetiva dar voz aos indivíduos pertencentes à comunidade LGBT de Campo Grande (MS) e que possuem idade igual ou superior aos 50 anos. Em outras palavras, desmistificar universo das pessoas LGBTs em idade madura, sob a ótica e procedimentos do “documentário cinematográfico”, sem fins comerciais, assim como no relatório acadêmico final do referido projeto experimental. Assim posto, os acadêmicos KIOHARA SCHWAAB EVANGELISTA FERREIRA, RG 001.851.755, e RAUL MAURICIO DELVIZIO, RG 001.645.222, ficam autorizados a capturar imagens audiovisuais e executar a montagem do referido documentário, bem como a reproduzir o respectivo material para finalidades acadêmicas, como também em eventos, mostras, exibições, editais e premiações, respeitando sempre os fins aqui estipulados. Fica ainda concedida a divulgação via Internet e outros meios comunicacionais.

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Campo Grande, ______ de ____________________ de 2016.

________________________________________________ ASSINATURA

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