Escalada Erótico Digital

September 28, 2017 | Autor: M. Araujo Caetano | Categoria: Video Games
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UFF - UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE IACS - INSTITUTO DE ARTES E COMUNICAÇÃO SOCIAL CURSO DE ESTUDOS CULTURAIS E MÍDIA

ESCALADA ERÓTICO DIGITAL

apresentado por: MAYARA ARAUJO CAETANO

Professor Orientador Acadêmico: PROF. DR. BENJAMIM PICADO

NITERÓI, JUNHO DE 2014

 

UFF - UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE IACS - INSTITUTO DE ARTES E COMUNICAÇÃO SOCIAL CURSO DE ESTUDOS CULTURAIS E MÍDIA

ESCALADA ERÓTICO DIGITAL

apresentado por: MAYARA ARAUJO CAETANO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Estudos Culturais e Mídia à banca examinadora composta por

______________________________________________________________________ Profº Dr. Benjamim Picado UFF - Universidade Federal Fluminense ______________________________________________________________________ Profº. Dr. Emmanoel Ferreira UFF - Universidade Federal Fluminense ______________________________________________________________________ Profª. MSc. Nayara Matos Barreto UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro

 

 

À minha avó Mair (in memorian)

 

 

AGRADECIMENTOS Esse trabalho está dedicado à memória da minha avó materna Mair Silva Araujo. Infelizmente ela faleceu acompanhada por uma das mais doloridas perdas: a anestesia dos sentimentos. As pessoas mencionadas nesses agradecimentos são responsáveis por me afetarem durante esses anos e portanto considero as mesmas dignas de reconhecimento. Minha complexa e errada família pelo investimento em mim para que tenha condições de ser independente pelas minhas próprias escolhas. Nesse estranho grupo desempenho as mais variadas funções - de doméstica à conciliadora familiar, passando por acompanhante oficial de hospitais, entre outros. Vocês não precisaram me ensinar sobre a vida com frases morais, mas pelas suas próprias dificuldades. E agradeço por presenciar as mesmas. Aos professores Viktor Chagas e Emmanoel Ferreira pelo conhecimento compartilhado a partir das disciplinas realizadas, além da oportunidade de participar do projeto de extensão do Pólo de Produção e Pesquisa Aplicada em Jogos Eletrônicos e Redes Colaborativas (P3). Espero que seus projetos se desenvolvam cada vez mais fazendo jus ao emprenho dos mesmos. A professora Thaiane Oliveira pela oportunidade de trabalhar e mediar o contato com os outros envolvidos nas revistas do PPGCOM UFF - Contracampo e Ciberlegenda. Ela é capaz de se envolver em vários projetos paralelos com competência e ser generosa com todos, por isso gera tanta admiração em quem têm chance de estar com ela. Ao professor Benjamim Picado, orientador desse trabalho e de pesquisa. Lembro do medo das aulas de Introdução à Semiótica - segundas e quartas de 14h às 16h responsável pela minha pior avaliação no curso. Mas a qualidade das aulas transformaram medos em desafios interessantes e em pesquisa. Ao Gabriel Dutra, por que não? Sei que vai ficar se perguntando por que veio parar aqui nesses agradecimentos. Mas seria injusto se não citasse seu nome. Ele é responsável por me aproximar de uma das pessoas que são mais importantes nesse período. E também foi acolhedor pelas horas de consultas por Skype. Você é importante, para de ser chato e tenha mais confiança. Ao Felipe Neves, meu amigo com os hábitos socialmente aceitos mais detestáveis. Não sabia como era ter amigos até te conhecer. E não podia imaginar que do grupo de

 

pessoas da minha sala me aproximaria de você. Mas obrigado por me aceitar, compartilhar seus amigos, quadrinhos, memes de internet, músicas, filmes, jogos e conversas. Aos algoritmos - com ajuda do link compartilhado pelo Gabriel - por me permitirem encontrar Edirlei Lima. Realmente não gostaria de esquecer o tempo que passamos juntos. Tinha muito medo de um pouco de tudo quando o conheci, mas você acreditou em mim, me amou e quando tenho alguma insegurança lembro da sua expressão e das palavras: "Calma, vai dar tudo certo."

Mayara Araujo Caetano

 

 

RESUMO Algumas características dos jogos como dinamismo com finalidade prazerosa, submetidas a um conjunto de regras são extrapoladas em metáforas para uma série de práticas, como aqueles baseadas em trocas eróticas. Para além do campo metafórico, o que há de erótico nos jogos? A partir de quais discursos ela se constrói? Como se relacionam com construções eróticas presentes em outros regimes midiáticos? E de que modo estão apresentadas as identidades femininas? Com tais questões em mente: como ocorre a aplicação comercial? O jogo “Catherine” (Atlus, 2011) possuí uma diversidade de identidades femininas sob as quais é possível apreender os discursos dominantes. PALAVRAS CHAVES: Erótico, Video Games, Mulheres, Catherine

 

 

ABSTRACT Some characteristics of games such as dynamism and pleasure, submitted to a set of rules are often put into metaphors for a range of practices, like erotic plays. Beyond the metaphorical language, what is erotic in games? What discourses are they related? How they include erotic models from other types of media? An how they are representing women? The game Catherine has a diversity of women's portrayals under wich it is possible to apprehend dominant discourses.

KEY WORDS: Erotic, Games, Women, Catherine

 

 

LISTA DE IMAGENS E TABELAS Tabela 1: Gerações de consoles Tabela 2: Distribuição Etária e Consumo de Jogos Eletrônicos Imagem 1: Gráfico de Pong Imagem 2: Gráfico de Tetris DOS (1986) Imagem 3: Gráfico de Space Invaders Imagem 4: Representações de Lara Croft Imagens 5 e 6: Miley Cirus durante a performance no VMA 2013 Imagem 7: Reações das cantoras Taylor Swift e Selena Gomez Imagem 8: Reações da cantora Rihanna e do grupo One Direction Imagem 9: Reação do ator Will Smith e seus filhos Imagem 10: O Trio e em detalhe o anel de castidade Imagem 11: Documentário Educativo Norte Americano Mom and Dad (1945) Imagem 12: Apresentação de genitais no documentário Mom and Dad (1945) Imagem 13: Hideo in the Sun (1960) Imagem 14: Hideo in the Sun (1960), os genitais masculinos são omitidos Imagem  15:  Theda  Barbara  como  vamp  e  Cleópatra   Imagem 16: Sophia Lorem, diva italiana Imagem 17: Divas americanas Ava Gardner e Elizabeth Taylor Imagem 18: Tela inicial do jogo Imagem 19: Apresentação de fragmentos da imagem Imagem 20: Acerto sinalizado em verde e revelação da imagem Imagem 21: Pontuação do jogo Imagem 22: Tela de Jogo para Apple II Imagem 23: Capa do jogo Soft Por Adventure Imagem 24: Tela Inicial de Laisure Suit Larry para Apple II Imagem 25: Contra capa do jogo Laisure Suit Larry Imagem 26: Imagem da modelo pixelada Imagens 27 e 28: Ilustrações por Yanavaseva Imagem 29: Bingo de descaracterização Imagem 30: Redesign de personagem Imagem 31: Travis recarregando sua Beam Katana Imagem 32: Sylvia Christel Imagem 33: Jeane, meia irmão de Travis Imagem 34: Indicação do WooHoo Imagens 35 e 36: Aplicação de nude patche Imagem 37: Capa teste e capa comercial Imagem 38: Concept Art para o nude patch Imagem 39: Captura de Tela de Machinema Imagem 40: Peças-avatares do tabuleiro de xadrez Imagem 41: Interação entre as peças-avatares nas casas Imagem 42: Vestuário masculino Imagem 43: Vestuário feminino Imagem 44: personagens-avatares socializando em bar Imagem 45: Update no Rendering de Ejaculação Imagem 46: Capa com Katherine para Xbox 360 Imagem 47: Capa com Catherine para Playstation 3

 

 

Imagens 48 e 49: Capas alternativas para mercado americano Imagem 50: Conteúdo da Edição de Luxo Imagem 51: Action Figures das personagens Catherine e Katherine Imagem 52: Arcade de Rapunzel Imagem 53: Medidor de Karma no canto inferior direito Imagem 54: Confessionário Imagem 55: Opções de resposta Imagem 56: Comparativo dos jogadores Imagens 57 e 58: Momentos de interação com o celular de Vincent Imagem 59: Caracterização de Vincent Imagem 60: Caracterização de Catherine Imagem 61: Boneca erótica alemã antecessora da Barbie Imagem 62: Similaridades faciais de Catherine e as bonecas Barbie Imagem 63: Expressividade de Catherine Imagem 64: Enquadramento nas pernas de Catherine Imagem  65:  Catherine  bebendo  seu  drink   Imagem 66: Enquadramento do olhar de Vincent Imagem 67: Sequência do beijo Imagem 68: Queima do cigarro de Vincent Imagem 69: Catherine passando a língua pelos lábios Imagem 70: O corpo nu não é revelado Imagem 71: Ameaça de Catherine Imagem 72: Representação monstruosa de Catherine Imagem 73: SexPic enviada por Catherine Imagem 74: Lábios de Catherine Imagem 75: Visibilidade de Catherine Imagem 76: Variações de uma das sexpics após rejogabilidade Imagem 77: Prática de BDSM Imagem 78: Catherine batendo em Vincent Imagem 79: Catherine exaltando suas qualidades sexuais Imagem 80: Catherine com o braço por trás das costas com o facão Imagem 81: Catherine e Katherine caídas no chão Imagem 82: Catherine esfaqueada Imagem 83: Caracterização de Katherine McBride Imagem 84: Katherine bate com as unhas na mesa Imagem 85: Katherine enfiando o garfo no pedaço de bolo Imagem 86: Sequência de expressões em uma discussão com Catherine Imagem 87: Sequência de expressões em uma discussão com Catherine Imagem 88: Katherine discutindo com Vincent Imagem 89: Katherine em expressão de raiva Imagem 90: Gestos manuais de desconforto Imagem 91: Gestos manuais marcando sua fala Imagem 92: Mãos levadas ao rosto em sinal de medo Imagem 93: Versão monstruosa de Katherine Imagem 94: Noiva monstruosa Imagem 95: Felicidade de Katherine Imagem 96: Erica Anderson Imagem 97: Lindsay e Martha

 

 

Imagem 98 : Ishtar no Museu Louvre Imagem 99: Decote de Trisha Imagem 100: Trisha com cabelos lisos ao final do Axis Mundi Imagem 101: Caracterização de Trisha Imagem: 102 Vincent de bruços na mesa Imagem 103: Casamento de Vincent e Katherine Imagem 104: Erica consolando Tobias Imagem 105: Katherine acordando com Vincent Imagem 106: Destaque da formiga escalando a parede Imagem 107: Formiga em detalhe na cena de Oldboy (2003) Imagem 108: Expressão de Vincent Imagem 109: Pôster de Turismo Espacial no apartamento de Vincent Imagem 110: Vincent jogando para o alto os cupons da aposta Imagem 111: Nergal contestando o relacionamento de Catherine e Vincent Imagem 112: Perda do poder de Nergal Imagem 113: Uma das succubus do harém Imagem 114 : Vincent surpreso com a presença de Boss na cama Imagem 115: Vincent dormindo na mesa do bar Imagem 116: Catherine acorrentando Vincent

 

 

SUMÁRIO Introdução-------------------------------------------------------------------------------------------------1 Capítulo 1: Introdução aos Jogos Eletrônicos 1.1 Jogos pré - digitais e pré - culturais-----------------------------------------------------------------2 1.2 Jogos digitais------------------------------------------------------------------------------------------3 1.3 Definições Digitais e seus elementos: Regras, Narrativa e Estética----------------------------5 1.3.1 Regras------------------------------------------------------------------------------------------------6 1.3.2 Narrativa: Imersão Espacial, Temporal e Emocional------------------------------------------7 1.3.3 Estética-----------------------------------------------------------------------------------------------9 2. Construção Midiática de Jogos Eletrônicos-------------------------------------------------------11 2.1 Construção de Público------------------------------------------------------------------------------11 2.2 Classificação Indicativa-----------------------------------------------------------------------------12 2.3 Consumo e Controle Parental----------------------------------------------------------------------14 2.4 Locais ocupados por mulheres---------------------------------------------------------------------28 Capítulo 2: Corpo, tecnologia em expansão 1. Tecnologias e Corpo----------------------------------------------------------------------------------28 2. Virtualização do Corpo-------------------------------------------------------------------------------33 Capítulo 3: Erotismo Midiático: Aplicação de Normas para Gêneros e Sexualidades 1. Introdução----------------------------------------------------------------------------------------------40 2. Constituição de normas de gênero e sexualidade-------------------------------------------------40 3. Propagação de normas por linguagens midiáticas------------------------------------------------47 3.1 Literatura e Imagens de Cartões Postais Eróticos-----------------------------------------------47 3.2. Erótico em movimento audiovisual: Stag Films, Cinema e Televisão-----------------------49 3.2.1 Stag Films------------------------------------------------------------------------------------------49 3.2.2 Cinema----------------------------------------------------------------------------------------------50 3.2.3 Televisão-------------------------------------------------------------------------------------------54 4. Adaptação de conteúdo e consumo-----------------------------------------------------------------55 5. Erotização do feminino na imagem movimento--------------------------------------------------56 6. Jogos Eletrônicos--------------------------------------------------------------------------------------61 7. Demandas de pornificação dos jogos---------------------------------------------------------------75 7.1 Nude Patches-----------------------------------------------------------------------------------------75 7.2 Machinemas Eróticos/Pornográficos--------------------------------------------------------------79 7.3 Sexo Virtual em Jogos Online---------------------------------------------------------------------81 Capítulo 4: Discursos de identidades femininas em "Catherine" (Atlus, 2011)-----------86 1. Progressão Dinâmica---------------------------------------------------------------------------------93 2. Progressão Narrativa----------------------------------------------------------------------------------96 2.1 Arcade Rapunzel-------------------------------------------------------------------------------------96 2.2 Confessionários--------------------------------------------------------------------------------------99 2.3 Dispositivos Móveis : Ligações, Emails e Imagens-------------------------------------------102 3. A Jornada do Herói e Identidades Femininas---------------------------------------------------103 3.1 Catherine--------------------------------------------------------------------------------------------104 3.2 Katherine McBride---------------------------------------------------------------------------------123 3.3 Erica Anderson-------------------------------------------------------------------------------------133 3.4 Lindsay e Martha-----------------------------------------------------------------------------------135 2.5 Trisha------------------------------------------------------------------------------------------------137 4. Desfechos Narrativos-------------------------------------------------------------------------------141 4.1 Ordem 4.1.1 Máxima Ordem-----------------------------------------------------------------------------------143  

 

4.1.2 Majoritariamente Ordem 4.1.2.1 Majoritariamente Ordem com Katherine---------------------------------------------------145 4.1.2.2 Majoritariamente Ordem com Catherine---------------------------------------------------148 4.2 Neutralidade 4.2.1 Liberdade Verdadeira---------------------------------------------------------------------------149 4.2.2 Liberdade Regular-------------------------------------------------------------------------------150 4.3. Caos 4.3.1 Máximo Caos-------------------------------------------------------------------------------------151 4.3.2 Majoritariamente Caos 4.3.2.1 Majoritariamente Caos com Katherine-----------------------------------------------------155 4.3.2.2 Majoritariamente Caos com Catherine-----------------------------------------------------156 Conclusão-----------------------------------------------------------------------------------------------158 Referências Bibliográficas --------------------------------------------------------------------------160

 

 

Introdução Quando nos referimos a sedução entre indivíduos empregamos a metáfora de jogo, pois as partes se envolvem em uma dinâmica em busca de prazer, com suas regras sociais e culturais atuando sob os participantes. Se é possível pensar em conjuntos de ações em prol do erótico, como práticas recreativas, de entretenimento e lúdicas, seria possível uma ligação entre erótico e os jogos? Melhor dizendo, o que há de erótico nos jogos, como mídia? É possível identificar códigos eróticos nela, assim como em outras formas de produção e consumo? Tais construções agem em favor de quais discursos? E como estão representados as identidades femininas? A fim de responder tais questões é necessário apresentar de que forma os jogos surgem e se desenvolvem culturalmente. Ainda que sejam associados a dimensão digital, os jogos são práticas pré - digitais e pré - culturais. Mas em sua forma digital vemos a expansão, amadurecimento e construção tanto de uma mídia como de uma indústria. Serão apresentadas as características próprias do jogo, mecânica, narrativa, estética e regras. E como é construído o público, os dados de consumo, a classificação etária, controle parental. Os locais nos quais as mulheres estão também é um fator importante uma vez que seus corpos, seu gênero é alvo de erotização. Antes mesmo de serem eróticos, os corpos de personagens de jogos são digitais, portanto as transformações na percepção corporal - individual, coletiva e das imagens consumidas - a medida em que a tecnologia é naturalizada cotidianamente apresenta alguns elementos que poderão beneficiar a análise. O corpo, seja ele virtual ou material, interessa as manifestações do erotismo, porque ele é a expressão última da sensação de envolvimento, prazer ou até mesmo repudio. Mas é o erotismo uma expressão mais elevada do que a pornografia? Quais são esses limites entre tais produções? No domínio midiático, os corpos femininos são os mais explorados, mas quais seriam os motivos? A fim de apresentar quais são os discursos da indústria de jogos sobre identidades femininas, e normas de gênero e comportamento proponho como base o jogo comercialmente difundido "Catherine" (Atlus, 2011), pois o mesmo possui uma diversidade de identidades femininas - Catherine, Katherine, Martha, Lindsay, Érica e Trisha - com ligação à Jornada do Herói, Vincent Brooks.

 

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Capítulo 1: Introdução aos Jogos Eletrônicos 1.1 Jogos pré - digitais e pré - culturais Os dois textos clássicos dos estudos de jogos são Homo Ludens (1950), do holandês, Johan Huizinga e Man, Play and Game (1961), do francês, Roger Caillois. (JULL, 2005). Entretanto, seus trabalhos servem como princípio de pesquisa e reflexão sobre os jogos de maneira mais ampla (SALEN E ZIMMERMAN, 2006 e JULL, 2005). Posteriormente, já com a análises entre jogos e jogadores e os aspectos dos jogos em sua forma eletrônica, temos o trabalho The Grasshopper (1978) de Bernard Suits (JULL, 2005). Em Huizinga somos apresentados ao jogo como prática, pois: "o jogo é fato mais antigo que a cultura, pois esta, mesmo em suas definições menos rigorosas, pressupõem sempre a sociedade humana; mas, os animais não esperaram que os homens os iniciassem na atividade lúdica" (HUIZINGA, 1950: 3). Ao autor, jogos são definidos como: "O jogo é uma atividade ou ocupação voluntária, exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e de espaço, segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e de alegria e de uma consciência de ser diferente da 'vida quotidiana'. " (HUIZINGA, 1950: 33) Tal definição se aplica as formas de jogos que começaram a se desenvolver culturalmente como: os jogos esportivos, os jogos de tabuleiros (xadrez, damas, go, etc), os jogos de carta (copas, buraco, etc), os jogos de azar, entre outras manifestações. Essa premissas serão reconsideradas para os eletrônicos. Em Caillois temos a categorização de jogos - como sistemas e práticas - em âgon (competição), alea (chance/oportunidade), mimicry (simulação, imaginação ou 'fazer de conta') e ilinx (vertigo ou sensibilidade). Essas estão submetidas a duas forças opostas e ativas, ludus (ordem) e paidia (agitação). É possível aplicar essas categorias aos jogos atuais, não sem sobrepor as mesmas, devido a diversidade de competências alcançadas. O modo pelo qual nos referimos aos jogos, em diferentes idiomas, tende a ser limitado em opções a distinguir, a prática, a mídia e o usuário. Ao construir uma sentença o termo é repetido diversas vezes com significados diferentes, demonstrando uma limitação. Porem para a finalidade deste trabalho é interessante ressaltar o uso do termo jogo com finalidade erótica, como demonstrou Huizinga (1950):

 

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"Há ainda um outro uso da palavra 'jogo', que de modo algum é menos fundamental ou menos amplo do que a identificação entre o jogo e o combate a sério, a saber, o jogo tomado em sentido erótico.(...) De acordo com isso, o professor Buytendijk considera o jogo do amor o exemplo mais perfeito do jogo em geral, pois apresenta da forma mais clara possível todos os caracteres essenciais do jogo. (...) Aquilo que o espírito de linguagem tende a conceber como jogo não é propriamente o ato sexual enquanto tal, trata-se principalmente do caminho que a ele conduz, o prelúdio e preparação do amor, que frequentemente revela numerosas características lúdicas.(...) A palavra 'jogo' é especialmente, ou mesmo exclusivamente, reservada para as relações eróticas que escapam à norma social." (p.49-50) 1.2 Jogos digitais Como apresentado a prática dos jogos são anteriores a qualquer mídia, porem como conhecemos atualmente ela começa a ser desenvolvida nos laboratórios de universidades nos anos de 1940 até 1958, porque antes de serem destinados ao entretenimento, os jogos eram parte de pesquisas das áreas de exatas, como a computação e o desenvolvimento de inteligência artificial. E nesse período apenas grandes instituições como universidades, militares e alguns setores de governo utilizavam mainframes1, anteriores aos computadores pessoais (PCs), por conta de seu alto custo de aquisição, manutenção, entre outros limitadores tecnológicos. Entre os projetos desenvolvidos podemos citar: o 'Cathode Ray Tube Amusement Device' (1947-1948) desenvolvido por Thomas T. Goldsmith Jr. e Estle Ray Mann, como um simulador de mísseis inspirado no display dos radares da Segunda Guerra Mundial; O 'Chess' dos matemáticos britânicos Alan Turing e Dietrich Prinz, com a criação de uma inteligência a ser aplicada em uma máquina, digitalmente apresentado em 1958; e o primeiro a exibir interface gráfica, o OXO/ Noughts and Crosses / Tic-Tac-Toe (no Brasil conhecido como 'Jogo da Velha'), de 1951 desenvolvido por Alexander S. Douglas2. Desse período é considerado como primeiro jogo para computador o Spacewar! (1961), desenvolvido nos laboratórios do Massachussetts Institute of Techonology (MIT), porque os computadores já tinham se desenvolvido tecnicamente e esteticamente para serem mais acessíveis a outros laboratórios dos Estados Unidos.

                                                                                                                1 2

Máquinas virtuais utilizadas para processamento de dados, planejamento de recursos e transações. (acesso em março de 2014)

 

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Comercialmente, os jogos se tornaram acessíveis a partir de 1970, tanto para computadores, quanto para sua forma como consoles3. Iremos nos restringir a forma de console, porque o objeto de análise está disponível para essa plataforma. Em 1966, Ralph Baer e um grupo de engenheiros ligados a empresa Sanders Associates, começam a desenvolver um sistema interativo com jogos para ser utilizando em televisões. Esse foi comercializado em 1972 com o nome de Magnavox Odyssey como um adicional as televisões da empresa Magnavox, porem a ideia de um sistema de entretenimento para família era pouco acessível, interrompendo a produção em 1973. No mesmo ano de início comercial, Nolan Bushnell funda a empresa Atari Inc. e a ideia de Baer é apropriada para o desenvolvimento de máquinas de jogos com televisor incluso, chamados arcades, e em 1975 é lançada o sistema Atari para uso doméstico. A parte tecnológica da indústria de jogos, com seus consoles se organiza em gerações, a partir do momento que o hardware se torna obsoleto, porque são eles os responsáveis por executar os códigos do software, processando imagens, sons, em resumo tornando os jogos interativos aos usuários. As gerações não precisam ser completas para o começo da seguinte, porque sistemas de hardware são desenvolvidos e comercialmente anunciados em paralelo. Sendo o fim determinado a partir da descontinuação de produção do console, de componentes para reposição, assistência técnica

e ao longo do tempo comercialização. Segue a

periodização das eras dos consoles na Tabela 1: Consoles para Video Games Geração de consoles

Ano

Primeira

1972 - 1980

Segunda

1976 - 1992

Terceira

1983 - 2003

Quarta

1987 - 2003

Quinta

1993 - 2006

Sexta

1998 - 2013

Sétima

2004 - presente

                                                                                                                3

Dispositivo eletrônico (hardware) capaz de ativar programas (software), com conexão para aparelhos de televisão, projetores e monitores.  

 

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Oitava

2011- presente

Tabela 1 - Geração de consoles por períodos Apesar de descontinuados há jogadores que transformam a dificuldade em um hobby e coleção, portanto eles mantêm os consoles em sua apresentação original e quando dominam conhecimentos tecnológicos se empenham em garantir o funcionamento dos componentes, dando uma sobrevida maior aos dispositivos. Essa prática incomum com dispositivos eletrônicos ideologicamente atribui a práticas mercadológicas, mais determinantes para tornar algum eletrônico em um objeto obsoleto, contrapondo com o modelo de consumo. 1.3 Definições Digitais e seus elementos: Regras, Narrativa e Estética E o que muda na definição dos jogos na época digital? Como diz Jesse Schnell (2011), a partir da citação de Alan Kay, "se precisar de uma longa lista para comunicar o que quer dizer, você deve encontrar uma maneira melhor de reagrupar suas ideias" (SCHNELL, 2011: 34). Para Jesper Jull (2005), os jogos - eletrônicos/digitais - contem seis características: sistema formal baseado em regras; com variáveis quantificáveis outcomes (saídas, respostas); diferentes outcomes possuem valores próprios; os jogadores exercem influência para transformar os outcomes; os jogadores se sentem emocionalmente conectados com os outcomes; e as consequências das atividades são opcionais e negociáveis. E das definições propostas por Huizinga, a alegria, o cumprimento das regras, e o afastamento do quotidiano passam a ser questionáveis, porque há momentos de tristeza com os jogos que não impedem de continuar envolvidos4, e esses em parte podem estar se tornando mais visíveis com a aproximação simbólica do quotidiano, além do cumprimento das

regras ser desafiado

constantemente. A área de estudos de jogos é interdisciplinar visto as características da mídia. É possível analisar os jogos a partir de pelo menos três chaves não técnicas: narrativa, mecânica, estética. Quanto a narrativa, há alguns questionamentos internos sobre perspectivas de ludologia e narratologia, porem atualmente prevalecem as abordagens associativas. A área estética é a mais ampla em abordagens, pois permite entradas por exemplo ao design visual, sonoro, interface, etc. Uma particularidade, e às vezes dificuldade, da área vem da constante atualização tecnológica da mídia, tornando as pesquisas rapidamente datadas (BEASLEY E                                                                                                                 4

O último livro lançado por Jesper Jull, The Art of Failure (2013) aborda a frustação do jogo e como ainda assim o interesse permanece.

 

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STANDLEY, 2002), específicas a um jogo, porem é um campo em crescimento que se comunica bem com outras áreas de conhecimento mais estabelecidas. 1.3.1 Regras Os sistemas de regras, fundamentais aos jogos, à primeira vista podem parecer repulsivos, ou não adequados a uma atividade capaz de proporcionar prazer, mas

são

responsáveis por dar certa coerência aos mundos ficcionais; estabelecer o state machine, ou inteligência artificial, garantindo resposta (outcomes) do sistema as entradas (incomes) as ações dos jogadores, mediadas pelos controles (joystick, mouse, volante, pedal, sensores, etc); e desafiar os jogadores a interagir e vencer um sistema fechado. A inteligência artificial (state machines ou IA) podem ocultar (imperfect information) ou fornecer (perfect information) informações aos jogadores sobre sua progressão ou mesmo oferecer dicas (hints). Para Sicart (2009), ainda que o sistema não dê especificamente informações (imperfect information), sua apresentação visual, sonora e textual são capazes de leitura. A interação realizada pelo jogador com esses sistemas de regras é denominado gameplay ou "the phenomenological experience of interacting with a computer game, restrained by the formal structure of the game and its technological layout". (SICART, 2009: 35) E são possíveis três formas de intervenção do sistema: emergente com regras simples, mas aplicadas de modos diferentes; progressivos com apresentação das regras a medida que o jogador ganha habilidade; híbrido corresponde a combinação dos tipos anteriores, e pode ser exemplificado em jogos de MMO (Massive Multiplayer Online) e os ação nos jogos de primeira pessoa 5 . Ainda que os designer utilizem os melhores métodos para torná-los atrativos, o estado mental de 'diversão', melhor dizendo engajamento, depende em última instância do jogador. Em 1990, Mihaly Csikszentmihalyi define o estado de flow, adequação/modulação entre habilidade do jogador e os desafios propostos pelo jogo. Esse estado não deve ser permanente, pois o jogo é instável e cabe a alternância entre momentos de ansiedade e tédio. Como apontado em Beasley e Standley (2002) os jogos não são experiências unitárias, sendo desejável mais experiências, assim seriam essas repetições, após completo o desafio - na cultura gamer completar um jogo é denominado 'zerar' - entediantes?                                                                                                                 5

Diferenciar a percepção do jogador ao interagir com o sistema, nos leva a categoriza-los em: Primeira e Terceira pessoas. Nos de Primeira Pessoa (First Person) o jogador vê a cena como se estivesse no local, podendo ver parte de sua representação visual, por exemplo as mão. Já nos de Terceira Pessoa (Third Person) o jogador vê sua representação visual na cena como se estivesse observando.

 

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Não, como indicou David Myers (1992) alguns jogadores se satisfazem ao repetir mecanicamente as rotinas do gameplay (JULL, 2005). 1.3.2 Narrativa: Imersão Espacial, Temporal e Emocional As narrativas dos jogos são ficcionais. Como diz Marie-Laure Ryan no livro Narratives as Virtual Reality (2001), no capítulo The Text as World: Theories of Immersion, tanto faz criar mundos ficcionais reais como o mundo físico, mas ser real o suficiente para que o jogador deixe de lado sua descrença durante o tempo de jogo. (RYAN, 2001, p.89) As considerações narrativas utilizadas para a literatura podem ser aplicadas nos jogos. A medida que o jogador acredita no "mundo" do jogo podem ser observados níveis de absorção: •

concentração : estimulada pela dificuldade de "entrar no mundo"



envolvimento imaginativo: a partir da projeção do jogador



transe: perda de contato com o mundo externo e sensação de estar acompanhando ou vivenciando os acontecimentos



vício: pode ser tanto a necessidade de escapar da realidade, quanto a perda da capacidade de distinguir real e ficcional Desses níveis de absorção, certamente os que causam mais controvérsia são os dois

últimos, por se tratar de uma experiência individual interna, às vezes difícil de ser descrita. Vindo da filosofia analítica adotamos o termo 'mundos possíveis', sendo descritos como, "possible worls can be understood as abstract collections of states of affairs, distinct from the statements describing those states" (PAVEL, 1986:50 apud JULL, 2005). Estes são compostos por elementos opostos e hierarquicamente dependentes de um sistema, geralmente caracterizado pelo mundo em si. As referências ou elementos darão maior ou menor credibilidade ao mundo ficcional, sendo as lacunas complementadas tanto pela imaginação respeitando a diversidade individual ou coletiva de interpretações históricas e culturais - , quanto pelo sistema de regras. Um modo de minimizar as lacunas, proposto por Ryan (1991) é o 'principle of minimal departure', onde o mundo real, as percepções individuais atualizam os mundos ficcionais possíveis (JULL, 2005). Acreditar em mundos ficcionais requer três operações dos jogadores: (1) imaginar a si mesmo como membro do mundo; (2) acreditar nas propostas feitas pelo mundo; (3) complementar a descrição de mundo a partir da imaginação. O acesso mental é capaz, entre outras coisas, de gerar empatia a medida que: "As we project ourselves into these characters,  

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we may be led to envision actions that we would never face or approve of in real life." (RYAN, 2001:11) Entre os elementos narrativos temos: espaço, tempo e emoção. Apesar de cada mundo trazer suas próprias características, a experiência espacial de outros jogos facilita a exploração do mundo ficcional, porque foi uma habilidade cognitiva apreendida. Os comandos ou verbos de ação de jogos não são tão extensos assim, desde jogos textuais, as chaves de entrada no sistema estavam limitadas em seus códigos, ou seja gírias, sinônimos não eram aceitos e também não existiam mecanismos de correção textual ou sugestão. A visualização espacial é limitada pela cena, na qual o jogador está inserido, e alguns jogos disponibilizam na interface o mapa, mas esse pode apresentar apenas o caminho percorrido pelo jogador, sendo assim mais uma construção mental do que um dado fornecido. A imersão temporal pode ser compreendida no jogo de duas maneiras: através da narrativa, ou pelo tempo real da atividade. A duração de um jogo, ou seja, o tempo necessário para finalizar é variável. Existem delimitações ao tempo de jogo, por exemplo ao executar uma ação antes do tempo; têm os que relacionam a passagem de tempo real (horas, minutos e segundos) com o tempo do jogo, por exemplo o sistema de regras dá uma quantidade de "vidas" ao jogador e quando ele perde todas as chances é penalizado temporalmente, só sendo possível retornar ao jogo quando esse momento estiver completo; têm os sem relação direta com o tempo, correspondente a maioria dos jogos, ele depende da disponibilidade do jogador em ativar o sistema; explorar essas fronteiras temporais cria outros níveis de experiência. Quanto a relação narrativa, o suspense age ao longo do jogo. Dependendo da construção ele estará mais ou menos intenso, por exemplo ao circular por uma cidade de mundo aberto6 não se sabe de onde podem vir as ações, o jogador percorre esse ambiente em busca de algo, e quando desejar pode causar/provocar acontecimentos. Em um jogo de primeira pessoa, como os jogos de ação com tiro, chamados de First Person Shooter, o jogador se esconde pelo ambiente, corre entre locais, cria a melhor estratégia possível para não ser pego desprevenido. E mesmo nos jogos com possibilidades claras de desfechos, a curiosidade de acompanhar e vivenciar como os acontecimentos resultaram naquele fim, conectam o jogador à narrativa do jogo. Assim como nas outras mídias o paradoxo do suspense se realiza no jogo. Na verdade ele é um elemento intrínseco do jogo, a rejogabilidade. Uma vez que a narrativa é desvendada, ou o jogo é finalizado (zerado), como manter o mesmo vínculo de atenção? O                                                                                                                 6

Os jogos de mundo aberto são aqueles sem uma linha narrativa claramente estabelecida.

 

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nível de tolerância pode ser aplicado em outras mídias, mas nos jogos os jogadores estão pré dispostos a vivenciar a atividade com incontáveis repetições. De fato, a tolerância cresceu ainda mais com os canais sobre jogos no Youtube, sites especializados, resenhas, gameplays, e esquemas de como passar pelas fases, às vezes antes mesmo de sequer ter comprado o jogo. O suspense é aparentemente desconstruído e invalidado por essas práticas colaborativas da comunidade dos jogos, mas ela também é responsável por fortalecer os vínculos de sociabilidade, consumo e admiração pela mídia. Pretender não demonstrar ou agir como se não conhecesse um jogo é atualizado pela conexão, imersão emocional com a narrativa, com os personagens, com as lembranças acionadas ao longo do jogo, enfim a experiência de cada jogador. Seja complementando ou relacionando a acontecimentos passados, a imaginação ou abstração permite aos jogos serem uma mídia tão singular. E é nessa direção, apresentar, contar e envolver com histórias que os jogos pretendem amadurecer. 1.3.3 Estética Dentre as definições gerais de jogos, o termo estética é utilizado com frequência, porem a sua abordagem em pesquisas da área não tem refletido sua importância. Com um título sugestivo, Simon Niedenthal (2009) questiona "So what is the problem with game aesthetics?"7. De acordo com o autor, a quantidade de pesquisas acadêmicas com esse enfoque decresceram ao longo do ano, em comparação a outras perspectivas sobre os jogos. O mesmo pode ser percebido nas discussões ligadas à indústria, como sites especializados. Ainda que os números não sejam indicativos de qualidade, como explicar a escassez de um aspecto tão importante? Quando o tema estética é proposto a reação tende a ser citar uma quantidade de princípios universais, com propriedades imutáveis, relacionadas a considerações generalistas e históricas sobre o que é arte (NIEDENTHAL, 2009 e SOMMERSETH, 2009). No entanto, pouco importa o valor estético atribuído aos jogos, discutir se pode ser ou não uma forma de arte, porque assim o potencial de explorar o mesmo esteticamente se perde. Um dos benefícios que essa perspectiva tem a oferecer aos estudos sobre jogos é "(...) an embodied and pleasurable experience, and can give rise to new ways of thinking about game design"8.                                                                                                                 7

"Então, qual é o problema com jogos e estética?" [Tradução Livre] "(...) uma experiência prazerosa e personificada, que pode resultar em novos modos de pensar sobre game design" [Tradução Livre]

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(NIEDENTHAL, 2009, p.1) A falta de discussão sobre estética em jogos dá a ideia de que: "is free to apply whatever theoretical foundation she chooses"9 (NIEDENTHAL, 2009, p.3) e certamente essa não é a melhor opção de construção de conhecimento. Por ser uma área digital, algumas das referências vêm dos primeiros trabalhos das décadas de 1980 e 1990 denominados "net.art"(SOMMERSETH, 2009). Longe de ser o foco, vale a pena ressaltar algumas explorações do meio tecnológico que também são próprias dos jogos como os experimentos com softwares, códigos, protocolos, sistemas operacionais e colaboratividade, resultando em formas de hacking, mooding10 e machinemas11. Uma das experimentações relacionadas a apresentação do erotismo é a prática de patching, ou seja, a criação de códigos para incorporar a softwares para reparar - no caso adicionar - erros. Um dos usos mais memoráveis envolvendo corpo e personagens femininas foi o patch criado para o jogo de Lara Croft, permitindo aos jogadores interagir com a personagem sem roupas. (SCHLEINER, 2001) Uma limitação na abordagem estética dos jogos é percebida pelo reducionismo a dimensão visual, sendo vinculada a uma das raízes epistemológica da palavra, a percepção, o modo como o ambiente se apresenta (NIEDENTHAL, 2009, p.2) E os jogos têm muito mais a oferecer, porque se relaciona diretamente aos elementos mecânicos e narrativos do jogo. No aspecto mecânico, complementa a limitação de verbos de ação possíveis aos jogadores ao criar sensações mais precisas do ambiente no qual se encontra. Na mediação por controles, a tecnologia de hardwares envolve o sistema motor dos jogadores ao ativar seus corpos, por exemplo ao vibrar de um controle como resposta a uma queda. E extendendo as possibilidades prazerosas tão associadas aos jogos, temos o conceito de "dynamical joys": “Dynamical joys are based upon a kind of experience that lies somewhere between emotion proper and sensation: the tensions, excitements, thrills and reliefs of acting and resting. Here belong the delights of driving at high speed, of fishing and hunting, of playing games, of following a plot (e.g. in reading a good detective story), etc.” (DUNCKER 1941:403 apud NIEDENTHAL, 2009:6) Vinculado a dimensão narrativa dos jogos, a estética pode ser trabalhada nas formas de antecipar, motivar e relembrar. Essas acionam nos jogadores os elementos de imersão temporal e emocional como: o suspense, as lembranças, a abstração e a empatia. Além de                                                                                                                 9

" é livre para aplicar qualquer base teórica que escolher." [Tradução Livre] Modificações 11 Animações de média ou curta duração feitas a partir de cenas de jogo 10

 

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intensificar a sensação de agenciamento (MURRAY, 1997), na qual o jogador é capaz de agir de modo significativo no jogo. 2. Construção Midiática de Jogos Eletrônicos 2.1 Construção de Público As concepções sobre maioria de jogadores sendo do gênero masculino (BEASLEY E STANDLEY, 2002, IVORY, 2006, RICHARDS, 2012) estão datadas, porque de acordo com os números apresentados ano após ano, em diferentes segmentos dos jogos as mulheres chegam a um pouco mais de 40% da quantidade total de jogadores (ESA 2013). Se elas já correspondem a uma fatia considerável de consumo, o mesmo não pode ser dito sobre o direcionamento do game design e marketing, porque eles continuam a favorecer o storytelling masculino. A minoria que declara ser focada no público feminino ainda trabalha com segmentos etários mais infantis, e ainda assim sua concepção do que meninas gostariam de jogar pode ser classificada como ingênua, superficial, caricata e precursora de modos de agir limitados, não correspondendo a realidade dessas meninas. Como exemplos de jogos produzidos para o segmento infanto-juvenil feminino12, temos os affection games onde o objetivo é a troca afetiva, entre os verbos de ação estão empregados os comandos de flertar/paquerar, beijar, abraçar, e seduzir (GRACE, 2012). Também são característicos aqueles que envolvem, troca de roupas (dress up games), maquiagem, culinária, decoração e todo um conjunto de gamificações de comportamentos tradicionalmente associados ao domínio femininos. Por serem endereçadas a um público tão jovem, as informações são apreendidas sem muito questionamento. Pela teoria social de aprendizado, uma das maneiras de crianças apreenderem o que é considerado aceitável e inaceitável socialmente em vestimenta e comportamento vem de processos de reforço, observação e imitação (BREALEY E STANDLEY, 2002). Assim, em um mundo tão excitante, com uma mídia atrativa e estimulante é justa a preocupação com aquilo que transmitimos. Nos resultado da análise dos jogos (Nintendo 64 e Sony PlayStation), quase um terço (31.03%) das representações das mulheres voluptuosas estão presentes em jogos classificados como 'E' (Everyone/Livre no sistema ESRB), significando que são acessíveis para crianças. (BEASLEY E STANDLEY, 2002)                                                                                                                 12

As denominações dos jogos para o público infanto-juvenil feminino são: girls games, gurls games, etc.

 

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2.2 Classificação Indicativa Como uma indústria global diferentes órgãos dispersos geograficamente são necessários para regulamentação. No entanto, simbolicamente, o mercado norte americano é adotado como parâmetro entre as ações das empresas constituintes da indústria, uma vez que boa parte delas está sediada no território. Essa centralidade de decisões pode levar a algumas falhas pensando em larga escala, mas até o momento é difícil visualizar uma indústria se sustentar de ações apenas locais, sendo a generalização necessária. Entre os órgãos norte americanos, temos a Entertainment Software Association (ESA)13 dedicada às necessidades de negócios e relações públicas de empresas de jogos em suas diferentes plataformas (consoles, internet, e computadores). Está incluído na sua área de atuação, pesquisas sobre consumo para indústria, relações com o governo, proteção a propriedade intelectual e outros direitos de legislação. O órgão responsável pela regulamentação de conteúdo de jogos nos Estados Unidos e Canadá é a Entertainment Software Rating Board (ESRB)14. De acordo com seu sistema, são três tipos de classificação de produto: classificação indicativa (Early Childhood; Everyone; Everyonde 10+; Teen; Mature 17+; Adults Only; e Rating Pending, destinado a conteúdo promocional), descrição de conteúdo (contendo 29 tipos de descrição, como uso de álcool, violência, conteúdo sexual, etc) e elementos interativos (Shares Info, Shares Location, Users Interact). Para obter classificação do produto é necessário ter registro no site, enviar informações da empresa, além do material de jogo, por exemplo demo, material de divulgação, para análise. Na maior parte da Europa a classificação de jogos é responsabilidade da Pan European Game Information (PEGI)15, subordinado a Interactive Software Federation of Europe (ISFE). A classificação indicativa possui seis categorias (OK, 4, 6, 12, 16 e 18). E oito descrições de conteúdo, como: droga, medo, aposta, sexo. No entanto não impede as classificações locais, que se sobrepõem, como é o caso do Reino Unido e Alemana. No Reino Unido, o sistema de classificação é responsabilidade da British Board of Film Classification (BBFC)16, mas a partir de 30 de Julho de 2012 ela repassou a classificação de video games para responsabilidade da PEGI, exceto para aqueles considerados 'strong pornographic' (R-18 no                                                                                                                 13

(acesso em março de 2014) (acesso em março de 2014) 15 (acesso em março de 2014) 16 (acesso em março de 2014) 14

 

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sistema de classificação)17. O serviço custa, para submissão de material 300 libras, mais 6 libras por minuto de análise de material 18 . A soma desses custos - aproximadamente R$15.600,00 - após a produção de um jogo, principalmente se for independente, são inacessíveis. Na Alemanha, a Entertainment Software Self-Regulation Body (em alemão Unterhaltungssoftware Selbstkontrolle, USK)19 classifica os jogos em cinco categorias (0, 6, 12, 16, e 18). As etapas de análise começam com o gameplay do produto, passando as impressões ao comitê; são discutidas as opinões com um profissional da área de direitos de crianças e adolescentes, para então surgirem as recomendações de classificação; a decisão final é do representadnte do comitê responsável pelas respostas administrativas as desenvolvedoras e publicadoras. Entre os modelos de classificação indicativa, o mais controverso é o australiano. A regulamentação é responsabilidade da Australian Classification Board (ACM)20 e todos os títulos de jogos devem ser avaliados antes da comercialização, ou seja, aqueles que não passam pelo sistema são ilegais. Uma das medidas nacionais mais polêmicas veio com a proibição de comercialização do jogo da franquia Saints Row IV (Volition, Inc., 2013) por conta de seu conteúdo2122. Ainda que o jogo seja polêmico em outros países nenhum tomou essa atitude. A classificação está organizada em três áreas : Advisory, incluindo General (G, a indicação não necessariamente inclui crianças), Parental Guidance (PG- conteúdos de médio impacto, não recomendado para menores de 15 anos sem acompanhamento de responsável) e Mature (M, indicado a partir de 15 anos, porem é possível o acesso de menores); Restricted, com Mature Accompained (MA 15+, legalmente restrito a maiores de 15 anos, sujeitos a consulta de idade) e Restricted (R18+ para maiores de 18 anos, sujeitos a consulta de idade); e Restricted Adults com Restricdet (X18+ para maiores de 18 com conteúdo sexual) e o Refused Classification (RC conteúdos banidos legalmente).

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(acesso em março de 2014) (acesso em março de 2014) 19 (acesso em março de 2014) 20 (acesso em março de 2014) 21 O jogo recebeu a classificação RC (Refused Classification). A descrição dos produtos dessa categoria é: Material that is Refused Classification is commonly referred to as being ‘banned’. Films, computer games and publications that are classified RC cannot be sold, hired, advertised or legally imported in Australia. Material that is classified RC contains content that is very high in impact and falls outside generally accepted community standards. (http://www.classification.gov.au/Guidelines/Pages/RC.aspx) 22 Quando anunciada a proibição em Junho de 2013, pedidos de revisão foram feitos, mas unanimamente negados. O fato torna o jogo Saints Row IV o primeiro jogo banido no país. (acesso em março de 2014) 18

 

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No Brasil, temos a Associação Brasileira dos Desenvolvedores de Jogos Digitais (Abgragames)23 promovendo a indústria dos jogos nacional com ações como: colaboração internacional, centralização de informações das produtoras nacionais, desenvolvimento de profissionais, promoção de eventos nacionais para integração, incentivo à pesquisa, entre outros. A Associação de Comércio e Indústria de Games (ACIGAMES)24 na representação, regulamentação da indústria e comércio de jogos eletrônicos no cenário cultural brasileiro, mediando e estimulando sociedade, governo, indústria e mídia no desenvolvimento nacional. E como órgão de regulamentação de conteúdo, temos o Ministério da Justiça atuando pela Classificação Indicativa - utilizado para outras produções midiáticas 25 . O processo de classificação brasileiro têm como uma de suas principais características o livre acesso a produtores e consumidores ao opinarem quanto a classificação. Ele é feito online e gratuitamente, sendo para pequenos e médios desenvolvedores de jogos um incentivo a comercialização legal legislativamente de seus produtos. Para avaliar a pertinência dos parâmetros de classificação, consultas públicas online são realizadas periodicamente, assim como opinião de especialistas de áreas diversas são reunidas, atualizando o sistema a medida de demandas sociais e culturais. É possível agir de má fé na classificação online, porem os servidores se dispõem a analisar ocorrências que passem pelos processos de análise. Dentro do sistema a classificação indicativa brasileiro temos seis tipos de indicação: Livre (L), a partir de 10 anos (10), a partir de 12 (12), a partir de 14 (14), a partir de 16 (16) e a partir de 18 (18). As diferenças entre países e culturas é grande, e em termos de inserção de produtos pode ser uma tarefa difícil. Para facilitar esse processo, 36 países, com apoio de empresas da indústria dos jogos, projetaram em 2013 o International Age Rating Coalition (IARC)26. O sistema de classificação será feito online a partir da resposta de um questionário com informações sobre conteúdo do jogo e informações da empresa. Após a avaliação o sistema indicará a classificação do produto dentro dos diferentes sistemas de classificação participantes ( ESRB, Classificação Indicativa, PEGI e USK) assim como um código de registro. O sistema não terá custos e com a liberação de classificação facilita a circulação em outros mercados. 2.3 Consumo e Controle Parental                                                                                                                 23

(acesso em março de 2014) (acesso em março de 2014) 25 (acesso em março de 2014) 26 (acesso em março de 2014) 24

 

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Segundo os dados de mercado no Brasil, em pesquisa27 realizada pela Abragames com 32 empresas nacionais, no ano de 2008, o setor era composto por 560 profissionais de diversas áreas, empregados em 42 empresas desenvolvedoras de softwares. Do que foi produzido, 43% era para exportação e gerou internamente uma soma de R$87,5 milhões (produto bruto). E entre os profissionais em maior quantidade estão os artistas gráficos e programadores. Já a pesquisa com consumo e venda, em 2013, feita pelo grupo Ipsos, em parceria com a Estudos Marplan (EGM)28 mostra que em cinco anos houve uma expansão de 3%. A distribuição etária de consumo está dividida como mostra a Tabela 2. Distribuição Etária e Consumo Idade

Percentual de consumo

10 a 19

44%

20 a 29

33%

30 a 39

32%

40 a 49

29%

50 ou mais

19%

Tabela 2: Distribuição Etária e Consumo Entre os dispositivos para jogo, os consoles, como Wii U, XBOX 360 e PlayStation3, estão menos representativos comparados aos smartphones. Porque esses são os aparelhos eletrônicos mais consumidos pela convergência de diversas ferramentas. A média custo e benefício também favorece os smartphones, porque o preço de consoles é caro. O consumidor médio normalmente troca o sistema de consoles quando a geração seguinte está sendo comercializada e a anterior fica mais acessível. Ao contrário das pesquisas brasileiras, o relatório de 2013 da norte americana ESA29, traz mais dados sobre hábitos de consumo, distribuição etária e de gênero. De acordo com os dados, a idade média dos jogadores é 30 anos, sendo a distribuição por gênero 55% homens e 45% mulheres. Analisando apenas as mulheres, as maiores de 18 anos representam 31% do                                                                                                                 27

(acesso em março de 2014) 28 (acesso em março de 2014) 29 (acesso em março de 2014)

 

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total e é um dado quantitativo maior que de jogadores homens menores de 17 anos, 19%. Os adultos jogam em média há 15 anos, com homens a pelo menos 17 anos e mulheres a 13 anos. O controle parental também foi verificado. Para eles o sistema de classificação indicativa, o ESRB é útil (86%) para escolher os jogos e percebe o mesmo como eficaz em 88% dos casos e pelo menos 85% reconhece os modelos de classificação. Quanto ao controle do tempo de interação, os jogos são mais controlados (79%) do que outras mídias como televisão e cinema (72% e 69% respectivamente). E isso aponta uma preocupação com a atratividade da mídia, associado as discussões sobre o impacto da mesma. O ato de compra é acompanhado por 89% dos pais, e 80% concordam com a compra, apesar da atenção ao que é consumido chegar a 93%. E entre as cinco razões para apoiar os jogos foram: divertimento da família, atender a pedidos do filho para jogar, oportunidade de socializar com seus filhos, monitorar o conteúdo dos jogos, e eles gostam tanto quanto as crianças de jogar. Como os dados acima apontam, o controle parental ao conteúdo dos jogos é frequente, e assim como outras mídias anteriores, houve um pânico moral até que elas se consolidassem temporalmente. A recepção a tecnologia em geral têm sido por parte da mídia e dos pais conservadora e superficial, porque opiniões são declaradas como verdades absolutas, generalizadas e os alvos se quer são analisados em profundidade. Como disse a âncora, da Fox News, Martha MacCallum com relação a uma suposta cena de sexo no jogo da franquia Mass Efect (Bioware, 2007): "Basically, Pandora's box is open"30. (GALLAGHER, 2012) A reação da mídia e sociedade norte americana é particularmente conservadora com tópicos como violência e sexo nos jogos. Como exemplo dessa recepção exagerada temos o comentário feito em um blog pelo republicano McCullough a uma sequência de cutscene do jogo Mass Effect (Bioware, 2007). Segundo ele a cena foi considerada como "virtual orgasmic rape" 31 e uma das propagações, com mesmo tom de percepção, temos a fala introdutória da âncora do programa Fox News, Martha MacCallum, com " A new role-playing video game that is leaving NOTHING to the imagination...in some parts of this, you'll see full nudity. Imagine!"32. No entanto a cena em questão era de curta duração, não explícita e por ser uma cutscene, não interativa. Apesar dos dados demográficos, como os da ESA, mostrarem o contrário, "a large segment of the population still percieves games as toys for children"33 (FLOYD, 2008 apud                                                                                                                 30

"Basicamente, a caixa de Pandora está aberta" [Tradução Livre] "estupro orgásmico virtual" [Tradução Livre] 32 "Um novo role-playing game que não tem deixado NADA para imaginação...em algumas partes dela você verá nudez completa. Imagine!" [Tradução Livre] 33 "Um grande segmento da população ainda percebe os jogos como brinquedos para crianças" [Tradução Livre] 31

 

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GALLAGHER, 2012) e enquanto o senso comum for dominado por essa ideia, abordagem do sexo será frequentemente encarada como violação dos direitos de crianças e adolescentes, ainda que os jogos não sejam destinados a esses indivíduos. Como aponta o trabalho de Edelman (GALLAGHER, 2012), a liberdade de expressão, um direito constitucional assegurado por vários países, é constantemente cerceado em favor da proteção das Crianças e Adolescentes, ficando estagnada a produção de conteúdos fora da norma. O posicionamento da indústria dos jogos com relação a pressão parental é como sustenta a presidente da ESRB, Patricia Vance, limitar a produção de conteúdos classificados acima do indicativo "M" (Mature, ESRB). Conteúdos classificados como AO (Adults Only, ESRB) incluem os sexuais e são evitados, pois os custos de produção e comercialização atualmente chegam a superar o de produções cinematográficas, sendo um investimento de risco. A possibilidade de não poder ser comercializado em grandes lojas de departamentos, e atingir a maior quantidade de pontos de venda físicos e virtuais , não é visto pela indústria com bons olhos. Esse modo de desencorajar, restringir pelo investimento, levando em conta a visibilidade atua como um boicote interno. Ao ser entrevistada por Papa (2012), e questionada sobre a distinção entre desejo de desenvolver vs adequação de conteúdo erótico de produto, a desenvolvedora neozelandesa. Miriam Bellard, do jogo Seduce Me 34(No Reply, 2012) declara: "I know that that's done a lot. Especially with the bigger companies, especially, again they want to sell in America, so they have to worry about the ESRB rating, and so you get pressured a second guess. But I don't think that that's the way it should work. I think that that leads to people leaving out, or putting in content, you should put in content that fits the game, that fits what you are trying to do with the game. Not what fits the ESRB rating you want. But she (Brenda Brathwaite) is right for the reality of most developers that for a big commercial developers anyway, that’s what you have to do. But anyway, we just had to go with an AO rating right from the beginning. So that means we didn’t have to think about it after that." Não permitir a exploração de conteúdo sexual em jogos, em parte alimenta economia sexual do "conhecimento", uma sofisticação semiótica entre os interlocutores iniciados no assunto. Tal "conhecimento" é apontado por Sedgwick (1984) como um mecanismo facilitador à propagação de pré conceitos, reducionismos, simplificações e clichês, dificultando ainda mais a complexidade do tratamento de questões sexuais. E o uso da                                                                                                                 34

O jogo foi banido da loja virtual Steam Greenlight (Valve Corporation, 2012). Nessa plataforma os desenvolvedores podem disponibilizar para avaliação dos usuário, aos melhores há possibilidade de entrar no catálogo digital de vendas da Steam (Valve Corporation, 2003).  

 

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tecnologia como meio de expressar e descobrir sexualmente é praticada por crianças e adolescentes mesmo chocando os pais. Eles preferem negar a sexualidade, principalmente se forem membros da família, porque indicaria alguma falha na criação moral para a sociedade. O caso que resultou a Megan's Law, no estado de Nova Jérsei, nos Estados Unidos indica o quanto é complexo o julgamento da sexualização mediada pela tecnologia. Megan, uma adolescente de 14 anos foi acusada e penalizada pelo crime de pornografia infantil, porque ela compartilhou fotos consideradas pornográfica de uma criança. Porem, a criança em questão era a própria. Ela tirou fotos pessoais e disponibilizou porque queria, sem nenhuma coação, intervenção de outra(s) pessoa(s). Foi uma ação ao menos parcialmente consciente, pois certamente ela não pensou que a prática de sexting35 iria sair do uso privado para algo legalmente reprovável. (LUNCEFORD, 2010) Crianças e adolescentes são seres sexuais. A gravidez de adolescentes é uma questão de saúde pública antes mesmo da tecnologia. A tecnologia está apenas mediando ações que partem da vontade desses indivíduos. As definições do significado de sexo para os adolescentes são muitas. Ele só é claramente reconhecido como tal quando há caso de gravidez, portanto outras práticas como, sexo oral são desconsideradas como práticas sexuais. Ainda que as questões sejam dignas de preocupação, ela só pode ser resolvida a partir da educação sexual. Essa deve ser fornecida, em primeiro lugar, pela família, porque um indivíduo propriamente educado é capaz de escolher melhor o que vai consumir, questionar as práticas de produção e de se comportar socialmente melhor. A atitude da indústria dos jogos em conter jogos com conteúdo sexual por meio da classificação etária, pensando na quantidade de vendas é questionável. Há modos de comercializar sem expor tanto crianças e adolescentes e a própria classificação é um parâmetro que deveria ser respeitado. A afirmação "sexo vende", as estratégias de erotização feminina, são praticadas há séculos pelas mídias. E há um público adulto, interessado e com direito de consumir e produzir conteúdo sexual. 2.4 Locais ocupados por mulheres A indústria dos jogos, assim como qualquer outra, é composta por camadas de agentes interligados, permitindo a dinâmica da mesma. Para analisar a produção e circulação de representações eróticas é interessante observar quais são os locais ocupados pelas mulheres, como elas negociam sua identidade, seus direitos, suas demandas e de que modo são                                                                                                                 35

Sexting pode ser definido como envio de fotos ou texto, sugestivas ou explícitas, com conteúdo sexual, mediada pela tecnologia, especialmente por dispositivos móveis. A prática é frequente entre os jovens e preocupa os pais e legisladores. (LUNCEFORD, 2010)

 

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recebidas. Aqui estarão reunidos papéis de produtoras, funcionárias, empresárias, críticas da mídia e consumidoras. Sendo a indústria dos jogos uma das que mais expande no século XXI (KROTOSKI, 2004, PRESCOTT E BOGG, 2013) é esperado que os cargos de trabalho acompanhem, mas qual é percentual de mulheres dentro desse mercado? Como as empresas se relacionam com essas funcionárias? E quais são suas percepções sobre a recepção de seu gênero? Segundo dados apresentador pela WWW-ICT, em 2004 (VALENDUC ET AL., 2004, PRESCOTT E BOGG 2013), as empresas perpetuam práticas culturais masculina como a decoração de espaços de trabalho com fotos de mulheres nuas, e piadas sexistas como parte de interações sociais entre funcionários. No entanto, elas [empresas] consideram suas condutas como "gender neutral"36 - igualdade de gêneros -, mas de fato agem como "gender-blind"37, ou seja, ignoram e não se posicionam em favor da igualdade dos gêneros. A construção ocidental entre masculinidade e tecnologia pode ser percebida a partir dos trabalhos de Wajcman (2007) e Fulkner (2001). Segundo Wajcman: "technologies have a masculine image, not only because they are dominated by men but because they incorporate symbols, metaphors and values that have masculine connotations" (p 289). E para Faulkner (2001 apud PRESCOTT E BOGG, 2013) há duas possibilidades de perceber as implicações de gênero na tecnologia : 'gender in technology' onde a tecnologia segue normas, como quem pode e como determinada tecnologia será utilizada por cada gênero; e 'gender of technology' com a atribuição simbólica a tecnologia a um gênero específico, no caso o masculino. Além dessas, também são incorporadas falas a partir de pesquisas sobre a plasticidade do cérebro, para distinguir o cérebro masculino e feminino. Porem se é reconhecida tal plasticidade, nada impede cada um dos "gêneros" do cérebro, possa se modelar de forma diferente, sendo a capacidade cognitiva possível para ambos. Essas crenças desestimulam desde cedo a escolha de mulheres por esse segmento. De acordo com os resultados da pesquisa de Prescott e Bogg (2013) a adoção de uma identidade andrógena parece ser uma das estratégias utilizadas pelas mulheres da indústria de jogos - ao menos nos US e UK -, a fim de tornar o ambiente 'gender neutral' ou 'gender invisible'. Como consequências negativas dessas estratégias temos: medos de julgamento, ansiedade, baixa autoestima, levam a anulação pessoal nesses ambientes. E uma das grandes possibilidades da tecnologia digital é embaçar a distinção de gêneros.                                                                                                                 36 37

Neutralidade de gênero Um dos gêneros, no caso o feminino, se torna invisível/imperceptível ou anulado no espaço em questão.  

 

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Entre o cenário industrial, existem empresas fundadas e dirigidas por mulheres, um dos exemplo é a Silicon Sisters Interactive38. Essa desenvolvedora foi fundada em 2010 por Brenda Bailey Gershkovitch e se define como: Silicon Sisters Interactive is the first female owned and run video game studio in Canada. Founded and staffed by industry veterans with decades of hands-on experience, the company is committed to developing high quality, inspirational games with a decidedly female focus: games made by women and girls, for women and girls. Os dois primeiros projetos estão em desenvolvimento, sem detalhes sobre os mesmos, nem datas de lançamento. A premissa da empresa - "games made bay women and girls, for women and girls"- induz a considerar que apenas mulheres estão credenciadas a produzir conteúdos para seu gênero, pela familiaridade de questões. Ideias como essa na verdade restringem a criação e produção de narrativas envolventes, pois a qualidade não pode ser avaliada por uma simples chave sexista. Essa não é a primeira experiência da fundadora na indústria dos jogos, em entrevista ao programa canadense 16x9, ela relata sua experiência em 2005, na fundação de uma startup, e frustação com a reação masculina as normas de trabalho: nada de cervejas antes do período da noite e sem acesso a pornografia. Para ela, essas normas são completamente normais e aceitáveis em um ambiente de trabalho, porem ela percebeu resistência dos funcionários. Sendo uma medida aceitável é estranho constatar resistência, fato que reforça a existência de uma cultura masculina na indústria. Posicionar se criticamente perante qualquer indústria com argumentos consistentes nunca foi simples. E a acessibilidade atual, para bem e para o mal, potencializa os discursos formadores de opinião baseadas em pressupostos inconscistentes. No entanto, uma amante dos jogos, chamada Anita Sarkeesian, crítica de mídia, ousou em Maio de 2012 ao lançar um projeto na plataforma Kickstarter39, intitulado "Tropes vs Womens". O projeto consiste na produção de uma série de vídeos, a serem disponibilizados no Youtube,com duração entre 10 e 20 minutos, explorando os estereótipos de personagens femininas nos video games. Para o lançamento de um projeto na plataforma, é necessário detalhar como o dinheiro será distribuído, justificando a quantidade pedida, o quê será oferecido se a meta for alcançada, quais são as cotas e benefícios aos contribuidores, e o prazo para entrega do mesmo. O projeto de Anita Sarkeesian, em 30 dias arrecadou doações de 6.968 pessoas, somando $158.922 $6.000 a cima da meta - e adicionou à oferta inicial, mais seis vídeos. Até Março de 2014,                                                                                                                 38

(acessado em março de 2014) Plataforma de financiamento colaborativo americana fundada em 2009 com o objetivo de dar visibilidade a projetos e torná-los possíveis por método alternativo.

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foram lançados os vídeos Damsel in Distress -dividido em três vídeos de aproximadamente 23 minutos cada - e Ms.Male Character. Os vídeos propostos são: 1. Damsel in Distress 2. The Fighting F#@k Toy 3. The Sexy Sidekick 4. The Sexy Villainess 5. Background Decoration 6. Voodoo Priestess/Tribal Sorceress 7. Women as Reward 8. Mrs. Male Character 9. Unattractive Equals Evil 10. Man with Boobs 11. Positive Female Characters! 12. Top 10 Most Common Defenses of Sexism in Games A proposta de uma análise em profundidade de uma mídia de destaque trouxe consigo consequências pessoalmente negativas a Anita Sarkeesian. Ela escolheu quais canais daria entrevistas, pois queria ter certeza de transformar sua experiência em algo relevante. Sobre a recepção da comunidade dos jogos, foi a pior possível, em entrevista dada ao programa canadense 16x9, a entrevistadora afirma ter sentido desconforto ao ler com Anita uma das mensagens deixadas em seu site de trabalho, nela a pessoa dizia: "I hope you'll get raped tonight"40. Essa foi apenas uma das milhares de mensagens recebidas, entre outros conteúdos haviam ameaças de morte, agressões físicas (estuprada, apanhar, etc), sexistas (vadia, puta, bruxa, mulher), religiosas (ela é judia), etc. Também tentaram hackear o site de trabalho41, contas pessoais, cercando sua liberdade virtual. Um jogo do estilo Point and Click42, chamado 'Beat Up Anita Sarkeesian' foi lançado na internet por um jogador da cidade de Ontário, Canadá, onde os jogadores deveriam clicar em uma imagem dela, produzindo ferimentos em seu rosto até que ela fosse completamente ferida e 'morresse'. Como defesa, o criador alega não ter intenção de ofender ou intimida, mas criticar seu projeto por ser uma crítica de mídia, e os comportamentos a serem analisados - diferença de tratamento para homens e mulheres não existem. Além da criação de jogos como o que criou serem normais na cultura dos jogos quando há alguma controvérsia. Porem como disse Anita, tais reações aconteceram sem se quer ela ter algum vídeo análise pronto, apenas a possibilidade, existênci do projeto gerou tamanha revolta. O comportamento desse jogador é o retrado do estágio de privilégio que os homens                                                                                                                 40

"Espero que seja estuprada essa noite" [Tradução livre] (acesso em março de 2014) 42 Em tradução literal, ponto e clique. A mecânica é um reflexo do nome, basta clicar em um ponto. 41

 

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(solteiros e brancos) recebem da indústria. Essa constatação veio da fala de David Gaider, designer e roteirista sênior da desenvolvedora de jogos Bioware e Eletronic Arts (EA), na Games Developers Conference Vault de 201343. Apesar da sua produção ser considerada inclusiva, ele apontava para as ações e reações da indústria em favor desses privilegiados, homens solteiros e brancos. Esse tipo de jogador, apesar de não ser mais o único consumidor permanece entre os focos por serem aqueles mais engajados em manter o status do que é produzido em visibilidade, porque eles produzem resenhas, avaliam com notas os títulos lançados, comentam em fóruns e sites, gravam seus próprios gameplays, e como resultado de toda essa dedicação esperam, ainda que não percebam, jogos adequados a seus gostos. Do mesmo modo que propagam o amor aos jogos são capazes de reagir intensamente quando seus interesses não prevalecem. Sobre a limitação de personagens femininas sexualizadas, a previsibilidade dos responsáveis pelas vendas exerce influência. No entanto, citando experiência própria no processo de produção de jogo, ele afirma que ninguém apresentou um briefing delimitando o que deveria ser excluído, ou seja, os designers pressupõem um público ideal, nivelando por baixo e consequentemente desenvolvendo conteúdos superficiais. Longe de conseguir chegar a uma resposta, ele pensa ser mais importante se preocupar em como construir ambiente convidativos as mulheres, como Anita, e não necessariamente descobrir e produzir o que as mulheres querem, como propõem a empresa Silicon Sisters. As consequências positivas tanto para ela quanto para as mulheres em geral foi a visibilidade pelo ódio gerada para a questão. Muitas foram as maninfestações de apoio, feitas tanto por consumidores (homens e mulheres), quanto pelos envolvidos na indústria. Entre os discursos de apoios, adiciono a fala de dois homens, Stephen Toulouse44 e James Portnow4546. O primeiro é o ex-diretor da área de Política e Execução da Xbox LIVE (Microsoft), reponsável por regular o comportamente dos usuários do serviço dentro dos Código de Conduta47. De acordo com sua experiência no setor, avalia que o uso de xingamentos é uma prática comum na cultura dos jogos, porem existe um limite aceitável e para coibir os excessos entre as medidas há o silenciamento do dispositivo de comunicação com outros jogadores - chamado voice speaker - suspensão por comportamento agressivo, até a desativação do acesso da rede (LIVE) pelo console. Apesar de ser difícil controlar mais de 40                                                                                                                 43

(acesso em março de 2014) http://en.wikipedia.org/wiki/Stephen_Toulouse 45 http://en.wikipedia.org/wiki/Extra_Credits 46 http://extra-credits.net 47 http://www.xbox.com/pt-br/Legal/CodeOfConduct?xr=footnav   44

 

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milhões de usuários pelo mundo, as práticas ofensivas, especialmente as mulheres, são minorias na comunidade. Ele cita três fatores, que alimentam tais comportamentos: audiência mundial para as ofensas; inanimamento, porque o usuário é um número entre milhões; levando a falta de consequência diretas aos praticantes de tais atos. Para James Portnow, game designer, a construção dos jogos ainda não é satisfatória. Ele acredita em melhorias no design para resguardar os usuários, como restrição e bloqueio de quem pode interagir online, já que não sabemos como é o comportamento do outro. Como já citado em outros momentos, jogos também são relacionados a produtos do universo infantil. E os responsáveis por escolher tais objetos são os pais, mas sabemos que a decisão sobre a 'dieta midiática' das crianças fica sob os encargos das figuras femininas. Então, por mais que elas não apareçam nas pesquisas de mercado e acadêmicas, mãe, tias, avós e demais componentes femininas da família possuem relação primária com a indústria, porque são a elas que crianças, adolescentes e alguns adultos tentam convencer para conseguir seus jogos desejados. A presença das mesmas passa tão despercebida que só é possível saber a opinião das mesmas nos casos mais extremos e negativos alardeados, como os casos de violência e presença de conteúdo sexual. Isso mostra um ponto desconhecido de perspectiva com benefícios para indústria se essas conhececem um pouco mais o ambiente ao qual seus familiares participam, desfazendo pré julgamentos como, video games viciam, são brinquedos masculinos, e uma série de mitos em torno da indústria. E quais são os sentimentos e opiniões das jogadoras? Uma pesquisa focada na comunidade brasileira - a partir do relato das entrevistadas - essa se apresenta receptiva a presença feminina, o que faz as mesmas não terem receio em se identificarem de acordo com seu gênero, nos jogos de MMO (Massive Multiplayer Online). Esse comportamento à primeira vista positivo também possui algumas armadilhas, uma vez que é frequente ações de cortejamento dos homens as mulheres, pois eles vêm nessas a possibilidade de envolvimento romântico dentro e fora do jogo, por afinidades de interesses. Dependendo do modo como irão negociar com seus parceiros elas podem ganhar vantagens ou desvantagens nos jogos. Entre as vantagens temos o ganho de proteção e itens de jogo do(s) homem(ns) com o(s) qual(is) se relaciona. E não existe a necessidade da mulher realmente se envolver romanticamente com o(s) homem(ns), por isso elas podem transformar o desejo de envolvimento em estratégias de role-play. Escolher performar, ou enganar é uma atitude individual e não consensual. Por ser um ambiente virtual e dependendo do tipo de jogo, é

 

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possível que suas identidades de jogo não correspondam ao gênero físico, sendo uma performance de orientação sexual e não de gênero. Quando as mulheres descartam a possibilidade de envolvimento, sejam quais forem os motivos, a reação masculina (ou feminina) tende a ser transformar a frustação em repúdio. Entre as ações frequentes nas comunidades de jogos temos: xingamentos , difamação, calúnia, exposição de informações do alvo a fim de prejudicá-la e perseguição. Pela gravidade e apoio da comunidade ainda que indireto48, tornam o ambiente hostil a participação de mulheres. As empresas responsáveis pelos jogos repudiam tais comportamentos, mas não há como controlar a quantidade de usuários4950, nem suas ações. Como verifica a autora Gabriela Richard (2012), em jogos de MMO (Massive Multiplayer Online) mulheres jogam assim como os homens, em grupo, dentro de suas clãs, mas também gostam de passar momentos de imersão sozinhas. E são nesses momentos de 'solidão' que é possível perceber melhor o ambiente no qual está agindo. Por ser uma mulher, a autora têm uma experiência muito particular, fazendo referência as primeiras oportunidades como "...playing a man's narrative as a girl felt revolutionary" (p.71). No entanto, ela percebe não ser a única ao questionar o quê é uma experiência feminina aceitável: " In particular, the riot grrrl movement was full swing in the late-80s and early 90s, and it was incredibly common to see women and girls finding empowerment through the rejection of gender norms and the redefinition of gender-based expression" (RICHARD, 2012:71) Na concepção da autora, mulheres e meninas, ao interagir com jogos estão desafiando simbolicamente as normas de gênero. E mesmo que hajam jogos voltados para elas, suas atividades mostram que o alvo de mercado é só uma ideia, nada as impede de subverter as indicações. Ainda que atualmente o volume de mulheres seja significativo, elas ainda estão desafiando, principalmente quando temos notícias de casos como de Anita Sarkeesian. Ao analisar jogos com os quais se diverte, Richard percebe que mesmo sob a identidade de uma personagem, em momentos da franquia do jogo Fallout (Betheseda), é tratada com o pronome masculino 'he', virando temporariamente um homem. Como pode a estrutura do jogo permitir a escolha de identidades de gênero para o personagem principal,                                                                                                                 48

Entre as formas de apoio temos: a propagação dos casos ao compartilhar com outros usuários; o pré julgamento as mulheres envolvidas como se fossem responsáveis e merecessem tais consequências; não denúncia dos homens que agem dessa forma; isolamento da mulher por não querer se envolver com a situação. 49 Segundo dados de Janeiro de 2014, da Riot, responsável pelo MMO League of Legends (LoL) a quantidade de usuários online por dia é 27 milhões. Sendo 7,5 milhões nos horários de pico, por mês a soma atinge 67 milhões de usuários diferentes. Apesar do volume de dados, o game corresponde a apenas 1% do total de jogos online utilizados atualmente. Fonte: Kotaku Brasil (http://www.kotaku.com.br/league-legends-tem-27-milhoes-dejogadores-diarios-segundo-riot/)

 

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mas homogeneizar os tratamentos pós escolhas? Seria melhor não apenas reconhecer a escolha visual inicial, mas adequar o discurso, pois homens não gostariam de ser chamados de mulheres numa situação dessas. Em Fallout New Vegas é possível ter 'relações sexuais' com duas NPCs51 após resolver quests52 específicas, ou pagar por relações com prostitutas. A sexualidade é apresentada como um mecanismos de manipulação. Apesar de existirem vários NPCs que se prostituem homens e mulheres - só é possível interagir com duas mulheres. Como as relações estão limitadas a mulheres, se o jogador assume no jogo a identidade feminina, ele estará presenciando/participando de uma relação homossexual. Caso a identidade real de gênero do jogador seja feminina e a orientação sexual heterossexual, temos um momento de desconforto. Encenações lésbicas produzem prazer, em termos gerais, nos indivíduos das seguintes orientação sexuais: homens heterossexuais, mulheres homossexuais e bissexuais. Os jogos são ambientes controlados que favorecem experimentações sexuais seguras aos indivíduos. E não é possível assegurar orientação sexual homo afetiva apenas pela escolha de um personagem de mesmo sexo. Pela análise da autora, a partir de trabalhos sobre encenações lésbicas: "As Ciasullo points out in her analysis of lesbian bodies in popular media, the popularity of the femme lesbian (and the consequential absence of the "butch" or otherwise not femme lesbian) is partly due to her ability to be "de-lesbianized" (Ciasullo, 2001). In other words, the women you sleep with in Fallout can be lesbian or straight, but ultimately will be pleasing to male attraction, as well as attainable and consumable by men." (RICHARD, 2012:81) Além do ambiente do jogo, mas ainda inseridos no seu domínio cultural, mulheres como as administradoras53 do site Fat, Ugly or Slutty54 estão tentando rir de suas próprias dificuldades. Nas palavras das idealizadoras, o site propõem: "Some players like to send creepy, disturbing, insulting, degrading and/or just plain rude messages to other online players, usually                                                                                                                 51

Abreviação para Non Player Character (Personagens Não Interativos) com os quais não é possível interagir, porque eles são acionados pela inteligência artificial do jogo. 52 Denominação de ações pontuais no jogo, geralmente voltadas para aquisição de itens, desbloqueio de fases, etc.   53 Não é possível pelo site na área de membros saber a identidade real dos envolvidos, porque os mesmos se apresentam com pseudônimos. Só podemos reconhecer o gênero pelo parágrafo de descrição. Por exemplo: "likeOMGitsFEDAY has been gaming online for years, so the trash talk doesn’t really bother her anymore, she just laughs and fires much raunchier insults right back. She beasts in all FPS’, and plays a BE Pally during her wow binges. Professionally, she’s a web designer & front end developer. so say we all." (grifos meus) 54 (acesso em março de 2014)

 

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women. We think this is funny. Why do they send them? There are a few theories. But instead of getting offended, we offer a method for people to share these messages and laugh together. If having these messages posted online makes someone think twice about writing and sending a detailed description of their genitals, great! And if not? We’ll all have another submission to laugh at. Feel free to send us your own at [email protected]. While the site is currently very xbox message-heavy, we do accept all messages, no matter what the game! PS3 players, PC players, and Wii players, don’t feel left out, we want your messages, too! So visit, submit, share, and revel in your new not so guilty pleasure. want to share FUoS pride? have a banner. = )" Outras iniciativas femininas evidenciando o quanto elas desaprovam os modos como são apresentadas, também trabalhando na chave do humor, são os Tumblrs: Repair Her Armor55, Escher Girls56 e Bikini Armor Battle Damage57. Abaixo seguem as definições, objetivos dos mesmos: "This blog is dedicated to show and change the looks of ridiculous female armors (and other outfits) that women tend to have in media; such as games and comics. The purpose is to show that oversexualized women is not "empowering", but clearly offensive and ridiculous - not to mention it's also clearly out of context. We'll also show that their clothes could be greatly improved with a touch of common sense, equality and character. Feel free to submit!" (Repair Her Armor) " I created this blog as an archive of the way women are portrayed in fictional mediums because in my blogging I kept wanting to explain the ways women are portrayed in comics and I thought it would be helpful to have a collection of examples so critics couldn’t just say “oh that’s just an exception!" Also because analyzing ridiculous art amuses me. NOTE: Just because something shows up on Escher Girls doesn’t mean I think the series is terrible, or I hate the character, or that nobody should buy/play/watch/read it. Often I’m just noting something I find ridiculous or amusing in an image, and I’m not making a comment on the rest of the series. I’ve said this a lot before. A thing can contribute to an overall way that women are portrayed in media, (and collecting them to show how often they occur is part of the point of this blog) but it doesn’t mean I’m condemning the show/comic/toy series/etc, saying that it’s inherently                                                                                                                 55

(acesso em março de 2014) (acesso em março de 2014) 57 (acesso em março de 2014)   56

 

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broken and must be ignored, or that fans of it are bad people." (Escher Girls) "Our purpose is to point at absurdity of women in media wearing little to nothing while going into battle. Comedic tone is one of the first things to keep in mind while creating or recommending posts that depict damage caused by ridiculously skimpy female warrior outfits. What to make fun of (examples): • blatant sexualization of female body in costume design • double standards in fictional battle wear (warrior men are fully covered when their female counterparts basically run around in underwear; female outfits emphasizing breasts more than necessary) • "protective" lingerie of all sorts (chainmail bikinis, metal bras, battle thongs etc.) • cleavage windows and other inexplicably exposed parts in otherwise full-cover outfits • physically impossible clothing or parts of thereof that make no logical sense even in context of fantasy/sci-fi setting" (Bikini Armor Battler Damage) Com um estrutura de indicações pela internet, por redes socias, sites pessoais, vlogs, mais massivos em espalhar opiniões sobre produtos, até que ponto a indústria dos jogos é capaz de reconhecer seus consumidores, além dos dados de vendas? Será que não há nenhuma pesquisa com público alvo? Se é tão fácil reconhecer e reproduzir esses discurssos de insatisfação, por que é tão difícil de ser compreendido? Como diz Ami Angelwings, proprietária do Tumblr Escher Girls, elas estão expondo suas opiniões pessoais, mas não o fazem como um movimento de recriminação, censura, boicote ou ódio. Elas querem continuar jogando, consumindo, desde que a mídia melhore a qualidade de seu produto. Para a esperança dessas mulheres, profissionais da indústria homens citados aqui se importam com suas

 

questões,

mas

é

inegável

a

ausência

de

resposta

no

momento.

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Capítulo 2: Corpo, tecnologia em expansão Tecnologia não é uma denominação puramente ligada ao digital e sua virtualidade, por tal motivo relações entre essa e corpo foram estabelecidas anteriormente. No entanto, a partir do momento em que parecíamos dissociar as mesmas da materializada, surge a demanda por incorporar formas corporais em ambientes virtuais. Tais criações ao mesmo tempo permitem expansão e reutilização de modos de fazer mundos. 1. Tecnologias e Corpos "Eu não suporto a ideia de que minha unidade física seja um dado que eu mesma não tenha formatado." Cineasta Marina de Van (Le BRETON, 2012:17) O quê têm de tecnologia um corpo? Metaforicamente, o funcionamento é considerado como processo de alta tecnologia. Os campos dedicados aos estudos do corpo tentam diariamente conhecer essa "máquina" tão resistente. Levando em consideração, a forma pela qual a tecnologia se apresenta atualmente, com sua disponibilidade material - intervenções cosméticas - e imaterial - afetação da subjetividade -, os corpos são modelados com maior intensidade. Antes mesmo de discutir os corpos próprios dos videogames, cabe estabelecer os pontos de contato entre corpo e tecnologia. Seria possível uma experiência tecnológica na ausência de representações corporais? A imersão em ambientes de tecnologia-corpo, às vezes sufocantes, não dá espaço para o não-corpo, para a abstração típicas de inteligências artificiais. Levamos o material degradante para a virtualidade e a partir das experiências desses locais renovamos os desejos e projeções. Indo e vindo da superfície à virtualidade os corpos e tecnologia são disponíveis a quem quiser jogar. Sendo assim, o quê torna os corpos tão significativos? Na contemporaneidade, os indivíduos construídos sob o caráter alterdirigido são mais evidentes, estimulados, e possuem necessidade de orientação e aprovação dos outros indivíduos como "a fonte principal de orientação e a área primordial de sensibilidade". (RIESMAN,1995:86) Nos trabalhos de David Le Breton (2012) e Benilton Bezerra Jr. (2002) somos apresentados a noção de risco, utilizada para as novas formas de experiência individuais, relações sociais e controle político em sociedades de instabilidades, frequentes ao longo da existência, com a pressão por fazer as melhores escolhas, transformando o corpo, no ponto de  

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apoio e culto, ao qual vale a pena fixar-se. Aproveitando a demanda, os convites oferecidos pelo consumo associados a benefícios e serviços de apoio para o corpo se ampliam. Elas são capazes de dar aos indivíduos, oportunidades de escolhas para autonomia, chamadas de empowerment por Sennett (1999, apud BEZERRA JR, 2002). E para inflacionar tanto investimento, estamos inseridos em uma sucessão de pequenos espetáculos diários mediados pela tecnologia. (SIBILIA, 2008) A aproximação com a tecnologia no século XX se dá a partir da utilização da máquina-corpo com a finalidade de compensar falências de funções do corpo e/ou com maneiras de conviver bem com doenças crônicas. Ambas vêm do princípio de reanimação, ou seja, proporcionar vitalidade ao corpo (MOULIN, 2011:39). Com esse objetivo em foco, estudos e mecanizações de corpos ganham justificativas morais e científicas. Nem todos os procedimentos ganham aceitação e portanto permanecem tabus - ainda que já testados - como transplante de rosto, clonagem, e as discussões éticas envolvendo os limites e motivações envolvendo a manipulação genética. O corpo doente não é desejável em contato social, e por isso cabe ao ambiente hospitalar sua reclusão. Este é o local de dormência, doença, paralisia, ausência e morte. Apesar de não ser um ambiente com boas associações, certamente não possui o mesmo estigma de antigamente, porque as intervenções medicinais tornaram se desejáveis, necessárias - como atendimentos emergenciais - e com isso a estada temporária é tolerável. A dor subjetiva relativa a insatisfação corporal é igualmente tratada nos hospitais. Estas são aceitas socialmente como formas de melhoramento de si, a partir de uma projeção corporal. O apoio e incentivo a essas intervenções vem de todas as partes, são grandes comemorações, marcos e divisores na vida de alguns indivíduos. No entanto, a insatisfação pode não ser eliminada, criando outras metas de reparo, maiores idealizações, ou até mesmo a desistência de cuidar de si uma vez que todos os processos possíveis já foram realizados. Para Anne Marie Moulin (2011) os implantes de "chips" são um exemplo de intervenção laboratorial, experimental e abstrata com potencial de transformações para os pacientes, que só seria possível em uma ficção. No entanto tais práticas - apesar de estimativas - estão longe de serem comercializadas, ou ao menos acessíveis àqueles que necessitam. A utilização de "chips" com a finalidade de potencializar o corpo humano, além de ser parte da matriz ficcional faz parte da ideologia por trás do trans-humano : "Oriundo de uma concretação dos termos 'transição' e 'humano', o trans-humanismo reivindica uma pesquisa ilimitada (e uma aplicação  

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imediata ao humano) sobre as terapias e as modificações genéticas, a clonagem, a transgênese, as nanotecnologias, a junção do cérebro à informática etc."(LE BRETON, 2012:28) O movimento trans-humano para Santos (2005, apud CAMARGO E VAZ, 2012) pode ser compreendido através de três perspectivas: singularista, superação da condição natural do homem; uso da biotecnologia, incluindo modificações genéticas e inaugurando uma segunda linha evolutiva; e o trans-humano em si, pela implementação da tecnologia no corpo físico, até a virtualização do mesmo. A utilização do prefixo "trans" também foi utilizada por Beatriz Preciado (2008 apud CAMARGO E VAZ, 2012) a fim de distinguir "corpos bio" - naturais - e "corpos trans ou tecno" - modificados -, porem a própria acredita que em pouco tempo essa separação não será mais válida, porque todo corpo "bio" será ou terá passado por algum procedimento "trans". É possível arriscar que já somos parte dessa indistinção entre "bio" e "trans", principalmente se um corpo queer58 for exemplo de análise. Nem todos usarão a medicina com a mesma finalidade do movimento trans-humano. No entanto, a vertente cosmética - invasiva ou não - foi naturalizada e é praticada em larga escala. Os parâmetros de beleza e saúde variam conforme o período e sociedade utilizada como referencial. Por estarmos em um momento de trocas globais e de normas mais intensa há uma impressão de uniformidade no que diz respeito a como devemos parecer ser. A homogeneidade é impossível de ser alcançada, mas as formas de entretenimento midiáticos buscam alguns elementos para ter como tendências. Entre as tendências disseminadas pelas mídias para o corpo temos: cirurgias plásticas, uso de cosméticos rejuvenescedores, maquiagem e dietas. Optando por alternativas menos invasivas, ou como manutenção a longo prazo de uma cirurgia, temos as dietas, os rejuvenescedores e maquiagem. Adotada por antigas civilizações, a maquiagem, é a mais longeva das tendências. Entre as finalidades de seu uso estão o rejuvenescimento superficial da pele pela aplicação de camadas e tonalidades; transformação como as utilizadas para performances; ênfase nos melhores componentes faciais para atratividade, entre outros. Ainda que não esteja erradicada a fome não faz parte da vivência de grande parte da população consumidora do mundo. As refeições são altamente calóricas, e a fome é pelo                                                                                                                 58

Segundo definição de Camargo e Vaz (IN: COUTO, E. S.; GOELLNER, S. V. (orgs.), 2012) o termo que significa: estranho, esquisito, exótico, excêntrico e que engloba, usualmente, todas as manifestações da categoria LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros) e simultaneamente, nenhuma delas, pois é uma designação subversiva.

 

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excesso de elementos sem nenhum valor para as funções do corpo. Muitas doenças relacionadas aos excessos cresceram em ocorrências independente de faixa etária ou camada social. As atividades de movimentação corporal foram reduzidas a migrações periódicas a academias em momentos que os corpos tendem a ficar mais expostos. Esses dados contradizem toda autonomia de si, mas ainda assim são praticados pela reversibilidade assegurada pela medicina. São circunstâncias remediáveis. Os rejuvenescedores são procedimentos com pouca ou nenhuma dor com a finalidade de alisar, suspender, manter a forma, elasticidade e uma série de propriedades de uma aparente jovialidade sem deformidades. A indústria produz seus pequenos potes de promessas, põem as mulheres mais jovens, com recursos de composição fotográfica, e pós produção, para simular os efeitos após o uso de seus produtos. Mesmo com resultados incertos, contraindicações, por vezes, a experiência da tentativa, a modificação de algum hábito e os resultados temporários são suficientes para preencher positivamente o indivíduo. A auto avaliação compõem a construção de si ao olhar dos outros. A cirurgia plástica têm como início a reparação de corpos, principalmente nos períodos de guerras mundiais, pois tinham a finalidade de restituir - na medida do possível aos pacientes capacidades motoras, ou conforto para uma vida após os incidentes. Os profissionais responsáveis por tais procedimentos são denominados cirurgiões e a origem epistemológica do trabalho com as mãos remete as comparações romantizadas aos escultores plásticos. (SIBILIA, 2011) O desenvolvimento simbólico desse profissional lhe confere status de semideus: "O cirurgião possui uma evidente superioridade, e sua resistência física lhe permite continuar durante horas, sem cansaço aparente, um trabalho que deixa muitos outros aniquilados." (MOULIN, 2011:46) Os cirurgiões plásticos ganharam com as normas corporais do entretenimento americano mais status que se seus similares, pois: "Não é casual se a modelagem plástica se populariza, efetivamente, em primeiro lugar nesse país: não porque tivesse sido particularmente atingido pela guerra, mas por se achar, muito pelo contrário, mergulhado antes dos demais nas angústias da prosperidade moderna, mensurável em termos de nível de vida e, sobretudo, do individualismo conquistador e de espetacularização (imprensa ilustrada, cinema e todas as formas de show)." (ORY,2011:167) Para Pascal Ory (2011) outras hipóteses influentes na naturalização da intervenção cosmética são a demanda psiquiátrica pelo corpo belo, a correspondência entre imaginário corporal e forma; além do desnudamento do corpo, pelas roupas utilizadas, pela funcionalidade que elas assumem, pelo potencial de atratividade, entre outros.  

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Assim como os cremes cosméticos possuem estágios para cada faixa etária, as cirurgias também possuem distinções, indo da juventude em expansão com próteses para inflar, ao momento de secar gorduras, suspender e extrair todo tipo de tecidos que deveriam estar ali, mas não são desejáveis. Como diz Paula Sibilia (2011), ao longo dos anos tivemos vários escultores de corpos, seja na ficção ou fora dela. A técnica analógica facilitava a distinção entre corpos, pondo aqueles criados na categoria de monstros, de costuras, cicatrizas explícitas. Já o requinte técnico permite a invisibilidade da modelagem. Não perceber é o maior elogio que um procedimento estético pode receber. Entre os que melhor dominam a técnica estão os brasileiros. Vendo o potencial do procedimento, o "turismo médico" tornou-se uma realidade acessível por meio de parcelas àqueles que buscam o corpo perfeito. E não há nenhum pudor em declarar a quantidade de procedimentos, sendo comum no discurso dos que utilizaram a técnica plástica a seguinte frase: "é meu, porque eu comprei". O absurdo está em quem não usa os recursos para atingir a "moral da boa forma". Um objeto que se adequa a todos os desejos corporais apresentados é o da boneca. A autora Beatriz Jaguaribe (2007) oferece uma série de exemplos em sua análise sobre o significado imaginário das bonecas culturalmente nos indivíduos e na coletividade. As que mais se aproximam dos corpos modelados atualmente são denominadas bonecas hiper-reais. Essas "demonstram tal nitidez de contorno e tal precisão de detalhes, que elas nos oferecem o assombro de um realismo(...)que ultrapassa nosso realismo entrevisto a olho nu" (JAGUARIBE, 2007:211). As mídias requisitaram corpos excepcionais para chamar o olhar de seus consumidores, por exemplo: "É próprio do cinema registrar corpos e com eles contar histórias, o que resulta em torná-los doentes, monstruosos e, às vezes simultaneamente, infinitamente amáveis e sedutores." (BAECQUE, 2011:482) As práticas de modelagem fazem parte do que Foucault chamou de biopoder, ou seja, estender os limites da vida de todos os sujeitos, recorrendo a uma diversidade de ferramentas técnicas e políticas. (SIBILIA, 2011:2) A extensão da longevidade consequentemente afeta o conceito de velhice, pois o corpo está se livrando da velhice biológica, mas não subjetiva. O sociólogo francês, Alain Eherenberg se assusta com a quantidade de prescrições psicotrópicas - tranquilizantes e/ou estimulantes - para idosos em seu país (SIBILIA, 2011:5). Em pesquisa realizada com mulheres sobre a velhice, no livro "Coroas: corpo, envelhecimento, casamento e infidelidade" de Mirian Goldenberg chega a seguinte constatação:

 

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"sob o estigma dessa condição, quase se poderia dizer que ela deixou de ser mulher: perdeu o direito de ser considerada 'gostosa', por exemplo - algo que constitui 'uma das maiores dores de envelhecer' para as mulheres brasileiras, pois implicaria 'tornar-se invisível para os homens, fora do mercado da sedução'." (GOLDENBERG, 2008:95 apud SIBILIA, 2011:6) 2. Virtualização Corporal Se no mundo desde o princípio somos rodeados por corpos, o contrário ocorre nos meios digitais. Desde as primeiras representações gráficas nos videogames somos apresentados a formas geométricas básicas e variações das mesmas em caráter experimental (Imagens 1, 2 e 3), pois os hardwares e softwares ainda não suportavam tecnicamente os anseios da criação. Portanto os corpos foram incorporados com o tempo.

Imagem 1: Gráfico de Pong

Imagem 2: Tetris DOS (1986)  

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Imagem 3: Space Invaders Do período experimental temos: a pixelização pela baixa qualidade visual de imagens; exagero de cores; sombras duras e outros elementos. Eles construíram para os consumidores a primeira estética digital, não tão presente atualmente porque tecnicamente houve muito desenvolvimento. Na criação comercial prevalece a representação realista. No entanto há possibilidades diversas, pois o conhecimento técnico está mais acessível aos interessados e as habilidades necessárias às artes plásticas não são pré requisitos. É importante ressaltar a ausência primária de corpos e a variedade metodológica de criação, porque podemos reconhecer interesses ao dar forma e valorizar determinados tipos em detrimento de outros. Se tratando da discussão de corpos femininos, a exaltação de formas curvilíneas, seios e quadris volumosos, as dimensões aplicadas, atendem a visão da indústria a fim de popularizar a mesma. Tal estratégia já foi e ainda é aplicada por outras mídias, sendo uma convenção de representação feminina. Ainda assim não há consenso sobre a validade e qualidade desse modo de representar na experiência do consumidor, porque a exposição constante a modelos irreais pode afetar a  

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percepção dos mesmos sobre si e seu ambiente. A indústria pode oferecer maior variedade se houver reivindicações para tal, que podem ir desde constantes críticas a criação a partir das demandas não atendidas. Como já indicado, as ferramentas técnicas possíveis para produção estão mais disponível basta empenho. A partir das ideias de "non-human sex" e "body without organs", vindos dos trabalhos de Deleuze, aos corpos digitais são adicionadas as qualidades de performar diferentes identidades e personalidades com os distintos personagens ficcionais, além deles não estarem submetidos a mesma ordem de forças que um corpo real. Assim cabe ao jogador aceitar e acreditar em sua representação física ficcional para sentir se agente e conectado emocionalmente. Essa capacidade interativa é apresentada sob o conceito, "inner-action", de Elvira Mortensen: "as the mental activity activated by the game, in which the player creates an understanding of an action and, consequently, an undertanding of his/her identity." (FANTONE, 2003:56) Na visão de algumas feministas, o modo pelo qual, os videogames representam as mulheres e seus corpos, são exemplos negativos ao consumo. Ainda que eles realmente estejam longe da diversidade de identidades, e corpos femininos - e também masculinos apenas a possibilidade de não ter de seguir normas e gêneros pode ser ressentida positivamente pelas mulheres. Do contrário por que motivo mulheres estariam consumindo jogos se seu gênero é menos frequente e estereotipado? Uma das características do "inneraction" está na subversão de corpos. Mesmo com todo o descontentamento, novamente o corpo está em foco. Os videogames rapidamente perceberam a expansão do capitalismo/globalização e foram capazes de perceber o desejo pelos corpos virtuais através de seus produtos. (FANTONE, 2003:59) Para os corpos femininos, predominam a exploração sexual, assim como para os homens ficam os corpos de fisiculturistas, atléticos, impregnados de testosterona. No entanto elas não correspondem exatamente a tipos de "frankenwoman" (SCHLEINER, 2001), porque mulheres também emulam personagens, transformam seus corpos com próteses e são aceitas, até invejadas pela capacidade de modelagem. A opção pelo visual estético realista nos jogos não implica necessariamente na autenticidade dos seus elementos (FANTONE, 2003:60). Eles são possíveis correspondentes visuais ao que vemos, mas há expectativas idealizadas a respeito do potencial estético dos jogos. E nesse sentido, representações exageradas, grotescas, caricatas, surreais, ficam aquém do código de real. E esse não é um bom parâmetro para avaliar a qualidade criativa de alguma mídia.  

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Entre as representações de corpos femininos virtuais de maior repercussão está Lara Croft. Por que 18 anos depois - o primeiro jogo foi lançado em 1996 - ainda continuamos falando tanto nela? Porque permanecer uma figura ambivalente. (SCHLEINER, 2001 e MIKULA, 2003) Sua primeira apresentação era fora dos padrões de representação feminina para os jogos, pois esses as colocavam como personagens não interativos e passivas; ao longo dos títulos posteriores, devido ao sucesso com jogadores - independente de gênero - a personagem de repente ganha uma representação estereotipada com seios grandes, roupas curtas e pequenas ainda que tente manter alguma característica da aristocrata arqueologista, pelas botas e cinto de utilidades; e em sua última versão, lançada em 2013, passa por outra transformação visual, deixando a mais jovem, menos sexualizada, e mais andrógena. E todas essas características, discussões ficaram restritas ao corpo e gênero. (Imagem 4)

Imagem 4: Representações de Lara Croft É difícil imaginar uma discussão sobre representação de gênero nos jogos ou design de personagens femininas sem fazer referência a mesma. Como aponta Maja Mikula (2003) Lara Croft pode ser considerada através dos diversos discursos: tudo de ruim na representação cultural de mulheres, e ao mesmo tempo tudo de bom ao passo que permite explorar as políticas feministas contemporâneas. Mas recepções de feministas mais radicais à representação de Lara Croft são: "an idealized, eternally young female automaton, a malleable, well trained techno-pupet created by and fot the male gaze." (SCHLEINER, 2001:222) e " [she is a] sergeant-major with  

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baloons stuffed up his shirt [...] She's a distorted, sexually amboguous, male fantasy. Whatever these characters are, they're not real women." (MIKULA, 2003:79) Desse modo, o valor simbólico indica a abertura para espaços de discussões sobre representatividade que não surgiram com os jogos, mas fazem parte das disputas de discursos em outras mídias, a medida que estas tornam-se populares. Tocando na representatividade, e desenvolvendo a dimensão autoral de produtos massivos, em particular na franquia relativa a personagem houve uma dissociação entre criador e criatura. O criador de Lara Croft, o inglês Toby Gard só ficou na equipe de produção do jogo até a finalização do primeiro jogo. E durante esse tempo "[he] had consciously resisted fitting his heroine out with 'spangly thongs and metal bras so popular with digital women', because he felt the she 'had more dignity'59." (MIKULA, 2003:82) Como mídia os jogos possuem a particularidade conferida pela interatividade, as metodologias usuais utilizadas em pesquisas por outras mídias, podem não ser suficiente para esgotar o objeto empírico. Por exemplo, a identificação e objetificação parece não funcionar muito bem quando aplicada aos jogos, pois se adequa melhor a ideia de personificação. De acordo com a experiência de alguns jogadores, ao interagir com Lara Croft houveram alternâncias entre momentos de "proteção" - preocupação em ela não se machucasse - e "controle" - agir com toda intensidade requisitada. Em outro título da franquia, a presença de um antagonista masculino gerou descontentamento, porque ele poderia diminuir o tempo de interação entre ele (homem/jogador) e Lara (mulher/personagem), baseada em uma relação de prazer. Quanto a percepção feminina, as jogadoras também sentem prazer ao interagir com a personagem, porque podem projetar nela o ideal de uma mulher independente, forte, e ao mesmo tempo atrativa. (MIKULA,2003:81) A da visualização do corpo feminino - em jogos de terceira pessoa - são uma fonte de estímulo visual. O ângulo de visão sob a personagem não é estático, portanto as estratégias de câmera próprias do cinema com a intenção de explorar o corpo feminino, estão a disposição (SCHLEINER, 2001:222). E não demorou muito para que esses ângulos levassem a criação de patches com a finalidade de despir a personagem60. Fugindo dos polígonos de Lara Croft, quais são os outros jogos analisados a partir da representatividade corporal feminina? Em Anne Schröder (2008) temos a análise de

                                                                                                                59

Ele resistiu conscientemente a tentativas de enquadrar sua heroína em " bicos pontudos e sutiãs de metal tão populares em mulheres digitais", porque ele sente que ela merece "mais dignidade" [Tradução Livre] 60 A prática de patches será discutida no tópico com o uso erótico nos jogos.

 

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personagens femininas na franquia de jogos Gothic61 levando em conta: desenvolvimento narrativo; representação visual; comparação na distribuição de personagens por gênero; e presença de questões sexuais. No primeiro título da franquia, Gothic I há seis personagens femininas identificáveis contra 95 masculinos - e elas compõem o cenários da narrativa, exercendo funções manuais, domésticas e reprodutivas. Aquelas que receberam alguma identificação foram: Charlotte, dançaria com piercing nos lábios contrastando com o contexto; Chani e Natalia fazem parte do harem do líder religioso Yberion; Seraphina, Syria e Velaya vivem no castelo do líder político Gareth. Sendo o personagem principal, exclusivamente do gênero masculino, resta as mulheres ocupar os papéis de personagens não interativos. Esse tipo de personagens em jogos, às vezes possui função auxiliar, ao interagir por diálogo, porem não é possível estabelecer o mesmo contato com elas. Por ser ambientada em universo medieval, personagens poderiam entrar em confronto direto, utilizar armas, armaduras, mas as mulheres não possuem nenhum tipo de arma ou proteção, assim como não podem ser feridas ou mortas. A caracterização das personagens é trabalhada a partir do ideal de beleza femininas, jovem, evidenciando as curvas. Algumas imagens femininas provocativas estão dispostas no menu de instalação, porem elas não correspondem a nenhuma personagem do jogo. Em Gothic II são dezoito mulheres em nome e aparência. Não apenas a quantidade, mas as personagens receberam funções menos decorativas. Os papéis representados por elas são

um

pouco

mais

diversificados:

dona

de

casa,

assalariadas/autônomas;

comerciante/revendedora de armas; cozinheira; herbalista. Ao contrário do jogo anterior é possível interagir por diálogos simples. E lutar com elas, pois a maioria possui armas para se defender, ainda que nenhuma possua armadura de proteção como os homens. Entre as personagens destacadas temos: as responsáveis por sub-quests e as treinadoras. As sub-quests são pequenas atividades a serem realizadas em favor do personagem que pede ajuda, e entre elas o jogo oferece: comprar a Hilda uma panela; conversar com Gritta; comprar comida para Edda. As treinadoras estão: Cássia, líder do bando de assaltantes, posicionada em uma parte difícil do jogo, ajuda o herói a melhorar suas habilidades de batalha; E Sagitta, herbalista que vive em uma caverna longe da fazenda, ensina como fazer alquimia e poções de cura.                                                                                                                 61  A

narrativa da franquia é a saga de um herói em cenários de fantasia medieval. Em cada jogo, um novo inimigo, não humano desafia o herói. Sua representação é exclusivamente masculina, e não há identificação nominal para o personagem, sendo o mesmo conhecido como "nameless hero".

 

 

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No último título, Gothic III, ao contrário do que esperavam os fãs a representatividade das mulheres foi semelhante ao primeiro jogo. Como o mundo é maior, Schröder (2008) não foi capaz de contabilizar a quantidade de personagens e distingui-los por gênero. Para reconhecer uma mulher, bastava observar uma tarja com identificação de gênero e função no jogo, contrapondo com os homens, sem indicação de gênero, por serem a norma do jogo. Novamente não é possível interagir com as personagens, suas ocupações voltam a ser "decorativas". Esse elementos frustraram as expectativas no jogo, mesmo com uma intensa campanha de marketing. E entre a perda de qualidade na representação, os desenvolvedores disseram ser consequência da falta de tempo para realização da arte gráfica, entrega do jogo completo e capacidade de processamento de tantos detalhes gráficos, que seriam característicos das personagens femininas, com seus cabelos, penteados, adornos, vestidos, etc.

 

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Capítulo 3: Erotismo Midiático: Aplicação de Normas para Gêneros e Sexualidades 1. Introdução O erotismo é empregado em alusão a sensualidade, excitação e incorporado na área artística e de entretenimento. Ele é contraposto ao conceito de pornografia, pois é desvalorizado, associado a expressão sexual mais carnal, obsceno e direcionado aos homens. No entanto a distinção possui nuances negociadas socialmente, culturalmente e individualmente. Os fatores levantados por Carlos Gerbase (2006) nesta prática são: plasticidade, narrativa, psicologia, intuição, estética, funcionalidade, distanciamento e posicionamento comercial. Na indústria dos jogos existem tantos jogos considerados eróticos, quanto pornográficos. E as disputas por visibilidade, circulação e valorização também estão presentes. É dessa disputa que jogos como "Catherine" - escolhido para apresentação circulam ao contrário, por exemplo do 3DXChat, da Sex Game Devil, pois esse é uma simulação de realidade voltado para interação de avatares em performances pornográficas. Já o primeiro utiliza elementos de erotismo como a representação visual de suas personagens femininas para atualizar normas de gênero e sexualidade valorizadas pela indústria de jogos. Mas quais seriam essas normas de gênero e sexualidade? A norma que prevalece no discurso da indústria dos jogos, sendo possível estender ao entretenimento é heteronormativa, ou seja, trabalha em favor de enredos e representações que estimulam o gênero heterossexual masculino em detrimento a outros gêneros e sexualidades. A partir dai, minorias como mulheres e homossexuais estão a parte do que se considera como representação de divertimento e suas demandas são pouco correspondidas nos títulos produzidos. 2. Constituição de normas de gênero e sexualidade Para pensar como essa norma se construiu é necessário partir de uma abordagem histórico social desde o período vitoriano, utilizando autores como Michael Foucault (2013) e Peter Stearns (2010). A hipótese de repressão é frequentemente empregada, por exemplo na representação corporal e sexualizada de mulheres como um mecanismo de desvalorização das mesmas pela objetificação e submissão ao desejo visual de outrem. No entanto, se esse fosse o mecanismo central seria muito frágil. A repressão é uma técnica aplicada em um contexto mais amplo, onde prazer e poder não se anulam. (FOUCAULT, 2013)

 

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No primeiro volume de História da Sexualidade, Michael Foucault, propõem a análise sobre sexo e suas ramificações a partir da ação do "poder", definido como: "Parece-me que se deve compreender o poder, primeiro, como a multiplicidade de correlações de força imanentes ao domínio onde se exercem e constitutivas de sua organização; o jogo que, através de lutas e afrontamentos incessantes as transforma, reforça, inverte; os apoios que tais correlações de força encontram umas nas outras, formando cadeias ou sistemas ou ao contrário, as defasagens e contradições que as isolam entre si; enfim, as estratégias em que se originam e cujo esboço geral ou cristalização institucional toma corpo nos aparelhos estatais, na formulação da lei, nas hegemonias sociais." (FOUCAULT, 2013:102-103) Entre as prudências metodológicas, ao trabalhar com sexualidades, apontadas pelos autor cabe destacar: as variações contínuas, ou seja, as "distribuições de poder" e as "apropriações do saber", porque ambos são configurações em disputa e atualizações; o duplo condicionamento ou o modo pelo qual os agentes envolvidos se posicionam frente as situações; a polivalência tática dos discursos, pois estes se apresentam como descontínuos, heterogêneos e instáveis. As manifestações do poder estão presentes na regulamentação moral da sexualidade, desenvolvidas sobretudo durante o período vitoriano. E a familiarização com os mesmos favorece a intensificação de diversas falas. Como exercer poder sobre tantas declarações? Para Foucault (2013) estas podem ser realizadas a partir de: linhas de penetração infinita, com a vigilância permanente do indivíduo desde sua infância a fim de repreender e instruir sobre a sexualidade saudável, afastando dos impulsos sexuais os "hábitos solitários" (masturbações). E as ligações entre os membros da mesma família, como: incestos e alianças consanguíneas; delimitação da norma sexual, a partir da incorporação das perversões, como sadomasoquismo, masoquismo, fetichismo, entre outras; perpétuas espirais de poder e prazer pela curiosidade a cerca da sexualidade do outro, pedindo para que esse se confesse e desenvolva através da linguagem um conhecimento sobre si, e então regulá-lo; os dispositivos de saturação sexual com o estímulo a monogamia heterossexual e construção da moral familiar. Sendo assim, de acordo com Foucault (2013) o saber sexual ocidental está apoiado na scientia sexualis organizada em função do poder-saber, através da confissão, não necessariamente a partir da imposição religiosa, uma vez que a psicologia e a psiquiatria praticam/estimulam o mesmo pela análise. Esse "ritual de verdade" é proposto por ser o caminho a libertação de si, expondo as fraquezas morais. Menos recorrente é a ars erotica  

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onde o prazer individual é consequência da tradição de iniciação por um mestre, a fim de dominar o corpo e alcançar o gozo excepcional que deve se manter em segredo. Tais modelos de pensar sobre sexualidade e gênero se constroem a partir da camada social burguesa (FOUCAULT, 2013 E STEARNS, 2010), pois a mesma vê nessa manifestação de poder, possibilidades de se distinguir de outros extratos sociais ao alcançar: respeitabilidade, reconhecimento e controle de natalidade. O ápice do mesmo ocorre no período vitoriano nas décadas intermediárias do século XIX. O reconhecimento vêm da constatação de que as normas tradicionais já não são aceitas, respeitadas pelos populares, diminuindo assim sua influência. Era necessário modificar as estratégias de discurso para continuar sendo o modelo social e nesse momento ocorre a aproximação com os médicos. Esses até então não tinham se envolvido em questões sexuais, mas percebem no apoio aos conservadores, a oportunidade para ganhar status social. A autoridade médica - agora mais relevante do que a religiosa pela racionalização do pensamento - diz que quanto maior a frequência sexual, menor é a moralidade do indivíduo. O controle da natalidade na época era reflexo de mudanças do estilo de vida. Antes era desejável ter grande número de filhos, pois eles garantiam mão de obra para os trabalhos de uma sociedade pré-industrial. No entanto, a partir da industrialização, da construção de cidades, das novidades da modernidade, torna se difícil, se não inviável ter tantos filhos. E os alvos de controle estavam nas camadas sociais mais baixas. Essas eram constituídas por parte de imigrantes, sendo adicionado mais um fator de divergência moral/cultural. Ainda que as classes mais baixas pudessem perceber que a renda não acompanha os gastos, não sobrava a esses opções além da constatação da situação na qual estavam, porque não poderiam colocar as crianças para trabalhar - a instituição da infância garantia às crianças direitos e deveres, afastando as das áreas de trabalho e encaminhando a educação - ou "se desfazer" das mesmas. Famílias que se enquadravam nesse padrão eram os modelos ideais para a propagação da teoria do economista Thomas Malthus - teoria malthusiana - onde a população progride exponencialmente e os recursos geometricamente, gerando uma defasagem entre demanda e oferta, e como consequência o aumento da pobreza e outros problemas sociais. É possível que este cenário tenha favorecido o duplo padrão sexual masculino e a instituição das "zonas urbanas". O sentimento de culpa por não ter a liberdade sexual desejada, não impediu os homens de contornarem as normas, estabelecendo duas formas de expressão de sua sexualidade. A primeira destinada a esposa, seguindo as normas sexuais, com intuito reprodutivo; e a outra seguia os desejos sexuais a serem extravasados com  

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prostitutas, ou quando podiam sustentar financeiramente, as amantes. Esse tipo de comportamento alimenta a distinção por gênero de impulso sexual, que não necessariamente se confirma, uma vez que mulheres foram por muito tempo reprimidas. Ao mesmo tempo que permite aos homens o privilégio social e sexual de terem a quantidade de experiências que quiserem. As "zonas" foram estabelecidas no final do século XIX como espaços urbanos para dar vazão a degradação. Nessa áreas as práticas sexuais eram toleradas, pois desse modo as outras partes da cidade estariam resguardadas da imoralidade. Elas também foram denominadas zona da "luz vermelha", a mais conhecida fica em Amsterdam, sendo atualmente parte do circuito turístico e o trabalho sexual é regulamentado, ou seja bem distante das ideias vitorianas. A moral vitoriana tal como foi concebida não repercute em sua totalidade como norma na sociedade ocidental atual. Mas há resquícios mesmo com todas as trocas globais. Comparando dois acontecimentos no espaço norte americano, influentes no entretenimento mundial é possível constatar algumas atualizações de discursos. Os acontecimentos com ídolos adolescentes são: o tweerking62de Miley Cirus opondo ao anel de castidade do trio Jonas Brothers. Na cerimônia de apresentação do Video Music Awards (VMA) de 2013, a artista Miley Cirus dividiu uma atração musical com o cantor norte americano Robin Thicke, pois ambos estavam fazendo muito sucesso no período. A apresentação transmitida ao vivo, certamente não era o que os produtores esperavam, incluindo o cantor, pois Miley começou a fazer os passos de tweerk em frente a Robin. No mesmo momento, o fluxo de imagens e relatos por redes sociais têm um pico, pois as pessoas não conseguem acreditar estar vendo uma ídolo teen, performando com tanta desenvoltura movimentos provocativos. A reação dos artistas convidados a premiação também não é tão diferente. Não conseguiram entender: desde quando ela se transformou em uma devassa? (Imagens 5, 6, 7, 8 e 9)

                                                                                                                62

A origem do termo não é consenso, mas é um tipo de passo do estilo hip-hop geralmente praticado por mulheres, onde essas abaixam o tronco para evidenciar os movimentos realizados pelos quadris. A intenção dos movimentos é excitação sexual.

 

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Imagens 5 e 6: Miley Cirus durante a performance no VMA 2013

 

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Imagem 7: Reações das cantoras Taylor Swift e Selena Gomez

Imagem 8: Reações da cantora Rihanna e do grupo One Direction

 

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Imagem 9: Reação do ator Will Smith e seus filhos Já o trio Jonas Brothers faziaa sucesso entre as adolescentes, como uma boy band, própria para canalizar - e idealizar - possíveis impulsos sexuais. Havia preocupação por parte dos responsáveis pela imagem do grupo em não permitir que eles fossem associados a um estilo de vida rockstar. Eles eram uma banda de pop para mulheres adolescentes e precisavam alimentar o imaginário romântico. Como potencializar o romantismo em uma época de tantos exemplos morais ruins? Um anel de castidade! E assim, os irmãos usavam uma aliança, com os dizeres "True Loves Waits"63, resgatando as prescrições vitorianas, contra o sexo prémarital, em favor da pureza feminina, do amor romântico. Se aos homens há permissividade sexual e eles estão abdicando em favor do casamento, por que não as mulheres? (Imagem 10)

                                                                                                                63

O amor verdadeiro espera [Tradução Livre]

 

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Imagem 10: O Trio e em detalhe o anel de castidade 3. Propagação de normas por linguagens midiáticas Os exemplos citados a cima são apenas um dos exemplos de atualização de discurso heteronormativo. Ao acompanhar outras mídias como: literatura, fotografia, audiovisual, internet e jogos eletrônicos veremos os mesmos reflexos. E foram nestes que o "poder", as normas ganharam locais de propagação, a partir da linguagem desenvolvida e compartilhada entre estas mídias. Retomando a disputa por visibilidades a partir das distinções entre pornografia e erotismo nem sempre estas estão bem delineadas. Portanto é possível que muitos dos exemplos a serem apresentados a seguir fossem categorizados como pornografia e tempos depois como erotismo e vice-versa. Tais diferenças a medida que as mídias tornam se mais massivas serão mais tensionadas. 3.1 Literatura e Imagens de Cartões Postais Eróticos A literatura erótica/ pornográfica como gênero literário demanda validação do campo porque era compreendida como uma expressão de temática simplista, sem estrutura, com  

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linguagem instrumental, pouco humana na construção emotiva de seus personagens e apelativa ao sensorial. (SONTAG, 1967) A circulação do gênero possui registros de trocas no eixo ocidental que compreende Europa e Estados Unidos, junto com outras obras proibidas, como os de temáticas Iluministas. (SONTAG, 1967 E HUNT, 1999) Os homens são considerados público alvo dessas produções, mas não há motivos para duvidar que mulheres poderiam ter algum contato. Levando em conta o público alvo masculino as personagens centrais de tais ficções eram identidades femininas, contraponto a boa parte da produção literária daquele período. Elas narravam suas experiências pessoais, desde a vida pré iniciação, dando destaque a suas habilidades e prazeres, pois nesses momentos ocorriam as descrições mais detalhistas dos encontros sexuais, e a partir desses atingiam a prosperidade - sobretudo a financeira. Através dessas personagens é possível supor quais eram as convicções sociais e insatisfações do período da obra, ou seja, podem servir como marcadores histórico sociais. (NORBERG, 1999) As representações de feminilidade nas narrativas ficcionais a partir das prostitutas deste período possuem duas representações de destaque: a prostituta libertina e sua antagonista a "cortesã virtuosa". A primeira representa a prosperidade dos prazeres e finanças. É independente sexualmente, negocia seu sexo, utilizando sensibilidade, libido, artisticidade, beleza e sociabilidade. Como consequência da auto gestão pode zombar das distinções sociais, pois influencia, domina e potencializa a virilidade de homens das altas esferas. Além de menosprezar as "cortesãs virtuosas" pelo luxo material de sua vida. Já a "cortesã virtuosa" é uma vítima social que teve a inocência corrompida por seus aliciadores. É obrigada a trabalhar com sexo por razões sociais (pobreza) ou físicas (deformidade exploradas pelo grotesco). Quando trabalha é dominada, abusada e subjugada por seus clientes e pela sociedade. Entretanto ela é capaz de manter a bondade e com essa talvez encontrar o amor romântico e ser livre. Destas duas representações aquela que condiz com o controle da sexualidade feminina é a "cortesã virtuosa", pois desde o princípio ela é forçada a agir fora de sua natureza sexual e portanto próxima as expectativas sociais para as mulheres. Desse modo, a libertina perde seu prestigio por ser consciente de mais sobre si e como poderia negociar com os homens chegando até a inverter os papéis típicos da heteronormatividade. Quanto aos cartões postais, as Mouras se perpetuam nos cartões-postais de viagem, com encenações fotográficas sofisticadas o suficiente para se aproximar da atratividade da mulher ocidental europeia, ainda que sejam uma etnia criada. Suas imagens são mais valorizadas do que a de mulheres como: as dançarinas orientais, "mulheres fáceis",  

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tentadoras, oferecem se em espetáculos; as fumantes de cigarros - marca de ocidentalização mesmo não estando aceso, pois indicam falta de pudor; as amigas, uma possível alusão ao lesbianismo, mas parte do contato social de várias mulheres de um harém. Tais identidades exóticas circulam em cartões postais como parte da troca de expectativas, desejos e saudades. (BOËTSCH E FERRIÉ, 1998:175) Isso não impede as críticas, como a de violência colonial e submissão da mulher. Porem aos autores "... a redução de outros seres humanos ao estado de imagens seja por vezes chocante, mas é nossa maneira de viver o mundo: produzir imagens e atar-se a elas." (BOËTSCH E FERRIÉ, 1998:175) Além delas os cartões postais fotográficos também eram construídos com aberrações, pois "o monstro é sempre a exceção que confirma a regra" (COURTINE, 2011:180) 3.2. Erótico em movimento audiovisual: Stag Films, Cinema e Televisão O audiovisual a partir da sequência de imagens evidencia os movimentos corporais, portanto as produções de caráter pornográfico sobressaem, pois dão destaque a determinados enquadramentos e partes dos corpos, constroem suas narrativas com coreografias sexuais e se são realistas. Desse modo, os exemplos a serem apresentados no audiovisual se relacionam mais ao regime pornográfico do que erótico. E apesar do trabalho ter como foco o erotismo em jogos, os exemplos da linguagem pornográfica estarão presentes em práticas de subversão nos jogos como: nude patches, machinemas eróticos e pornográficos, realidade virtual pornográfica. Sob domínio do cinema, os vídeos pornográficos circulam entre 1896 a 1980 sob forma de stag films ou longas apresentados em locais públicos, ainda que segmentados da circulação comercial cinematográfica. E de 1980 em diante com a produção e consumo doméstico de conteúdo pornográfico pelas televisões e videocassetes, a indústria pornográfica toma forma. 3.2.1 Stag Films Por definição "os stag films ou dirty movies (1896-1912) eram (são) filmes curtos, de cerca de sete minutos ou menos, mudos e em preto-e-branco. Caracterizam-se por uma concepção teatral do espaço cênico." (ABREU, 1996:45) Estavam endereçados ao público

 

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masculino e mesmo com linguagem visual confusa não deixavam de enquadrar o seu assunto principal, as genitais através dos inserts64. Já nestes pré filmes estavam presentes questionamentos acerca da objetificação dos corpos. De acordo com Di Lauro e Rabkin (1976:26 apud ABREU, 1996:48) tanto os homens quanto as mulheres eram "objetificados", ainda que o foco das câmeras recaíssem majoritariamente sobre corpos e closes de genitálias femininas, conhecidos como "split beavers". Nas cenas, as responsáveis por convidar os espectadores e os parceiros sexuais eram as mulheres. Elas interagiam com homens, com os quais os espectadores poderiam se aproximar e com mulheres a partir de insinuações lésbicas. Além do acesso ao prazer visual e imaginário era possível conhecer corpos em um regime diferente do puramente pedagógico ou moralmente aprovado - dentro da estrutura monogâmica e com sexo para procriação. 3.2.2 Cinema Os filmes apelativos ao erotismo eram chamados exploitation e exibidos ao público masculino em locais pré determinados, e mantinham a descrição de seus frequentadores. Ainda sob regulamentação, as produções de 1940, quando exibiam nudez era de modo velado; o sexo era atividade do casal e praticado dentro da privacidade do lar; e ainda circulavam documentários educativos e científicos para coibir o sexo entre os jovens. (Imagens 11 e 12)

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Denominação para o enquadramento das genitais e seus movimentos, como as penetrações.

 

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Imagem 11: Documentário Educativo Norte Americano Mom and Dad (1945)

 

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Imagem 12: Apresentação de genitais no documentário Mom and Dad (1945) A partir da década de 1950, filmes mais liberais, chamados nudies, mostravam corpos nus, sem exposição frontal e consequentemente das genitais. Era o "nudismo social" (ABREU, 1996:57) ambientado em campos de nudismo, em favor da naturalidade e saúde, portanto avesso a excitação sexual. Um dos exemplos é o filme de 1960, Hideout in the Sun a refém de um assalto a banco é uma jovem mulher nudista, e o campo de nudismo vira o esconderijo dos assaltantes65. (Imagens 13 e 14)

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(acesso em abril de 2014)

 

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Imagem 13: Hideo in the Sun (1960)

Imagem 14: Hideo in the Sun (1960), os genitais masculinos são omitidos A passagem do soft core ao hard core é impulsionada a partir do filme "Deep Troath" (Garganta Profunda, 1972) pois o público encontra nesse título sexo explícito, incorporando a ejaculação masculina - come shot ou money shot - tornando se a evidência clássica do realismo pornográfico. Mas a exibição em locais públicos de pornô hard core não se sustenta  

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por muito tempo, e de 1980 em diante o consumo muda sua localização. Tal modificação acompanha o desenvolvimento e consolidação da indústria. Por estar inserido no ambiente cinematográfico, comparações para validar o gênero pornográfico forma realizadas - assim como ocorreu com a literatura erótica, pornográfica. Um gênero cinematográfico pode ser definido como um sistema de elementos relacionáveis resultante de suas funções num processo de repetição e diferenciação. Em tal processo, repetição nunca é simplesmente retorno do idêntico e diferença nunca é simplesmente a erupção do absolutamente novo." Portanto um gênero está organizado pela diferenciação na repetição. (ABREU, 1996:94) Entre as críticas comparativas mais frequentes está a estrutura narrativa ou ausência da mesma. A narrativa da produção pornográfica é trabalhada em favor das interrupções para performances sexuais, devidamente coreografadas para favorecer o enquadramento, os corpos dos atores, ao subgênero do título e ao gosto dos consumidores. As formas de avaliação da narrativa cinematográfica contrastam com o gênero pornográfico, pois a "pornotopia" compreende excesso de imagens e escassez narrativa em sua forma mais reconhecida. As convenções do gênero pornográfico foram ordenadas em 1977 por Stephen Ziplow, mas os essenciais da iconografia são: close genital e a ejaculação masculina - money shot ou come shot - em exposição para câmera. Os outros elementos listados são: masturbação com ou sem acessório; sexo convencional ou heterossexual; lesbianismo para atrair homens; sexo oral geralmente feito pela mulher. Pode estar em qualquer parte do vídeo e aparecer diversas vezes; ménage à trois, sendo a terceira pessoa geralmente uma mulher. Exceto em filmes de dupla penetração feminina (DP); orgias; e sexo anal feminino, seguindo a hétero normatividade. 3.2.3 Televisão A trajetória cronológica da pornografia na televisão têm início no final de 1970 com a tecnologia de vídeo cassete e se estrutura como indústria a partir de 1980. O vídeo cassete ( Vídeo Cassete Recorder ou VCR) surge em 1976, e dentro da indústria cinematográfica adulta teve grande importância pela disseminação do filme hard core "Deep Throat" (Garganta Profunda, 1972). A difusão no nicho foi tão significativa, sendo possível dizer que sem esse primeiro impulso essa poderia ter sido uma tecnologia fadada ao fracasso. Os argumentos propostos para o desenvolvimento tecnológico e industrial são: o consumidor acelerando a difusão de novas tecnologias de comunicação, pois foram os  

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primeiros a compara e consumir serviços (incluindo conteúdos premium) validando as propostas que ao longo do tempo atraíram novos consumidores e consequentemente baratearam os custos para todos. E as commodites prestações de serviços, benefícios aos clientes, fidelização, nichos de mercado foram implementados a parir desse público. (COPPERSMITH, 1999) A produção pornográfica tornou se mais barata e contribui ao aumento das produções. A experiência dos consumidores é inundada por novos títulos e dessa variedade são criados nichos, temáticas e performances mais atrativos. Em especial a norte americana soma atualmente uma receita financeira maior que Hollywood e pode ser considerada um produto da cultura norte americana. No entanto ela é tensionada pela visibilidade, porque é considerada obsceno quando há dificuldade em falar sobre sexo explícito, portanto deve ficar fora de cena. E em cena onde discursos sobre sexualidade são construídos pela tensão do que deve/pode ser revelado ou não. (WILLIAMS, 2004:4) 4. Adaptação de conteúdo e consumo Como apresentado, o erótico potencializou o pornográfico com auxílio da movimentação de imagens no audiovisual. Saiu de espaços públicos para o consumo individual doméstico e consigo possibilitou a construção de uma indústria dentro do entretenimento, associou se a disseminação de tecnologias e fez surgir novas práticas de consumo. Estes novos espaços foram possíveis a partir de adaptações como: estratégia de construção de mercado, o reposicionamento dos seus produtos ao classificá-los como "conteúdo erótico". Por não estar centrado em circulação pública torna-se mais trabalhoso ao Estado estabelecer o regimento de consumo, porque a decisão depende da sexualidade individual, dentro de seu domínio de controle. Levando em consideração os limites individuais: "uma imagem ou texto não podem de maneira nenhuma ser pornográficos. Simplesmente porque pornografia está nos olhos ou na intenção daquele que olha (...) sou eu que possuo um julgamento e eu devo ter uma medida para assumir o risco de me questionarem sobre esse julgamento." (CHABET, 1981:100 apud ABREU, 1996:175) Com a circulação doméstica há maior liberdade aos consumidores ao usufruírem conteúdos pornográficos que podem não estar dentro da norma social. Até pouco tempo o  

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consumo de material do nicho BDSM - abreviação para práticas de Bondage, Dominação, Submissão e Masoquismo - não era bem visto fora do seu circulo de compartilhamento. Porem a partir do momento que a literatura incorpora essas práticas e expõem as mesmas em seus espaços de consumo, dando novo significado, outros conteúdos similares são impulsionados, sejam eles dentro de chaves mais ou menos explícitas. Este é um reflexo do princípio da cauda longa, onde produtos se organizam em nichos, podendo ser alavancados dependendo do posicionamento de outros produtos relacionados. E ainda que o período de ascensão termine ele voltará a ser consumido em nichos, sempre com a possibilidade de ressurgir. 5. Erotização do feminino na imagem movimento O corpo e gênero mais descrito, enquadrado, movimentado e observado é o feminino. A maleabilidade é utilizada em diferentes produções com ou sem conteúdo erótico e/ou pornográfico. Tanto destaque põem a mulher como indivíduo apto a tornar se objeto, porem como apontado por Foucault (2013) elas são agentes capazes de se posicionar livremente, incluindo ai discursos por vezes instáveis, polifônicos. O feminino em si é um campo disputado com constância e heterogêneo, no entanto o empoderamento deste gênero e de seus corpos têm predominado no discurso tanto no campo individual quanto em suas representações sociais. Entre as construções de imaginário erótico feminino com maior representativas está o construído pelo cinema. O sonho erótico para Ado Kyrev (apud BEACQUE, 2011:489) têm início na relação de idolatria. Entre as identidades femininas produzidas para o cinema são: a vamp americana e a diva italiana. (BEACQUE, 2011) A primeira aparece em 1915 no filme "Beija-me, idiota", de Frank Powell com a atriz Theda Bara. (Imagem 15) Suas características são: olhar fascinante, efeito de olheiras, atuação nos antípodas do natural, vestuário luxuoso, sensualidade orientalista, exibicionismo das poses e magnificência das cerimônias, pérolas e bijuterias em abundância, culto do amor. Já a diva italiana (Imagem 16) de 1913 é mais sofisticada, mais delirante, mais artista, mais literária, mais melodramática. (BEACQUE, 2011:490-491)

 

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  Imagem  15:  Theda  Barbara  como  vamp  e  Cleópatra  

Imagem 16: Sophia Lorem, diva italiana Os americanos sentem se ameaçados e produzem suas próprias divas (Imagem 17) sob o código do glamour, a partir da adequação de iluminação, maquiagem e gestualidade. Essas duram cerca de 10 anos na vida do espetáculo. No entanto há aquelas estrelas que não se comportam dentro do esperado como Marilyn Monroe, com atitudes um pouco mais extravagantes do que o esperado. Porem tal modelo de mulher já não consegue manter seu efeito com o longo do tempo: "Esta mulher dominadora, devastadora, beleza triunfante e fatal, tornou-se impopular: entre os homens que ela domina e humilha, entra as mulheres que ela caricatura." (BEACQUE, 2011:493) As mulheres passam de produções objetos à atrizes com maior consistência. O contexto também favorece a essas personalidades, pois mulheres também estão ocupando  

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outras posições, nas áreas públicas, profissionais, familiares. No entanto, isso não impede que essas ainda tenham alguma fantasia de retomar a mulher de sensualidade trágica. O realismo trouxe ao cinema os movimentos naturais e ordinários dos corpos, principalmente o das mulheres. "Se o olhar-câmera é assim o efeito de estilo do cinema moderno, não é por acaso com certeza: designado como "um olhar que olha e é olhado", o espectador se vê instado a se explicar sobre os corpos que considera." (BEACQUE, 2011:497) Entre as escolas de cinema que apresentam bem tal transformação no registro de imagens é a Nouvelle Vague: "O corpo da mulher torna-se a prova de verdade do cinema, porque permite aos novos críticos denunciar o "pseudorealismo" do filme de estúdio, a maneira de não mais saber filmar a realidade de um corpo,(...)." (BEACQUE, 2011:499)

Imagem 17: Divas americanas Ava Gardner e Elizabeth Taylor Não apenas o cinema comercial clássico cria seu próprio star system feminino, mas convêm observar a construção do feminino no pornográfico, pois muitas das características atribuídas a mulheres deste segmento, que em alguns momentos tornaram as mesmas identidades marginalizadas, são atualmente banais dentro e fora do circuito de entretenimento fazendo parte da modelagem de corpo. No regime corporal pornográfico em 1970 as atrizes poderiam ser confundidas com "a vizinha da porta ao lado", pois sua beleza era avaliada pelo conjunto, naturalidade, contando com o adicional de atratividade e ousadia. Já em 1980, com a intensificação da produção novos rostos e corpos são requisitados, portanto a permanência na indústria requer modificações constantes na aparência, desde o tom do cabelo, ao tamanho dos seios, e novos nomes artísticos, pois elas são o foco de atenção do marketing. A partir de 1990 corpos  

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definidos em academia ou em cirurgia, mostrando pouca gordura, tonificados, alisados e inflados tornam se atraentes. Apesar do estranhamento inicial com os corpos pornográficos após 1990, eles perderam o estigma relacionado ao pornô e foram normatizados como sensuais, sexuais e utilizados em larga escala pelo entretenimento. Um exemplo dessa indistinção pode ser representado com o pequeno jogo para navegador, chamado Fashion or Porn66. (Imagem 18) Nele são apresentadas 40 fragmentos aleatórios de um banco de imagens disponíveis na internet de corpos femininos e masculinos. (Imagem 19 e 20) Por esses o jogador deve indicar a origem: fashion ou pornô. Após a escolha é revelada a imagem e se indicada em verde corresponde a escolha certa e em vermelho se estiver errada. Os erros são quantificados e se forem superiores a cinco um aviso é apresentado indicando que o jogador deve consumir mais imagens para melhorar seu repertório visual. (Imagem 21)

Imagem 18: Tela inicial do jogo

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( acesso em abril de 2014)

 

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Imagem 19: Apresentação de fragmentos da imagem

Imagem 20: Acerto sinalizado em verde e revelação da imagem

 

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Imagem 21: Pontuação do jogo 6. Jogos Eletrônicos Os diferentes regimes midiáticos propagam heteronormatividade através de suas produções sejam elas de forma erótica, pornográfica ou na ausência de ambas. E o mesmo se reproduz nos jogos. Por ser uma mídia mais recente é natural que incorpore estratégias e códigos de suas antecessoras. Mas de quem modo elas se atualizam? Antes de ter como foco tais atualizações, cabe retomar as disputas já indicadas no primeiro capítulo quanto as avaliações de críticos e consumidores independe de seus gênero e orientações sexuais com a heteronormatividade presente nos jogo. A medida que consumidores amadureceram - vide a idade média dos jogadores ser 30 anos a partir do estudo da ESA (2013) - sua percepção sobre os produtos torna se mais reflexiva. Desse modo surgiram discursos a partir de: apresentações em encontros de trabalhadores da própria indústria, numa tentativa de auto crítica; formadores de opinião sejam em canais reconhecidos pelo público em geral ou de nicho; projetos de pesquisa financiados colaborativamente ou não para a partir dos mesmos apresentar um panorama de construção industrial, além das falas de pequenos grupos de indivíduos. Apesar de todo esforço e pressão em pensar a mídia dos jogos e sua parcela de influência social através de seus produtos e discursos há muitos indivíduos e empresas que desvalorizam tais apontamentos, ao indicar que eles são minorias muito sensíveis, ou que  

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determinado produto não é para aquele tipo de consumidor, chegando a violência moral e psicológica a partir de intimidação virtual. Nem todas as empresas e envolvidos na indústria e consumidores mudaram de opinião por conta destas disputas. Mas a crítica feita a indústria, sejam quais forem os agentes, em tão pouco tempo de mídia massiva deve ser encarada de forma positiva, por demonstrar consumidores mais atentos aos discursos através dos quais linguagens se constroem. Está definido a existência de uma norma de gênero e sexualidade como um todo pela indústria, mas de que forma elas estão presentes nos jogos? Quais títulos poderiam servir como exemplos dessas aplicações? De que forma o gênero feminino erotizado contribuí para reforço da norma? E se existem práticas subversivas ainda que dentro da norma, mas em circulação alternativa? A apresentação de normas nos jogos segundo Brenda Brathwaite no livro Sex In Video Games (2006) segue três categorias: conteúdo, distribuição etária e propósito. Dentro da primeira categoria estão o sexo como parte da mecânica, da recompensa ou estética; na seguinte o sexo está presente de forma abstrata - nenhuma referência ao ato é feita mesmo que ele anteceda nascimentos. É utilizado em títulos sem restrição de idade -, familiar e amigável - pode estar presente de forma velada -, audiência madura - o desenvolvimento contextual pode ser melhor desenvolvido - e hard core. O propósito pode ser simulação/estímulo virtual, educativo e realismo. A partir de uma abordagem periódica : "There have always existed a trend for games that have been labeled ‘adult’ or erotic’ that have served mainly as a conduit for pornographic material." (SCHOTT, 2005:2) Desse modo independente dos limites tecnológicos da mídia sempre houveram produções de discursos sexuais e de gênero a partir de demandas de jogadores e produtores. Entre os primeiros jogos adultos para computadores temos o Softporn (Sierra On-line Inc.). Estava disponível para a plataforma Apple II e por ser um text adventure era realizado por comandos escritos em linhas. As respostas eram retribuídas pela inteligência artificial - encarnavam as identidades femininas - e desse modo havia uma simulação de sedução praticada por um homem. (Imagens 22 e 23)

 

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Imagem 22: Tela de Jogo para Apple II

Imagem 23: Capa do jogo  

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A mesma empresa lança em 1988 para diversas plataformas o título Leisure Suit Larry in the Land of the Lounge Lizards. Nele o personagem Larry Suit está em busca de mulheres atraentes para ter relações sexuais. Para isso ele coleta alguns itens dentro do orçamento em $94,00. Para conquitá-las Larry depende em grande parte de sua aparência física, pois "leisure suit" é uma gíria de 1970 para uso de terno em momentos de lazer para impressionar visualmente. São quatro personagens a serem conquistadas por Larry ao longo do jogo: uma prostituta, no quarto em cima do bar Lefty, com quem o personagem perde a virgindade. E pode morrer se não encontrar ou comprar camisinha; Fawn uma "loura atraente" da boate; Faith segurança e Eve uma mulher atraente, ambas encontradas no cassino. (Imagens 24 e 25)

Imagem 24: Tela Inicial para Apple II

 

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Imagem 25: Contra capa do jogo A abordagem da temática sexual vai de encontro ao desejo masculino por relações sexuais casuais com maior quantidade de mulheres atraentes. Há alternância entre o que pode ou não ser revelado desde a falta de experiência sexual do personagem Larry em "Leisure Suit" como é indicado na contra capa67 até o strip poker pixelado das personagens de Cover Girl Strip Poker (Emotional Pictures). (Imagem 26) Tendo estes exemplos como base, a norma heteronormativa se aplica na: dupla moral masculina, ou seja, aos homens é aceitável ter relações casuais; a atratividade da mulheres é uma vantagem de gênero que pode ser aproveitada pelas mesmas ao seduzir e se aproveitar de homens; desvalorização de mulheres que fazem de sua sexualidade uma profissão e o perigo físico ao ter contato com as mesmas; ambientes masculinos como cassino e empresas possuem mulheres atraentes e disponíveis em seu quadro de funcionárias; os homens devem ter iniciativa ainda que sejam representados como ingênuos e inexperientes; e a representação masculina deve remeter ao poder social e econômico do mesmo, ou não será atraente e digno de receber prazer de uma mulher, sendo essa a moeda de troca entre os gêneros.                                                                                                                 67

De acordo com descrição da contra capa: "O objetivo do jogo é ajudar Larry a superar sua babaquice e perder sua 'você sabe o quê'." O personagem é descrito como um virgem de 40 anos. [Fonte: http://www.mobygames.com/game/leisure-suit-larry-in-the-land-of-the-lounge-lizards/coverart/gameCoverId,211741/%5D

 

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Imagem 26: Imagem da modelo pixelada A construção de identidades femininas eróticas não necessariamente possui coerência com o produto ao qual estão associadas. Por exemplo, podem ser NPCs que compõem o cenário visual, ícones apresentados ao final de etapas dinâmicas como recompensa visual, entre outros. Nesses poucos exemplos é possível supor que estão presentes em favor do gênero masculino e heterossexual, o que leva a mulheres consumidoras de jogos reagirem de modo humorístico a representações de seu gênero. O humor no discurso de consumidores é uma maneira de desaprovar o trabalho de designers com representações femininas repetitivas e acomodadas, características opostas a possibilidades criativas com aproveitamento do digital. Sob o perfil de Yanavaseva 68 a usuária da rede de imagens Tumblr ilustrou os usos recorrentes na caracterização de personagens mulheres em títulos de fantasia medieval (Imagens 27 e 28). Já a usuária Bikini Armor Battle Damage69 organizou uma cartela semelhante ao jogo de Bingo, substituindo os números pelas características mais utilizadas em personagens do mesmo universo ficcional (Imagem 29). Desse modo é possível avaliar de modo crítico e lúdico as descaracterizações e apelo sexual ao qual estão submetidas as personagens femininas. Aos usuários mais habilidosos ficam os desafios de redesign dessas personagens para apresentar o quando essa estratégia apelativa ridicularia a sensualidade feminina, pelo seu corpo (Imagem 30).

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(acesso em abril de 2014) (acesso em abril de 2014)

 

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Imagem 27: Ilustração por Yanavaseva

 

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Imagem 28: Ilustração por Yanavaseva

 

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Imagem 29: Bingo de descaracterização

 

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Imagem 30: Redesign de personagem

 

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Os exemplos acima são parte da estética de personagens mulheres e essa não é a única forma de apresentação da norma de gênero e sexualidade. Um exemplo de como conteúdo sexual é trabalhado pela mecânica, recompensa e narrativa é oferecido pela análise do título No More Heroes (Grasshopper Manufacture inc., 2008) por Rob Gallagher (2012). Nesse o personagem Travis Touchdown um americano de 27 anos, fã da cultura popular japonesa sendo considerado um otaku - torna se um assassino após ganhar uma "Beam Katana" e se alistar na United Assassins Association para continuar consumindo jogos. Sua arma segundo análise feita seria a representação fálica da masculinidade, pois entre outros motivos o recarregamento mediado pelo controle da plataforma Wii realizado pelo jogador se assemelha ao movimento de masturbação (Imagem 31). Como incentivo aos assassinatos, a personagem Sylvia Christel (Imagem 32) deixa a possibilidade de uma noite de sexo desde que ele se mantenha como primeiro no ranking de assassinos da associação. Desse modo, a intensidade do desejo trará melhor progressão de jogo e a recompensa sexual. Mas essa promessa nunca se concretiza gerando ao personagem frustação. E essa não é a única, a personagem Jeane existem três personagens com o mesmo nome - sua paixão é revelada como meia irmã (Imagem 33). As circunstâncias da revelação ocorrem após uma batalha final entre os dois e Travis questiona por quê ela matou os pais dele. Antes de sua fala um pequeno aviso é feito : "It would only jack up the age rating of this game even further."70 A fala é apresentada de modo acelerado para os jogadores não compreenderem a revelação propositalmente - limite etário - e quem sabe para buscarem em outras mídias pela mesma. Ela está disponível em versão compreensível no Youtube e diz o seguinte: "You are my half brother. You know that manga called Miyuki? The Japanese one. Well, it's like that. Your father abandoned my mother to run off with your mother. It broke her heart beyond repair. She killed herself. Knowing I had nowhere to go, he took advantage of me. Ever since I can remember, he molested me. We lived in this rotten apartment... And I was his slave. Every day I cursed his soul. I swore that I would kill him one day. But cursing didn't change anything. That's when I decided to become a killer. With no money to pay for training, I paid with my body. But to you, I bet that son of a bitch looked like a hard-working family man. That was all an act. He didn't give two shits about cleaning up my life so I decided to clean it up myself. That's why I do what I do. And I got what I wanted. Killing him in front of your very eyes. That's my story."71                                                                                                                 70

Isso aumentaria o limite etário do jogo ainda mais. [Tradução Livre] O jogo já contêm inúmeras cenas de violência como consequência da identidade, trabalho do personagem principal. Mas nenhuma dessas, corriqueiras em diversos títulos, pode superar o tabu incluído na revelação de Jeane. 71 (acesso em abril de 2014)

 

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Certamente nutrir desejo sexual e representar o mesmo em jogos depende de negociações, mas torna se mais difícil a partir do momento que um dos maiores tabus sociais, a possibilidade de incesto, é adicionado ao enredo. Escolhas como essa podem fazer quesionar se era essa a melhor escolha para justificar a ausência de relacionamentos sexuais para os personagens. Tal alternativa é uma medida extrema e talvez falta de maturidade dos desenvolvedores em frustar personagem/jogador em mais um jogo de insinuações e castrações.

Imagem 31: Travis recarregando sua Beam Katana

 

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Imagem 32: Sylvia Christel

Imagem 33: Jeane, meia irmão de Travis A representação da norma no circuito comercial de jogos inclui a ausência de relações sexuais, mas podem ser reinseridas por meio da esterilidade e do excesso de violência. Partindo da análise de Gallagher (2012) a franquia Metal Gear (Konami) põe de lado a geração de seres pela forma sexuada, pois são realizados processos de clonagem, para superhumanos. Segundo o autor o desejo de atingir a perfeição, seja na criação de novos seres, na modificação de si, na autossuficiência representam dificuldades de representar as falhas  

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humanas, incluindo o sexo. E para Krywinska (GALLAGHER, 2012) a movimentação, a penetração de armas das cenas de violência também compõem a liberação do desejo sexual. No entanto para ambas as análises cabe ponderar um excesso de interpretação sexual, pois uma ficção por princípio de gênero narrativo não pressupõem verossimilhança. Sendo uma mídia dependente de ativação de seus usuário, aos jogadores é possível agir dentro do sistema de forma não previsível pelos regulamentos. Esse é o caso dos Erotic Role Playing (ERP). Essa prática foi analisada por Ashley Brown (2011) no jogo de MMORPG, World of Warcraft (WoW) ao longo de 9 meses em um grupo, dentro de um servidor norte-americano. À pesquisadora interessava: como essa prática desafia conceitos de monogamia, fidelidade, definição de traição e negociação de relacionamentos românticos reais e virtuais. Entre os Termos de Uso (2010) desse jogo, estabelecidos pela Blizzard Entretainment com respeito a sexo temos: "...language that is unlawful, harmful, threatening, abusive, harassing, defamatory, vulgar, obscene, hateful, sexually explicit, or racially, ethnically or otherwise objectionable". Fora das regras definidas pela empresa, as de sociabilidade não citavam repudio ou estimulo a prática de ERP, sendo essa uma interação pouco reconhecida fora do grupo de participantes. A definição de Erotic Role Playing (ERP) possui similaridades com o cyber sexo, mas diverge em: ": "Cybering is the exchange of sexually suggestive sentences specifically to sexually excite the other person and yourself. ERP is more of a natural progression of a story line between fictional characters."(BROWN, 2011:2) Partindo dessa percepção, para aos envolvidos no ERP, o investimento ficcional nos personagens, a mimetização de ações realizadas no mundo real - incluindo sexo - são importantes na criação de vínculos. E a partir delas, como alegou um casal de participantes, é possível produzir Fan Arts, Fan Fics expandindo os desfechos de uma relação nesses moldes. Entre as características destacados para uma prática consciente de ERP estão: a segurança emocional e confiança interpessoal. Esses valores são igualmente relevantes para relacionamentos fora do ambiente dos jogos. Apesar disso, é preferível se relacionar, pessoalmente e virtualmente, com aqueles que compartilham interesses iguais, incluindo jogos. Um exemplo dessa dificuldade foi apresentado por um dos participantes ao afirmar ter tido dificuldades de explicar a prática do ERP, para sua parceira sem nenhum conhecimento de interações básicas entre comunidades online de games. Os limites entre uma prática social e um ERP são difíceis de compreender sem pré conhecimento, principalmente para distinguilos dos relacionamentos do mundo real.  

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O Erotic Role Playing (ERP) não está pré-definido como uma ação subordinada ao universo ficcional de World of Warcraft (WoW), mas uma extrapolação social dos usuários através de trocas eróticas e sexuais ambientadas na dimensão virtual do jogo. O gênero representado pelos avatares na virtualidade podem não corresponder ao gênero real dos indivíduos, podendo ser utilizado para experimentações de sexualidade. Desse modo a heteronormatividade é parcialmente tensionada. 7. Demandas de pornificação dos jogos Paralela a indústria dos jogos e seus títulos comerciais há produções alternativas a partir da demanda de jogos com conteúdo sexual explícito interativo. Tal desejo vêm majoritariamente de homens heterossexuais e suas produções compartilham os mesmos códigos de construção da pornografia hard core. Essas podem tanto utilizar como base um jogo comercial pronto, quanto desenvolve-lo desde o princípio. Cada indústria constrói para si uma imagem, e de acordo com as estratégias comerciais, a construção de público para diversos gêneros inscritos na categoria de jogos, os desenvolvidos a partir da sexualidade, não têm recebido tanto destaque. Entre os motivos para controlar a visibilidade de jogos mais explícitos estão: a redução do alcance nas vendas, reprovação

dos

consumidores

seja

por

não

perceberem

e/ou

desconhecerem

o

amadurecimento da idade média de jogadores, ou por não se sentirem a vontade consumindo sexo em jogos. Apesar do uso dos jogos como experiências de sexualidade, essa não é uma finalidade canônica da mídia e na percepção de outros pode ser um estigma, um indicio de problemas quando não o são necessariamente. Assim como a pornografia hard core não é consumida por todos, os jogos com essas propostas de interações não seriam. E ainda que o indivíduo escolha por esta experiência, não será efetivada fora de ambiente privado, resguardando sua sexualidade. Este nicho é preenchido por pequenas desenvolvedora e distribuidoras, porem não deixam a desejar em suas produções, pois os jogos como mídia permitem com maior facilidade embaralhar distinções produtor/consumidor. Entre as alternativas mais praticadas temos: nude patches, machinemas eróticos e/ou pornográficos e os jogos pornográficos de realidade virtual. 1. Nude Patches

 

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Os jogos são softwares construídos a partir de uma linguagem específica para funcionarem nos dispositivos eletrônicos. No entanto, nenhum software - incluindo os jogos está completamente finalizado após sua comercialização sendo necessários reparos. Esses são denominados patches, pedaços de softwares desenvolvidos para reparos a serem embutidos no código original. São varias as funcionalidades desses patches e nos jogos elas são adotadas para modificações nos algoritmos e regras da estrutura dos jogos, alterando seu comportamento. Um desses tipos utilizados em jogos são os nude patches, eles alteram o comportamento da estrutura do jogo por despir personagens e simultaneamente vesti-los com elementos da fisiologia humana. São produzidos e utilizados com maior frequência nas personagens mulheres, por satisfazerem o voyeurismo masculino. Essa prática ganhou reconhecimento dos jogadores a partir dos jogos de simulação da realidade como The Sims e Second Life. O primeiro é mais popular e com isso ganhou muitas versões e expansões. A simulação de realidade é efetivada no gerenciamento da(s) vida(s) do(s) personagem(ns)/avatar(es) incluindo a área afetiva. Cada personagem/avatar têm suas necessidades próprias e para faze-los interagir é necessário atenção as suas vontades. Quando dois personages/avatares manifestam interesse de relacionamento as ações são mobilizadas para aumentar a sociabilidade entre eles como compartilhar boa parte do tempo em atividades juntas. Dessas interações surgem os momentos mais íntimos, mas relações sexuais não são apresentadas. Na segunda e terceira edição do jogo e nas expansões Hot Date e Vacation, relações sexuais são chamadas de "WooHoo" e quando elas ocorrem, corações iluminados flutuam no local onde deveriam estar os personagens/avatares (Imagem 34). Nem sempre as relações resultam em gravidez, para isso é necessário consenso entre os personagens/avatares através da opção "Try a baby", se positivo após algumas horas ou dias o novo membro da família aparece.

 

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Imagem 34: Indicação do WooHoo Entre os traços de personalidade desses personagens/avatares pode estar especificado "Never Nude". Essa indicação significa que mesmo em situações onde a nudez é aceitável, como no banho, o personagem/avatar não fica nu. Mas de modo geral os personagens/avatares não expõem seus corpos nus, suas roupas são parte da pele dos mesmos e não há opção de remover roupas. Os nude patches atuam nessa área, eles são implementados como uma opção de vestuário. Assim o jogador pode "vestir se pelado". (Imagens 35 e 36)

Imagem 35: Aplicação de nude patche

 

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Imagem 36: A "roupa nua" Não são só os jogos de The Sims que possuem versões de nude patches, outros títulos como o Lara Croft, Mass Effect, Grand Theat Auto, Saint's Row, entre outros também instigaram os jogadores. Um dos nude patches mais aguardados é o da personagem Elizabeth de Bioshock Infinite72 (Imagem 37), mas para criar um pacth requer conhecimento técnico e até então nenhum conseguiu ser implementado no código de jogo. O desejo de ver a personagem em alguma cena de nudez estava presente desde testes para o que viria a ser a capa comercial do jogo. Segundo o designer Ken Levine se comercializassem a capa primeira capa do jogo, apelativa aos homens heterossexuais, eles perderiam o público feminino.(Imagem 38) E levados pelo protótipo de capa, nas fases de teste, homens questionaram se a versão completa do jogo incluiria alguma cena onde a personagem Elizabeth fica nua ou se poderiam "brincar" com os peitos dela, assim como é possível em uma cutscene de Metal Gear Solid73.

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(acesso em abril de 2014) (acesso em abril de 2014)

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Imagem 37: Capa teste e capa comercial

Imagem 38: Concept Art para o nude patch 2. Machinemas Eróticos/Pornográficos Enquanto os nude patches se dedicam a "despir" corpos manipulando os códigos dos jogos que servem como base. Os machinemas têm como foco a intensificação e prolongamento dos personagens/avatares em performances sexuais seguindo os códigos estéticos dos vídeos pornográficos.  

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Como já apresentado os vídeos produzidos a partir da sexualidade foram demandas pedagógicas, uma vez que falar sobre sexo/sexualidade tornou-se uma necessidade e responsabilidade repassada a instituições médicas e educativas. Nesses a abordagem presa por relacionamentos heterossexuais, utiliza linguagem científica, para apresentar a funcionalidade do corpo e transmitir algumas normas sociais do momento. Já os eróticos/pornográficos se desenvolvem na exploração corporal, nos modos de dar e obter prazer, iniciando o saber e conhecer o próprio corpo e repetir aquilo que foi apreendido em suas relações. Poderia de algum modo equivaler a ars erótica de Foucault, onde os mestres são os atores e a iniciação é pelo estímulo ao autoconhecimento corporal. Aos machinemas eróticos/pornográficos fica a intensificação e prolongamento das relações, pois o(s) jogador(es) manipulam corpos de personagens/avatares para performances sexuais com todos seus números, enquadramentos, muito próximos da construção pornográfica, mas sem os custos de uma produção comercial, as limitações e falhas humanas especialmente as corporais e biológicas - e adequação de interesses entre os envolvidos diretores, atores, equipes técnicas. Os personagens/avatares são infalíveis com aplicação de nude patches para características anatômicas humanas, como as genitais e estão à disposição da criação de relações imaginárias/fantasiosas utilizando cenários de jogos. Um exemplo vindo desse imaginário que quando encenado por humanos causa repulsa moral são as fantasias de estupro, como apresentada no vídeo "Skyrim Rape"74 (Imagem 39). Nele não há o estupro simbólico pelo qual algumas mulheres passam em ambientes online massivos e tão pouco poderia ser considerado um estupro em si, porque é um acordo entre jogadores de uma interação-simulação. Cada jogador é diretor de seu próprio pornô digital Os machinemas eróticos/pornográficos são resultado de intenso empenho, compartilhamento e colaboração dos jogadores. A distribuição dessas produções autorais é feita online, por mensagens pessoais, fóruns e sites. Um desses espaços de visibilidade é o Naughty Machinima75 que se descreve como: "Welcome to Naughty Machinima, where video games go to be bad! The first ever place where machinima is completely uncensored. You will find all manner of adult stories and erotic machinima porn here, from Second Life porn to sex in The Sims as well as Lara Croft, Elizabeth and more beloved gaming vixens in very uncompromising positions. Enjoy your stay."                                                                                                                 74 75

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Imagem 39: Captura de Tela de Machinema 3. Sexo Virtual em Jogos Online Os nude patches e machinemas eróticos/pornôs são práticas de nicho entre jogadores realizadas em jogos sem finalidade sexual. No entanto há jogos criados especificamente para interações sexuais entre jogadores, mas declarar tal prática reforça os estereótipos de dificuldades e escapismo das relações interpessoais, das quais os jogadores são alvos frequentes. Os jogos dedicados a interações sexuais podem ter jogabilidade individual ou massiva. Para melhor exemplificar estes jogos descreverei os títulos: Lovechess: Savage da Artmunk76 e o 3DXChat Multiplayer Online da Sex Game Devil77. Ambos ao contrário do jogo Seduce Me78 (No Reply Studios) não tentaram ser comercializados/distribuídos em plataformas fora de seu domínio, ou seja são desenvolvedores e publicadores autônomos e portanto não sofrem as mesmas reações de uma loja online pública com consumidores contrários a pornificação de jogos. O Lovechess: Savage da Artmunk é um jogo de xadrez, single player onde as peças foram substituídas por avatares homens e mulheres nus com algumas tatuagens, adornos e acessórios do fictício mundo apocalíptico pós guerra. Os lados opostos do tabuleiro onde                                                                                                                 76

< http://www.artmunkgames.com/lovechess-salvage.php> (acesso em maio de 2014) (acesso em maio de 2014) 78 (acesso em maio de 2014) 77

 

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ficariam as peças de cada jogador - brancas e pretas - foram substituídos por peças-avatares e cada lado corresponde a um gênero - homens e mulheres. A movimentação desses pelas casas e a perda de peças do adversário é simbolizada por um número sexual, entre as peças envolvidas. (Imagens 40 e 41)

Imagem 40: Peças-avatares do tabuleiro de xadrez

Imagem 41: Interação entre as peças-avatares nas casas

 

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Já o jogo 3DXChat da Sex Game Devil é semelhante aos jogos de simulação de realidade como o The Sims, mas o enfoque é nas relações sexuais, ao contrário dos outros jogos que se valiam de eufemismos. É um jogo multiplayer online para que jogadores se encontrem e construam experiências sexuais. O jogo permite customizar a aparência física dos avatares de suas proporções as roupas e seus apartamentos que são um dos locais possíveis para relações sexuais. Esses signos estão no jogo, pois a leitura dos desenvolvedores é de que tais elementos são indicativos suficientes para gerar atratividade, desejo sexual por outro parceiro. As imagens de divulgação também apontam para construção heteronormativa dos avatares, por exemplo pelos itens disponíveis a customização da aparência de homens e mulheres. Enquanto os primeiros investem na apresentação de um homem vestido com calças e camisas sociais, com um pouco mais de casualidade, cabe as mulheres as roupas insinuantes, pequenas, justas e decotadas, com acessórios fetichistas como meias, saltos muito altos. (Imagens 42, 43, 44 e 45)

Imagem 42: Vestuário masculino

 

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Imagem 43: Vestuário feminino De acordo com as descrições disponíveis no site além da interação por comandos é possível utilizar periféricos/joysticks como o Oculus Rift79 - headset de realidade virtual que proporciona maior imersão visual no universo do jogo - VStroker Fleshlight 80 - sextoy masculino que simula uma vagina. Pode ser usado como um acessório de masturbação, mas utilizando o conector sem fio em jogos que suportam a tecnologia ele sincroniza os movimentos de penetração do avatar e do jogador - para ampliar a sensação de agenciamento dos jogadores, uma vez que o sexo virtual é completamente mediano na dimensão física. Para conferir maior veracidade, os movimentos/animações dos avatares foram capturados a partir de atores pornôs, para serem incorporados a movimentação do corpo-avatar.

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Imagem 44: personagens-avatares socializando em bar

Imagem 45: Update no Rendering de Ejaculação Tanto nos exemplos de pornificações nos jogos quanto nos títulos de ampla circulação comercial que utilizam mais a insinuação erótica, a heteronormatividade está presente. No caso das pornificações ela está mais explícita pela familiaridade estética com a pornografia comercial, porem os jogos comerciais indicam qual é a norma através da narrativa, da forma como representam gêneros visualmente e na distinção de agenciamento onde prevalecem figuram masculinizadas.

 

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Capítulo 4: Discursos de identidades femininas em "Catherine" (Atlus, 2011) Como apresentado, a indústria de jogos assim como outros ramos do entretenimento e mídia, adota a heteronormatividade como comportamento de gênero e sexualidade. A fim de observar como o mesmo se atualiza em outro título comercial proponho apresentar o jogo "Catherine" (Atlus, 2011) com identidades de gênero feminino relacionadas à Jornada do Herói, e de que modo o erotismo está presente ou ausente nas mesmas. Além das próprias personagens mecanismos de narrativa trabalham em favor do reforço normativo, como: a possibilidade de oito finais determinados a partir das escolhas realizadas durante o jogo e comparações de dados compartilhados online representados sob forma de gráficos através das escolhas realizadas por jogadores. Catherine é um jogo desenvolvido pela Atlus8182 e publicado pela mesma no Japão e Estados Unidos. Foi lançado em Fevereiro de 2011 no Japão e a partir de Julho de 2011 nos mercados ocidentais. Está disponível para duas plataformas de jogo da sétima geração de consoles, Playstation 3 (Sony) e Xbox 360 (Microsoft) e seu principal modo de jogo é Single Player, porem há possibilidade de Multiplayer nas fases finais e após desbloqueio por performance de jogabilidade. Está classificada entre os gêneros de ação, aventura, puzzle e com conteúdo adulto. A classificação etária atribuída ao jogo pelos sistemas foram: M (Mature) pela ESRB, Maiores de 16 anos pela Classificação Indicativa Brasileira e Maiores de 18 pelo sistema PEGI (Europa). Esse é um jogo narrativo centrado na Jornada do Heróis, representado pelo personagem Vincent Brooks. Apesar de ser um homem adulto é imaturo ao tomar decisões em sua vida, e por esse motivo sente ser controlado por outros. Entre os "controladores" está Katherine McBride sua namorada por cinco anos pressionado para o pedido de noivado. O compromisso do relacionamento dos dois é demandado pela família de Katherine e o círculo de amigos ao qual pertence, onde todos estão noivos, casados e tendo filhos. A norma social para relacionamentos longos está presente para que ambos permaneçam na ordem procriativa e construção de família. A indecisão com o compromisso de seu relacionamento serve como situação de conflito entre seus desejos pessoais. Estes são tensionados dramaticamente com o encontro, em uma noite sozinho no bar Stray Sheep, com Catherine, uma jovem mulher que reflete o                                                                                                                 81

Desenvolvedora e publicadora de jogos japonesa subsidiária a Sega Corporation. Entre seus produtos mais reconhecidos está a série Shin Megami Tensei: Persona. 82 (acesso em maio de 2014)

 

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ideal de gênero feminino e sexual para Vincent. O contato entre os dois não se restringe aos domínios do bar, mas chegam a sua cama na manhã seguinte. Teria Vincent traído Katherine com Catherine? O que acontece diariamente para que Catherine surja ao seu lado sem que ele recorde de nada? Não apenas ele está confuso quanto a realidade de Catherine, mas nenhum de seus amigos - Orlando, Jonathan e Tobbias - a viram no bar. Isso inclui a garçonete transsexual Erica Anderson, amiga de Vincent desde pequenos, que acompanha e serve o mesmo durante longas e diárias noites de solidão no bar. Ele não é o único cliente assíduo, as gêmeas coroas Lindsay e Martha são observadoras da movimentação noturna e dos pesadelos que Vincent começa a ter diariamente. Através de metáforas elas revelam ao personagem a motivação por trás dos pesadelos, se ele desejar através do jogador interagir com essas NPCs. A origem narrativa a qual Lindsay e Martha se referem possui relação com: o conto de Rapunzel, presente e jogável em uma máquina de arcade disposta no bar Stray Sheep; e com a apresentadora da rede Golden Playhouse, Trisha também conhecida como "The Midnight Venus". Ela apresenta o jogo como um programa da rede, posicionando os jogadores como agentes e espectadores de uma narrativa de "romantic horror". No entanto a mesma está presente nos pesadelos sob forma do avatar Astaroth e sua identidade real

a deusa

mesopotâmica Ishtar está em busca de um novo parceiro. Uma vez que a proposta narrativa dá destaque a identidades femininas uma das estratégias empregadas para atrair consumidores ao título se realiza com a erotização das mesmas. Apesar de possuir coerência narrativa, a representação visual nas capas dos jogos regou reações diversas como aquelas expressas em matéria publicada no site Kotaku8384 O jogo possui duas capas, uma para cada plataforma de jogo, com artes das duas personagens principais mulheres, ou seja Katherine e Catherine. A Katherine estampa a capa do Xbox 360 (Microsoft) em posição de quadro apoios com o tronco inclinado para frente, dando destaque a expressão facial da personagem - ela pisca com um dos olhos - e em sua cintura vemos Vincent se segurando em um pedaço de sua blusa e ao mesmo tempo revelando um pouco mais do corpo da personagem. (Imagem 46) A provocação na imagem está na expressão corporal e facial da personagem que contrasta com seu perfil comportamental no jogo. No                                                                                                                 83

(acesso em maio de 2014) 84 (acesso em maio de 2014)

 

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entanto pela imagem não podemos ter essa outra dimensão, sendo considerada mais uma capa explorando o corpo da mulher.

Imagem 46: Capa com Katherine para Xbox 360 A Catherine estampa a capa do Playstation 3 (PS3, Sony) e vemos a mesma envolver os dedos das mãos entre as alças da blusa

- seu sutiã e uma gargantilha rendada são

propositalmente expostos - como se estivesse ao mesmo tempo brincando e se exibindo. A expressão facial da personagem é uma combinação de destaque ao olhar penetrante e um leve sorriso, pois ela pretende conquistar a atenção. E entre seus seios está Vincent caindo com uma expressão de surpresa e medo. Por essa representação temos uma personagem  

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intencionalmente sedutora, provocativa e ao mesmo tempo as surpresas proporcionadas podem agradáveis ou não. E ao contrário das ovelhas que se agarram as roupas de Katherine capa do Xbox360 - aqui elas estão representadas em queda livre podendo ser um indicativo de desestabilidade. (Imagem 47)

Imagem 47: Capa com Catherine para Playstation 3 Segundo a matéria uma capa alternativa seria comercializada para o jogo a fim de atender a demanda de "consumidores mais sensíveis". O fato realmente se concretizou a Atlus - desenvolvedora e publicadora do jogo no mercado japonês e americano - lançou uma arte alternativa para o mercado norte americano onde ambas as personagens aparecem apenas em close ups. (Imagens 48 e 49) Dessa forma toda a leitura possível a partir da capa do jogo em questão se perde, pois são apenas duas mulheres fragmentadas para atrair ou confundir os consumidores durante as comprar.  

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Imagens 48 e 49: Capas alternativas para mercado americano Qual a real natureza dessa demanda por uma nova versão da capa? Dos espaços comerciais físicos ou virtuais; da desenvolvedora e publicadora; ou dos "consumidores sensíveis"? Entre as hipóteses levantadas na matéria, os espaços comerciais possuem influência suficiente para propor modificações dentro do seu perfil de consumidores, uma vez que as vendas atuais de mídias físicas não são tão rentáveis como outrora e estes ainda são locais necessário de visibilidade. Portanto as modificações valeriam a pena pelo retorno financeiro possível. Mas faz sentido estar posicionado em uma loja tão abrangente e não especializada? Segundo o relato de um funcionário da rede varejista Waltmart - apontada  

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como uma das possíveis lojas de "consumidores sensíveis" - o consumidor típico pouco sabe sobre o produto que consome, tendo ele mesmo explicar que a avatar provocativa de um jogo de dança não estava ali para seduzir o filho de uma cliente, mas apenas apresentar os passos da coreografia e que ela (avatar) não era tão ousada assim. Confusões como essa são recorrentes e geram frustação em consumidores mais informados sobre o que desejam, pois eles sentem que pertencem a um país de padrões incoerentes, mas a visibilidade de uma rede varejista nacional é importante financeiramente para ser deixada de lado. Muitas foram as críticas feitas aos "consumidores sensíveis", pois a proteção oferecida a esses na verdade retira o direito dos "insensíveis" de consumir produtos "não moralmente customizados". Para argumentar sobre os padrões incoerentes comparações com títulos violentos foram realizadas, pois ao longo do tempo a violência no entretenimento perdeu parcialmente de seu impacto perverso para ser ressignificada como ficcional, fantasiosa, e por isso poderia circular. Mas sexo ainda não perdeu seu vínculo de realidade intrinsecamente humana, de intimidade, mesmo representada por ilustrações e não humanos. Um equívoco nessa associação está em negar a dimensão fantasiosa e ficcional da sexualidade, pois ambas são constantemente empregadas na construção do entretenimento e da subjetividade. Foi apresentado por parte dos homens receio em expor produtos de conteúdo sexual em suas prateleiras pelo julgamento moral e sexual de perversão. No entanto tal discurso carrega em si a ideia de que mulheres inevitavelmente vão julgar pervertidos o consumo de sexo, pois elas não o fazem. E ai está mais um equívoco, pois mulheres também consomem material sexual em algum nível, mesmo que hajam críticas a representação de seu gênero. O título sobre o qual é feita a discussão se quer é um jogo centrado no erótico ou sexual, ele contem em seu enredo a possibilidade de encontros sexuais, característico de relacionamentos entre adultos. A objetificação da mulher na mídia popular japonesa também foi apontada como um ponto negativo nas representações das capas, mas qual a cultura que não objetifica mulheres? A americana certamente não serve como exemplo, pois o star system de entretenimento é repleto de mulheres objetos glorificados. Mas a mudança na capa poderia ser um desejo da Atlus a fim de diminuir o impacto visual provocativo? É uma possibilidade a ser levantada, pois consumidores eventuais durante suas comprar podem levar consigo "mais um jogo com uma garota na capa" sem reparar e/ou compreender o que significa o sistema de classificação estampado em sua superfície. O título foi classificado como M (Mature) pelo sistema ESRB e estampa o indicativo no canto inferior esquerdo de cada título comercializado, seguindo a lei de regulamentação. E quantos realmente irão ler, compreender o significado desse indicativo ou ver a descrição do conteúdo  

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na contracapa? Para fins de venda pouco importa, contanto que deixem o valor do produto nas registradoras. Não é possível determinar precisamente uma origem para demanda, pois cada um dos lados têm suas motivações e equívocos. Mas de modo geral o ideal seria a revisão de cada agente envolvido sobre suas condutas, intensões e expectativas. Nenhum produto é capaz de atender a tantas demandas sem causar algum nível de reprovação e trair suas motivações iniciais. Além da capa foram feitas edições de luxo para o jogo seguindo uma tendência do comércio de jogos que oferecem material extra, réplicas de objetos como acessórios dos personagens e uma série de itens para prolongar a experiência ou imersão dos jogadores no universo ficcional. A edição luxo do jogo contem: uma caixa de pizza do bar Stray Sheep, o bar do jogo; dentro dela vêm a mídia física do jogo; uma cueca branca com corações rosa modelo short, semelhante a utilizada por Vincent; uma camiseta branca com corações usada por Catherine em uma das cutscenes; uma capa de travesseiro com a estampa de Catherine; um livro capa dura com as artes; e um CD com a trilha sonora. (Imagem 50)

Imagem 50: Conteúdo da Edição de Luxo Além do conteúdo de luxo foram esperadas miniaturas das personagens. Chamadas de action figures são representação em escala reduzida e modelada materialmente de  

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personagens ficcionais85. Ambas personagens principais ganharam suas miniaturas bonecas para serem exibidas por seus compradores. O detalhamento realista utilizado na caracterização e tratamento de imagem nos jogos é a expectativa a ser correspondida por esses exemplares, que no caso de Catherine não deixou a desejar. (Imagem 51)

Imagem 51: Action Figures das personagens Catherine e Katherine A distinção dos jogos de outras mídias está no dinamismo ativado por indivíduos voluntariamente. Sem o agenciamento não há jogabilidade e para essa existir nem sempre é necessária a presença narrativa como conhecemos por outros regimes midiáticos. Porem o jogo em questão é constituído em dois níveis de progressão: a dinâmica e a narrativa. Na primeira ocorre o jogo em si, com desafios, estágios, fases e inimigos desafiando a cognição dos jogadores, representados por pesadelos. E a narrativa é atualizada tanto pela retomada de acontecimentos apresentados em cutscenes - animações ou com quick time events - pelos inimigos nos pesadelos, quanto pelos personagens e desfechos. 1. Progressão Dinâmica                                                                                                                 85

(acesso em maio de 2014)

 

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Os acontecimentos e ações diários se refletem nos sonhos/pesadelos de Vincent. Ao longo do dia é possível receber informações narrativas e como aprimorar a performance, como exemplo jogando o Arcade de Rapunzel. No entanto são ações opcionais e a apatia do personagem em explorar o ambiente possui influência na experiência de jogabilidade. Em cada uma dos estágio dinâmicos listados a seguir há alguma conexão com o cotidiano e as interações estabelecidas pelo personagem.   1.1: Underground Cemitery A cutscene com diálogo entre Katherine e Vincent no Chrono Rabbit é interrompida para apresentar a primeira noite de pesadelos, motivo pelo qual Vincent está tão distraído naquele encontro. A fase se inicia com Vincent parado em frente a uma porta de madeira em estilo medieval, agarrando um travesseiro, usando suas roupas de dormir, descalço, e em frente a uma pilha de blocos de pedra. Diante da perplexidade uma voz em off dá as instruções do jogo, ou seja, escalar os blocos, movimentando os mesmos se necessário o mais rápido que puder e sem chances de falhar ou morrerá na vida real. A única reação possível naquela circunstância é escalar como indicou a voz.   1.2: Prision of Despair Há três estágios nessa fase e na passagem de cada uma ocorrem os primeiros contatos com os espaços: Landing e Confessionário. Nesse serão feitas questões que determinarão o final narrativo do jogo. Para cada estágio há uma quantidade de questões possíveis aparecendo de modo aleatório, com duas opções de respostas, sendo uma referente ao caos e o outro a ordem. Elas são enunciadas por Astaroth que parabeniza o desempenho ao mesmo tempo provocando irritação por não responder perguntas feitas por Vincent. As respostas dadas pelos jogadores são armazenadas, comparadas e apresentadas aos demais jogadores. Quanto ao sistema de perguntas seria interessante pensar qual a relação entre jogador-personagem: as perguntas levam em conta a opinião do mesmo sobre as melhores escolhas dentro das circunstâncias do jogo? Ou como agiriam em suas relações interpessoais? Há possibilidade de algum distanciamento de gênero levando em conta expectativas de comportamento para cada um? O desafio é "Fist of Grudge" a representação monstruosa das mãos de Katherine com um garfo - referência ao encontro na tarde anterior - gritando com Vincent.   1.3: Torture Chamber  

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Nas interseções desta fase mais três estágios acompanhado por questões "confissões". O comportamento de Vincent com relação a Astaroth não é passivo e em resposta a seu questionamento sobre a possibilidade do fim dos pesadelos somos indicados que a fase final será a "Cathedral". Como desafio final desta fase temos a "Immortal Beast", uma deformação de Catherine.   1.4: Inquisition A única fase com redução de estágios requer maior empenho cognitivo para manipular e combinar os blocos que serão escalados. O desafio fica por conta do bebê monstruoso - "The Child" - com habilidade agarrar Vincent e os blocos para desequilibra-lo. Suas falas são: "Dady, where are you?", "You don't feed me!", " Why are you running away?", "Don't leave me!" e "Wait for me!".   1.5: Quatrangle Retomam os três estágios e ao final temos "Doom's Bride". Essa é a representação monstruosa de Katherine vestida de noiva com uma espada na mão envolvida por uma fita com rosa vermelha. Ela grita: "I'm gonna kill you!" e "Apologize or I'm gonna kill you!".   1.6: Clock Tower Mais um estágio é adicionado a esta fase. E o bebê apresentado na fase "Inquisition" retorna, desta vez com uma motosserra, sendo chamado "Child with a Chainsaw". Durante a interação com as ovelhas e no Confessionário, a honestidade das ações é questionada: vale a pena ser honesto ou seguir a norma para se salvar? Quais são as implicações das mentiras?   1.7: Spiral Corridor O sistema moral requer mais questões pela proximidade do fim dos pesadelos. Então são cinco estágios com quatro perguntas. Uma informação sobre o passado é fornecida: há tempos atrás um homem havia vencido e sobrevivido aos desafios. O desafiante é "Shadow of Vincent", ou seja ele é seu próprio inimigo ao final do percurso.   1.8: Cathedral A fase final dos pesadelos ocorre apenas com um estágio e independente do final ela simboliza a união entre Vincent e Katherine, pois é necessário movimentar ambos. Ele abre o caminho a ser percorrido pelos blocos e ela deve acompanha-lo com poucos blocos de  

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distância. O desafio fica por conta da representação demoníaca de Catherine para impedir a aproximação dos mesmos.   1.9: The Empireo Apesar de não estar vinculada aos pesadelos dos dias anteriores também ocorre à noite e corresponde ao confronto de semideuses no paraíso, pois Vincent vence os desafios e poderá ocupar o lugar de Dumuzid, identidade divina de Thomas Mutton, o Boss. Mesmo vencendo o confronto, Vincent não termina em nenhum dos finais possíveis com Trisha. 2. Progressão Narrativa A progressão narrativa possui cutscenes de animação e quick time events. Nas primeiras não é possível interagir, sendo o acompanhamento de algum acontecimento narrativo do jogo. Já o segundo oferece algum nível de interatividade na atualização narrativa. Nos interessa os exemplos de quick time events com maior ou menor grau de interatividade e influência narrativa. A implementação desses eventos é importante para ressaltar o agenciamento dos jogadores inclusive em momentos de contextualização do universo ficcional. Disseminado no conteúdo narrativo estão valores de conduta entre os gêneros como: questionamento da moral de uma mulher atrativa, distinção entre comportamento moral e sexual de gêneros, reconhecimento das normas sociais através das escolhas diárias e suas consequências, confissão pessoal moral explicitando conflitos entre normas e desejos. 2.1 Arcade Rapunzel O Arcade de Rapunzel fica no bar Stray Sheep frequentado todos as noites por Vincent e seus amigos. O mesmo é um jogo dentro do jogo que espelha tanto a mecânica quanto a narrativa. Utilizar o Arcade como pré-jogo é uma possibilidade, pois ele está acessível ao jogador antes que este passe pelos momentos de pesadelo. (Imagem 52) É composto por 64 fases para cada modo de jogo - fácil, médio e difícil - e a limitação de movimentos estimula o desenvolvimento de estratégias. O conto de Rapunzel serve como base narrativa, onde o príncipe deve escalar os blocos da torre para atingir a princesa enclausurada. O contato entre os personagens é desenvolvido sem o consentimento da bruxa e por tanto Rapunzel começa a ter pesadelos em ser descoberta e morrer. Para não tê-los pede  

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que o príncipe busque por quatro rosários distribuídos em quatro fases. Se forem encontrados a finalização é a felicidade de ambos, caso contrário o príncipe morre. Antes do pesadelo/estágio final da progressão dinâmica de "Catherine" (Atlus, 2011), o personagem Boss86 explica a Vincent Brooks e Erica Anderson a função dos pesadelos. Segue a baixo a transcrição: Boss: "When there are people like you who spend a long amount of time with a partner without commitment...It impedes the population model...The rate of population growth is less than optimal... So, I have these hesitant gentleman climb that...(...) I have been given many names by humans since ancient times... Wasting a woman's time of greatest fertility is a hindrance to the future of the species...So, we separate these non-fruitful couples...and redistribute the women to men who can follow the natural order, you see.(...)Please, do not worry...You won't see that young girls ever again. She is a succubus... She appears at will and seduces men under the curse...By appearing as their ideal woman. If you're going to sever ties with a long-time partner, what better way that with a messy affair, right?" O motivo para Rapunzel, representante do gênero feminino ter pesadelos é a incerteza moral levantada pelo príncipe - gênero masculino - uma vez que ela permanece na torre cantando e assim como ele um dia parou para escutá-la outros homens podem fazer o mesmo. O canto seria desse modo pelo qual esta mulher consegue seduzir e atrair homens para que ela consiga seu objetivo - fugir da clausura - sendo uma figura dependente, egoísta e traiçoeira em seus princípios. Portanto a sedução feminina é considerada uma qualidade negativa e perversa. No modo extra do mesmo jogo permanece o final trágico se os objetos não forem encontrados. As modificações estão no questionamento do príncipe na intensificação de seu afeto, a desconfiança em não ser o único e ser rejeitado. O medo e a fragilidade emocional masculina não é evidenciada tanto quanto a feminina, pois cabe a esse gênero dominar a relação heteroafetiva. Já as mulheres podem ser representadas pelos excesso como melodramáticas, sofredoras e passionais. O sentimentalismo não é visto como uma habilidade social masculina e de empatia pelos indivíduos. Ele pede que ela cante uma canção diferente na 12ª fase e a mesma é um relato das cutscenes que serão apresentadas até o final do jogo. A canção têm o nome "A Song of a                                                                                                                 86

Boss é um personagem secundário e dono do bar Stray Sheep frequentado pelos personagens. Ele é um semideus - Dumizid - parceiro de Trisha e responsável por manter a ordem heteronormativa dos relacionamentos. Antes de sua forma como semideus, se chamava Thomas Mutton - referência ao economista Thomas Malthus - um homem que passou pelos mesmos pesadelos por ter traído sua mulher.

 

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Foreign Land to the South" e ela é a adaptação do mito de Ishtar - a deusa representada por Trisha - descendo ao submundo. Nesse processo ela perde seus poderes e amuletos ao percorrer os sete portais até a rainha daquele local. Com isso, enfraquece e se agarra em seus cabelos até falecer. A partir da notícia um homem é enviado para seduzir a rainha do submundo e devolver a vida a outra. Independente da eficácia da sedução, ambas rainhas fazem um acordo. Ao retornar para seu reino, a rainha tida como morta, encontra o marido no trono, comandando a partir de seus próprios princípios e tendo relações sexuais com várias mulheres. O pacto consistia em entregar o marido a rainha do submundo. As identidades femininas presentes na origem narrativa são inspiradas em deusas femininas, líderes de sociedades matriarcais e empoderadas. Se contrapormos a própria personagem do arcade - Rapunzel - veremos o quanto do poder feminino foi perdido, pois ela só consegue ser libertada a partir da intervenção de uma figura masculina. Dentro da construção cultural prevaleceu o patriarcado e dessa forma líderes femininas são menos destacadas em comparação ao seu gênero oposto. E o jogo como um todo toca nessa modificação superficialmente, pois é construído e agenciado por um homem. Para a versão extra, na moral da história, Rapunzel é possuída pela bruxa que diz ser uma representação de Ishtar e demonstra repulsa por homens, pois eles apenas se interessam por Rapunzel pela sua beleza, são luxuriosos e não teriam nada a oferecer. Desse modo, as mulheres estão posicionadas como vítimas de circunstâncias típicas da natureza comportamental masculina e não devem confiar nos mesmos, especialmente se forem belas. Pôr o outro gênero como vilão e antagonista é uma prática de desvalorização praticada por ambos os gêneros como parte da disputa de discurso. Em "Catherine" há momentos nos quais homens demonizam mulheres e vice versa.

Imagem 52: Arcade de Rapunzel  

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2.2 Confessionários Os Confessionários estão dispostos ao final de cada estágio nas Landings - local de encontro dos outros homens sob forma de ovelhas que estão tendo os mesmos pesadelos diários - finalizando o período noturno de pesadelos.

Ainda que estejam claramente

posicionados nesse momento de jogo é possível extrapolar outros locais de confissão, por exemplo o bar Stray Sheep, com ajuda de bebidas alcoólicas talvez esse seja o local mais confessional. A confissão revelada pelo jogador através do personagem é julgada pela moral do jogo - desempenhada pela inteligência artificial -com a finalidade de estabelecer o karma correspondente e contabilizar as entradas para determinar qual será o desfecho narrativo correspondente ao comportamento apresentado. (Imagem 53) A simbologia visual deste contabilizador de karma é oferecida pelo Karmameter. Ele aparece nos momentos de escolha do personagem, sejam elas possíveis de intervenção como nos Confessionários, ou ao longo de cutscenes de animação. Nele estão presentes dois anjos correspondentes aos estados de Ordem (azul) e Caos (vermelho) nas extremidades do medidor. Essas referências vêm do imaginário religioso e místico ao atribuir a seres irreais características comportamentais humanas e alegar estarem sob influência de forças para justificar alguns de seus atos.

Imagem 53: Medidor de Karma no canto inferior direito As questões são feitas por Astaroth - um avatar de Trisha - mas não é possível vê-lo apenas sua voz é reconhecida. Antes das perguntas são feitas algumas indagações, ou  

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observações sobre o desempenho do personagem. E as perguntas direcionadas a ele, sobre os motivos e objetivos dos pesadelos, nunca são respondidas. É um modo de alimentar as incertezas e irritar o personagem pela falta de precisão. (Imagem 54)

Imagem 54: Confessionário Nem sempre as perguntas fazem sentido com relacionamentos amorosos e entre si, mas inevitavelmente há duas opções de respostas a serem escolhidas para cada uma. Elas devem ser escolhidas quando duas cordas caem do teto do Confessionário para serem puxadas pelo personagem. (Imagem 55) É dito que não há uma resposta certa e errada, mas fato que elas servem como indicadores de norma ou não seriam armazenadas e compartilhadas online entre os jogadores. Como a natureza das perguntas, suas correspondências e a qual karma pertencem não é explícito é difícil supor qual será o julgamento atribuído pela inteligência artificial. Por mais que esses parâmetros não estejam claros, ao final de cada resposta individual é apresentado um gráfico comparativo das respostas de outros jogadores sobre a mesma questão. (Imagem 56) Indiretamente o jogo estabelece a norma moral entre os jogadores Caos ou Ordem. A partir dessa possibilidade podemos questionar qual seria a natureza da moralidade expressa pelos jogadores nesse jogo: ele está de acordo com seu comportamento? está em favor do que é melhor ou pior para personagem? ele é manipulado pelas respostas mais expressivas apresentadas nos gráficos por outros jogadores? Mas ainda assim estaremos dentro da heteronormatividade, pois ela atua fora e dentro do jogo.

 

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Imagem 55: Opções de resposta

Imagem 56: Comparativo dos jogadores Práticas confessionais já estavam sinalizadas em Foucault (2013) como um mecanismo em favor do controle de discursos praticados por agentes distintos, por exemplo: Estado, Legislação, Educação e Religiosidade. Além dessas Instituições o cientificismo através da psicologia/psiquiatria também estimula a confissão como propósito da análise  

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subjetiva. E é a partir de relatos autodeclarados que podem ser negociadas novas normas. É possível dizer que o jogo está mimetizando essas práticas em favor da progressão. 2.3 Dispositivos Móveis : Ligações, Emails e Imagens O uso de dispositivos móveis faz parte da rotina dos personagens assim como a dos jogadores. Mas no jogo elas pode conter informações triviais como felicitações por ter desbloqueado ou conquistado algo a partir das performances noturnas ou uma maneira de desenvolver o relacionamento de Vincent com as duas mulheres: Catherine e Katherine. Dependendo do tipo de interação com as duas o karma do personagem vai tender a uma das classificações morais influenciando sob desfecho narrativo. Elas enviam mensagens com textos e/ou imagens e efetuam ligações a serem respondidas. A ausência de interação também é avaliada como um karma, apesar da neutralidade. A partir das imagens mostradas abaixo (Imagem 57 e 58) vemos Vincent interagindo com seu dispositivo móvel. Na primeira sequência ele está tentando se esquivar da ligação de Catherine, pois ela está naquele momento entrando no mesmo local em que ele está com Katherine. E o encontro entre as duas está longe de ser seu desejo. Para ter mais privacidade no uso de seu smathphone ele frequentemente se encaminha para banheiros semi públicos. Esses apesar de ainda estarem em ambientes públicos e de circulação, possuem cabines individuais, nas quais é possível ter privacidade dentro do público.

 

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Imagens 57 e 58: Momentos de interação com o celular de Vincent 3. A Jornada do Herói e Identidades Femininas A Jornada do Herói é centrada no amadurecimento de Vincent Brooks. Ele é um programador japonês com feições completamente ocidentalizadas - branco, magro, alto com cabelos cacheados pretos e olhos azuis - de 32 anos e o estereótipo de um homem adulto imaturo. É pouco comum se deter à vestimenta de personagens em jogos, sobretudo se estes forem homens. No entanto, o traje noturno de Vincent denuncia muito de sua interioridade. Contraponto ao modo de representação masculina dos jogos, ele aparecem com cuecas de modelo conhecido como "boxer" de cor branca com estampas de bolas em cor rosa claro, acompanhado por um travesseiro, sendo essa a sua "arma" de defesa. Além de um par de chifres característicos de ovelhas. A falta de roupa ou sua excentricidade, demonstra a  

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vulnerabilidade deste homem com suas questões pessoais. Ele não possui nenhuma proteção, nem armas típicas para defesa e não possui indicativos de força física. Estamos diante de um homem desprovido de virilidade, afeminado, frágil e inseguro. (Imagem 59)

Imagem 59: Caracterização de Vincent No momento em que a narrativa se inicia, ele não sente necessidade interna de modificar seu estilo de vida, com noites diárias no bar com os amigos, o hábito de fumar, a falta de responsabilidade com seus compromissos e a indecisão. Por conta dessa, sua expressão ao longo do jogo - sejam nos pesadelos ou nos períodos diurnos - é marcada por surpresa, incerteza, insegurança, medo e raiva. No entanto a necessidade de amadurecer como um todo é tensionada pela demanda de compromisso no relacionamento com Katherine e o surgimento de Catherine. Não é possível ter tudo o que deseja e sob essa limitação cabe a ele escolher se quer ficar com alguma das mulheres ou até mesmo permanecer sozinho. Interessa ao trabalho saber como essas identidades femininas estão presentes no jogo a partir de suas relações com a Jornada do Herói? Se suas representações possuem algo da linguagem erótica empregada em outras personagens da indústria de jogos? Se essas são coerentes com a proposta narrativa, sendo uma expressão possível de feminilidade ou se são utilizadas apenas para prazer visual masculino? E de que forma elas se relacionam, atualizam a heteronormatividade presente no discurso dos jogos? 3.1 Catherine    

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Uma jovem mulher atraente chega ao Stray Sheep à noite e apesar não ser exatamente o tipo de local que frequenta, pergunta a Vincent se pode companhia, mesmo que hajam outros locais disponíveis. A escolha era certa e daquele ambiente somente Vincent e Boss conseguiam vê-la. A descrição física de dela pode ser resumida na frase proferida por Boss nos momentos finais da narrativa: "She was blond, wearing a provocative white dress, like lingerie". (Imagem 60) As peças do figurino que normalmente são encobertas como o sutiã e as meias 7/8 são dados a ver através da transparência, pela trama do rendado, em cor branca, ou seja , construídos eroticamente pela sutileza. A personagem em si é construída para ser uma boneca, possui feições ocidentais com destaque a olhos grandes azuis, cabelos loiros e cacheados, com um penteado que lembra os chifres das ovelhas presentes no jogo. Ser uma boneca se adequa a natureza - succubus - da personagem e ao imaginário de feminino tanto de Vincent, quanto da cultura popular pelas bonecas Barbie. Apesar de nos livros com o Concept Art87 - presentes da edição de luxo - não haver nenhuma alusão a relação visual entre as duas caracterizações, proponho a comparação entre o primeiro modelo da boneca erótica alemã para adultos que viria a ser em 1960 a base para as bonecas Barbie da empresa norte americana Mattel. (Imagem 61)  

Imagem 60: Caracterização de Catherine

 

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Arte Conceitual [Trad. Livre] corresponde aos esboços e referências para o desenho final de um personagem por exemplo. É o detalhamento do processo de criação.

 

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  Imagem 61: Boneca erótica alemã antecessora da Barbie   As similaridades entre as duas estão: na proposta de serem modelos eróticos de feminilidade; nas proporções corporais, magras, altas, com cinturas finas, seios maiores do que os quadris, longas pernas; o formato do rosto dando destaque aos olhos grandes a azuis, sobrancelhas arqueadas e mais escuras que o tom do cabelo para dar dramaticidade, a cor azul clara, próxima ao tom dos olhos, delineando os olhos, com pequeno nariz ao centro e lábios pequenos e volumosos; a cor loira nos cabelos com o ondulado/ cacheado para das textura. A concepção visual de Catherine (Imagem 62) vêm de uma boneca que tanto faz parte do imaginário feminino e homossexual ocidental, quanto fetiche masculino.  

Imagem 62: Similaridades faciais de Catherine e as bonecas Barbie  

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Como se trata de uma succubus sua aparência é maleável ao ideal de mulher para cada homem que se relaciona. Em sua conversa com Vincent se posiciona como uma mulher mais flexível e disponível do que outras, por exemplo para ela: "Marriage is jus a 'tradition', right? Seriously, who wants to be tied down? As long as two people are toghther, it's okay right? It's best to be free, don't you think?". Ao ouvir esse discurso, Vincent melhora seu humor, pois naquele dia havia sido pressionado por Katherine a sair da "zona de conforto" e casar se. Não apenas o conteúdo de sua fala seduzem a indecisão dele, mas sua postura descompromissada ao deslizar os dedos pela borda do copo de seu drink e seu tom de voz - calmo e um pouco infantilizado - complementam sua apresentação. (Imagem 63)  

Imagem 63: Expressividade de Catherine

 

    A construção de imagem corporal da personagem é explorada por movimentos de câmera ao longo da conversa. Quando Vincent contrapõem a opinião dela sobre casamentos com a de mulheres em sua faixa etária - precisamente Katherine - ao invés do foco estar no personagem, vemos um plano com o cruzar de pernas de Catherine por baixo da mesa. (Imagem 64) E ao mesmo tempo ele diz surpreso: "But there are girls like you out there...Hmm nerver knew." . Destaco o pedaço "girls like you" com o enquadramento, pois há uma alusão a casualidade com a qual esta mulher diz se relacionar e a possível desvalorização por parte do homem das mesmas, pois por maiores que sejam os avanços contemporâneos sociais e culturais com relação ao comportamento feminino, a sexualidade da mesma ainda é um campo em disputa sejam por mulheres ou homens, buscando novos parâmetros. Ainda há associações recorrentes entre casualidade e promiscuidade quando não manipulação injusta de  

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seu atratividade. No entanto, apesar do destaque feito, a personagem em questão está presente na narrativa para ser o elemento de tensão, pela sexualidade, de um relacionamento estagnado.

Imagem 64: Enquadramento nas pernas de Catherine

 

 

Após esse temos uma sequência de enquadramentos e ações antes do beijo. Essas possuem apelo erótico/pornográfico a partir da personagem. Enquanto Vincent acende mais um cigarro ela aparece de repente ao seu lado, agradece por pensarem do mesmo jeito com a taça de seu drink como se estivesse brindando o momento. E começa a beber o líquido de uma só vez e o enquadramento na movimentação de seus lábios e pescoço (Imagem 65) não fariam nenhum sentido se não uma relação com a mesma movimentação feminina durante o sexo oral em homens.  

 

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  Imagem  65:  Catherine  bebendo  seu  drink   Ela a observa fixamente e "acidentalmente" Catherine apoia o cotovelo no descanso para copos da mesa, sendo o elemento ideal para escorregar e aproximar seus corpos. Ela elogia a gentileza dele e põem a mão em seus quadris, pois percebe pelo nervosismo dele que esse é o seu desejo. Pela posição de seus corpos e a diferença de altura entre ambos, o olhar de Vincent está focalizado nos seios pelo decote de Catherine (Imagem 66). Sem esconder pudor, ela afirma: " You must like what you see...". Nesse momento temos Catherine envolvendo seus braços no pescoço de Vincent para beijá-lo. (Imagem 67) E ao contrário do enquadramento do beijo, somos direcionados a queima instantânea do cigarro entre os dedos de Vincent, sendo está mais uma referência erótico/pornô de excitação. O cigarro corresponderia ao pênis e a queima, pelo calor, sua excitação ao beijá-la, tocá-la. (Imagem 68) Um pequeno comentário sobre o gosto de cigarro da boca de Vincent é feito por Catherine e ela passa a língua pelos lábios para umedece-los. (Imagem 69)

Imagem 66: Enquadramento do olhar de Vincent  

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Imagem 67: Sequência do beijo

 

 

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Imagem 68: Queima do cigarro de Vincent

Imagem 69: Catherine passando a língua pelos lábios As memórias visuais do entro entre eles é acionada na manhã seguinte, pois Vincent não lembra de mais nada a partir desse momento. E ela está ao seu lado nua na cama. Por estar confuso, Vincent acaba verbalizando seus diálogos internos, e ela questiona se sua presença acarreta algum problema. Enquanto ele encara ela fixamente e pensa como pode se desvencilhar do problema - por exemplo culpando a aproximação dela, a quantidade de álcool  

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que ingeriu - a fala dela muda completamente do discurso da noite anterior. A mulher decidida e livre em seus relacionamentos passa a expressar preocupação em ser mal interpretada, ou seja, retornamos a norma e o julgamento sexual feminino. A mesma diz: "I just don't sleep around. I came here because I like you." e daí em diante seu comportamento é de quem está em busca do amor romântico, tanto que há pergunta: "It was love at first sight?". A quebra desta declaração ocorre com um grito de Catherine dizendo que ele precisava trabalhar e ela estava atrasada para o dentista - conhecido com Steve, o mesmo que entra em contato com Vincent. Ela sai sem dar atenção a última frase dele: "I'm actually dating someone already!". Essa informação pouco importa a ela, porem a culpa caberá a ele. Sua presença matutina torna se diária deixando Vincent confuso, pois não têm nenhuma lembrança que justifique seu aparecimento. Além de jamais ter memórias relativas a relações sexuais entre os dois, ainda que ela esteja ao seu lado da cama nua ou seminua.(Imagem 70) Eles apenas compartilham a mesma cama durante seguidas manhãs.

Imagem 70: O corpo nu não é revelado A ausência de sexo em uma relação que começou a se delinear de modo explicitamente erótico/ pornográfico é frustrante tanto para o personagem quanto para o jogador, pois é há um excesso de preliminares, sugestões e metáforas que não chegam a se concretizar em performance sexual. Explicitamente na manhã do terceiro dia ela diz: "Last night was amazing. It was the first time I've done...something like that." e apesar dele não ter  

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ideia do que fizeram ela continuar "You're gonna make me say it?". Novamente a liberdade sexual é enfatizada, mas há controvérsias, pois ao mesmo tempo que encoraja a liberdade das normas e impulsos, exige que ele sequer pense em traí-la. (Imagem 71)

Imagem 71: Ameaça de Catherine As ameaças se transformam em motivos para o pesadelo/ fase correspondente ao terceiro dia - Torture Chamber. Ela está personificada pelo desafio desta fase chamada de "Immortal Beast". De fato Catherine pode ser considerada uma bestialidade imortal, afinal é uma succubus, no entanto contrapondo as representações monstruosas até o momento, temos a primeira aparição grotesca. Catherine é representada a partir da parte inferior de seu corpo, seu rosto assume a forma de suas nádegas com olhos em cada uma das partes e uma língua sai da região anal. (Imagem 72)

 

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Imagem 72: Representação monstruosa de Catherine88 A presença do grotesco em Catherine confirma a hipótese de Sodré e Paiva (2002 apud LEITE JR., 2011:17) para presença e disseminação do grotesco como estética em produtos da cultura de massa e entretenimento a partir do século XX. Esta faz parte do que Bakhtin conceituou como "realismo grotesco" onde: " o corpo é entendido em constante transformação, eternamente incompleto e por isso, mesmo inacabado, focado em seus orifícios, protuberâncias, excreções." (LEITE JR., 2011: 15) Ela é a representação de um ser do submundo e demoníaco, portanto nada mais associativo do que considerá-la um ser grotesco. A dupla jornada de relacionamentos para Vincent consegue se manter até o momento em que Catherine começa a aparecer nos espaços compartilhados do casal - Vincent e Katherine. Exatamente no encontro onde Katherine comunica sua gravidez a outra liga para seu celular e avisa estar próxima, sugerindo vê-lo. Antes que ele possa disfarçar qualquer resposta ela surge na cafeteria e pede um lugar na área de fumantes, ao lado da mesa onde os dois estão. Mas não é nessa vez que elas se encontram. Fica para manhã do dia seguinte as                                                                                                                 88

(acesso em maio de 2014)

 

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primeiras desconfianças de traição de Catherine, ao encontrar um longo fio de cabelo claro na roupa de cama dele. Enquanto ameaça matá-lo ou suicidar se a campainha toca e ela é escondida no banheiro. Do outro lado está Katherine, expulsa antes mesmo de conseguir entrar e será identificada como senhoria do local para evitar o ciúme de Catherine. Por estar desconfiada ela envia uma sexpic - imagem sensual de si - sua para Vincent durante a tarde - quarto dia - a fim de manter o interesse sexual dele, já que a traição sexual parece ser a maior preocupação da mesma. (Imagem 73)

Imagem 73: SexPic enviada por Catherine Ao contrário de Katherine, do segundo ao quinto dia de contato entre ela e Vincent a mesma envia fotos sensuais/ sexuais de si. A auto pornificação não é uma ação de submissão aos desejos do outro, mas experimentação erótica de si. Ela escolhe o quê põem em evidência, quando e para quem irá encaminhar as imagens. Dentro do contexto social contemporâneo  

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mediado pela tecnologia, a auto pornificação gera críticas, pois é difícil saber até que ponto o indivíduo está disposto a revelar se para o outro, em quais contextos essa troca ocorre e quem está autorizado a consumir tais imagens. Há muito mais do que uma simples edição de enquadramento de si e envio para/através de dispositivos, do contrário indivíduos especialmente do gênero feminino - não estariam sofrendo e até morrendo por essa prática. A forma pela qual Catherine se dispõem a pornificar começa pelos lábios, uma de suas zonas erógenas (Imagem 74); passando por manipulação de visibilidade (Imagem 75); uso de fantasias sexuais, que modificam se a medida que os jogadores atingem o final de máximo Caos durante a rejogabilidade (Imagem 76); até uma imagem da prática de BDSM. (Imagem 77)

Imagem 74: Lábios de Catherine

 

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Imagem 75: Visibilidade de Catherine

 

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Imagem 76: Variações de uma das sexpics após rejogabilidade

 

 

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Imagem 77: Prática de BDSM Apesar de todo o investimento erótico afetivo, ela não esperava que Steve - seu dentista e um dos homens com quem se relacionava - ligaria para Vincent fazendo ameaças, pois está largando sua família para ficar com ela. Essa era a oportunidade esperada por Vincent para ter argumentos práticos e sair bem do término do envolvimento. Como ele é incapaz de admitir sua traição, nada mais reconfortante que se pôr como vítima da sedução dela, além de traído. Mas ela nega tudo e irritada com a desconfiança sai do bar prometendo visitá-lo à noite. A decisão de aparecer não é questionada por Vincent e ainda que fosse, ela é impulsiva e dominadora como a real namorada dele, Katherine.

 

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Se de uma noite a conversa foi favorável a Catherine, a seguinte prova o contrário. Vincent tenta se armar de argumentos - superficiais - pois quer que sua vida volte a normalidade com Katherine, sendo inviável manter duas mulheres. Ele finalmente revela que está em um relacionamento longo com outra mulher de nome semelhante ao dela, e estava se sentindo pressionado a casar, argumentos que invalidariam a possibilidade de relacionamento com ela. Porem Catherine contra argumenta: "I don't mind. As long as I'm your Number One. You can have fun with her. We can go on like we've been doing". Quando ele menciona a gravidez da outra, ela se irrita e diz que prefere morrer e sai correndo em direção ao banheiro. Lá ela agride ele fisicamente e verbalmente.(Imagem 78) E essa é a última vez que ele "vê" Catherine.

Imagem 78: Catherine batendo em Vincent Depois desse confronto Vincent têm um sonho de confronto entre as duas mulheres. Ele pensa ter acordado sozinho e quando Katherine aparece a sua porta não têm nenhum receio em atendê-la, porem assim que a porta é aberta as duas se encontram, com Catherine posicionada atrás dele. Sem ter a menor ideia de como ela surgiu ali não resta nenhum movimento a não ser acompanhar a situação. Catherine se oferece para esquentar a água para um chá enquanto Vincent e Katherine estão sentados no chão em lados opostos de uma mesa. Ela está irritada com aquilo e tenta ter informações daquela relação. Logo Catherine senta ao  

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lado de Vincent, agarrando seu braço e têm início as agressões verbais entre as mulheres disputando o amor dele. (Imagem 79) Entre as qualidades de Catherine denominadas pela mesma está a intensidade e frequência de relações sexuais, pois segundo ela: "After all you've (Vincent) done to my body...Night after night...(...)I don't think you (Katherine) can satisfy him anymore...". A jovialidade também é apontada qualitativamente, levando a mesma chamar Katherine de "old granny". Ao escutar essa frase: "Do you ever have a baby in that ice cave?" Katherine levanta em busca de algo na pia da cozinha - atrás dela -, mas Catherine a surpreende com um facão nas mãos e têm início o confronto físico. (Imagens 80 e 81) Ela corta a lateral do tronco de Vincent quando o mesmo tenta proteger Katherine e logo em seguida joga esta no chão ao lado da cama, tentando esfaqueá-la. E para o espanto de ambos ela mesma enfia a faca em sua barriga para incriminar Katherine. (Imagem 82)

Imagem 79: Catherine exaltando suas qualidades sexuais

 

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Imagem 80: Catherine com o braço por trás das costas com o facão

Imagem 81: Catherine e Katherine caídas no chão

 

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Imagem 82: Catherine esfaqueada 3.2 Katherine McBride Ela é a namorada de longa data de Vincent Brooks. É apresentada na narrativa como uma mulher ambiciosa em sua carreira, controladora, séria, racional e independente. Sua caracterização visual acompanha tais adjetivos, pois ela usa roupas pretas, cobrindo todo seu corpo, pequenos acessórios com detalhes em azul, óculos, ou seja a erotização ou sensualidade não fazem parte da expressão dessa personagem. (Imagem 83) A reunião dessas características poderia naturalmente ser utilizada para descrever muitas mulheres nas  

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sociedades contemporâneas ocidentais, como consequência da emancipação histórica e social das mulheres. Porem na percepção do gênero masculino tais características são intimidadoras, por destituírem muitas das funções atribuídas aos mesmos. Essas garantiam direitos aos homens como: controle financeiro familiar, liberdade de circulação em ambientes sociais, exercício de opinião e cargos relacionados à política, exercício da dupla moral sexual, entre outros.

Imagem 83: Caracterização de Katherine McBride Muitos foram os direitos conquistados por mulheres em diversas esferas, mas ainda resta ao gênero forte controle de condutas e julgamentos. Esses não são apenas praticados por Instituições seculares, e homens, mas realizado com maior constância por mulheres. O controle moral é delegado ao próprio gênero tanto para consigo quanto para outrem. Tais ações são parte do que Foucault (2013) nomeou como "histerização da mulher", pois essas foram analisadas - valorizadas e desvalorizadas - e atribuída a função de reguladoras de si e de seus familiares. A partir das trocas entre tais "reguladoras" serão negociados comportamentos reprováveis ou não a serem disseminados pela criação familiar.  

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Katherine pertence a um momento onde a função "reguladora" da mulher ainda persiste, mas o vínculo com a família não é tão forte. No entanto a auto-regulação individual a torna uma mulher rígida consigo e podemos ver traços de tal comportamento em sua expressividade facial e corporal. Para se fazer ouvir ela age com agressividade enquanto tenta falar com Vincent no café Chrono Rabbit (Imagens 84, 85); contem sua raiva em uma discussão hipotética com Catherine ao cerrar os punhos na coxa (Imagem 86 e 87); para impor seus desejos reagem com irritação e impaciência. (Imagem 88 e 89)  

Imagem 84: Katherine bate com as unhas na mesa  

Imagem 85: Katherine enfiando o garfo no pedaço de bolo  

 

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Imagem 86: Sequência de expressões em uma discussão com Catherine  

Imagem 87: Sequência de expressões em uma discussão com Catherine  

 

 

 

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Imagem 88: Katherine discutindo com Vincent  

 

Imagem 89: Katherine em expressão de raiva   Ela é a personagem representada como mais raivosa e estressada entre os demais, mas tais reações também vêm da pressão externa de seus amigos e família. A mesma quanto conversa com Vincent expressa que a família vêm pressionando sobre o relacionamento e a urgência do noivado, e ela não está tão convencida disso, pois assim como ele estão em uma "zona de conforto". Ao reencontra seus amigos ela envia a seguinte mensagem para Vincent: Katherine: "Like I said before, I'm having dinner with some old friends. It's surprising...Most of them are already married, and almost half of them have kinds. They're all showing off pictures of their families and it makes me feel left out. Maybe it's time for us to get out of our comfort zone too."  

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A partir dessa fala podemos apreender o constrangimento dela em comparação aos amigos. A vontade de continuar pertencendo àquele grupo, a fonte de manutenção desse laços de amizade e afetividade neste momento estão sob influência da transposição da zona de conforto na qual o relacionamento se encontra. O contraste de realidades exerce tamanho impacto nela que dias depois avisa a Vincent seu atraso menstrual, supondo estar grávida. Se até o momento sair da "zona de conforto" dependia do posicionamento dele, a partir da notícia ela tornaria se uma imposição, pois está fora de cogitação ser mãe solteira. Nesse momento da narrativa, Vincent já havia traído Katherine, mas não conseguiu conversar com ela, nem com Catherine. Os amigos aconselham contar à namorada e a partir da reação chegar a uma resolução, porem com a inesperada gravidez ele teme não ser perdoado. Nessa possibilidade, Orlando - um dos amigos de Vincent - diz que Katherine não teria problemas em ser uma mãe solteira. A opinião dele está vinculada a premissa de que mulheres independentes como Katherine não necessitam de apoio por conseguirem agir sozinhas e esse é um completo equívoco. O sentimentalismo de Katherine se revela em grande parte por sua raiva, mas há momentos de expressão de fragilidade como timidez e medo. Ainda que seja uma mulher dominante o começo de suas conversas com Vincent não se iniciam em clima de guerra, ela reage conforme sua confiança no outro é ameaçada. Ao contrário dos enquadramentos feitos em Catherine, nessa personagem suas mãos são destacadas - suas unhas são pintadas em tom de azul - em momentos distintos, sendo essa sua principal linguagem corporal. Como mostram os enquadramentos a seguir os gestos manuais dela compõem o tom de sua fala. (Imagens 90, 91 e 92)

 

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Imagem 90: Gestos manuais de desconforto

Imagem 91: Gestos manuais marcando sua fala

 

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Imagem 92: Mãos levadas ao rosto em sinal de medo Em dois momentos do pesadelo de Vincent, ela aparece como o desafio final sob forma monstruosa. Sua primeira aparição é na fase "Prision of Despair" e ela recebe o nome "Fist of Grudge". Sua forma monstruosa é a representação de suas mãos envelhecidas, com o esmalte das unhas descascados, veias saltadas e um garfo de bolo. (Imagem 93) Essa é uma referência direta ao encontro no mesmo dia do pesadelo. Eles haviam se encontrado na cafeteria e surge a primeira conversa sobre o casamento. Para reter a atenção de Vincent abalado pela primeira noite de pesadelos - ela espeta com força o garfo em uma fatia de bolo. O mesmo utensílio é utilizado no desafio eliminando as fileiras inferiores e tentando "garfar" o desafiante. Não apenas temos seus movimentos, mas ouvimos gritos de ameaça e ordem: "I got you!"; "I told you!";"I'm not leaving!";"Take responsabiliy!";"Don't you dare!"; "Dont't you make foll of me!"; "Dont't you run!"; "You wont sacape!"  

 

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Imagem 93: Versão monstruosa de Katherine A segunda aparição ocorre na fase "Quatrangle" sob o nome de " Doom's Bride". Ela aparece vestida de noiva mostro e seu buquê é uma espada com uma rosa. A imagem dela como noiva nos seus pesadelos, indica que ele está se sentido pressionado a tomar decisões. Não há felicidade envolvida em vê-la como noiva, mas medo. Ainda não está decidida a está etapa do jogo se eles irão casar ou não. Ela usa a espada em suas mãos para feri-lo e grita: "I'm gonna kill you!" e "Apologize or I'm gonna kill you!". (Imagem 94)

Imagem 94: Noiva monstruosa Ela desconfia das atitudes distantes e dos desencontros com Vincent, mas não pode comprovar que estava sendo traída, porque ela nunca chega a encontrar com Catherine. Mesmo sendo namorada de Vincent nunca permanece no apartamento dele como a outra. Ela  

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aparece duas vezes: uma para entregar uma caixa com um doce e para terminar o relacionamento com Vincent. Na primeira ocasião ela é mantida do lado de fora do apartamento ou "veria" Catherine e o doce que entrega permanecerá por dias jogado no chão, até que formigas se multiplicam no conteúdo a ponto de subirem pelo corpo de Catherine. Tais formigas são associadas a presença de bruxas, ou seja, o doce entregue por ela seria resultado de alguma bruxaria, mas como não ocorreu a infestação foi instantânea. Quando aparece para terminar o relacionamento, o mesmo está sozinho e a rapidez do desfecho o deixa em um grande vazio. Após uma longa e confortável relação ele sente a solidão, mais do que estar "solteiro" como status social. Em seguida todas as informações que tinha sobre Catherine no celular desaparecem. E a partir desse momento ele decide buscar mais informações sobre essa mulher que surgiu em sua vida para reorganizar os acontecimentos daquele período. Tal decisão não implica em terminar com Katherine, mas é o movimento do personagem/herói em agir, ser consciente sobre sua própria vida. Caso o desfecho narrativo a partir do Karmameter indicar a Ordem, os jogadores acompanharam a permanência de Vincent com Katherine, pois como indicado na norma de gêneros e sexualidades do jogo, relacionamentos longos devem consolidar uniões hétero estáveis com geração de descendentes. Os únicos momentos nos quais Katherine aparece feliz são os que envolvem os preparativos para o casamento e a festa em si. (Imagem 95) Não a toa os "melhores" desfechos são os relacionados a Ordem, ou seja, ainda que haja um sistema moral agenciável o desejado pelos responsáveis pela criação do jogo é aquele que celebra o casamento, o amor romântico heterossexual, a reconciliação e a ironia sobre a transexualidade.

 

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Imagem 95: Felicidade de Katherine 3.3 Erica Anderson Ela uma personagem transsexual e garçonete do bar Stray Sheep. Cresceu com Vincent Brooks e Orlando Haddick. Por sua personalidade alegre e feminina atrai a atenção dos consumidores do bar, especialmente Tobias que flerta constantemente com ela. Sua caracterização corresponde a mistura entre o imaginário de uniformes de atendentes de lanchonetes de fast food e restaurantes, pois ela usa um uniforme nas cores amarelo com detalhes em vermelho, um avental-saia branco com um bolso para o caderno de pedidos, uma tiara com babados e tênis branco com detalhes verdes. Acompanhados por cabelos lisos, vermelhos e cortados até a altura do queixo. Com uma leve maquiagem no rosto destacando olhos e lábios, estes com uma pequena pinta no canto inferior direito. (Imagem 96) A mudança de sexo na personagem inclui a sua voz feminina, as formas de seu corpo com curvas, seios, ausência de pêlos. Por esse motivo Tobias o membro mais recente daquele grupo está constantemente tentando chamar sua atenção para ter alguma relação sexual. E ele consegue o quê quer, mas está incerto quanto a naturalidade da relação, como conta aos amigos em um dos encontros. O motivo está no desconhecimento de Tobias sobre a sexualidade de Erica, revelado na festa de casamento de Katherine e Vincent em um dos finais possíveis da narrativa. A ingenuidade dele é motivo de piada entre Erica e os homens, nas falas temos:  

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Tobias: "The other guys knew you as 'Eric' back in school! I want my damned V-Card back...!"89 Erica: "Sorry, but once that hole is punched, there's no refund!"90 Pelo conteúdo das falas somos levados a crer que Erica e Tobias tiveram relações sexuais anais e orais, por isso o estranhamento - ausência de penetração vaginal - da relação. Em momentos distintos do jogo pelas cutscenes discussões sobre o gênero da personagem são silenciados e portanto jogadores transexuais reagiram mal ao modo como foram representados. A desenvolvedora - Atlus - já havia desenvolvido outros títulos incluindo personagens transgêneros que foram igualmente criticados.91 Por ser uma personagem de gênero masculino ela têm os mesmos pesadelos dos amigos e clientes do bar. Quando Boss revela a motivação dos mesmos ela permanece em dúvida, pois seu gênero biológico não corresponde a seu ser, portanto ela não consegue justificar para si o que ocorre. A hipótese é que ela como transsexual se envolve com homens que poderiam ter parceiras mulheres, uma vez que ela não é uma mulher real biologicamente. Fica implícito a discriminação a opção sexual da personagem, pois ela é o sexo estranho desestabilizando a ordem natural, sendo assim incorreta e prejudicial. E esse é um dos pontos negativos da representação de transgêneros em jogos, mas infelizmente correspondem a heteronormatividade, porque essa é elaborada a partir de relações entre heterossexuais, sendo os "desviantes" enquadrados como problemáticos e perversos. A representação de diversidade de gênero pela indústria dos jogos está longe de ser inclusiva por ter em seu discurso predominante outros valores. Quanto a exploração visual por ser uma personagem feminina não há como enquadrála em hiper sexualizada. Sua apresentação visual não é apelativa, mas referente a uma mulher bonita e atraente. A transformação biológica com fármacos dá conta da similaridade do gênero feminino. E é possível que a ausência de erotização seja uma desqualificação da mesma por não ser uma mulher real, ou seja, não teria o direito de se apresentar atraente para homens heterossexuais, como ocorre com Tobias.

                                                                                                                89

"Os outros caras sabiam que você era 'Eric' nos tempos de escola! Eu quero meu maldito V-Card (virgindade) de volta...!" [Trad. Livre] 90 "Desculpe, mas uma vez que esse buraco é aberto, não há reparo!" [Trad.Livre] 91 (acesso em maio de 2014)

 

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Imagem 96: Erica Anderson 3.4 Lindsay e Martha Elas são gêmeas de meia idade, frequentadoras assíduas do bar Stray Sheep estão sempre juntas e próximas ao grupo de Vincent. Entre as possíveis explorações do ambiente ele pode interagir com alguns clientes do bar, por exemplo as gêmeas. Enquanto a interação com os demais é mais um desabafo para os NPCs com os quais interage, geralmente homens que também estão tendo pesadelos, a aproximação das gêmeas sempre dá ao jogador alguma informação sobre a história por trás dos sonhos formuladas por metáforas, além delas conhecerem todos aqueles que morreram nos pesadelos. Portanto elas são observadoras dos pesadelos.

 

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Apesar da caracterização de gêmeos não ser sempre de similaridade entre os indivíduos, ela ocorre nesse caso. As duas são brancas, gordas, com cabelos grisalhos curtos, óculos de grau, batom vermelho nos lábios, colar no pescoço e vestido azul marinho comprido. (Imagem 97)

Imagem 97: Lindsay e Martha Ainda que a presença das mesmas no jogo não vá além de breves diálogos, temos a recorrência ao associar a velhice a falta de atratividade. Como apresenta a antropóloga Miran Goldenberg (2009) em estudo com coroas brasileiras - mulheres com mais de 50 anos - a maioria sente falta de ser reconhecida e desejada por seu corpo físico, por este estar vinculado a sensualidade. No caso estudado, a busca de um corpo considerado sexy, de acordo com os modelos socialmente legitimados, levou homens e mulheres a doenças e, também, à morte, simbólica ou até mesmo biológica. (GOLDENBERG, 2009:55-56). Apesar da pesquisa destacar esta sensação nas brasileiras, se comparadas a outras pesquisadas de nacionalidade alemã, o corpo não deixa de ser valorizado, apenas o nível de expectativas com esse não está bem distribuído com outros elementos individuais. As intervenções físicas são praticadas diariamente ao redor do mundo em graus diferentes de manifestação, por exemplo os distúrbios alimentícios que excluem ou controlam  

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rigorosamente alimentos incluídos na dieta alimentar com base na quantidade de calorias por temer aumento do peso físico é reflexo de distorções na percepção pessoal. No caso dessas personagens elas pouco se importam com a quantidade de calorias que ingerem e a sua aparência física, pois interessa mais a essas o prazer obtido com as pizzas e cervejas do bar. Estas estão confortáveis com o que são assim como Erica e sua modificação de gênero, no entanto vale a pena destacar o reforço "invisibilidade sensual" a que estão destinadas as mulheres que envelhecem. 2.5 Trisha A partir do discurso feito por Boss os jogadores são apresentados as motivações dos pesadelos. Mas a manutenção da ordem está interligada a uma divindade mesopotâmica feminina. A ligação narrativa com a Jornada do Heróis só é revelada na fase Axis Mundi do estágio Babel, desbloqueado pelo desempenho dinâmico dos jogadores.92 Trisha ou "The Midnight Venus" não é apenas a identidade de uma apresentadora de televisão, mas uma deusa da região da Mesopotâmia relacionada a fertilidade, amor, sexo e guerra 9394 .(Imagem 98) O nome real da deusa: Ishtar forma um anagrama com Trisha permitindo passar despercebida durante a narrativa. Ela possui dentro do jogo outro avatar: Astaroth, a voz responsável pelas questões feitas a Vincent nos Confessionários. Suas divindades se relacionam com o jogo da seguinte forma: a fertilidade é uma característica relacionada a realização da feminilidade, e para tanto é necessário unir se a um parceiro de gênero oposto para procriar. A personagem em questão não possui descendentes, no entanto ela é uma mulher fértil em potencial; o amor romântico é a capacidade de apaixonar se por cada novo vencedor dos desafios dos períodos de pesadelo. Além de ser o elemento de aproximação e manutenção de um relacionamento afetivo; a guerra são os desafios/ pesadelos estabelecidos para desafiar e punir os traidores. Transformando em semideuses os homens mais viris; o sexo é a ação com consequências procriativas, aliando a fertilidade e o amor dentro de uma união estável entre heterossexuais. Pode ser compreendido também como exibição de si a partir da sensualidade para atrair possíveis parceiros amorosos.

                                                                                                                92

Estágio desbloqueado a partir das conquistas/pontuação realizadas ao longo do jogo. Ela possui quatro estágios: Altar, Menhir, Obelisk e Axis Mundi. 93 (acesso em abril de 2014) 94 (acesso em abril de 2014)

 

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Imagem 98 : Ishtar no Museu Louvre A exibição de sensualidade de Trisha ocorre na introdução da fase Axi Mundis: ela procurar um novo parceiro, pois Dumuzid a trai constantemente95. Sua fala é direcionada aos humanos/jogadores responsáveis por agencias a escalada como se fossem dissociados do personagem Vincent. A fim de estimular e convencer os jogadores se declara "the embodiment of femininity"96, a melhor recompensa que poderiam ter com a experiência do jogo. No caso de vitória, ela percorre um corredor até o fictício apartamento onde se encontra o vencedor e menciona a excitação que sentiu ao acompanhar seus movimentos durante a fase. Simulando incerteza quanto aceitação declara: "I've got such a hunger for these feelings...I know you have some hungers, as well, don't you?" 97 A "fome" é uma metáfora ao desejo sexual. Ao pronunciar essas frases a cena é construída a partir do percorrer das mãos da personagem - acompanhado pela câmera - pelo decote de seu blazer, passando pelos seios até o pescoço, onde está uma gargantilha com o símbolo do gênero feminino. (Imagem 99)                                                                                                                 95

É possível associar essa reclamação de Trisha com a lenda de Ishtar presente no Arcade de Rapunzel. Incorporação da feminilidade [Trad.Livre] 97 Eu tenho tanta "fome" por esses sentimentos...E sei que deve ter alguma "fome" também, não? [Trad.Livre] 96

 

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Imagem 99: Decote de Trisha No entanto, essa sedução ao jogador só interessa e faz sentido se o mesmo tiver interesse sexual por mulheres, podendo ser frustrante aos demais jogadores, pois "não terão recompensa" reconhecida pela finalização da fase. Essa é uma cutscene, recompensa pouco abrangente que poderia ser apresentada sem a predeterminação de "promessas sexuais" aos vencedores, mas frequentemente utilizada em outros jogos. Não apenas na atitude a personagem expressa sensualidade, sua caracterização acompanha sua personalidade. Ela é uma mulher alta, magra, branca, com cabelos crespos em penteado black power de cor vermelho - na cena de encontro entre Trisha e o vencedor do Axis Mundi ela aparece de cabelos lisos (Imagem 100). Suas roupas são de cor preta, com detalhes dourados nos botões, punhos e barra do blazer, sendo esse sua única peça da parte superior, expondo parcialmente seus seios; dois acessórios para o pescoço também em tom dourado, um deles com um berloque símbolo do gênero feminino; saia sob meia calça preta e sapatos de salto alto. (Imagem 101)

 

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Imagem 100: Trisha com cabelos lisos ao final do Axis Mundi

 

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Imagem 101: Caracterização de Trisha Mesmo sendo apresentada em referência a uma deusa feminina de civilizações antigas o aproveitamento da mesma na narrativa é muito superficial. Ela aparece como uma apresentadora no início e final do jogo. O momento no qual revela sua identidade não é de conhecimento dos jogadores a não ser que os mesmos desbloqueiem o conteúdo e vençam novas etapas dinâmicas. A revelação está subordinada a capacidade cognitiva. Seu potencial de identidade e gênero ficam restritos a pequenas aparições e recompensas sexuais, mas que se enquadram nas normas de representações femininas da indústria. 4. Desfechos Narrativos Os desfechos narrativos não são determinados pelo desempenho mecânico nos estágios/fases, mas pelas respostas fornecidas nos Confessionários armazenada no Karmameter e no estágio do Paraíso onde ocorre o confronto com o Boss (Thomas Mutton). Neste são feitas quatro perguntas com interferências distintas. A primeira não exerce nenhuma influência; da combinação entre as respostas da segunda e terceira perguntas temos  

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a formulação da quarta. E após verificação do sistema de karmas fica disponível a cutscene correspondente a um dos oito finais. A distinção entre eles está entre: Ordem, Neutralidade/Liberdade e Caos. Para cada um desses há níveis de realização: Verdadeiro, Bom e Ruim. A diferença entre eles está nas nuances correspondente as ações durante o jogo, por exemplo responder mensagens recebidas no celular. A partir da finalização do sétimo dia o desfecho narrativo começa a se delinear, pois o questionamento da realidade de Catherine torna-se mais evidente. Vincent supostamente têm sua última conversa com ela, mas de acordo com o relato dos amigos e de Erica :"You came here alone, you left alone.../And the entire time you were here, you drank alone."98(Imagem 102) A única certeza é o fim do relacionamento com Katherine, pois a mesma vai ao apartamento dele definir o rumo do envolvimento, após desconfiar da traição.

Imagem: 102 Vincent de bruços na mesa Na introdução do jogo, Trisha apresenta o mesmo como um programa da rede Golden PlayHouse e ressurge ao final para concluir a narrativa com a qual os jogadores acompanhavam e agenciavam. As intervenções da personagem são realizadas após a primeira cutscene onde Vincent pode encontrar ou não uma das mulheres com as quais se envolveu. Nessas, o discurso pode ser adaptado a depender dos resultados obtidos pelo Karmameter, mas a revelação da Jornada do Herói permanece inalterada. Trisha questiona se os                                                                                                                 98

Você chegou aqui e foi embora sozinho...e permaneceu o tempo todo bebendo sozinho." [Trad. Livre]

 

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espectadores/jogadores conseguiram apreender o conflito central incluído na mecânica das fases. Como indicado, nos pesadelos não há certo ou errado tanto no modo de escalar os blocos, quanto nas respostas fornecidas nos Confessionários, pois essas dependem do desejo de modo de vida daquele indivíduo. A metáfora e o motivo da Jornada do Herói está no amadurecimento de Vincent através da decisões feitas tanto nas fases quanto no percurso diário, sendo essa uma das características principais da etapa adulta. Para os discursos com finais intermediários (Bons), Trisha não apresenta o futuro próximo a partir dos acontecimentos da primeira cutscene, exceto no final intermediário da categoria de Ordem. E para aqueles com finais regulares (Ruins) é sugerida rejogabilidade a fim de obter os melhores finais, ou seja os de máxima realização. 4.1 Ordem Os finais de Ordem estão associados a personagem Katherine, pois como disse Thomas Mutton em diálogo com Vincent, a Ordem está no compromisso com as parceiras de relacionamentos longos, baseados na fidelidade e com finalidade procriativa. A formação de famílias heterossexuais corresponde então a norma do jogo. 4.1.1 Máxima Ordem A máxima ordem é o melhor desfecho possível para o relacionamento entre Katherine e Vincent. Nele Vincent com a ajuda dos amigos marca um encontro com Katherine para esclarecer o que aconteceu ao longo daquele tempo, pedir desculpas pelo seu comportamento e propor casamento. Para dar veracidade aos pedido de desculpa ele também têm auxílio do Boss para explicar a Katherine que a outra - Catherine - era uma succubus. E ninguém além deles dois conseguia vê-la, sendo esses motivos suficientes para "tecnicamente" comprovar sua fidelidade. No entanto, se nos determos a fisicalidade muitos casos de traição seriam desqualificados como tal. Na prática de Erotic Role Playing temos um exemplo da ambiguidade do conceito de traição para os parceiros amorosos. Entre os praticantes a confiança e confissão de seus desejos e atos eram a base do relacionamento. Assim como casais de swingers possuem suas próprias regras, portanto o limiar entre fidelidade e infidelidade deve ser estabelecido como código de conduta daquela relação.  

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No caso dos personagens, ao que parece o código é semelhante a norma de relacionamentos heterossexuais, ou seja, fidelidade, comprometimento, companheirismo e toda uma série de preceitos formalizados em votos de união sejam eles religiosos ou jurídicos. Sendo assim, é muito difícil compreender as atitudes de Vincent como não sendo traições e o álibi da natureza de Catherine não é suficiente, pois a mesma é produto do "ideal de mulher" para o personagem. Havia intenção de consumar traição pela falta de vontade de se comprometer com Katherine, caso contrário, por quais motivos o mesmo teria pesadelos? A fim de complementar tal suposição o discurso de Trisha se realiza da seguinte forma: "And the finale...Vincent begging his lover to come back to him! I hung on every word, wondering how she would react to his desperate plea. She was at a loss as Vincent poured his heart out to her...But in the end, she answered him with a smile. Haha...If you ask me, I'd say she's a bit too forgiving. But this is the answer Vincent discovered after forging through his nightmarish ordeal. Katherine mus have felt the strength of his conviction, and she knew that this was his 'true answer'. Maybe it depends on how much of Vincent's feelings that she can sense. You think that could be what determines the future for those two. huh? (...) I sure do hope their second chance works out. They'll be all right...won't they? So are you worried about them? "Cause I know I am! Well...Let's peer a bit into their future together, shall we?" A menção "I'd say she's a bit too forgiving"99 marca a ambiguidade do conceito de traição, pois Katherine se dispõem a reconsiderar o que aconteceu e sentiu para dar uma outra chance a Vincent. E é uma decisão audaciosa, pois não há como prever o comportamento do mesmo após fazer tantas declarações valorizando a parceira em sua vida. A parte da discussão, a cerimônia ocorre meses depois no Stray Sheep (Imagem 103) com a presença dos amigos. A felicidade do casal contagia os mesmos de tal forma que Jonathan diz querer encontrar sua "alma gêmea"; Tobias demonstra inveja dos amigos, pois perdeu a virgindade sem saber com uma transsexual, e se sente enganado (Imagem 104); e Orlando volta com a ex- mulher.

                                                                                                                99

"Eu diria que ela é bastante indulgente" [Trad.Livre]

 

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Imagem 103: Casamento de Vincent e Katherine

Imagem 104: Erica consolando Tobias 4.1.2 Majoritariamente Ordem Correspondem aos finais intermediários para o estágio de Ordem. 4.1.2.1 Majoritariamente Ordem com Katherine  

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Semelhante ao cenário de máxima ordem um encontro é armado para Katherine com Vincent a fim de esclarecer o passado. Mas não há casamento em si, apenas preparativos. Como parte do processo, Katherine passa a noite com Vincent (Imagem 105) e a mesma pede sua ajuda nas compras, e quando sai para comprar algo para comerem um foco é feito na janela do apartamento do personagem, ao lado da cama e vemos uma formiga subindo pela parede. (Imagem 106) O detalhe da inserção do inseto está no aparecimento do mesmo em outros momentos do jogo, assim como em outros títulos de origem orientais.

Imagem 105: Katherine acordando com Vincent

Imagem 106: Destaque da formiga escalando a parede.  

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No jogo, é dito que as formigas são sinais das bruxas, pois a causa das mortes misteriosas de homens jovens é atribuída a bruxaria realizada por mulheres. Em uma das cutscenes, Katherine aparece no apartamento de Vincent para deixar uma embalagem com bolo. Ele recebe e tenta se desvencilhar da mesma, pois Catherine está no apartamento. No dia seguinte, o alimento estava infestado de formigas que sobem pela cama e fazem Catherine se debater para se livrar dos mesmos. Ou seja, de modo indireto somos induzidos a pensar que Katherine é /ou pediu para uma bruxa interferir com magia no relacionamento dos dois, para que a situação fosse definida. E que os insetos eram uma prova mágica. Dentro da produção oriental - a Atlus é uma desenvolvedora japonesa - as formigas também apareceram no filme Oldboy (2003) do cineasta sul coreano Chan-Wook Park100. O filme faz parte da Trilogia da Vingança e o personagem principal Dae su Oh (Min-sik Choi) após ficar anos em reclusão passa a ver formigas. Em diálogo com a personagem Mi-do (Hyejeong Kan) às formigas é atribuída a simbologia de companheiras de pessoas solitárias, e apesar da mesma não se considerar uma temos uma passagem onde ela está sozinha chorando em uma composição do metrô e de repente começa a ver uma formiga com as mesmas dimensões de uma pessoa, sentada em um banco afastado do lado oposto (Imagem 107). Para a psiquiatria, insetos são parte da psicose Deliruim Tremens, responsável entre outras manifestações por alucinações sonoras e tremores.101

Imagem 107: Formiga em detalhe na cena de Oldboy (2003)

                                                                                                                100 101

(acesso em maio de 2014) (acesso em maio de 2014)

 

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Pelo desfecho deste final é possível supor que Vincent decide dar mais um passo no relacionamento com Katherine por pressões externas, pois a seu comportamento transparece ser de alguém que não estava completamente consciente das responsabilidades de suas decisões. (Imagem 108) E o relacionamento entre os dois é retratado desde o princípio como uma desigualdade de interesses e o domínio de Katherine sob o quê aquela relação deveria vir a ser, de que modo ambos deveriam se envolver, entre outras normas sociais. Sendo assim, nesse final persiste a incerteza de Vincent levado pela dominação de Katherine.

Imagem 108: Expressão de Vincent 4.1.2.2 Majoritariamente Ordem com Catherine O final do estado de Ordem com Catherine indica que o mesmo não termina com Katherine. E tão pouco terminará com a succubus, pois a mesma argumenta problemas em compatibilidade do corpo dos dois. Ela é filha de um grande demônio - Nergal - e não se rebaixaria em um relacionamento com um humano. As tentativas de persuasão de Vincent após o arranjo do encontro com Catherine por Boss não produz o efeito esperado. Após a saída dela fica desolado e seus amigos aparecem na mesa para confortá-lo. E novamente a realidade de Catherine é questionada. Para provar sua lucidez, Vincent sai correndo do bar pela rua e é ferido por um carro. A finalização de Trisha é : "So Vincent finally won his freedom, but then he confessed his love for the succubus! Not only that, but "Marry me", he said! Talk about being wild. But  

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was married life with his newfound lover really tha answer to Vincent's troubles? You know, maybe this is actually a "goog ending" for him. After all, now he has the freedm he was so desperately clinging to... Isn't that one way to lool at it? Haha...But maybe he was a bit too aggressive? He was reckless at the end, but his newfound toughness really shone through." 4.2 Neutralidade O estágio de Neutralidade ou Liberdade oferecido pelo jogo é uma maneira interessante de sugerir que a realização da Jornada do Herói não se restringe a compartilhar a vida com uma mulher, seja no mundo real ou submundo. O amadurecimento diz respeito a individualidade e consciência de suas escolhas, pois em diversos momentos Vincent acredita estar agindo a partir dos preceitos de outros, não estando em contato com a própria realidade. 4.2.1 Liberdade Verdadeira Neste desfecho Vincent reencontra Boss no bar e volta atrás em um de seus perdidos: encontrar com uma das mulheres. Essa decisão para ele é resultado da conformação com as escolhas feitas e suas consequências, não valendo a pena recuperar o passado, porque eles incluem modificações no seu estilo de vida, decisão esta que ele não está disposto a arcar. Ele questiona a existência da máquina com o Arcade de Rapunzel no local e Boss explica que aquele é um treino para os pesadelos em seu nível superficial. Além de poder sugerir as motivações por trás dos pesadelos. Este diálogo é apresentado exclusivamente neste desfecho. Em seguida pede a Boss um empréstimo no valor de U$ 15 mil, pois ele quer se inscrever em um programa de turismo espacial. Ele possui um pôster na parede em frente a sua cama no apartamento referente a este programa. (Imagem 109) No entanto, Boss diz ser um valor muito além do que poderia oferecer e para multiplicar a quantia recebida Vincent propõem apostar na jogadora "Feather" da Liga de Luta Livre Feminina.

 

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Imagem 109: Pôster de Turismo Espacial no apartamento de Vincent Entre uma cutscene e a outra Trisha aparece e seu discurso para esta alternativa é : "The ending...It turner out surprising with Vincent not getting back with anyone After overcoming such a grand trial, he said that he felt burned out. He's finally free, so there's no need for him to decide his lifestyle now...The answer Vincent found for himself during the experience in this nightmares...If this is the "true answer" he has for his future...Then I want to see what happens now that he believes in himself. After all..Nobody has their future already laid out for them. What happened with the money he took from Boss? Then, let's take a look into the near future!" Na continuação Jonathan conta aos amigos que convidou Katherine para sair já que ela está solteira. O receio com a reação de Vincent não é apenas por ter sido namorada do amigo, mas como este acontecimento poderia impactar as relações daquele grupo. Porem a resposta de Vincent desarma o amigo, pois ele está tranquilo com a continuidade da vida de ambos. Há interrupção desta conversa para o jogo de Luta Livre Feminina, pois na mesma a jogadora "Feather" está presente. E para felicidade de Vincent - e por que não do Boss - a lutadora vence e multiplica do valor emprestado. Dias depois vemos Vincent no SpacePort, e o mesmo diz que uma vida ser realização é a receita para a miséria. 4.2.2 Liberdade Regular

 

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Nesta versão acompanhamos o mesmo desfecho da "Liberdade Verdadeira", no entanto Vincent perde o dinheiro emprestado por Boss, pois a "Feather" - lutadora - perde o confronto. Como já havia alertado antes de emprestar a quantia, Vincent permanece egoísta em seus atos, pois pouco se importa em ter perdido o dinheiro, uma vez que o mesmo não é dele. Sua liberdade não reflete o amadurecimento. (Imagem 110)

Imagem 110: Vincent jogando para o alto os cupons da aposta 4.3. Caos Responsáveis pelos desfechos opostos a Ordem estão relacionados a permanência com Catherine. Esta opção é própria de um indivíduo que não se importa com as normas sociais para relacionamentos, pois está disposto a abdicar sua humanidade para viver ao lado de uma succubus. Não que no relacionamento de Ordem não haja prazer sexual, mas neste ele foi o motivador por trás da aproximação de ambos. E a excitação, vivência pelo excesso da sexualidade ao que o jogo propõem faz parte do universo do submundo e perversões. 4.3.1 Máximo Caos

 

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Nos estágios de Caos - real e majoritariamente - a personagem Catherine se reencontra com Vincent, a partir da intervenção de Boss. Antes mesmo dela estar em cena, acompanhamos o diálogo dos dois e novamente Boss adverte : "You should know though that she is not a resident of this reality. She is an ancient being who enters men's dreams to perform evil. I take no responsability for what happens if you pursue her." A prevenção feita por Boss é especialmente pertinente no desfecho onde Catherine dispensa a proposta de casamento de Vincent, pois há incompatibilidade de corporalidade entre ambos requer uma mudança de realidade. No caso ele abre mão da humanidade para estar com ela, não o contrário. Portanto Catherine é capaz de transformar literalmente a vivência dele. A proposta de reencontro no bar a surpreende. No entanto, está confusa quanto a motivação, pois foi desejada e rejeitada por ele em um curto período, indicando um ressentimento da mesma com o relacionamento dos dois. Ele argumenta ter maior convicção do que quer agora, pois estava com medo e pressionado por normas sociais inadequadas a seus valores. A fim de reconstruir sua identidade propõem casamento à Catherine, mesmo que deixe sua realidade humana. Ela alerta a impossibilidade de terem filhos e continuidade de sua função/trabalho como succubus para outros homens. Mesmo sem conseguir visualizar como será o futuro dos dois, ele está disposto a continuar com ela. Porem a insatisfação com a declaração dele a Catherine é expressa por Nergal, rei do submundo e pai super protetor.(Imagens 111 e 112) O envolvimento dos dois implica no enfraquecimento da relação de filiação, da admiração, e referencial de masculinidade, porque Vincent será o homem pelo qual Catherine terá maior zelo. A destituição também ocorrerá na hierarquia de poderes do submundo, sendo o pai rebaixado ao trono de um semideus desejável por um harém de succubus. (Imagem 113)

 

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Imagem 111: Nergal contestando o relacionamento de Catherine e Vincent

Imagem 112: Perda do poder de Nergal

 

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Imagem 113: Uma das succubus do harém Antes de sermos apresentados ao submundo, Trisha diz: "And the finale...With Vincent begging not his ex-girlfriend, but the succubus to come back to him! Not only that, but asking her to marry him! Talk about being wild. She was shocked, but it looked like she was pretty pleased by it. I gotta say, he said some interesting things while confessing his love. That in order to live a normal life, you need self-sacrifice and patience. And, if he's going to stick out, he might as well live freely. Vincent found an answer for himself during the nightmares... And maybe Catherine accepted it because it reached her heart as his "true answer". Her reaction might depend on how well she can sense Vincent's feelings. I think that their future might just depend on it. He said that he's willing to quit being human...Is that...okay? (...) Are you players who led him this far a bit worried about them?" Os dias seguintes ao encontro no bar apresentam Catherine acordando na cama de Vincent, mas ele percebe a presença de Boss ao lado deles e não consegue entender como e por que precisa estar lá. Segundo Boss, sua função ali é "observar" o mundo como parte de seu trabalho. Numa tentativa de desviar a revolta de Vincent, Catherine pede para que ignore a presença de Boss, além de sugerir a possibilidade de intensificação do prazer sexual com a presença de alguém observando. (Imagem 114)

 

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Imagem 114 : Vincent surpreso com a presença de Boss na cama 4.3.2 Majoritariamente Caos Correspondem aos finais intermediários para o estágio de Caos. 4.3.2.1 Majoritariamente Caos com Katherine O desfecho negativo para Vincent do encontro com Katherine está na dimensão do Caos. Vemos a cutscene do encontro dos dois no bar e acompanhamos os diálogos, porem apesar de entender a explicação, Katherine mantém sua posição e vai embora. Os amigos aparecem após a saída dela do bar e tentam consolar o amigo, mas o mesmo está tão cansado dos dias anteriores que adormece ali mesmo na mesa do bar, fato que leva os amigos a surpresa. (Imagem 115)

 

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Imagem 115: Vincent dormindo na mesa do bar Apesar de não haver nenhuma projeção de futuro, pois ele é deixado por Katherine, Trisha conclui este desfecho com o seguinte discurso: "Vincent finally gained his freedom, but it looks like he and Katherine have no future together. But was married life with his estranged lover really the answer to Vincent's troubles? You know, maybe this is actually a "good ending" for him. After all, now he has the freedom he was so desperately clinging to...Isn't that one way to look at it? Haha...Although, I do feel sorry for him right about now. Throw back into single life. Good thing his friends were there to cushion the fall, huh? For those who aren't satisfied...You can't always try again This is after all, the Golden Playhouse. And I'll be your host for as long as you like." 4.3.2.2 Majoritariamente Caos com Catherine O final intermediário com Catherine segue os mesmos acontecimentos do Máximo Caos, porem não vemos a projeção temporal que levaria aos acontecimentos no submundo. Assim como no final intermediário para Liberdade não há distinções como ocorrem nos finais da Ordem, onde todos possuem términos diferentes. (Imagem 116)

 

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Imagem 116: Catherine acorrentando Vincent

 

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Conclusão Como apresentado desde o primeiro capítulo há demandas por melhores representações de identidades de gênero e sexualidades, especialmente ao feminino, uma vez que este é frequentemente associado ao prazer sexual heterossexual masculino pela dimensão visual. Para que melhores representações se façam presentes são necessárias modificações mais profundas e amplas do que a mera estética visual. Como apontado as indústrias relacionadas a tecnologia são construídas sob a masculinidade, sendo "gender technology" e como consequência repercutem no cotidiano e práticas em cada unidade empresarial independente de seu porte - como "gender blind", pois predominam mulheres com comportamentos andrógenos a fim de não serem discriminadas ou desvalorizadas. A existência de empresas femininas com a missão de atender apenas o nicho do mercado de seu gênero por presumirem compreender melhor seus gostos é um equívoco. O pouco interesse autodeclarado das mulheres em fazerem parte dessa indústria vêm de práticas como essas. E elas não atingem apenas a produção, mas o consumo. Até pouquíssimo tempo eram escassas as identidades femininas que se declaravam como jogadoras. Ainda que hoje seja possível revelar interesse pela mídia de jogos, as reações de reprovação são agressivas, do contrário qual seria a justificativa ao assédio realizado a crítica de mídia Anita Sarkesian? Não apenas mulheres, por se identificarem em gênero e experiências, mas homens são capazes de reconhecer e repudiar comportamentos como esse. Modificar um discurso intrínseco heteronormativo na indústria de jogos não é uma ação pontual, mas parte de uma disputa constante e heterogênea que faz parte de outros setores do entretenimento. Porem é as movimentações e mobilizações através das redes digitais é positiva para empoderar homens e mulheres que desejam ser consumidores, desde de que tais produtos não menospreze seu valor. Ao escolher o jogo "Catherine" (Atlus, 2011) a intensão era a partir da narrativa avaliar como as identidades femininas, ainda que não agenciáveis, estavam representadas em relação a Jornada do Herói? Se essas atualizavam a linguagem erótica apropriada de outras mídias e modificada para jogos eletrônicos? Caso essas existissem se elas se justificavam ou seriam avatares masturbatórios? Se há possibilidade do erotismo ser uma qualidade do feminino independente do olhar do outro? E como tais identidade se relacionam a heteronormatividade?

 

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A partir do que foi apresentado até então, as identidades femininas em "Catherine" (Atlus, 2011) estão associadas em maior ou menos grau com a Jornada do Herói. As duas mulheres com as quais Vincent se relaciona claramente tencionam a narrativa e seu amadurecimento. Porem as demais personagens estão parcialmente relacionadas, sendo três delas - Lindsay e Martha e Trisha - totalmente opcionais. Duas personagens - Catherine e Trisha - podem ser consideradas identidades trabalhadas a partir do erotismo, pois ambas possuem vínculo de natureza sensual/sexual. Katherine é a representação de uma mulher andrógena. Erica, Lindsay e Martha são mulheres destituídas de sensualidade. A primeira por ser uma transgênero e as demais por serem coroas. Desse modo tanto a presença quanto a ausência se justificam narrativamente e não correspondem fielmente ao excesso de erotismo - ou sexismo - comum a indústria. Quando o erotismo foi empregado ele era vinculado ao empoderamento das personagens, por exemplo: Trisha é uma divindade associada a sexualidade; e Catherine é uma idealização feminina que se pornifica e deixa ser vista como parte da relação dela com Vincent. A relação com a heteronormatividade está presente em toda construção narrativa. Entre as marcas do amadurecimento do homem está sua capacidade em manter se dentro da norma de gênero e sexualidade. Para tanto temos um relacionamento na "zona de conforto" desestabilizado pela idealização de feminilidade sob a forma de uma succubus. A traição ocorre, mas será possível contornar o erro com a mulher correspondente a ordem? Ou o caos exprime o desejo do personagem? Como nem todas as ações ocorrem entre opostos bem definidos ainda há possibilidade de permanecer só e, porem mais consciente a fim de não cometer os mesmos erros. As identidades envelhecidas estão como observadoras da juventude fértil e esperasse que tenham agido dentro da norma. Já a transexualidade é apresentada como perversão, desvio e enganação para ambos os gêneros, e portanto pesadelos serão parte de sua vivência diária. As divindades antigas são interessantes quando estimulam a virilidade, mas a partir do momento que se apresentam como lideranças matriarcais tornam se perigosas e portanto é melhor mantê-las bloqueada

 

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