Espaços Arquitectónicos em Narrativas Interactivas e Virtuais

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ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS:   Seu  papel,  condicionamentos  e  representação         Filipa  Ribeiro  Carrott   (Mestrado  Integrado  em  Arquitectura)     Dissertação  para  a  obtenção  do  Grau  de  Mestre  em  Arquitectura   Orientador  Científico:  Professor  Doutor  Carlos  Manuel  de  Almeida  Figueiredo      

Júri  

 

Presidente:  

Professora  Doutora  Isabel  Maria  Augusto  Sousa  Rosa  

Vogal:  

Professor  Doutor  Michel  Toussaint  Alves  Pereira  

        Lisboa,  Novembro  2015  

   

 

     

RESUMO A   Arquitectura   é   reflexo   do   Homem   e   da   Sociedade,   na   medida   em   que   materializa   diferentes   formas   como   o   Homem   individual   e   colectivo   vê   o   mundo,   dos   seus   condicionamentos   cognitivos,   éticos   e   sociais,   das   suas   expectativas,   do   viver   em   sociedade   e   do   espaço   existencial   e   expressivo   que  cria  à  sua  imagem.   Se   observarmos   a   arquitectura   que   surge   como   cenários   dos   videojogos,   percebemos   que   ela   é   mais  do  que  um  simples  “background”  para  a  acção.  Ela  vai  evocar  emoção,  conferir  personalidade  a   um  ambiente  e  condicionar  a  experiência  do  jogador  ao  longo  do  jogo.   Os   cenários   e   ambiências   dos   videojogos   são   um   dos   seus   aspectos   mais   importantes,   pois   as   experiências  de  vida  na  primeira  pessoa  (nós  somos  o  jogador),  constituem  vivências  de  realidades   para  o  jogador,  que  por  um  tempo  se  situa  num  mundo  virtual  que  adopta  para  habitar.       Palavras-­‐chave:  videojogos,  narrativas  visuais,  narrativas  interactivas,  espaço  existencial      

 

   

I  

 

 

 

II    

 

     

ABSTRACT The  architecture  is  the  reflection  of  Man  and  Society,  to  the  extent  that  embodies  different  ways   how  individual  and  collective  Man  sees  the  world,  his  cognitive,  ethical  and  social  conditionings,  his   expectations   of   living   in   society   and   of   existential   and   expressive   space   that   he   creates   his   own   image.   If  we  observe  architecture  that  emerges  as  scenery  of  videogames,  we  realize  that  it  is  more  than   just   a   "background"   for   action.   It   will   evoke   emotion,   confer   personality   to   an   environment   and   condition  the  player  experience  throughout  the  game.   The   scenery   and   environments   in   videogames   are   one   of   its   most   important   features,   since   life   experiences  in  the  first  person  by  the  player  constitute  experiences  of  reality.  For  a  while  he  is  in  a   virtual  world  that  he  adopts  to  inhabit.       Keywords:  videogames,  visual  narratives,  interactive  storytelling,  existential  space      

 

   

III  

 

 

 

IV    

 

     

ÍNDICE  

RESUM O   ..........................................................................................................   I   ABSTRACT  ......................................................................................................   III   ÍNDICE  . ............................................................................................................  V   ÍNDICE  DE  FIGURAS  . ........................................................................................  V II   INTRODUÇÃO  . ...................................................................................................  1   1  |  PERCEPÇÃO  VISUAL  EM  NARRATIVAS  CINEM ÁTICAS  . .......................................  3   1.1  PERCEPÇÃO  VISUAL  ...........................................................................................................................  3   1.1.1  Percepção  e  Sensação  ...........................................................................................................  3   1.1.2  Contexto  ................................................................................................................................  4   1.1.3.  Constâncias  Perceptuais  e  Contrastes  .................................................................................  5   1.1.4.  Processo  de  Simplificação  (Prägnanz)  .................................................................................  7   1.1.5.  Processo  de  Organização  .....................................................................................................  9   1.1.6.  Experiência  e  Memória  .....................................................................................................  11   1.2.  A  ATENÇÃO  PERCEPTIVA  ................................................................................................................  12   1.2.1.  Selectividade  da  Visão  .......................................................................................................  12   1.2.2.  Ritmos  e  Padrões  ...............................................................................................................  13   1.2.3.  Monotonia  e  Variedade  ....................................................................................................  14   2  |  NARRATIVAS  E  ACÇÃO  CINEM ÁTICAS  ...........................................................  1 7   2.1.  FICÇÃO  CINEMÁTICA  E  ACÇÃO  DRAMÁTICA  .......................................................................................  17   2.1.1.  Acção  Dramática  ...............................................................................................................  17   2.1.2.  Acção  dramática  nos  Videojogos  ......................................................................................  24   2.2.  GAME  DESIGN,  STORYTELLING  E  INTERACÇÃO  ...................................................................................  30   2.2.1.  Introdução  ao  Gameplay  ...................................................................................................  30   2.2.2.  Mecânicas  de  Jogo  ............................................................................................................  31   2.2.3.  Controlo  Indirecto  do  Comportamento  do  Jogador  ........................................................  36   2.2.4.  Interfaces  e  Interacção  .....................................................................................................  39   2.2.5.  Fluir  do  Storytelling  e  acção  no  jogador  ...........................................................................  40   2.3.  CÂMARA  E  COMPOSIÇÃO  ...............................................................................................................  43   2.3.1.  A  Câmara  e  o  Espectador  ..................................................................................................  43   2.3.2.  Composição  Estática  de  um  plano  ....................................................................................  57   2.4.  REALIZAÇÃO,  CONTINUIDADE  E  COERÊNCIA  DA  NARRATIVA  .................................................................  78   2.4.1.  As  transições  entre  Planos  ................................................................................................  79   2.4.2.  Montagem  como  construção  de  significados  ...................................................................  85   2.4.3.  Continuidade  e  coerência  da  acção  e  do  espaço  .............................................................  98   2.4.4.  Realização  e  Montagem  em  Videojogos  .........................................................................  102   2.5.  COR  E  ILUMINAÇÃO  .....................................................................................................................  114   2.5.1.  As  características  da  luz  ..................................................................................................  116   2.5.2.  Tridimensionalidade  e  Profundidade  ..............................................................................  120      

V  

 

2.5.3.  O  Contributo  Dramático  ..................................................................................................  122   2.5.4.  Na  animação  3D  ..............................................................................................................  126   3  |  ARQUITECTURA  E  ESPAÇO  FICCIONAL  EM  VIDEOJOGOS  . ..............................  1 29   3.1.  O  DESIGN  DE  PRODUÇÃO  NO  DESENHO  DE  ESPAÇOS  FICCIONAIS  EM  VIDEOJOGOS  ................................  129   3.2.  TRATAMENTO  DO  ESPAÇO  FICCIONAL  EM  VIDEOJOGOS  ......................................................................  130   3.2.1.  Uma  Delimitação  Finita  em  Espaços  Ficcionais  Infinitos  ................................................  130   3.2.2.  Passagem  e  ligação  entre  as  áreas  .................................................................................  134   3.2.3.  Elementos  ........................................................................................................................  138   3.3.  CARACTERIZAÇÃO  DOS  AMBIENTES  ................................................................................................  143   3.4.  CONSTRUÇÃO  DE  AMBIÊNCIAS  VISUAIS  E  FICCIONAIS  ........................................................................  149   3.4.1.  Desenhar  do  Espaço  Físico  ..............................................................................................  150   3.4.2.  Fontes  de  Inspiração  e  Referências  ................................................................................  151   3.5.  AUTENTICIDADE,  COERÊNCIA  E  CREDIBILIDADE  ................................................................................  154   3.6.  O  ESPAÇO  FICCIONAL  E  A  SUA  DIMENSÃO  EXISTENCIAL  E  EXPERIENCIAL  ..............................................  156   CONCLUSÃO  .................................................................................................  1 59   BIBLIOGRAFIA  . ..............................................................................................  1 61        

 

VI    

 

   

ÍNDICE DE FIGURAS Figura   1   –   Screenshots   de   diferentes   ambiências,   não   relacionadas   com   as   mecânicas   de   jogo,   em   diversos  níveis  nos  jogos  Cut  The  Rope  (2010-­‐2014).  .............................................................................  26   Figura  2  –   Screenshots  de  diferentes  ambiências  em   Crossy  Road  (2014)  que  constroem  diferentes   storylines  ao  alterar  cenários  e  personagens,  apesar  da  mecânica  de  jogo  se  manter  a  mesma.  .........  26   Figura   3   –   Screenshots   do   videojogo   The   Witcher   3   (2015)   ilustrando   o   protagonista-­‐jogador   percorrendo   livremente   o   espaço   virtual   definindo   ele   próprio   o   seu   percurso,   e   como   possui   diferentes  opções  de  resposta  num  diálogo  com  outro  personagem.  ...................................................  28   Figura  4  –  Screenshots  de  Dragon  Age:  Origins  (2009),  Dragon  Age  II  (2011)  e  Dragon  Age  Inquisition   (2014),  mostrando  como  certos  poderes  são  relacionados  em  cadeias,  sendo  que  o  jogador  só  poderá   ter  acesso  a  um  se  tiver  escolhido  adquirir  os  poderes  de  ataque  precedentes.  Este  é  um  caso  em  que   uma  acção  ou  capacidade  está  condicionada  por  regras.  .......................................................................  31   Figura  5  –   Screenshot  de   Dragon  Age  II  (2011),  onde  nas  regras  que  caracterizam  certos  objectos  e   conceitos,   encontram-­‐se   aquelas   que   definem   os   atributos   (custos   de   aquisição,   XP   fornecido,   força   de   ataque,   ...)   para   uma   determinada   arma,   armadura,   entre   outros   dispositivos   possíveis   de   ataque/defesa.  ..........................................................................................................................................  32   Figura   6  –   Screenshot   de   Dragon  Age:  Origins   (2009)   onde,   quando   o   jogador   selecciona   o   ataque   grease,  seguido  de  imediato  de  qualquer  ataque  de  fogo,  a  combinação  desses  dois  ataques  origina   um   efeito/ataque   inesperado   (grease   fire),   sendo   este   apenas   um   exemplo   do   conjunto   de   casos   possíveis.  ...................................................................................................................................................  32   Figura  7  –   Screenshots  de   Dragon  Age:  Origins  (2009)  e   Dragon  age  II  (2011)  mostrando  as  missões   organizadas  por  categorias.  ......................................................................................................................  33   Figura  8  –   Screenshot  de   Dragon  Age  Inquisition  (2014)  ilustrando  um  dos  casos  em  que  quando  o   jogador   derrota   um   inimigo   ganha   XP.   A   quantidade   XP   que   o   personagem   possui   irá   condicionar   o   nível  em  que  este  se  encontra  e  os  poderes  ou  ataques  a  que  conseguirá  ter  acesso.  Naturalmente  a   procura  será  por  conseguir  o  mais  possível.  ............................................................................................  34   Figura  9  –  Screenshot  de  Bioshock  (2007)  do  momento  em  o  jogador  deve  escolher  entre  salvar  uma   Little  Sister  ou  não,  decisão  que  irá  condicionar  eventos  futuros.  .........................................................  36   Figura  10  –  Screenshots  de  Bioshock  Infinite  (2013)  do  momento  em  que  Elizabeth  escapa  da  torre  e   o  jogador  necessita  de  a  seguir.  ...............................................................................................................  38   Figura   11   –   Plano   geral   e   plano   de   conjunto   em   Brave   (2012),   estabelecendo   as   características   e   carácter  do  espaço  e  ambiente  onde  a  acção  se  irá  desenrolar  .............................................................  45     VII    

 

Figura  12–  Plano  aproximado  de  tronco  e  plano  aproximado  de  peito  em  My  Fair  Lady  (1964)  .......  45   Figura  13  –  Grande  plano  e  muito  grande  plano  em  Irmandade  do  Anel  (2001)  ................................  45   Figura   14   –   Plano   picado   em   Amadeus   (1984),   plano   contrapicado   em   Amadeus   (1984)   e   plano   holandês  em  Brave  (2012)  ........................................................................................................................  47   Figura   15–   Screenshots   de   videojogos   com   perspectiva   primeira-­‐pessoa   (Bioshock,   2007),   perspectiva  over-­‐the-­‐shoulder  (Resident  Evil  4,  2005)  e  perspectiva  terceira-­‐pessoa  (Assassin's  Creed   II,  2009).  ....................................................................................................................................................  51   Figura  16  –  Screenshots  de  uma  panorâmica  acelerada  em  Brave  (2012)  ..........................................  52   Figura  17  –  Screenshots  de  panorâmica  lenta  em  Irmandade  do  Anel  (2001)  ....................................  52   Figura  18  –   Screenshots  de  um  movimento  de  câmara  condutor  da  atenção  em  Irmandade  do  Anel   (2001)  ........................................................................................................................................................  53   Figura  19  –  Screenshots  de  um  dolly-­‐in  em  Irmandade  do  Anel  (2001)  ..............................................  53   Figura  20  –  Screenshots  de  um  dolly-­‐out  em  Irmandade  do  Anel  (2001)  ...........................................  54   Figura  21  –  Screenshots  de  uma  aproximação  por  zoom  em  Panda  do  Kung-­‐Fu  (2008)  ....................  54   Figura  22  –  Screenshots  de  um  plano  de  seguimento  em  My  Fair  Lady  (1964)  ..................................  55   Figura  23  –  Screenshots  de  um  movimento  composto  em  Panda  do  Kung-­‐Fu  (2008)  .......................  55   Figura  24  –  Plano  em  My  Fair  Lady  (1964)  com  “ar”  na  direcção  em  que  a  protagonista  interage  com   outra  personagem  e  Plano  em  Panda  do  Kung-­‐Fu  (2008)  onde  os  elementos  mais  pesados  encontram-­‐ se  na  secção  inferior  do  enquadramento.  ...............................................................................................  58   Figura   25   –   Planos   em   Irmandade   do   Anel   (2001)   onde   elementos   do   espaço   cénico   –   vão   e   morfologia  do  terreno  -­‐  em  contraluz  criam  cercaduras.  ........................................................................  59   Figura  26  –  Composição  dos  três  personagens  relevantes  do  plano  segundo  o  princípio  do  triângulo   em   My  Fair  Lady  (1964)  e  Plano  em   Irmandade  do  Anel  (2001)  dispondo  os  personagens  num  círculo   criando  um  sentido  de  unidade  do  grupo.  ...............................................................................................  60   Figura   27   –   Plano   em   Brave   (2012)   em   que   a   protagonista   é   colocada   a   um   terço   do   limite   do   enquadramento  ........................................................................................................................................  60   Figura   28   -­‐   Plano   em   My   Fair   Lady   (1964)   em   que   a   aristocracia   é   distinguida   pelas   cores   monocromáticas.   Plano   em   Brave   (2012)   onde   os   três   clãs   do   enredo   são   separados   e   agrupados   segundo  a  proximidade  das  personagens.  Plano  em   Brave  (2012)  onde  um  personagem  é  destacado   ao  ser  isolado  do  grupo  das  restantes  personagens.  ..............................................................................  62   Figura  29  –  Plano   low-­‐key  em   Amadeus  (1984).  Plano  em   Brave  (2012)  usando  a  perspectiva  aérea   sobre  os  elementos  mais  distantes  de  modo  a  acentuar  a  ilusão  de  profundidade  do  espaço.  Plano  em   VIII    

 

Brave  (2012)  em  que  a  sombras  de  personagens  situados  no  fora-­‐de-­‐campo  induzem  a  continuidade   do  espaço  cénico  para  lá  dos  limites  enquadramento.  ...........................................................................  63   Figura   30   –   Plano   em   Irmandade   do   Anel   onde   a   desproporção   de   entre   tamanho   personagem   e   espaço  cria  a  sensação  de  um  espaço  pequeno  e  apertado.  Plano  em  Panda  do  Kung-­‐Fu  (2008)  onde  a   repetição  de  elementos  verticais  acentua  a  profundidade.  ....................................................................  64   Figura   31   –   Plano   em   Panda   do   Kung-­‐Fu   (2008)   em   que   as   linhas   convergentes   criadas   pela   perspectiva  acentuam  a  profundidade  do  espaço  cénico.  Plano  em   Panda  do  Kung-­‐Fu  (2008)  onde  a   textura  com  a  diminuição  exponencial  dos  seus  detalhes  descreve  o  espaço  em  profundidade.  .........  65   Figura  32  –  Plano  em  Panda  do  Kung-­‐Fu  (2008)  em  que  os  diferentes  tamanhos  dos  personagens  no   enquadramento  indicam  a  sua  distância  em  si  e  em  relação  à  câmara.  Plano  em   Irmandade  do  Anel   (2001)  onde  a  técnica  da  perspectiva  forçada  cria  a  ilusão  de  personagens  de  diferentes  tamanhos  à   mesma  distância  da  câmara  quando  na  verdade  não  o  estão.  ...............................................................  65   Figura  33  –  Plano  em  Amadeus  (1984)  em  que  o  personagem  ao  movimentar-­‐se  pelo  espaço  indica  a   profundidade  do  espaço.  ..........................................................................................................................  66   Figura  34  –  Plano  em   Irmandade  do  Anel  (2001)  onde  a  focagem  dos  personagens  e  a  desfocagem   do   cenário   cria   mais   distanciamento   entre   os   dois,   coloca   os   personagens   em   primeiro   plano   e   acentua  a  profundidade  do  espaço  cénico.  .............................................................................................  67   Figura  35  –  Plano  em   My  Fair  Lady  (1964)  filmando  o  protagonista  em  ângulo  em  relação  a  câmara.   Plano  com  a  câmara  em  angle-­‐plus-­‐angle  em  Panda  do  Kung-­‐Fu  (2008).  ..............................................  68   Figura  36  –  Plano  em  Brave  (2012)  onde  a  câmara  efectua  vários  movimentos  pelo  espaço  –  tracking   shot,  rotações,  dolly-­‐out  –  revelando  a  tridimensionalidade  e  profundidade  do  espaço  cénico.  .........  69   Figura  37  –  Planos  com  equilíbrio  formal  e  equilíbrio  informal  em  Blade  Runner  (1982)  ..................  70   Figura  38  –  Plano  em   My  Fair  Lady  (1964)  marcado  por  um  forte  contraste  entre  a  protagonista  –   tema  do  plano  –  e  o  fundo.  A  personagem  domina  a  composição  e  o  olhar  do  espectador  com  cores   mais  escuras  que  concentram  o  maior  peso  visual  da  composição  deste  enquadramento.  .................  70   Figura   39   –   Plano   em   Irmandade   do   Anel   (2001)   e   Panda   do   Kung-­‐Fu   (2008)   onde   a   cor   vermelha   destaca-­‐se  da  composição  criando  pontos  de  maior  atenção.  ...............................................................  72   Figura   40   –   Plano   em   Irmandade   do   Anel   (2001)   onde   a   personagem   mais   iluminada   sobressai   de   todas  as  outras.  Plano  em  Blade  Runner  (1982)  em  que  as  linhas  convergentes  encaminham  a  atenção   do  espectador  para  o  seu  ponto  de  fuga,  assinalando  os  personagens  que  aí  se  encontram.  ..............  72   Figura  41  –  Planos  em  Irmandade  do  Anel  (2001)  onde  o  tema  do  plano  é  assinalado  e  realçado  ao   ser  posicionado  em  maior  proximidade  da  câmara.  ................................................................................  73   Figura  42  –  Plano  em  Brave  (2012)  onde  um  elemento  (vassoura)  em  movimento  no  plano  de  fundo   transfere  a  atenção  do  espectador  da  protagonista  em  primeiro  plano  para  si.  ...................................  73  

   

IX  

 

Figura  43  –  Planos  em   Brave  (2012)  utilizando  diferentes  técnicas  de  focagem  para  enfatizar  o  tema   do  plano  e  conduzir  o  olhar  do  espectador.  ............................................................................................  74   Figura  44  –  Planos  em  Panda  do  Kung-­‐Fu  (2008)  e  Irmandade  do  Anel  (2001)  ..................................  75   Figura  45  -­‐   Screenshots  de   Assassin's  Creed  II  (2009)  onde  se  observa  como  o  tratamento  das  áreas   mais  próximas  vs  mais  distantes  sugere  a  tridimensionalidade  e  profundidade  do  espaço.  .................  76   Figura   46   -­‐   Screenshot   de   Bioshock   Infinite   (2013)   de   uma   plano   com   uma   acentuada   separação   entre  o  plano  antes  e  atrás.  ......................................................................................................................  76   Figura   47   -­‐   Screenshot   de   Assassin´s   Creed   II   (2009),   mostrando   o   protagonista   centrado   no   enquadramento   e   onde   surge   um   personagem   com   que   o   jogador   deverá   interagir   claramente   identificado  ao  ser  mais  luminoso.  ...........................................................................................................  77   Figura  48  –  Screenshots  de  uma  cena  com  montagem  interna  em  Brave  (2012)  ...............................  80   Figura  49  –  Planos  em  Panda  do  Kung-­‐Fu  (2008)  onde  um  corte  directo  faz  a  transição  de  um  cenário   para  outro  completamente  diferente,  iniciando  uma  nova  cena.  ..........................................................  81   Figura   50   –   Screenshots   de   My   Fair   Lady   (1964)   em   que   a   acção   da   personagem   continua   sem   aparente  interrupção  de  um  plano  para  o  outro.  ....................................................................................  81   Figura  51  –   Screenshots  de   Brave  (2012)  em  que  aproveitam  a  luz  do  relâmpago  para  criar  um   fade   de  branco  que  introduz  um  flashback.  .....................................................................................................  82   Figura  52  –  Planos  de  abertura  e  de  fecho  de  Amadeus  (1984)  efectuados  com  fade-­‐in  e  fade-­‐out  .  82   Figura  53  –   Screenshots  de   My  Fair  Lady  (1964)  em  que  utilizam  um   fade-­‐in  e   fade-­‐out  a  meio  da   narrativa,  mas  neste  caso  a  divisão  funciona  pois  é  uma  transição  para  uma  nova  sequência.  ............  82   Figura  54  –   Screenshots  duma  sequência  inicial  de   Brave  que  utiliza  vários  encadeados  mostrando   diferentes  ambiências  para  estabelecer  o  local  e  atmosfera  da  acção  e  situar  o  espectador.  ..............  83   Figura  55  –  Screenshots  de  um  wipe  em  Star  Wars  IV:  Uma  Nova  Esperança  (1977).  .......................  83   Figura  56  –  Screenshots  de  um  wipe  combinado  com  um  encadeado  em  Panda  do  Kung-­‐Fu  .  .........  83   Figura  57  –   Screenshots  de   Panda  do  Kung-­‐Fu  (2008)  onde  o  abrir  e  fechar  de  portas  em  passagem   para  um  novo  espaço  é  aproveitado  para  realizar  uma  transição  entre  planos  e  cenas.  ......................  84   Figura  58  –  Screenshots  de  Panda  do  Kung-­‐Fu  (2008)  onde  as  colunas,  e  o  passar  da  câmara  por  elas,   são  aproveitadas  para  efectuar  um  corte  para  um  flashback.  ................................................................  84   Figura   59   –   Screenshots   de   Panda   do   Kung-­‐Fu   (2008)   onde   usam   a   silhueta   do   personagem,   e   o   passar  da  câmara  por  ela,  para  efectuar  uma  transição.  ........................................................................  84   Figura   60   –   Screenshots   de   Brave   (2012)   onde   é   realizado   um   corte   ‘invisível’   na   acção.   Este   não   corta  a  continuidade  da  acção  porque  o  segundo  plano  continua  exactamente  onde  cortou  a  acção  no   X    

 

primeiro.  ...................................................................................................................................................  85   Figura   61   –   Screenshots   de   duas   situações   em   Panda   do   Kung-­‐Fu   (2008)   onde   efectuam   um   corte   simples.  No  entanto,  o  espectador  compreende  que  continua  a  mesma  acção  e  cena  devido  a  outras   pistas  –  como  o  manterem-­‐se  as  mesmas  personagens  e  o  mesmo  espaço.  .........................................  85   Figura  62  –  Screenshots  de  reverse  shots  em  Irmandade  do  Anel  (2001)  e  Brave  (2012)  ..................  87   Figura   63   –   Screenshots   de   planos   de   reacção   (face   ao   plano   anterior)   em   Amadeus   (1984)   e   em   Ratatui  (2007)  ...........................................................................................................................................  88   Figura  64  –   Screenshots  do  início  de  Irmandade  do  Anel  (2001)  onde  a  cena  de  Bilbo  é  interrompida   por  um  cut-­‐away  para  uma  série  de  planos  de  vários  Hobbits  –  que  fornece  informação  ao  espectador   da  ambiência  –  mas  depois  retornando  para  Bilbo.  ................................................................................  89   Figura   65   –   Screenshots   de   um   segmento   em   Ratatui   (2007)   onde   a   mudança   entre   ângulos   de   câmara  é  feita  cada  vez  mais  aproximando-­‐se  do  tema  (forma  progressiva).  .......................................  89   Figura   66   –   Screenshots   de   uma   cena   em   Irmandade   do   Anel   (2001)   que   alterna   contrastando   planos  de  conjunto  com  planos  aproximados  dos  intervenientes  (forma  contrastante),  seguidamente   apresentando  uma  série  de  planos  todos  com  o  mesmo  ângulos  de  câmara  (forma  repetitiva).  .........  89   Figura  67–   Screenshots  de   Panda  do  Kung-­‐Fu  (2008)  utilizando  um  padrão   outside-­‐in  que  mostra  o   cenário   exterior,   depois   levando   o   espectador   (e   personagens)   para   o   seu   interior   e   focando-­‐se   em   detalhes  deste.  ..........................................................................................................................................  90   Figura   68   –   Screenshots   de   Ratatui   (2007)   onde   a   composição   dos   planos   cria   uma   sequência   que   revela  gradualmente  mais  informação  do  espaço  ao  entrar  gradualmente  mais  no  seu  interior.  ........  90   Figura  69  –  Screenshots  de  Irmandade  do  Anel  (2001)  ilustrando  um  cut-­‐in.  ....................................  90   Figura  70  –   Screenshots  do  prólogo  de   Irmandade  do  Anel   (2001),  uma  cena  que  mostra  primeiro   um  close-­‐up  do  objecto,  só  depois  recuando  para  mostrar  a  personagem  e  o  cenário.  .......................  90   Figura   71   –   Esquema   da   composição   de   dois   planos   (com   equilíbrio   assimétrico)   consecutivos   em   Irmandade  do  Anel  (2001)  que  pertencem  a  uma  mesma  cena  e  acção.  ..............................................  92   Figura   72   –   Screenshots   de   matching   shots   em   Brave   (2012)   e   Panda   do   Kung-­‐Fu   (2008)   que   estabelecem  uma  ligação  visual  através  da  composição  circular  em  ambos  os  planos  apesar  de  o  seu   conteúdo  narrativo  não  ter  relação.  ........................................................................................................  93   Figura   73   –   Screenshots   de   matching   shots,   em   Brave   (2012),   apesar   de   constituírem   planos   separados   no   tempo   e   no   espaço,   criam   uma   associação   de   conteúdo/significado   ao   mostrarem   acções  ou  personagens,  juntamente  com  composições,  idênticas.  .......................................................  93   Figura  74  –   Screenshots  de   match  dissolve  em   Amadeus  (1984)  que  mostrando  o  mesmo  local,  com   a  mesma  composição,  indica  um  passar  do  tempo.  ................................................................................  94  

   

XI  

 

Figura  75  –   Screenshots  de   matching  shots  em   Panda  do  Kung-­‐Fu  (2008)  para  indicar  o  final  de  um   flashback.  ..................................................................................................................................................  94   Figura  76  –   Screenshots  de  uma  pequena  cena  em   Ratatui  (2007)  que  condensa  a  acção  em  apenas   três  planos  ligados  por  dissolves.  .............................................................................................................  95   Figura  77  –  Screenshots  de  uma  transição  para  um  flashback  em  Ratatui  (2007).  .............................  95   Figura  78  –   Screenshots  de   Irmandade  do  Anel  (2001)  em  que  efectuam  um   dissolve  para  o  mapa,   depois   dirigindo   a   câmara   para   a   localização   da   próxima   cena   situando   assim   o   espectador   no   local   ficcional.  ....................................................................................................................................................  96   Figura  79  –   Screenshots  de   Brave  (2012)  onde  alternam  entre  as  duas  personagens  estabelecendo   uma  ligação,  apesar  de  estarem  em  locais  diferentes.  ............................................................................  97   Figura  80  –   Screenshots  de   Brave  (2012)  onde  alternam  entre  os  dois  grupos  de  personagens  que   perseguem  a  mãe-­‐ursa  para  aumentar  a  tensão  dramática.  ..................................................................  97   Figura  81  –  Screenshots  de  um  flash  cut  em  Panda  do  Kung-­‐Fu  (2008).  .............................................  97   Figura   82   –   Screenshots   de   District   9   (2009)   de   alguns   jump-­‐cuts   que   pretendem   transmitir   sensações  de  nervosismo  e  tensão  do  protagonista.  ..............................................................................  98   Figura  83  –   Screenshots  da  cena  inicial  de   Ratatui  (2007)  onde  é  feito  um   freeze  frame  que  adiciona   uma  qualidade  dinâmica  e  cómica  ao  início  do  filme.  .............................................................................  98   Figura  84  –   Screenshots  de   Panda  do  Kung-­‐Fu  (2008)  onde,  apesar  de  ocorrer  um  corte,  sabemos  a   posição  do  objecto  em  relação  à  personagem  devido  ao  facto  da  personagem  ter  olhado  primeiro  na   sua  direcção,  criando  assim  uma  linha  de  acção.  ....................................................................................  99   Figura   85   –   Screenshot   de   uma   cena   em   Brave   (2012)   onde   as   sombras   antecipam-­‐se   à   acção   e   estabelecem  o  ponto  de  ligação  espacial  (sendo  o  elemento  comum)  entre  os  dois  planos,  permitindo   ao  espectador  não  se  perder  no  espaço  quando  a  câmara  muda  subitamente  de  posição.  .................  99   Figura  86  –   Screenshots  de   Ratatui  (2007)  mostrando  com  um  plano  neutro  permite  estabelecer  a   ligação  entre  duas  cenas,  com  personagens  e  locais  diferentes.  ..........................................................  100   Figura  87  –   Screenshots  de   My  Fair  Lady  (1964)  onde  o  plano  de  reacção  retira  momentaneamente   o   espectador   do   meio   da   acção   principal,   mas   não   interrompe   a   sua   leitura   da   acção   enquanto   contínua,  nem  o  perde  no  espaço  porque  o  personagem  situa-­‐se  no  mesmo  espaço.  .......................  100   Figura  88  –  Planos  em  Brave  (2012)  e  Irmandade  do  Anel  (2001)  ilustrando  linhas  de  olhar.  .........  101   Figura   89   –   Screenshot   de   uma   cena   em   Irmandade   do   Anel   (2001)   em   que   o   eixo   de   acção   corresponde  à  trajectória  efectuada  pela  personagem.  .......................................................................  101   Figura  90  –   Screenshots  de   Amadeus  (1982),  onde  o  personagem  sai  do  plano  pelo  lado  esquerdo  e   entra   pelo   lado   direito   no   plano   seguinte   de   modo   a   manter   uma   direcção   do   movimento   direita-­‐

XII    

 

esquerda  em  ambos  os  planos.  ..............................................................................................................  101   Figura  91  –   Screenshots  de   Prince  of  Persia:  The  Forgotten  Sands  (2010),  dum  momento  em  que  a   câmara  faz  um  corte  para  um  diferente  ângulo  de  câmara  de  modo  a  melhor  mostrar  a  sequências  de   acções  que  o  jogador  deve  fazer.  ...........................................................................................................  105   Figura   92   –   Screenshots   de   uma   sequência   cinematográfica   em   Prince   of   Persia:   The   Forgotten   Sands   (2010)   onde   a   câmara   movimenta-­‐se,   de   modo   automático,   pelo   espaço   virtual   indicando   o   percurso  que  o  jogador  deve  fazer.  .......................................................................................................  105   Figura  93  -­‐  Screenshots  de  uma  cena  cinematográfica  em  Assassin’s  Creed  II  (2009)  .....................  107   Figura   94   –   Screenshots   de   uma   cena   cinematográfica   em   Assassin’s   Creed   II   (2009)   em   que   a   câmara  progride  em  “flyaround”  transportando  o  espectador/jogador  pelo  espaço.  .........................  107   Figura   95   –   Screenshots   de   uma   cena   cinematográfica   em   Assassin’s   Creed   II   (2009)   com   personagens,  enredo,  linhas  de  acção  e  de  continuidade  conforme  uma  narrativa  cinematográfica   108   Figura  96  –  Screenshots  de  Bioshock  Infinite  (2013)  ..........................................................................  109   Figura  97  –  Screenshots  mostrando  a  alteração  do  ponto  de  vista  da  câmara  quando  se  representa  a   mudança  para  a  mira  de  uma  arma  em  Call  of  Duty  4:  Modern  Warfare  (2007).  ................................  110   Figura  98  –  Screenshots  de  Assassin’s  Creed  II  (2009)  .......................................................................  110   Figura  99  –   Screenshots  de  uma  sequência  de   Assassin’s  Creed  II  (2009)  ilustrando  um  momento  da   progressão  do  jogo  onde  se  sucedem  diferentes  tipos  de  movimentos  da  câmara  –  automáticas  e  por   controlo  do  jogador.  ...............................................................................................................................  111   Figura  100  –    Screenshots  de  um  segmento  em  Prince  of  Persia:  The  Forgotten  Sands  (2010)  em  que   a   câmara   se   move   durante   o   gameplay   acompanhando   a   acção   do   jogador:   a   câmara   ascende   acompanhando   o   protagonista   que   sobe   no   espaço,   seguidamente   efectuando   um   rotação   e   translação  para  onde  ele  deve  seguir,  para  depois  se  voltar  a  aproximar  quando  já  não  é  necessário   uma  visão  tão  ampla  do  espaço.  ............................................................................................................  112   Figura  101  –  Screenshots  de  um  movimento  automático  de  aproximação  da  câmara  em  Tomb  Raider   (2013)   quando   a   protagonista/jogador   atravessa   espaços   apertados,   fazendo   o   jogador   sentir   a   claustrofobia  e  dimensões  reduzidas  da  abertura,  afastando-­‐se  de  volta  após  o  jogador  passar.  ......  112   Figura   102   –   Screenshots   de   um   dos   momentos   em   Tomb   Raider   (2013)   em   que   se   dá   uma   aproximação  da  câmara  quando  o  jogador  pretende  utilizar  o  arco  e  flecha.  .....................................  113   Figura  103  –   Screenshots  de  alguns  momentos  onde  a  câmara  adopta  pontos  de  vista  distintos  em   Batman:  Arkham  Asylum  (2009)  .............................................................................................................  113   Figura   104   –   Esquema   ilustrando   o   posicionamento   das   luzes   de   forma   a   criar   o   efeito   final   (Thompson  &  Bowen,  2009b).  ................................................................................................................  116  

  XIII    

 

Figura   105   –   Planos   ilustrando   uma   luz   lateral   sobre   a   protagonista   de   Brave   (2012)   que   ajuda   a   modelar  a  sua  tridimensionalidade;  uma  iluminação  inferior  sobre  o  antagonista  em  Panda  do  Kung-­‐Fu   (2008)   que   acentua   efeitos   de   tensão,   suspense   ou   terror;   e   uma   iluminação   apenas   de   trás   em   Irmandade  do  Anel  (2001),  criando  silhuetas,  transmite  sensações  de  mistério  e  suspense.  .............  117   Figura  106  –  Planos  ilustrando  a  utilização  de  uma  luz  forte  em   Irmandade  do  Anel  (2001)  e  de  uma   luz  difusa  em  My  Fair  Lady  (1964).  .........................................................................................................  117   Figura  107  –  Planos  com  uma  iluminação   low-­‐key  em   Blade  Runner  (1982)  e  uma  iluminação   high-­‐ key  em  Amadeus  (1984).  ........................................................................................................................  118   Figura   108   –   Planos   em   Irmandade  do  Anel   (2001),   onde   a   iluminação   na   imagem   (a)   nitidamente   acentua  mais  as  formas  que  a  imagem  (b)  devido  ao  maior  contraste,  no  entanto,  em  ambas  se  pode   notar  que  a  fonte  de  luz  nunca  se  encontra  totalmente  frontal.  ..........................................................  121   Figura   109  –   Planos   em   Brave   (2012),   Panda   do  Kung-­‐Fu   (2008)   e   Blade   Runner   (1982)   onde   a   luz   cria   efeitos   atmosféricos,   que   contribuem   para   a   representação   da   tridimensionalidade   e   profundidade  do  espaço  cénico.  ............................................................................................................  121   Figura   110   –   Plano   em   panda   do   Kung-­‐Fu   (2008)   que   introduz   na   cena   uma   nova   personagem   através  da  sua  sombra,  que  se  projecta  dentro  do  enquadramento.  ...................................................  122   Figura  111  –  Planos  pertencentes  ao  mesmo  filme  (Sweeney  Todd),  mas  que  no  entanto  possuem   qualidades  completamente  distintas  e  representativas  do  estado  de  espírito  do  protagonista.  ........  123   Figura  112  –  Comparação  das  características  da  iluminação  em   Os  fantasmas  de  Goya  (2007)  e  um   auto-­‐  retrato  de  Francisco  Goya:  o  filme  é  marcado  por  uma  paleta  de  cores  pouco  variada  e  tons  mais   escurecidos  como  as  obras  do  pintor.  ...................................................................................................  124   Figura   113   –   Comparação   das   características   da   iluminação   em   A   Rapariga   do   Brinco   de   Pérola   (2003)   e  Senhora  escrevendo  carta  com  sua  criada  (1670)  de  Johannes  Vermeer:  o  filme  é  marcado   por  uma  iluminação  low-­‐key  e  ambientes  luminosos  tal  como  as  obras  do  pintor.  .............................  124   Figura  114  –  Planos  em   Amadeus  (1984)  com  uma  iluminação   low-­‐key  que  o  torna  mais  pesado  e   dramático,  enquanto  que  as  cenas  em  high-­‐key  tendem  a  ser  alegres  e  joviais.  .................................  125   Figura  115  –  Plano  em  Irmandade  do  Anel  (2001)  onde  a  cena  possui  uma  calma  e  frieza  acentuada   pelos  tons  azuis  predominantes.  Plano  em   Brave  (2012)  onde  os  tons  quentes  não  só  provenientes  da   lareira  mas  predominantes  em  todo  plano  conferem  uma  sensação  calorosa  e  acolhedora  à  cena  e  ao   cenário.  ...................................................................................................................................................  125   Figura   116   –   Plano   de   Irmandade   do   Anel   (2001)   onde   a   luz   cénica   se   relaciona   apenas   com   a   narrativa  surgindo  como  um  foco  que  aponta  para  um  elemento  específico  do  cenário  e  relevante  na   acção   dramática.   Plano   de   Brave   (2012)   onde   a   luz   e   a   sombra   mantêm   um   dos   personagens   escondido  assinalando-­‐o  assim  como  um  antagonista  e  envolvendo-­‐o  em  mistério.  .........................  126   Figura  117  –  Processo  de  desenvolvimento  de   Monstros  Universidade  (2013)  –   storyboard,   concept  

XIV    

 

art,  modelação,   layout,  animação  inicial  (simulação)  até  render  final  com  iluminação  –  divulgado  pelo   site  CG  MeetUp  que  mostra  a  importância  da  iluminação  para  o  filme  ...............................................  127   Figura  118  –  Mapas  de  Dragon  Age:  Origins  (2009)  com  indicação  das  três  formas  de  espaços  não   existentes  mas  que  pertencem  conceptualmente  à  totalidade  ficcional  do  mundo  do  jogo.  .............  131   Figura   119   -­‐   Diversos   mapa   da   área   total   e   sub-­‐áreas   de   Dragon   Age:   Origins   (200)   e   a   relação   espacial  entre  eles.  .................................................................................................................................  132   Figura  120  -­‐   Screenshots  de   Dragon  Age:  Origins  (2009)  mostrando  uma  vista  na  progressão  do  jogo   de  um  espaço  interior  e  uma  vista  aérea  do  modelo  tridimensional  desse  espaço  em  que  se  observa   como  estas  sub-­‐áreas  são  “construídas”  em  unidades  segregadas.  .....................................................  132   Figura  121  -­‐  Mapa  da  área  geral  (Itália)  de   Assassin's  Creed  II  e  mapa  de  uma  das  áreas  principais   percorríveis  pelo  jogador  (Veneza).  .......................................................................................................  133   Figura  122  -­‐   Screenshots  de   Assassin's  Creed  II  (2009)  dum  segmento    duma  cena  cinematográfica   seguido  dum  transição  para  um  novo  locaç,  a  câmara  fluindo  depois  para  o  “modo  jogador”.  .........  135   Figura   123   -­‐   Screenshots   de   Bioshock   Infinite   (2013)   de   algumas   lojas   que   apresentam   placas   informando  que  estão  fechadas  como  justificação  visual  para  a  impossibilidade  de  o  jogador  aceder  ao   seu  interior.  .............................................................................................................................................  136   Figura  124  -­‐  Screenshots  de  Dragon  Age:  Origins  (2009),  Bioshock  Infinite  (2013)  e  Assassin's  Creed  II   (2009),  assinalados  os  ambientes  distantes  que  são  apenas  visíveis  mas  não  acessíveis.  ...................  137   Figura   125   -­‐   Mapa   de   Templar's   Nightmare   em   Dragon   Age:Origins   (2009)   com   indicação   das   ligações  e  direcção  entre  os  diferentes  tipos  de  dispositivos  de  passagem.  ........................................  138   Figura  126  –  Screenshots  de  diferentes  tipos  de  limites  do  espaço  em  Dragon  Age:  Origins  (2009)  140   Figura  127  -­‐   Screenshots  de   Assassin's  Creed  II  (2009)  mostrando  como  é  indicado  visualmente  ao   jogador  a  chegada  a  um  limite  do  espaço  ficcional  do  videojogo.  ........................................................  140   Figura  128  -­‐  Screenshots  de  Bioshock  Infinite  (2013)  dos  limites  de  algumas  áreas  no  videojogo.  .  141   Figura   129   -­‐   Screenshots   de   Dragon   Age:   Origins   (2009)   mostrando   obstáculos   dramáticos   e   obstáculos  físicos  à  progressão  do  jogador.  ..........................................................................................  142   Figura  130  -­‐   Screenshots  de   Bioshock  Infinite  (2013)  mostrando  obstáculos  dramáticos,  fronteiras,  e   obstáculo  físico  à  progressão  do  jogador.  ..............................................................................................  142   Figura  131  -­‐   Screenshots  de   Assassin's  Creed  II  (2009)  mostrando  dois  tipos  de  obstáculos  físicos  e   obstáculos  dramáticos  à  progressão  do  jogador.  ..................................................................................  142   Figura  132  -­‐   Screenshots  de   Assassin's  Creed  II  (2009)  de  algumas  situações  em  que  a  configuração   do  espaço  obriga  o  jogador  a  progredir  por  formas  alternativas.  .........................................................  143   Figura  133  -­‐  Screenshots  de  Bioshock  Infinite  (2013)  mostrando  como  as  moedas  são  exageradas  em     XV    

 

tamanho  de  modo  a  serem  mais  visíveis  pelo  jogador.  .........................................................................  144   Figura   134   -­‐   Screenshots   de   Dragon   Age:   Origins   (2009)   de   alguns   locais   cujo   interior   possui   uma   escala  monumental.  ...............................................................................................................................  145   Figura  135  -­‐   Screenshots  de   Bioshock  Infinite  (2013)  de  alguns  locais  cujo  interior  possui  uma  escala   monumental.  ..........................................................................................................................................  145   Figura   136   -­‐   Screenshots   do   interior   do   templo   de   Haven   e   do   interior   das   ruínas   de   Brecilina   em   Dragon  Age:  Origins  (2009)  ....................................................................................................................  146   Figura   137   -­‐   Screenshots   da   entrada   em   Columbia   em   Bioshock   Infinite   (2013),   onde   se   pode   verificar  uma  ambiência  agradável  com  a  iluminação  high-­‐key  e  cores  vibrantes.  ..............................  146   Figura   138   -­‐   Screenshots   de   algumas   ambiências   em   Bioshock   Infinite   (2013),   marcadas   por   uma   iluminação  low-­‐key  e/ou  cores  frias  ou  vermelhas  criando  ambiências  obscuras  e/ou  de  conflito.  ...  147   Figura   139   -­‐   Screenshots   de   Bioshock   Infinite   (2013)   mostrando   alguns   elementos   e   personagens   que  possuem  um  forte  simbolismo  com  elementos  da  cultura  americana.  .........................................  147   Figura   140   -­‐   Screenshots   de   algumas   de   ambiências   em   Bioshock   Infinite   (2013)   onde,   através   da   iluminação,   cor,   texturas,   arquitectura   e   escala,   o   espaço   ganha   efeitos   dramáticos   e   emocionais   muitos  distintos.  .....................................................................................................................................  148   Figura  141  -­‐   Screenshots  de   Dragon  Age:  Origins  (2009)  onde  aspectos  como  a  escala,  Iluminação  e   perspectiva  atmosférica  reforçam  a  sensação  mística  e  imponente  destes  espaços.  .........................  148   Figura   142   -­‐   Screenshots   de   Assassin’s   Creed   II   (2009)   onde   a   Arquitectura,   vestuário   das   personagens,  objectos,  entre  outros,  tudo  remete  para  o  período  renascentista  sendo  esse  o  contexto   cultural  do  videojogo.  .............................................................................................................................  149   Figura  143  -­‐  Concept  art  e  modelo  no  jogo  da  cidade  de  Denerim  em  Dragon  Age:  Origins  (2009).  150   Figura   144   -­‐   Heráldica   de   Denerim   e   algumas   situações   nessa   cidade   onde   o   mesmo   símbolo   aparece,  em  Dragon  Age:  Origins  (2009).  ..............................................................................................  150   Figura  145  -­‐  Diversos  exemplos  de   Concept  Art  de   Assassin’s  Creed  II  (2009)  e  respectivos  modelos   no  jogo.  ...................................................................................................................................................  151   Figura   147   -­‐   Catedral   de   Santa   Maria   del   Fiori   e   respectivo   modelo   virtual   em   Assassin’s   Creed   II   (2009)  ......................................................................................................................................................  152   Figura   148   -­‐   Exposição   Universal   (Feira   Mundial   de   Chicago)   de   1893   e   screenshot   da   entrada   de   Columbia  em  Bioshock  Infinite  (2013).  ..................................................................................................  152   Figura  149  -­‐  Propaganda  americana  durante  a  2ª  guerra  mundial  e  propaganda  em   Bioshock  Infinite   (2013).  .....................................................................................................................................................  153   Figura   150   -­‐   Screenshots   de   Dragon   Age:   Origins   (2009)   de   alguns   casos   em   que   elementos   XVI    

 

arquitectónicos  são  utilizados  apenas  de  forma  decorativa  e  com  um  papel  dramático.  ...................  153   Figura  151  –   Screenshots  de   Assassin’s  Creed  II  (2009),  ilustrando  a  criação  de  credibilidade  através   de  imitação  duma  época  histórica  e  cultural,  neste  caso  é  criado  uma  vivência  única  pelo  plot.  .......  155   Figura  152  –  Screenshots  de  Bioshock  Infinite  (2013),  ilustrando  a  criação  de  credibilidade  através  de   elementos   de   inspirações   de   diferentes   épocas   e   culturas   criando   assim   uma   identidade   própria   e   única.  .......................................................................................................................................................  156              

  XVII    

ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

 

XVIII      

INTRODUÇÃO  

     

INTRODUÇÃO A   Arquitectura   é   reflexo   do   Homem   e   da   Sociedade,   na   medida   em   que   materializa   diferentes   formas   como   o   Homem   individual   e   colectivo   vê   o   mundo,   dos   seus   condicionamentos   cognitivos,   éticos   e   sociais,   das   suas   expectativas,   do   viver   em   sociedade   e   do   espaço   existencial   e   expressivo   que  cria  à  sua  imagem.   “...   a   relação   do   Homem   com   o   espaço   tem   raízes   existenciais:   deriva   de   uma   necessidade   de   adquirir   relações   visuais   com   o   ambiente   que   o   rodeia   para   dar   sentido   e   ordem   a   um   mundo   de   acontecimentos  e  acções,  ou  seja,  para  lhe  dar  sentido.”  (Norberg-­‐Schulz,  1975,  p.  9)   Se   observarmos   a   Arquitectura   que   surge   como   cenários   dos   videojogos,   percebemos   que   ela   é   mais  do  que  um  simples  “background”  para  a  acção.  Ela  vai  evocar  emoção,  conferir  personalidade  a   um  ambiente  e  condicionar  a  experiência  do  jogador  ao  longo  do  jogo.   Os   cenários   e   ambiências   dos   videojogos   são   um   dos   seus   aspectos   mais   importantes,   pois   as   experiências  de  vida  na  primeira  pessoa  (nós  somos  o  jogador),  constituem  vivências  de  realidades   para  o  jogador,  que  por  um  tempo  se  situa  num  mundo  virtual  que  adopta  para  habitar.   Não  só  as  narrativas  são  influenciadas,  determinadas  e  condicionadas  por  esta  sociedade  e  a  sua   forma  de  olhar  o  mundo,  mas  também  aquelas  possuem  influência  sobre  os  valores,  personalidade,   sociabilidade   e   adaptação   (ou   não)   do   espectador/jogador   que   as   visualizam   e/ou   interagem,   situando-­‐os  em  relação  à  sociedade  e  aos  outros.   Estas   narrativas   ficcionais   têm   o   potencial   de   fazer   o   espectador   apreender,   pensar   e   situar   perante  novas  perspectivas,  ideias,  valores  e  conceitos.   Tanto  o  cinema  como  os  videojogos  são  dispositivos  visuais,  imersivos,  narrativos  e  emotivos  com   potencial   para   criar   e   impor   conceitos   e   valores   aos   utilizadores,   quer   ao   nível   consciente   como   subconsciente  –  de  alguns  destes  o  espectador/jogador  apercebe-­‐se,  de  outros  não,  criando  nele  um   efeito   de   alienação,   quando   imerso   nessas   novas   e   diferentes   realidades,   espaços   e   enredos   ficcionais.     A  acção  do  jogador  e  dos  seus  oponentes  sobre  este,  a  fruição  do  espaço,  enredo  e  emoções  (no  

   

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ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

  sentido   de   usar   e   de   sentir)   e   a   apropriação   (no   sentido   de   configurar   a   mim)   desenvolvidas   nos   videojogos  são  o  suporte  para  estas  situações  experienciais.  Estas  vivências  baseiam-­‐se  numa  relação   entre   o   mundo   (gameworld),   os   protagonistas   (personagens)   e   a   acção,   estando   assentes   num   enredo  (plot),  ou  seja,  numa  ficção  e  estrutura  dramática,  que  constituem  o  motor  da  acção.   Enquanto  sujeitos,  não  podemos  conceber  a  existência  de  uma  “acção”  se  não  existir  um  espaço   onde  esta  decorra.   As  narrativas  visuais  têm  sempre  este  efeito  sobre  o  observador  –  sejam  estas  cinematográficas   (portanto   com   enredos,   composições   e   montagens   pré-­‐determinados   e   em   que   o   espectador   é   totalmente   conduzido),   ou   interactivas   (com   livre   arbítrio   do   jogador,   agindo   sobre   o   mundo   ficcional).     Ambas   contribuem   sempre   para   informar   e   formar   o   individuo.   Este   processo   poderá   resultar   positivo   ou   negativo   para   uma   boa   formação   do   individuo   e   a   sua   integração   a   sociedade.   Em   qualquer   dos   casos,   as   Narrativas   Visuais   Cinemáticas   nunca   possuem   um   papel   ou   influência   neutro   sobre  aqueles  que  a  elas  assistem  e  participam.   Tudo  acontece  e  existe  no  espaço.  Enquanto  sujeitos,  não  podemos  conceber  a  existência  de  uma   “acção”  sem  haver  um  espaço  onde  a  mesma  decorra.  Assim  a  Arquitectura  desempenha  desde  logo   um  papel  central,  determinante  em  todos  os  aspectos  da  narrativa  e  da  representação.   Para  melhor  estudarmos  e  compreendermos  o  papel  que  a  Arquitectura  assume  neste  contexto,   torna-­‐se  necessário  o  seu  estudo  e  análise  em  diversas  áreas,  como  sejam  a  percepção  e  cognição,  os   arquétipos,  memórias  e  imaginário  colectivo,  a  comunicação  e  representação  visual,  o  espaço  e  sua   simulação,   a   arquitectura   e   seus   significados,   bem   como   a   interactividade   do   jogador   com   mundos   de  actuação  virtuais.   São  estes  aspectos  que  nos  mostram  de  que  forma  a  arquitectura  nos  videojogos  tem  um  papel   fundamental  enquanto  agente  de  uma  sensação  de  imersão,  que  induz  o  jogador,  por  um  momento,   a   conduzir-­‐se,   vivenciar   e   agir   nesses   mundo   e   enredos   como   se   de   realidades   se   tratassem,   embora   tenha  a  noção  de  que  estas  são  ficções,  e  não  o  seu  mundo  “real”.   Pode-­‐se   considerar   que   os   videojogos   utilizam   sempre   referências   arquitectónicas   da   cultura   e   história   humanas,   constituídas   pelo   repositório   material   ou   imaterial   da   sociedade   e   das   idiossincrasias  do  próprio  individuo,  únicas  referências  que  nós  portanto  conseguimos  reconhecer  e   interpretar.     2      

   

     

1 | PERCEPÇÃO VISUAL EM NARRATIVAS CINEMÁTICAS 1.1  Percepção  Visual   1.1.1  Percepção  e  Sensação   Uma   das   características   do   ser   humano   é   a   sua   capacidade   de   aprender   através   da   relação   com   o   seu   ambiente.   Segundo   alguns   o   homem   possui   um   comportamento   que   decorre   apenas   da   influência   do   seu   ambiente,   enquanto   outros   defendem   que   o   seu   comportamento   é   revelador   de   padrões   inatos.   De   qualquer   modo,   analisando   indivíduos   pertencendo   a   sociedades   e   culturas   distintas,   encontram-­‐se   inúmeras   diferenças   comportamentais,   como   igualmente   muitas   semelhanças  (Morris,  2002).  Pode-­‐se  então  concluir  que  algumas  acções  humanas  são  aprendidas  e   outras  inatas.  É  nesta  última  “categoria”  que  se  enquadram  as  questões  da  Percepção.   A   percepção   é   instantânea   e   obedece   a   algo   de   inerente   ao   indivíduo,   funcionando   sem   qualquer   acção  consciente  da  sua  parte  –  não  constitui  portanto  um  acto  cognitivo  (Ward,  2003).  Serve  para   fornecer   ao   indivíduo   informações   sobre   as   características   do   mundo   em   seu   redor   e   dos   objectos   nele   existentes   (Wade   &   Swanston,   2013).   São   estes   dados   e   informações   que   lhe   permitem   reconhecer,  identificar  e  interagir  com  o  mundo  –  ou  seja,  a  sua  função  não  será  fornecer  impressões   subjectivas  da  envolvente  e  dos  objectos,  mas  sim  antes  fornecer  uma  base  de  informação  sobre  a   qual  cognição  irá  trabalhar  (Wade  &  Swanston,  2001).   Uma  vez  que  essas  mesmas  informações  são  processadas  através  do  sistema  sensorial  constituído   pelos   diversos   sentidos,   a   Percepção   pode   ser   descrita   também   como   um   processo   inato   e   inconsciente   de   organizar   e   interpretar   informação   sensorial   (Myers,   2014),   já   que   o   ser   humano   entra   em   contacto   com   o   mundo   e   todas   as   coisas   que   nele   existem,   antes   de   mais,   através   de   processos   perceptivos.   Então,   a   percepção   e   suas   sensações   constituem   o   meio   através   do   qual   se   apreende  o  mundo,  uma  vez  que  o  que  obtém  sobre  as  coisas  em  primeiro  lugar  é  a  sua  aparência,   toque,  cheiro  ou  ruído,  sob  um  fluxo  de  sensações  que  o  sistema  perceptivo  irá  ordenar  e  organizar   (Arnheim,  1997).   A   experiência   do   indivíduo   do   mundo   que   o   rodeia   assenta,   desta   forma,   num   processo   onde   sensação   e   percepção   trabalham   em   conjunto   para   que   o   indivíduo   consiga   descodificar   o   mundo   3    

ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

  que  o  rodeia  (Myers,  2014).  Os  sentidos  são  aqui  referidos  de  acordo  com  a  sua  função  de  informar   do   meio   ambiente   -­‐   através   deles   -­‐   e   não   como   “ter   uma   sensação”.   A   percepção   faz-­‐se   valer   das   sensações  segundo  um  meio  através  do  qual  se  conseguem  obter  informações  sobre  os  objectos  sem   a  intervenção  consciente  de  um  processo  intelectual  (Gibson,  1986).   A   visão   ganha   maior   relevo,   pois   é   o   sentido   humano   mais   rico,   no   que   concerne   à   informação   que   se   consegue   extrair   dos   objectos,   constituindo   um   dos   sentidos   que   Arnheim   descreve   como   “sentidos  de  distância”1  (Arnheim,  1997),  sendo  o  único  que  possibilita  a  apreender  a  totalidade  do   espaço   tridimensional   de   uma   vez.   De   outra   forma,   o   tacto,   não   sendo   um   sentido   de   distância,   depende  do  contacto  imediato  e  directo  para  uma  avaliação  gradual  dos  objectos  (Arnheim,  1997).   Conseguir  percepcionar  à  distância,  para  além  do  sentido  imediato,  permite  ao  sujeito  observar   os  objectos  de  um  modo  mais  objectivo  e  conceptual.     1.1.2  Contexto   A  forma  como  o  indivíduo  percepciona  a  representação  dos  objectos  torna-­‐se  bastante  relativa,   pois   tal   não   implica   a   existência   de   valores   ou   de   características   absolutas.   Assim,   um   objecto   parecerá   grande   em   relação   a   outro   mais   pequeno   ou   parecerá   brilhante   em   relação   a   outro   mais   obscurecido,  entre  tantos  exemplos  que  se  poderiam  seleccionar.  Quando  é  observado  um  objecto,   os  mecanismos  da  percepção  tendem  a  estabelecer  um  qualquer  tipo  de  relação  (Arnheim,  1997).   É   quase   impossível   caracterizar   um   objecto   atribuindo-­‐lhe   aspectos   com   carácter   absoluto,   significando   isto   que   as   suas   características   possuem   diferentes   graus   de   intensidade:   a   percepção   não   possui   um   valor   único   e   universal   de   “grande”   ou   “pequeno”,   pois   não   identifica   quaisquer   propriedades   métricas   exactas   dos   objectos2.   Ao   invés,   o   homem   identifica   características   generalizadas   dos   objectos,   considerando   simultaneamente   a   forma   como   os   mesmos   interagem   com  outros  e  os  efeitos  que  produzem  entre  si  (Arnheim,  1997).   O  contexto  em  que  os  objectos  se  encontram  é  assim  um  dos  aspectos  que  molda  a  percepção   que   o   indivíduo   estabelece   relativamente   àqueles,   sendo   que   em   cada   contexto   diferente   cria   variações  perceptivas  de   um  mesmo  objecto.  Assim,  é  formada  a  percepção  relativa  a  um  objecto,   num   determinado   contexto,   diferente   da   obtida   se   o   mesmo   for   percepcionado   noutro   contexto.                                                                                                                           1

  Arnheim   considera   a   visão,   a   audição   e   o   cheiro   todos   sentidos   de   distância,   pois   permitem   um   maior   alcance   na     Este   é   um   dos   aspectos   em   que   difere   de   um   computador,   com   o   qual   desencadeou   alguns   estudos   interessantes   sobre  a  representação  digital/virtual  do  mundo  (Myers,  2014)   2

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1  |  PERCEPÇÃO  VISUAL  EM  NARRATIVAS  CINEMÁTICAS  

Uma  situação  em  que  este  caso  ocorrerá  será  quando  a  realidade  envolvente  contribuía  ou  dificulte   que  um  determinado  objecto  em  questão  se  destaque  relativamente  à  mesma  (Arnheim,  1997).   A   importância   do   contexto   contribui   igualmente   para   tornar   mais   claro   o   significado   de   um   determinado   objecto   ou   da   sua   imagem,   podendo   um   objecto   poderá   possuir   uma   dada   carga   simbólica   numa   determinada   situação   específica,   mas   não   em   outra.   Tal   será   o   caso   de   imagens   estilizadas,  tal  como  os  pictogramas  ou  os  sinais  de  trânsito:  elas  beneficiam  muito  da  influência  do   contexto,  pois  isoladamente  poderão  proporcionar  diversas  leituras  por  parte  do  observador.  Apenas   o   facto   de   um   sinal   se   encontrar   num   contexto   rodoviário   é   que   permitirá   ao   observador   perceber   o   seu  significado  da  forma  mais  adequada  (Arnheim,  1997).   Os   contextos   poderão   reportar-­‐se   a   situações   por   nós   associados   a   determinados   aspectos   culturais.   Como   exemplos,   podemos   considerar   os   casos   da   imagem   da   cruz   latina,   que   são   imediatamente   associadas   ao   Cristianismo   ou   o   da   imagem-­‐símbolo   da   cruz   suástica,   imediatamente   associado  ao  Regime  Nazi3  (Arnheim,  1997).     1.1.3.  Constâncias  Perceptuais  e  Contrastes   As   constâncias   perceptuais   consistem   em   “percepcionar   os   objectos   como   imutáveis,   tendo   a   sua   cor,   iluminação,   forma   e   tamanho   constantes,   mesmo   quando   a   iluminação   e   imagens   retinais   mudam”  (Myers,  2014)  pois,  conforme  atrás  referimos,  a  percepção  destes  aspectos  é  relativa.     1.1.3.1  Percepção  da  luz  e  da  cor   A  luz  que  é  percepcionada  ao  olharmos  para  um  objecto  considerado  branco  –  como  uma  folha   de   papel   ou   uma   escultura   de   mármore   –   depende   dos   valores   mais   claros   e   mais   escuros   presentes   na   totalidade   do   campo   visual,   na   mesma   situação   lumínica,   tendo   em   consideração   o   valor   da   luz   numa   escala   e   tendo   esses   dois   valores   como   extremos.   Tais   valores   de   claro-­‐escuro4   variam   ao   longo  de  uma  escala  estabelecida  pelo  contexto  envolvente,  por  isso  uma  luz  parecerá  mais  luminosa   num  ambiente  escuro,  uma  vez  que  o  contraste  é  maior  (Arnheim,  1997).   Relativamente  à  cor  de  um  objecto,  a  mesma  só  é  ‘vista’  quando  o  mesmo  estiver  iluminado  por   uma  fonte  de  luz,  a  qual  terá  uma  determinada  cor,  ou  um  comprimento  de  onda  a  ela  associado,  o                                                                                                                           3

 A  suástica  é  na  verdade  um  símbolo  antigo  que  provém  da  cultura  védica    “Chiaroscuro”  é  a  expressão  utilizada  em  termos  clássicos  para  designar  em  termos  de  representação  os  valores  de   luz,  sombra  e  penumbra,  com  todos  os  valores  intermédios  e  inclui  as  questões  de  valores  tonais   4

   

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ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

  que  significa  que  a  percepção  de  uma  cor  depende  e  varia  relativamente  à  própria  luz  de  origem  que   permite   vê-­‐la   (Arnheim,   1997).   Tal   facto   poderá   conduzir,   em   certos   casos,   a   que   a   percepção   de   uma   determinada   cor   seja   manipulada,   levando   o   observador   a   percepcionar   a   cor   de   um   objecto   diferentemente,  consoante  a  luz  incidente  e  a  cor  resultante  da  incidência  da  mesma  sobre  ele.   No   entanto,   habitualmente,   o   indivíduo   possui   igualmente   a   capacidade   de   identificar   qual   a   ‘verdadeira’   cor   do   objecto   que   observa,   pois   a   sua   percepção   consegue   identificar   e   excluir   a   influência  do  contexto,  ou  seja,  factores  exteriores  aos  objectos  que  actuam  sobre  o  mesmo.   Na   percepção   existe   a   tendência   para   minimizar   ou   eliminar   a   diferença.   Por   isso,   apesar   de   a   própria   luz   fazer   com   que   a   percepção   das   cores   não   seja   sempre   constante,   a   percepção   tende   homogeneizá-­‐la   como   tal;   se   for   observada   de   forma   analítica   a   imagem   recebida   de   um   objecto   colorido  sob  uma  luz  incidente,  verifica-­‐se  que  a  sua  cor  não  é  homogénea  e  constante.  De  acordo   com  a  luz  incidente,  são  geradas  áreas  com  tonalidades  diferentes,  sendo  que  se  formará  uma  mais   clara,   onde   a   luz   esteja   a   incidir.   No   entanto,   a   percepção   do   indivíduo   efectua   a   leitura   de   que   o   objecto  como  possuindo  uma  única  cor  (Arnheim,  1997),  compreendendo  a  gradação  de  tonalidade   como  influência  do  contexto  e  não  pertencendo  ao  próprio  objecto.   Em  alguns  casos,  Isto  acontece  também  quando  são  colocados  lado  a  lado  elementos  coloridos  de   cor   muito   semelhantes   –   por   vezes,   o   indivíduo   não   distingue   a   diferença   de   cor   quando   estas   são   muito  próximas  devido  a  esta  tendência  para  eliminar  as  diferenças.     1.1.3.2.  Contrastes  de  Cor   Verifica-­‐se  que  uma  cor  sobressai  mais  ou  menos,  consoante  as  cores  que  lhe  estão  próximas.  Tal   acontece   devido   à   forma   como   os   objectos   se   comportam   em   relação   aos   objectos   próximos.   Arnheim   desenvolve   a   ideia   de   que   as   partes   da   imagem   de   um   objecto   “podem   mudar   a   sua   aparência  a  favor  da  relação”,  abandonando  “a  sua  própria  simplicidade  de  forma  para  aumentar  a   simplicidade   da   relação   entre   eles”   (Arnheim,   1997,   p.60).   Se   um   vermelho   primário   estiver   na   imediata   adjacência   a   um   amarelo   puro,   o   vermelho   pode   tornar-­‐se   arroxeado   e   o   amarelo   esverdeado,  devido  à  interacção  gerada  quando  duas  cores  diferentes  se  encontram  adjacentes5.   O   mesmo   poderá   acontecer   quando   são   apreciados   dois   quadros   distintos,   disposto   lado   a   lado   –   uma   imagem   poderá   parecer   mais   “vibrante”   se   a   adjacente   for   mais   “monótona”,   ou   poderá                                                                                                                           5

 Vejam-­‐se  as  Leis  dos  Contrastes  de  J.  Itten.  

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aparentar  menos  apelativa  se  a  segunda  for  muito  mais  estimulante  (Arnheim,  1997).     1.1.3.3.  Constância  Perceptual  de  Tamanho   O   tamanho   que   se   admite   relativamente   a   um   objecto   é   também   relativo,   como   consequência   da   análise   das   várias   relações   propiciadas,   pois   não   corresponde   literalmente   à   dimensão   da   imagem   que   é   projectada   na   retina.   Ele   depende   e   irá   variar   em   consonância   com   a   distância   a   que   o   observador   se   encontra   dos   objectos,   percepcionando   a   sua   imagem   como   muito   pequena,   caso   o   objecto  esteja  longe  ou  muito  grande,  se  estiver  próximo  (Arnheim,  1997).  Tal  é  o  princípio  de  base   que   conduz   a   que   o   indivíduo   consiga   entender   os   efeitos   da   perspectiva   linear   e,   consequentemente,  a  que  se  faça  uma  adequada  leitura  do  espaço  nas  três  dimensões.   Para   além   disto,   se   o   tamanho   das   imagens   dos   objectos   for   determinado   pela   distância   do   observador  ao  objecto,  o  indivíduo  ao  mover-­‐se  no  espaço  vai  registando  uma  variação  do  tamanho   (aumento   ou   diminuição)   das   imagens   dos   próprios   objectos.   Não   obstante,   o   observador   possuirá   a   percepção  de  um  tamanho  estável  para  o  objecto,  pois  na  percepção  do  mesmo  abstrai-­‐se  de  toda   essa   variedade   de   tamanhos   observados   para   o   mesmo   objecto,   estimando   um   único   tamanho,   o   “verdadeiro”  (Arnheim,  1997).     1.1.4.  Processo  de  Simplificação  (Prägnanz)   Revendo   os   aspectos   mencionados,   a   imagem   dos   objectos   será,   então,   composta   por   uma   multiplicidade   de   aspectos,   que   se   alteram   constantemente   em   função   de   factores   externos,   que   surgem  em  função  da  existência  de  inúmeras  características  ou  situações  diversas  em  que  o  objecto   possa  ser  percepcionado.   Tal   significará   que   as   imagens   que   se   formam   dos   objectos   se   apresentam   verdadeiramente   complexas   e   variáveis   para   o   olhar   humano,   uma   vez   que   o   organismo   recebe   todas   estas   informações,   que   o   cérebro   humano   necessita   de   condensar,   transformando-­‐a   em   algo   simples   e   constante,  tal  como  a  ‘dedução’  de  um  único  tamanho  ou  cor  verdadeiros  dos  objectos.  Isto  porque   a   “orientação   biológica   [do   indivíduo]   requer   um   mundo   estável   em   que   os   objectos   preservam   a   sua   identidade”  (Arnheim,  1997,  p.38).   Assim   sendo,   o   sistema   perceptivo   de   um   indivíduo   tende   invariavelmente   a   simplificar   e   homogeneizar   as   imagens   dos   objectos,   agrupando-­‐as   em   unidades   simples   (Ward,   2003)   organizadas   de   acordo   com   simplificações   das   características   que   observa   nos   objectos   (Arnheim,  

   

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  1997).  A  mente  tende  a  agrupar  os  elementos  percepcionados  de  acordo  com  padrões,  procurando   encontrar  e  estabelecer  algum  tipo  de  regularidade,  de  ritmo  e  procurando  alcançar  alguma  forma   de  ‘ordem’  e  ‘sentido’  naquilo  que  percepciona  (Gombrich,  2002).   “Na   procura   da   melhor   interpretação   da   informação   visual   disponível   utilizamos   um   número   de   técnicas   de   ‘abreviação’   perceptivas   que   incluem   organização   de   formas   semelhantes   e   tamanhos   semelhantes.  Formas  que  são  semelhantes  são  agrupadas  e  formam  um  padrão”  (Ward,  2003,  p.  31).   Quando  o  observador  percepciona  uma  forma,  procura  reduzi-­‐la  a  uma  estrutura  de  certo  modo   mais   básica.   Tal   consistirá   em   criar   um   número   de   categorias   de   formas   simples   e   gerais   que   se   podem  denominar  de  “conceitos  visuais”,  ou  seja,  é  feita  uma  redução  das  formas  a  um  determinado   número   de   simplificações   que   constituem   categorias.   Apenas   com   o   intuito   de   ilustrar,   muitas   imagens  consideradas  como  circulares,  poderão  não  ser  exactamente  percepcionadas  como  tal.  Um   observador   consegue   facilmente   aperceber-­‐se   de   que   um   círculo   e   uma   elipse   são   no   limite   semelhantes,   pois   generalizando-­‐se   compreende-­‐se   que   derivam   de   uma   forma   redonda,   ao   abstrair   “as   características   que   as   formas   arredondadas   possuem   em   comum,   daquelas   em   que   diferem"   (Arnheim,  1997,  p.67).   Por   isto,   segundo   esse   mesmo   autor,   “ver   um   objecto   é   sempre   realizar   uma   abstracção”   pois   são   sempre   captados,   numa   primeira   aproximação,   “os   aspectos   estruturais   em   vez   do   registo   indiscriminado   de   detalhes"   pois   “a   percepção   da   forma   é   o   agarrar   das   características   estruturais   encontradas,  ou  impostas,  no  material  de  estímulo”  (Arnheim,  1997,  p.68).   Tal  se  verifica  precisamente  porque  a  percepção  visual  naturalmente  não  apreende  réplicas  das   coisas,   mas   antes   “apreende”   a   sua   forma   significativa,   captando   o   significado   e   as   características   essenciais   dos   objectos,   embora   não   todos   os   seus   pormenores6.   Quando   o   indivíduo   recorda   uma   imagem,   não   lhe   surge   uma   imagem   estática   e   completa   com   todos   os   detalhes,   como   uma   fotografia.   Pelo   contrário,   são   lembrados   os   seus   aspectos   como   uma   noção   generalizada   do   seu   tamanho,  cor,  forma,  entre  outros  atributos  (Arnheim,  1997).   Esta   busca   automática   de   simplificação   e   significação   é   um   processo   relativo   à   percepção   visual   que   lhe   permite   “descodificar”   as   representações   de   objectos   e   espaços,   tendendo   a   ler   sempre   a   “resposta”  conforme  o  caminho  mais  simples  para  ser  entendida,  sendo  neste  mesmo  processo  que                                                                                                                           6

  Uma   vez   que   a   percepção   é   um   processo   inato   e   automático   no   organismo,   estes   “ajustamentos”   são   registados   natural  e  inconscientemente.  Até  porque  acompanham  a  própria  variação  do  observador  –  a  dimensão,  como  se  viu,  não   varia   enquanto   o   observador   se   encontra   parado,   mas   antes   varia   consoante   a   sua   posição   no   espaço,   acompanhando   o   movimento  do  indivíduo  –  é  então  algo  em  sintonia  com  ele  (Arnheim,  1997).   8      

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assenta  um  dos  princípios  fundamentais  em  que  assenta  a  Psicologia  Gestalt,  a  lei  da  Pregnância7.   “(...)   Uma   ‘boa’   forma,   uma   que   é   impressionante   e   fácil   de   percepcionar,   é   simples,   regular,   simétrica  e  poderá  ter  continuidade  no  tempo.  Uma  ‘má’  forma,  sem  estas  qualidades,  é  modificada   pelo  observador  para  se  conformar  às  qualidades  da  ‘boa’  forma”  (Ward,  2003,  p.  31)     1.1.5.  Processo  de  Organização   1.1.5.1  Agrupamentos  (Proximidade  e  Semelhança)   As  obras  de  arte  pictóricas  podem  ser  consideradas  objectos  que  implicam  que  a  visão  demonstre   o   seu   poder   de   organização   ao   máximo.   Tal   ocorre   não   apenas   no   acto   de   criação,   no   qual   quando   o   pintor   escolhe   o   tema   para   representar,   seleccionando   e   reorganizando   o   que   vê   na   Natureza,   no   Homem   e   na   Sociedade,   como   também   no   acto   de   apreciação   final,   em   que   o   observador   começa   por   observar   o   todo,   orientando-­‐se   primeiramente   na   estrutura   principal   da   obra   e   só   de   seguida   empreende  o  esforço  de  procurar  contrastes  e  pormenores  (Arnheim,  1997).   Uma   das   relações   mais   imediatas   realizadas   através   da   percepção   visual   é   a   associação   de   objectos   (ou   imagens   dos   mesmos),   de   acordo   com   o   seu   grau   de   semelhança   em   termos   de   cor,   forma,  textura,  tamanho  ou  distância8.  O  Princípio  da  Semelhança  implica  que  a  semelhança  cria  um   agrupamento  perceptivo  (Arnheim,  1997).   No   entanto,   a   relação   de   semelhança   entre   dois   objectos   depende   tanto   de   características   formais   idênticas   como   também   da   sua   proximidade,   princípio   segundo   o   qual   o   observador   tende   a   agrupar  elementos  que  se  encontram  próximos  uns  dos  outros.  Assim  sendo,  elementos  próximos  e   a   igual   distância   são   lidos   como   um   grupo,   enquanto   um   elemento   que   se   encontre   a   uma   maior   distância   será   lido   como   isolado   e   exterior   ao   grupo.   Um   caso   em   que   este   princípio   é   aplicado   encontra-­‐se   em   certos   métodos   de   impressão,   sendo   realizados   por   agrupamentos   de   vários   pequenos   pontos   de   diversas   cores   que,   quando   vistos   a   uma   certa   distância   são   lidos   pela   percepção  com  uma  única  cor,  ou  um  gradiente  de  cor,  conforme  a  disposição  dos  pontos.  A  razão   para   essa   leitura   deve-­‐se   à   proximidade   e   relação   que   se   estabelece   entre   esses   pontos   (Arnheim,   1997).                                                                                                                             7

  Nesta   procura   de   organizar   a   experiência   perceptiva   do   indivíduo   segundo   um   processo   de   ordem   e   simplificação,   surgem  as  leis  gestalticas  de  agrupamento  (proximidade,  semelhança,  clausura,  simetria  ou  boa  continuidade).   8   E   se   as   imagens   são   agrupadas   segundo   características   idênticas,   também   se   destacam   aquelas   que   possuem   características  diferentes.      

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  1.1.5.2  Completando  o  Incompleto  (Clausura  e  Boa  continuidade)   Outro   aspecto   da   percepção   visual   é   que   esta   consegue   reconstituir   as   imagens   que   surgem   incompletas   ao   observador.   Sempre   que   uma   figura   não   se   apresenta   ‘fechada’,   podendo   tal   ocorrer   porque   se   encontra   parcialmente   oculta   por   outra   ou   por   possuir   contornos   incompletos,   há   uma   tendência  para  a  fechar  ou  completá-­‐la  visualmente  –  princípio  Gestáltico  da  Clausura.   Nestes  casos,  a  percepção  humana  completa  a  imagem  apreendendo  o  objecto  como  completo,   apesar   de   na   realidade   não   o   ver   como   tal   –   a   figura   é   completada   com   algo   que,   na   verdade,   a   verdadeira  representação  visual,  por  si  só,  não  pode  propiciar  (Arnheim,  1997).   Este  processo  surge  igualmente  na  leitura  do  ‘vazio’.  Sobre  isto,  Arnheim  refere  que  "ver  o  vazio   significa   colocar   num   preceito   algo   que   pertence   aí   mas   está   ausente”   (Arnheim,   1997,   p.89).   Isto   significa   que   a   percepção   humana   também   ‘preenche’   superfícies   que   sabe   que   não   existem.   Este   acto  automático  é  visível  especialmente  no  desenho  bidimensional  de  geometrias  e  formas  onde  a   percepção   do   indivíduo,   ao   fechar   as   arestas   da   forma,   apreende   a   face   da   geometria   como   uma   superfície  imaterial  (Arnheim,  1997).   Um   dos   aspectos   que   permitem   esta   leitura,   como   Gurtwitsch   defende,   deve-­‐se   aos   objectos   terem  "referências  que  apontam  para  além  do  aspecto  dado”  (citado  por  Arnheim,  1997,  p.47),  como   acontece  quando  um  "retrato  a  três  quartos  aponta  para  a  continuação  da  forma  para  lá  das  suas   fronteiras   visíveis"   ou   quando   as   esculturas   serpenteadas   de   Miguel   Ângelo   enfatizam   a   convexidade   das   formas   (Arnheim,   1997,   p.47).   Apesar   do   olho   humano   nunca   conseguir   observar   a   totalidade   de   um   objecto   tridimensional   –   pois   a   imagem   que   é   projectada   na   retina   se   encontra   sempre   inevitavelmente   incompleta   –   a   sua   percepção   possui   certas   “referências”   que   lhe   permitem   saber   aquilo   que   não   vê.   Este   processo   deve-­‐se   ao   facto   de   que   a   percepção   visual   tender   a   “extrapolar”   e   “continuar”  a  representação  dos  objectos  para  lá  da  imagem  bidimensional  que  vê  (Arnheim,  1997).   Isto   porque   o   indivíduo   tende   a   ver   as   coisas   com   sentido   e   pelo   menor   esforço,   procurando   sempre   neste   sentido   encontrar   a   melhor   forma   para   a   apreensão   do   mundo   representado   (Gombrich,   2002).   Estes   aspectos   perceptivos   são   possíveis   por   derivarem   do   conhecimento   visual   e   cognitivo   que   o   indivíduo   possui   dos   objectos.   É   por   possuir   este   conhecimento   prévio   do   objecto   que,   ao   vê-­‐lo   incompleto  ou  oculto,  tem  a  capacidade  de  o  “completar”  do  ponto  de  vista  da  percepção  (Arnheim,   1997),  vendo-­‐o  para  lá  do  que  lhe  é  apresentado.    

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1.1.6.  Experiência  e  Memória   “A  visão  não  é  uma  transferência  na  direcção  do  olho  para  o  cérebro.  Há  também  uma  troca  entre   as   30   áreas   conhecidas   do   cérebro   visual   e   o   uso   de   informação   visual   armazenada.   A   nossa   percepção   do   mundo   é   muito   do   que   nós   esperamos   que   seja   tanto   como   é   sobre   o   que   efectivamente  vemos”  (Ward,  2003,  p.  35)   O   indivíduo   aplica   ao   presente   aquilo   que   aprendeu   sobre   as   coisas   no   passado   –   memórias,   conceitos,   experiências:   "vemos   as   coisas   como   as   vemos   por   causa   do   que   esperamos   que   elas   pareçam"  (Arnheim,  1997,  p.80).     A   percepção   construída   dos   objectos,   espaços   e   eventos   encontra-­‐se   dependente   de   aspectos   cognitivos   e   de   memória   sobre   aqueles,   com   base   em   experiências   passadas   semelhantes.   Desta   forma,   quanto   maior   a   verificação   de   aspectos   da   nossa   experiência   num   objecto   representado,   maior  a  credibilidade  que  lhe  será  conferida.   Os   objectos,   a   um   nível   perceptivo,   não   são   imutáveis:   eles   movem-­‐se,   dobram-­‐se,   encolhem,   mudam  de  cor,  existem  em  determinados  ambientes,  são  protagonistas  em  determinadas  acções.  O   indivíduo   sabe   que   os   objectos   possuem   uma   identidade   e   uma   forma   permanente   (Ward,   2003),   pelo  que  todas  as  mudanças  da  representação  de  um  objecto,  sejam  consequência  de  mudança  de   ponto   de   vista,   deformação   do   objecto,   da   sua   acção,   uso   ou   interacção   com   os   envolventes,   será   sempre  aceite  como  credível  e  autêntica  se  mantiver  a  identidade  e  coerência  para  com  o  conceito,   bem  concreto,  que  se  tenha  desse  objecto.   Esta  intersecção  entre  percepção  e  memória  constitui  assim  a  base  do  reconhecimento  das  coisas   que  o  ser  humano  observa  à  sua  volta  (Arnheim,  1997).   Arnheim   refere   que   é   preciso   "ver   as   mudanças   físicas   do   objecto   como   desvios   de   uma   forma   de   norma"(Arnheim,   1997,   p.52).   Neste   processo   são   criadas   “imagens   de   norma”.   Estas   funcionam   como  a  base  que  auxilia  à  percepção  dos  objectos,  sendo  que  todas  as  variações  observadas  na  sua   imagem  correspondem  a  desvios  da  ‘norma’.   Um   objecto   pode   ter   um   segundo   significado,   para   além   dele   próprio:   metáforas   e   símbolos.   A   experiência   e   conhecimento   prévios   ajudam   efectivamente   a   estabelecer   relações   e   significados   numa   imagem,   pois   constituem   a   base   que   permite   ao   indivíduo   compreender   e   interpretar   um   objecto   e   contexto   –   tal   é   o   caso   de   alguns   símbolos   ou   sinais   que   assentam   muito   sobre   o   seu   contexto  para  auxiliar  o  seu  entendimento.       11    

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  1.1.7.  O  Tempo  de  Percepcionar   De  forma  genérica,  imagens  mais  complexas  levarão  um  maior  tempo  até  o  indivíduo  apreender  a   sua   totalidade:   quanto   mais   complexa   for   a   forma   do   objecto,   mais   difícil   será   a   tarefa   perceptiva   de   extrair  a  sua  forma  e  significado  (Arnheim,  1997).  Mas  tal  não  constitui  o  único  motivo,  nem  este  se   aplica  de  forma  tão  linear.   Uma  das  características  da  espécie  humana  é  o  facto  de  cada  indivíduo  ser  diferente,  não  só  em   termos   físicos   exteriores,   mas   mais   relevantemente,   em   termos   dos   seus   interesses,   de   culturas,   sociedades   e   valores,   conduzindo   a   que   os   conhecimentos   que   cada   indivíduo   possui   sejam   igualmente  variados  e  distintos.   Por   isso,   o   tempo   que   um   observador   leva   a   completar   a   percepção   dos   objectos   varia   inevitavelmente,   como   também   poderá   variar   o   seu   significado,   dependendo   não   só   da   complexidade   da   imagem,   mas   também   consoante   a   espécie,   o   grupo   cultural,   a   experiência   ou   o   treino   do   observador   (Arnheim,   1997).   Tal   acarreta   a   que   certas   imagens   e   objectos   possam   ser   percepcionados  e  compreendidos  mais  fácil  e  rapidamente,  e  de  forma  diferenciada.   Isto   porque   “a   quantidade   de   tempo   mínima   necessária   para   reconhecer   um   objecto   (...)   irá   depender  na  familiaridade  e  expectativa  dessa  imagem  específica”  (Ward,  2003,  p.31),  pelo  que  um   observador  poderá  percepcionar  uma  imagem  complexa  mais  rapidamente  do  que  seria  de  esperar,   se  esta  for  algo  habitual  ou  se  já  possuir  uma  determinada  experiência  prévia.   Isto   também   porque   a   apreensão   de   uma   imagem   nem   sempre   ocorre   de   forma   instantânea   e   imediata   -­‐   caso   especialmente   ilustrado   no   caso   de   obras   de   artes.   A   observação   e   análise   de   um   quadro   não   se   processa   instantaneamente,   mas   sim   por   fases   em   que   o   observador   começa   primeiramente   por   identificar   aspectos   e   relações   gerais   –   como   os   referentes   à   composição   –   e   apenas  após  isso  começa  a  identificar  e  apreender  os  detalhes  (Arnheim,  1997).    

1.2.  A  Atenção  Perceptiva   1.2.1.  Selectividade  da  Visão   “A  percepção  está  dependente  da  atenção.  Se  a  atenção  estiver  concentrada  numa  pequena  parte   do  campo  visual,  pouco  será  percepcionado  do  resto  da  cena.  Se  a  atenção  estiver  espalhada  sobre   uma  grande  área,  nenhuma  parte  será  muito  clara  e  precisamente  percepcionada.  A  quantidade  total   que  pode  ser  atendida  a  qualquer  um  momento  é  constante”  (Ward,  2003,  p.  33).  

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A  percepção  visual  não  consegue  apreender  tudo  o  que  está  abrangido  pelo  campo  de  visão,  ao   mesmo   tempo   e   de   igual   forma9,   pois   a   visão   e   consequentemente   a   nossa   percepção   cognitiva,   é   altamente   selectiva   (Arnheim,   1997),   levando   a   que   o   olhar   humano   apenas   consiga   concentrar-­‐se   numa   área   ou   elemento   de   cada   vez   (Gombrich,   2002).   A   sensibilidade   da   retina   é   relativamente   limitada,   por   isso   o   olho   deverá   isolar   um   ponto   específico   que   se   torna   dominante,   central   (Arnheim,  1997).   O   campo   visual   geralmente   encontra-­‐se   muito   sobrecarregado   e,   tipicamente,   o   observador   concentra-­‐se   em   algumas   áreas   seleccionadas,   ficando   a   leitura   do   restante   mais   impreciso.   Esta   selectividade  “facilita  a  prática  inteligente  de  se  concentrar  num  objecto  de  interesse  e  negligenciar  o   que  há  para  além  do  ponto  de  atenção”  (Arnheim,  1997,  p.25),  ou  seja,  focar-­‐se  puramente  no  que   interessa  e  negligenciar  o  que  não  motiva.   Não  obstante,  diversas  formas  e  técnicas  conseguem  contribuir  para  recentrar  o  olhar,  alterando   aquilo   em   que   a   visão   se   fixa.   Esta   finalidade   pode   ser   ilustrada   pelas   técnicas   de   destacar   pelo   movimento  ou  pelo  uso  de  cores  saturadas,  claras  ou  focos  luminosos  nos  objectos.   A   acuidade   visual   perde-­‐se   com   a   distância.   Leonardo   da   Vinci   investigou   sobre   as   questões   ligadas   à   “perspectiva   di   perdimenti”10   e   observou   que,   com   o   incremento   da   distância   se   perde   primeiro  a  forma,  seguidamente  a  cor  e  por  último  a  massa  do  objecto.  Por  isso,  quando  se  vê  uma   pessoa  desaparecer  na  distância,  o  observador  deixa  inicialmente  de  conseguir  distinguir  quem  ela  é,   depois  deixa  de  identificar  as  suas  cores  até  se  descortinar  apenas  um  ponto  à  distância  (Gombrich,   2002).     1.2.2.  Ritmos  e  Padrões   O   ser   humano   necessita   de   uma   noção   de   ordem   no   mundo   à   sua   volta,   encontrando   um   sentido   de   regularidade   em   todos   os   aspectos   do   mundo   bem   como   da   sua   existência.   Necessita   de   percepcionar  o  mundo  de  forma  constante,  organizada  e  com  sentido.   Na   natureza   podem-­‐se   isolar   e   identificar   ritmos   e   padrões   nas   mais   diversas   coisas.   Os   ritmos   que   se   encontram   na   Natureza   ou   no   Espaço   Humanizado   surgem   tanto   da   forma   visual   (estática),   como   no   tempo   (movimentos),   como   o   ritmo   dos   movimentos   pendulares   (Gombrich,   2002).   Os   movimentos   de   um   ser   humano   podem-­‐se   encontrar   no   andar,   nos   gestos,   nas   expressões,   no                                                                                                                           9

 Sendo  claramente  distinta  da  fotografia  neste  aspecto  que  consegue  focar  perfeitamente  tudo  quanto  se  encontra  no   seu  campo  visual.   10  “perspectiva  de  desaparecimentos”     13    

ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

  dançar   ao   ritmo   da   música,   sendo   estes   normalmente   inconscientes.   O   homem   tem   uma   enorme   empatia  com  o  ritmo  (Gombrich,  2002).   No  ser  humano,  a  tendência  para  estabelecer  padrões  é  sempre  realizada  de  modo  controlado  e   com   busca   de   significados   (Gombrich,   2002),   porque   o   Homem   sempre   transformou   o   seu   reconhecimento   de   padrões   e   a   sua   capacidade   de   movimento   em   propósitos   úteis   e   funcionais   (Gombrich,   2002).   Daqui   nasceu   a   linguagem,   a   filosofia   e   a   matemática,   tendo   operacionalizado   esses   processos   de   pensamento   abstracto,   dirigindo-­‐os   a   diversos   tipos   de   artefactos,   fossem   eles   máquinas,   utensílios   ou   mesmo   obras   de   arte.   Assim,   na   sua   evolução,   artefacto   e   abstracção   passaram  a  dominar  a  sua  vida  (Morris,  2002).   O  ‘sentido  de  ordem’  humano  que  Gombrich  (2002)  refere  é  algo  inerente  à  sobrevivência,  pois  o   mesmo  reconhece  e  responde  a  desvios,  distinguindo  as  diferentes  coisas  do  mundo,  precisamente   porque  tem  a  capacidade  e  tendência  para  criar  ordens.  Apenas  reconhecemos  elementos  distintos   quando  temos  um  grupo  de  elementos  regulares  por  base  para  comparar  (Gombrich,  2002).   A   procura   da   ‘ordem’,   de   um   sentido   de   regularidade,   é   algo   de   inato   e   imprescindível   ao   ser   humano  para  que  apreenda  o  mundo  constituindo,  em  parte,  também  a  base  da  percepção  visual.   Relacionando   este   sentido   de   ordem   com   a   percepção,   dá-­‐se   uma   simplificação   e   organização   dos   conceitos   que   presidem   à   mesma.   Quando   uma   ordem   ou   padrão   não   se   torne   de   imediato   identificável,   a   percepção   simplificá-­‐la-­‐á   ao   ponto   de   a   conseguir   reduzir   a   aspectos   gerais   e   essenciais,  que  já  permitam  estabelecer  uma  ordem  plausível.     1.2.3.  Monotonia  e  Variedade   Apesar   do   Homem   procurar   ‘ordem’   na   sua   experiência   e   percepção   do   mundo,   os   ritmos   constantes   e   invariáveis   provocam   uma   reacção   negativa   na   sua   percepção.   Tudo   quanto   se   torne   demasiado  repetitivo,  pode  tornar-­‐se  monótono  ou  até  causar  desconforto,  ao  ponto  da  percepção   visual  rejeitar  ou  deixar  de  percepcionar  o  que  está  a  ver.  Por  vezes  alguns  padrões  e  ritmos  podem   causar  estranheza,  tonturas,  cansaço  visual,  entre  outros  efeitos.   É   fácil   perceber   que   um   indivíduo   pára   de   responder,   ao   fim   de   um   certo   tempo,   a   certos   estímulos,   como   barulhos   ou   cheiros,   se   estes   forem   persistentes   e   constantes.   Quando   o   observador   fixa   uma   figura   durante   um   certo   período   de   tempo,   pode   tender   para   começar   a   alterar   aquilo  que  percepciona,  desvanecendo-­‐se  as  cores,  desaparecendo  os  padrões  ou  acentuando-­‐se  os   contornos  (Arnheim,  1997).  Tal  consiste  numa  reacção  natural  do  sistema  perceptual  à  monotonia,  

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1  |  PERCEPÇÃO  VISUAL  EM  NARRATIVAS  CINEMÁTICAS  

seja   ela   considerada   em   termos   de   os   padrões   serem   demasiados   repetitivos   ou   de   existir   falta   de   contraste.   Torna-­‐se   fácil   para   a   percepção   apreender   um   padrão   repetitivo,   mas   é   especialmente   notório   em   imagens   com   forte   contraste,   como   nos   padrões   a   preto   e   branco,   que   tal   repetição   e   contraste  podem  causar  sensações  de  cansaço  e  desconforto  visual  (Gombrich,  2002).   A   repetição   simplista,   sem   um   elevado   grau   de   complexidade,   não   desperta   qualquer   interesse   visual   ou   mesmo   estímulo   intelectual   no   indivíduo,   sem   que   este   o   consiga   apenas   ignorar,   gerando-­‐ se  frequentes  vezes  reacções  de  desconforto  ou  de  ansiedade  perante  tais  situações.  Estas  sensações   de   desconforto   aumentam   com   o   número   de   repetições,   ou   seja,   crescem   exponencial   e   não   linearmente  (Salingaros,  2011).   A  introdução  de  variedade  evita  este  estado  de  coisas,  pois  desta  forma,  a  percepção  do  indivíduo   é  estimulada  e  tende  a  uma  reacção  automática  a  mudanças  de  ambiente.  Assim,  ele  reage  mais  a   estímulos  de  mudança  com  contrastes  de  natureza  visual  ou  de  movimento,  do  que  a  algo  imóvel  e   estático11   (Arnheim,   1997).   O   sistema   visual   do   ser   humano   obedece   a   um   sentido   de   “economia”,   identificando  mudanças  e  ignorando  o  que  é  estático  e  imutável  (Ramachandran  &  Gregory,  1991).   Torna-­‐se   então   quase   inevitável   não   se   redireccionar   a   atenção,   quando   subitamente   se   introduz   algo  móvel  num  ambiente  estático.   A   introdução   ou   criação   de   demasiada   variedade   também   confunde   e   causa   dificuldades   em   percepcionar   e   distinguir   as   imagens.   O   deleite   visual12   encontrar-­‐se-­‐á   numa   espécie   de   estado   de   equilíbrio   homeostático   entre   a   monotonia   e   a   complexidade   em   grau   “excessivo”13   (Gombrich,   2002).  Tal  poderá  ocorrer  quando  existe  uma  “variação  estruturada  e  ritmos  espaciais  complexos”  à   sua   volta   (Salingaros,   2011),   mas   não   uma   variedade   e   complexidade   exagerada   e   aleatória   pois   apenas   causaria   confusão   e   dificultaria   a   percepção   do   mundo   –   o   indivíduo   responde   de   modo   mais   positivo   a   uma   “living   geometry”,   ou   seja,   a   uma   complexidade   particular   incorporando   coerência   (Salingaros,  2011).    

 

                                                                                                                        11

  Os   aspectos   que   a   percepção   considera   ‘imutáveis’   poderão   referir-­‐se   não   só   a   padrões   repetitivos   ou   objectos   estáticos,   mas   também   a   fracos   contraste   entre   cores,   texturas   ou   formas   –   como   acontece   em   imagens   com   cores   demasiado   idênticas   que   levam   a   que   as   cores   se   misturem   e   o   contraste   desapareça   –   isto   porque,   novamente,   a   percepção  visual  simplifica  toda  a  informação  que  recebe  dos  objectos.   12  A  expressão  ‘variatio  delectat’,  que  se  traduz  por  ‘a  variedade  deleita’  (Gombrich,  2002)  exprime  este  conceito.   13   Segundo   Gombrich,   a   informação   é   medida   pelo   seu   grau   de   ‘inesperado’,   enquanto   o   ‘esperado   se   torna   redundante  ́  (Gombrich,  2002).     15    

ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

     

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2 | NARRATIVAS E ACÇÃO CINEMÁTICAS 2.1.  Ficção  Cinemática  e  Acção  Dramática   Os   videojogos   destacam-­‐se   de   outros   meios   de   entretenimento   pela   sua   característica   interactiva   mas,   tal   como   o   cinema,   constituem   igualmente   uma   narrativa   visual   construída   através   de   uma   acção  dramática.   Quer   estejamos   a   falar   de   narrativas   cinematográficas   ou   narrativas   interactivas,   qualquer   uma   delas   tem   como   começo   “contar   uma   história”.   Por   serem   meios   de   entretenimento,   ambos   procuram  na  sua  finalidade  entreter,  relatando  um  conjunto  de  acontecimentos  fictícios  através  de   imagens  e  efeitos  visuais.   Neste   sentido,   as   características   essenciais   da   dramatização   (construção   dramática)   que   evoluíram  primeiro  com  o  teatro  e  depois  com  o  cinema  foram  absorvidas  também  pelas  narrativas   visuais  interactivas.   O   cinema   e   os   videojogos   possuem   várias   práticas,   abordagens   e   conceitos   que   partilham,   em   grande  parte,  porque  os  videojogos  na  sua  evolução  absorveram  e  retiraram  muitas  características   do  cinema  e  dos  filmes  de  animação  2D  e  3D,  na  procura  de  criar  maior  realismo,  maior  imersividade   e  maior  resposta  emocional  no  espectador/jogador.   Nem   todos   os   videojogos   são   narrativos.   No   entanto   a   grande   maioria   –   e   aqueles   que   se   pretendem   considerar   neste   trabalho   –   contem   também   de   personagens   e   conflitos   num   mundo   ‘diegético’  virtual  (Wolf,  2001a),  tendo  em  relação  às  narrativas  fílmicas  uma  fundamental  diferença:   num   videojogo   o   espectador   a   quem   é   narrado   o   argumento   e   seu(s)   enredo(s),   é   também   personagem   actuante   nestes,   determinando   portanto   em   parte   a   própria   narrativa,   eventos,   espaços,  acção  e  evolução  da  ficção.     2.1.1.  Acção  Dramática   2.1.1.1.  Ideia  e  Tema   A  escrita  e  desenvolvimento  de  qualquer  “história”  começa  sempre  naturalmente  com  uma  ideia   17    

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  e   sua   sinopse,   um   tema   e   enredo   que   se   irá   dramatizar   a   um   nível   mais   profundo,   detalhado,   concreto  e  emocional.   O  tema  possui  uma  relação  inevitável  com  as  personagens  visto  que  serão  estas  que  irão  propiciar   a   acção   e   o   fluxo   dramático   –   à   acção   veiculada   pela   personagem,   ou   transmitida   e   por   ela   revelada,   pois  uma  pessoa  é  o  que  faz,  não  o  que  diz  (Field,  2005).  Um  tema  desenvolve-­‐se  à  volta  da  história  e   da  acção,  mas  a  acção  está  intrinsecamente  ligada  às  personagens.   A  escrita  e  desenvolvimento  de  qualquer  “história”  começa  sempre  naturalmente  com  uma  ideia   e   sua   sinopse,   um   tema   e   enredo   que   se   irá   dramatizar   a   um   nível   mais   profundo,   detalhado,   concreto  e  emocional.   Uma   ideia   pode   vir   de   várias   fontes:   a   maioria   dos   autores   retira   ideia   da   sua   memória   ou   experiência   pessoal   (ideia   seleccionada),   mas   poderá   também   surgir   de   algo   (comentário,   história,   evento)  que  alguém  lhe  conta  (ideia  verbalizada);  poderá  ser  retirada  de  um  jornal,  revista  ou  livro   (ideia   lida   ou   gratuita);   poderá   ser   retirada   de   uma   outra   ficção,   seja   ela   filme,   livro,   teatro,   sendo   depois  manipulada  (ideia  transformada).   A  ideia  poderá  também  ser  imposta  ou  encomendada  ao  autor  (ideia  proposta)  ou  ser  encontrada   depois  de  um  estudo  sobre  o  mercado:  algo  que  ainda  não  foi  abordado  ou  que  agrada  a  uma  grande   maioria   e   portanto   com   elevada   procura/probabilidade   de   sucesso   (ideia   procurada)   (Comparato,   2009),  podendo  a  origem  da  ideia  do  guião  na  verdade  ser  mais  do  que  de  um  só  tipo.     2.1.1.2.  Storyline,  Sinopse  e  Argumento   Em   Guionismo,   definido   o   tema,   segue-­‐se   a   criação   do   storyline,   a   partir   da   qual   se   constrói   a   sinopse14  e  o  argumento15.   Um  argumento  dramático  necessita  de  quatro  conteúdos  essenciais:  temporalidade,  localização,   personagens  e  conflito  –  ou  seja,  o  quando,  o  onde,  o  quem  e  o  qual  (Comparato,  2009).   A  storyline  é  a  síntese  ou  resumo  da  história,  descrevendo  o  conflito  matriz  e  o  essencial  da  acção,   mencionando  os  três  pontos-­‐chave  da  história:  exposição  (quando  acontece  alguma  coisa),  enredo(s)   (alguma  coisa  é  ou  deve  ser  feita)  e  desenlace  (alguma  coisa  se  faz  e  se  resolve)  (Comparato,  2009).                                                                                                                           14

  Ao   contrário   do   que   acontece   numa   storyline,   uma   sinopse   já   especifica   de   maneira   clara   e   concreta   os   acontecimentos  da  história  –  numa  sinopse  o  objectivo  do  protagonista  está  claro,  indica  o  clímax  da  história  e  descreve  as   acções  principais  do  protagonista  (Comparato,  2009).   15   O   argumento   corresponde   genericamente   a   uma   sinopse   estendida,   onde   se   poderão   inclusive   incluir   alguns   fragmentos  de  diálogo.   18      

2  |  NARRATIVAS  E  ACÇÃO  CINEMÁTICAS  

Uma  vez  que  descreve  apenas  o  conflito  central,  não  inclui  o  tempo,  o  espaço  ou  a  composição  das   personagens  (Comparato,  2009).   Qualquer  ficção  precisa  de  um  tempo  e  local,  visto  que  qualquer  acontecimento  deles  necessitar   para  ocorrer.  O  quem  e  o  qual  são  os  dois  conteúdos  de  maior  peso  numa  narrativa,  pois  são  eles   que  maioritariamente  a  constroem  e  permitem  o  desenrolar  do  drama.     2.1.1.3.  Personagens   As  personagens  e  a  acção/conflito  são  aspectos  interligados,  pois  um  não  existe  sem  o  outro,  nem   se   consegue   separar   “o   que   se   passa   de   quem   o   faz   ou   a   quem   isso   sucede”   (Comparato,   2009,   capítulo  5)  –  a  história  ajuda  a  definir  as  personagens  através  das  suas  acções  e  dá-­‐lhes  motivação,   conflito  e  um  caminho  de  acção  (Maestri,  2002).  Por  sua  vez  são  as  personagens  -­‐  nomeadamente  o   protagonista  e  antagonista  -­‐  e  as  suas  acções  -­‐  que  vão  desenvolver  o  conflito  (Comparato,  2009).   Uma  narrativa  possui  diversos  tipos  de  personagens:  os  Protagonista(s)  -­‐  que  são  aqueles  que  se   encontram  no  centro  da  acção  e  que  por  isso  são  também  os  mais  trabalhados  e  caracterizados,  os   Antagonista(s)   -­‐   que   são   o   oposto,   oponentes   dos   protagonistas,   as   Personagens   Secundárias   -­‐   servem  para  suportar  e  sublinhar  a  centralidade  dos  protagonistas  e  componentes  dramáticos,  sendo   elementos  complementares  de  união,  explicação  ou  solução  (Comparato,  2009).   Uma  personagem,  nomeadamente  os  protagonistas,  apesar  de  ser  uma  criatura  fictícia,  pode  ter   uma  personalidade  com  actos  conscientes  e  inconsciente,  impulsos  involuntários  como  a  expressão   de   um   olhar,   um   tique   nervoso   ou   um   gesto   violento,   entre   outros   (Comparato,   2009),   ter   um   pensar,   sentir   e   expectativas,   pontos   de   vista   e   atitudes.   Os   seus   actos   irão   despertar   tensões   e   conflitos   que   impulsionarão   a   acção   (Comparato,   2009).   As   personagens   têm   motivações   –   muitas   vezes,  justificadas  ou  explicadas  através  de  uma  backstory  –  e  força  de  vontade  que  impulsionam  e   desenvolvem  a  acção  e  o  conflito.   Ao  longo  do  enredo  existe  também  nos  protagonistas  um  crescimento  interno  e  uma  mudança  de   atitude,  que  cria  maior  interesse  do  que  uma  personagem  “plana”,  havendo  no  espectador  um  gosto   particular  no  acompanhar  da  evolução  do  ser  e  pensar  das  personagens  (Comparato,  2009).   As  necessidades  da  personagem  –  a  necessidade  dramática  –  ou  seja,  o  que  a  personagem  quer   ganhar   ou   alcançar,   irão   determinar   a   estrutura   dramática   do   guião.   Elas   determinam   as   escolhas   que  ela  faz  ao  longo  da  acção  (Field,  2005).   É  portanto  importante  definir  a  necessidade  dramática  da  personagem  –  o  que  ela  quer,  qual  a     19    

ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

  sua   necessidade,   o   que   a   motiva   ou   impulsiona   –   para   justificar   e   definir   a   resolução   da   história,   que   lhe   irá   dar   um   objectivo,   um   destino   e   um   final.   Como   e   se   irá   a   personagem   central   alcançar   ou   não   os  seus  objectivos  torna-­‐se  a  acção  central  da  história  (Field,  2005).   Estando  a  falar  de  narrativas  visuais,  todos  estes  aspectos  da  personagem  –  o  que  a  motiva,  o  que   sente,  o  que  pensa  para  que  o  espectador  os  vejam  e  entenda  –  têm  de  ser  transpostos  para  o  ecrã   através   da   acção:   são   as   suas   acções   que   definem   e   que   “contam   a   história”   (Maestri,   2002).   Este   aspecto   é   especialmente   evidenciado   na   animação   (quer   2D,   quer   3D),   onde   tipicamente   os   movimentos  dos  personagens  são  exagerados  e  muito  mais  expressivos  e  dramáticos.     2.1.1.4.  Personagens  nos  Videojogos   Tal   como   no   cinema,   nos   videojogos   as   personagem   podem   ser   categorizadas   pela   função   que   elas  servem  (Wolf,  2001a).     Nas   narrativas   interactivas,   a   personagem   principal   é   naturalmente   a   personagem-­‐jogador.   Esta   é   o  agente  principal,  aquela  que  possui  um  objectivo  e  que  funciona  como  substituto  do  espectador-­‐   jogador  no  mundo  diegético  do  jogo.   Mas   existem   depois   diversos   personagens,   cuja   actuação   é   pré-­‐definida   pelo   computador,   com   diversos   papéis   no   âmbito   da   narrativa   e   acção   do   jogo.   Ao   longo   do   jogo   o   jogador   encontra   personagens   que   o   ajudam   a   completar   o   objectivo   ou   missão   dando   pistas   e   informações   ou   podendo   até   participar   como   sidekicks,   outros   surgem   como   oponentes   e   obstáculos   do   personagem-­‐jogador,  ou  existem  apenas  para  o  jogador  ajudar  ou  salvar.     Existem  ainda  encontra  personagens  neutros,  aqueles  que  surgem  apenas  no  plano  de  fundo  para   criar  atmosfera  e  ambiente  como  figurantes  (Wolf,  2001a).   Claro  que  nem  sempre  é  óbvio  qual  o  papel  algumas  personagens  têm.  Se  uma  personagem  é  um   aliado  ou  não  pode  apenas  vir-­‐se  a  descobrir  mais  tarde  no  jogo.     2.1.1.5.  Conflito   Sem   conflito   não   existe   o   drama.   Ele   é   essencial   numa   acção   dramática   e,   como   já   se   mencionou,   ele  encontra-­‐se  intrinsecamente  ligado  com  a  criação  das  personagens  principais  –  sem  conflito  não   há  acção,  sem  acção  não  há  personagem,  sem  personagem  não  há  história  (Field,  2005).   O   conflito   nasce   do   confronto   de   opostos   (forças   e   personagens)   e   de   uma   relação   de   causa-­‐  

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efeito,  pelo  meio  dos  quais  a  acção  se  organiza  e  se  desenvolve.  Uma  acção  não  surge  sozinha,  sem   ser   o   resultado   de   outra   coisa,   por   isso   a   acção   é   tão   importante   como   os   factores   que   para   ela   concorreram   (Egri,   1960)   –   que   podem   ser   de   origem   interna   ou   externa,   e   neste   último   caso   podendo   ser   com   uma   força   humana   ou   não   humana,   divina,   mítica   ou   da   natureza   (Comparato,   2009).  Pode  também  ter  diferentes  focos:  intrapessoal,  interpessoal,  situacional,  social  ou  relacional.   (Hicks,  1999).   A  acção  dramática  é  no  fundo  o  conflito  ordenado,  ou  seja  “é  o  conjunto  de  acontecimentos  inter-­‐ relacionados   que   irão   se   resolvendo   por   meio   das   personagens   até   o   desenlace   final”   (Comparato,   2009,  capítulo  5)  –  são  os  eventos,  o  seu  porquê  e  o  seu  resultado  ou  consequência.   O   conflito   possui   duas   qualidades   essenciais   incorporadas   que   atraem   publico   e   o   fazem   reagir   emocionalmente.   A   principal   razão   é   a   sua   motivação:   qualquer   que   seja   o   conflito   principal   do   drama  ele  tem  igualmente  de  ter  uma  motivação,  uma  razão  que  o  despolete  e  que  o  crie.  Quando  o   conflito  tem  uma  razão  de  ser  faz  o  espectador  entrar  em  correspondência  com  ele.  Esta  é  a  segunda   qualidade   essencial   pois   procura-­‐se   sempre   que   o   espectador   se   projecte   na   personagem,   e   que   o   problema   da   personagem   “surja”   também   no   espectador.   A   correspondência   e   motivação,   juntas,   levam  a  um  ponto  de  identificação  entre  o  público  e  a  história  (Comparato,  2009).   Portanto  núcleo  dramático  –  o  conjunto  que  cria  a  acção  dramática   –  é  composto  pelo  “conjunto   das   personagens   unidas   pela   mesma   acção   dramática,   que   se   organiza   num  plot”   (Comparato,   2009,   capítulo   6).   O   plot   é   a   parte   central   da   acção   dramática,   é   a   forma   dramática   que   melhor   conta   a   história,   obedecendo   aos   princípios   chave   da   totalidade   e   unidade,   ou   seja,   todas   as   partes   que   a   compõem   são   igualmente   importantes   em   relação   ao   todo,   tudo   estando   harmoniosamente   ligado   e   funcionando  em  conjunto  (Comparato,  2009).     2.1.1.6.  Construção  Dramática   No   entanto,   a   construção   da   acção   dramática   segue   sempre   uma   determinada   estrutura.   A   estrutura  é  o  elemento  que  “tem  por  função  apresentar  o  drama,  manter  e  aumentar  o  interesse  do   espectador”  (Comparato,  2009,  capítulo  6).   A   estrutura   implica   uma   fragmentação   da   acção   –   em   cenas   e   sequências   –   mas   que   é   depois   organizada   de   forma   a   construir   e   apresentar   o   drama   como   se   pretende   e   de   forma   a   criar   o   máximo  de  tensão  dramática  (Comparato,  2009).   A   estrutura   dramática   clássica   é   dividida   em   três   momentos   que   são   princípio,   meio   e   um   fim,  

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ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

  como   qualquer   estrutura   narrativa   clássica.   Estes   momentos   correspondem   ao   primeiro   acto,   segundo  acto  e  terceiro  acto,  sendo  que  cada  acto  também  tem  um  começo,  um  meio  e  um  fim.   Genericamente,  no  primeiro  acto  é  exposto  o  problema  e  o  conflito  emerge.  No  segundo  acto  dá-­‐ se  a  complicação  e  tentativa  de  resolução  do  problema,  a  acção  é  levada  ao  limite  e  desenvolve-­‐  se  a   crise.  No  terceiro  acto  é  onde  se  dá  o  clímax  e  onde  o  conflito  é  resolvido  (Comparato,  2009).   Existem   claro   sempre   cenas   essenciais   que   contém   informação   fundamental   para   o   desenrolar   da   acção  dramática  –  são  as  cenas  de  exposição  –  onde  o  motivo  para  o  drama  ou  o  problema  é  exposto   e   apresentado   ao   público,   cenas   de   preparação   –   que   informam   e   preparam   o   espectador   para   as   complicações   que   hão-­‐de   vir,   cenas   de   complicação   –   onde   se   desenrolam   os   problemas   e   complicações,   preparando   o   espectador   para   as   cenas   de   clímax   –   o   ponto   mais   alto   do   conflito,   e   as   cenas  de  resolução  -­‐  onde  se  chega  naturalmente  à  conclusão  (Comparato,  2009).   Entre  estas  é  necessário  que  surjam  cenas  de  transição,  quer  sejam  de  passagem  do  tempo,  por   vezes   cenas   de   flashbacks   ou   flashforwards,   cenas   de   localização   –   planos   de   cidades,   casas,   ambientes,  que  “integram  o  espectador  dentro  da  acção”,  cenas  oníricas  (sonhos)  e  cenas  de  inserto,   entre  outras.   Na   construção   dramática   surgem   dois   incidentes   transpostos   visualmente   para   o   ecrã   em   cenas   específicas:  o  inciting  incident  e  o  key  incident  (Field,  2005).   O  inciting  incident  serve  para  captar  a  atenção  da  audiência  e  despoletar  o  conflito  (Field,  2005),   por  isso  muitas  vezes  este  surge  logo  no  início  da  narrativa  –  como  em  Irmandade  do  Anel  (2001)  em   que  a  primeira  cena  (quando  Bilbo  encontra  o  anel)  é  o  incidente  que  despoleta  toda  a  trilogia.   Nos   videojogos,   do   tipo   que   estamos   a   trabalhar,   isto   também   é   frequentemente   feito.   A   sua   maioria   começa   sempre   com   uma   cena   cinematográfica,   que   serve   para   situar   o   espectador   na   história,  ao  mesmo  tempo  que  despoleta  o  conflito  central  da  narrativa.   O  inciting  incident  conduz  sempre  ao  key  incident.  O  key  incident  é  o  incidente  central  da  acção,  a   partir  do  qual  todo  o  conflito  se  desenvolve,  é  a  cena  que  corresponde  à  visualização  dramática  do   conflito  central  da  história  (Field,  2005)  –  para  ilustrar,  em  Irmandade  do  Anel  (2001)  o  key  incident   acontece  quando  Frodo  herda  o  anel.   Condensando   todos   os   factores   chave   da   construção   dramática,   esta   genericamente   se   desenvolve   a   partir   de   uma   sequência   introdutória   ou   backstory,   que   estabelece   as   circunstâncias   para   a   história   e   nos   apresenta   o   protagonista,   seguida   de   um   inciting   incident   que   apresenta   ao   protagonista  um  problema  para  resolver  e  ultrapassar,  fazendo-­‐o  focar-­‐se  num  objectivo  externo.   22      

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No  entanto,  para  se  criar  drama  tem  que  surgir  oposição,  uma  força  externa  que  tente  impedir  o   protagonista  de  atingir  o  objectivo.  A  acção  desenvolve-­‐se  na  procura  de  resolução  desse  problema,   eventualmente   existindo   um   ponto   de   auto-­‐revelação   pelo   protagonista   (no   ponto   mais   baixo   do   drama   quando   o   protagonista   sofre   mudanças   significativas   por   causa   da   pressão   do   conflito   dramático  externo),  posteriormente  seguido  de  uma  fase  de  obsessão  em  que  o  protagonista  passa  a   focar-­‐se   mais   intensivamente   no   objectivo.   Finalmente   vem   a   batalha   –   não   necessariamente   uma   confrontação  física  –  ou  seja,  o  confronto  entre  o  protagonista  e  o  antagonista  ou  força  oposta,  e  a   sua  resolução  em  que  o  protagonista  resolve  o  conflito  (Hicks,  1999).     2.1.1.7.  Controlo  emocional  da  Audiência   No  final,  o  objectivo  de  qualquer  meio  de  entretenimento  é  suscitar  e  controlar  as  emoções  do   espectador.   Sempre   que   se   conta   uma   “história”   pretende-­‐se   despertar   o   interesse   na   audiência.   Procura-­‐se   sempre   emocionar   e   criar   antecipação   e   expectativas   no   espectador   –   por   vezes   até   inverter  essas  expectativas  para  o  surpreender  –  até  à  satisfação  final.   Por   isso   a   generalidade   das   narrativas   cinemáticas   seguem   genericamente   o   processo   de   transformar  o  princípio,  meio  e  fim  (os  três  actos  que  se  mencionaram  anteriormente)  em  atracção,   antecipação  e  satisfação  (Hicks,  1999).   No   início   (acto   I)   atrai-­‐se   a   atenção   do   espectador   quando   se   apresenta   o   protagonista   juntamente   com   o   problema   e   o   objectivo.   A   atracção   do   espectador   na   verdade   não   é   tanto   pelo   personagem   mas   pelo   problema.   É   o   problema   que   o   personagem   encara   que   atrai   a   atenção   da   audiência   (Hicks,   1999)   Claro   que   este   passo   é   o   primeiro   passo   importante   para   garantir   que   o   espectador   segue   e   mantem   o   interesse   na   “história”   pois   nenhum   espectador   continua   a   ver   a   narrativa   apenas   numa   procura   de   encontrar   algo   de   interessante   –   até   porque   ele   não   sabe   como   o   drama  se  vai  desenrolar,  é  para  isso  que  vêem  e  acompanham  estas  “histórias”  até  ao  final.  Por  isso   as   personagens   e   o   conflito   apresentados   logo   o   início   têm   de   conseguir   logo   atrair   o   interesse   do   espectador.   Quando   se   sobe   a   tensão   dramática   no   acto   II   é   quando   a   antecipação   da   audiência   também   aumenta,   à   medida   que   mais   eventos   interessantes   acontecem   –   eventos   relacionados   com   o   sucesso  ou  falhanço  do  motivo  do  drama,  se  criam  obstáculos,  se  cria  suspense,  dúvida,  surpresa,  ...   (Comparato,   2009).   Todos   estes   recursos,   entre   outros,   interferem   com   as   emoções   do   espectador   mantendo-­‐o   interessado   no   drama   e   acção   dramática  –   depois   de   ser   apresentar   o   problema,   não   se   procura   imediatamente   saltar   para   o   clímax   e   resolução,   pois   não   é   isso   que   o   espectador   procura     23    

ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

  quando   segue   uma   narrativa.   É   o   drama,   os   problemas   e   a   sua   resolução   que   o   impulsionam   a   continuar  a  segui-­‐la,  é  isso  que  tem  a  capacidade  de  emocionar  e  interessar  o  espectador  (e  é  isso   que  procura).  Por  isso,  em  termos  emocionais.  Esta  é  a  parte  central  (e  maior)  da  narrativa.   No  final  (acto  III)  quando  os  problemas  e  obstáculos  são  resolvidos  e  o  protagonista  atinge  o  seu   objectivo  dá-­‐se  o  momento  de  satisfação  do  espectador,  sendo  a  tensão  criada  no  acto  II  é  aliviada   (Hicks,  1999).     2.1.2.  Acção  dramática  nos  Videojogos   As   narrativas   interactivas   distinguem-­‐se   por   envolverem   a   audiência   de   uma   maneira   directa,   tornando   o   espectador   num   participante   e   permitindo-­‐lhe   controlar   a(s)   personagem(s)   na   sua   progressão  pela  narrativa  do  jogo  (Wolf,  2001a).   A  característica  da  interactividade  parece  contrariar  o  processo  da  construção  dramática  –  como   poderá  a  acção  chegar  a  uma  resolução  pretendida  se  o  jogador  tem  a  possibilidade  de  interferir  e   tomar  decisões?   Nem   todos   os   videojogos   possuem   uma   narrativa   muito   desenvolvida,   alguns   possuem   apenas   uma  linha  narrativa  muito  simples.  No  entanto,  outros  incluem  diversos  momentos  de  decisão  pelo   jogador   ramificando   a   narrativa   em   diversas   direcções,   consequências   e   resultados.   Isto   apenas   implica   que   não   existe   um   único   e   predefinido   final   mas   vários   e   qual   destes   acabará   a   narrativa   depende  do  jogador  (Wolf,  2001a).   Mas   isto   não   implica   que   uma   narrativa   e   uma   acção   dramática   sejam   impossíveis   de   construir.   A   interactividade   não   funciona   necessariamente   contra   a   existência   de   uma   narrativa,   simplesmente   requer   que   estejam   presentes   múltiplas   linhas   de   acção   ou   o   potencial   para   uma   variedade   de   possibilidades  narrativas  (Wolf,  2001a).   Colocar   a   acção   de   uma   videojogo   num   contexto   narrativo   também   dá   ao   mundo   do   jogo   uma   maior   ilusão   de   profundidade   e   riqueza,   e   ao   jogador   (enquanto   personagem   principal   da   história)   dá-­‐lhe   motivação   quando   se   coloca   este   em   risco,   quando   tem   de   reagir   perante   acções   que   têm   origem  no  enredo  do  jogo.  A  não  existir,  a  acção  num  jogo  seria  apenas  um  exercício  aleatório  e  sem   significado.  Deste  modo,  jogar  o  jogo  significa  participar  numa  história  e  lutar  por  uma  causa,  em  vez   de  ser  apenas  um  exercício  de  coordenação  motora  ou  de  resolução  de  um  puzzle.     A   narrativa   unifica   a   acção   do   jogo   e   ajuda   a   criar   uma   sensação   de   participação   da   parte   do   jogador  em  vez  de  este  simplesmente  interagir  (Wolf,  2001a).   24      

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Os   objectivos,   obstáculos,   escolhas,   consequências,   meios   e   finais   dados   ao   jogador   são   as   ferramentas  que  moldam  a  experiência  narrativa  (Wolf,  2001a).   A  acção  dramática  no  caso  dos  videojogos  desenrola-­‐se  de  uma  forma  particular  e  variada  através   dos  diferentes  géneros  e  exemplos.   Nem   todos   os   videojogos   possuem   um   enredo.   Alguns   não   possuem   quaisquer   elementos   narrativos   de   todo,   como   os   de   lógica   ou   puzzle   puros   (jogos   como   Sudoku,   Tetris   ou   Bejeweled,   entre  outros).   Mas  muitos  deles  criam  uma  ficção  –  podendo  esta  ser  mais  ou  menos  detalhada  –  onde  o  jogo  se   insere.  Alguns  desenvolvem  essa  ficção  num  enredo  concreto,  outros  deixam-­‐se  ficar  pela  definição   de  um  storyline  ou  por  apenas  estabelecer  uma  ambiência  visual.   Cada   um   destes   tipos   de   videojogos   possuem   características   e   dispositivos   próprios   que   despertam   e   mantém   o   interesse   da   sua   audiência,   sendo   que   cada   qualquer   um   destes   tipos   possui   um   tipo   de   audiência   próprio:   alguns   jogos   captam   a   audiência   sem   necessitarem   de   progredir   segundo   um   enredo   –   uma   vez   que   certos   jogadores   apreciam   simplesmente   as   mecânicas   do   jogo   e   a  sensação  de  evoluir  a  nível  pessoal;  outros  captam  o  interesse  e  atenção  dos  jogadores  através  das   histórias  que  narram,  alguns  até  de  forma  muito  emocional  (como  Final  Fantasy  VII,  1997).   Os  videojogos  para  os  quais  se  cria  uma  ficção,  não  desenvolvida  num  enredo,  consideram-­‐se  ter   uma  “história”  associada  no  sentido  em  que  é  criado  e  desenvolvido  visualmente  um  mundo  ficcional   onde  o  jogo  e  suas  personagens  se  inserem  –  é  desenvolvido  apenas  o  concept  art  visual.   A  motivação  e  objectivo  do  jogador  nestes  casos  coloca-­‐se  em  termos  de  uma  simples  progressão   por  obstáculos  ou  níveis  –  uma  superação  pessoal  do  jogador  sobre  as  suas  próprias  capacidades  –   ou   apenas   curiosidade   sobre   como   se   irá   constituir   o   próximo   nível,   o   próximo   mundo,   os   novos   personagens  ou  recompensas  conquistadas.   Em   muitos   destes   casos   é   principalmente   o   trabalho   visual   (concept   art)   que   mantém   e   impulsiona  o  interesse  e  curiosidade  do  jogador.   Alguns  estabelecem  apenas  um  espaço  ficcional  visualmente  transmitido  ao  jogador  –  um  cenário   e  por  vezes  uma  ou  mais  personagens,  como  nos  vários  Cut  the  Rope  (2010-­‐2014)  –  mas  sem  mais   nenhum  elemento  narrativo  utilizado  ou  desenvolvido,  ou  seja  em  termos  de  Gameplay  mantém-­‐se   um  jogo  de  lógica  ou  puzzle,  e  não  um  Gameplay  que  progrida  ao  longo  de  um  enredo  (Figura  1).   Outros  chegam  a  criar  algo  como  uma  premissa  ou  um  storyline,  que  por  vezes  é  completo,  por   outras   não:   Jogos   como   Crossy   Road   (2014)   ou   Plants   vs   Zombies   (2009)   criam   um   storyline   muito     25    

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  básico,   estabelecendo   cenário,   personagens   e   um   objectivo   final   (Figura   2).   Jogos   como   The   Sims   (2000)   ou   género   God   Games,   criam   uma   espécie   de   premissa   –   criar   famílias   e   controlar   as   suas   vidas,   ou   construir   e   desenvolver   um   império   através   de   mais   conquista,   mais   construção,   entre   outras  ideias  –  mas  não  criam  um  storyline  completo,  uma  vez  que  não  existe  uma  resolução,  não  há   um  game  over,  um  fechar  e  conclusão  de  um  acontecimento,  problema  ou  conflito.  

 

 

 

 

Figura  1  –  Screenshots  de  diferentes  ambiências,  não  relacionadas  com  as  mecânicas  de  jogo,  em  diversos   níveis  nos  jogos  Cut  The  Rope  (2010-­‐2014).  

 

 

 

 

Figura  2  –  Screenshots  de  diferentes  ambiências  em  Crossy  Road  (2014)  que  constroem  diferentes  storylines   ao  alterar  cenários  e  personagens,  apesar  da  mecânica  de  jogo  se  manter  a  mesma.  

  Mas   como   se   mencionou,   alguns   videojogos   são   desenvolvidos   integrando   uma   narrativa   –   ou   enredo  –  com  o  seu  gameplay.  São  jogos  em  que  a  progressão  dos  eventos  bem  como  a  passagem   das  personagens  por  eles,  e  por  vezes  o  seu  crescimento  interno16   está  intrinsecamente  ligada  com   as  mecânicas  do  jogo,  sendo  muito  difícil  separar  um  do  outro.                                                                                                                           16

 Em  verdade,  nem  todos  os  videojogos  revelam  um  trabalho  cuidado  pelo  crescimento  interno  das  personagens,  ou   uma  mais  profunda  caracterização  destas,  mas  verifica-­‐se  que  alguns  bons  exemplos  actuais  e  que  marcaram  uma  grande   número  de  jogadores  (como  The  Last  of  Us,  2013)  revelam  um  trabalho  neste  aspecto.   26      

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Se   estes   videojogos   utilizam   a   estrutura   clássica   dos   três   actos   –   e   se   esta   se   adequa   ao   game   design   –   é   um   assunto   que   tem   sido   muito   discutido,   mas   depende   muito   do   videojogo   que   se   pretende  criar  ou  que  se  opte  analisar.   No  entanto,  a  maioria  dos  videojogos  narrativos,  para  além  da  progressão  central  da  sua  narrativa   e   gameplay,   possuem   frequentemente   alguma   fase,   momento   ou   dispositivo   onde   o   mundo,   as   personagens   e   o   enredo   são   dados   a   conhecer   ao   jogador   no   início   do   jogo.   Tal   pode   ser   feito   de   variadas   formas,   como   com   cenas   cinematográficas   introdutórias,   ou   integrando   o   gameplay   através   da   interacção   do   protagonista-­‐jogador   com   outras   personagens   e   adereços   que   introduzem   a   narrativa   e   os   objectivos   e,   no   final,   uma   fase   de   resolução   de   todo   o   enredo   que   se   foi   desenvolvendo.  Estas  três  fases  podem  ser  equiparadas  aos  três  actos  da  estrutura  clássica.   Dentro   destes   videojogos   que   possuem   um   enredo,   existem   uns   mais   complexos   que   outros,   mas   todos  possuem  uma  linha  central  da  acção  –  narrativa  principal  –  onde  se  encontra  um  número  de   eventos-­‐chave  que  o  jogador  têm  de  ultrapassar.  Se  estes  eventos  têm  de  ser  ultrapassados  segundo   uma  sequência  fixa  e  pré-­‐determinada,  ou  se  o  jogador  possui  um  controlo  e  liberdade  de  configurar   a  sequência  dos  eventos,  depende  do  videojogo  em  questão.   A   maioria   destes   videojogos   com   enredo,   para   além   da   linha   principal   da   acção   que   necessita   sempre   de   existir,   acrescentam   frequentemente   enredos   ou   eventos   secundários   pelos   quais   o   jogador   pode   escolher   progredir,   se   quiser.   Estes   são   opcionais   pois   por   definição   não   possuem   qualquer  influência  para  a  linha  central  de  acção,  nem  interferem  directamente  com  a  resolução  final   do  jogo.   Mas  apesar  de  a  maioria  dos  casos  criar  estas  missões  secundárias  apenas  como  complementos   adicionais,   outros   desenvolvem-­‐nas   com   maior   complexidade   podendo   até   por   vezes   ter   influência   para  a  linha  de  acção  principal.   Estas  mini  narrativas  ou  objectivos  opcionais  contribuem  não  só  para  uma  maior  complexidade  do   enredo   do   jogo,   como   também   lhe   acrescentam   maior   interesse   e   dinamismo,   despertando   em   muitos  jogadores  maior  curiosidade  e  procura  pela  exploração  tanto  do  mundo  como  da  narrativa  do   jogo.   Por  vezes  é  ainda  incluída  a  possibilidade  das  escolhas  do  jogador  poderem  afectar  o  enredo  e  o   final  do  jogo,  até  certa  medida,  em  termos  da  narrativa.  Isto  cria  a  possibilidade  de  um  enredo  que  é   relativamente  configurável  e  construído  pelo  próprio  jogador,  e  não  um  enredo  rígido,  pré-­‐definido  à   priori  como  surge  nas  narrativas  fílmicas.  

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ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

  Esta  manipulação  e  construção  do  enredo  –  ou  seja,  esta  “liberdade”  relativa  do  jogador  –  é  no   entanto   sempre   limitada   pois   um   jogo   necessita  de   ter   sempre   um   conjunto   mínimo   de   regras   e   pré-­‐   determinantes   estabelecidas   para   existir   e   funcionar.   Igualmente,   estes   casos   possuem   sempre   um   storyline  estabelecido  e  uma  estrutura  narrativa  central,  por  isso  as  diferentes  “versões”  de  enredo   que  poderão  ser  criadas  são  variadas  apenas  dentro  de  um  número  reduzido  de  opções  e  nunca  tão   variadas  ao  ponto  de  originarem  storylines  totalmente  distintos.   Adicionalmente,   a   maioria   destes   videojogos   possuem   a   possibilidade   do   jogador   percorrer   livremente   o   espaço   virtual,   levando   a   que   a   narrativa   visual   seja   construída   de   uma   forma   mais   personalizada  pelo  jogador.  É  ele  que  determina  o  papel  e  movimento  da  câmara,  o  movimento  do   protagonista   pelo   espaço,   a   linha   de   acção,   no   fundo   quase   todo   o   processo   de   montagem   e   realização,   bem   como   certos   discursos,   diálogos,   interacções   entre   personagens   e   aspectos   do   enredo  através  das  suas  escolhas  (Figura  3).  

 

 

Figura  3  –  Screenshots  do  videojogo  The  Witcher  3  (2015)  ilustrando  o  protagonista-­‐jogador  percorrendo   livremente  o  espaço  virtual  definindo  ele  próprio  o  seu  percurso,  e  como  possui  diferentes  opções  de  resposta   num  diálogo  com  outro  personagem.  

  Todas   estas   possibilidades   permitem   a   criação   de   videojogos   –   em   termos   de  storytelling  –   muito   mais  complexos,  quando  se  combina  a  interactividade  do  jogador,  um  enredo  que  adopta   sub-­‐plots  e   missões   opcionais,   as   diferentes   possibilidades   de   escolhas   pelo   jogador   e,   consequentemente,   as   diferentes  possibilidades  de  progressão  e  resolução  do  enredo.   O   olhar   sobre   o   papel   da   narrativa   no   contexto   dos   videojogos   não   pode   ser   feito   sem   ter   em   conta   a   interactividade   e   todos   os   elementos,   técnicas   e   dispositivos   de   game   design.   Transpor   literalmente   para   os   videojogos   as   características   da   narrativa,   enredo   e   contracção   dramática,   tal   como   estas   funcionam   nas   obras   cinematográficas   não   irá   considerar   a   experiência   do   jogador,   a   sua   participação  e  imersão  nessa  mesma  história  enquanto  elemento  participante,  activo  e  contributivo   para  ela.   A  narrativa  e  a  acção  dramática  de  um  videojogo  não  pode  ser  olhado  como  algo  que  o  jogador   28      

2  |  NARRATIVAS  E  ACÇÃO  CINEMÁTICAS  

apenas  segue  de  uma  posição  externa,  pois  ele  necessita  de  sentir  que  contribui,  necessita  de  sentir   que  as  suas  acções  e  escolhas  são  significativas  para  o  enredo  –  e  tendo  em  conta  que  é  um  meio   interactivo,  a  sua  acção  efectivamente  tem  esse  poder  e  potencialidade  de  contribuição.     Em  Síntese:   Os   jogos   trabalham   a   narrativa,   ou   seja,   a   relação   entre   o   gameplay   e   a   narrativa   e   mundo   ficcional,  de  três  formas  diferentes:   –  Jogos  sem  plot:  lógica  e  puzzles   –  Jogos  com  uma  narrativa  visual  coerente  de  um  mundo  ficcional:  é  criada  e  desenvolvida  com   um   suporte   visual   onde   a   dinâmica   do   jogo   e   as   suas   personagens   ou   acções   ganham   alguma   coerência  por  essa  via.  É  desenvolvido  apenas  o  concept  art  visual,  mas  a  acção  principal  não  tem  a   lógica  de  um  enredo  ou  storyline,  tentando  ganhá-­‐la  em  parte  com  essa  narrativa  visual.   –  Jogos  com  storyline  e  enredo  cujo  espaço  pode  ser  percorrido  e  em  que  espaço  e  história  são   indissociáveis    Neste   trabalho   foi   aprofundado   o   terceiro   vector,   em   que   a   progressão   dos   eventos   bem   como   a   relação   das   personagens   com   estes   está   intrinsecamente   ligado   com   as   mecânicas   do   jogo.   Estes   videojogos   podem   ter   apenas   uma   linha   narrativa   muito   simples   e   sequencial   ou   ter   diversos   momentos  de  decisão  do  jogador  em  que  a  narrativa  se  ramifica  em  várias  direcções  possíveis,  com   diferentes  consequências  e  resultados.     No  entanto,  todos  possuem  um  plot  central  –  narrativa  principal  –  onde  se  encontra  um  número   de   eventos-­‐chave   que   o   jogador   têm   de   ultrapassar.   Existem   por   vezes   enredos   ou   eventos   secundários   pelos   quais   o   jogador   pode   optar   progredir   e   que   por   definição   não   interferem   directamente  com  a  resolução  final  do  jogo.   Um   videojogo   -­‐   dentro   deste   vector   -­‐   é   uma   sequência   de   progressões   abaixo   discriminadas,   podendo  existir  partes  em  que  há  divergência  ou  paralelismo:   -­‐   Progressão   sem   livre   arbítrio,   à   imagem   do   cinema,   com   sequências   cinematográficas.   São   enredos   totalmente   imutáveis,   pré-­‐definidos,   a   priori   à   semelhança   dos   enredos   das   narrativas   fílmicas   -­‐  Progressão  com  livre-­‐arbítrio  do  enredo,  que  pode  ser  de  duas  formas,  podendo  estas  coexistir   num  mesmo  videojogo:  

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ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

  a)  Sequência  dos  eventos  ordenáveis  e  portanto  em  parte  parcialmente  construídos  pelo  próprio   jogador,   sem   por   em   causa   a   conclusão   do   jogo.   É   uma   característica   quase   sempre   presente   nos   videojogos.   b)  Plots  paralelos  e  alternativos  que  se  irão  encontrar  num  ponto  adiante  do  enredo.     Em   qualquer   dos   casos   tem   de   haver   sempre   pontos   de   convergência   e   reencontro   num   argumento.   O   jogo   pode   ser   construído   como   uma   sucessão   de   divergências   e   convergências   de   enredos.     Olhando  para  Interacção  do  jogador  com  a  ficção  do  jogo,  a  exploração  do  jogador  pelo  espaço   virtual,  juntamente  com  o  seu  poder  de  controlo  sobre  a  câmara  e  realização  bem  como  os  efeitos   das   suas   escolhas,   constroem   uma   narrativa   visual   personalizada   pelo   próprio   utilizador   (jogador)   destas   narrativas   interactivas,   ao   contrário   do   que   se   sucede   nas   narrativas   cinematográficas   não-­‐ interactivas.    

2.2.  Game  Design,  Storytelling  e  Interacção     2.2.1.  Introdução  ao  Gameplay   O   gameplay,   ou   jogabilidade,   é   um   termo   recorrente   mas   também   complexo   e   ambíguo   sendo   definido  de  várias  formas  segundo  diferentes  autores.   Adams  (2010)  define  que  a  essência  do  gameplay  assenta  na  relação  entre  desafios  que  o  jogador   tem  de  ultrapassar  e  as  acções  que  lhe  permitirão  ultrapassá-­‐los.   No   entanto,   apesar   de   considerar   correctamente   os   desafios   conjuntamente   com   o   modo   e   contexto   como   são   apresentados   ao   jogador,   como   Martinho,   Santos   &   Prada   (2014)   observam,   esta   linha   de   ideias   não   tem   em   consideração   a   importância   da   “experiência   subjectiva   que   emerge   da   interacção   entre   jogo   e   jogador”   (Adams,   2010,   p.   151).   Todos   estes   aspectos   pertencem   e   caracterizam  o  que  é  gameplay  (jogabilidade).   Jogabilidade   têm   um   carácter   dual   pois   implica,   conjuntamente,   os   aspectos   qualitativos   emergentes  da  interacção,  bem  como  os  elementos  do  jogo  que  a  promovem,  criam  e  contribuem   para  ela.  Estes  elementos  são  constituídos  pelos  desafios  e  acções  para  a  sua  resolução,  como  Adams   defende,  atendendo  que  estes  desafios  devem  ser  considerados  no  seu  contexto,  bem  como  com  o   contexto  das  escolhas  do  jogador  e  impacto  destas  na  experiência  (Martinho,  Santos,  &  Prada,  2014).     30      

2  |  NARRATIVAS  E  ACÇÃO  CINEMÁTICAS  

2.2.2.  Mecânicas  de  Jogo   As   mecânicas   principais   de   um   videojogo   são   aquelas   que   geram   o   gameplay   (jogabilidade).   Determinam  os  procedimentos  e  as  regras  de  um  jogo,  bem  como  o  seu  objectivo,  as  condições  para   o  atingir  e  as  consequências  de  o  conseguir  ou  não.  Também  definem  os  desafios  que  ele  oferece,  tal   como   as   acções   do   jogador   para   responder   a   estes,   e   os   efeitos   das   suas   acções   sobre   o   mundo   ficcional  do  jogo  (Adams,  2010).  São,  no  fundo,  as  mecânicas  que  geram  os  eventos  do  jogo  quando   elas  e  o  jogador  interagem  (Sylvester,  2013).   Consideram-­‐se   então   mecânicas   principais   as   regras,   os   objectivos,   os   desafios,   os   obstáculos,   bem   como   as   consequências   e   recompensas   dependentes   das   acções   do   jogador.   Todas   estas   mecânicas  funcionam  em  conjunto,  pois  cada  uma  depende  se  relacionam  com  as  outras.     2.2.2.1.  Regras   Como   se   sabe,   qualquer   jogo   tem   regras.   São   estas   que   tornam   possível   todas   as   mecânicas   de   jogo.  Elas  definem  o  espaço  do  jogo,  as  acções  possíveis  dos  jogadores,  objectos  e  personagens,  bem   como  as  consequências  e  constrangimentos  dessas  acções  (Schell,  2015).   Schell  (2015)  considera  três  tipos  de  regras:  as  que  definem  propriedades  e  condições  de  objectos   e  conceitos  no  jogo  (Figura  4);  as  que  restringem  acções  no  jogo  (Figura  5);  e  as  de  condicionam  o   aparecimento   de   certos   efeitos   no   jogo,   dependentes   de   se   verificarem   determinadas   condições   (Figura  6)  

 

 

 

Figura  4  –  Screenshots  de  Dragon  Age:  Origins  (2009),  Dragon  Age  II  (2011)  e  Dragon  Age  Inquisition  (2014),   mostrando  como  certos  poderes  são  relacionados  em  cadeias,  sendo  que  o  jogador  só  poderá  ter  acesso  a  um   se  tiver  escolhido  adquirir  os  poderes  de  ataque  precedentes.  Este  é  um  caso  em  que  uma  acção  ou  capacidade   está  condicionada  por  regras.  

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ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

 

  Figura  5  –  Screenshot  de  Dragon  Age  II  (2011),  onde  nas  regras  que  caracterizam  certos  objectos  e   conceitos,  encontram-­‐se  aquelas  que  definem  os  atributos  (custos  de  aquisição,  XP  fornecido,  força  de  ataque,   ...)  para  uma  determinada  arma,  armadura,  entre  outros  dispositivos  possíveis  de  ataque/defesa.  

  Figura  6  –  Screenshot  de  Dragon  Age:  Origins  (2009)  onde,  quando  o  jogador  selecciona  o  ataque  grease,   seguido  de  imediato  de  qualquer  ataque  de  fogo,  a  combinação  desses  dois  ataques  origina  um  efeito/ataque   inesperado  (grease  fire),  sendo  este  apenas  um  exemplo  do  conjunto  de  casos  possíveis.  

  2.2.2.2.  Objectivo   A  segunda  mecânica  principal  é  o  objectivo  do  jogo.  Este  é  um  aspecto  tão  intrínseco  a  um  jogo   que  é  quase  inconcebível  pensar  num  jogo  que  não  tenha  um  objectivo.   Qualquer   jogo   possui   naturalmente   um   objectivo   final,   pois   o   jogador   necessita   sempre   de   ter   algo   a   alcançar,   dentro   das   regras   definidas.   Sem   um   objectivo,   o   jogador   dificilmente   se   manterá   interessado  no  jogo.  Sem  um  objectivo,  o  jogo  também  não  terá  um  final,  uma  conclusão.   Algo  com  um  final  aberto,  que  não  é  concluído,  não  fornece  ao  jogador  um  total  sentimento  de   satisfação.   Muitos   videojogos   com   ambientes   tridimensionais   possuem   um   grande   foco   na   exploração.   Observa-­‐se   isso   em   vários   videojogos,   como   nas   séries   Assassin’s   Creed   ou   Dragon   Age,   onde   os   jogadores  por  vezes  passam  horas  a  explorar  os  mundos  ficcionais  apenas  por  puro  prazer,  pois  as   tarefas/missão   que   têm   de   completar   nem   sempre   possuem   um   tempo   delimitado   para   a   fazer,   32      

2  |  NARRATIVAS  E  ACÇÃO  CINEMÁTICAS  

permitindo  que  o  jogador  possa  por  momentos  “distrair-­‐se”.   No   entanto   inevitavelmente   chegam   a   um   ponto   de   saturação   e   eventualmente   regressam   à   missão   e   propósito   da   narrativa   central   do   jogo,   de   modo   a   completar   o   objectivo   final   do   jogo   e   finalizá-­‐lo.     2.2.2.3.  Desafios  e  Obstáculos   Uma  vez  que  os  videojogos  são  um  meio  que  procura  entreter,  outra  mecânica  essencial  são  os   Desafios  e  Obstáculos.  Estes  são  um  dos  elementos  principais  para  criar  e  manter  interesse  e  emoção   no  jogador.   Os   obstáculos   introduzidos   em   videojogos   podem   ser   de   várias   naturezas,   desde   elementos   físicos  a  personagens  oponentes.   Em   quase   qualquer   videojogo,   os   desafios   apresentados   possuem   uma   hierarquia,   ou   seja,   o   jogador   poderá   encontrar   desafios   principais   que   por   sua   vez   possuem   vários   desafios   menores   dentro  de  si  e  que  o  jogador  terá  de  completar  para  completar  o  desafio  principal  (Adams,  2010).  A   série  de  Dragon  Age,  como  vários  RPG,  é  um  dos  muitos  casos  que  ilustra  esta  hierarquia  de  desafios   (Figura  7).  

 

 

Figura  7  –  Screenshots  de  Dragon  Age:  Origins  (2009)  e  Dragon  age  II  (2011)  mostrando  as  missões   organizadas  por  categorias.  

  2.2.2.4.  Consequências  e  Recompensas   Outra   mecânica   necessária   é   um   sistema   de   Consequências   e   Recompensas   das   acções   do   jogador.  Como  já  foi  dito  o  jogador  necessita  de  um  objectivo,  e  para  criar  interesse  na  sua  procura   são  introduzido  obstáculos.  Mas  é  necessário  suscitar  também  uma  motivação  no  jogador  para  tal.   Neste  sentido  a  introdução  de  recompensas  são  o  dispositivo  mais  perceptível.  Para  o  jogador  é     33    

ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

  importante  que  este  sinta  que  ganha  algo  com  as  suas  acções  no  jogo  e  com  o  acto  de  jogar  no  geral.   A   forma   como   os   videojogos   trabalham   com   este   sistema   de   recompensas   é   muito   variado,   desde   algo   importante   para   alcançar   o   objectivo   final   ou   simplesmente   items   especiais   ou   únicos   que   poderão  ser  utilizados  no  jogo.   Poderá   ser   algo   que   é   introduzido   dentro   da   progressão   do   jogo,   como   acontece   em   certas   missões   de   Dragon   Age   (ou   muitos   outros   RPG)   onde   a   conclusão   de   uma   missão   poderá   no   final   oferecer  ao  jogador  um  item  único  (arma,  armadura,  ...)  que  não  conseguirá  encontrar  noutro  local,   e  que  possui  atributos  atractivos  (como  um  poder  de  ataque  muito  superior  a  outros  items).   Outros  tipos  de  recompensas  é  a  atribuição  de  XP,  que  permitem  ao  jogador  avançar  no  jogo  ou   ter  acesso  a  mais  ataques,  armas,  entre  tantas  outras  opções  (Figura  8).  

  Figura  8  –  Screenshot  de  Dragon  Age  Inquisition  (2014)  ilustrando  um  dos  casos  em  que  quando  o  jogador   derrota  um  inimigo  ganha  XP.  A  quantidade  XP  que  o  personagem  possui  irá  condicionar  o  nível  em  que  este  se   encontra  e  os  poderes  ou  ataques  a  que  conseguirá  ter  acesso.  Naturalmente  a  procura  será  por  conseguir  o   mais  possível.  

  As  consequências  são  igualmente  importantes  pois  o  risco  é  também  um  aspecto  que  causa  apelo   e  emoção  no  jogador.  Se  o  jogador  puder  realizar  qualquer  acção  sem  risco  de  consequências,  isso   elimina   grande   parte   o   desafio.   O   próprio   acto   de   ganhar,   implica   a   possibilidade   de   falhar.   É   a   perspectiva   de   possivelmente   falhar   que   leva   o   jogador   a   preocupar-­‐se   com   a   escolha   das   suas   acções  no  jogo.     2.2.2.5.  Narrativa   Outra  mecânica  possível  é  a  Narrativa,  ou  a  “história”.  “Possível”  porque  como  se  mencionou  no   ponto  2.1  nem  todos  os  jogos  possuem  um  argumento.  No  entanto,  no  âmbito  dos  videojogos  com   guião,   plot   e   narrativa,   ela   possui   um   forte   peso   no   seu   design   visual,   constituindo   assim   outra   mecânica  de  jogo.   34      

2  |  NARRATIVAS  E  ACÇÃO  CINEMÁTICAS  

Muitos  videojogos  actualmente  compreendem  um  forte  componente  de  storytelling.   Como   já   se   viu   no   capítulo   2.1,   os   fundamentos   da   construção   dramática   criam   emoções   e   interesse  no  espectador,  o  que  os  videojogos  procuram  conseguir  também.  Como  se  irá  ver  mais  à   frente  neste  capítulo,  a  emoção  e  empatia  num  videojogo  contribuem  grandemente  para  a  imersão   do  jogador  nele.   Adicionalmente,  a  narrativa  num  videojogo  é  uma  forma  de  o  jogador  compreender  as  situações   de   jogo   (Nitsche,   2008).   Ela   auxilia   o   jogador   a   interpretar   significados,   relações   entre   eventos   e   o   caminho  correcto  de  escolhas  e  acções  dentro  do  jogo.   Ao   fazer   o   jogador   participar   numa   ‘história’,   a   narrativa   unifica   a   acção   do   jogo,   ajudando   igualmente  o  espectador  a  sentir-­‐se  mais  imerso  e  orientado  nesse  universo,  em  vez  de  ser  apenas   um  exercício  de  coordenação  motora  ou  resolução  analítica  de  um  puzzle  (Wolf,  2001).   A  narrativa  nos  videojogos  surge  em  três  âmbitos  diferentes:   –   Em   primeiro   lugar,   encontra-­‐se   a   narrativa   no   sentido   de   guião   ou   argumento,   ou   seja   a   “história”   pré-­‐escrita,   uma   sucessão   de   eventos   já   definidos   e   embutidos   no   jogo,   e   que   portanto   acontecem  sempre  de  igual  maneira  a  qualquer  jogador  (Sylvester,  2013).  Esta  é  a  narrativa  falada   no  capítulo  2.1.   –   Outro   âmbito   considerado   respeita   à   narrativa   do   mundo,   ou   seja,   a   história   dos   lugares   no   mundo  do  jogo,  o  seu  passado  e  as  pessoas  que  os  habitam.  Esta  história  é  “contada”  pelos  objectos,   arquitectura,   personagens,   espaço   ficcional,   referências   ao   imaginário   colectivo   e   culturais,   entre   outros.  (Sylvester,  2013),  como  se  irá  ver  no  capítulo  III.3.   –   Por   fim,   surge   ainda   a   narrativa   emergente.   Esta   não   é   explícita   ou   pré-­‐definida   no   design   do   jogo,   mas   antes   emerge   durante   o   jogo,   sendo   criada   pelo   jogador   e   as   outras   mecânicas   do   jogo   (Sylvester,  2013).  Ela  resulta  da  interacção,  acções,  escolhas  e,  no  fundo,  de  toda  a  progressão  pelo   jogo  realizada  por  cada  jogador  individual.       2.2.2.6.  Espaço   Por   último,   a   mecânica   final   de   jogo   é   o   Espaço   onde   o   jogo   decorre.   Este   é   naturalmente   o   elemento   de   maior   interesse   neste   trabalho   e   que   por   isso   irá   ser   abordado   individualmente   e   em   maior  detalhe  no  capítulo3.    

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ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

  Em  síntese:   –  As  acções  que  o  jogador  pode  fazer  estão  então  primeiramente  dependentes  (e  definidas)  pelas   regras,  pois  elas  definem  quais  as  acções  permitidas  (e  não  permitidas)  de  o  jogador  efectuar  e  os   seus  resultados  e  consequências.   –   Também   são   condicionadas   e   determinadas   pelo   objectivo   (que   induz   quais   as   acções   que   o   jogador  deverá  fazer)   –  Os  obstáculos  condicionam  no  momento  as  acção  passíveis  que  o  jogador  efectuar.   –  Por  associação,  as  recompensas  e  consequências  afectam  igualmente  as  acções  do  jogador  pois   a  escolha  do  jogador  sobre  que  acções  efectuar  irá  ser  condicionada  e  feita  com  base  também  nesses   dois  aspectos.   –  O  espaço  impõe  igualmente  constrangimentos  sobre  as  acções  que  o  jogador  poderá  realizar,   como  se  irá  ver  no  capítulo  seguinte.   –   No   caso   dos   videojogos   em   estudo,   acrescenta-­‐se   ainda   a   narrativa   como   condicionante   igualmente  das  acções  do  jogador.     2.2.3.  Controlo  Indirecto  do  Comportamento  do  Jogador   O   aspecto   que   distingue   os   videojogos   de   outros   meios   de   entretenimento   é   a   interactividade   e   a   possibilidade   de   o   jogador   intervir   directamente   sobre   os   eventos,   moldando   e   condicionando   a   narrativa.   Para  ilustrar,  Bioshock  (2007)  é  um  dos  muitos  casos  em  que  existem  momentos  em  que  é  dado   ao   jogador   a   hipótese   de   escolher   entre   dois   percursos   de   acção   que   irão   afectar   a   narrativa   e   eventos  futuros  (Figura  9).  

  Figura  9  –  Screenshot  de  Bioshock  (2007)  do  momento  em  o  jogador  deve  escolher  entre  salvar  uma  Little   Sister  ou  não,  decisão  que  irá  condicionar  eventos  futuros.   36      

2  |  NARRATIVAS  E  ACÇÃO  CINEMÁTICAS  

Esta   “liberdade”   apela   muito   ao   jogador   e   também   permite   uma   maior   imersão   no   universo   do   jogo,  pois  facilita  a  projecção  da  sua  imaginação  sobre  esse  mundo  e  eventos  que  ele  próprio  molda   (Schell,  2015)   Mas  apesar  do  designer  do  jogo  não  ter  controlo  total  de  tudo  o  que  o  jogador  faz  (como  se  falou   antes,  existem  narrativas  e  gameplay  emergentes),  é  preciso  que  haja  algum  controlo  e  estrutura  das   narrativas  interactivas.  Mas  de  modo  a  manter  esse  sentimento  de  liberdade  do  jogo,  esse  controlo  é   feito  de  forma  subtil  e  indirecta  através  de  várias  formas.   Schell   (2015)   identifica   seis   métodos   de   controlo   indirecto   do   comportamento   do   jogador:   Constrangimentos,  Objectivos,  Interfaces,  Design  visual,  Personagens  e  Música.   Como  se  falou,  o  jogo  não  fornece  ao  jogador  uma  total  liberdade  de  escolhas,  mas  dando-­‐lhe  um   número   possível   destas   –   ou   seja   impondo-­‐lhe   um   constrangimento,   limitando-­‐lhe   a   escolha   entre   a   opções  oferecidas  –  consegue  dar-­‐lhe  na  mesma  um  sentimento  de  liberdade  ao  mesmo  tempo  que   que  o  está  a  condicionar.   A  definição  de  um  objectivo  é  naturalmente  o  método  comum  usado  (Schell,  2015).  A  imposição   de   um   objectivo   final   no   jogador   condiciona   imediatamente   o   seu   comportamento   ao   longo   do   jogo,   pois  tudo  o  que  ele  fizer  irá  ser  em  função  de  atingir  esse  objectivo.   As  diversas  interfaces  do  jogo  condicionam  também  à  partida  que  acções  o  jogador  irá  realizar.   Um   videojogo   que   assenta   na   utilização   de   um   comando   específico   (como   os   jogos   de   guitar   hero   que   precisam   de   uma   guitarra)   ou   que   utiliza   outro   método   com   que   o   jogador   interage   com   o   videojogo   (como   um   avatar)   alteram   substancialmente   as   acções   do   jogador   (Schell,   2015).   Um   comando   com   uma   guitarra   não   permite   uma   exploração   por   mundos   virtuais   como   um   avatar   permite.   Os  elementos  visuais,  em  termos  de  composição  visual,  iluminação  e  cor,  entre  outros  já  vistos,   igualmente  manipulam  o  comportamento  do  jogador.   O   jogador   naturalmente   move-­‐se   em   direcção   ao   que   lhe   chama   a   atenção   (Schell,   2015).   No   cinema  estes  aspectos  apenas  podem  mover  o  olhar  do  espectador,  mas  num  meio  interactivo  como   os  videojogo  direccionar  o  olhar  conduz  para  o  direccionamento  do  seu  percurso  de  acção  também.   Controlando   para   onde   o   jogador   olha,   controla-­‐se   indirectamente   para   onde   ele   se   irá   mover   (Schell,  2015).   Os   personagens   do   videojogo   (que   não   o   jogador)   são   muitas   vezes   utilizados   igualmente   para   manipular   o   comportamento   do   jogador.   Frequentemente   os   personagens   secundários   (por   vezes     37    

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  são  personagens  que  encontram  pelo  mundo  do  jogo,  outras  vezes  são  personagens  que  acompanha   o  jogador  ao  longo  de  todo  ou  quase  todo  o  jogo)  interagem  com  o  personagem-­‐jogador  através  de   diálogo,  oferecendo  informações  sobre  a  missão  em  curso  ou  por  vezes  até  instruções  directas  sobre   para  onde  o  jogador  se  deverá  dirigir.   Um  caso,  entre  muitos,  é  a  personagem  de  Elizabeth  em  Bioshock  Infinite  (2013),  que  acompanha   Booker  (jogador)  ao  longo  de  todo  o  jogo,  por  vezes  dizendo-­‐lhe  informação  por  meio  de  diálogo,  e   em  certos  momentos  (Figura  10)  chegando  mesmo  a  conduzi-­‐lo  por  um  percurso,  em  que  o  jogador   não  tem  outra  opção  senão  segui-­‐la.  Nestes  momentos  –  como  quando  ambos  fogem  da  torre  logo   após   ao   primeiro   encontro   –   Elizabeth   em   vez   de   ser   apenas   um   personagem-­‐companheiro   que   segue  Booker,  adquire  uma  autoridade  maior  controlando  indirectamente  o  comportamento  e  acção   do  jogador.   Este  tipo  de  casos  jogam  muito  com  a  importância  da  empatia,  pois  fazendo  o  jogador  preocupar-­‐   se   com   um   outro   personagem   imaginário   inspira   a   sua   acção   para   o   seguir   e/ou   proteger   (Schell,   2015).  

 

 

Figura  10  –  Screenshots  de  Bioshock  Infinite  (2013)  do  momento  em  que  Elizabeth  escapa  da  torre  e  o   jogador  necessita  de  a  seguir.  

  Por   último,   um   método   que   não   pode   deixar   se   estar   presente   é   o   poder   da   música.   Em   videojogos,   tal   como   no   cinema,   a   banda   sonora   não   serve   apenas   para   atribuir   um   mood   à   cena   (Schell,  2015).  Qualquer  jogador  já  se  apercebeu  como  a  música  altera  significativamente  consoante   o   local   ou   momento   do   jogo,   e   já   todo   experienciaram   a   sensação   de   antecipação   de   que   algo   importante  irá  acontecer  num  local,  ainda  antes  de  lá  chegar,  apenas  pela  mudança  da  música.   Locais   onde   não   existe   conflito   imediato   e   onde   portanto   o   jogador   poderá   explorar   o   espaço   possuem  uma  música  de  fundo  mais  calma  e  menos  intensa,  enquanto  quando  se  dá  um  conflito  a   música  torna-­‐se  mais  dramática,  mais  alta  e  mais  acelerada.    

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2.2.4.  Interfaces  e  Interacção   2.2.4.1.  Interfaces   As   interfaces   são   aquilo   que   torna   o   jogo   visível,   audível   e   jogável,   criando   assim   a   experiência   do   jogador  (Adams,  2010).   A   primeira   interface   com   que   o   jogador   se   depara   são   as   shell   menus.   Estas   são   no   fundo   o   menu   inicial,  onde  o  jogador  começa  e  configura  o  jogo  (Adams,  2010).   O   modelo   de   interacção   é   outro   tipo   de   interface.   Este   diz   respeito   à   forma   como   o   jogador   interage   com   o   universo   do   videojogo,   através   de   um   avatar   ou   múltiplos,   entre   outros   (Adams,   2010).   O  modelo  de  câmara  é  outra  interface  muito  significativa,  como  se  viu  no  ponto  2.2.1.,  pois  ela   caracteriza   o   género   do   jogo   bem   como   a   forma   como   o   jogador   olha   para   o   mundo   do   jogo,   influenciando  assim  também  a  maneira  como  ele  interage  com  ele  e  se  sente  imerso  nele.   Os  vários  elementos  visuais  utilizados,  desde  o  aspecto  da  vista  principal  do  jogo,  elementos  de   feedback  como  indicadores,  mapas  e  cores,  a  indicação  do  retrato  do  personagem,  botões,  menus  e   por   vezes   textos,   são   outra   das   interfaces   que   comunicam   informação   ao   jogador   dentro   do   jogo   (Adams,  2010).   Acrescentam-­‐se   a   esta   lista   igualmente   o   elementos   sonoros,   como   efeitos   sonoros,   sons   ambiente,   música,   diálogo   e   em   certos   casos   narração   voiceover,   e   os   input   devices,   ou   seja,   se   o   jogador  dá  os  comandos  para  a  acção  para  interagir  através  de  teclado,  joysticks,  ou  outros  (Adams,   2010).     2.2.4.2.  Interactividade   O   aspecto   essencial   que   distingue   o   meio   dos   videojogos   de   todos   os   outros   meios   de   entretenimento   é   a   interactividade.   Num   videojogo,   o   individuo   é   simultaneamente   jogador   (interveniente)   e   espectador   na   medida   em   que   ele   tanto   recebe   e   observa   as   informações   da   narrativa  de  uma  posição  exterior,  como  também  contribui  para  elas.  Ele  “não  só  entra  nos  mundos   dos  jogos  como  também  os  altera  e  os  seus  ingredientes”  (Nitsche,  2008,  p.  40).   Qualquer  jogo  implica  interactividade,  pois  jogar  implica  interagir  com  o  objecto  do  jogo,  implica   efectuar   escolhas   que   se   destinam   a   suportar   acções   e   resultados   de   maneiras   significantes   (Salen   &   Zimmerman,  2003).  

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  Salen  &  Zimmerman  (2003)  analisam  esta  relação  entre  interacção  e  “escolha”,  desenvolvendo  o   que   eles   chama   de   “molécula”   de   escolha,   explicando   como   os   significados   num   jogo   surgem   da   interacção   do   jogador,   a   partir   da   sua   possibilidade   de   escolha   e   emergindo   do   princípio   de   que   a   acção  deverá  conduzir  a  um  resultado  (significante).  Toda  a  estrutura  interactiva  se  constrói-­‐se  em   torno  deste  processo  (Salen  &  Zimmerman,  2003).   A  interactividade  que  surge  neste  meio  processa-­‐se  em  várias  dimensões,  desde  interactividade   explícita   com   um   objecto   concreto   no   mundo   do   videojogo,   à   interactividade   emocional   e   experiencial  com  o  seu  mundo  ficcional.   Zangalo  (2009)  distingue  estes  tipos  de  interactividade  entre  interactividade   como  manipulação  e   interactividade   como   participação,   enquanto   que   Salen   &   Zimmerman   (2003)   distinguem   entre   interactividade   cognitiva,   interactividade   funcional,   interactividade   explícita   e   interactividade   para-­‐ lá-­‐do-­‐objecto.     2.2.4.3.  Navegabilidade   No   âmbito   deste   trabalho,   o   olhar   sobre   a   interacção   do   jogador   que   mais   nos   interessa   é   aquele   que   compreende   o   aspecto   da   navegabilidade.   Zangalo   (2009)   define   navegabilidade   enquanto   “a   forma  como  o  utilizador  se  move  no  ambiente,  cognitivamente,  o  que  tem  de  saber  e  fazer,  para  se   deslocar   uma   vez   aí   dentro   e  ao  nível  comportamental,  como  se  configuram  os  movimentos,  como  se   expressam”  (Zangalo,  2009,  p.  194).   Compreender   e   analisar   a   navegabilidade   depende   de   um   olhar   sobre   vários   aspectos,   nomeadamente   a   forma   como   o   jogador   acede   e   lhe   é   apresentado   a   representação   do   mundo   ficcional   (ou   seja,   os   aspectos   já   vistos   nos   pontos   2.2.   e   2.3.),   os   modos   como   ele   acede   a   esse   mundo,  se  move  nele  e  realiza  acções,  bem  como  todos  os  aspectos  que  manipulam  o  seu  percurso  e   acção  (desde  os  já  falados  sobre  controlo  indirecto,  composição,  cor,  iluminação,  como  também  os   aspectos  referentes  à  morfologia  do  terreno,  limites,  obstáculos).     2.2.5.  Fluir  do  Storytelling  e  acção  no  jogador   O  principal  objectivo  do  design  de  um  jogo  é  conceber  experiências  (Martinho,  Santos,  &  Prada,   2014).   As   mecânicas   de   jogo,   bem   como   as   questões   sobre   interactividade   e   Gameplay   faladas   anteriormente  contribuem  para  a  construção  dessas  experiências.   No  entanto,  estas  experiências  querem-­‐se  também  imersivas  e  causadoras  de  emoção.   40      

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2.2.5.1.  Imersão   A  imersão  ocorre  quando  se  estreita  a  divisão  entre  o  eu  real  do  jogador  e  o  seu  avatar  no  jogo.   Quando  isto  acontece  os  eventos  que  ocorrem  ao  avatar  (personagem)  tornam-­‐se  significante  como   se  estivessem  a  ocorrer  ao  próprio  jogador  (Sylvester,  2013).   A   imersão   pode   no   entanto   ocorrer   a   níveis   diferentes.   Zangalo   (2009)   distingue   dois   níveis   de   imersão:  física  e  cognitivo-­‐emocional.   A   imersão   física   envolve   um   “sentido   de   presença”,   mas   num   sentido   assente   nas   implicações   sobre  a  visão  e  audição  do  individuo.  Assim  sendo,  depende  do  médium  em  que  o  mundo  virtual  é   representado.  Neste  contexto/nível  um  sistema  HMD  –  que  “consiste  num  capacete  que  contém  um   visor,  que  pode  envolver  todo  o  campo  de  visão”  (Zangalo,  2009,  p.  201)  –  será  o  meio  muito  mais   imersivo  do  que  os  ecrãs  de  televisão  ou  computador  em  que  os  videojogos  são  visualizados.   Wolf   (2012)   no   entanto   considera   imersão   física   de   modo   diferente,   e   que   nos   parece   mais   correcta.   Ele   considera   imersão   física   quando   o   individuo   é   fisicamente   cercado   pela   experiência.   Este  é  o  caso  de  parques  temáticos,  e  portanto  um  ambiente  virtual  nunca  poderá  oferecer  este  tipo   de  imersão.   Um   segundo   nível   que   ele   distingue   é   imersão   sensual,   este   sim   corresponde   de   certo   modo   a   imersão   física   de   Zangalo.   Imersão   sensual   definida   por   Wolf   diz   respeito   a   uma   imersão   numa   experiencia  através  dos  sentidos  da  visão  e  audição  e  não  do  corpo  inteiro  fisicamente.   A   um   terceiro   nível   ele   considera   ainda   imersão   conceptual,   que   assenta   na   imaginação,   pois   é   uma   imersão   na   ficção   de   um   mundo   imaginário.   Este   possui   correlações   com   a   segunda   perspectiva   sobre  a  imersão  que  Zangalo  faz.   O  nível  cognitivo-­‐emocional  descrito  por  Zangalo  constitui  o  envolvimento  emocional  do  jogador   ou  espectador  com  a  ficção.  É  onde  assenta  o  fenómeno  da  “suspensão  da  descrença”  (suspension  of   disbelief),   ou   seja,   quando   o   jogador   ou   espectador   aceita   as   premissas   da   ficção   como   sendo   verdadeiras  (Zangalo,  2009)  –    é  um  estado  em  que  o  jogador  encara  a  ficção  como  uma  realidade,   envolvendo-­‐se  e  tornando-­‐se  imerso  nesse  universo.     2.2.5.2.  Equilíbrio,  Focus  e  Flow   O  acto  imersivo  implica  também  um  focus.  Implica  que  o  jogador  esteja  completamente  focado   no  universo  ficcional  do  jogo.  

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  Os   videojogos   procuram   sempre,   naturalmente,   criar   uma   experiência   interessante   o   suficiente   que   consiga   manter   a   atenção   –   focus   -­‐   do   jogador   o   mais   possível   (Schell,   2015).   Este   estado   de   concentração  numa  actividade  particular,  em  que  o  indivíduo  simultaneamente  retira  um  alto  nível   de  prazer,  entretenimento  e  satisfação  constitui  o  chamado  estado  de  “flow”  (Schell,  2015).   Os   videojogos   conseguem   colocar   o   jogador   neste   estado   de   flow   e   focus   ao   possuírem   um   objectivo  final  claro  (fornece  algo  concreto  em  que  se  focar),  ao  envolver  tanto  um  trabalho  motor   (jogador  usa  sempre  as  mãos  para  jogar)  como  mental  (pois  existe  sempre  um  processo  de  analisar  a   situação,   tomada   de   decisões   e   resolução   de   problemas),   impedindo-­‐o   de   subconscientemente   se   distrair,   tendo   um   feedback   imediato   (momentos   de   espera   entre   comado   da   acção   e   representação   do   resultado   conduzem   a   que   o   jogador   perca   o   concentração),   e   através   de   um   equilíbrio   de   desafios  constantes  (Schell,  2015).   Este   ponto   intermédio   entre   desafios   demasiados   fáceis   (que   causam   aborrecimento   e   desinteresse)  e  desafios  demasiado  difíceis  (que  causam  ansiedade  e  frustração)  é  essencial  para  a   criação   do   flow   (Schell,   2015).   Ambos   estes   extremos   conduzem   à   perca   de   interesse   e   atenção   (focus)   e   portanto   não   criam   imersão.   A   ideia   de   focus   e   flow   são   então   importantes   para   a   (boa)   experiência  de  jogo  e  imersão  do  espectador.     2.2.5.3.  Emoção   A   qualidade   da   experiência   depende   de   que   “o   jogador   tenha   interesse   nos   elementos   promovidos   pela   experiência,   e   que   esteja   empenhado   em   agir   de   forma   a   avançar   e   a   viver   a   experiência”.   Para   isto   é   importante   “captar   e   manter   a   atenção   do   jogador   (para   promover   o   interesse)   e   gerir   a   sua   motivação   (para   promover   o   empenho)”.   Sendo   que   “o   desejo   de   sentir   emoções  é  um  dos  motivadores  do  comportamento  humano”  (Martinho,  Santos,  &  Prada,  2014,  p.   119).   Isto   quer   dizer   que   os   eventos   do   jogo   têm   de   provocar   emoção   (Sylvester,   2013),   pois   esse   é   um   aspecto   essencial   que   captam   a   atenção   no   jogador   mantendo-­‐o   envolvido   no   jogo.   Também   as   emoções   geradas   pelo   jogo   constituem   uma   das   motivações   que   o   mantém   imerso   e   empenhado   no   desenvolvimento  do  jogo.   Existe  um  número  que  emotional  triggers  (Sylvester,  2013)  que  são  usados  para  gerar  respostas   emotivas:   aprendizagem   de   novas   informações,   desenvolvimento   e   crescimento   interno   dos   personagens,   desafios,   ameaças,   interacções   sociais,   aquisição,   música,   espectáculo,   beleza,  

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ambientes,  para  nomear  apenas  os  mais  comuns.   Imersão  implica  um  sentimento  de  relação  com  objecto/artefacto,  que  surge  através  da  emoção,   mas  também  principalmente  da  empatia.     2.2.5.4.  Empatia   O   ser   humano   tem   a   capacidade   de   se   projectar   no   lugar   do   outro,   o   que   constitui   um   dos   factores   que   lhe   permite   entender   outros   indivíduos.   Isto   é   a   empatia,   e   é   também   uma   parte   integral  do  gameplay  (Schell,  2015).   Nos   videojogos   em   estudo,   a   empatia   é   um   fenómeno   essencial   e   inerente   uma   vez   que   estes   envolvem  a  projecção  do  jogador  num  personagem,  através  do  qual  ele  interage  com  esse  mundo.   Sem   criar   empatia   com   o   personagem,   projectando-­‐se   nele,   não   conseguiria   experienciar   verdadeiramente  o  jogo  nem  tornar-­‐se  totalmente  imerso  nele.   Projecção   empática   é   também   um   método   de   resolução   de   problemas,   coisa   que   os   jogos   possuem.  Quando  o  jogador  se  projecta  no  personagem,  projecta  também  toda  a  sua  (processo  ou   capacidade  de)  tomada  de  decisões  para  essa  personagem  (Schell,  2015).    

2.3.  Câmara  e  Composição   2.3.1.  A  Câmara  e  o  Espectador   2.3.1.1.  Os  Ângulos  de  Câmara   A   colocação,   quer   seja   na   posição,   altura   ou   inclinação,   da   câmara   –   o   ângulo   de   câmara   –   influencia  a  leitura  que  o  espectador  tem  da  acção  e  do  espaço  onde  esta  se  desenrola.   A  câmara  é  o  elemento  responsável  por  aquilo  que  o  sujeito  vê,  e  consequentemente  de  como  vê,   tendo  um  papel  significante  na  estrutura  dramática  da  narrativa  (Marner,  2013)  e  contribuindo  para   a   criação   dos   efeitos   visuais   dramáticos   e   psicológicos   (Boggs   &   Petrie,   2008).   No   âmbito   cinematográfico,   ela   é   responsável   por   descrever   visualmente   as   suas   personagens,   exaltar   as   suas   inter-­‐relações,  estados  de  espírito  e  intenções  (Marner,  2013),  conseguindo  manipular  as  respostas   emocionais   e   afectivas   do   sujeito   e   contribuir   para   uma   adequada   compreensão   da   narrativa   da   ficção.   O   enquadramento   de   um   plano   tem   um   enorme   impacto   em   como   este   se   percebe   e   sente   (Ablan,   2002),   tendo   a   câmara   a   capacidade   de   conduzir   a   atenção   do   sujeito,   dirigindo-­‐a     43    

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  exactamente  como  se  pretende.  O  enquadramento  que  é  estabelecido  pode  trazer  as  personagens   mais   próximos   ou   mais   distantes,   criando   maior   ou   menor   envolvimento   e   intimidade   com   as   personagens,   sendo   que   cada   tipo   de   plano   mostra   as   porções   significativas   de   cenário   e   intervenientes  que  são  essenciais  para  a  narrativa  (Mascelli,  1998).   As   diferentes   interpretações   emocionais   e   narrativas   que   o   sujeito   faz   do   que   vê   na   cena   são   então   condicionadas,   em   primeira   instância,   consoante   o   grau   de   aproximação   da   câmara   ao   tema   que  filma.  O  grau  de  aproximação  da  câmara  resulta  em  diferentes  tamanhos  e  secções  do  espaço   que   esta   apresenta   no   enquadramento   do   plano   (Mascelli,   1998),   tendo   cada   um   potencialidades   dramáticas   distintas.   No   entanto,   o   tamanho   da  imagem   a   enquadrar   é   também   determinado   pelo   campo   visual,   pelo   formato   do   plano,   da   lente   a   utilizar   e   pela   sua   distância   focal   (Mascelli,   1998).   Estas   variáveis   podem   levar   a   diferentes   percepções   dimensionais,   cinemáticas   e   espaciais   entre   temas  presentes  no  plano,  bem  como  a  diferentes  leituras  psicológicas  de  personagens  e  ambientes.   Tudo   isto,   na   linguagem   cinematográfica,   resulta   em   diferentes   tipos   de   planos   –   plano   geral,   plano  de  conjunto,  planos  médios  como  o  plano  aproximado  de  tronco  e  plano  aproximado  de  peito,   grande  plano,  muito  grande  plano,  bem  como  planos  de  pormenor  e  planos  de  inserto.     –  Tamanhos  de  Planos   Nos   planos   mais   afastados,   como   o  plano   geral  e   plano   de   conjunto17,   o   observador   descobre   o   mundo   ficcional   onde   se   desenvolve   a   acção   (Marner,   2013).   É   nestes   planos   que   o   espaço   e   ambiente   geral   da   cena   é   estabelecido,   em   que   o   espectador   identifica   as   personagens   e   o   ambiente   envolvente  (Ablan,  2002),  bem  como  a  sua  posição  e  a  dos  objectos  com  que  interage  (Beane,  2012),   mas  não  ainda  o  desenrolar  da  acção  e  do  enredo.  Estes  planos  permitem  ao  espectador  estabelecer   uma   referência   espacial   onde   irá   ocorrer   a   acção   nos   planos   subsequentes,   bem   como   sentir   emocionalmente  a  matriz  dos  ambientes  do  mundo  ficcional  habitado  pelas  personagens  (Figura  11).   A  aproximação  emocional  aos  protagonistas  dá-­‐se  nos  planos  mais  aproximados  onde,  ao  reduzir   a   área   do   espaço   cénico   exposto,   as   personagens,   juntamente   com   as   suas   expressões   e   acções,   adquirem   maior   impacto   e   leitura   (Marner,   2013).   Repare-­‐se   como   nos   planos   médios   dos   intervenientes  da  acção  –  desde  o  plano  aproximado  de  tronco  ao  plano  aproximado  de  peito  (Figura   12)  –  estes  se  tornam  o  centro  da  atenção,  em  detrimento  do  cenário,  permitindo  no  entanto  ainda                                                                                                                           17

 Enquanto  o  plano  geral  fornece  uma  perspectiva  mais  ampla  do  mundo  ficcional,  o  plano  de  conjunto  apenas  mostra   o  espaço  onde  a  acção  se  vai  desenvolver  (Marner,  2013).   44      

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estabelecer  uma  relação  da  personagem  com  o  espaço  ficcional.   No   entanto,   uma   maior   intensidade   dramática   é   conseguida   com   os   grandes   planos   e   os   muito   grandes   planos18   (Figura   13),   em   que   o   espectador   é   literalmente   invadido   pelas   emoções,   intensões   e  carácter  da  personagem  (Marner,  2013).   Outro   tipo   de   planos   são   os   planos   de   pormenor19   e   os   planos   de   inserto20,   fornecendo   informação  sobre  o  enredo  e  a  própria  acção.  São  planos  muito  aproximados,  que  mostram  um  tema   em  detalhe,  isolando-­‐o  do  contexto  espacial.  

 

 

 

 

Figura  11  –  Plano  geral  e  plano  de  conjunto  em  Brave  (2012),  estabelecendo  as  características  e  carácter  do   espaço  e  ambiente  onde  a  acção  se  irá  desenrolar  

Figura  12–  Plano  aproximado  de  tronco  e  plano  aproximado  de  peito  em  My  Fair  Lady  (1964)  

Figura  13  –  Grande  plano  e  muito  grande  plano  em  Irmandade  do  Anel  (2001)  

 

                                                                                                                            18

  Os   muito   grande   planos   especialmente   sendo   aqueles   que   mais   conduzem   a   atenção   do   espectador   para   a   personagem   e   conferindo   um   dramatismo   superior   ao   plano   ao   estabelecer   uma   identificação   mais   intensa   entre   espectador  e  personagem.   19   Os   planos   de   pormenor   fornecem   informação   do   enquadrar,   numa   cena,   um   detalhe   muito   aproximado   de   adereços   nela  existentes,  podendo  estes  estarem  a  ser  utilizados,  ou  não,  na  acção  veiculada  pelos  protagonistas.  De  qualquer  modo,   fornecem   sempre   ao   espectador   informação   adicional   sobre   o   enredo,   podendo   ser   também   uma   parte   da   narrativa   da   acção  principal  na  cena.   20  Os  Planos  de  inserto  são  planos  aproximados,  de  detalhe,  fornecendo  sempre  informação  pela  via  textual,  relevante   para  ao  enredo  ou  acção  da  cena.  Pode  constituir  planos  objetivos  ou  subjectivos.     45    

ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

  Como  se  irá  ver  no  ponto  seguinte,  em  videojogos,  pela  característica  interactiva  dependente  do   jogador,  o  avançar  da  acção  exige  uma  certa  amplitude  de  visão  do  espaço  ficcional  virtual  onde  essa   decorre.   Devido   a   isto,   planos   demasiado   aproximados  –   grande   plano   e   muito   grande   plano  -­‐   não   surgem  na  progressão  da  acção  uma  vez  que  não  permitem  visualizar  o  espaço  em  extensão.   A   utilização   de   um   tamanho   de   um   plano   maior   ou   menor,   entre   tamanhos   comparáveis   a   planos   de   conjunto,   ou   a   plano   aproximados   de   tronco   e   de   peito,   pelas   suas   especificidades   de   contributos   dramáticos   e   representação   do   espaço   já   apontadas,   encontra-­‐se   condicionada   ao   género   de   jogo.   Isto  quer  devido  ao  tipo  de  acção  (gameplay)  que  possuem  –  que  podem  exigir  um  campo  de  visão   maior   ou   menor   –   quer   devido   a   intensões   ao   nível   da   experiência   emocional   do   jogador   que   pretendem  criar.     –  Nível  e  Inclinação  da  câmara   Nas   narrativas   cinematográficas,   a   câmara   é   tipicamente   colocada   a   uma   altura   equivalente   à   altura  do  olhar  do  tema  que  filma  (Mascelli,  1998)  –  level  angle  –  o  que  resulta  em  planos  passivos,   estáticos  e  pouco  dramáticos  ou  dinâmicos  só  por  si  (Marner,  2013).  No  entanto,  é  o  nível  da  câmara   mais  comum  para  relatar  a  acção,  recorrente  ao  longo  da  progressão  da  narrativa.   Alterando   este   nível   de   altura   da   câmara,   criam-­‐se   planos   de   maior   qualidade   dramática   visual   (Marner,   2013)   –   como   descendo   a   câmara,   colocando-­‐a   à   altura   dos   joelhos   -­‐   causando   um   acréscimo   do   relevo   e   presença   do   tema   filmado   pela   enfatização   da   perspectiva,   fazendo   o   tema   parecer  maior  e  mais  imponente.  Também  se  pode  colocar  a  câmara  nivelada  acima  das  personagens   e   figurantes,   descrevendo   em   profundidade   e   em   direcção   ao   infinito   o   espaço   e   os   que   nele   se   encontram.   Adicionalmente,   o   inclinar   da   câmara   segundo   um   eixo   horizontal   e   paralelo   à   cena   resulta   em   planos  fixos  dinâmicos  –  planos  picados  e  planos  contrapicados  –  que  conferem  leituras  distintas  do   espaço  e  das  personagens,  devido  à  distorção  criada  nas  linhas  verticais.   Os   planos   picados   (Figura   14.a)   –   quando   a   câmara   encara   o   tema   de   uma   posição   superior,   apontada   para   baixo   –   causam   no   espaço   filmado   uma   sua   óptima   descrição   em   profundidade   em   relação   a   objectos   e   personagens   que   nele   se   situem,   bem   como   conotações   de   inferioridade,   vulnerabilidade  ou  opressão  nestas,  retirando-­‐lhes  força  e  importância  (Marner,  2013).   Os   planos   contrapicados   (Figura   14.b)   –   em   que   a   câmara   fita   a   personagem   de   uma   posição   inferior,   olhando   para   cima   –   conferem   ao   espaço   uma   enorme   monumentalidade,   imponência   e   46      

2  |  NARRATIVAS  E  ACÇÃO  CINEMÁTICAS  

destaque,  tendo  um  impacto  acrescido  e  dominante  sobre  o  espectador  (Marner,  2013).  Quando  o   tema   central   são   personagens,   o   espectador   sente-­‐os   como   importantes,   superiores   e   poderosos,   sendo   quem   domina   na   cena   (Mascelli,   1998).   É   aumentada   a   sua   estatura   pela   perspectiva,   dominando  o  campo  visual.   No   âmbito   de   uma   abordagem   psicológica   ao   tema   do   plano   e   à   cena,   é   enorme   o   papel   da   inclinação   da   câmara,   tendo   esta   um   fundamental   papel   dramático   porque   afinal   é   por   ela   que   o   espectador  vê  a  ficção  cinemática,  os  seus  personagens  e  o  seu  mundo.   Efeitos   com   intuitos   dramáticos   são   igualmente   criados   inclinando   a   câmara   relativamente   ao   enquadramento   do   plano,   criando   planos   diagonais,   inclinados,   em   que   as   linhas   da   composição   e   representação  do  espaço  passam  de  verticais  e  horizontais  a  diagonais  –  planos  “holandeses”  (Figura   14.c).   Pela   sensação   de   desequilíbrio   que   induzem   ou   sugerem,   estes   planos   realçam   situações   de   estados  emocionais  ou  psicológicos  extremos,  ou  de  estados  de  mentais  alterados  (Mascelli,  1998),   causando   no   espectador   uma   sensação   incómoda   de   inquietação,   desorientação,   desequilíbrio   ou   pânico.   É   frequente   a   utilização   destes   planos   em   pares   de   inclinação   oposta   e   simétrica,   transmitindo   não   só   desequilíbrio   ou   inquietação,   mas   também   um   sentido   de   equilíbrio   da   própria   narrativa   visual,  visto  o  conjunto  dos  planos  inclinados  se  anularem.  Deste  modo  o  desequilíbrio  do  enredo  e   da  acção  não  se  transmite  à  narrativa  visual  da  peça  cinemática.   Podem  ser  também  utilizados  a  inclinação  da  câmara  e  do  enquadramento  em  simultâneo  num   plano,   fornecendo   um   ênfase   adicional   ao   significado   dramático,   com   grande   impacto   sobre   o   espectador.  

  Figura  14  –  Plano  picado  em  Amadeus  (1984),  plano  contrapicado  em  Amadeus  (1984)  e  plano  holandês  em   Brave  (2012)  

  Nos   videojogos,   o   nível   de   altura   e   inclinação   da   câmara   encontra-­‐se   semelhante   e   fundamentalmente  associada  ao  género  e  ponto  de  vista  do  videojogo.   Em   videojogos   de   género   acção   ou   acção-­‐aventura,   que   requerem   um   visualizar   em   maior   extensão  do  espaço  ficcional  virtual  captado  pelo  ecrã,  a  câmara  tipicamente  encontra-­‐se  acima  da     47    

ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

  linha   de   olhar   do   personagem,   e   por   vezes   em   ligeiro   picado.   No   entanto   por   vezes   estes,   quando   apresentam   uma   vista   over-­‐the-­‐shoulder,   possuem   a   câmara   colocada   ao   nível   do   olhar   dos   personagens,  que  é  uma  das  razões  que  contribui  para  a  qualidade  imersiva  deste  tipo  de  jogos.     2.3.1.2.  O  Olhar  da  Câmara   –  No  cinema:  Planos  Objectivos,  Subjectivos  e  POV   John   Ford   considera   a   câmara   como   uma   janela   de   onde   a   audiência   vê   de   fora   as   pessoas   e   eventos  (Boggs  &  Petrie,  2008),  mas  a  forma  como  a  audiência  vê  a  acção  pode  assumir  diferentes   abordagens.  No  universo  cinematográfico,  o  ponto  de  vista  que  a  câmara  assume  por  vezes  alterna   entre  o  objectivo,  o  subjectivo  e  o  POV.   O  ponto  de  vista  mais  comum  é  o   Objectivo  (por  vezes  também  chamado  de  ponto  de  vista  da   audiência),   sendo   este   um   ponto   de   vista   impessoal,   pois   não   mostra   o   evento   pelos   olhos   de   algum   interveniente  da  cena.  Neste  ângulo  de  câmara  a  câmara  comporta-­‐se  como  sendo  um  observador   passivo  e  invisível,  não  envolvido  na  acção,  mas  no  entanto  situado  no  espaço  ficcional  onde  decorre   a  cena  (Mascelli,  1998).  De  modo  a  manter  a  ilusão  imersiva  destes  pontos  de  vista,  as  personagens   agem   como   não   estando   conscientes   da   existência   da   câmara   ou   do   espectador,   e   portanto   nunca   olhando  directamente  para  estes  (Thompson  &  Bowen,  2009).   O   ponto   de   vista   Subjectivo   é   utilizado   quando   se   pretende   mostrar   o   espaço   cénico   e   a   acção   que  nele  decorre  do  ponto  de  vista  de  uma  personagem.  Neste,  o  espectador  é  situado  dentro  desse   personagem,   olhando   pelos   seus   olhos   (Mascelli,   1998),   e   as   outras   personagens   olham   directamente   para   a   câmara   quando   se   dirigem   ao   personagem   em   que   foi   situado   o   espectador   (Thompson  &  Bowen,  2009).   Este   dispositivo   fornece   “o   ponto   de   vista   visual   e   a   intensidade   emocional   sentidos   pela   personagem  participante  na  acção”  (Boggs  &  Petrie,  2008,  p.  128),  ao  colocar  o  observador  dentro  da   personagem.   Deste   modo,   envolve   o   espectador   na   acção   e   no   enredo   de   uma   forma   directa   e   activa,   criando   no   espectador   uma   noção   de   proximidade   e   partilha   de   identidade   com   o   personagem  que  “ocupa”,  por  vezes  até  criando  sensações  de  desconforto  ou  inquietação  ao  forçar   o  sujeito  a  subitamente  mudar  de  posição  e  pelo  envolvimento  na  acção  (Mascelli,  1998).   Existe   ainda   um   outro   plano   de   filmagem   –   objectivo   –   em   que   se   permite   ao   espectador   ver   o   que  uma  personagem  olha,  denominado  POV  (Point  of  View).  Este  constitui  um  ponto  de  vista  muito   próximo   dessa   personagem,   mas   mantendo-­‐se   exterior   a   ela   (Mascelli,   1998).   Assim   permite   48      

2  |  NARRATIVAS  E  ACÇÃO  CINEMÁTICAS  

aproximar   o   espectador   à   acção   sem   no   entanto   o   envolver   directamente   nela,   ou   seja,   ele   mantém-­‐   se  fora  da  trama,  dos  personagens  e  imperceptível  por  esses.  É  então  o  mais  próximo  que  um  plano   objectivo  pode  estar  das  personagens  e  do  que  estas  vêem.   Na   prática,   o   espectador   (ou   seja,   a   câmara)   é   situado   ao   lado   ou   atrás   de   uma   personagem,   com   um   ângulo   de   câmara   muito   próximo,   sendo   dado   ver   (quase)   o   mesmo   que   essa   vê,   mas   continuando   a   ser-­‐lhe   exterior,   uma   vez   que   o   espectador   não   vê   pelos   olhos   daquela   (Mascelli,   1998).  O  espectador  mantem  um  ponto  de  vista  impessoal  que  muitas  vezes  é  tornado  explícito  ao   incluir  nos  limites  do  enquadramento  uma  parte  da  personagem  cuja  visão  partilhamos  –  como  nos   planos  “over-­‐the-­‐shoulder”  .     –  Nos  videojogos:  perspectivas  terceira-­‐pessoa  e  primeira-­‐pessoa   No  âmbito  dos  videojogos,  os  diferentes  olhares  da  câmara  também  se  encontram.  No  entanto,   não  surgem  apenas  de  acordo  com  as  suas  qualidades  dramáticas  que  conferem  à  narrativa  visual,   aparecendo  alternadamente  consoante  o  que  melhor  se  adequa  à  cena.   Na  generalidade,  o  tipo  de  ponto  de  vista  da  câmara  mantêm-­‐se  constante,  salvo  certas  situações   que   se   irão   apontar   e   analisar   no   capítulo   de   Realização.   Este   facto,   adicionalmente,   caracteriza   o   género  do  jogo  e  o  tipo  de  experiência  emocional  por  parte  do  jogador  (Anhut,  2011).   Este  trabalho  foca-­‐se  selectivamente  nos  videojogos  3D21,  cuja  câmara  visualiza  o  espaço  da  acção   situando-­‐se   dentro   deste,   fornecendo   ao   espectador   uma   experiência   mais   imersiva   do   espaço   virtual.   Esta   poderá   ser   posicionada   mais   próxima   ou   mais   distante,   ou   até   mesmo   no   lugar,   do   protagonista   dependendo   do   género   de   jogo.   Neste   âmbito   consideram-­‐se   então   os   jogos   em   terceira-­‐pessoa  e  em  primeira-­‐pessoa.   A   perspectiva   na   terceira   pessoa,   caracteriza-­‐se   por   um   ponto   de   vista   exterior   à   personagem,   seguindo-­‐a,  a  uma  certa  distância  e  ligeiramente  acima  da  sua  linha  de  visão  (Fullerton,  2008).   Este   ponto   de   vista   pode   ser   equiparado   à   filmagem   objectiva   que   se   encontra   na   linguagem   cinematográfica,  no  sentido  em  que  observa  e  relata  a  uma  determinada  distância.  No  entanto,  no   caso   dos   videojogos,   mesmo   na   vista   em   terceira-­‐pessoa,   este   olhar   da   câmara   encontra-­‐se   de   um   certo  modo  mais  envolvida  na  acção  do  que  se  sucede  no  cinema.                                                                                                                           21

 Neste  sentido  excluiu-­‐se  a  análise  de  jogos  considerados  2D,  que  englobam  os  jogos  de  perspectiva  aérea  (Top-­‐down,   também  denominados  de  god’s  view,  ou  isométrica)  e  de  perspectiva  lateral.     49    

ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

  As   características   desta   perspectiva   permitem   um   campo   de   visão   amplo   do   espaço   onde   a   acção   decorre   e   por   isso   também   um   maior   controlo   sobre   as   acções   da   personagem   uma   vez   que   apresenta   uma   visualização   total   desta.   Esta   amplitude   do   seu   campo   de   visão   implica   igualmente   que   o   jogador   consegue   visualizar   um   pouco   mais   do   espaço   que   envolve   a   personagem   –   lateralmente  e  um  pouco  atrás   –   dando-­‐lhe  um  melhor  conhecimento  do  espaço  ficcional  virtual  e   assim  uma  maior  percepção  e  consciência  espacial.   Por   isso   este   é   o   ponto   de   vista   tipicamente   seleccionado   em   jogos   de   acção   e   acção-­‐aventura,   que  “dependem  de  um  controlo  mais  detalhado  das  acções  do  personagem”  (Fullerton,  2008,  p.  223)   e  onde  o  protagonista  poderá  ser  cercado  pelas  forças  opostas  (Figura  15.a).   Mas  tal  como  no  cinema  existe  um  subtipo  de  filmagem  objectiva  –  o  POV  (Point  of  View)  –  alguns   jogos   em   terceira-­‐pessoa   apresentam   um   ponto   de   vista   over-­‐the-­‐shoulder,   muito   popular   em   géneros   survival   horror   ,   tendo   sido   introduzido   e   popularizado   por   Resident   Evil   4   (2005),   e   também   em  alguns  action  e  shooters  (na  terceira  pessoa)  devido  à  sua  qualidade  imersiva  (Figura  15.b).   O   ponto   de   vista   over-­‐the-­‐shoulder   corresponde   a   uma   vista   na   terceira   pessoa,   mas   neste   a   câmara   é   posicionada   ao   nível   dos   olhos   do   protagonista   e   ao   seu   lado.   À   semelhança   dos   planos   POV   vistos   no   cinema,   este   ponto   de   vista   fornece   ao   espectador   a   visão   aproximada   do   que   a   personagem   vê,   criando   assim   uma   maior   sensação   de   presença   e   imersão   no   espaço   e   na   acção,   pois  acompanha  o  protagonista  lado  a  lado.  Neste  ponto  de  vista  “o  jogador  é  enganado  a  sentir-­‐se   quase  próximo  o  suficiente  do  agente  para  realmente  ser  ele  ou  pelo  menos  estar  preso  na  mesma   situação  com  ele”,  e  quando  o  protagonista  se  mexe,  o  jogador  mexe-­‐se  com  dele  (Anhut,  2011).   Deste   modo   o   jogador   é   introduzido   mais   activamente   na   acção,   sendo   colocado   no   mesmo   espaço   e   nível   que   os   personagens   que   habitam   o   espaço   ficcional   virtual,   ao   contrário   da   vista   tradicional   em   terceira-­‐pessoa   onde   o   espectador   se   encontra   a   uma   certa   distância   e   num   ponto   ligeiramente  acima  destas.   Assim,   aproxima-­‐se   muito   da   perspectiva   em   primeira-­‐pessoa,   sem   se   colocar   na   visão   da   personagem,  tal  como  os  planos  POV  se  aproximam  da  filmagem  subjectiva.   No   entanto,   estando   a   câmara   posicionada   mais   próxima,   retira   um   pouco   da   amplitude   do   campo  visual  do  jogador  que  caracteriza  a  vista  em  terceira-­‐pessoa.   Por  último,  a  perspectiva  em  primeira-­‐pessoa  é  o  ponto  de  vista  mais  próximo  da  visão  real  do   espaço,   pois   o   jogador   vê   como   que   pelos   olhos   do   protagonista   (Figura   15.c).   Este   ponto   de   vista   “cria  imediatismo  e  empatia  com  a  personagem  principal,  literalmente  pondo  o  jogador  nos  sapatos   50      

2  |  NARRATIVAS  E  ACÇÃO  CINEMÁTICAS  

da  personagem”  (Fullerton,  2008,  p.  233).  Corresponde  então  a  um  constante  plano  subjectivo,  que   se  mantém  ao  longo  de  toda  a  acção.   No   entanto,   esta   perspectiva   possui   um   amplitude   do   campo   de   visão   muito   menor,   comparativamente   a   vista   em   terceira-­‐pessoa,   deixando   o   jogador   de   conseguir   ter   uma   conhecimento  muito  abrangente  do  espaço  envolvente  e  consequentemente  levando  a  uma  menor   consciência  espacial.  Isto  “limita  o  conhecimento  geral  do  jogador,  permitindo  momentos  dramáticos   de   tensão   e   surpresa   uma   vez   que   inimigos   podem   esconder-­‐se   em   qualquer   sombra   ou   até   aproximar-­‐se   de   trás”   (Fullerton,   2008,   p.   233).   A   limitação   visual   deste   ponto   de   vista   pode   ser   considerado  por  uns  como  uma  desvantagem  mas  por  outros  como  uma  “potencialidade”  dramática,   pois  não  conseguindo  ver  tudo,  aumenta  a  tensão  do  jogador  em  relação  ao  desconhecido  e  favorece   o  impacto  de  momentos  surpresa.  

 

 

 

Figura  15  –  Screenshots  de  videojogos  com  perspectiva  primeira-­‐pessoa  (Bioshock,  2007),  perspectiva  over-­‐ the-­‐shoulder  (Resident  Evil  4,  2005)  e  perspectiva  terceira-­‐pessoa  (Assassin's  Creed  II,  2009).  

  Há  ainda  que  referir  que  um  videojogo  nem  sempre  se  encontra  condicionado  a  um  único  ponto   de  vista  da  câmara.  Como  se  irá  ver  no  capítulo  da  Realização,  em  alguns  casos  o  jogador  pode  optar   por  utilizar  uma  câmara  em  terceira  ou  em  primeira  pessoa  conforme  as  suas  preferências  (como  em   The  Elder  Scroll  V:  Skyrim,  2011),  ou  pode  alternar  o  ângulo  da  câmara  para  diversos  pontos  de  vista   consoante  o  gameplay  do  momento,  seja  de  forma  automática  (como  em  Batman:  Arkham  Asylum,   2009),  seja  de  forma  controlada  pelo  jogador  (como  em  Tomb  Raider,  2013).     2.3.1.3.  Os  Movimentos  de  Câmara   –  Tipos  de  Movimentos:  Rotações,  Translações  e  em  profundidade   No   universo   cinematográfico   existe   um   conjunto   de   tipos   de   movimentos   que   a   câmara   pode   efectuar   durante   a   filmagem   de   um   plano.   Estes   movimentos   de   câmara,   sejam   eles   rotações,   translações,   em   profundidade,   ou   todos   estes   em   simultâneo,   permitem   leituras   com   finalidades   muito   diversas   –   como   o   revelar   da   espacialidade   de   um   espaço   cénico   ou   da   construção   de   uma   coerência   e   modelo   espacial   a   percepcionar   pelo   espectador,   ou   o   criar   e   revelar   continuidade     51    

ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

  espacial  na  acção,  induzir  espectativa  ou  ansiedade  no  espectador,  entre  tantas  outras.   Quando  a  câmara  executa  uma  rotação,  horizontal  ou  vertical,  origina  planos  panorâmicos.  Planos   panorâmicos  horizontais  (pan)  ocorrem  quando  a  câmara  se  mantém  numa  posição  fixa  e  roda  em   torno   do   seu   eixo   vertical,   originando   um   plano   que   se   movimenta   da   esquerda   para   a   direita   ou   vice-­‐versa,   varrendo   o   espaço   na   horizontal.   Planos   panorâmicos   verticais   (tilt)   correspondem   a   quando   a   câmara   roda   em   torno   do   seu   eixo   horizontal   criando   um   plano   que   se   move   de   cima   para   baixo  ou  vice-­‐versa,  revelando  o  espaço  ao  longo  da  vertical  do  enquadramento  (Ablan,  2002).   De  modo  geral,  o  uso  mais  comum  dos  movimentos  de  câmara  é  seguir  o  movimento  do   tema,   podendo   igualmente   servir   para   mudar   de   um   tema   para   outro,   ou   para   simplesmente   estabelecer   a   distância   relativa   entre   duas   personagens.   Qualquer   dos   movimentos   de   câmara   pode   ter   um   cariz   dramático   ou   puramente   descritivo,   sendo   sempre   importante   a   sua   velocidade   e   sua   progressão,   aspecto   que   induz   leituras   premeditadas   nos   movimentos   de   câmara   (Marner,   2013)   –   uma   panorâmica   acelerada   introduz   dinamismo   e   animação   (Figura   16),   enquanto   um   movimento   lento   pode  revelar  uma  personagem,  intensificando  o  suspense  e  criando  antecipação  (Figura  17).   Estes   planos   podem   assumir-­‐se   como   descritivos,   quando   pretendem   apenas   apresentar   a   generalidade   do   espaço,   suas   dimensões   e   adereços,   ou   como   condutores   da   atenção   (Figura   18),   quando  possuem  um  ponto  de  interesse  específico,  conduzindo  a  atenção  do  observador  para  algo   que   terá   um   papel   acrescido   na   acção   subsequente   ou   que   possua   informação   relativa   à   acção   (Marner,  2013).   Outro   movimento   de   câmara   por   vezes   utilizado   é   a   rotação   segundo   o   seu   eixo   de   profundidade   –  denominado  de  roll  ou  yaw.  Este  movimento  é  utilizado  em  situações  como  para  revelar  estados   mentais  intensos  ou  alterados  de  personagens,  simular  o  voo  de  aviões  ou  ave,  de  um  ponto  de  vista   subjectivo,  entre  outros.  

 

 

 

Figura  16  –  Screenshots  de  uma  panorâmica  acelerada  em  Brave  (2012)  

 

 

Figura  17  –  Screenshots  de  panorâmica  lenta  em  Irmandade  do  Anel  (2001)  

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2  |  NARRATIVAS  E  ACÇÃO  CINEMÁTICAS  

 

 

 

Figura  18  –  Screenshots  de  um  movimento  de  câmara  condutor  da  atenção  em  Irmandade  do  Anel  (2001)  

  Por  vezes  os  movimentos  de  rotação  da  câmara  são  usados  também  quando  a  narrativa  e  acção   do  tema  é  em  si  monótona  e  sem  dinâmica,  havendo  apenas  o  uso  da  câmara  como  recurso  à  criação   de   variedade,   movimento   e   ritmo   (interesse).   Nestes   casos,   é   necessário   criar   movimento   plástico   com   esta,   que   nada   tem   a   ver   com   o   enredo   ou   com   a   acção   narrada,   como   com   movimentos   de   câmara   que   rodam   sobre   o   tema,   isolando-­‐o   da   envolvente   que   roda   e   não   permanece   no   enquadramento,  levando  a  atenção  do  espectador  a  ser  captada  apenas  pelo  tema.   Existem   ainda   movimentos   de   translação   como   os   horizontais   paralelos   à   acção   (denominados   de   Planos   de   Paralaxe)   e   os   verticais   (também   referidos   como   Boom)   –   que   possuem   intenções   semelhantes  aos  movimentos  panorâmicos,  relativamente  à  sua  velocidade  e  efeitos  dramáticos   –  e   os  movimentos  horizontais  em  profundidade,  avançando  ou  recuando  segundo  esse  eixo  da  câmara.   Os   movimentos   horizontais   em   profundidade   consistem   em   planos   dolly,   que   são   planos   de   avanço  (dolly  in)  ou  recuo  (dolly  out)  sobre  o  tema  e  o  espaço  ficcional,  transmitindo  ao  espectador  a   sensação   de   entrar   no   espaço   ou   dele   se   retirar   (Ablan,   2002).   Estes   planos   –   ao   contrário   da   utilização   do   Zoom   da   câmara22   –   não   distorcem   a   perspectiva   da   imagem,   mas   criam   igualmente   efeitos  visuais  dramáticos.   Os   planos   de   dolly   in   trazem   o   espectador   para   dentro   do   espaço,   aproximando-­‐o   dos   personagens   (Figura   19),   enquanto   que   os   planos   de   dolly   out   recuam   neste   para   revelar   o   espaço   existente  atrás  do  observador  invisível  (Figura  20).   Estes  movimentos  de  câmara  são  assim  os  que  melhor  acentuam  a  profundidade  do  espaço  numa   narrativa  ficcional.  

 

 

 

Figura  19  –  Screenshots  de  um  dolly-­‐in  em  Irmandade  do  Anel  (2001)  

                                                                                                                        22

 O  Zoom  origina  efeitos  de  distorção  do  espaço  pela  distorção  da  perspectiva  (Ablan,  2002),  alterando  as  distâncias   relativas  percepcionadas,  podendo  expandir  o  espaço  e  tornar  mais  lenta  a  acção,  ou  acelerá-­‐la  ao  contrair  o  espaço.     53    

ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

 

 

 

 

Figura  20  –  Screenshots  de  um  dolly-­‐out  em  Irmandade  do  Anel  (2001)  

  O   uso   de   lentes   de   diferentes   aberturas   proporciona   expansão   do   espaço   e   movimentos   aparentes   mais   lentos   e   distanciamento   psicológico   entre   personagens   –   uso   de   grandes-­‐angulares   –   ou   uma   compressão   do   espaço,   movimentos   aparentes   acelerados   e   proximidade   psicológica   ou   sentimental  –  uso  de  teleobjectivas  (Marner,  2013).   As   distorções   do   espaço   podem   criar   leituras   dramáticas   e   plásticas   durante   o   plano,   quando   a   lente  varia  ao  longo  do  tempo  num  plano  em  movimentos  de  aproximação  ou  afastamento  por  Zoom   (Figura   21).   Com   estes,   o   espaço   vai-­‐se   expandindo   ou   comprimindo   ao   longo   do   plano23,   tal   como   o   efeito  de  perspectiva  se  vai  acentuando  ou  diminuindo,  provocando  uma  deformação  do  espaço  não   homogénea.  Este  efeito,  que  nega  a  coerência  do  espaço  como  o  espectador  a  concebe,  torna  este   dispositivo   num   plano   adequado   para   situações   onde   ocorrem   acontecimentos   dramáticos   ou   em   que  a  realidade  coerente  parece  posta  em  causa  aos  protagonistas.  

 

 

 

Figura  21  –  Screenshots  de  uma  aproximação  por  zoom  em  Panda  do  Kung-­‐Fu  (2008)  

  A   câmara   pode   ainda   movimentar-­‐se   seguindo,   a   uma   distância   fixa,   um   tema,   seja   ele   uma   personagem,  um  veículo  ou  outro.  Estes  tratam-­‐se  de  planos  de  seguimento  (tracking  shots  ou  follow   shots)   que   seguem   uma   personagem   e   as   suas   acções   (Ablan,   2002),   podendo   esta   mover-­‐se   livremente   pelo   espaço   ficcional   e   conduzindo   para   si,   inevitavelmente,   a   constante   atenção   do   espectador   (Figura   22).   Por   vezes,   estes   são   igualmente   utilizados   para   ligar   dois   espaços   consecutivos,  seguindo  um  personagem  enquanto  este  se  desloca  entre  eles.   Claro   que   todos   estes   movimentos   da   câmara   podem   ser   usados   em   várias   combinações   e   em   simultâneo,  de  forma  criar  efeitos  mais  intensos,  como  acontece  em  Panda  do  Kung-­‐Fu  (2008)  onde   se   utilizaram   inúmeras   vezes   movimentos   compostos   para   acrescentar   dinamismo   ao   filme   –   tais                                                                                                                           23

 Sendo  a  expansão  dos  objectos  nele  colocados  tanto  maior  quanto  mais  longe  se  encontrem  da  câmara.  

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2  |  NARRATIVAS  E  ACÇÃO  CINEMÁTICAS  

momentos,   nesse   mesmo   filme,   incluem   um   boom   acelerado   percorrendo   a   escadaria,   transformando-­‐se   numa   rotação   seguida   de   zoom-­‐in   até   se   centrar   no   protagonista,   criando   um   plano  incrivelmente  dinâmico  e  dramático  (Figura  23).  

 

 

 

Figura  22  –  Screenshots  de  um  plano  de  seguimento  em  My  Fair  Lady  (1964)  

 

 

 

Figura  23  –  Screenshots  de  um  movimento  composto  em  Panda  do  Kung-­‐Fu  (2008)  

  –  Movimentos  de  câmara  nos  videojogos   Olhando   para   a   câmara   nos   videojogos,   observa-­‐se   que   movimentos   de   rotação,   translação,   em   profundidade,  ou  de  seguimento  também  se  utilizam.   Tal   como   no   cinema,   os   movimentos   da   câmara   possuem   uma   grande   importância   para   a   experiência  dramática  da  narrativa  visual,  mas  também  para  o  conhecimento  espacial  que  o  jogador   adquire   destas   e   da   sua   acção24.   Neste   sentido,   os   movimentos   possibilitados   pela   câmara   constituem   um   beneficio   significativo   para   que   o   jogador   consiga   estabelecer   relações   espaciais   e   recolher  informações  do  espaço  envolvente  que  lhe  permitem  construir  cognitivamente  um  espaço   coerente   e   continuo   da   e   para   a   acção,   bem   como   construir,   interpretar   e   planear   a   sua   linha   de   acção,  no  espaço,  para  a  progressão  no  videojogo.   No  entanto,  estes  movimentos  dependem  muito  do  ponto  de  vista  da  câmara,  pois  a  forma  como   a   acção   é   representado   e   mostrada   condiciona   (num   âmbito   de   coerência   e   realismo)   que   movimentos  a  câmara  poderá  efectuar  no  espaço  virtual.   Uma  vez  que  a  câmara,  quer  apresente  um  olhar  subjectivo  do  protagonista  em  primeira-­‐pessoa,   quer   se   encontre   exterior   a   este,   encontra-­‐se   relacionada   à   maneira   como   este   visualiza   o   espaço   (pois   encontra-­‐se   sempre   agarrada   à   personagem),   não   é   comum   ocorrerem   movimento   de                                                                                                                           24

  Existem   no   entanto,   certos   videojogos   que   não   apresentam   qualquer   movimento   de   câmara  –   como   alguns   jogos   em   perspectiva  aérea  (god’s  view),  cuja  gameplay  assenta  num  controlo  e  domínio  total  sobre  um  espaço  e  que  não  necessita   de  um  movimentar  pelo  espaço.     55    

ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

  translações  com  ela  no  ecrã.   Os   movimentos   mais   característicos,   dinâmicos   e   variados,   são   no   entanto   proporcionados   com   a   possibilidade  de  rotação  da  câmara.   O   mais   comum   é   realizando   panorâmicas   horizontais   e   verticais,   pois   simulam   o   movimento   natural  do  indivíduo  em  olhar  o  espaço  em  seu  redor  e  deste  modo  surgem  na  interacção  com  este   tipo  de  narrativas  como  um  dispositivo  praticamente  natural.   Mas,  em  certos  casos,  quando  em  perspectiva  de  terceira-­‐pessoa,  a  câmara  também  poderá  rodar   em  torno  no  personagem.  Nestes  casos  de  videojogos,  no  entanto,  os  efeitos  e  propósitos  deste  tipo   de   rotações   funcionam   de   forma   oposta   do   que   se   sucede   nas   narrativas   cinematográficas   –   ou   seja,   não   para   destacar   e   isolar   o   protagonista   em   deterioramento   do   espaço   envolvente,   mas   sim   precisamente  para  o  jogador  melhor  observar  esse  espaço  em  torno  do  personagem.   Os   movimentos   de   profundidade   (os   dolly,   na   linguagem   cinematográfica)   constituem   o   movimento   constante   da   câmara,   que   caracteriza   o   envolvimento   do   jogador   com   a   ficção   interactiva.   Nestes   a   câmara   efectua   um   constante   dolly,   controlado   pelo   jogador,   pois   como   a   câmara   está   ‘agarrada   à   personagem’   sempre   que   ela   avança   ou   recua   no   espaço   virtual,   naturalmente  também  a  câmara  o  faz.   Especificamente   na   perspectiva   em   terceira-­‐pessoa,   estes   movimentos   em   profundidade   correspondem   igualmente   a   planos   de   seguimento,   uma   vez   que   a   câmara   se   mantêm   sempre   agarrada  ao  personagem,  seguindo-­‐o  a  uma  determinada  distância.   Certos   casos   permitem   igualmente   efeitos   de   zoom-­‐ins   e   zoom-­‐outs,   aproximando-­‐se   ou   distanciando   mais   do   personagem,   consoante   o   que   o   jogador   entende   melhorar   a   sua   leitura   do   espaço  virtual  para  a  progressão  da  acção.   Até   aqui   falou-­‐se   dos   movimentos   manipulados   por   acção   do   jogador.   No   entanto,   em   muitos   casos,  a  própria  interface  do  videojogo  poderá  atribuir  comportamentos  de  IA  (inteligência  artificial)   na   movimentação   automática   da   câmara   de   modo   a   proporcionar   uma   melhor   jogabilidade   e   acompanhamento  dinâmico  da  acção.   Jogos  como  Prince  of  Persia:  the  Forgotten  Sands  (2010)  ou  Assassin’s  Creed  II  (2009),  bem  como   os  restantes  da  mesma  série,  utilizam  frequentemente  estes  segmentos  cinemáticos  onde  a  câmara   movimenta-­‐se  pelo  espaço,  com  rotações  e  dolly,  seguindo  o  percurso  que  o  jogador  deverá  seguir   até  ao  ponto  final  do  objectivo.  Estes  movimentos  auxiliam  especialmente  o  jogador  em  sequências   que  requerem  um  percurso  específico  pelo  espaço,  que  de  outra  forma  poderia  não  ser  claramente   56      

2  |  NARRATIVAS  E  ACÇÃO  CINEMÁTICAS  

perceptível  –  este  aspecto  irá  ser  desenvolvido  em  mais  detalhe  no  ponto  2.3.5.   Em  resumo,  como  se  viu,  a  posição  da  câmara,  juntamente  com  os  seus  movimentos,  condiciona   o  que  é  enquadrado  e  representado  nos  planos,  afectando  a  percepção  do  espaço  da  ficção  e  do  que   este  contém,  manipulando  a  experiência  emocional  e  perceptiva  do  espectador  e  do  jogador,  já  que   toda   a   informação   que   este   tem   do   enredo,   mundo   e   personagens   da   ficção   lhe   chegam   apenas   pela   câmara.     2.3.2.  Composição  Estática  de  um  plano   As   questões   da   imagem   e   da   percepção   visual   são   relevantes   para   a   problemática   do   espaço   e   como   o   indivíduo   o   percepciona,   se   move   nele   e   o   experiencia,   uma   vez   que   a   exploração   do   ambiente  envolve  não  só  o  movimento  do  corpo  pelo  espaço,  como  também  o  movimento  ocular  e  o   campo-­‐de-­‐visão  (Gibson,  1986).   Na  composição  estática  de  um  plano,  entram  em  consideração  diversos  aspectos  perceptuais  que   no  seu  conjunto  irão  afectar  o  equilíbrio  da  imagem  e  a  condução  da  atenção  do  espectador,  bem   como  a  sua  leitura  do  espaço  cénico.     2.3.2.1.  Alinhamentos  e  Geometria   No  que  respeita  ao  posicionamento  do  tema  no  enquadramento  do  plano,  muito  raramente  este   é  centrado  (Mascelli,  1998),  pois  produz  imagens  estáticas  –  sendo  por  isso  feito  apenas  quando  se   pretende  centrar  a  atenção  totalmente  nesse  único  elemento.   Quando   o   tema   não   é   centrado,   o   equilíbrio   do   plano   joga   não   apenas   pelo   espaço   preenchido   mas  também  por  aquele  que  é  deixado  vazio  –  como  inserir  “ar”  no  enquadramento,  ou  lookroom,   que  corresponde  ao  espaço  deixado  entre  os  olhos  do  personagem  e  o  limite  do  enquadramento  do   lado  oposto  (Thompson  &  Bowen,  2009b).   Tal   ocorre   quando   essa   personagem   interage   com   uma   outra   situada   nessa   direcção   (Figura   24.a)   ou  quando  ela  se  desloca  nessa  direcção,  pois  um  tema  em  movimento  deve  ter  espaço  na  direcção   em  que  se  desloca  e  um  tema  estático  deve  ter  espaço  na  direcção  em  que  olha  ou  interage  com  algo   (Mascelli,  1998).   Este   “ar”   simboliza   assim   a   acção   e   seus   protagonistas   que   estão   fora   do   enquadramento,   indicando   a   sua   direcção   e   presença.   O   “ar”   coloca-­‐se   entre   o   personagem   visível   no   plano   e   aqueles   que  se  situam,  na  mesma  linha  de  acção,  para  lá  do  enquadramento  (off-­‐screen).     57    

ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

  Geralmente  o  tema  principal  é  posicionado  no  lado  direito  do  enquadramento,  sendo  que  este  é   o   lado   mais   dominante.   Quando   é   posicionado   no   lado   esquerdo   recebe   normalmente   um   tratamento   mais   cuidado   como   melhor   iluminação   ou   contraste,   entre   outros   métodos   (Mascelli,   1998)   Igualmente,  os  elementos  com  maior  peso  visual  são  tipicamente  colocados  na  parte  inferior  da   imagem   (Figura   24.b),   levando   a   uma   sua   leitura   que   o   espectador   sente   como   tranquila   e   equilibrada.   Isto   porque   temas   posicionados   na   parte   inferior   da   imagem   ganham   atributos   de   pesado,   no   sentido  de  imóvel,  lento,  ancorado  e  estável.  Devido  à  noção  da  força  da  gravidade  que  o  espectador   tem,   é   espectável   e   lido   com   mais   conforto   quando   estes   elementos   se   localizam   na   zona   inferior   do   enquadramento.   Se  a  parte   superior   da  imagem   for  mais  pesada  que   a   inferior,   cria   no   espectador   sensações   de   tensão  e  desequilíbrio  –  que  podem  em  certos  casos  até  serem  pretendidas  –  levando-­‐o  a  sentir-­‐se   incomodado  e  ansioso,  estando  à  espera  que  o  elemento  caia.  

 

 

Figura  24  –  Plano  em  My  Fair  Lady  (1964)  com  “ar”  na  direcção  em  que  a  protagonista  interage  com  outra   personagem  e  Plano  em  Panda  do  Kung-­‐Fu  (2008)  onde  os  elementos  mais  pesados  encontram-­‐se  na  secção   inferior  do  enquadramento.  

  Os   elementos   do   enquadramento   podem   também   por   vezes   formar   “molduras”   –   Cercaduras   –   que  contêm  e  envolvem  a  acção  parcial  ou  completamente  (Figura  25).  Sendo  geralmente  centradas,   fazem  convergir  o  olhar  do  espectador  para  o  tema  que  enquadram  (Mascelli,  1998).   Estes  elementos  que  as  compõem  podem  ser  arcos,  janelas,  ombreiras,  candeeiros,  sinais,  partes   de  objectos  ou  edifícios,  vegetação  ou  até  figurantes.  São  no  entanto  sempre  elementos  estáticos  e   pouco   elaborados,   pois   de   contrário   desviariam   a   atenção   do   espectador   para   elas,   competindo   com   o  elemento  principal  ao  invés  de  o  enquadrar  e  enfatizar  (Mascelli,  1998).   De   modo   a   que   este   dispositivo   funcione   adequadamente,   existe   sempre   uma   separação   clara   entre   cercadura,   tema   principal   e   plano   de   fundo.   Esta   separação   é   conseguida   sendo   estas   bem   58      

2  |  NARRATIVAS  E  ACÇÃO  CINEMÁTICAS  

delimitadas,   com   contornos   bem   definidos,   e   existindo   um   forte   contraste   de   iluminação   entre   o   plano  da  cercadura  e  o  plano  da  acção.  Por  isso,  frequentemente  as  cercaduras  surgem  em  contraluz   ou   muito   em   sombra,   assinalando   apenas   (ou   quase)   a   sua   silhueta   –   ou   seja,   não   sendo   filmadas   com  uma  luz  frontal,  de  modo  a  não  terem  os  mesmos  valores  de  iluminação  que  o  plano  da  acção   principal,   uma   vez   que   cores,   tons   e   iluminação   semelhantes   causam   uma   fusão   dos   planos   de   profundidade  (Mascelli,  1998).  

 

 

Figura  25  –  Planos  em  Irmandade  do  Anel  (2001)  onde  elementos  do  espaço  cénico  –  vão  e  morfologia  do   terreno  -­‐  em  contraluz  criam  cercaduras.  

  Para   a   composição   estática   de   um   plano,   existem   duas   regras   importantes   e   frequentemente   utilizadas  –  o  Princípio  do  Triângulo  e  a  Regra  dos  Terços.   O   princípio   do   triângulo   é   utilizado   quando   surgem   no   plano   três   temas   dominantes   na   acção,   que  são  colocados  nos  vértices  de  um  triângulo  (Figura  26.a),  normalmente  fechando  a  atenção  do   espectador  na  relação  dessa  forma  (Ablan,  2002).   Este  triângulo  pode  ser  ascendente  ou  descendente,  sendo  o  personagem  central  dominante  ou   dominado,   de   acordo   se   o   ápex   onde   ele   se   situa   no   triângulo   estiver   em   cima   ou   em   baixo,   respectivamente  (Mascelli,  1998).   Geralmente  isto  é  realizado  com  duas  personagens  em  pé  e  uma  sentada  no  meio,  estando  assim   esta  última  subjugada  pelas  outras,  ou  com  a  personagem  situada  no  meio,  encontrando-­‐se  mais  alta   que  as  restantes  e  indicando  assim  que  detém  domínio  sobre  as  outras.   Estes  triângulos  formados  pela  composição  dos  elementos  podem  ser  altos  ou  baixos,  esguios  ou   largos,  dando  efeitos  diferentes  (Mascelli,  1998).   De   um   modo   geral   a   geometria   triangular   sugere   força,   estabilidade,   solidez.   Mas   mais   especificamente,  triângulos  largos  e  baixos  relacionam-­‐se  com  horizontalidade,  enfatizando  a  largura   do   plano   e   conferindo-­‐lhe   estabilidade   (Mascelli,   1998)   –   esta   estabilidade   só   é,   no   entanto,   transmitida   com   um   triângulo   normal   (com   o   ápex   para   cima),   e   não   com   um   triângulo   invertido   (Mascelli,   1998).   Os   triângulos   esguios   e   altos,   por   seu   lado,   relacionam-­‐se   com   verticalidade,  

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ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

  simbolizando  força  e  altura  (Mascelli,  1998).   Para  além  do  triângulo,  é  também  muitas  vezes  utilizada  a  forma  circular,  organizando  a  posição   dos  elementos  do  plano  de  modo  a  formar  um  círculo  visual  (Figura  26.b).  Esta  geometria  converge  a   atenção   do   espectador   para   os   elementos   que   o   criam   –   ou   o   seu   centro   –   originando   assim   um   ponto  focal  e  segurando  a  atenção  do  observador  nele  (Ablan,  2002).  Cria-­‐se  igualmente  uma  noção   de  agrupamento  e  coesão,  levando  o  observador  a  ler  os  elementos  como  um  grupo  ou  unidade.  

 

 

Figura  26  –  Composição  dos  três  personagens  relevantes  do  plano  segundo  o  princípio  do  triângulo  em  My   Fair  Lady  (1964)  e  Plano  em  Irmandade  do  Anel  (2001)  dispondo  os  personagens  num  círculo  criando  um   sentido  de  unidade  do  grupo.  

  A   regra   dos   terços   consiste   na   divisão   do   enquadramento   em   três   partes   iguais,   horizontal   e   verticalmente,   criando   quatro   pontos   mais   fortes   da   composição   nas   intersecções   destas   linhas   de   terço   (Mascelli,   1998).   Estes   pontos   coincidem   normalmente   com   os   pontos   de   maior   interesse   da   composição   onde   os   elementos   principais   da   acção   são   posicionados   (Figura   27).   Um   caso   usual   é   quando   se   enquadra   uma   personagem   em   que   se   posiciona   os   olhos   desta   a   um   terço   do   limite   superior  (Thompson  &  Bowen,  2009b;  Ablan,  2002).   Esta  regra  produz  imagens  mais  dinâmicas  que  as  imagens  centradas,  principalmente  se  os  pontos   de  maior  interesse  –  podendo  ser  objectos,  personagens  ou  “ar”  –  surgirem  em  pares  situados  em   pontos   diagonalmente   opostos.   No   entanto,   quando   composição   é   criada   com   uma   personagem   e   “ar”  (look  room),  este  “ar”  pode  por  vezes  ser  colocado  na  horizontal  oposta,  e  não  diagonalmente,   dependendo  da  continuidade  da  acção.  

  Figura  27  –  Plano  em  Brave  (2012)  em  que  a  protagonista  é  colocada  a  um  terço  do  limite  do   enquadramento  

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2  |  NARRATIVAS  E  ACÇÃO  CINEMÁTICAS  

O   posicionamento   final   de   todos   os   elementos   do   enquadramento   muitas   vezes   gera   alinhamentos  acentuados  em  determinadas  direcções,  que  conferem  diferentes  sugestões  ao  plano.   Alinhamentos   verticais  criam   sugestões   de   força,   dignidade   e   autoridade,   enquanto   alinhamentos   horizontais  sugerem  estabilidade,  horizonte  e  tranquilidade.  Alinhamentos  diagonais  são  dinâmicos,   sugerindo   instabilidade   ou   acção   e   movimento   (Boggs   &   Petrie,   2008).   Ainda,   quando   são   criadas   fortes  linhas  convergentes,  estas  sugerem  profundidade  e  velocidade  (Ablan,  2002).   Independentemente  da  direcção,  na  generalidade,  linhas  rectas  sugerem  masculinidade,  força  e   dignidade,  enquanto  se  forem  curvas  passam  a  denotar  fluidez  e  sensualidade,  podendo  por  um  lado   sugerir   feminidade   e   qualidades   delicadas   se   forem   suavemente   curvas,   ou   por   outro   lado   sugerir   acção  e  diversão  se  acentuadamente  curvas  (Mascelli,  1998;  Boggs  &  Petrie,  2008).   O  significado  transmitido  por  estes  tipos  de  alinhamentos  é  em  parte  influenciado  pelo  efeito  da   gravidade  e  forças  a  natureza  (Mascelli,  1998)  –  as  diagonais  são  dinâmicas  e  sugerem  instabilidade   porque  parecem  verticais  a  cair,  as  linhas  rectas  dão  a  impressão  de  velocidade  porque  a  distância   mais  curta  entre  dois  pontos  é  uma  recta  e  por  isso  as  curvas  induzem  uma  diminuição  de  velocidade   sugerindo  um  passo  mais  lento  (Mascelli,  1998).   Por  último,  quando  no  enquadramento  surge  uma  acentuada  linha  composicional  (que  não  faça   parte   de   um   padrão   ritmado)   –   como   uma   linha   diagonal   criada   pelo   lado   de   uma   montanha   ou   a   linha   do   horizonte   –   esta   nunca   é   centrada   pois   ao   dividir   o   enquadramento   em   dois   cria-­‐se   uma   imagem  quebrada  e  desequilibrada  (Ablan,  2002).     2.3.2.2.  A  Percepção  Visual  na  Composição  Estática  de  um  plano   Quando   o   espectador   recebe   informação   visual,   a   sua   percepção   organiza   os   elementos   em   unidades  simples  segundo  aspectos  semelhantes.  Este  processo  de  agrupamento  permite  uma  fácil  e   mais  rápida  leitura  da  imagem  por  parte  da  sua  percepção  (Ward,  2003).   Agrupar   determinados   elementos   poderá   fazê-­‐los   sobressair   de   um   fundo   confuso   ou   permitir   ao   espectador  distinguir  o  tema  e  acção  principal  da  acção  de  fundo  ou  para  onde  o  seu  olhar  se  deve   focar  (Ward,  2003).   Um  caso  mais  imediato  é  quando  o  espectador  identifica  uma  multidão  como  uma  unidade  pelo   tamanho   e   proximidade   dos   indivíduos,   ou   é   atribuído   uma   mesma   conotação   ou   inter-­‐relação   entre   elementos  que  tenham  a  mesma  cor  (Ward,  2003)  (Figura  28.a  e  28.b).   Por  isso  organizar  elementos  segundo  uma  determinada  geometria  auxilia  a  leitura  imediata  das     61    

ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

  relações   entre   elementos   da   imagem.   Porque   formas   geométricas   são   facilmente   reconhecíveis,   recorre-­‐se   a   estas   para   que   agrupamentos   de   pessoas,   mobiliário,   objectos,   veículos   ou   estruturas   apresentem  imagens  harmoniosas  (Mascelli,  1998)  –  e  porque  a  mente  completa  o  incompleto,  estas   formas   não   necessitam   de   ser   bem   definidas   e   fechadas   -­‐   como   linhas   curvas   que   quase   se   unem   serão  mentalmente  completadas  num  circulo.   É  mais  confortável  para  o  espectador  se  existirem  estas  relações  de  semelhança  e  continuidade   entre  elementos.   Este  aspecto  leva  inevitavelmente  a  que  sempre  que  exista  um  agrupamento  e  surja  um  elemento   isolado   deste,   é   imediatamente   enfatizado   e   irá   sobressai   no   plano   –   como   destacar   uma   personagem  ao  tê-­‐la  a  uma  maior  distância  de  um  grupo  (Figura  28.c).  

 

 

 

Figura  28  -­‐  Plano  em  My  Fair  Lady  (1964)  em  que  a  aristocracia  é  distinguida  pelas  cores  monocromáticas.   Plano  em  Brave  (2012)  onde  os  três  clãs  do  enredo  são  separados  e  agrupados  segundo  a  proximidade  das   personagens.  Plano  em  Brave  (2012)  onde  um  personagem  é  destacado  ao  ser  isolado  do  grupo  das  restantes   personagens.  

  2.3.2.3.  Ilusão  de  Tridimensionalidade  e  Profundidade   Um   filme   é   uma   arte   representada   através   de   um   meio   bidimensional,   mas   deve   criar   uma   sensação   de   realismo   e   credibilidade   fazendo   o   sujeito   acreditar   no   que   está   a   ver   como   “real”   e   tridimensional.   O   desafio   surge   em   como   combater   esta   bidimensionalidade   do   ecrã   e   evidenciar   a   tridimensionalidade  e  profundidade  do  espaço  cénico  e  dos  seus  elementos.   Os   contrastes   de   cor   têm   uma   forte   influência   como   indicadores   da   profundidade   do   espaço   cénico   (Ward,   2003),   uma   vez   que,   perceptualmente,   as   cores   quentes   e   muito   saturadas   parecem   avançar,  enquanto  as  cores  frias  e  pouco  saturadas  parecem  recuadas.   A   iluminação   igualmente   manipula   a   leitura   da   imagem   e   do   espaço   cénico,   sendo   que   perceptualmente   zonas   mais   claras   parecem   avançar,   enquanto   as   mais   escuras   recuam   em   profundidade.   Não   é   possível   criar   profundidade   com   uma   luz   plana   e   uniforme,   pois   é   com   ângulo,   direcção,  

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2  |  NARRATIVAS  E  ACÇÃO  CINEMÁTICAS  

intensidade  e  qualidade  da  iluminação  –  como  luzes  laterais  ou  low-­‐key  (Figura  29.a)  –  que  se  criam   diversos   planos   de   sombras   conferindo   tridimensionalidade   às   figuras   e   objectos   e   se   confere   profundidade  ao  espaço  cénico  (Mascelli,  1998).   Porque   o   espectador   interpreta   objectos   menos   nítidos   e   menos   saturados   como   estando   mais   distantes,   a   criação   de   uma   neblina   sobre   a   área   mais   distante  –   perspectiva   aérea  –   estabelece   uma   separação   entre   o   plano   de   fundo   e   o   primeiro   plano,   criando   assim   diferentes   planos   de   profundidade  no  enquadramento  (Mascelli,  1998).   Principalmente  em  animação,  é  frequente  recorrer  ao  uso  da  perspectiva  aérea  para  enfatizar  a   profundidade,   ao   ver-­‐se   na   distância   paisagens   cobertas   por   uma   bruma   e   com   cores   pouco   vibrantes.   Isto   cria   a   ilusão   que   o   espaço   cénico   continua   em   profundidade   e   que   não   se   esgota   apenas  no  plano  mais  próximo,  combatendo  a  bidimensionalidade  da  imagem  (Figura  29.b).   Adicionalmente,   a   luz   contribui   para   revelar   a   textura   dos   elementos:   uma   luz   dura,   preferencialmente  lateral,  modela  e  realça  o  seu  padrão,  enquanto  que  uma  luz  suave  ou  demasiado   frontal  e  ampla  tende  a  destruir  a  textura  (Ward,  2003)  ,  logo  constituindo-­‐se  num  outro  indicador   de  profundidade,  pelos  efeitos  perspécticos.   Ainda  por  vezes,  a  adição  de  reflexos  ou  sombras  de  elementos  situados  fora  do  enquadramento   (Figura  29.c)  comprime  informação  que  precisaria  de  dois  planos  num  só,  adicionando  sensação  de   profundidade  ao  mostrar  que  o  espaço  cénico  continua  para  lá  dos  limites  do  enquadramento  (Boggs   &  Petrie,  2008).  

 

 

 

Figura  29  –  Plano  low-­‐key  em  Amadeus  (1984).  Plano  em  Brave  (2012)  usando  a  perspectiva  aérea  sobre  os   elementos  mais  distantes  de  modo  a  acentuar  a  ilusão  de  profundidade  do  espaço.  Plano  em  Brave  (2012)  em   que  a  sombras  de  personagens  situados  no  fora-­‐de-­‐campo  induzem  a  continuidade  do  espaço  cénico  para  lá   dos  limites  enquadramento.  

  As   narrativas   cinemáticas   utilizam   adicionalmente   a   constância   perceptual   e   a   noção   das   distâncias  relativas,  jogando  com  o  tamanho  e  proximidade  do  tema  à  câmara,  juntamente  com  os   efeitos   perspécticos,   para   manipular   a   leitura   do   espaço   e   o   tamanho   dos   elementos   que   nele   existem.   O   observador   reconhece   muitos   dos   elementos   e   a   relação   entre   eles   devido   a   constâncias     63    

ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

  perceptuais  de  tamanho,  forma  ou  cor  vindas  da  sua  experiência,  previamente  adquirida.   Porque   o   espectador   tem   noção   de   qual   o   tamanho   real   de   um   objecto   que   conhece,   uma   narrativa   visual   pode   utilizar   elementos   reconhecíveis   para   estabelecer   relações   de   tamanhos   ou   até   manipular   certos   efeitos   –   no   caso   em   que   as   dimensões   das   aberturas   do   espaço   sejam   bastante   mais  pequenas  que  o  personagem  cria  a  ideia  que  o  espaço  é  muito  pequeno  ou  que  o  personagem  é   demasiado  grande  (Figura  30.a).   Permite-­‐lhe  igualmente  ler  correctamente  os  efeitos  de  perspectiva  e  o  espaço  em  profundidade   –   principalmente   se   for   criado   um   ritmo   pela   repetição   dos   elementos   que   acentua   estes   efeitos   (Figura  30.b)  –  bem  como  estabelecer  uma  noção  de  escala  entre  personagens,  objectos  e  espaço.  

 

 

Figura  30  –  Plano  em  Irmandade  do  Anel  onde  a  desproporção  de  entre  tamanho  personagem  e  espaço  cria   a  sensação  de  um  espaço  pequeno  e  apertado.  Plano  em  Panda  do  Kung-­‐Fu  (2008)  onde  a  repetição  de   elementos  verticais  acentua  a  profundidade.  

  A   perspectiva   é   um   elemento   significativo   para   a   narrativa   do   espaço,   pois   a   convergência   das   linhas   paralelas   que   cria   enfatiza   a   profundidade   do   espaço   cénico   (Figura   31.a).   Estas   linhas   constituem   guias   pelas   quais   o   sujeito   estabelece   relações   espaciais   de   distâncias   e   tamanhos   dos   objectos  pois  nos  efeitos  perspécticos  verifica-­‐se  uma  diminuição  do  tamanho  das  figuras  à  medida   que   a   distância   aumenta   e   vice   versa   (Mascelli,   1998)   –   por   isso   se   numa   imagem   surgem   dois   elementos   idênticos,   mas   em   que   um   surge   maior   que   o   outro,   o   elemento   menor   é   visto   ou   entendido  como  estando  mais  distante  (Gallardo,  2001).   O   efeito   de   profundidade   do   espaço   pela   diminuição   gradual   de   tamanhos   é   especialmente   notório   com   a   textura   (Figura   31.b)   –   a   fusão   de   pequeno   detalhes   que   se   repetem   desde   o   primeiro   plano   até   ao   fundo   à   medida   que   se   aproxima   do   horizonte,   é   lido   como   uma   continuação   em   profundidade  (Gallardo,  2001).  

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2  |  NARRATIVAS  E  ACÇÃO  CINEMÁTICAS  

 

 

Figura  31  –  Plano  em  Panda  do  Kung-­‐Fu  (2008)  em  que  as  linhas  convergentes  criadas  pela  perspectiva   acentuam  a  profundidade  do  espaço  cénico.  Plano  em  Panda  do  Kung-­‐Fu  (2008)  onde  a  textura  com  a   diminuição  exponencial  dos  seus  detalhes  descreve  o  espaço  em  profundidade.  

  Como  se  falou  anteriormente,  o  tamanho  da  imagem  dos  objectos  é  também  um  dos  factores  que   determina   a   percepção   do   observador   em   profundidade.   Deste   modo,   quando   os   elementos   do   enquadramento  são  colocados  em  primeiro  plano,  por  serem  sempre  maiores  (ocupando  mais  área   do  enquadramento),  são  entendidos  como  estando  mais  próximos  (Figura  32.a).   Pelo   contrário,   elementos   do   enquadramento   que   comparativamente   ao   primeiro   estejam   mais   acima   no   enquadramento,   e   portanto   sejam   mais   pequenos,   são   entendidos   como   estando   mais   longe  (Ward,  2003).  Quanto  mais  próximo  um  tema  estiver  da  câmara,  maior  profundidade  aparente   irá   existir   nos   elementos   por   detrás   dele,   embora   a   distância   da   câmara   àqueles   não   varie   (Ablan,   2002).   Com  todos  estes  aspectos  falados,  o  olhar  pode  ser  facilmente  enganado  pelo  tamanho  aparente   dos   objectos   (Mascelli,   1998),   pois   este   pode   ser   distorcido   ou   exagerado,   jogando   com   o   posicionamento   em   diferentes   planos   em   profundidade   –   como   foi   feito   em   A   Irmandade   do   Anel   (2001),  em  que  se  utilizou  a  perspectiva  forçada,  com  uma  câmara  estática,  colocando  personagens   em   planos   de   profundidade   diferentes   com   os   personagens   mais   baixos   colocados   a   uma   distância   maior  da  câmara  para  criar  a  diferença  de  tamanhos  entre  determinados  personagens  sem  recorrer  a   efeitos  digitais  (Figura  32.b).  

 

 

Figura  32  –  Plano  em  Panda  do  Kung-­‐Fu  (2008)  em  que  os  diferentes  tamanhos  dos  personagens  no   enquadramento  indicam  a  sua  distância  em  si  e  em  relação  à  câmara.  Plano  em  Irmandade  do  Anel  (2001)   onde  a  técnica  da  perspectiva  forçada  cria  a  ilusão  de  personagens  de  diferentes  tamanhos  à  mesma  distância   da  câmara  quando  na  verdade  não  o  estão.  

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ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

  Estas   relações   espaciais   são   igualmente   transmitidas   pela   sobreposição   de   elementos   no   plano.   Figuras  isoladas  podem  estar  a  qualquer  distância  da  câmara  mas  tendo  umas  em  frente  de  outras  já   indica  à  percepção  do  espectador  que  umas  estão  mais  próximas  e  outras  mais  distantes  (Mascelli,   1998),   pois   qualquer   elemento   que   pareça   parcialmente   ocultar   outro   é   percepcionado   como   estando   mais   perto   da   lente   da   câmara   (Ward,   2003).   Mesmo   que   na   realidade   estejam   à   mesma   distância   da   câmara,   se   aparentarem   estar   sobrepostas,   a   imagem   é   sempre   percepcionada   como   tendo   profundidade   (Gallardo,   2001)   –   a   sobreposição   mostra   relações   espaciais   entre   primeiro   plano  e  fundo  (Ward,  2003).   A   sobreposição   pode   ser   feita   pela   composição   estática   de   elementos   do   plano   e   jogando   com   os   ângulos   da   câmara,   ou   pode   sendo   feita   pelo   movimento   do   tema   (Figura   33),   pois   este   ao   mover-­‐se   pelo  espaço  vai  se  sobrepondo  em  determinados  intervalos  a  diferentes  objectos  ou  figurantes.   Esta   sobreposição   em   movimento   introduz   motion   parallax25     e   vai   transmitindo   a   posição   e   distância  em  profundidade  dos  vários  intervenientes  e  objectos  no  cenário  (Mascelli,  1998).   O  movimento  do  tema  realça  ainda  mais  a  profundidade  do  espaço  se  for  feito  aproximando-­‐se   ou  afastando-­‐se  da  câmara  (Ward,  2003).  Isto  porque  se  o  tema  se  deslocar  lateralmente,  evidenciar-­‐ se-­‐á   a   bidimensionalidade   do   plano   (Boggs   &   Petrie,   2008),   enquanto   que   que   se   mover   perpendicularmente  à  câmara,  em  vez  de  atravessar  o  ecrã,  aumentam  os  efeitos  de  perspectiva  e   consequentemente  de  profundidade  (Mascelli,  1998).  

 

 

 

 

Figura  33  –  Plano  em  Amadeus  (1984)  em  que  o  personagem  ao  movimentar-­‐se  pelo  espaço  indica  a   profundidade  do  espaço.  

  As   narrativas   cinemáticas   utilizam   igualmente   diversas   técnicas   de   focagem,   quer   para   destacar   e   isolar   um   tema,   quer   para   criar   profundidade   no   espaço.   Quando   tal   é   feito,   a   percepção   do   espectador   lê   os   elementos   nítidos   como   estando   mais   próximos   e   os   objectos   desfocados   como   mais   distantes,   criando   assim   a   ilusão   de   profundidade   do   espaço   (Figura   34).   Quanto   mais   desfocado  estiver  o  ambiente  envolvente,  maior  a  ilusão  de  profundidade  (Ablan,  2002).  

                                                                                                                        25

  Quando   existe   movimento,   o   deslocamento   dos   elementos   nos   diferentes   planos   de   profundidade   não   é   sempre   igual.  Quando  mais  distante  estiver  o  elemento,  menor  é  a  velocidade  a  que  ele  aparenta  se  deslocar.   66      

2  |  NARRATIVAS  E  ACÇÃO  CINEMÁTICAS  

  Figura  34  –  Plano  em  Irmandade  do  Anel  (2001)  onde  a  focagem  dos  personagens  e  a  desfocagem  do   cenário  cria  mais  distanciamento  entre  os  dois,  coloca  os  personagens  em  primeiro  plano  e  acentua  a   profundidade  do  espaço  cénico.  

  A  separação  figura-­‐fundo  é  igualmente  relevante  para  criar  profundidade  no  espaço  cénico,  uma   vez  que  a  figura  é  sempre  lida  como  em  primeiro  plano  –  o  fundo  apenas  define  a  forma  ao  dar-­‐lhe   um  contexto  (Ward,  2003).   A  figura  é  sempre  identificada  do  fundo  por  ter  contornos  fechados,  mas  nem  sempre  é  assim  tão   simples.   Porque   a   figura   é   sempre   lida   em   primeiro   plano,   técnicas   e   aspectos   perceptuais   que   coloquem   o   tema   em   primeiro   plano   contra   o   fundo   e   que   originem   contrastes   (quer   seja   cor,   iluminação,  focagem  ou  movimento  como  foi  visto)  criam  esta  distinção  entre  figura  e  fundo.   Como   foi   então   visto,   a   cor,   iluminação,   tamanho   e   proximidade   dos   elementos,   sobreposição,   movimento,   focagem   e   a   distinção   entre   figura   e   fundo,   funcionam   como   indicadores   de   profundidade  devido  aos  aspectos  de  percepção  visual  que  trazem  determinados  elementos  para  o   primeiro  plano  e  outros  para  o  fundo.  Tal  como  a  constância  perceptual  de  tamanho  nos  efeitos  da   perspectiva  e  da  textura,  descrevem  a  profundidade  do  espaço  devido  à  percepção  do  espectador  de   que  os  tamanhos  das  imagens  de  um  objecto  diminui  com  a  distância.   Mas  como  a  câmara  vê  o  tema,  pode  também  aumentar  ou  diminuir  a  profundidade  dum  plano   (Ablan,  2002),  sendo  que  os  ângulos  de  câmara  “são  o  factor  mais  importante  em  produzir  a  ilusão   de  profundidade  cénica”  (Mascelli,  1998,  p.  34).   Para   que   a   profundidade   do   espaço   cénico   seja   enfatizada,   e   a   tridimensionalidade   dos   seus   elementos  revela,  são  necessários  ângulos  de  câmara  e  objectivas  que  produzam  maior  convergência   de  linhas  de  perspectiva  e  que  mostrem  maior  número  de  faces  (Mascelli,  1998).   Quando   apenas   se   vê   uma   superfície,   a   profundidade   e   tridimensionalidade   dos   objectos   não   é   aparente.   Por   isso   a   câmara   é   geralmente   posicionada   de   forma   a   mostrar   duas   ou   mais   faces   dos   objectos  ou  personagens.  O  que  se  verifica  mais  frequentemente  é  a  colocação  a  câmara  num  ângulo   de  45o  em  relação  ao  tema,  mostrando  os  personagens  a  três  quartos  (Figura  35.a).     67    

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  Pode-­‐se  realçar  ainda  mais  a  tridimensionalidade  do  tema  com  a  câmara  em   angle-­‐plus-­‐angle  –   posicionando   a   câmara   simultaneamente   em   ângulo   em   relação   ao   tema   e   inclinada   em   relação   a   este,   com   um   plano   picado   ou   contrapicado   (Figura   35.b).   Esta   dupla   inclinação   permite   um   maior   número   de   faces   filmadas,   pois   filma   não   só   a   frente   e   a   lateral   mas   (porque   é   inclinada)   filma   também  as  áreas  superiores  ou  inferiores,  e  segundo  uma  perspectiva  linear  (Mascelli,  1998).   Também   o   uso   de   lentes   grandes-­‐angulares   permite   mostrar   ou   exagerar   a   ilusão   de   profundidade  ao  distorcer  o  espaço  –  expandindo-­‐o  e  desse  modo  alterando  as  distâncias  relativas   fazendo-­‐as   parecer   maiores,   aumentando   os   efeitos   de   perspectiva,   enquanto   o   uso   de   teleobjectivas  comprime  o  espaço,  encurtando  as  distâncias  e  espalmando  a  imagem.  

 

 

Figura  35  –  Plano  em  My  Fair  Lady  (1964)  filmando  o  protagonista  em  ângulo  em  relação  a  câmara.  Plano   com  a  câmara  em  angle-­‐plus-­‐angle  em  Panda  do  Kung-­‐Fu  (2008).  

  Representar  a  profundidade  no  espaço  cénico  pela  câmara  pode  ser  conseguido  igualmente  com   o   seu   movimento   –   como   se   falou   com   os   dolly   e   o   zoom:   os   seus   movimentos   ao   penetrar   e   percorrer  o  espaço  em  profundidade  ou  dele  emergindo  revelam  a  sua  espacialidade  (Figura  36).   Mover  a  câmara,  seja  por  rotação  ou  translação,  aumenta  a  ilusão  de  profundidade  (Ablan,  2002),   tal  como  uma  imagem  que  aumenta  e  diminui  -­‐  seja  por  dolly  ou  por  zoom:  ao  se  alterar  o  tamanho   dos   objectos   no   plano,   transmite-­‐se   uma   sensação   de   profundidade   espacial   e   distância   (Mascelli,   1998).   Também   se   falou   anteriormente   que   o   movimento   dos   elementos   não   se   mantém   igual   consoante  a  distância  à  câmara.  Estas  diferentes  velocidades  separam  e  determinam  vários  planos  de   profundidade.   No   caso   do   Zoom,   o   seu   efeito   de   distorção   do   espaço   (expansão   ou   compressão)   enfatiza   a   profundidade   do   espaço   ao   acentuar   os   efeitos   de   perspectiva,   bem   como   cria   um   movimento   aparente  da  câmara  –  apesar  de  ser  a  lente  simplesmente  aumentar  a  imagem  –  dando  a  sensação   ao  espectador  de  se  mover  para  mais  próximo  ou  mais  longe  do  tema  (Boggs  &  Petrie,  2008).   Adicionalmente,  Allan  Dwan  menciona  que,  para  se  sentir  o  efeito  do  movimento  da  câmara,  esta   68      

2  |  NARRATIVAS  E  ACÇÃO  CINEMÁTICAS  

tem   que   se   passar   por   algo   do   cenário   (Ablan,   2002).   Ao   fazer   a   câmara   mover-­‐se   e   passar   pelos   objectos,  muda-­‐se  também  o  ângulo  em  que  ela  os  vê  mostrando  mais  faces  do  objectos  e  assim  a   sua  tridimensionalidade.  

 

 

 

 

Figura  36  –  Plano  em  Brave  (2012)  onde  a  câmara  efectua  vários  movimentos  pelo  espaço  –  tracking  shot,   rotações,  dolly-­‐out  –  revelando  a  tridimensionalidade  e  profundidade  do  espaço  cénico.  

  2.3.2.4.  Equilíbrio  da  Composição  e  Enfatização  do  Tema     –  Equilíbrio   Numa   composição,   os   dois   lados   do   enquadramento   devem   geralmente   estar   equilibrados   para   que  não  causem  sensações  de  estranheza  ou  desconforto  no  espectador.   No   entanto,   isto   não   significa   que   nunca   se   deve   incomodar   os   sentidos.   Um   filme   é   uma   peça   dramática  que  desafia  a  constância  emocional  do  espectador.  Pelo  intento  de  intensidade  dramática,   dinamismo  e  interesse,  por  vezes,  as  composições  são  criadas  propositadamente  desequilibradas  de   modo   a   suscitar   determinadas   reacções   e   emoções   no   espectador   -­‐   porque   vão   depois   ser   equilibradas   com   os   planos   seguintes   (equilíbrio   na   montagem)   e   assim   têm-­‐se   sequências   equilibradas  e  leituras  correctas  da  narrativa,  mesmo  que  a  composição  estática  de  um  plano  isolado   esteja  desequilibrada.   O   equilíbrio   da   composição   poderá   ser   feito   de   duas   formas.   Pode-­‐se   ter   as   duas   metades   da   composição   simétricas   em   termos   de   peso   visual   –   equilíbrio   formal,   ou   tê-­‐las   assimétricas   –   equilíbrio  informal  (Figura  37).   Um  equilíbrio  simétrico  ou  formal  tem  as  duas  metades  da  composição  simétricas  em  termos  de   elementos,  sendo  sempre  planos  centrados.   Estabelecendo   um   equilíbrio   formal   produzem-­‐se   planos   mais   estáticos,   sem   contraste   ou   conflito,   consequentemente   sendo   mais   pacíficos   e   tranquilos,   mas   mais   monótonos.   (Mascelli,   1998).   Contrariamente,   o   equilíbrio   informal,   ou   assimétrico,   não   tem   iguais   elementos   de   cada   lado   do   enquadramento.   A   assimetria   no   enquadramento   é   criada   por   um   binómio   de   elementos   opostos,   que   pode   ser   de   tamanho,   cor,   tom,   forma,   textura,   posição   no   espaço   ou   ponto   focal   –   uma   personagem   pode   ser   maior   que   outro,   pode   estar   mais   à   frente   e   outro   mais   atrás,   um   pode   ter     69    

ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

  cores   vibrantes   e   o   outro   menos,   um   pode   estar   melhor   iluminado   que   outro   ou   um   pode   estar   focado   e   o   outro   desfocado,   entre   outras   possibilidades.   Estes   jogos   de   composição   originam   imagens  mais  dinâmicas  ao  jogar  com  elementos  opostos  e  contrastantes  (Mascelli,  1998).  

 

 

Figura  37  –  Planos  com  equilíbrio  formal  e  equilíbrio  informal  em  Blade  Runner  (1982)  

  É,  no  entanto,  mantido  o  equilíbrio  ao  igualar  o  peso  visual  dos  dois  lados  do  enquadramento:  o   peso  visual  de  um  lado  compensa  o  peso  visual  do  outro.   A  cor  é  um  dos  aspectos  que  é  percepcionado  como  tendo  peso  e  densidade,  podendo  alterar  a   percepção  visual  do  tamanho  aparente  dum  objecto  e  influenciando  o  equilíbrio  da  composição.  De   modo  geral,  os  tons  escuros  são  lidos  como  sendo  mais  pesados,  fazendo  os  elementos  parecer  mais   densos  e  pequenos,  enquanto  os  tons  claros  fazem  os  elementos  parecer  mais  leves  e  maiores.  Tal   como   as   cores   quentes   têm   maior   peso   que   as   cores   frias,   e   as   cores   mais   saturadas   têm   maior   peso   que  as  menos  saturadas  (Gallardo,  2001).   Por  estas  razões,  cores  percepcionadas  como  tendo  mais  peso  concentram-­‐se  muitas  vezes  mais   na   zona   inferior   da   imagem   para   criar   uma   imagem   estável,   e   frequentemente   o   tema   do   plano   possui  cores  mais  vibrantes  ou  mais  escuras  em  contraste  com  o  fundo  (Figura  38).  

  Figura  38  –  Plano  em  My  Fair  Lady  (1964)  marcado  por  um  forte  contraste  entre  a  protagonista  –  tema  do   plano  –  e  o  fundo.  A  personagem  domina  a  composição  e  o  olhar  do  espectador  com  cores  mais  escuras  que   concentram  o  maior  peso  visual  da  composição  deste  enquadramento.  

  Algumas   maneiras   de   se   criar   este   equilíbrio   assimétrico   são:   tendo   os   elementos   que   são   visualmente  mais  pesados  ocupando  uma  área  menor  da  imagem  que  os  elementos  mais  leves;  ou   no  caso  de  existir  um  personagem  isolado  num  lado  do  enquadramento  com  vários  personagens  do   70      

2  |  NARRATIVAS  E  ACÇÃO  CINEMÁTICAS  

outros,   esse   terá   melhor   iluminação   ou   cores   mais   vibrantes   para   que   o   seu   peso   visual   único   seja   semelhante   ao   peso   visual   do   conjunto   do   outro   lado;   ou   tendo   os   elementos   mais   pesados   na   metade  inferior  da  imagem  e  não  na  superior,  entre  outras  formas.     –  Enfatização   Em   última   análise,   tudo   o   que   é   criado   e   feito   numa   narrativa   cinemática   procura   captar   a   atenção,   interesse   do   espectador   e   orientá-­‐la.   Todas   as   técnicas   conjugadas,   no   final,   são   percepcionadas  pela  raw  data  do  seu  olhar  –  eye  scan  (Mascelli,  1998).  Um  filme  é  feito  de  partes  –   sequência,  cena,  plano,  elementos  –  e  é  a  sua  inter-­‐relação  que  forma  a  peça  cinemática,  ou  seja,  é  a   combinação   de   todas   estas   partes,   elementos   e   dispositivos,   que   conduzem   não   só   ao   que   o   espectador  sente  e  interpreta  mas  também  para  onde  olha,  em  que  direcção  e  em  que  ordem  –  o   que  influência  a  leitura  das  relações  desses  elementos  e  consequentemente  a  interpretação  que  ele   faz  de  toda  a  peça  fílmica.   Num   plano   cinemático,   os   intervenientes   e   a   acção   devem   ser   sempre   destacados   do   plano   de   fundo  (Mascelli,  1998).  A  criação  desta  separação  entre  figura  e  fundo  é  extremamente  importante,   para  controlar  a  atenção  do  espectador  e  realçar  o  tema  e  a  acção,  visto  que  uma  figura  tem  mais   força  se  estiver  separada  do  fundo  e  contrastando  com  ele  de  alguma  forma  (Mascelli,  1998).   Portanto,   apesar   de   se   manter   equilíbrio   da   composição,   a   atenção   do   espectador   é   sempre   direccionada  para  um  ponto  ou  um  elemento  que  é  enfatizado.   A   imagem   geralmente   deve   ter   apenas   um   centro   de   interesse  –   mesmo   nos   two-­‐shots   em  que   existe   sempre   uma   das   personagens   que   domina   a   outra.   Se   a   imagem   tiver   duas   ou   mais   figuras   igualmente   dominantes   elas   competem   pela   atenção   do   observador   e   enfraquecem   a   eficácia   da   imagem26    (Mascelli,  1998).   Esta   enfatização   é   conseguida   principalmente   por   contraste,   que   pode   ser   de   tamanho,   isolamento   (vs   agrupamento),   movimento,   cor,   iluminação,   forma,   textura,   focagem   ou   até   pela   perspectiva  (Mascelli,  1998).   Os  contrastes  de  cor  têm  uma  forte  influência  na  condução  da  atenção  do  espectador  porque  um   elemento  com  uma  matiz  distinta  da  envolvente,  principalmente  se  for  uma  cor  quente  e  saturada   como  o  vermelho,  imediatamente  direcciona  o  olhar  (Figura  39).                                                                                                                           26

 Apesar  de  por  vezes  existirem  casos  em  que  se  justificam  vários  centros  de  atenção,  como  cenas  de  batalha  ou  de   catástrofes  (Mascelli,  1998).     71    

ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

 

 

 

Figura  39  –  Plano  em  Irmandade  do  Anel  (2001)  e  Panda  do  Kung-­‐Fu  (2008)  onde  a  cor  vermelha  destaca-­‐se   da  composição  criando  pontos  de  maior  atenção.  

  Um   elemento   é   também   realçado   ao   ser   mais   iluminado,   porque   o   olhar   do   espectador   é   imediatamente  atraído  para  o  que  está  mais  iluminado  e  mais  claro  (Mascelli,  1998)   –  áreas  de  alto-­‐   contraste  de  luz  e  sombra  distinguem  imediatamente  quais  os  centros  de  interesse  (Boggs  &  Petrie,   2008)  uma  vez  que  zonas  ou  objectos  mais  iluminados  sobressaem  do  resto  da  composição  (Figura   40.a).   As  linhas  convergentes,  resultantes  dos  efeitos  da  perspectiva,  convergem  igualmente  o  olhar  do   espectador   num   ponto   focal,   dirigindo   a   atenção   para   o   elemento   que   aí   se   situar   (Figura   40.b).   A   perspectiva  linear  é  “um  dispositivo  de  contenção  e  fixação  do  olhar”  causando  “um  recentramento   que  é  forçado  pela  convergência  das  linhas  paralelas  no  ponto  de  fuga”  (Nogueira,  2008,  p.  253).  

 

 

Figura  40  –  Plano  em  Irmandade  do  Anel  (2001)  onde  a  personagem  mais  iluminada  sobressai  de  todas  as   outras.  Plano  em  Blade  Runner  (1982)  em  que  as  linhas  convergentes  encaminham  a  atenção  do  espectador   para  o  seu  ponto  de  fuga,  assinalando  os  personagens  que  aí  se  encontram.  

  Por   outro   lado,   o   tamanho   e   proximidade   do   tema   no   enquadramento   –   juntamente   com   o   posicionamento   dos   elementos   em   relação   uns   aos   outros   –   torna-­‐se   assim   um   dos   métodos   mais   usados   para   conduzir   a   atenção   do   espectador   ao   enquadrar   o   elemento   de   maior   importância   no   primeiro  plano  (Figura  41.a),  uma  vez  que  o  olhar  do  sujeito  é  naturalmente  atraído  para  os  objectos   maiores  e  mais  próximos  (Boggs  &  Petrie,  2008).     Um  dos  casos  mais  evidentes  acontece  nos  grandes  planos  (Figura  41.b)  e  muito  grandes  planos   onde  o  tema,  ao  encher  quase  a  totalidade  do  ecrã  com  enorme  impacto  e  quase  invadindo  o  espaço   pessoal   do   espectador,   não   permite   ao   olhar   distrair-­‐se   com   qualquer   outro   elemento   (Boggs   &   72      

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Petrie,  2008).  

 

 

Figura  41  –  Planos  em  Irmandade  do  Anel  (2001)  onde  o  tema  do  plano  é  assinalado  e  realçado  ao  ser   posicionado  em  maior  proximidade  da  câmara.  

  O   movimento   de   um   tema   tem   igualmente   a   capacidade   de   imediatamente   fixar   ou   redireccionar   a  atenção  do  sujeito  (Marner,  2013),  pois  algo  em  movimento  sobressai  sempre  de  uma  envolvente   estática   –   na   cena   em   que   Mérida   (Brave,   2012)   investiga   a   cabana   pitoresca,   a   atenção   do   espectador  fixa-­‐se  inevitavelmente  numa  vassoura  quando  subtilmente  esta  se  desloca  sobre  o  plano   de  fundo  (Figura  42),  mostrando  como  um  elemento  inconspícuo  consegue  captar  a  atenção  pelo  seu   movimento,   rivalizando   com   a   protagonista   não   só   maior   e   mais   próxima   no   plano,   como   melhor   iluminada,  mais  expressiva  e  colorida.  

 

 

Figura  42  –  Plano  em  Brave  (2012)  onde  um  elemento  (vassoura)  em  movimento  no  plano  de  fundo   transfere  a  atenção  do  espectador  da  protagonista  em  primeiro  plano  para  si.  

  O  olhar  do  espectador  é  também  imediatamente  atraído  para  o  que  vê  melhor  no  plano,  mesmo   que  não  seja  algo  no  primeiro  plano  (Figura  43.a),  porque  a  sua  percepção  rejeita  olhar  para  o  que   está  desfocado  ou  ilegível,  que  apenas  percepciona  com  a  visão  periférica,  levando  a  unicamente  se   concentrar  num  ponto  ou  faixa  de  cada  vez  (Arnheim,  1997).   Deste  modo,  o  uso  da  Focagem  Selectiva  permite  destacar  o  tema  na  composição  (Ablan,  2002).   Esta   técnica   mantém   uma   faixa   de   profundidade   nítida   -­‐   profundidade   de   campo   -­‐   aquela   onde   se   encontra   o   ponto   de   interesse   desejado   (Mascelli,   1998),   impedindo   assim   o   espectador   de   olhar   para  outros  elementos  no  plano  (Figura  43.b).   A   focagem   pode   também  alterar-­‐se  durante  do  plano  para  mudar  onde  se  quer  que  o  observador  

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ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

  olhe   (Ablan,   2002).   Quando   a   focagem   muda   de   um   tema   para   o   outro   dentro   do   plano,   o   olhar   e   atenção  do  público  são  transportados  para  se  fixarem  no  novo  tema  (Figura  43.c  e  43.d)  –  pois  uma   vez   que   o   olhar   assinala   o   que   está   nítido   como   o   ponto   de   interesse   (Boggs   &   Petrie,   2008),   mudando  o  elemento  focado,  transporta  igualmente  a  atenção  (Marner,  2013).  

 

 

 

 

Figura  43  –  Planos  em  Brave  (2012)  utilizando  diferentes  técnicas  de  focagem  para  enfatizar  o  tema  do   plano  e  conduzir  o  olhar  do  espectador.  

  Numa   peça   cinemática,   todos   estes   factores   de   enfatização   trabalham   frequentemente   em   conjunto.   Uma   composição   pode   por   vezes   jogar   apenas   com   um   elemento   de   cor   quente   e   saturada,  ou  um  elemento  focado,  ou  um  elemento  iluminado  para  centrar  a  atenção.  No  entanto,   muitas   vezes   são   utilizados   vários   em   simultâneo   –   geralmente   os   grandes   planos   têm   sempre   o   fundo   desfocado,   utilizando   o   tamanho   e   proximidade   do   tema   em   conjunto   com   a   focagem   selectiva.     Como   ilustra   a   Figura   44.a,   pode-­‐se   ainda   adicionar   contrastes   de   cor,   como   uma   luz   vermelha   incidindo   estrategicamente   em   certas   áreas   contra   um   tom   frio   e   azulado   geral   da   imagem,   maior   detalhes  de  pormenores  como  a  textura  e  criar  convergência  do  olhar  através  de  linhas  convergentes   pelos  efeitos  de  perspectiva  linear.     No   caso   da   Figura   44.b,   a   cor   vermelha   do   vestuário   da   personagem   juntamente   com   a   forma   central   e   circular   de   um   vão   no   cenário,   convergem   a   atenção   nele   e   assinalam-­‐no   imediatamente   como  o  elemento  principal  da  acção.  

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2  |  NARRATIVAS  E  ACÇÃO  CINEMÁTICAS  

 

 

Figura  44  –  Planos  em  Panda  do  Kung-­‐Fu  (2008)  e  Irmandade  do  Anel  (2001)  

  2.3.2.5.  A  Composição  Estática  nos  Videojogos   A   composição   estática   num   plano   não   é   possível   de   concretizar   no   caso   de   uma   narrativa   interactiva,   pois   os   criativos   que   a   produzem   não   têm   modo   de   prever   como   a   câmara   se   irá   movimentar,   uma   vez   que   o   seu   posicionamento   depende   em   parte   das   acções   do   jogador,   e   portanto   planear   os   que   planos   irão   ocorrer   durante   a   progressão   do   videojogo   é   impossível.   É   o   jogador  que  efectua  ou  vai  condicionar  as  sequências  de  ângulos  de  câmara.   Por   isso,   nos   aspectos   mencionados   neste   ponto   2.3.2.,   aqueles   que   se   poderão   analisar   num   videojogo   dizem   respeito   à   sugestão   da   tridimensionalidade   e   profundidade   no   plano   e   alguns   métodos  de  enfatização  e  condução  do  olhar  do  jogador.     –  Sugestão  da  tridimensionalidade  e  profundidade   Em   ambas   as   imagens   da   Figura   45,   observa-­‐se   a   perca   de   nitidez   em   profundidade,   causada   pela   neblina  (perspectiva  aérea)  e  pela  diminuição  de  detalhe.  Também  as  zonas  mais  distantes  são  mais   claras,   possuem   menos   saturação   e   menos   contraste,   quer   se   trate   de   luz   ou   de   cor.   Verifica-­‐se   igualmente  uma  perca  de  volume  das  formas  com  a  profundidade.   No  caso  particular  da  segunda  imagem  da  Figura  45,  salienta-­‐se  adicionalmente  a  perspectiva  da   forma,  ritmo  e  escala,  relatando  o  espaço  e  a  sua  profundidade,  para  o  que  concorre  a  perspectiva   da  textura  do  pavimento.     Este   tratamento   do   espaço   diferenciado   ao   longo   da   profundidade   estabelece   uma   separação   entre   as   áreas   mais   próximas   da   câmara   e   as   mais   distantes,   criando   assim   uma   ilusão   de   profundidade  do  espaço  e  a  sua  enfatização,  numa  representação  que  é  na  verdade  bidimensional.  

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ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

 

 

  Figura  45  -­‐  Screenshots  de  Assassin's  Creed  II  (2009)  onde  se  observa  como  o  tratamento  das  áreas  mais   próximas  vs  mais  distantes  sugere  a  tridimensionalidade  e  profundidade  do  espaço.  

  A  Figura  46  ilustra  um  plano  particular  na  progressão  de  Bioshock  Infinite  (2013),  onde  se  observa   uma   separação   de   espaços:   espaço   antes   e   atrás.   É   criada   uma   cercadura   que   delimita   e   conduz   o   jogador  para  um  espaço  atrás.  Este  espaço  é  representado  no  plano  como  teatral,  sendo  anulado  o   seu  volume  e  profundidade  –  enquanto  no  espaço  da  frente  estes  são  enfatizados.  Adicionalmente   os   contrastes   e   a   convergência   de   linhas   (perspectiva)   conduzem   o   olhar   para   esse   outro   espaço   atrás.  

  Figura  46  -­‐  Screenshot  de  Bioshock  Infinite  (2013)  de  uma  plano  com  uma  acentuada  separação  entre  o   plano  antes  e  atrás. 76      

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–  Equilíbrio   A   representação   num   videojogo   recai   mais   sobre   o   espaço   do   que   sobre   a   composição   do   enquadramento,  embora  na  escolha  da  autora  dos  frames  para  o  ilustrar  haja  uma  natural  tendência   para   escolher   enquadramentos   consonantes   com   as   representações   cinematográficas,   de   narrativa   única,   que   favorecem   a   representação   do   espaço   em   função   do   enquadramento   e   da   sua   composição.   Nas   várias   imagens   apresentadas   é   patente   que   se   opta   sempre   por   enquadramentos   com   melhor   equilíbrio   e   composição.   No   entanto   estes   não   predominam   num   videojogo,   uma   vez   que   dependem  da  vontade  contínua  do  que  o  jogador  quer  ver  e  fazer.     –  Enfatização   Sobre  a  questão  da  enfatização  num  plano,  o  que  predominantemente  se  verifica  nos  videojogos   é   o   enfatizar   da   personagem   que   corresponde   ao   jogador   –   ou   que   ele   controla   –   normalmente   o   protagonista,  pois  o  jogador  é  sempre  centrado  no  enquadramento.     São   enfatizadas   ainda   as   personagens,   adereços,   objectos   ou   porções   do   espaço   com   quem   o   protagonista-­‐jogador   deve   falar   ou   interagir.   Estes   objectos   ou   personagens   com   que   o   jogador   interage  surgem  manifestamente  mais  iluminados  (Figura  47).  

  Figura  47  -­‐  Screenshot  de  Assassin´s  Creed  II  (2009),  mostrando  o  protagonista  centrado  no  enquadramento   e  onde  surge  um  personagem  com  que  o  jogador  deverá  interagir  claramente  identificado  ao  ser  mais   luminoso.  

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ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

 

2.4.  Realização,  Continuidade  e  Coerência  da  Narrativa   ”Um  filme  não  é  filmado,  mas  construído,  construído  a  partir  de  tiras  separadas  (...)  que  são  o  seu   material  em  bruto”  (Boggs  &  Petrie,  2008,  p.  187)   As   características   do   olhar   da   câmara   permitiram   a   multiplicação   dos   pontos   de   vista   e   a   variedade  de  modos  de  ver,  dedicando-­‐se  “a  rastrear  o  mais  ínfimo  pormenor,  para  nos  devolver  as   partes  integradas  num  todo  através  da  montagem”  (Nogueira,  2008,  p.  257).   Mas   o   olhar   cinemático,   ao   multiplicar   os   pontos   de   vista   do   espectador,   paradoxalmente   também  limitou  o  seu  olhar  (Nogueira,  2008)  –  porque  enquanto  no  teatro  se  obtinha  a  visão  total   da  acção,  no  cinema,  com  a  introdução  de  planos  mais  próximos  e  de  detalhes,  são  seleccionados  e   realçados   alguns   pormenores,   rejeitando   outros.   Assim,   “cessou   de   contemplar   uma   acção   na   sua   integridade   temporal,   espacial   e   causal   através   do   plano   panorâmico   e   único”   (Nogueira,   2008,   p.   257).   Ao   invés,   está-­‐se   condicionado   pelo   que   o   realizador   o   deixa   ver   e   vêem-­‐se   os   eventos   da   maneira   que   ele   quer   que   os   vejamos,   sendo   assim   a   visão   da   acção   dramática   muito   selectiva   e   controlada.   Representar   uma   acção   de   forma   dramática   nem   sempre   é   possível   numa   única   cena   ou   num   único   plano   –   pelo   menos   não   de   forma   tão   dinâmica   como   se   consegue   com   a   montagem   de   diversos  planos  –  pois  uma  vez  que  cada  tipo  de  plano  tem  especificidades  dramáticas  e  utilidades   próprias,   estes   não   conseguem   transmitir   individualmente   a   totalidade   dramática   da   narrativa   (Thompson  &  Bowen,  2009b).   Por   isso   os   acontecimentos   do   filme   são   fragmentados,   reorganizados,   religados   ou   hierarquizados   dramática   e   narrativamente   (Nogueira,   2008).   Pode-­‐se   dizer   que   a   “construção”   de   um  filme  se  assemelha-­‐se  um  puzzle  com  as  suas  diversas  peças  devidamente  interligadas.   Portanto  um  filme  nem  sempre  corre  de  forma  contínua   –  a  acção  é  fragmentada  –  no  entanto  a   audiência  recebe  a  impressão  de  que  está  a  ver  o  evento  na  íntegra.   É   aqui   que   entra   a   importância   de   uma   montagem   bem   conseguida   –   A   ideia   de   montagem   consiste   em   “unidades   mínimas   organizadas   sequencial   e   consequentemente   para   oferecer   totalidades   de   sentido   complexas”   (Nogueira,   2008,   p.   258).   Enquanto   que   o   corte   decompõe   a   acção,  a  montagem  recompõe  as  imagens  numa  totalidade  narrativa  (Nogueira,  2008).   As   diversas   alterações   de   ângulos   de   câmara   (cortes,   mudanças   de   direcção)   ao   longo   de   uma   narrativa  visual,  não  só  são  interessantes,  como  também  são  necessárias,  pois  “um  fluir  contínuo  de   imagens  de  um  extremo  ao  outro  do  ecrã  pode  resultar  fastidioso  e  provocar  desinteresse  no  público”   78      

2  |  NARRATIVAS  E  ACÇÃO  CINEMÁTICAS  

(Marner,  2013).   No  entanto,  a  montagem  implica  que  a  junção  desses  planos  visualmente  diferentes  seja  feita  de   forma  a  manter  uma  continuidade  e  coerência  da  acção  e  da  narrativa.  Isto  implica  considerar  não   apenas  os  elementos  que  se  encontram  no  plano  isolado  mas  também  como  os  elementos  e  acções   nos   diversos   planos   correspondam,   se   completem   ou   continuem   entre   si   quando   vistos   sequencialmente.   Isto   também   contribui   para   criar   determinados   significados   em   termos   do   narrar   contínuo   e   coerente   da   acção   dramática,   da   construção   da   tensão   dramática   e   em   termos   da   manipulação  e  controlo  da  experiência  e  resposta  emocional  do  espectador.   A   montagem   guia   “os   nossos   pensamentos,   associações,   e   respostas   emocionais   eficazmente   de   uma  imagem  para  a  outra,  ou  de  um  som  para  outro,  para  que  a  inter-­‐relações  de  imagens  e  sons   separados   sejam   claras   e   as   transições   entre   cenas   e   sequências   fluídas”   (Boggs   &   Petrie,   2008,   p.   190),  considerando  os  efeitos  estéticos,  dramáticos  e  psicológicos  que  induz  no  espectador.   Este   âmbito   engloba   vários   elementos   e   técnicas:   é   necessário   considerar   se   a   transição   entre   planos   é   efectuada   com   cortes   directos,   fusões,   encadeados   ou   wipes;   se   é   uma   transição   criando   matching  shots,  campo  e  contra  campo  ou  planos  de  reacção;  se  a  acção  dramática  exige  um  padrão   de  montagem  outside-­‐in  ou  inside-­‐out,  com  cut-­‐in  ou  cut-­‐away;  se  é  necessário,  ou  se  pretende,  uma   manipulação  o  tempo  da  acção  com  flashbacks,  flash-­‐forwards  ou  sequências-­‐síntese;  para  além  de   efeitos  dramáticos  e  dinâmicos  como  intercuts,  uso  propositado  de  jump-­‐cuts,  freeze  frames,  entre   outros,   mantendo   presente   a   continuidade   direccional   quando   os   elementos   passam   de   um   plano   para  outro,  bem  como  permitindo  ao  espectador  uma  leitura  continua  e  coerente  do  espaço  cénico.     2.4.1.  As  transições  entre  Planos   2.4.1.1.  Plano,  Cena  e  Sequência   No  âmbito  da  realização  cinematográfica,  a  unidade  básica  com  que  se  trabalha  é  o  plano  –  um   plano  corresponde  a  uma  vista  contínua  filmada  por  uma  câmara  sem  interrupção.     Juntando  ou  separando  uma  série  de  planos  de  forma  a  comunicar  uma  acção  unida  ocorrendo   num  lugar  e  tempo  cria-­‐se  uma  cena.  Esta  define  o  lugar  ou  cenário  onde  a  acção  ocorre,  portanto,   sempre   que   se   muda   de   cenário,   muda-­‐se   de   cena.   Pode   ser   composta   por   um   ou   vários   planos,   desde  que  mostre  sempre  um  evento  contínuo  (Mascelli,  1998).   Unindo   as   cenas   origina-­‐se   uma   sequência   que   constitui   uma   parte   significativa   da   estrutura   dramática  do  filme  (Boggs  &  Petrie,  2008).  Esta  corresponde  então  a  uma  série  de  cenas  ou  planos,     79    

ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

  que  mostram  uma  mesma  acção,  podendo  no  entanto  ocorrer  num  cenário  ou  em  vários  (Mascelli,   1998).     2.4.1.2.  Tipos  de  Transições   As  transições  –  efeitos  ou  técnicas  usadas  na  ligação  de  dois  planos  –  podem  ser  várias,  consoante   a   escolha   criativa   do   realizador.   Em   certos   casos,   a   transição   é   simplesmente   efectuada   através   de   montagem  interna,  em  que  o  próprio  movimento  da  câmara  no  plano  conduz  o  espectador  de  um   plano  para  outro  (Figura  48),  geralmente  tirando  partido  do  movimento  de  um  elemento  em  cena  –   movimento  com  “pretexto”  visual  –  mantendo  assim  uma  clara  continuidade  da  acção.   Esta   montagem   interna   não   evita   apenas   cortes   directos   entre   planos.   Ao   transportar   o   espectador   pelo   espaço,   contribui   para   a   descrição   do   mesmo,   pois   a   filmagem   contínua   permite   mais  claramente  estabelecer  relações  espaciais  entre  as  secções  do  espaço  ficcional  que  a  câmara  vai   mostrando,  não  deixando  que  o  espectador  se  sinta  perdido  no  espaço  onde  decorre  a  acção.  

 

 

 

 

 

 

Figura  48  –  Screenshots  de  uma  cena  com  montagem  interna  em  Brave  (2012)  

  No   entanto,   a   transição   mais   utilizada   é   o   corte   simples27   de   um   plano   para   outro   (Figura   49),   em   parte   porque,   sendo   a   ferramenta   mais   recorrente   na   montagem   da   acção,   já   é   automaticamente   aceite  pelo  espectador  na  sua  leitura  da  narrativa  (Thompson  &  Bowen,  2009).   Estes   cortes   juntam   sempre   planos   com   diferenças   notórias.   Se   tal   não   acontecer   –   quando   se   salta  para  um  novo  plano,  visualmente  demasiado  semelhante  ao  anterior  –  originam  os  chamados   jump-­‐cuts  (Beane,  2012),  que  causam  uma  leitura  estranha  da  narrativa  visual,  como  se  um  erro  ou   salto   não   pretendido   tenha   surgido   na   sua   exibição28.   Podem   contudo,   apesar   de   não   ser   muito                                                                                                                           27

 O  corte  simples  ou  corte  directo  corresponde  a  uma  mudança  abrupta  e  directa  de  uma  imagem  para  outra.    Para  evitar  isto,  surgiu  a   regra  dos  30º  estipulando  que  planos  consecutivos   deverão  ter,   pelo  menos,   uma  diferença   de  30º  no  ângulo  da  câmara  em  relação  ao  tema.  Isto  garante  planos  “suficientemente  diferentes”  de  modo  a  não  criar  a   28

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2  |  NARRATIVAS  E  ACÇÃO  CINEMÁTICAS  

comum,  ser  inseridos  propositadamente  em  determinadas  situações  por  razões  dramáticas,  como  se   irá  mais  adiante.  

 

 

Figura  49  –  Planos  em  Panda  do  Kung-­‐Fu  (2008)  onde  um  corte  directo  faz  a  transição  de  um  cenário  para   outro  completamente  diferente,  iniciando  uma  nova  cena.  

  Os   cortes   podem   transportar   directamente   a   acção   para   uma   cena   com   uma   acção,   local   ou   tempo   distintos   da   anterior,   ou   podem   apenas   cortar   para   um   diferente   ponto   de   vista   da   mesma   acção.   Os   cortes   na   acção   (corte   americano   ou   transparente)   são   a   forma   mais   imperceptível   de   montagem   (Figura   50).   Isto   porque   o   corte   é   feito   de   modo   a   que   o   movimento   seja   mantido   de   forma   contínua,   ou   seja,   o   segundo   plano   continua   exactamente   a   acção   do   primeiro   plano   (mas   através  de  um  ângulo  de  câmara  diferente).  Deste  modo,  o  corte,  no  decorrer  da  leitura  da  acção,   não   é   percepcionado   pois   a   acção   continua   a   ser   interpretada   fluindo   continuamente   e   o   tempo   não   é  quebrado  (Thompson  &  Bowen,  2009).  

 

 

 

 

Figura  50  –  Screenshots  de  My  Fair  Lady  (1964)  em  que  a  acção  da  personagem  continua  sem  aparente   interrupção  de  um  plano  para  o  outro.  

  Mas  os  cortes  directos  podem  por  vezes  ser  demasiado  abruptos,  podendo  até  causar  confusão   na  passagem  entre  planos  com  conteúdos  demasiado  distintos.  Nestes  casos  as  transições  através  de   fusões  (fade-­‐in  ou  fade-­‐out)  ou  encadeados  são  visualmente  mais  agradáveis  e  mais  claros.   As  transições  por  fusão  (fades)  constituem  uma  passagem  gradual  do  plano  para  uma  cor  (fade-­‐ in)  e  vice-­‐versa  (fade-­‐out)  (Marner,  2013).  O  mais  comum  é  a  transição  de  e  para  preto,  no  entanto   podem   ser   realizadas   com   qualquer   cor   –   muitas   vezes   quando   a   transição   é   para   um   plano   de                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                     sensação  de  um  glitch  ou  um  “salto”  (não  pretendido)  no  filme  (Thompson  &  Bowen,  2009).     81    

ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

  flashback   ou   de   um   sonho   é   mais   comum   criar   a   passagem   para   branco,   ou   por   vezes   até   para   outra   cor.   Em   termos   de   uma   abordagem   mais   criativa,   e/ou   com   intuito   de   associações   de   significados,   estas   fusões   são   intercaladas   com   efeitos   visuais   utilizados   na   acção   da   cena,   como   clarões   ou   relâmpagos  (Figura  51).   No   entanto,   colocar   uma   sequência   entre   duas   fusões   segrega-­‐a   numa   unidade   narrativa   individual,  por  isso  este  tipo  de  transição  é  mais  utilizado  no  início  e  final  da  narrativa  total  (Figura   52)   ou,   ocasionalmente,   para   delimitar   intervalos   narrativamente   separados  no   espaço   ou   no   tempo   (Figura  53).   Muitas  vezes  surgem  igualmente  para  a  inserção  de  memórias  e  imaginações,  pois  em  termos  de   uma   abordagem   psicológica   as   fusões   agem   como   transições   para   um   estado   de   sonho   ou   mental.   Usadas   de   forma   abusiva,   no   entanto,   criaria   um   efeito   episódico,   quebrando   o   fluxo   narrativo   (Mascelli,  1998).  

 

 

 

 

Figura  51  –  Screenshots  de  Brave  (2012)  em  que  aproveitam  a  luz  do  relâmpago  para  criar  um  fade  de   branco  que  introduz  um  flashback.  

 

 

 

 

 

 

Figura  52  –  Planos  de  abertura  e  de  fecho  de  Amadeus  (1984)  efectuados  com  fade-­‐in  e  fade-­‐out  

 

 

 

Figura  53  –  Screenshots  de  My  Fair  Lady  (1964)  em  que  utilizam  um  fade-­‐in  e  fade-­‐out  a  meio  da  narrativa,   mas  neste  caso  a  divisão  funciona  pois  é  uma  transição  para  uma  nova  sequência.  

   

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2  |  NARRATIVAS  E  ACÇÃO  CINEMÁTICAS  

As  transições  por  encadeado  (dissolve)  por  sua  vez  são  criadas  pela  “dissolução”  duma  imagem   noutra   (Marner,   2013)   (Figura   54).   Estas   são   encontradas   nas   mais   variadas   situações   –   quer   seja   uma  simples  transição  de  cenas  distintas  em  que  não  se  deseja  um  corte,  ou  uma  transição  de  planos   relacionados   em   termos   visuais   ou   de   acção,   como   match   dissolves   ou   em   sequências-­‐síntese,   ou   para  simbolizar  descontinuidades  no  tempo  (elipses).  

 

 

 

 

 

 

Figura  54  –  Screenshots  duma  sequência  inicial  de  Brave  (2012)  que  utiliza  vários  encadeados  mostrando   diferentes  ambiências  para  estabelecer  o  local  e  atmosfera  da  acção  e  situar  o  espectador.  

  Por  último  existem  ainda  os  wipes,  amplamente  utilizados  em  Star  Wars  (Figura  55),  no  entanto   este   tipo   de   transição   é   actualmente   muito   raramente   encontrado,   apesar   de   Panda   do   Kung-­‐Fu   (2008)   ter   utilizado   este   tipo   de   transição   –   no   entanto,   com   algumas   alterações   combinando   o   wipe   com  um  encadeado  (Figura  56).   Estas  transições  encontram-­‐se  entre  o  corte  e  o  encadeado,  sendo  efeitos  móveis,  em  que  uma   cena  parece  empurrar  outra  cena  para  fora  (Mascelli,  1998),  quer  seja  se  forma  horizontal,  vertical,   angular   ou   até   giratória,   em   espiral   ou   zig-­‐zag,   deste   modo   vendo-­‐se   as   duas   imagens   ao   mesmo   tempo  sem  haver  sobreposições  (Thompson  &  Bowen,  2009).  

 

 

 

Figura  55  –  Screenshots  de  um  wipe  em  Star  Wars  IV:  Uma  Nova  Esperança  (1977).  

 

 

 

Figura  56  –  Screenshots  de  um  wipe  combinado  com  um  encadeado  em  Panda  do  Kung-­‐Fu  (2008).  

 

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ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

  Mas   o   cinema   é   uma   arte   criativa,   por  isso   existem   muitas   outras   formas   de   fazer   transição   entre   planos  para  além  destas  técnicas-­‐base.   Uma   outra   forma   visualmente   interessante,   que   por   vezes   é   usada,   consiste   em   utilizar   os   próprios   elementos   do   cenário   ou   até   personagens   (em   silhueta)   como   pretexto   (visual)   na   transição   dos  planos  –  o  filme  Panda  do  Kung-­‐Fu  (2008)  é  um  caso  que  tirou  partido  em  vários  momentos  de   transições  deste  tipo  (Figuras  57,  58  e  59).  

 

 

 

 

 

 

Figura  57  –  Screenshots  de  Panda  do  Kung-­‐Fu  (2008)  onde  o  abrir  e  fechar  de  portas  em  passagem  para  um   novo  espaço  é  aproveitado  para  realizar  uma  transição  entre  planos  e  cenas.  

 

 

 

Figura  58  –  Screenshots  de  Panda  do  Kung-­‐Fu  (2008)  onde  as  colunas,  e  o  passar  da  câmara  por  elas,  são   aproveitadas  para  efectuar  um  corte  para  um  flashback.  

 

 

 

Figura  59  –  Screenshots  de  Panda  do  Kung-­‐Fu  (2008)  onde  usam  a  silhueta  do  personagem,  e  o  passar  da   câmara  por  ela,  para  efectuar  uma  transição.  

  Independentemente  do  género  ou  abordagem  criativa,  a  montagem,  se  feita  correctamente,  não   é   conscientemente   apercebida   pelo   espectador   (mesmo   quando   não   se   trata   de   montagem   interna),   permitindo  à  história  fluir  confortavelmente  do  início  ao  fim  –  porque  de  contrário  o  espectador  irá   registar   que   existe   algo   de   incorrecto   na   sequência   de   imagens   que   visualizou   levando-­‐o   mentalmente   a   tentar   justificar   o   facto,   causando   problemas   na   sua   habilidade   de   absorver   nova   informação  que  venha  seguida  e  consequentemente  quebrando  a  imersão  na  narrativa  (Thompson  &   Bowen,  2009).   84      

2  |  NARRATIVAS  E  ACÇÃO  CINEMÁTICAS  

Isto  não  implica  no  entanto  que  os  cortes  entre  planos  não  possam  ser  visualmente  dramáticos,   ou  que  o  espectador  objectivamente  não  consiga  assinalar  os  momentos  de  corte.  Mas  a  evolução   das   narrativas   cinematográficas   conduziu   a   que   o   espectador   absorvesse   as   diversas   técnicas   que   esse   meio   utiliza,   levando-­‐o   a   aceitar   os   variados   cortes   e   efeitos   de   transição   como   parte   da   linguagem   visual   intrínseca   à   apreciação   desta   arte   e   assim   não   destruindo   a   sua   capacidade   de   ler   a   narrativa  de  forma  coerente  e  lógica  (Figura  60  e  61).  

 

 

 

Figura  60  –  Screenshots  de  Brave  (2012)  onde  é  realizado  um  corte  ‘invisível’  na  acção.  Este  não  corta  a   continuidade  da  acção  porque  o  segundo  plano  continua  exactamente  onde  cortou  a  acção  no  primeiro.  

 

 

 

 

 

Figura  61  –  Screenshots  de  duas  situações  em  Panda  do  Kung-­‐Fu  (2008)  onde  efectuam  um  corte  simples.   No  entanto,  o  espectador  compreende  que  continua  a  mesma  acção  e  cena  devido  a  outras  pistas  –  como  o   manterem-­‐se  as  mesmas  personagens  e  o  mesmo  espaço.  

  Seja   como   for,   a   montagem   envolve   a   combinação   criativa   de   vários   elementos   pictóricos   e   sonoros  de  modo  a  que  o  conjunto  final  dê  à  audiência  um  fluxo  de  informação  que  entretenha  ou   inspire  e,  no  fundo,  que  impacta  o  espectador  da  maneira  pretendida.     Tudo   num   filme   é   feito   com   a   audiência   em   mente,   atendendo   às   suas   expectativas   e   necessidades,   sendo   obviamente   que   diferentes   géneros   de   narrativas   possuem   diferentes   conteúdos   e   audiência,   consequentemente   requerendo   diferentes   abordagens   de   montagem,   com   diferentes  estilos,  técnicas  e  efeitos  (Thompson  &  Bowen,  2009).     2.4.2.  Montagem  como  construção  de  significados   A   capacidade   da   câmara   e   montagem   de   revelarem   diversos   pontos   de   vista   da   acção   criou     85    

ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

  diversas  possibilidades  expressivas  da  narrativa,  tendo  determinados  contributos  para  a  experiência   do  espectador.   A  possibilidade  dos  ângulos  de  câmara  (e  consequentemente  dos  pontos  de  vista  da  audiência29)   se   irem   alterando   permite   ir   construindo   uma   progressão   da   tensão   dramática   dinâmica,   em   mudança,  com  diferentes  cadências  de  drama  e  emoções  ao  longo  da  narrativa.   “A  grande  funcionalidade  da  edição  enquanto  arte”  pode  “ser  definida  como  motor  de  emoção”   (Zangalo,   2009,   p.   174),   ou   seja,   suscitar   e   manipular   reacções   e   experiências   emocionais   do   espectador.   De   uma   perspectiva   afectiva,   a   “montagem   pode   contribuir   para   o   envolvimento   emocional   com   que   o   espectador   enfrenta   um   determinado   acontecimento:   o   mistério,   o   suspense   (...)”  (Nogueira,  2008,  p.  258).   Na  sua  interpretação  e  perspectiva  sobre  a  narrativa,  o  espectador  é  conduzido  e  manipulado  ao   longo  de  toda  ela,  sem  qualquer  controlo  sobre  o  que  vê  ou  a  sua  totalidade.   É  a  montagem  (com  as  suas  especificidades,  possibilidades,  dispositivos  e  elementos)  que  constrói   “um  imaginário  e  um  ideário  para  o  espectador,  isto  é,  para  lhe  proporcionar  diversas  perspectivas   sobre  os  acontecimentos,  quer  cognitiva  quer  afectivamente”  (Nogueira,  2008,  p.  258).     2.4.2.1  Planos  na  Realização   A   alternância   entre   vários   ângulos   de   câmara   não   só   adiciona   dinamismo   visual   à   narrativa   como,   mais   importantemente,   contribui   para   a   melhor   compreensão   e   leitura   da   narrativa   por   parte   do   espectador,   quer   ao   nível   do   conteúdo   narrativo   (história)   quer   ao   nível   da   construção   dramática   (controlo  emocional).  A  utilização  de  diferentes  pontos  de  vista  e  posições  da  câmara  em  relação  ao   tema  face  a  uma  mesma  acção  contribui  para  melhor  a  explicar  ao  espectador.   É   neste   contexto   que   se   vão   articulando   insertos   entre   a   acção   de   uma   cena,   que   fornecem   ao   espectador  informação  adicional  ou  mais  detalhada  da  acção  auxiliando-­‐o  a  melhor  a  compreender,   e   que   surgem   reverse   shots   (contra-­‐campos)   –   principalmente   entre   diálogos/acção   entre   duas   personagens  (Figura  62),  que  permitem  mostrar  as  diferentes  perspectivas  da  acção.   Um   inserto30   numa   cena   é   uma   personagem   que   observa   a   acção,   mostrando   a   sua   reacção   a                                                                                                                           29

  Existe   uma   relação   entre   a   audiência   e   o   posicionamento   ou   ângulos   em   que   a   câmara   é   colocada.   Sempre   que   a   câmara  muda,  a  audiência  é  reposicionada,  consequentemente  vemos  o  evento  de  um  ponto  de  vista  diferente  (Mascelli,   1998)   30   Distinto   de   ‘plano   de   inserto’.   Um   plano   de   inserto   mostra   uma   visão   aproximada   do   plano   anterior,   mantendo-­‐se   na   86      

2  |  NARRATIVAS  E  ACÇÃO  CINEMÁTICAS  

esta,  fornecendo  informações  ao  espectador  sobre  o  seu  juízos  sobre  os  acontecimentos  e  atitudes   dos   protagonistas   da   cena.   Pode   ainda   ser   usado   para   juntar   dois   planos   que   não   observam   a   coerência  (raccord)  ou  para  apresentar  personagens  que  irão  ser  relevantes  no  enredo  mais  adiante.   Permite   intercalar   com   a   acção   principal   planos   mostrando   outros   personagens   que   não   fazem   parte   da   acção   principal,   apenas   a   testemunhando,   e   a   ela   reagindo   –   plano   de   reacção   –   acrescentando   um   juízo   de   valor   sobre   os   eventos   narrados   que   o   espectador   eventualmente   adopta.   Os   planos   de   reacção   (Figura   63)   são   planos   silenciosos   de   um   interveniente   reagindo   ao   que   outro  personagem  está  a  dizer  ou  a  fazer.  Estes  planos  não  dão  o  ponto  de  vista  dum  participante,   mas   ao   mostrar-­‐nos   uma   reacção   emocional   leva   o   espectador   mais   próximo   da   acção   de   modo   a   que  se  sinta  intimamente  envolvido,  por  vezes  também  ajudando  a  indicar  ao  observador  como  se   deve  sentir  a  uma  determinada  acção  ou  momento  do  filme  (Marner,  2013).   A  eficácia  dramática  e  emocional  destes  planos  reside  na  proximidade  com  a  acção,  pois  apesar   de   o   espectador   não   ser   identificado   com   um   personagem   (como   num   plano   subjectivo),   é   atraído   para  o  sentimento  que  observa,  dando-­‐lhe  uma  sensação  de  participação  na  acção  (Marner,  2013).  

 

 

 

 

Figura  62  –  Screenshots  de  reverse  shots  em  Irmandade  do  Anel  (2001)  e  Brave  (2012)  

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                  mesma  acção.  Um  inserto  numa  cena  corresponde  a  uma  mudança  de  visão  para  outro  personagem  que  se  encontra  na   cena,  mas  que  não  está  a  participar  na  acção  principal,  apenas  a  testemunha.     87    

ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

 

 

 

 

 

Figura  63  –  Screenshots  de  planos  de  reacção  (face  ao  plano  anterior)  em  Amadeus  (1984)  e  em  Ratatui   (2007)  

  2.4.2.2.  Padrões  de  compor  a  acção  da  cena  e  seus  efeitos  no  espectador   Independentemente  dos  tipos  de  transições  utilizadas,  existem  diversas  opções  de  composição  da   narrativa  visual  entre  os  vários  planos  e  ângulos  de  câmara  existentes.  Tal  pode  ocorrer  quer  quando   a   câmara   se   mantem   sempre   dentro   da   acção   principal   da   cena,   quer   quando   se   afasta   da   acção   principal   (cut-­‐away)   ou   para   uma   nova   cena   ou   apenas   momentaneamente   para   um   evento   ou   elemento  secundário  –  algo  que  ocorra  no  mesmo  local  ou  um  plano  de  reacção  –  retornando  depois   à  acção  principal  (Ablan,  2002)  (Figura  64).   O   efeito   da   montagem   no   contar   da   narrativa   e   na   manipulação   emocional   do   espectador   relaciona-­‐se   tanto   com   a   ordem   ou   padrão   em   que   os   planos   estão   montados,   como   o   tempo   que   cada  plano  ocupa  na  narrativa  e  a  velocidade  do  ritmo  criado  pelo  cortes  –  cortes  rápidos  e  planos   curtos  criam  um  ritmo  mais  acelerados  que  é  transmitido  à  audiência  e  se  torna  mais  dinâmico.  

88      

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

2  |  NARRATIVAS  E  ACÇÃO  CINEMÁTICAS  

 

 

 

 

Figura  64  –  Screenshots  do  início  de  Irmandade  do  Anel  (2001)  onde  a  cena  de  Bilbo  é  interrompida  por  um   cut-­‐away  para  uma  série  de  planos  de  vários  Hobbits  –  que  fornece  informação  ao  espectador  da  ambiência  –   mas  depois  retornando  para  Bilbo.  

  Dentro   de   uma   cena,   a   ordem   pela   qual   os   planos   são   montados   e   apresentados   tem   a   capacidade  de  relatar  o  conteúdo  narrativo  da  sequência  de  modo  a  construir  diferentes  estilos  de   progressão  da  acção.   A   montagem   dos   planos   pode   relatar   a   acção   de   diversas   formas,   sendo   que,   consoante   as   intenções  dramáticas  e  plásticas  que  se  desejam,  os  planos  poderão  compor  uma  cena  de  maneira   progressiva  (ou  regressiva),  contrastante  ou  repetitiva31  (Mascelli,  1998)  (Figuras  65  e  66)  

 

 

 

Figura  65  –  Screenshots  de  um  segmento  em  Ratatui  (2007)  onde  a  mudança  entre  ângulos  de  câmara  é   feita  cada  vez  mais  aproximando-­‐se  do  tema  (forma  progressiva).  

 

 

 

 

 

 

 

 

Figura  66  –  Screenshots  de  uma  cena  em  Irmandade  do  Anel  (2001)  que  alterna  contrastando  planos  de   conjunto  com  planos  aproximados  dos  intervenientes  (forma  contrastante),  seguidamente  apresentando  uma   série  de  planos  todos  com  o  mesmo  ângulos  de  câmara  (forma  repetitiva).  

  A   leitura   e   efeitos   dramáticos   que   o   espectador   retira   da   cena   não   são   os   mesmos   quando   os   eventos   lhe   são   apresentados   a   partir   de   um   establishing   shot   que   progressivamente   entra   no   cenário  gradualmente  revelando  um  seu  pormenor  –  padrão  de  montagem  outside-­‐in  –  que  quando                                                                                                                           31

  De   forma   progressiva   (ou   regressiva)   implica   uma   série   de   planos   compondo   pontos   de   vista   exponencialmente   mais   próximos   (ou   mais   distantes)   –   não   implicando,   no   entanto,   planos   necessariamente   idênticos   em   termos   de   composição   e   ângulo  em  relação  ao  tema.  De  forma  contrastante  constitui  uma  composição  com  planos  opostos  como  um  plano  geral   contrastando  com  um  grande  plano.  De  forma  repetitiva  implica  uma  série  de  imagens  do  mesmo  tamanho  ou  sempre  o   mesmo  tipo  de  ângulo  de  câmara  (Mascelli,  1998).     89    

ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

  a   acção   transita   imediatamente   para   um   detalhe   só   depois   dele   se   afasta   para   revelar   a   situação   em   que  se  insere  –  padrão  inside-­‐out  (Boggs  &  Petrie,  2008).   Um   padrão   outside-­‐in   constitui   a   forma   mais   tradicional   de   apresentar   a   acção,   no   entanto   é   possível  criar  uma  cena  dramática  desta  forma  pois  o  aproximar  gradual  do  olhar  da  câmara  também   transporta  o  espectador  cada  vez  mais  para  o  íntimo  da  acção  e  do  espaço  cénico  (Figuras  67  e  68).   Um   padrão   outside-­‐in   também   poderá   revelar-­‐se   mais   dramático   ou   intenso   se   criado   com   um   corte   directo   para   uma   porção   mais   pequena   (e   ampliada)   do   plano   anterior   (cut-­‐in),   como   um   detalhe   ou   personagem   (Figura   69),   pois   estes   cut-­‐ins   transportam   subitamente   o   espectador   para   uma   relação   muito   mais   íntima   com   a   personagem   ou   detalhe   ao   subitamente   aproximá-­‐lo   muito   destes.   O   oposto   (inside-­‐out)   adiciona   antecipação,   ou   por   vezes   até   suspense   (Boggs   &   Petrie,   2008),   uma  vez  que  o  espectador  é  confrontado  com  algo  cujo  contexto  (inicialmente)  desconhece  (Figura   70).  

 

 

 

Figura  67–  Screenshots  de  Panda  do  Kung-­‐Fu  (2008)  utilizando  um  padrão  outside-­‐in  que  mostra  o  cenário   exterior,  depois  levando  o  espectador  (e  personagens)  para  o  seu  interior  e  focando-­‐se  em  detalhes  deste.  

 

 

 

 

Figura  68  –  Screenshots  de  Ratatui  (2007)  onde  a  composição  dos  planos  cria  uma  sequência  que  revela   gradualmente  mais  informação  do  espaço  ao  entrar  gradualmente  mais  no  seu  interior.  

 

 

Figura  69  –  Screenshots  de  Irmandade  do  Anel  (2001)  ilustrando  um  cut-­‐in.  

 

 

 

Figura  70  –  Screenshots  do  prólogo  de  Irmandade  do  Anel  (2001),  uma  cena  que  mostra  primeiro  um  close-­‐ 90      

2  |  NARRATIVAS  E  ACÇÃO  CINEMÁTICAS  

up  do  objecto,  só  depois  recuando  para  mostrar  a  personagem  e  o  cenário.  

  2.4.2.3.  Acção  no  fora-­‐de-­‐campo  do  plano   Como  mencionado,  no  que  respeita  à  realização  e  o  processo  final  de  montagem  é  tudo  pensado   como  um  conjunto,  pois  os  planos  devem  ser  apresentados  sequencialmente  de  modo  a  apresentar   uma  acção  contínua  e  coerente,  para  além  de  simultaneamente  serem  apresentados  de  uma  forma   que  manipule  a  resposta  emocional  do  espectador  face  à  acção.   Se  os  planos  forem  trabalhados  apenas  isoladamente  pode  existir  equilíbrio  de  composição  e  do   enquadramento,   mas   paradoxalmente   quando   forem   ‘montados’   juntos   poderão   não   criar   uma   narrativa  visual  interessante  e  dinâmica  ou  até  criar  numa  sequência  com  sentimentos  de   suspense,   descontinuidades   ou   claustrofobia   não   pretendidos   –   no   entanto,   estes   sentimentos   negativos   não   são  sempre  necessariamente  errados.  Por  vezes  pretende-­‐se  propositadamente  criar  estes  efeitos  e   nesse  caso  nem  sempre  a  composição  formal  e  equilibrada  é  aquela  que  se  adequa.   Um   plano   isolado   poderá   ter   uma   composição   e   enquadramento   desequilibrados,   mas   resultar   numa  sequência  equilibrada  e  coerente.   É   por   isto   que   planos   com   uma   grande   área   de   look-­‐room   se   poderão   considerar   equilibrados   (equilíbrio  assimétrico)  com  o  que  não  se  vê  no  plano.  O  conjunto  completo  (que  o  espectador  não   vê)  é  composto  por  uma  primeira  personagem  juntamente  com  outra  personagem  e  o  espaço  entre   eles   (Figura   71)   –   espaço   off-­‐screen   que   é   intuído   através   dos   elementos,   composição   e   acção   nos   planos.   Quando   é   apresentado   um   dos   planos   isoladamente,   este   é   uma   fracção   do   conjunto   que   se   escolheu   salientar,   e   o   seu   equilíbrio   é   tido   em   consideração   no   plano   seguinte   –   ou   seja,   não   é   o   plano  em  si  que  cria  este  equilíbrio,  mas  a  montagem.   É   a   perspectiva   sequencial,   característica   da   linguagem   cinematográfica   –   operacionalizada   com   a   montagem   –   que   permite   que   o   espectador   perceba   o   que   acontece   no   fora-­‐de-­‐campo   (Nogueira,   2008).   Por  isto,  nem  sempre  é  necessário  (ou  adequado)  compor  planos  que  se  encontrem  equilibrados   tendo   em   conta   apenas   esse   plano   isoladamente.   Pode-­‐se   ter   enquadramentos   desequilibrados   (isoladamente)   mas   que   proporcionam   sequências   de   planos   equilibrados   e   com   significados   correctos  quando  visualizados  sequencialmente.  

  91    

ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

 

Espaço    

 

 

 

Figura  71  –  Esquema  da  composição  de  dois  planos  (com  equilíbrio  assimétrico)  consecutivos  em   Irmandade  do  Anel  (2001)  que  pertencem  a  uma  mesma  cena  e  acção.  

  2.4.2.4  Associação  de  significados  através  de  composições  plásticas   Como   já   mencionado,   a   montagem   não   liga   apenas   planos   mostrando   sempre   a   mesma   acção   contínua.  Por  vezes  uma  cena  transita  para  outra  mostrando  outra  acção  particular  diferente.   No  entanto,  feita  uma  transição  para  um  segundo  plano  que  tenha  uma  forma,  cor,  dimensão  ou   som  idêntico  ao  primeiro  estabelece-­‐se  um  ligação,  não  originando  um  corte  demasiado  brusco  mas   antes  criando  um  passar  mais  fluido  de  uma  imagem  para  a  outra  (Thompson  &  Bowen,  2009).   Deste  modo,  essa  acção  particular  continua  a  surgir  dentro  da  totalidade  da  peça  como  coerente   e   fluída,   sem   dar   a   sensação   ao   espectador   que   saltou   subitamente   para   uma   peça   totalmente   desconexa  do  que  viu  antes.   Planos   consequentes   que   mostrem   conteúdos   semelhantes   em   termos   de   enquadramento,   tamanho  e  ângulo  de  câmara  –  matching  shots  (Thompson  &  Bowen,  2009b)  –  criam  uma  coerência   visual  dentro  da  variação.   Podendo  ser  ligados  com  cortes  simples  ou  com  encadeados32,  esta  montagem  de  forma  pode  ser   usada   apenas   criar   para   uma   transição   mais   gradual   entre   planos   de   conteúdos   distintos   (de   modo   a   criar   uma   transição   menos   abrupta),   (Figuras   72)   mas   também   poder   construir   associações   de   significados  em  termos  de  acção  e  narrativa  (Figura  73)  ou  uma  passagem  de  tempo.  

 

 

 

                                                                                                                        32

 Os  encadeados  de  forma  (ou  matched  dissolves)  são  transições  em  que  dois  planos  consecutivos  surgem  com  formas,   movimentos,   conteúdos   ou   composições   semelhantes   (Mascelli,   1998).   Os   cortes   de   forma   (ou   form   cut   ou   match   cut)   constituem  a  mesma  lógica  apenas  fazendo  a  transição  entre  planos  com  um  cortes  simples  em  vez  de  um  encadeado.  No   entanto,  os  encadeados  permitem  uma  transição  mais  suave,  melhor  realçando  as  semelhanças,  pois  esta  transição  dá  mais   tempo   para   o   espectador   para   identificar   e   estabelecer   a   relação   de   semelhança   (Thompson   &   Bowen,   2009).   Os   cortes   directos,  por  seu  lado,  ao  serem  mais  bruscos,  contribuem  para  efeitos  mais  intensos.   92      

2  |  NARRATIVAS  E  ACÇÃO  CINEMÁTICAS  

 

 

 

Figura  72  –  Screenshots  de  matching  shots  em  Brave  (2012)  e  Panda  do  Kung-­‐Fu  (2008)  que  estabelecem   uma  ligação  visual  através  da  composição  circular  em  ambos  os  planos  apesar  de  o  seu  conteúdo  narrativo  não   ter  relação.  

 

 

 

 

 

Figura  73  –  Screenshots  de  matching  shots,  em  Brave  (2012),  apesar  de  constituírem  planos  separados  no   tempo  e  no  espaço,  criam  uma  associação  de  conteúdo/significado  ao  mostrarem  acções  ou  personagens,   juntamente  com  composições,  idênticas.  

  2.4.2.5  Manipulação  do  tempo  da  acção   O  tempo  que  se  desenrola  nas  narrativas  visuais  cinematográficas,  tal  como  nas  interactivas,  não   equivale   ao   tempo   real.   Filmes   podem   mostrar-­‐nos   o   decorrer   do   tempo   de   um   mês,   um   ano,   milhares   de   anos,   sem   ser   preciso   ao   espectador   assistir   aos   eventos   durante   um   igual   período   de   tempo.   O   tempo   da   narrativa   não   corresponde   ao   tempo   “real”   (Boggs   &   Petrie,   2008).   Geralmente   é   sugerido  um  decorrer  de  tempo  maior  do  que  aquele  que  é  efectivamente  visualizado,  mas  de  forma   a  manter  um  fluir  e  encadear  da  história  em  que  isso  seja  implícito  e  não  crie  confusão  no  espectador   –   é   um   tempo   que   é   condensado   mas   tal   é   feito   de   forma   a   que   o   espectador   não   sinta   falhas   de   coerência  ou  de  lógica  ou  que  sinta  “irreal”.   Isto   só   é   possível   devido   à   montagem,   recorrendo   a   técnicas   de   permitem   a   manipulação   do   tempo  da  acção,  de  modo  a  conseguir  condensar  uma  narrativa  que  poderá  abranger  vários  dias  ou   anos,   num   segmento   de   apenas   algumas   horas.   A   indicação   de   uma   maior   passagem   do   tempo   pode   ser   conseguida   através   de   processos   tão   simples   como   passar   de   uma   cena   de   dia,   para   outra   de   noite,  ou  a  mudança  de  vestuário  dos  personagens.  Estes  pormenores  comunicam  imediatamente  à  

  93    

ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

  nossa  percepção  que  o  tempo  passou.  Bem  como  a  inclusão  de  determinada  informação  no  próprio   diálogo  que  leva  imediatamente  o  espectador  a  perceber  o  salto  do  tempo  (Marner,  2013).   Isto  é  conseguido  porque  a  mente  do  espectador  tem  a  capacidade  de  estabelecer  associações  e   leituras  de  significados  entre  planos  que  não  são  contínuos.   Por   isso,   quando   o   espectador   observa   planos   ligados   por   encadeados,   combinados   em   sequências-­‐síntese,  cenas  editadas  com  montagem  paralela  e  a  inclusão  de  cenas  de  flashbacks  ou   flash-­‐forwards,   ele   compreende   a   acção   como   contínua,   sem   se   perder   na   lógica   e   seguimento   da   narrativa  no  seu  todo.   Transições   com   encadeados   geralmente   indicam   alguma   passagem   de   tempo,   especialmente   se   compondo   matching   shots   (mas   também   entre   planos   com   conteúdos   diferentes),   quer   sejam   transições   entre   o   mesmo   local   mantendo   a   mesma   composição   (Figura   74)   ou   planos   com   a   mesma   personagem,  apenas  com  idades  diferentes  (Figura  75).  

 

 

 

Figura  74  –  Screenshots  de  match  dissolve  em  Amadeus  (1984)  que  mostrando  o  mesmo  local,  com  a   mesma  composição,  indica  um  passar  do  tempo.  

 

 

 

Figura  75  –  Screenshots  de  matching  shots  em  Panda  do  Kung-­‐Fu  (2008)  para  indicar  o  final  de  um   flashback.  

  Criando   uma   série   de   cortes   rápidos   –   Sequência   Síntese   ou   Montage33   que   geralmente   é   acompanhada   de   música   –   quer   seja   com   cortes   simples   ou   encadeados,   mostra-­‐se   uma   versão   condensada  da  acção  ao  longo  do  tempo  (Thompson  &  Bowen,  Grammar  of  the  Edit,  2009).  Assim,   permite  reduzir  a  duração  de  acções  que  de  outro  modo  desenvolver-­‐se-­‐iam  ao  longo  de  um  longo   período  de  tempo.  No  entanto,  ao  seleccionar  os  seus  pontos  significativos,  o  espectador  não  perde   a  leitura  completa  e  correcta  dessa  acção  (Figura  76).                                                                                                                           33

  A   palavra   montage   possui   também   outros   significados:   em   francês,   descreve   o   acto   de   juntar   o   filme,   ou   seja   a   montagem   em   geral;   no   cinema   silencioso   soviético   de   1920s   surgiu   a   teoria   de   montage   de   edição,   que   crê   que   duas   imagens   não   relacionadas   podem   ser   editadas   juntas   para   gerar   um   novo   pensamento,   ideia   ou   emoção   na   mente   do   observador  (Thompson  &  Bowen,  2009)   94      

2  |  NARRATIVAS  E  ACÇÃO  CINEMÁTICAS  

Esta  forma  é  muitas  vezes  emocionante  e  fornece  rapidamente  uma  ideia  geral  bastante  precisa   da   acção,   podendo   facilmente   transmitir   o   ambiente   geral   dum   cenário,   período   ou   momento   ao   espectador.  

 

 

 

Figura  76  –  Screenshots  de  uma  pequena  cena  em  Ratatui  (2007)  que  condensa  a  acção  em  apenas  três   planos  ligados  por  dissolves.  

  Mencionou-­‐se   anteriormente   que   cenas   colocadas   entre   fusões   originam   uma   segregação   da   acção.   Mas   no   caso   de   elipses   temporais   –   flashbacks   e   flash-­‐forwards   –   bem   como   em   cenas   de   sonhos   ou   imaginações,   essa   consequência   é   propositada   –   uma   vez   que   segrega   a   acção.   O   espectador  percebe  que  esse  segmento  entre  as  transições  constitui  algo  isolado  do  resto  da  acção   principal.   Por   isso   este   tipo   de   cenas   são   frequentemente   introduzidas   entre   fusões   (por   vezes   também   por   encadeados),   muitas   vezes   acompanhadas   de   iluminação   e   cores   diferentes   para   destacar  da  linha  de  acção  principal  bem  como  conferir  determinados  efeitos  emotivos.   No   entanto,   esta   não   é   técnica   obrigatória   para   estes   casos.   Qualquer   realizador   é   livre   de   combinar  os  variados  recursos  da  linguagem  fílmica  disponíveis  –  um  destes  exemplos  é  em  Ratatui   (2007)  em  que  utiliza  um  zoom  out  bastante  acelerado  para  um  wipe  através  do  contorno  do  olho  do   personagem   que   é   também   utilizado   como   elemento   de   ligação   entre   o   personagem   adulto   e   a   versão  mais  nova  este  (Figura  77).  

 

 

 

 

Figura  77  –  Screenshots  de  uma  transição  para  um  flashback  em  Ratatui  (2007).  

  Mas  quando  existem  grandes  saltos  de  tempo  e/ou  local  –  quer  sejam  elipses  temporais  ou  não  –   por  vezes  é  necessário  introduzir  essa  informação  de  forma  mais  clara  ao  espectador.   Situações   em   que   exista   uma   grande   e   abrupta   alteração   em   termos   de   tempo   ou   local   (dando   inicio  a  uma  nova  cena),  por  forma  a  não  perder  o  espectador,  por  vezes  o  corte  é  efectuado   para   um  plano  que  introduza  essa  nova  situação.  Estes  podem  constituir  simplesmente  a  adição  de  texto   informando   uma   data   ou   local   específico   –   títulos   introdutórios   –   mas   essa   informação   pode   ser   igualmente   fornecida   de   forma   mais   subtil  –   como   filmando   a   chegada   a   uma   estação   ou   mostrando     95    

ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

  um   jornal   focando   a   data   (Marner,   2013),   ou   até   um   mapa,   como   acontece   após   o   prólogo   de   Irmandade  do  Anel  (2001)  (Figura  78).  

 

 

 

 

Figura  78  –  Screenshots  de  Irmandade  do  Anel  (2001)  em  que  efectuam  um  dissolve  para  o  mapa,  depois   dirigindo  a  câmara  para  a  localização  da  próxima  cena  situando  assim  o  espectador  no  local  ficcional.  

  Adicionalmente,  por  vezes,  o  enredo  engloba  também  duas  acções  dramáticas  que  ocorrem  em   simultâneo,  em  locais  diferentes.   Nestes   casos   a   montagem   paralela   (ou   intercut)   –   apresentar   planos   das   duas   acções   alternadamente  (Thompson  &  Bowen,  2009)  –  cria  uma  narrativa  visual  mais  dinâmica  e  cativante,   conseguindo   o   espectador   no   entanto   inferir   correctamente   a   sua   ocorrência   temporalmente   sobreposta.   Esta  montagem  paralela  surge  quer  sejam  cenas  simples  –  como  uma  conversa  telefónica,  em  que   porque   se   deseja   mostrar   ambos   os   lados   do   diálogo,   se   alterna   entra   um   interveniente   e   outro  –   ou   cenas   com   uma   abordagem   dramática   –   contrapondo   duas   acções   opostas   ou   personagens   rivais,   introduzindo   conflito   na   cena   que   alimenta   a   experiência   emocional   do   espectador   (Thompson   &   Bowen,   2009)   –   Brave   (2012)   é   um   caso   que   utiliza   esta   abordagem   em   mais   do   que   uma   ocasião   (Figuras  79  e  80).   A  montagem  paralela  é  algo  que  ajuda  a  criar  e  acentuar  tensão  dramática,  pois  sempre  que  se   opõem   duas   coisas   diferentes   (personagens,   eventos)   cria-­‐se   sempre   uma   ligeira   tensão   e   alternar   entre   duas   acções   opostas   cria   muitas   vezes   suspense   e   antecipação   (Boggs   &   Petrie,   2008)   –   especialmente  se  mostrando  planos  cada  vez  mais  curtos  em  duração,  o  que  torna  o  ritmo  da  cena   mais   frenético   à   medida   que   as   duas   linhas   de   enredo   se   desenrolam,   transferindo   essa   energia   para   o  espectador  que  sente  a  urgência  desse  ‘passo’  (Thompson  &  Bowen,  2009).   Este   último   caso   poderá   conduzir   a   flashcuts   –   vários   planos   consecutivos   muitos   curtos,   geralmente  de  apenas  alguns  segundos  que  podem  constituir  montagem  paralela  ou  não  –  que  pela   sua  montagem  muito  rápida  adicionam  dinamismo  e  torna  a  cena  intensa  (Figura  81).  

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2  |  NARRATIVAS  E  ACÇÃO  CINEMÁTICAS  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Figura  79  –  Screenshots  de  Brave  (2012)  onde  alternam  entre  as  duas  personagens  estabelecendo  uma   ligação,  apesar  de  estarem  em  locais  diferentes.  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Figura  80  –  Screenshots  de  Brave  (2012)  onde  alternam  entre  os  dois  grupos  de  personagens  que   perseguem  a  mãe-­‐ursa  para  aumentar  a  tensão  dramática.  

 

 

 

 

 

 

 

 

Figura  81  –  Screenshots  de  um  flash  cut  em  Panda  do  Kung-­‐Fu  (2008).  

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ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

  Apesar   de   se   ter   anteriormente   apresentado   os   jump-­‐cuts,   de   certo   modo,   como   um   aparente   erro   técnico,   estes   são   por   vezes   –   muito   raramente   –   utilizados   de   forma   propositada,   pois   funcionam   na   criação   de   cenas   tensas,   estados   mentais   alterados   e   sensações   de   alienação   –   um   caso  encontra-­‐se  em  alguns  planos  iniciais  de  District  9  (2009)  (Figura  82).  

 

 

 

 

Figura  82  –  Screenshots  de  District  9  (2009)  de  alguns  jump-­‐cuts  que  pretendem  transmitir  sensações  de   nervosismo  e  tensão  do  protagonista.  

  Efeitos   de   freeze   frames,   igualmente,   são   ocasionalmente   utilizados   para   efeitos   dramáticos,   pois   se   usados   esporadicamente   contribuem   para   uma   narrativa   visual   dinâmica   (Figura   83).   Apesar   destes   serem   efeitos   visuais   que   não   correspondem   ao   seguimento   real   do   tempo   –   aliás   momentaneamente  parando-­‐o   de   todo,   o   que   poderá   parecer   paradoxal   com   o  objectivo  de  um  fluir   contínuo   da   acção   –   não   interferem   com   a   compreensão   do   espectador   da   narrativa   total   (até   porque  muitas  vezes,  a  narrativa  contínua  pelo  som  com  algum  personagem  a  narrar  em  voz  off34).  

 

 

 

Figura  83  –  Screenshots  da  cena  inicial  de  Ratatui  (2007)  onde  é  feito  um  freeze  frame  que  adiciona  uma   qualidade  dinâmica  e  cómica  ao  início  do  filme.  

  2.4.3.  Continuidade  e  coerência  da  acção  e  do  espaço   A  montagem  dos  planos  deve  ser  feita  de  modo  a  relatar  o  espaço  ao  espectador  para  que  este   não  se  sinta  perdido  e  que  consiga  entender  correctamente  o  posicionamento  e  organização  espacial   dos  vários  espaços  entre  si.   Isto   implica   que   os   padrões   de   movimento   e   da   acção   se   mantenham   contínuos,   coerentes   e   lógicos  (Mascelli,  1998)  –  quer  quando  um  personagem  caminha  de  um  plano  para  outro,  mantendo-­‐   se   a   mesma   acção   ou   quando   a   acção   do   plano   salte   de   um   tema   para   outro,   sendo   necessário   assegurar   que   o   espectador   entenda   as   posições   dos   objectos   entre   estes   e   o   espaço,   ou   mesmo                                                                                                                           34

 voz  que  narra  os  acontecimento  mas  que  não  aparece  (personagem)  no  plano.  

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2  |  NARRATIVAS  E  ACÇÃO  CINEMÁTICAS  

quando  a  acção  salta  para  um  local  diferente,  numa  nova  cena.   Certas   técnicas   de   transição   –   em   especial   os   encadeados   e   montagem   de   forma   –   como   já   se   falou   anteriormente,   permite   estabelecer   associações   de   significados   que   permitem   ao   espectador   entender  a  mudança  de  local  (e  de  tempo).   Mas   mesmo   os   corte   simples,   quando   transitam   para   um   cenário   totalmente   diferente   é   suficientemente   claro   a   mudança   de   espaço   e   o   espectador   não   interrompe   a   sua   imersividade   na   narrativa  pois  simplesmente  aceita  que  se  dá  um  inicio  de  uma  nova  cena  com  uma  nova  acção.   As   maiores   preocupações   dão-­‐se   em   espaços   interiores   e   espaço   contíguos,   quando   a   acção   se   desenvolve  continuamente  entre  eles.     2.4.3.1.  Continuidade  Espacial   A  continuidade  espacial  do  mundo  ficcional  da  narrativa  é  também  induzida  e  aludida  através  de   aspectos   da   composição   (plástica   do   plano)   com   linhas   de   perspectiva   e   pontos   de   fuga   que   convergem  o  olhar  em  profundidade.   Uma  vez  que  o  espectador  estabelece  muito  facilmente  associações  de  significados  e  de  relações,   por   vezes   o   fora-­‐de-­‐campo   falado   anteriormente   –   não-­‐visto   mas   induzido   (através   das   linhas   de   olhar)   ou   parcialmente   aludido   (como   com   sombras)   –   estabelecem-­‐se   relações   espaciais   entre   personagens  e/ou  objectos,  evitando  que  o  espectador  se  perca  quando  se  dão  cortes  entre  planos   para  outra  secção  do  cenário,  como  se  ilustra  nas  Figuras  84  e  85.  

 

 

 

 

Figura  84  –  Screenshots  de  Panda  do  Kung-­‐Fu  (2008)  onde,  apesar  de  ocorrer  um  corte,  sabemos  a  posição   do  objecto  em  relação  à  personagem  devido  ao  facto  da  personagem  ter  olhado  primeiro  na  sua  direcção,   criando  assim  uma  linha  de  acção.  

 

 

 

 

Figura  85  –  Screenshot  de  uma  cena  em  Brave  (2012)  onde  as  sombras  antecipam-­‐se  à  acção  e  estabelecem   o  ponto  de  ligação  espacial  (sendo  o  elemento  comum)  entre  os  dois  planos,  permitindo  ao  espectador  não  se   perder  no  espaço  quando  a  câmara  muda  subitamente  de  posição.  

 

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ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

  Outros  elementos  da  linguagem  fílmica,  como  planos  neutros35,  cut-­‐aways  ou  planos  de  reacção,   também  constituem  um  recurso  para  se  introduzir  na  narrativa  mudanças  direccionais  (Figuras  86  e   87)   –   quer   seja   para   disfarçar   descontinuidades,   fazer   uma   pausa   da   acção   ou   apenas   alterar   o   posicionamento  da  câmara  em  relação  ao  eixo  de  acção   –  sem  que  se  crie  uma  quebra  na  coerência   da  acção  (Marner,  2013).  

 

 

 

Figura  86  –  Screenshots  de  Ratatui  (2007)  mostrando  com  um  plano  neutro  permite  estabelecer  a  ligação   entre  duas  cenas,  com  personagens  e  locais  diferentes.  

 

 

 

Figura  87  –  Screenshots  de  My  Fair  Lady  (1964)  onde  o  plano  de  reacção  retira  momentaneamente  o   espectador  do  meio  da  acção  principal,  mas  não  interrompe  a  sua  leitura  da  acção  enquanto  contínua,  nem  o   perde  no  espaço  porque  o  personagem  situa-­‐se  no  mesmo  espaço.  

  2.4.3.2.  Eixo  de  Acção  e  Continuidade  Direccional   Muitos  dos  movimentos  que  surgem  no  ecrã  estabelecem  ‘pistas’  para  a  continuidade  da  acção,   dos  movimentos  e  do  espaço.   A   trajectória   criada   pelo   movimento   da   acção   –   pode   ser   criada   pelo   deslocamento   dos   personagens,   ou   algo   mais   subtil   como   relação   de   olhares   (linha   do   olhar)   em   cenas   de   diálogos   (Marner,   2013)   cria   o   eixo   da   acção   (Figuras   88   e   89).   A   direccionalidade   e   progressão   deste   no   espaço  e  entre  planos  mantem-­‐se  contínua  e  perceptível  para  o  espectador  pois  auxilia-­‐o  em  ter  uma   leitura  coerente  do  espaço.   Isto  implica  que  os  movimentos  vistos  no  ecrã  se  mantenham  coerentes  e  consistes  em  termos  de   direcção   quando   eles   se   prolongam   de   um   plano   para   outro36   (Figura   90)   –   por   isso   quando   um   personagem   se   desloca   da   esquerda   para   a   direita   e   sai   do   plano   por   esse   lado   direito,   no   plano   seguinte   ele   entra   no   plano   do   lado   esquerdo   de   forma   a   manter   a   direccionalidade   do   seu                                                                                                                           35

 planos  com  um  sentido  direccional  indeterminado,  colocando  a  câmara  no  próprio  eixo  de  acção,  com  o  personagem   aproximando  ou  afastando-­‐se  na  direcção  da  câmara.   36  Em  termos  práticos,  a  filmagem  correcta  é  assegurada  ao  manter  a  câmara  posicionada  sempre  do  mesmo  lado  do   eixo  de  acção  (Mascelli,  1998).   100      

2  |  NARRATIVAS  E  ACÇÃO  CINEMÁTICAS  

movimento  esquerda-­‐direita  (Marner,  2013)    

   

 

 

Figura  88  –  Planos  em  Brave  (2012)  e  Irmandade  do  Anel  (2001)  ilustrando  linhas  de  olhar.  

 

 

 

 

Figura  89  –  Screenshot  de  uma  cena  em  Irmandade  do  Anel  (2001)  em  que  o  eixo  de  acção  corresponde  à   trajectória  efectuada  pela  personagem.  

 

 

 

 

Figura  90  –  Screenshots  de  Amadeus  (1982),  onde  o  personagem  sai  do  plano  pelo  lado  esquerdo  e  entra   pelo  lado  direito  no  plano  seguinte  de  modo  a  manter  uma  direcção  do  movimento  direita-­‐esquerda  em  ambos   os  planos.  

  2.4.3.3.  Construção  do  Espaço  Ficcional  Sintético   O  indivíduo  ao  movimentar-­‐se  no  espaço,  explorando  pelo  caminho  ruas,  casas,  divisões  áreas  –  e   recolhendo   informação   que   armazena   na   memória   –   constrói   um   mapa   cognitivo37   na   sua   mente,   desse  espaço  (Gibson,  1986).   As   narrativas   cinemáticas   têm   a   capacidade   de   fazer   o   mesmo,   com   as   várias   perspectivas   e   pontos   de   vista   que   são   mostradas   do   espaço   ficcional.   A   utilização   de   vários   ângulos   de   câmara   diferentes,   entre   os   quais   a   câmara   alternada,   contribui   para   descrever   o   espaço   ao   mostrar   ao   espectador   diversos   pontos   de   vista,   vistas   gerais   e   detalhes   desse   espaço,   que   constroem   na   sua   mente  uma  sua  “maquete  mental”.     Apesar   de   nunca   ver   o   espaço   cénico   na   sua   totalidade,   numa   só   imagem,   o   espectador   consegue   juntar   as   várias   fracções   do   espaço   que   a   câmara   lhe   vai   mostrando,   mesmo   depois   de   saírem   do   ecrã   -­‐   desde   que   sejam   apresentadas   numa   continuidade   coerente   através   da   montagem  -­‐   e   deste   modo  construir  mentalmente  uma  ideia  do  espaço  ficcional  sintético  onde  a  acção  decorre.   Isto   é   possível   devido   à   qualidade   “persistente”   do   ambiente   na   sua   consciência   —   o   indivíduo                                                                                                                           37

 Conceito  introduzido  pela  primeira  vez  em  1948  por  Edward  Tolman  no  artigo  "Cognitive  maps  in  rats  and  men”     101  

 

ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

  têm  consciência  do  espaço  que  não  está  directamente  na  sua  linha  visão,  por  isso  tem  interiorizado  a   “persistência”  do  ambiente.  Os  objectos  vão  surgindo  e  saindo  da  sua  linha  visão  á  medida  que  ele  se   movimenta   pelo   mundo,   e   movimenta   a   cabeça,   mas   esses   objectos  persistem   mesmo   quando   saem   do   campo   de   visão.   Esta   percepção   da   persistência   dos   objectos   que   deixam   de   ser   vistos,   conduz   também   a   uma   percepção   de   coexistência   desse   objectos   com   os   que   são   vistos,   criando   uma   continuidade,  uma  ligação,  entre  o  que  é  visto  e  o  que  deixou  de  o  ser  (Gibson,  1986).   Isto   deste   que   a   montagem   seja   feita   de   modo   a   ser   perceptível   a   relação   especial   entre   esses   vários   pontos   de   vista   –   quer   seja   através   de   um   establishing   shot,   de   um   plano   geral   ou   plano   de   conjunto   que   apresente   a   totalidade   do   espaço,   para   depois   saltar   para   um   plano   aproximado   ou   de   detalhe.  Deste  modo  o  espectador  sabe  onde  encaixa  essa  porção  na  totalidade  do  cenário.     O   contributo   da   câmara   mais   directo,   para   a   descrição   do   espaço   cénico,   é   com   os   seus   movimentos   por   este   (tracking   shots,   dollys,   rotações).   Esses   movimentos   facilitam   muito   a   fácil   descrição  e  compreensão  do  espaço  pelo  espectador,  pois  ao  criarem  o  olhar  contínuo  pelo  espaço  o   espectador  imediatamente  identifica  as  relações  espaciais  das  várias  áreas.   Mas   quando   a   cena   é   constituída   por   vários   planos,   e   portanto   diversos   cortes   para   diferentes   ângulos   de   câmara,   o   espectador   entende   a   organização   espacial   do   espaço   cénico   graças   a   continuidades   direccionais   e   linhas   de   acção,   bem   como   a   muitos   outros   aspectos   da   montagem   enquanto  construtora  de  significados.     2.4.4.  Realização  e  Montagem  em  Videojogos   A   realização   e   montagem   no   cinema   é   algo   essencial   na   construção   dramática.   No   entanto,   em   videojogos,  este  não  é  um  processo  tão  fácil  de  ser  controlado,  uma  vez  que  o  espectador-­‐jogador   tem  a  possibilidade  de  controlar  -­‐  até  certo  ponto  -­‐  os  planos  e  a  sua  duração  no  ecrã.   O   “estilo”   dos   videojogos   encontra-­‐se   algures   entre   as   duas   principias   perspectivas   de   pensamento  cinematográfico  –  o  Formalismo  de  Eisenstein,  assente  na  montagem  e  no  corte  como   elemento   principal)   e   o   Realismo   de   Bazin   (assente   mais   no   long   shot,   filmagem   não   interrompida   (Jones,  2005).   O   estilo   de   montagem   e   realização   também   depende   dos   jogos.   Alguns   são   mais   cinematográficos,   recorrendo   a   muitas   cut-­‐scenes,   jogando   com   a   montagem   entre   cenas   cinemáticas   e   cenas   interactivas,   para   criar   uma   narrativa   visual   mais   dramática.   Outros   por   seu   lado   têm   uma   abordagem   mais   semelhante   do   long-­‐shot   (do   realismo)   preferindo   utilizar   poucas   ou   102      

2  |  NARRATIVAS  E  ACÇÃO  CINEMÁTICAS  

nenhumas  cenas  animadas  e  mantendo  a  narrativa  visual  mais  contínua  (Jones,  2005).   A   maioria   a   sua   progressão   assemelha-­‐se   naturalmente   ao   long-­‐take   de   Bazin   um   vez   que   a   progressão   normal   do   Gameplay   é   sempre   contínua   –   não   existem   saltos   nem   cortes   na   acção   –   excepto  quando  o  jogador  faz  pausa.  Apenas  em  momentos  de  transição  na  mudança  de  espaços,  ou   quando   se   interage   com   personagens,   e   quando   inicia   um   novo   segmento   da   acção   é   que   existem   cortes  e  nestes  podem-­‐se  inserir  comparações  com  as  técnicas  da  montagem  cinematográfica.  Mas  a   acção  dentro  de  cada  um  dos  segmentos  é  naturalmente  contínua.   Muito  jogos  na  primeira  pessoa  preferem  esta  última  abordagem,  enquanto  que  jogos  na  terceira   pessoa,   principalmente   os   RPG38,   tipicamente   criam   um   envolvimento   e   interacção   com   outros   personagens  juntamente  com  uma  determinada  forma  de  contar  e  de  experienciar  a  ficção  que  leva   à   utilização   de   uma   maior   alternância   de   planos   cinemáticos   e   portanto   a   uma   abordagem   mais   semelhante  à  montagem.   Os  jogos  em  terceira  pessoa  tendem  a  ser  mais  cinemáticos,  pois  também  tendem  a  ter  um  maior   olhar   sobre   uma   construção   dramática   e   a   ter   um   argumento   mais   desenvolvido,   com   vários   cut-­‐ scenes   –   tanto   que   geralmente   se   iniciam   logo   com   uma   sequência   animada   que   introduz   a   backstory.   Ao   longo   do   jogo   vão   surgindo   cenas   animadas   para   fazer   a   transição   entre   certos   momentos  ou  utilizando  pequenas  mudanças  no  ângulo  de  câmara,  quando  a  personagem-­‐jogador   interage  com  outros  personagens  do  jogo.     2.4.4.1.  Construção  do  Espaço  Ficcional  Sintético  em  Videojogos   Há   que   estabelecer   um   paralelismo   entre   a   exploração   lógica   do   espaço   por   parte   do   jogador   como   sendo   idêntica   à   exploração   por   parte   da   que   um   transeunte   faz   de   um   espaço   urbano,   que   não   conhece   e   de   que   não   tem   mapa   –   isto   quando   este   o   está   a   conhecer   pela   sua   experiência   directa   e   imediata.   Existe   a   criação   de   um   espaço   sintético   num   jogo   pelo   jogador,   tal   como   num   espaço  urbano  pelo  transeunte.   Também  a  exploração  do  espaço  é  idêntica  quando,  havendo  uma  experiência  do  espaço  prévia,   existe  um  seu  completar  com  o  tempo,  à  medida  que  o  espaço  é  percorrido  de  novo,  tanto  no  caso   dum  espaço  dum  videojogo  como  de  um  espaço  real  –  o  espaço  tipológico  começa  a  transformar-­‐se   num  espaço  da  experiencia  existencial.                                                                                                                             38

 Role  Playing  Games     103  

 

ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

  O   indivíduo   ao   movimentar-­‐se   num   espaço,   vai   explorando   pelo   caminho   ruas,   casas,   divisões,   áreas,   como   vai   recolhendo   informação   que   armazena,   memorizando   a   sua   síntese.   Constrói   desta   forma  um  mapa  cognitivo  desse  espaço  na  sua  mente,  que  é  reutilizável  e  que  permanece.   São  aspectos  comuns  a  estes  três  casos  -­‐  cinema,  videojogos  e  espaço  urbano:   –  Em  todos  os  casos  o  observador  usa  várias  fracções  de  espaço.     –  Em  todos  os  casos  o  observador  usa  informação  off-­‐screen,  que  não  vê  mas  em  que  assume  o   espaço  como  continuando.   –  Em  todos  os  casos  o  observador  faz  a  síntese  dos  espaço  pela  junção  de  informação  parcial,  que   sintetiza  num  todo.   –  Em  todos  os  casos  diferentes  vistas  são  utilizadas,  equivalentes  aos  tamanhos  de  planos,  desde   uma   visão   mais   geral   que   mostra   o   território   até   enquadramentos   de   detalhe/pormenor   que   mostram   porções   ou   detalhes   dos   seus   espaços.   Esta   informação   vai   ser   integrada   procurando   coerência  numa  síntese  espacial.     –  Pistas,  dentro  do  enquadramento,  de  objectos  ou  iluminação  que  se  encontram  fora  dele,  dão   ao   observador   um   sinal   da   sua   existência   que   leva   ao   seu   conhecimento   parcial   mas   que   deixa   sempre   em   aberto   e   por   revelar   parte   da   sua   informação.   São   anunciados   sem   serem   revelados   completamente.     2.4.4.2.  Comportamento  da  câmara  ao  longo  da  acção   No  jogo,  o  espaço  é  mais  importante  que  no  cinema  porque  o  jogador  é  que  controla  o  seu  olhar,   enquanto  no  cinema  esse  olhar  é  controlado  pela  realização.   Analisando   como   a   câmara   se   comporta   na   progressão   da   acção,   e   como   contribui   para   a   narrativa   visual   e   experiência,   esta   nem   sempre   se   mantém   constante   apenas   seguindo   o   protagonista  a  uma  distância  fixa  sem  se  envolver  na  acção.   Em   muitos   casos,   a   câmara   não   segue   a   personagem   de   forma   constante,   aproximando-­‐se   e   afastando-­‐se  em  certos  momentos,  de  modo  a  conseguir  criar  uma  melhor  animação,  por  vezes  até   mudando   o   ângulo   de   câmara   se   for   necessário,   para   visualizar   melhor   a   acção   (Figura   91).   Este   cortes   se   equiparam   sempre   aos   ‘cortes   na   acção’   da   linguagem   cinematográfica,   uma   vez   que   a   acção  tem  de  seguir  continuamente  de  um  plano  para  o  outro,  senão  prejudicaria  a  interactividade   do  jogador.  

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2  |  NARRATIVAS  E  ACÇÃO  CINEMÁTICAS  

 

 

Figura  91  –  Screenshots  de  Prince  of  Persia:  The  Forgotten  Sands  (2010),  dum  momento  em  que  a  câmara   faz  um  corte  para  um  diferente  ângulo  de  câmara  de  modo  a  melhor  mostrar  a  sequências  de  acções  que  o   jogador  deve  fazer.  

  Também,   em   certas   sequências   específicas   de   jogos   na   terceira-­‐pessoa,   de   acção   e/ou   aventura  –   como  os  das  séries  Prince  da  Persia  (Figura  92)  ou  Assassin’s  Creed  –  este  movimentos  (automáticos   AI   pelo   espaço)   transportam   o   jogador   pelo   espaço,   adicionando   informação   para   a   construção   da   mencionada  maquete  mental  ou  mapa  cognitivo  do  espaço,  e  o  movimento  constante  (sem  cortes)   permite-­‐lhe   perceber   melhor   as   relações   espaciais   e   de   distancia.   Estes   movimentos   geralmente   nunca   seguem   uma   linha   recta   o   que   não   só   é   devido   a   uma   preocupação   de   um   gameplay   e   disposição  de  obstáculos  interessante,  como  estes  segmentos  criam  em  termos  visuais  curtas  cenas   dinâmicas,  que  revelam  os  espaços  de  forma  um  pouco  mais  dramática.  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Figura  92  –  Screenshots  de  uma  sequência  cinematográfica  em  Prince  of  Persia:  The  Forgotten  Sands  (2010)   onde  a  câmara  movimenta-­‐se,  de  modo  automático,  pelo  espaço  virtual  indicando  o  percurso  que  o  jogador   deve  fazer.  

 

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ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

  A   câmara   adapta-­‐se   às   situações   do   momentos,   procurando   o   melhor   ângulo   e   proximidade   do   tema   para   construir   um   olhar   sobre   a   acção   e   animação   dinâmica   que   as   acompanha,   por   forma   a   conseguir   uma   melhor   visualização   destas   (Zangalo,   2009).   No   entanto,   também   poderão   ocorrer   mudanças  de  planos  e  de  aproximações  por  controlo  do  jogador.   Num   videojogo   encontram-­‐se   então   dois   tipos   de   abordagens   do   comportamento   da   câmara   -­‐   uma  cinematográfica  e  uma  específica  da  progressão  do  videojogo,  com  livre  arbítrio  do  jogador:     –  Primeira  abordagem:  Cinematográfica   Na   abordagem   cinematográfica,   a   montagem   e   o   que   a   câmara   mostra   no   enquadramento   são   determinados  não  pelo  espectador/jogador  mas  pelos  agentes  que  montam  a  narrativa  dramática  da   acção   e   determinam   em   absoluto,   através   da   composição   e   representação   do   espaço   e   da   montagem,   o   que   o   espectador   vê,   sendo   este   totalmente   condicionado   no   seu   percurso   exploratório  do  espaço.     Nas   ficções   cinematográficas,   a   posição   da   câmara,   juntamente   com   os   seus   movimentos,   determina  o  que  é  enquadrado  e  representado  nos  planos,  condicionando  a  percepção  do  espaço  da   ficção   e   do   que   este   contém,   manipulando   a   experiência   emocional   e   perceptiva   do   espectador/jogador,   já   que   toda   a   informação   que   este   tem   do   enredo,   mundo   e   personagens   da   ficção  lhe  chegam  por  um  seu  enquadramento  manipulado.     Nestas  cenas  cinematográficas  de  animação  existe:   –  Determinação  dos  ângulos  de  câmara  e  respectivos  enquadramentos  que  mostram  o  espaço  e   acção  com  diferentes  proximidades,  com  diferentes  inclinações  e  com  diferentes  lentes  de  câmara.     –   Determinação   do   que   vê   e   como   vê   pela   composição,   bem   como   o   fechar   ou   abrir   do   enquadramento  para  o  espaço  off-­‐screen.   –   Determinação   da   ordem   porque   vê   pela   montagem,   sendo   este   elemento   que   determina   a   sequência  das  porções  vistas  pelo  espectador.     Através  da  orientação  por  eixos  de  acção  e  continuidade  do  movimento  de  acção,  da  colocação   da   câmara   ao   longo   dos   vários   planos   numa   montagem   e   do   olhar   para   fora   do   enquadramento   anunciando   um   espaço   fora   de   cena   (cut-­‐away),   no   cinema   é   possível   criar   uma   noção   de   orientação   do   espaço   no   espectador   (criação   de   um   espaço   sintético),   independente   da   realidade   do   espaço   retratado.  

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2  |  NARRATIVAS  E  ACÇÃO  CINEMÁTICAS  

Para  ilustrar,  a  Figura  86  apresenta  uma  cena  de  animação  que  surge  num  determinado  momento   da  progressão  de  Assassin’s  Creed  II  (2009).  Nesta  cena  é  feita  uma  introdução  a  um  espaço  interior   da  acção,  que  é  apresentado,  passando  a  ser  conhecido  de  antemão,  antes  de  nele  ocorrerem  acções   relacionadas   com   o   guião.   Tal   como   em   qualquer   outra   narrativa   cinematográfica   não-­‐interactiva,   aqui  o  espectador/jogador  é  conduzido  pelo  espaço,  não  podendo  intervir  na  escolha  do  que  vê.    

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Figura  93  -­‐  Screenshots  de  uma  cena  cinematográfica  em  Assassin’s  Creed  II  (2009)  

  Nesta  cena  verificam-­‐se  duas  situações:   Situação  1  (Figura  94):  

 

 

 

 

Figura  94  –  Screenshots  de  uma  cena  cinematográfica  em  Assassin’s  Creed  II  (2009)  em  que  a  câmara   progride  em  “flyaround”  transportando  o  espectador/jogador  pelo  espaço.  

  Neste   movimento   da   câmara   o   jogador   é   transportado   pelo   espaço,   sendo-­‐lhe   fornecida   informação  para  que  possa  construir  a  síntese  cognitiva  daquele.   A   montagem   interna   utilizada   no   cinema   permite   ao   jogador   ter   uma   melhor   percepção   do   espaço  como  um  todo,  uma  vez  que  em  vez  de  porções  separadas  que  tem  de  integrar  num  todo,  lhe   é  fornecida  uma  filmagem  continua  que  percorre  os  vários  espaços,  que  assim  ficam  naturalmente     107    

ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

  interligados.   A   câmara   progride   em   “voo   de   pássaro”   (flyaround),   progredindo   no   sentido   do   seu   eixo   de   filmagem  (roll)  seguindo  trajectórias  em  curvas  complexas,  à  imagem  do  voo  de  um  pássaro.  Provoca   um   viajar   pelo   espaço   livre,   percorrido   de   forma   sequencial,   aleatória   e   dinâmica,   passando   o   jogador   pelos   seus   diversos   subespaços   sem   interrupção.   É   dada   uma   noção   global   e   unificada   de   todo  o  espaço.     Situação  2  (Figura  95):  

 

 

 

 

Figura  95  –  Screenshots  de  uma  cena  cinematográfica  em  Assassin’s  Creed  II  (2009)  com  personagens,   enredo,  linhas  de  acção  e  de  continuidade  conforme  uma  narrativa  cinematográfica  

  Outra   abordagem   cinematográfica,  presente  neste  exemplo,   é   a   de   surgir   um   momento   em   que   a   interactividade   do   jogador   é   igualmente   suspensa   sem   aviso,   sendo   o   espaço   e   as   personagens   conformes  a  uma  narrativa  cinematográfica.   São   usadas   as   linhas   de   acção   e   de   continuidade,   predomina   a   composição   e   respectivos   enquadramentos   e   ângulos   de   câmara   determinados   pelo   realizador   e   não   pelo   jogador.   É   direccionada  e  controlada  a  atenção  do  jogador  para  o  que  é  mostrado.   Conta-­‐se   assim   uma   história   que   vai   comunicar   um   contexto,   uma   informação,   personagens   ou   outros  elementos  que  o  jogador  deve  saber  antes  de  poder  agir  sobre  o  jogo.   Não  só  se  apresenta  o  espaço  onde  irá  decorrer  a  acção  principal,  como  também  se  privilegia  o   tratamento  e  a  chamada  de  atenção,  destacando  neste  porções  com  maior  relevância  para  a  acção  e   argumento.     –  Segunda  Abordagem:  Livre  arbítrio   Considerando  agora  a  segunda  abordagem  –  progressão  com  livre-­‐arbítrio  (interacção)  do  jogador   –   esta  pode  ser  feita  por  plano  subjectivo  ou  por   tracking   shot,   efectuando   a   câmara   movimentos   na   primeira-­‐pessoa  ou  na  terceira-­‐pessoa,  respectivamente.  

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2  |  NARRATIVAS  E  ACÇÃO  CINEMÁTICAS  

Primeira-­‐Pessoa:   Em   videojogos   na   primeira-­‐pessoa,   o   olhar   da   câmara   é   um   olhar   subjectivo,   representando   o   olhar  da  própria  personagem.  É  também  o  ponto  de  vista  mais  próximo  da  visão  real  do  espaço,  uma   vez   que   o   jogador   vê   como   que   pelos   olhos   do   protagonista.   Criam   no   jogador   uma   noção   de   proximidade  e  partilha  de  identidade  com  o  personagem  que  “ocupa”.   A  primeira-­‐pessoa  “permite  o  acesso  ao  fio  contínuo  da  realidade”  (Zangalo,  2009,  p.  199),  uma   vez   que   o   movimento   da   câmara   aqui   é   sempre   linear   (Figura   96).   Estes   videojogos   possuem   igualmente  uma  maior  limitação  de  movimentos  de  câmara,  e  não  ocorre  um  processo  pré-­‐definido   de   montagem,   existindo   apenas   um   único   enquadramento   possível,   na   progressão   da   acção   (Zangalo,  2009).  

Figura  96  –  Screenshots  de  Bioshock  Infinite  (2013)  

  Também   possuem   uma   amplitude   do   campo   de   visão   pequena,   não   permitindo   ao   jogador   um   conhecimento   muito   abrangente   do   espaço   envolvente   nem   da   sua   localização   nele,   dificultando   consequentemente  a  sua  noção  de  orientação  espacial.     Nestes  videojogos  na  primeira-­‐pessoa,  o  comportamento  da  câmara  para  apresentação  da  acção   e   do   espaço,   está   maioritariamente   dependente   do   jogador   –   pois   a   câmara   apenas   possui   a   possibilidade   de   movimentação   em   termos   de   rotação   (panorâmicas)   que   são   totalmente   controladas   pelo   jogador.   É   assim   simulado   o   movimento   natural   do   olhar   de   um   indivíduo,   privilegiando  panorâmicas  horizontais  e  verticais,  baseadas  em  rotações.   Também   privilegia   o   avanço   em   profundidade   (dolly-­‐in).   Só   haverá   zoom   quando   este   for   justificado  por  próteses  (como  binóculos,  miras)  para  manter  o  realismo  do  olhar  do  jogador  (Figura   97).   Os   videojogos   na   primeira   pessoa   tendem   a   criar   uma   noção   mais   imersiva   no   jogador,   intensificando  as  sensações  e  as  emoções,  tais  como  ansiedade  ou  suspense.  

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ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

  A   limitação   visual   deste   ponto   de   vista   pode   ser   uma   “potencialidade”   dramática,   pois   não   conseguindo   o   jogador   ter   amplitude   para   apreender   num   todo   o   que   o   rodeia,   aumenta   a   sua   tensão  em  relação  ao  desconhecido  e  é  favorecido  o  impacto  de  momentos  surpresa.  

 

 

 

Figura  97  –  Screenshots  mostrando  a  alteração  do  ponto  de  vista  da  câmara  quando  se  representa  a   mudança  para  a  mira  de  uma  arma  em  Call  of  Duty  4:  Modern  Warfare  (2007).  

 

Terceira-­‐Pessoa:   O  movimento  da  câmara  num  videojogo  na  terceira-­‐pessoa  corresponde  a  um  tracking  shot  (ou   follow   shot)   do   jogador   seguindo-­‐o   na   sua   progressão   –   os   movimentos   em   profundidade   da   câmara   correspondem  a  planos  de  seguimento,  uma  vez  que  a  câmara  se  mantêm  sempre  a  uma  distância   fixa   no   jogador,   filmando   por   trás,   e   mostrando   simultaneamente   o   espaço   por   onde   este   irá   progredir  (Figura  98).   A   câmara   efectua   um   dolly-­‐in   constante,   penetrando   no   espaço   com   o   jogador,   sendo   portanto   um   movimento   de   câmara   extremamente   imersivo   no   espaço.   Os   movimentos   dolly   são   os   que   melhor  possibilitam  a  progressão  no  sentido  da  profundidade  do  espaço  e  mais  a  enfatizam.   Corresponde  igualmente  a  um  plano  POV  (point  of  view),  pois  é  um  ângulo  de  câmara  que  mostra   o   que   a   personagem   vê,   sem   no   entanto   situar   o   jogador   na   própria   personagem,   sendo   tão   informativo   como   o   plano   subjectivo   em   termos   do   que   o   jogador   vê   em   cada   momento.   Permite   assim  um  distanciamento  em  relação  à  própria  personagem,  numa  visão  mais  táctica  e  racional  do   jogo.  

 

 

 

 

 

 

 

 

Figura  98  –  Screenshots  de  Assassin’s  Creed  II  (2009)  

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2  |  NARRATIVAS  E  ACÇÃO  CINEMÁTICAS  

Videojogos  na  terceira  pessoa  são  mais  ricos  em  termos  das  possibilidades  de  movimentação  da   câmara   –   “a   câmara   pode   assumir   qualquer   posicionamento   no   espaço,   podendo   inclusive   ocorrer   mudança   de   plano   durante   a   navegação”   (Zangalo,   2009,   p.   198)   e   permite   ao   jogador   explorar   o   espaço   da   forma   que   deseja,   bem   como   controlar   os   ângulos   de   câmara,   e   tempo   de   visualização   destes  que  necessita  (Zangalo,  2009).   É   então   em   videojogos,   na   terceira-­‐pessoa,   que   a   câmara   se   torna   dinâmica,   em   constante   movimento,   mudando   e   adaptando-­‐se   à   acção.   A   câmara   não   segue   a   personagem   de   forma   sempre   constante,   mas   aproxima-­‐se   e   afasta-­‐se   em   diferentes   momentos,   de   modo   a   conseguir   criar   uma   melhor  dinâmica,  por  vezes  até  mudando  o  ângulo  de  câmara  –  seja  de  modo  contínuo  ou  com  um   corte   –   permitindo   melhor   perceber   a   acção,   o   espaço   e   objectos   que   envolvem   o   jogador   e   o   percurso   possível   para   sua   progressão.   Estes   movimentos   de   câmara   podem   ser   automáticos   ou   controlados  pelo  próprio  jogador.   A  Figura  99  ilustra  alguns  diferentes  movimentos  de  câmara  possíveis  mencionados  e  como  eles   se   poderão   conjugar   e   suceder-­‐se.   Neste   caso   ocorre   um   corte   para   um   ângulo   de   câmara   diferente,   seguido  de  um  movimento  de  câmara  fluido  e  contínuo  (ambos  movimentos  automáticos)  para  um   outro  ângulo  de  câmara  em  que  o  jogador  passa  a  ter  controlo  sobre  a  movimentação  da  câmara.  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Figura  99  –  Screenshots  de  uma  sequência  de  Assassin’s  Creed  II  (2009)  ilustrando  um  momento  da   progressão  do  jogo  onde  se  sucedem  diferentes  tipos  de  movimentos  da  câmara  –  automáticas  e  por  controlo   do  jogador.  

 

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ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

 

-­‐  Movimentos  Automáticos  (em  terceira-­‐pessoa)   A   interface   do   videojogo   poderá   atribuir   comportamentos   de   IA   (inteligência   artificial)   à   movimentação   da   câmara,   seguindo   princípios   cinematográficos,   de   modo   a   proporcionar   uma   melhor  jogabilidade  e  acompanhamento  dinâmico  da  acção  de  uma  forma  não  aleatória  e  fluida.  A   câmara   adapta-­‐se   automaticamente,   alterando   planos   para   mais   distantes   ou   mais   próximos,   de   acordo  com  a  acção  e  do  espaço  onde  ela  decorre  (Figura  100).     Elementos   cénicos   do   espaço   que   obstruam   a   progressão   do   jogador   no   espaço   ou   a   sua   visão   deste  são  contornados  por  esta  abordagem  automática,  mantendo  a  visibilidade  do  todo.   Em  certos   casos,   a   câmara   antecipa-­‐se   à   acção   efectuando   rotações,   translações   e   afastamentos   que   permitem   ao  jogador  obter  mais  visibilidade  do  caminho  a  percorrer  (Figura  101).  

 

 

 

 

Figura  100  –    Screenshots  de  um  segmento  em  Prince  of  Persia:  The  Forgotten  Sands  (2010)  em  que  a   câmara  se  move  durante  o  gameplay  acompanhando  a  acção  do  jogador:  a  câmara  ascende  acompanhando  o   protagonista  que  sobe  no  espaço,  seguidamente  efectuando  um  rotação  e  translação  para  onde  ele  deve   seguir,  para  depois  se  voltar  a  aproximar  quando  já  não  é  necessário  uma  visão  tão  ampla  do  espaço.  

 

 

 

 

Figura  101  –  Screenshots  de  um  movimento  automático  de  aproximação  da  câmara  em  Tomb  Raider  (2013)   quando  a  protagonista/jogador  atravessa  espaços  apertados,  fazendo  o  jogador  sentir  a  claustrofobia  e   dimensões  reduzidas  da  abertura,  afastando-­‐se  de  volta  após  o  jogador  passar.  

 

-­‐  Controlo  da  câmara  pelo  jogador  (em  terceira-­‐pessoa)   A  câmara  poderá  rodar  em  torno  da  personagem  –  de  modo  controlado  pelo  jogador  –  não  para   destacar   e   isolar   o   protagonista   em   deterioramento   do   espaço   envolvente   (como   ocorre   no   cinema),   mas  antes  para  o  jogador  melhor  conseguir  observar  esse  espaço  em  torno  do  personagem.   Certos   casos   permitem   igualmente   efeitos   de  zoom-­‐in   e   zoom-­‐out,   aproximando   ou   distanciando-­‐ se   mais   da   personagem,   para   que   o   jogador   possa   perceber   melhor   a   sua   leitura   do   espaço   envolvente  na  sua  progressão  da  acção.     Tal  como  na  primeira-­‐pessoa,  por  vezes  o  jogador  encontra  a  possibilidade  de  alternar  (como  se   um  corte  para  um  novo  plano)  para  um  tipo  de  “plano”  diferente  quando  ocorre  uma  mudança  da   112      

2  |  NARRATIVAS  E  ACÇÃO  CINEMÁTICAS  

sua  perspectiva  e  acção  exploratória  do  espaço  para  a  utilização  de  uma  arma  –  por  vezes  a  câmara   realiza   uma   simples   aproximação   (Figura   102)   ou   dependendo   das   características   da   arma   que   o   personagem   carrega,   é   possível   simular   a   acção   de   olhar   pela   mira,   quando   se   pretende   maior   acuracia  de  disparo.  

 

 

 

 

Figura  102  –  Screenshots  de  um  dos  momentos  em  Tomb  Raider  (2013)  em  que  se  dá  uma  aproximação  da   câmara  quando  o  jogador  pretende  utilizar  o  arco  e  flecha.  

  Certos   jogos,   no   entanto,   oferecem   ao   jogador   alternância   entre   vários   pontos   de   vista,   como   em   Batman:   Arkham   Asylum,   onde   estas   mudanças   mais   acontecem,   desde   “vista   na   primeira   pessoa,   sobre   o   ombro,   2D   side   scrolling,   clássica   terceira   pessoa,   o   que   quer   que   faça   qualquer   momento   do   Gameplay   mais   cativante   e   ofereça   maior   usabilidade”   (Anhut,   2011).   A   exploração   pelo   jogo   é   mostrada  em  vista  sobre  o  ombro.   No   entanto   em   cenas   de   combate   afastam-­‐se   para   a   tradicional   terceira-­‐pessoa   de   modo   a   ter   melhor   percepção   espacial.   Ainda   há   momentos   onde   a   câmara   passa   a   vista   na   primeira-­‐pessoa   (quando   passa   pela   condutas   de   ar   fazendo   o   jogador   sentar-­‐se   claustrofóbico   ou   até   para   perspectiva  lateral  (Figura  103).  

 

 

 

 

Figura  103  –  Screenshots  de  alguns  momentos  onde  a  câmara  adopta  pontos  de  vista  distintos  em  Batman:   Arkham  Asylum  (2009)  

  2.4.4.3.  Perspectiva  Exploratória  e  Personalizada  da  acção   Do   ponto   de   vista   do   jogador   e   da   sua   acção,   a   questão   da   interactividade   trás   também   novas   questões   sobre   a   percepção   espacial   e   temporal   do   jogador-­‐espectador   sobre   a   acção   (Nogueira,   2008).   Apesar  de  os  videojogos  manterem  características  da  perspectiva  do  espectador  que  se  observa   no   cinema   –   como   o   facto   de   existir   apenas   um   ponto   de   vista   da   acção,   o   espectador   ocupa   um   lugar   fixo   face   à   visualização   dessa   acção   e   os   acontecimentos   são   apresentados   de   uma   maneira     113    

ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

  sequencial:  introduzem  uma  nova  maneira  de  ver  e  experienciar  a  acção,  segundo  uma  perspectiva   exploratória  (Nogueira,  2008).   Esta  nova  perspectiva  permite  ao  espectador  (jogador)  determinar  o  tipo  de  exploração  que  faz,   apesar  de  o  design  do  jogo  pré-­‐determinar  algumas  dessas  possibilidades,  e  o  tipo  de  percepção  que   tem   do   espaço.   Esta   possibilidade   de   explorar   o   espaço,   até   certa   medida,   potencia   também   a   imersão  do  espectador-­‐jogador  no  mundo  da  narrativa  (Nogueira,  2008).   Nestes   casos,   a   narrativa   visual   pode   ser   relatada   de   forma   muito   mais   contínua,   tendo   o   jogador   a   possibilidade   de   efectuar   algum   controlo   sobre   a   “montagem”   da   acção,   alternando   um   pouco   o   seu   ponto   de   vista   sobre   a   acção,   efectuando   pausas   ou   controlando   saltos   entre   localizações   (Nogueira,   2008).   Neste   sentido,   ele   possui   uma   perspectiva   personalizada   da   narrativa   (Zangalo,   2009).   Como  já  se  viu,  a  amplitude  desta  personalização  depende  também  do  tipo  de  videojogos  que  se   considerar:  videojogos  na  primeira-­‐pessoa  possuem  uma  maior  limitação  de  movimentos  de  câmara,   podendo   apenas   executar   manipulações   em   termos   de   aproximação   ou   distanciamento   em   profundidade,  e  tendem  assim  a  ter  apenas  a  possibilidade  de  um  único  enquadramento  e  ponto  de   vista  da  câmara  (Zangalo,  2009).   Mas   apesar   do   controlo   do   jogador   sobre   a   câmara,   nos   videojogos,   tal   como   geralmente   acontece   nos   filmes,   em   momentos   de   exploração,   a   câmara   não   muda   muito   drasticamente   -­‐   no   geral   mantem-­‐se   os   tracking   shots.   Em   momentos   de   acção   já   é   realizada   uma   montagem   mais   dinâmica   –   principalmente   em   videojogos   RPG:   muitas   vezes   o   jogador   alterna   entre   as   personagens   para   definir   as   suas   estratégias   de   ataque,   efectuam   rotações   de   câmara,   zoom-­‐in,   zoom-­‐out,   com   movimentos  mais  dinâmicos.    

2.5.  Cor  e  Iluminação   A   iluminação   do   espaço   cénico   e   das   personagens   é   um   dos   recursos   mais   poderosos   para   conferir  efeitos  dramáticos  às  imagens  que  o  representem.   A  iluminação  de  uma  cena  ou  de  uma  ambiência,  não  funciona  apenas  para  representar  a  altura  o   dia   e   as   condições   atmosféricas   do   tempo   e   local   da   acção,   ou   permitir   que   o   espectador   consiga   ver   os  elementos  todos  em  cena.   Trabalhando   com   as   suas   várias   determinantes   –   a   sua   intensidade,   direcção,   tamanho,   cor,  

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2  |  NARRATIVAS  E  ACÇÃO  CINEMÁTICAS  

contrastes   –   a   iluminação   é   primordial   para   a   construção   dramática,   controlando   a   informação   narrativa,   dramática,   do   tempo   e   local   da   cena,   condicionando   a   percepção   de   maior   ou   menor   profundidade  e  tridimensionalidade  dos  espaços,  conduzindo  a  atenção  do  espectador,  construindo   ambiências   e   significados,   manipulando   a   representação,   modelação   e   percepção   de   espaço,   objectos  e  personagens,  contribuindo  para  a  narrativa  e  desenvolvimento  dramático  da  acção  bem   como  das  respostas  emotivas  e  sensitivas  do  espectador.   Do   mesmo   modo,   a   cor,   pelos   seus   atributos   simbólicos   e   emotivos,   juntamente   com   a   iluminação,   é   factor   essencial   na   criação   da   visualização   perceptiva   e   dramática   das   narrativas   cinemáticas.   Este  trabalho  de  luz  e  cor,  na  realidade,  confere  uma  certa  qualidade  coerente  ao  longo  de  toda  a   narrativa   visual,   pois   como   Scorcese   disse   “cor   no   filme   é   importante   porque   reflecte   o   drama...e   um   certo  estilo”39  (Boggs  &  Petrie,  2008,  p.  252).     –  Three-­‐Point  Method   Num   plano,   a   iluminação   é   um   dos   factores   que   mais   contribui   para   que   o   tema   seja   bem   visualizado  pelo  espectador,  quer  destacando-­‐se  do  fundo,  quer  para  o  assinalar  enquanto  elemento   importante   da   cena   ou   para   lhe   conferir   a   profundidade   e   tridimensionalidade   pretendidas.   Tal   implica  muitas  vezes  um  trabalho  cuidado  de  desenho  de  luz,  com  recurso  a  múltiplas  fonte  de  luz   relacionadas,  de  forma  a  modelar  formas  e  texturas.   O   resultado   final   pretende-­‐se   com   um   aspecto   natural,   que   não   revele   o   posicionamento   artificial   das   diversas   fontes   de   luz.   Na   verdade   os   efeitos   de   iluminação   que   o   espectador   observa   são   tipicamente   criados   por   uma   luz   chave   (key   light)   -­‐   que   fornece   a   principal   fonte   de   iluminação   à   cena,  uma  luz  de  enchimento  (fill  light)  –  luz(es)  mais  suave(s),  opostas  à  principal,  colocada(s)  para   controlar  o  contraste  entre  as  zonas  iluminadas  e  em  sombra,  e  uma  luz  de  trás  (back,  kicker  ou  rim   light)   (Figura   104)   que   ilumina   o   contorno   do   tema   de   forma   a   separá-­‐lo   do   fundo   e   assim   contribuindo   para   a   ilusão   de   profundidade,   criando   uma   separação   de   planos40   (Thompson   &                                                                                                                           39

 Este  “estilo”  não  implica  que  a  iluminação  numa  narrativa  cinemática  seja  sempre  dramática.  Ela  varia  consoante  o   realizador   e   o   estilo   pretendido   para   a   narrativa   –   por   vezes   a   iluminação   procura   ser   mais   realista   mas   outras   é   assumidamente   cénica   e   dramática,   preocupando-­‐se   maioritariamente   com   as   conotações   emocionais   e   psicológicas   que   consegue  criar  e  sendo  caracterizada  mais  por  fortes  contrastes  e  cores  dramáticas.   40   Este   é   o   método   mais   utilizado   de   iluminação   de   personagens   (no   cinema),   chamado  three-­‐point   method.   Não   é   o   único   (nem   obrigatório)   método.   Consoante   as   intenções   dramáticas   da   cena,   por   vezes   utiliza-­‐se   igualmente   uma   iluminação   com   dois   pontos   de   luz   (exclui-­‐se   a  back   light)   ou   até   apenas   um   ponto   de   luz   (que   cria   um   efeito   dramático   extremo  pois  o  contraste  entre  luz  e  sombra,  sem  o  recurso  da  luz  de  enchimento,  é  imensamente  acentuado)     115    

ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

  Bowen,  2009b).  

 

 

Figura  104  –  Esquema  ilustrando  o  posicionamento  das  luzes  de  forma  a  criar  o  efeito  final  (Thompson  &   Bowen,  2009b).  

  –  Luz  Motivada  e  Prática   Apesar   deste   trabalho   complexo   de   luzes,   em   narrativas   cinematográficas   procura-­‐se   que   a   luz   seja   motivada,   que   a   noção   de   iluminar   a   cena   ou   seja   vinda   uma   de   fonte   de   luz   conhecida   e   definida  –  do  sol,  de  candeeiros  na  rua,  entrando  por  uma  janela,  porta,  clarabóia,  ou  comunicação   de  um  espaço  com  o  exterior.  A  luz  motivada  pretende  justificar  a  entrada  de  uma  luz  na  cena,  vinda   do  exterior.  Características  idênticas  a  esta  iluminação  é  a  luz  prática,  sendo  fontes  de  luz  situadas  na   cena,  visível  no  enquadramento  (Thompson  &  Bowen,  2009b).   Estes   dois   tipos   de   iluminação   são   mais   vezes   pretextos   para   a   luz   que   vemos   iluminar   os   elementos  em  cena  do  que  as  suas  verdadeiras  fontes  de  luz.  Na  prática  funcionam  como  pretexto   para  modelar  a  luz  como  pretendido  pela  acção  e  ambiente,  funcionando  como  adereços,  mas  sendo   imprescindíveis  para  conferir  credibilidade  à  iluminação  criada  numa  cena.         2.5.1.  As  características  da  luz   2.5.1.1.  Direcção,  intensidade  e  contraste  da  luz   Mas   os   efeitos   dramáticos   criados   pela   iluminação   dependem   naturalmente   muito   das   suas   características,   e   não   apenas   do   seu   posicionamento.   As   diferentes   possibilidades   de   direcção,   ou   ângulo   em   relação   ao   tema,   criam   efeitos   totalmente   diferentes:   iluminando   lateralmente   os   objectos   consegue-­‐se   uma   maior   modelação   das   superfícies   do   que   com   uma   luz   frontal,   e   luzes   116      

2  |  NARRATIVAS  E  ACÇÃO  CINEMÁTICAS  

superiores,   laterias   ou   inferiores,   ou   luz   de   trás,   iluminam   diferentes   planos   da   superfície   do   tema   levando  a  que  se  criem  diferentes  efeitos  dramáticos  (Figura  105).  

 

 

 

Figura  105  –  Planos  ilustrando:  uma  luz  lateral  sobre  a  protagonista  de  Brave  (2012)  que  ajuda  a  modelar  a   sua  tridimensionalidade;  uma  iluminação  inferior  sobre  o  antagonista  em  Panda  do  Kung-­‐Fu  (2008)  que   acentua  efeitos  de  tensão,  suspense  ou  terror;  e  uma  iluminação  apenas  de  trás  em  Irmandade  do  Anel  (2001),   criando  silhuetas,  transmite  sensações  de  mistério  e  suspense.  

  Tal  como  a  direccionalidade,  a  intensidade  da  fonte  de  luz  e  o  seu  grau  de  difusão  -­‐  luz  dura  ou   macia   –   leva   a   uma   maior   ou   menor   modelação   das   formas   bem   como   a   efeitos   dramáticos,   emocionais   e   psicológicos   muito   diversos.   Uma   luz   forte   cria   maior   contaste   e   acentua   formas   angulares   e   texturas,   tendo   sombras   mais   demarcadas   que   uma   luz   suave   e   difusa,   que   vai   criar   uma   iluminação  mais  uniforme  e  progressiva,  sem  sombras  opacas  e  com  um  contraste  entre  áreas  de  luz   e  sombra  menos  acentuado  (Figura  106).  

 

 

Figura  106  –  Planos  ilustrando  a  utilização  de  uma  luz  forte  em  Irmandade  do  Anel  (2001)  e  de  uma  luz   difusa  em  My  Fair  Lady  (1964).  

  Estes   factores   criaram   dois   estilos   de   iluminação,   ambos   comuns   no   cinema,   de   acordo   com   o   contraste  gerado  entre  luz  e  sombras  (Figura  107):  uma  iluminação  low-­‐key,  de  maior  contraste,  em   que  a  maioria  do  cenário  se  encontra  em  sombras  opacas  com  algumas  áreas  fortemente  iluminadas   para  identificar  o  tema,  um  contraste  violento;   ou  uma  iluminação   high-­‐key,  com  menos  contraste  e   mais  zonas  iluminadas,  com  uma  luz  difusa  banhando  toda  a  cena,  obtendo-­‐se  mais  tonalidades  de   cinzas  médios  e  áreas  de  sombras  que  deixam  ver  materiais  e  formas  (Boggs  &  Petrie,  2008).  Cada   um  destes  tipos  de  iluminação  surge  de  acordo  com  a  ambiência,  estilo  e  tom  emocional  da  cena.  

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ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

 

 

 

Figura  107  –  Planos  com  uma  iluminação  low-­‐key  em  Blade  Runner  (1982)  e  uma  iluminação  high-­‐key  em   Amadeus  (1984).  

  2.5.1.2.  Tamanho  da  fonte  de  luz   As   fontes   de   luz   poderão   também   variar   em   termos   de   tamanho   –   fontes   de   luz   pequenas,   médias,  ou  grandes  geram  igualmente  diferentes  efeitos  de  iluminação.   Uma  fonte  de  luz  pequena  –  como  o  sol  num  dia  limpo  e  sem  nuvens,  um  foco  de  luz  brilhante   mas   distante   ou   uma   tocha   numa   caverna   escura   –   encontra-­‐se   longe   e   desobstruída,   sendo   identificável   a   sua   origem   ou   direcção.   Esta   gera   sombras   duras,   muito   escuras   e   com   mínimos   detalhes,  enquanto  os  brilhos  são  muito  luminosos  e  pequenos  não  tendo  tons  médios  pois  a  área  de   separação  luz-­‐sombra  nestes  casos  possui  uma  mudança  muito  abrupta  das  áreas  iluminadas  para  as   sombreadas  (Gallardo,  2001).   Uma   fonte   de   luz   média   –   que   correspondem   à   maioria   das   fontes   de   luz   é   sempre   direccional,   gerando   brilhos   suaves   e   difusos   e   sombras   escuras   com   forma   e   detalhes.   Nestes   casos   a   área   de   separação  já  possui  tons  médios  claros  fazendo  uma  gradação  suave  entre  as  áreas  iluminadas  e  as   sombreadas  (Gallardo,  2001).   As  fontes  de  luz  grandes  –  como  um  céu  muito  nublado  –  não  geram  quase  nenhumas  sombras   bem   definidas,   tendo   portanto   uma   área   de   separação   quase   muito   indefinida,   quase   inexistente.   Estas,   ao   contrário   das   luzes   pequenas   e   médias,   não   são   direccionais   mas   difusas   com   sombras   muito  claras  tornando-­‐se  quase  imperceptíveis,  criando  uma  predominância  de  tons  médios  em  toda   a  imagem  (Gallardo,  2001).       2.5.1.3.  Luz  e  tempo  atmosférico   Considerando   também   a   cor   da   luz   juntamente   com   estas   determinantes   faladas,   a   iluminação   contribui   para   a   representação   da   altura   do   dia   ou   das   condições   atmosféricas,   que   incluem   as   múltiplas  conotações  de  significados  e  sensações  relacionadas.   118      

2  |  NARRATIVAS  E  ACÇÃO  CINEMÁTICAS  

Desde   o   primeiro   raio   de   sol   que   surge   no   céu   que   a   iluminação   do   ambiente   se   vai   alterando.   Com   o   nascer   do   sol,   a   cor   passa   de   um   branco   de   baixa   intensidade   a   um   amarelo-­‐laranja   para   amarelo  até  chegar  a  um  branco  amarelado  quatro  horas  antes  do  meio-­‐dia  (Marner,  2013).  Mas  ao   meio-­‐dia   a   luz   já   possui   uma   cor   do   branco   ao   branco   amarelado   e   uma   vez   que   “a   luz   está   directamente  acima,  a  distância  que  a  luz  tem  para  viajar  através  da  atmosfera  é  minimizada”,  o  que   significa  que  é  menos  espalhada  tornando-­‐a  mais  brilhante  e  intensa  (Gallardo,  2001,  p.  293).  Uma   vez  que  esta  luz  tem  uma  qualidade  muito  dura  e  contrastante,  num  dia  limpo,  pode-­‐se  comparar  a   uma  fonte  de  luz  pequena  pois  também  gera  sombras  muito  escuras  -­‐  uma  vez  que  a  luz  não  está  a   ser  muito  espalhada  (Gallardo,  2001).   Quando   os   dias   estão   enevoados,   a   luz   ambiente   é   muito   difusa,   sem   reflexos   nem   sombras   marcantes,   significando   que   os   objectos   são   uniformemente   iluminados,   independentemente   da   sua   distância  à  fonte  de  luz  principal,  e  com  fracos  contrastes  devido  à  falta  de  áreas  sombreadas  escuras   e  distintas.  No  entanto  a  gama  de  tons  é  pouco  abrangente,  centrando-­‐se  esta  na  área  dos  cinzentos   médios.  Os  azuis  não  têm  influência,  os  verdes  e  vermelhos  parecem  mais  ricos  e  os  amarelos  mais   vibrantes.   Sem   nuvens,   a   luz   reflectida   pelo   céu,   a   meio   do   dia,   é   predominantemente   azul   clara,   tingindo  com  esta  cor  toda  a  luz  e  objectos  iluminados,  sendo  designada  de  skylight.  É  mais  notada   quando  a  luz  é  zenital  (Gallardo,  2001).     2.5.1.4.  Luzes  artificiais  e  fogo   Para  além  das  fontes  de  luz  natural  mencionadas,  há  que  considerar  também  a  iluminação  gerada   por  fontes  de  luz  artificial  ou  por  uma  chama.   As   luzes   artificiais   variam   muito   em   qualidade   e   cor   da   luz   –   sendo   umas   desde   o   branco   ao   branco  azulado,  como  as  luzes  fluorescentes  ou  halogenetos  metálicos,  outras  mais  luminosas  com   uma  matiz  amarelo-­‐laranja  ou  rosada,  como  as  lâmpadas  de  vapor  de  sódio  (Gallardo,  2001).   O  fogo,  ou  a  iluminação  fornecida  por  uma  chama,  é  um  dos  tipos  de  iluminação  que  mais  gera   efeitos  dramáticos  pela  sua  qualidade  volátil  –  a  chama  não  é  estática  quer  em  termos  de  posição,   movimento,   aparência   ou   até   a   própria   cor,   podendo   ser   utilizado   numa   variedade   de   situações,   desde   controladas   –   como   fogueiras,   lareiras   ou   tochas   –   a   não-­‐controladas   –   como   os   incêndios.   Esta  luz  altera  a  cor  de  todos  os  objectos  que  ilumina  para  amarelos  e  vermelhos  –  mesmo  objectos   brancos  parecem  avermelhados  ou  amarelados  (Gallardo,  2001).   Sob  este  tipo  de  luz,  as  superfícies  obstruídas  são  muito  escuras  e  os  tons  médios  tendem  para  o  

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ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

  cinzento.  São  precisamente  os  tons  médios  e  os  brilhos  que  caracterizam  esta  luz,  por  isso  são  estes   os  parâmetros  que  são  tidos  mais  em  atenção  quando  se  simula  uma  cena  iluminada  por  este  tipo  de   luz  em  CG  (Gallardo,  2001).   Este   tipo   de   luz   é   universalmente   percepcionado   com   uma   qualidade   quente   e   acolhedora.   Tanto   em  CG  como  em  cinema,  é  importante  que  as  cenas  consigam  transmitir  estas  sensações  de  calor  e   intimidade.   “Quando   as   cenas   são   iluminadas   com   velas,   elas   parecem   convidativas   e   sensuais;   o   uso   de  luz  das  velas  em  cinema  é  sempre  uma  decisão  consciente  para  evocar  estas  emoções”  (Gallardo,   2001,  p.  261).     –  Componente  ‘local’   No   mundo   real,   diferentes   locais   possuem   determinadas   características   atmosféricas   distintas,   por  isso  quando  as  narrativas  ocorrem  e  retratam  locais  reais,  a  iluminação  assemelha-­‐se  a  (e  revela)   essas   mesmas   características,   o   que   aumenta   a   sensação   de   imersão   e   confere   uma   sensação   de   “presença”.     2.5.2.  Tridimensionalidade  e  Profundidade   Mas   em   qualquer   dos   casos,   contrastes   entre   zonas   iluminadas   e   zonas   em   sombras   são   o   que   permite  criar  uma  imagem  tridimensional  e  uma  maior  ou  menor  profundidade  do  espaço  revelado   no  plano.   Devido   aos   aspectos   perceptivos   da   mente   do   ser   humano,   um   espaço   aparenta   ser   mais   profundo   se   tiver   fortes   contraste   de   luz   com   áreas   mais   afastadas   da   câmara   fortemente   escurecidas,  do  que  se  for  iluminado  mais  uniformemente  e/ou  com  uma  luz  mais  difusa  e  suave.  Tal   como   objectos   iluminados   contra   um   plano   de   fundo   mais   obscurecido,   não   servem   apenas   para   centrar   a   atenção   do   espectador   nesse   mesmo   elemento   mas   também   criam   uma   sensação   de   profundidade   pois   as   diferenças   de   iluminação   nos   diferentes   planos   de   profundidade   criam   uma   separação  entre  eles41.   Igualmente,  o  posicionamento  da  fonte  de  luz  principal  (key  light)  em  relação  à  câmara  e  ao  tema   tem  um  forte  contributo  para  a  ilusão  de  profundidade  e  tridimensionalidade,  nomeadamente  se  for                                                                                                                           41

 Como  já  foi  visto  no  ponto  2.2.2.,  perceptivamente  zonas  mais  iluminadas  parecem  avançar,  enquanto  que  zonas  em   sombra   recuam.   Igualmente,   certas   cores,   como   visto   no   capitulo   de   composição,   também   avançam   (cores   de   valores   mais   claros  ou  mais  saturadas)  e  recuam  criando  esta  ilusão  de  profundidade.   120      

2  |  NARRATIVAS  E  ACÇÃO  CINEMÁTICAS  

colocada   num   alinhamento   diferente   do   eixo   da   câmara   (Jackman,   2010).   A   volumetria   de   uma   personagem  poderá  parecer  mais  plana,  se  não  for  iluminada  com  luzes  posicionadas  de  um  ângulo   rasante  e  afastado  do  eixo  da  câmara  (kick  light,  rim  light  –  luzes  de  modelação),  revelando  o  jogo  de   luz   e   sombra   segundo   esta   abordagem,   o   volume,   a   forma   e   a   textura   dos   objectos,   espaços   e   personagens.   Por   isso   raramente   se   utilizam   luzes   frontais,   sendo   preferíveis   as   luzes   laterais   ou   a   45º,  que  mais  favorecem  este  efeito  (Figura  108).  

 

 

Figura  108  –  Planos  em  Irmandade  do  Anel  (2001),  onde  a  iluminação  na  imagem  (a)  nitidamente  acentua   mais  as  formas  que  a  imagem  (b)  devido  ao  maior  contraste,  no  entanto,  em  ambas  se  pode  notar  que  a  fonte   de  luz  nunca  se  encontra  totalmente  frontal.  

  De   modo   geral,   imagens   de   maior   contraste   criam   mais   profundidade   e   tridimensionalidade,   enquanto   imagens   de   contraste   muito   baixo   –   ou   seja,   quando   as   diferentes   superfícies   possuem   valores  lumínicos  próximos  –  parecem  ‘planas’,  pois  é  pelo  contraste  de  luz  que  se  cria  a  separação   em  profundidade  no  espaço.  Para  além  destes  aspectos,  já  foi  visto  no  capítulo  de  composição  como   diversos   efeitos   atmosféricos   –   como   efeitos   de   perspectiva   aérea,   neblinas   e   iluminação   de   partículas  no  ar  –  criam  uma  sensação  de  profundidade  e  de  espaço  no  plano  (Figura  109).  

 

 

 

Figura  109  –  Planos  em  Brave  (2012),  Panda  do  Kung-­‐Fu  (2008)  e  Blade  Runner  (1982)  onde  a  luz  cria  efeitos   atmosféricos,  que  contribuem  para  a  representação  da  tridimensionalidade  e  profundidade  do  espaço  cénico.  

  Neste  âmbito,  não  é  apenas  a  qualidade  da  luz  que  é  relevante,  mas  também  as  sombras  que  cria.   As   sombras   numa   imagem   também   estabelecem   relações   espaciais   e   de   profundidade   entre   os   objectos.  Sem  elas  não  é  perceptível  a  localização  de  um  objecto  em  relação  a  uma  superfície  –  se   está  assente  nela  ou  não,  e  a  distância  relativa  (Birn,  2000).   As  sombras,  no  entanto,  não  têm  de  ser  sempre  apenas  dos  objectos  visto  no  plano  (Figura  110).   Por   vezes   elas   surgem   de   elementos   que   se   encontram   fora   do   plano,   criando   uma   sensação   de  

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ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

  profundidade   do   espaço   cénico   ao   trazer   para   o   ecrã   indicadores   do   que   se   encontra   fora   do   enquadramento  –  off-­‐  screen  (Birn,  2000).  

  Figura  110  –  Plano  em  panda  do  Kung-­‐Fu  (2008)  que  introduz  na  cena  uma  nova  personagem  através  da  sua   sombra,  que  se  projecta  dentro  do  enquadramento.  

  2.5.3.  O  Contributo  Dramático   2.5.3.1.  Caracterização  de  personagens  e  espaços   A   iluminação   e   cor   têm   igualmente   um   contributo   relevante   em   termos   de   construção   de   significados,  caracterizando  personagens  e  espaços.   O   carácter   da   luz   poderá   sugerir   determinadas   qualidade   das   personagens   (Boggs   &   Petrie,   2008)   –   uma   personagem   mais   misteriosa   poderá   ter   uma   iluminação   mais   low-­‐key,   enquanto   que   uma   personagem   mais   animada   ou   cómica   será   mais   iluminada.   Do   mesmo   modo,   genericamente,   personagens  masculinas  são  iluminadas  com  luzes  mais  duras  fazendo  com  que  traços  faciais  sejam   mais  acentuados,  enquanto  personagens  femininas  são  iluminadas  com  luzes  mais  suaves  e  difusas,   que  contribuem  para  um  efeito  de  suavização  da  textura  e  ângulos  da  face.   As   cores   das   personagens   e   do   cenário   também   possuem   muitas   vezes   uma   forte   conotação   associativa   (Boggs   &   Petrie,   2008)   –   certas   personagens   são   muito   caracterizadas   pelas   cores   que   vestem,   como   o   Joker   no   mundo   de   Batman,   ou   por   vezes   assinalam   o   estado   de   espírito   destas,   como   em   Sweeney   Todd:   O   Terrível   Barbeiro   de   Fleet   Street   (2007)   em   que   a   paleta   mais   monocromática  ao  longo  da  maioria  do  filme  revela  o  estado  soturno  e  deprimente  da  personagem   principal,   mas   os   momentos   em   flashback   que   retratam   uma   altura   feliz   deste   são   mostrados   com   cores  vibrantes  e  quentes  e  uma  iluminação  difusa  que  lhe  conferem  um  tom  mais  romântico  (Figura   111).  

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Figura  111  –  Planos  pertencentes  ao  mesmo  filme  (Sweeney  Todd,  2007),  mas  que  no  entanto  possuem   qualidades  completamente  distintas  e  representativas  do  estado  de  espírito  do  protagonista.  

  2.5.3.2.  Criação  de  ambiências   Mas  porque  em  narrativas  cinemáticas  se  pretende  entreter  e  emocionar,  um  dos  contributos  da   iluminação   e   da   cor   mais   importantes   a   considerar   são   os   seus   efeitos   dramáticos,   gerando   ambiências,  estados  de  espírito  (moods)  e  emoções.   Estes  efeitos  acompanham  a  construção  dramática  da  narrativa,  alternando  e  criando  cenas  mais   sombrias   ou   mais   descontraídas   consoante   a   necessidade   da   acção,   enredo   e   espaço   ficcional.   Mas   a   um   nível   mais   subtil   também   criam   uma   atmosfera   geral   de   toda   a   narrativa   visual   –   os   filmes   de   terror,   mistério   ou   suspense   em   geral   mantêm   uma   iluminação   e   cores   mais   sóbrias   do   que   filmes   românticos  e  de  comédia.   Por  isso,  o  tipo  de  iluminação  e  de  cores  usadas  diz  muito  sobre  a  acção  e  género  da  narrativa.   Quando   em   narrativas   históricas,   muitas   vezes   o   estilo   de   iluminação   retira   influências   de   arte   (geralmente  pintura)  da  época  (Boggs  &  Petrie,  2008)   –  como  em  Os  Fantasmas  de  Goya  (2007)  ou  A   rapariga   do   brinco   de   pérola   (2003)   (Figuras   112   e   113)   em   que   a   iluminação   dos   planos   se   assemelha  à  técnica  do  pintor  Vermeer  –  pois  conferem  uma  maior  sensação  de  verosimilhança,  uma   vez  que  o  espectador  associa  a  imagem  em  ecrã  com  as  imagens  artística  da  época.  

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ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

 

 

 

Figura  112  –  Comparação  das  características  da  iluminação  em  Os  fantasmas  de  Goya  (2007)  e  um  auto-­‐   retrato  de  Francisco  Goya:  o  filme  é  marcado  por  uma  paleta  de  cores  pouco  variada  e  tons  mais  escurecidos   como  as  obras  do  pintor.  

 

 

Figura  113  –  Comparação  das  características  da  iluminação  em  A  Rapariga  do  Brinco  de  Pérola  (2003)  e   Senhora  escrevendo  carta  com  sua  criada  (1670)  de  Johannes  Vermeer:  o  filme  é  marcado  por  uma  iluminação   low-­‐key  e  ambientes  luminosos  tal  como  as  obras  do  pintor.  

  Para   além   de   criar   para   uma   representação   mais   realista   do   cenário,   os   efeitos   de   iluminação   contribuem  para  as  necessidades  dramáticas  da  cena,  criando  ambiências  mais  misteriosas,  pesadas   e  obscuras  ou  românticas,  agradáveis  e  cómicas,  pelo  uso  de  luzes  mais  duras  ou  mais  suaves,  high-­‐ keys  ou  low-­‐keys  e  jogando  também  com  os  aspectos  simbólicos  e  emotivos  das  cores.   Imagens  com  uma  iluminação  low-­‐key  criam  ambientes  mais  sombrios  e  aumentam  o  suspense,   enquanto  que  a  iluminação   high-­‐key  cria  uma  imagem  mais  animada  e  descontraída  (Boggs  &  Petrie,   2008)   (Figura   114),   tal   como   uma   iluminação   representativa   de   uma   particular   altura   do   dia   ou   condição   atmosférica   poderá   induzir   determinados   estados   de   espírito   –   como   ambientes   enevoados,  que  possuem  um  forte  peso  emocional  associado  a  melancolia,  desespero  e  sensação  de  

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indefesa  (Gallardo,  2001).  

 

 

Figura  114  –  Planos  em  Amadeus  (1984)  com  uma  iluminação  low-­‐key  que  o  torna  mais  pesado  e   dramático,  enquanto  que  as  cenas  em  high-­‐key  tendem  a  ser  alegres  e  joviais.  

  A  cor  tem  um  contributo  especialmente  forte  neste  contexto,  pois  desde  há  muito  tempo  que  as   cores  sempre  foram  associadas  a  determinados  significados.  Gallardo  refere  que  “é  importante  para   artistas   de   computação   gráfica   saberem   o   significado   e   associação   de   cada   cor   para   que   o   seu   conteúdo  emocional  possa  ser  aplicado  numa  cena”  (Gallardo,  2001,  p.88).   A   cor,   então,   tem   grandes   influências   emocionais   no   espectador   –   considerando   factores   como   associações   de   cores   frias   a   calma,   frescura   ou   temperaturas   frias   e   de   cores   quentes   a   energia,   exaltação   ou   calor,   consegue-­‐se   conferir   essas   mesmas   associações   de   significados   à   cena   e   consequentemente  à  acção,  personagens  e  espaços  (Figura  115).  

 

 

Figura  115  –  Plano  em  Irmandade  do  Anel  (2001)  onde  a  cena  possui  uma  calma  e  frieza  acentuada  pelos   tons  azuis  predominantes.  Plano  em  Brave  (2012)  onde  os  tons  quentes  não  só  provenientes  da  lareira  mas   predominantes  em  todo  plano  conferem  uma  sensação  calorosa  e  acolhedora  à  cena  e  ao  cenário.  

  2.5.3.3.  Condução  da  atenção  e  contributo  para  a  narrativa   Estes  significados  e  associações  da  cor  e  da  luz  mencionados  são  também  elementos  narrativos,   uma   vez   que   na   sua   alternância   e   adequação   à   acção   da   cena   e   espaços   acompanham   a   apresentação  e  desenvolvimento  da  narrativa.   Ao   iluminar   os   elementos   principais   do   plano,   para   onde   se   pretende   centrar   o   olhar   do   espectador,  juntamente  com  a  sua  utilização  para  revelar  ou  esconder  áreas  do  cenário,  personagens   ou  detalhes  possui  uma  relação  directa  com  a  narrativa  e  desenvolvimento  dramático  da  acção  –  a  

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ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

  iluminação   ilumina   sempre   o   tema   do   plano   e   assim   transporta   com   ela   a   mensagem   (Ward,   2003)   e   a   acção.   Tal   iluminação   é   feita   consoante   os   propósitos   dramáticos   da   acção   e   da   narrativa,   bem   como  da  criação  de  ambiências  dramáticas  e  emocionais  do  espaço  e  na  cena.   O   papel   da   iluminação   no   controlo   da   informação   da   narrativa   pode   surgir   de   diversas   formas.   Muitas  vezes  serve  maioritariamente  para  indicar  o  elemento  principal  da  acção,  mas  a  sua  relação   com  a  acção  não  é  necessariamente  sempre  a  mesma  –  por  vezes  ela  acompanha  a  acção  surgindo   onde  esta  decorre,  outras  adianta-­‐se  à  acção  criando  antecipação  e  assim  também  contribuindo  para   o   controlo   emocional   e   da   atenção   do   espectador.   Outro   efeito   emocional   poderá   também   ser   criando   quando   a   luz   propositadamente   obscurece   e   esconde   certos   elementos   do   cenário   criando   mistério  e  suspense  (Figura  116).   Porque   uma   narrativa   se   pretende   seja   relatada   de   forma   dramática,   susceptível   de   evocar   emoções   no   espectador,   estas   mesmas   qualidades   presentes   nos   efeitos   criados   pelos   jogos   de   luz   e   cor   também   funcionam   para   transportar   visualmente   essas   sensações,   ideias   e   significados   da   narrativa  para  o  ecrã.  

 

 

Figura  116  –  Plano  de  Irmandade  do  Anel  (2001)  onde  a  luz  cénica  se  relaciona  apenas  com  a  narrativa   surgindo  como  um  foco  que  aponta  para  um  elemento  específico  do  cenário  e  relevante  na  acção  dramática.   Plano  de  Brave  (2012)  onde  a  luz  e  a  sombra  mantêm  um  dos  personagens  escondido  assinalando-­‐o  assim   como  um  antagonista  e  envolvendo-­‐o  em  mistério.  

  2.5.3.4.  Texturas  e  Materiais   Os   brilhos   e   reflexos   provocados   pela   iluminação   também   revelam   texturas   e   materiais   -­‐   criam   indicadores   visuais   que   permitem   ao   espectador   interpretar   profundidade   e   textura.   Neste   sentido   contribuem  para  um  maior  realismo  na  modelação  digital  dos  objectos:  é  através  destes  que  entende   se  uma  superfície  é  de  um  material  brilhante  ou  baço,  liso  ou  rugoso  (Jackman,  2010).     2.5.4.  Na  animação  3D   Claro   que   seja   em   cinema   ou   na   vida   real,   é   mais   simples   controlar   e   ajustar   a   iluminação   que   em  

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animações   3D.   Parecendo   a   iluminação   em   Animação   3D   semelhante   ao   que   se   sucede   em   cinema   e   fotografia   (Beane,   2012),   este   torna-­‐se   no   entanto   um   processo   muito   mais   complexo,   pois   a   iluminação   tem   de   se   preocupar   sobre   todos   os   efeitos   dramáticos,   como   em   criar   e   representar   realisticamente   as   características   lumínicas   da   localização,   tempo   e   condições   atmosféricas   –   aspectos  que  em  cinema  não  precisam  de  ser  simulados,  pois  se  pode  recorrer  à  realidade  (Beane,   2012).   Tudo   se   torna   mais   complexo   tanto   quanto   é   necessário   definir   muito   mais   parâmetros,   recorrer  a  combinações  de  fontes  de  luz  diferentes  e  simular  aspectos  como  a  luz  a  ser  espalhada  e   filtrada   pela   atmosfera   e   a   mudança   gradual   na   intensidade   percepcionada   da   luz,   sendo   todo   o   processo  algorítmico  e  virtual  (Gallardo,  2001).  Portanto,  não  só  todas  as  luzes  têm  de  ser  criadas  do   zero,  como  os  criativos  3D  de  iluminação  têm  ao  seu  dispor  uma  enorme  amplitude  de  parâmetros   para   escolher   na   manipulação   da   luz,   precisando   de   controlar   não   só   o   ângulo,   tamanho,   posição,   intensidade,   qualidade   da   luz   como   também   das   próprias   sombras,   e   ainda   o   efeito   conjugado   de   todas  as  fontes,  em  cada  parte  do  espaço  virtual  (Beane,  2012).   Viu-­‐se  antes  como  a  iluminação  e  cor  contribuem  para  determinar  atmosferas  e  ambiências  em   termos  dramáticos,  mas  no  caso  da  animação  3D,  a  iluminação  é  também  aquilo  que  trás  “vida”  aos   objectos,   personagens,   e   ambiências.   Na   animação   3D   é   principalmente   a   luz   que   contribui   tanto   para   um   maior   realismo   dos   objectos,   personagens   e   texturas,   como   para   criar   as   ambiências   e   efeitos  que  constroem  o  ‘dramatismo’  nestas  narrativas  visuais  (Figura  117).  

 

 

 

 

 

 

Figura  117  –  Processo  de  desenvolvimento  de  Monstros  Universidade  (2013)  –  storyboard,  concept  art,   modelação,  layout,  animação  inicial  (simulação)  até  render  final  com  iluminação  –  divulgado  pelo  site  CG   MeetUp  que  mostra  a  importância  da  iluminação  para  o  filme  

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ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

   

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3 | ARQUITECTURA E ESPAÇO FICCIONAL EM VIDEOJOGOS 3.1.  O  Design  de  Produção  no  desenho  de  Espaços  Ficcionais  em  Videojogos   “A   peça   cinematográfica   (...)   é   sempre   um   objecto   de   comunicação.   Transmite   uma   mensagem,   visa  um  público-­‐alvo  e  a  sua  eficácia  depende  de  uma  intensa  análise  do  guião  e  uso  intencional  de   significados  visuais.”  (Carpinteira,  2011,  p.  i)   O   Design   de   Produção   interpreta   o   enredo,   acção   e   narrativa   da   ficção   de   um   videojogo,   transferindo-­‐o   visualmente   para   um   universo   e   personagens   ficcionais,   a   que   procura   conferir   coesão,   credibilidade   e   autenticidade,   devendo   o   espaço   ficcional   acolher   e   suportar   visual   e   espacialmente  o  argumento  e  a  sua  narrativa.   Ele   surge   como   interpretação   visual   do   guião,   plot   e   acção,   transmitindo   informações   sobre   a   narrativa  em  termos  de  argumento  e  o  seu  ponto  de  vista  (LoBrutto,  2002).   No   Design   de   Produção,   o   Concept   Art   vai   interpretar   e   materializar   o   guião   e   o   Game   Design,   criando   o   universo   da   ficção   –   os   seus   espaços,   personagens,   ambiências   e   adereços   –   preparado   para  acolher  o  jogador,  o  enredo  e  a  narrativa  da  ficção  (LoBrutto,  2002).   Este  mundo  ficcional  deve  criar  uma  identidade  visual,  vivencial,  cultural  e  social  que  compreende   o  espaço  urbano  e  natural,  humanizado  ou  não:  a  arquitectura,  objectos  e  adereços  que  tornam  os   espaços  habitáveis,  a  caracterização  das  personagens  que  habitam  esse  mundo.   Este   mundo   ficcional,   os   seus   personagens   e   as   acções   que   nele   vão   ocorrer   têm   que   criar   no   espectador  uma  noção  de  coerência,  autenticidade,  credibilidade,  imersão  e  identidade.   O   espaço   cénico   possui   também   uma   componente   emocional,   pois   situa   o   espectador   num   contexto  a  partir  da  leitura  que  dele  faz  (Barsacq,  1976).  Juntamente  com  a  forma  de  realização  e  a   interpretação   da   narrativa   que   faz,   o   espaço   ficcional   transmite   e   concorre   para   a   construção   e   representação   de   estados   psicológicos,   criando   emoção   e   significado   no   espectador,   neste   caso   também  jogador.   Para   este   ponto,   escolheram-­‐se   três   videojogos   de   carácter   distinto,   para   ilustrar   os   aspectos   abordados  neste  subcapítulo:   129    

ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

  -­‐   Dragon   Age:   Origins   (2009):   um   videojogo   em   terceira   pessoa,   rico   em   diferentes   referências   culturais   distintas   para   cada   uma   das   localizações   dentro   do   seu   mundo   ficcional.   Estas   são   assim   individualmente  caracterizadas  com  uma  identidade  própria.   -­‐   Assassin’s   Creed   II   (2009):   um   videojogo   também   em   terceira   pessoa,   mas   colocado   num   contexto  cultural  quase  todo  historicamente  correcto.  Este  caso  possui  apenas  uma  única  referência   cultural   de   inspiração.   A   exploração   e   a   interacção   com   o   seu   espaço,   em   certos   momentos,   são   realizadas   de   um   modo   que   privilegia   mais   o   papel   do   espaço   e   a   sua   relação   com   a   acção,   do   acontece  em  outros  casos.       -­‐   Bioshock   Infinite   (2013):   um   videojogo   em   primeira-­‐pessoa,   escolhido   para   observar   as   diferenças   proporcionadas   por   pontos   de   vista   da   câmara   diferentes.   Este   caso   possui   ambientes   muitos   ricos   em   detalhes   e   conjugação   de   diferentes   referências   culturais,   criando   um   universo   ficcional  com  uma  identidade  muito  própria  e  visualmente  muito  interessante.    

3.2.  Tratamento  do  espaço  ficcional  em  videojogos   3.2.1.  Uma  Delimitação  Finita  em  Espaços  Ficcionais  Infinitos   Um  mundo  ficcional  virtual  não  é  infinito.  O  Game  Design,  Autores  e  Computadores  não  suportam   um  tempo  ou  espaço  infinitos  num  Videojogo,  pelo  que  é  necessário  que  o  espaço  do  um  jogo  esteja   delimitado   e   circunscrito.   É   um   requisito   do  Gameplay,   pois   constrangir   o   espaço   navegável   a   uma   área  finita  e  definida  é  necessário  para  orientar  o  jogador  nesse  espaço,  ajudando-­‐o  a  perceber  os   objectivos  do  jogo  (Zangalo,  2009).   O   espaço   navegável   num   videojogo   tem   de   ser   reduzido   a   segmentos   segregados   e   finitos,   podendo  ser  delimitados  segundo  dois  níveis:   -­‐  Por  uma  delimitação  do  mundo  total  do  jogo  representada  de  forma  esquemática  e  codificada,   portanto  indirecta,  como  por  exemplo  através  de  mapas.   -­‐  Por  uma  delimitação  de  diversos  espaços  dentro  do  mundo  total  do  jogo,  cada  um  destes  bem   definidos   e   navegáveis.   Em   termos   do   modelo   estes   espaços   são   “construídos”   como   unidades   separadas,   criando   no   universo   conceptualmente   contínuo   uma   realidade   espacial   efectivamente   descontinua.   Na   realidade,   os   espaços   existentes   constituem-­‐se   em   “ilhas”,   sendo   impossível   ao   jogador  percorrer  o  espaço  entre  elas,  simplesmente  porque  este  não  existe.   Esta   delimitação   permite   uma   diferenciação   e   demarcação   de   localizações   e   níveis   de   dificuldade,   permitindo   ao   jogador   “conceptualizar   o   jogo   em   fragmentos”,   dando   uma   “sensação   de   progresso   e   130      

4  |  ARQUITECTURA  E  ESPAÇO  FICCIONAL  EM  VIDEOJOGOS     realização  à  medida  que  cada  espaço  é  conquistado,  completado  ou  adicionado”  (Wolf,  2011,  p.23).   Estando   estes   espaços,   ou   “ilhas”,   de   tal   forma   circunscritos   e   separados   –   e   sendo   apenas   um   pequena  parte  da  totalidade  ficcional  desses  mundos  –  que  existe  um  grande  espaço  implícito,  que  o   jogador  não  pode  aceder,  visualizar  ou  explorar.  Surgem  assim  três  formas  de  negação  do  espaço,  ou   seja  de  espaços  não  existentes:   -­‐   O   espaço   fora   de   uma   representação   esquemática   e   codificada   como   a   de   um   mapa   (Figura   118.1)   -­‐  O  espaço  que  embora  representado  esquematicamente  não  existe  materialmente,  mas  apenas   ao  nível  conceptual  (Figura  118.2)   -­‐  Os  espaços  na  malha  urbana  ou  interior  de  alguns  edifícios,  dentro  de  um  espaço  “ilha”,  que  não   são  acessíveis,  podendo  ou  não  ser  representados  visualmente  (Figura  118.3).     No   entanto,   o   jogador   assume   estes   espaços   como   existentes   e   navegáveis,   uma   vez   que   se   situam  dentro  de  um  espaço  delimitados  assumido  como  continuo  e  tridimensional.  

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Figura  118  –  Mapas  de  Dragon  Age:  Origins  (2009)  com  indicação  das  três  formas  de  espaços  não  existentes   mas  que  pertencem  conceptualmente  à  totalidade  ficcional  do  mundo  do  jogo.  

  Olhando  para  o  caso  de  Dragon  Age:  Origins  (2009),  o  espaço  é  definido  através  de  vários  mapas   que   indicam   não   só   as   áreas   a   que   o   jogador   tem   acesso   mas   também   apresenta   muito   espaço   (implícito)  entre  elas.  O  jogador  não  percorre  este  espaço  implícito  mas  constrói  com  esse  espaço  um   mundo  ficcional  mais  complexo  e  com  mais  conteúdo.  Este  é  um  caso  em  que  o  espaço  ficcional  é   bastante  definido  e  de  uma  grande  dimensão.   Este   caso   apresenta   um   mapa   geral   da   área   total   do   jogo,   bem   como   depois   vários   sub-­‐mapas   representando   sub-­‐áreas   específicas   dentro   dessa   área   total.   Em   cada   uma   destas   sub-­‐áreas  

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ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

  representadas  existem  depois  várias  áreas  interiores  às  quais  o  jogador  tem  acesso  (Figura  119).   Porque  em  termos  do  modelo  estas  sub-­‐áreas  e  áreas  interiores  são  “construídas”  como  unidades   separadas   (Figura   120),   a   entrada   do   jogador   para   um   destes   espaços   interiores   implica   sempre   uma   transição  (neste  caso  um  fade)  e  não  um  passar  contínuo  de  um  espaço  para  outro.  

  Figura  119  -­‐  Diversos  mapa  da  área  total  e  sub-­‐áreas  de  Dragon  Age:  Origins  (200)  e  a  relação  espacial  entre   eles.  

 

 

Figura  120  -­‐  Screenshots  de  Dragon  Age:  Origins  (2009)  mostrando  uma  vista  na  progressão  do  jogo  de  um   espaço  interior  e  uma  vista  aérea  do  modelo  tridimensional  desse  espaço  em  que  se  observa  como  estas  sub-­‐ áreas  são  “construídas”  em  unidades  segregadas.  

  No  caso  de  Assassin’s  Creed  II  (2009),  este  apresenta  menos  mapas  (Figura  121).  Este  jogo  explora   cinco  áreas  principais  e  delimitadas:  Florença,  Veneza,  Forli,  Monteriggioni  e  Roma.     Não   existe   um   mapa   geral   e   sub-­‐mapas   que   mostrem   a   relação   espacial   entre   estes   diferentes   espaços.  Cada  uma  das  áreas  principais  assume-­‐se  como  uma  área  segregada  e  independente.  Para   reforçar   esta   ideia,   cada   cidade   possui   muralhas   que   delimitam   a   sua   área.   No   entanto,   o   jogador   sabe  que  existe  alguma  relação  espacial  entre  elas  pois  a  transição  entre  elas  é  sempre  feita  pelos   portões  de  cada  uma.     Neste  caso,  uma  vez  que  os  locais  não  são  na  verdade  fictícios,  não  existe  uma  necessidade  tão   grande  de  explicitamente  indicar  como  é  que  eles  se  situam  em  relação  um  ou  outro  (como  acontece  

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4  |  ARQUITECTURA  E  ESPAÇO  FICCIONAL  EM  VIDEOJOGOS     em  Dragon  Age:  Origins,  2009).   Em   cada   uma   das   áreas   principais   existem   também   edifícios   onde   o   jogador   pode   entrar   e   percorrer,  mas  não  é  apresentado  o  mapa  do  espaço  interior.     Tal  como  acontece  em  Dragon  Age:  Origins  (2009),  a  passagem  para  estes  novos  espaços  implica   uma   transição.   Neste   videojogo,   na   maioria   dos   casos,   insere   uma   curta   cena   de   animação   entre   “interagir”   com   a   porta   (ou   outro   meio   de   entrada)   para   transportar   o   protagonista   para   o   outro   lado,   presumivelmente   para   tentar   dar   um   pequeno   toque   mais   realista.   Este   facto   sugere   igualmente   que   o   espaço   cénico   deste   videojogo   também   é   criado   como   zonas   construídas   separadas.  

 

 

Figura  121  -­‐  Mapa  da  área  geral  (Itália)  de  Assassin's  Creed  II  e  mapa  de  uma  das  áreas  principais   percorríveis  pelo  jogador  (Veneza).  

  Bioshock  Infinite  (2013),  por  seu  lado,  não  apresenta  mapas  pois  a  narrativa  e  gameplay  é  mais   linear  e  menos  livre  que  os  outros  dois  casos  –  o  jogador  nem  sempre  pode  voltar  atrás  para  explorar   outra  vez  um  sítio.     Adicionalmente,  a  área  total  do  jogo  é  muito  mais  pequena  e  este  espaço  é  modelado  de  forma   muito   mais   contínua   do   que   os   outros   videojogos   mencionados.   Neste   caso,   a   circunscrição   do   espaço   é   muito   mais   fácil   de   se   fazer   devido   à   própria   configuração   espacial   da   cidade   –   ela   é   composta   por   várias   zonas   edificadas   “aéreas”   que   se   ligam   em   certos   sítios,   havendo   inclusive   a   possibilidade  de  saltar  pelos  céus  de  uma  área  para  a  outra.     Nem  todas  as  zonas  são  acessíveis,  pelo  que  existe  algum  edificado  que  é  apenas  visto  e  por  isso   modelado   e   representado   apenas   o   seu   exterior   –   constituindo   portanto   a   terceira   forma   de   “negação  do  espaço”  mencionada  anteriormente.  Apenas  a  passagem  para  os  espaços  interiores  se   processa   à   semelhança   dos   outros   videojogos   mencionados,   ou   seja,   com   um   efeito   de   transição   por   fade.    

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ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

  O   espaço   sintético   em   Dragon   Age:   Origins   (2009)   e   Assassin’s   Creed   II   (2009)   é   muito   mais   construído  do  que  em  Bioshock  Infinite  (2013).  Neste  último  o  espaço  sintético  é  quase  inexistente,   pois  é  mais  difícil  construir  a  maquete  mental  do  espaço.   Isto  é  paradoxo  porque  em  Dragon  Age:  Origins  (2009)  e  Assassin’s  Creed  II  (2009)  o  jogador  não   tem   acesso   à   totalidade   do   espaço   ficcional,   apenas   a   alguns   fragmentos.   No   entanto,   através   dos   mapas  e  das  formas  de  ligação  e  transição  entre  as  áreas,  ele  consegue  construir  uma  ideia  de  todo  o   mundo  ficcional  do  videojogo  (cria  uma  maquete  mental).  Em   Bioshock  Infinite  (2013),  apesar  de  o   jogador   andar   mais   continuamente   pelo   espaço,   a   inexistência   de   mapas   com   a   existência,   em   vez   disso,   de   setas   que   indicam   o   caminho   a   seguir   para   o   objectivo,   bem   como   a   possibilidade   de   andar   e   saltar   pelos   céus   de   uma   área   para   a   outra,   dificulta   ao   jogador   a   sua   orientação   espacial   e   a   percepção  de  como  esses  espaço  estão  organizados  –  e  consequentemente  a  construção  do  espaço   sintético.     3.2.2.  Passagem  e  ligação  entre  as  áreas   A   ligação   entre   áreas   que   o   jogador   explora   tem   de   ser   feita   de   tal   forma   a   que   permita   uma   leitura  coerente  do  espaço  como  um  todo,  apesar  de  na  verdade  o  jogador  nem  sempre  o  percorrer   de  forma  contínua.     O  mais  comum  é  ter  pontos  específicos  no  espaço  ou  num  mapa,  ou  portas  que,  quando  jogador   acede  a  eles,  saltam  para  a  nova  área,  com  um  efeito  de  transição.  Mesmo  que  o  jogo  efectue  um   corte  entre  os  espaços,  o  jogador  sabe  a  relação  espacial  entre  os  dois  espaços,  porque  pode  ver  a   localização  num  mapa,  ou  porque  constitui  uma  passagem  de  um  espaço  exterior  para  um  interior.   A   passagem   de   uma   área   para   outra   é   feita   de   forma   semelhante   em   quase   todos   os   casos,   apenas  com  algumas  variações.     Em  alguns  jogos  existem  mapas  onde  o  jogador  pode  clicar  no  local  de  destino,  surge  uma  cena   de   transição   (um   fade   e/ou   um   loading   screen)   e   é   depois   transportado   para   lá.   Outros   não   permitem   usar   os   mapas   para   deslocação   (ou   não   têm   mapas)   obrigando   o   jogador   a   caminhar   efectivamente  para  lá  ou  para  locais  de  acesso  (portas  ou  portões  de  saída  da  cidade,  entre  outras   possibilidades),   onde   o   jogo   realiza   depois   também   um   fade   ou   apresenta   algum   loading   screen.   Alguns  utilizam  apenas  um  efeito  de  transição  (geralmente  um  corte  ou  um  fade),  outros  introduzem   uma  cena  cinematográfica  que  estabeleça  a  ligação  entre  os  dois  espaços.    

 

 

 

Para   ilustrar,   em   Dragon   Age:   Origins   (2009)   e   Bioshock   Infinite   (2013)   o   jogador   poderá   aceder   a   134      

4  |  ARQUITECTURA  E  ESPAÇO  FICCIONAL  EM  VIDEOJOGOS     uma  nova  área  directamente  através  da  porta  de  entrada  –  em  que  o  jogo  faz  então  um  corte  para   um  loading  screen  e  depois  o  jogador  e  personagens  são  directamente  “transferidos”  para  esse  novo   local.     Adicionalmente,   em   Dragon   Age:   Origins   (2009),   outra   forma   também   por   vezes   possível   de   ocorrer  neste  jogo  é  seleccionando  no  próprio  mapa  o  local  para  o  qual  o  jogador  pretende  “viajar”   sendo  depois  transportado  directamente  para  lá.  Esta  situação,  no  entanto,  nem  sempre  é  possível.   Em   Assassin’s   Creed   II   (2013),   como   já   se   mencionou,   efectua-­‐se   quase   sempre   um   corte   para   uma  pequena  cena  cinematográfica,  e  de  seguida  ocorre  um  corte  para  o  novo  espaço  ou  a  câmara   realiza  uma  montagem  interna  dessa  cena  cinematográfica  para  o  “modo  jogador”  (Figura  122).  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Figura  122  -­‐  Screenshots  de  Assassin's  Creed  II  (2009)  dum  segmento    duma  cena  cinematográfica  seguido   dum  transição  para  um  novo  locaç,  a  câmara  fluindo  depois  para  o  “modo  jogador”.  

  Existem,   no   entanto,   vários   outros   aspectos   a   olhar   sobre   a   forma   como   as   diferentes   áreas   a   explorar  pelo  jogador  e  que  compõem  o  mundo  do  videojogo  se  interligam  e  relacionam.   Wolf   (2011)   denomina   as   áreas   como   “células   espaciais”   e   analisa   estas   ligações   segundo   os   aspectos  de  transponibilidade  e  visibilidade42,  que  por  sua  vez  podem  ser  analisados  segundo  a  sua   natureza   aberta   ou   fechada,   bem   como   a   sua   reversibilidade   ou   contingência43.   Estes   aspectos                                                                                                                           42

 Passibility  e  Visibilty  no  original    Reversibility  e  contingency  no  original  

43

  135    

ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

  afectam  a  capacidade  do  jogador  de  aprender  o  layout  espacial  do  jogo  e  de  conseguir  navegá-­‐lo.   Transponibilidade   diz   respeito   a   se   uma   ligação   entre   células   espaciais   adjacentes   permite   ao   personagem-­‐jogador  passar  de  uma  para  outra,  ou  não.     Muitos   destes   mundos,   nomeadamente   os   escolhidos   como   casos   de   estudo,   são   mundos   de   grande   escala   e   dimensão.   Mas   por   questões   técnicas,   e   também   porque   se   tornaria   demasiado   extensivo  poder  aceder  a  todos  os  edifícios,  nem  todos  eles  possuem  um  espaço  interior  navegável  –   apenas   possuem   a   fachada,   criando   espaços   implícitos.   Estas   são   células   espaciais   que   não   são   transponíveis,  ou  seja,  a  que  o  jogador  não  pode  aceder.   Geralmente,  o  jogador  acede  a  um  local  porque  lhe  é  dada  indicação  para  tal,  e  por  conseguinte,   não   se   apercebe   do   facto   de   não   poder   entrar   em   todos   os   sítios,   pelo   simples   facto   de   que   no   contexto   da   narrativa   não   necessita.   Por   vezes,   alguns   videojogos   procuram   visualmente   justificar   este   aspecto   –   Bioshock   Infinite   (2013)   é   um   destes   casos,   caracterizando   geralmente   estes   espaço   como  sendo  lojas  fechadas  ou  abandonadas  através  de  elementos  como  sinais  (Figura  123).  

 

 

Figura  123  -­‐  Screenshots  de  Bioshock  Infinite  (2013)  de  algumas  lojas  que  apresentam  placas  informando   que  estão  fechadas  como  justificação  visual  para  a  impossibilidade  de  o  jogador  aceder  ao  seu  interior.  

  Visibilidade,  como  o  nome  indica,  diz  respeito  a  se  a  ligação  entre  as  células  permite  ver  –  quer   seja  total  ou  parcialmente  –  de  uma  para  a  outra,  ou  não.   Nos  ambientes  encontrados  nestas  narrativas  interactivas,  existem  sempre  espaços  que  o  jogador   consegue   avistar,   mas   que   não   são   acessíveis.   Estas   ambiências   distantes,   que   funcionam   como   ambientes   de   fundo   (Figura   124),   contribuem   para   a   extensão   do   mundo   do   jogo,   dando-­‐lhe   continuidade,   profundidade   e,   também,   maior   realismo.   Por   outro   lado,   muitas   das   áreas   a   que   o   jogador  pode  aceder,  quando  são  espaços  interiores,  nem  sempre  lhe  são  visíveis.  

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4  |  ARQUITECTURA  E  ESPAÇO  FICCIONAL  EM  VIDEOJOGOS    

 

 

 

Figura  124  -­‐  Screenshots  de  Dragon  Age:  Origins  (2009),  Bioshock  Infinite  (2013)  e  Assassin's  Creed  II  (2009),   assinalados  os  ambientes  distantes  que  são  apenas  visíveis  mas  não  acessíveis.  

  Estes   aspectos   de   transponibilidade   e   visibilidade   podem   ser   de   natureza   aberta   ou   fechada   (Wolf,   2011),   ou   seja   se   esses   aspectos   são   possíveis   ou   não.   No   entanto,   esta   condição   pode   por   vezes  ser  alterada  pelo  jogador,  pela  sua  acção  ou  quando  a  narrativa  assim  o  indica  –  o  simples  abrir   de   uma   porta   é   uma   destas   possíveis   alterações   de   condição   das   passagens   ou   por   vezes,   de   modo   a   acrescentar   mais   conteúdo,   torna-­‐se   necessário   o   uso   de   uma   chave   ou   palavra-­‐passe   que   o   jogador   terá  de  descobrir,  entre  outras  possibilidades  (Wolf,  2011).   O   facto   de,   então,   a   condição   das   passagem   não   ser   fixa   (de   muitas   vezes   ser   possível   alterar)   permite   “esconder   a   natureza   impassável   da   ligação”,   pois   quando   o   jogador   se   depara   com   uma   porta  de  natureza  fechada,  ele  poderá  assumir  que  talvez  na  progressão  do  jogo  exista  uma  chave  ou   outro  elemento  que  permita  abri-­‐la  (Wolf,  2011).   A  Reversibilidade  refere-­‐se  a  se  a  ligação  entre  as  células  é  apenas  num  sentido  ou  dois,  ou  seja,   se  é  possível  ao  jogador  depois  de  transpor  uma  dessas  ligações  passar  de  volta,  ou  não.     Esta  reversibilidade  da  passagem  de  um  local  para  outro  muitas  vezes  não  é  previamente  indicada   ao  jogador,  sendo  apenas  após  a  passagem  que  este  descobre  se  poderá  voltar  atrás  ou  não  (Wolf,   2011).     Contingência,  por  sua  vez,  refere-­‐se  a  se  a  ligação  liga  sempre  ao  mesmo  sítio  ou  não.     Geralmente,   uma   passagem   dá   sempre   para   o   mesmo   local,   mas   em   certos   casos   o   destino   da   passagem  poderá  ser  variável  dependendo  de  determinadas  variáveis  no  jogo  (Wolf,  2011).   Dragon   Age:   Origins   (2009)   é   um   caso,   que   possui   uma   certa   área   –   Templar’s   Nightmare   na   missão  The  Fade:  Lost  in  Dreams  –  em  que  alguns  portais  nem  sempre  dão  acesso  de  volta  ao  mesmo   sítio  de  onde  o  jogador  veio  (Figura  125).  

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ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

 

  Figura  125  -­‐  Mapa  de  Templar's  Nightmare  em  Dragon  Age:Origins  (2009)  com  indicação  das  ligações  e   direcção  entre  os  diferentes  tipos  de  dispositivos  de  passagem.    

  O  espaço  off-­‐screen  num  videojogo  difere  do  cinema:  como  é  um  meio  interactivo,  o  espaço  off-­‐ screen  oferece  ao  jogador  algum  controlo  sobre  o  ponto  de  vista,  permitindo-­‐lhe  escolher  quais  os   espaços  que  aparecem  on-­‐screen  –  por  isso  o  espaço  off-­‐screen  pode  muitas  vezes  ser  activamente   investigado   e   explorado   pelo   jogador   (Wolf,   2001b).   No   cinema   o   espaço   para   além   do   enquadramento  não  pode  se  acedido  pelo  observador,  a  ficção  e  a  sua  narrativa  decidem  que  espaço   mostrar  em  cada  plano.   No   final,   pode-­‐se   então   verificar   que   estes   aspectos   de   análise   das   ligações   entre   “células   espaciais”   podem   claramente   ser   facilmente   provadas   no   caso   de   serem   transponíveis,   visíveis,   reversíveis  e/ou  contingentes.  No  entanto,  dado  a  sua  natureza  de  por  vezes  estes  aspectos  apenas   de   confirmarem   futuramente   na   progressão   do   jogo,   as   ligações   não   podem   ser   provadas   como   intransponíveis,  invisíveis,  irreversíveis  e/ou  não-­‐contingentes  (Wolf,  2011).     3.2.3.  Elementos   Existem  certos  elementos  constituintes  dos  espaços  dos  videojogos  que  diferem  da  construção  do   espaço  noutros  meios  como  o  cinema,  nomeadamente  os  limites,  os  obstáculos  e  a  escala.     3.2.3.1.  Limites     Uma   das   considerações   importantes   na   criação   de   um   ambiente   virtual   diz   respeito   aos   seus   limites.   Considerando   que   o   Espaço   é   uma   das   circunstâncias   que   determina   a   intervenção   do   jogador,  tanto  os  limites  como  os  obstáculos  são  constrangimentos  da  acção  do  jogador  (Nogueira,  

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4  |  ARQUITECTURA  E  ESPAÇO  FICCIONAL  EM  VIDEOJOGOS     2008).   Zangalo  utiliza  o  termo  metáforas  de  orla,  “baseado  em  algumas  discussões  on-­‐line  com  pessoas   da  indústria  dos  videojogos”,  onde  as  definem  como  “uma  razão  perceptivamente  lógica  pela  qual  o   jogador  não  pode  abandonar  determinado  espaço  do  mundo”  (Zangalo,  2009,  p.196).     É   o   facto   destes   limites   serem   criados   como   constrangimentos   aparentemente   naturais,   incorporados   na   própria   morfologia   do   espaço,   que   ajuda   na   imersividade   no   espaço   (e   é   também   por  isso  que  as  chamam  de  “metáforas”).   Em   espaços   interiores   (edifícios,   divisões)   esta   preocupação   naturalmente   não   se   coloca,   pois   a   delimitação   criada   pelas   próprias   paredes   criam   uma   delimitação   natural,   lógica   e   aceite   pelo   jogador.   Mas   em   espaço   exteriores,   as   suas   delimitações   poderão   pôr   em   causa   o   realismo   e   verosimilhança   desse   ambiente,   e   consequentemente,   a   imersão   do   espectador-­‐jogador   nesses   –   “quanto  melhor  for  a  metáfora,  mais  credível  será  o  cenário  (ambiente  virtual)  e,  como  consequência,   mais  credível  será  o  artefacto  ficcional  (narrativa)  ”  (Zangalo,  2009,  p.196).   Para  manter  a  imersividade  no  mundo  e  ambiente  do  jogo,  e  criar  a  ilusão  de  um  mundo  realista  e   amplo,   os   seus   limites   são   geralmente   criados   como   constrangimentos   aparentemente   naturais,   incorporados  na  própria  morfologia  do  espaço.   Estes  limites  são  criados  por  montanhas,  penhascos,  rios,  pântanos,  e  outros  elementos  naturais   dificilmente   transpostos   (no   caso   destes   ambientes,   tornam-­‐se   mesmo   intransponíveis).   Estes   elementos  são  limites  credíveis  de  o  jogador  não  conseguir  passar  (Adams,  2010).   Para   ilustrar,   em   Dragon   Age:   Origins   (2009)   são   usados   elementos   naturais   –   montanhas   e   penhascos   –   ou,   ocasionalmente,   muralhas   da   cidade   para   delimitar   e   constrangir   as   áreas   navegáveis  (Figura  126).  Os  limites  sólidos  –  montanhas  e  muralhas   –  como  constituem  uma  barreira   sólida,  são  limites  totalmente  credíveis.  Os  penhascos  no  entanto,  neste  jogo,  poderão  relembrar  o   jogador  de  que  se  encontra  num  mundo  virtual,  uma  vez  que  por  vezes  a  personagem  parece  ir  de   encontro  a  um  “barreira  invisível”.  Mas  é  pouco  comum  que  o  jogador  experiencie  isso  pois,  estando   imerso   no   mundo,   não   terá   motivos   para   se   aproximar   demasiado   desses   limites,   já   que   subconscientemente  antecipa  que  será  impossível  sobreviver  à  queda  ou  “andar  pelo  ar”  tal  como  o   é  no  mundo  real.     Geralmente,   os   limites   são   formados   por   muralhas   (que   cercam   toda   a   cidade),   edificado   ou   morfologia   do   terreno.   Também   são   criados   por   zonas   aquáticas,   como   rios.   Quando   o   jogador   tenta     139    

ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

  caminhar  sobre  elas  vai  contra  uma  “barreira  invisível”.  No  entanto,  geralmente  não  existem  motivos   para   tal,   bem   como   também   existem   outros   caminhos   marcados,   por   isso   esta   situação   poderá   muitas  vezes  não  acontecer,  ou  ser  encontrada  pelo  jogador.     Também   em   alguns   casos   de   espaços   exteriores   abertos   o   jogador   encontra   a   “barreira   invisível”.   No  entanto,  estes  geralmente  correspondem  a  pontos  que  activam  o  acto  de  viajar  para  outro  local   no  jogo.  

 

 

 

 

 

 

Figura  126  –  Screenshots  de  diferentes  tipos  de  limites  do  espaço  em  Dragon  Age:  Origins  (2009)    

Assassin’s   Creed   II   (2009)   usa   um   método   menos   subtil   para   indicar   a   chegada   dos   limites   da   área   navegável,   mas   que   se   torna   igualmente   credível   quando   se   tem   em   conta   que   esse   mundo   que   a   personagem  está  a  percorrer  é  também  um  mundo  virtual  –  criada  pela  tecnologia  animus  –  dentro   da   própria   ficção   do   jogo.   Neste   caso   o   jogo   assume   directamente   a   impossibilidade   de   continuar   para  lá  desses  limites,  não  através  de  uma  “barreira  invisível”,  mas  uma  mensagem  directa  a  avisar   do  risco  de  “dessincronização”  (Figura  127).  Visualmente,  também  é  assumido  que  os  espaços  para  lá   desse   limite   não   são   possíveis   de   percorrer   e   não   estão   modelados   pois   observa-­‐se   um   desaparecimento  gradual  dos  espaços  e  edifícios.  

 

 

Figura  127  -­‐  Screenshots  de  Assassin's  Creed  II  (2009)  mostrando  como  é  indicado  visualmente  ao  jogador  a   chegada  a  um  limite  do  espaço  ficcional  do  videojogo.   140      

4  |  ARQUITECTURA  E  ESPAÇO  FICCIONAL  EM  VIDEOJOGOS     Bioshock  Infinite  (2013)  define  as  suas  “metáfora  de  orla”  da  forma  mais  comum,  como  acontece   em   Dragon   Age:   Origins   (2009).   Neste   caso,   no   entanto,   solucionou-­‐se   a   questão   da   “barreira   invisível”.   Uma   vez   que   o   mundo   destes   jogos   corresponde   a   uma   cidade   aérea   –   e   composta   por   várias  áreas  segregadas  –  os  limites  das  áreas  navegáveis  são  logo  definidos  pelo  final  físico  dessas   áreas  (Figura  128).  Quando  o  jogador  tenta  continuar  –  tal  como  aconteceria  no  mundo  real  –  a  sua   personagem   cai   no   abismo   entre   as   nuvens   e   não   sobrevive   à   queda.   Tal   como   se   mencionou   em   relação   aos   limites   em   Dragon   Age:   Origins   (2009),   esta   situação   é   rara   de   acontecer   sem   ser   por   acidente,  pois  o  jogador  inerentemente  não  espera  que  a  personagem  sobreviva  duma  queda  dessas   logo,  à  partida,  tem  o  cuidado  automático  de  não  se  aproximar  demasiado  e  de  tentar  não  cair.  

 

 

 

Figura  128  -­‐  Screenshots  de  Bioshock  Infinite  (2013)  dos  limites  de  algumas  áreas  no  videojogo.  

  3.2.3.2.  Obstáculos   Como   foi   mencionado   anteriormente,   os   obstáculos   surgem   como   outro   tipo   de   constrangimento   da  acção  do  jogador  (Nogueira,  2008).   Por  vezes  confunde-­‐se  obstáculos  e  limites,  juntando-­‐os  na  mesma  categoria,  pois  elementos  que   delimitam  a  área  do  mundo  do  jogo  impedido  o  jogador  de  transpor,  no  fundo  constituem  também   obstáculos  à  sua  acção.   Mas   no   sentido   de   obstáculos   enquanto   elementos   que   influenciam   a   acção   do   jogador   em   relação  à  acção  dramática  e  progressão  do  gameplay,  estes  implicam  todas  a  variadas  forças  opostas   (oponentes),   ou   elementos   que   dificultem   a   acção   do   jogador   mas   em   casos   de   dispositivos   como   puzzles,   objectos   e   outros   que   imponham   um   constrangimento   ao   movimento   do   jogador   pelo   espaço  ou  à  sua  progressão  pela  narrativa  (enredo).     Na   progressão   da   narrativa   interactiva,   os   obstáculos   surgem   como   criadores   de   dificuldades   à   progressão   e   acção   do   jogador.   São   elementos   que   criam   interesse   no   jogador   e   o   motivam   a   evoluir   para  orientar,  progredir  no  jogo  e  chegar  à  sua  conclusão.  Os  obstáculos  também  podem  funcionar   como  sinais  de  orientação  no  espaço.   Podem-­‐se   considerar   obstáculos   à   progressão   do   jogador   elementos   dramáticos   como   sejam   personagens   oponentes   que   impeçam   ou   dificultem   essa   progressão.   Estes   obstáculos   dramáticos     141    

ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

  também   podem   assinalar   locais   de   progressão   num   jogo   e   que   requerem   tomada   de   acção   pelo   jogador.   Na  progressão  da  narrativa  interactiva  (e  interacção  do  jogador  nela),  os  obstáculos  surgem  como   criadores  de  dificuldades  na  acção  do  jogador  que  no  fundo  são  o  que  criam  o  interesse  pela  parte   do   jogador   e   que   o   motivam   a   desenvolver   o   jogo   para   chegar   à   sua   conclusão   (ponto   de   vista   teleológico),   consequentemente   possuindo   igualmente   implicações   emocionais   sobre   o   jogador   pelo   interesse  e  motivação  que  despertam  nele  (ponto  de  vista  dramático)  (Nogueira,  2008).   Os   obstáculos   poderão   então   ser   de   três   tipos.   Poderão   constituir   fronteiras   que   impedem   a   progressão   do   jogador,   obstáculos   físicos   que   dificultam   a   progressão,   ou   obstáculos   dramáticos   (oponentes)   que   também   dificultam   a   progressão   mas   requerendo   no   jogador   a   acção   para   a   sua   progressão  (Figuras  129,  130  e  131).  

 

 

Figura  129  -­‐  Screenshots  de  Dragon  Age:  Origins  (2009)  mostrando  obstáculos  dramáticos  e  obstáculos   físicos  à  progressão  do  jogador.  

 

 

 

Figura  130  -­‐  Screenshots  de  Bioshock  Infinite  (2013)  mostrando  obstáculos  dramáticos,  fronteiras,  e   obstáculo  físico  à  progressão  do  jogador.  

 

 

 

Figura  131  -­‐  Screenshots  de  Assassin's  Creed  II  (2009)  mostrando  dois  tipos  de  obstáculos  físicos  e   obstáculos  dramáticos  à  progressão  do  jogador.  

  Assassin’s   Creed   II  (2009),  bem  como  os  restantes  videojogos  da  série,  é  um  caso  específico  onde   142      

4  |  ARQUITECTURA  E  ESPAÇO  FICCIONAL  EM  VIDEOJOGOS     Arquitectura  e  a  configuração  espacial  criam  também  um  obstáculo.  O  obstáculo  aqui  é  o  espaço  não   permitir   acesso   ou   uma   passagem   directa   ao   objectivo.   Criam-­‐se   assim   momentos   onde   o   jogador   tem   de   percorrer   uma   espécie   de   “puzzle   espacial”,   subindo   e   saltando   entre   vários   elementos   do   edifício  para  chegar  ao  ponto  final  de  objectivo  (Figura  132).    

 

 

 

Figura  132  -­‐  Screenshots  de  Assassin's  Creed  II  (2009)  de  algumas  situações  em  que  a  configuração  do   espaço  obriga  o  jogador  a  progredir  por  formas  alternativas.  

 

3.3.  Caracterização  dos  Ambientes   “As   qualidades   atmosféricas   dos   cenários,   locais   e   ambientes   são   essenciais   no   estabelecimento   de   um   estado   de   espírito   e   na   projecção   de   um   sentimento   emocional   sobre   o   mundo   em   torno   do   filme”  (LoBrutto,  2002).   Um   espaço   cénico   também   tem   de   criar   uma   atmosfera   e   estado   de   espírito   de   acordo   com   a   ficção,  cena  e  acção  concreta  que  nele  vai  decorrer  em  cada  momento.   Os  dispositivos  mais  marcantes  para  a  criação  destas  ambiências  correspondem  principalmente  a   toda  uma  dimensão  simbólica.     É  fundamental  equacionar  metáforas  visuais  e  símbolos  da  cor,  dos  modelos  da  arquitectura,  de   poder,  monumentalidade,  religião,  do  fantástico  ou  místico,  dos  modos  de  vida,  de  época  e  cultura   histórica,  de  romance,  da  tecnologia,  da  cultura,  da  sociedade,  dos  estilos  e  poéticas  arquitectónicas,   da  finalidade  da  arquitectura,  seja  esta  civil,  militar,  religiosa,  política  e  do  estatuto  dos  proprietários   desses  espaços  ou  edifícios.   Todas   as   referidas   metáforas   visuais   têm   de   ser   ponderadas   no   desenho   e   referencias   na   arquitectura,   desde   o   nível   da   estrutura   do   espaço   até   ao   nível   da   escala   entre   o   Homem   e   o   espaço   que  este  habita  ou  percorre,  entendido  como  a  sua  envolvente  imediata.   Preocupações  idênticas  e  concordantes  deverão  estar  reflectidas  nos  objectos  e  adereços  de  um   jogo,  sejam  estes  caracterização  dos  personagens,  mobiliário,  artefactos,  veículos,  armas.   Explorando  exemplos  de  alguns  destes  elementos:       143    

ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

  Escala:   Num  videojogo,  a  escala  dos  diversos  objectos  e  elementos  no  espaço  deve  estar  relativamente   correcta  e  credível  –  em  especial  nos  jogos  em  primeira-­‐pessoa  pois,  uma  vez  que  a  perspectiva  do   jogador   é   igual   à   de   uma   pessoa   num   espaço   real,   qualquer   manipulação   da   escala   será   mais   notória   (Adams,  2010).   Sendo   narrativas   visuais   para   entretenimento,   muitas   vezes   os   espaços   ficcionais   representados   são  exagerados  com  escalas  grandiosas  de  modo  a  aumentar  o  impacto  emocional  do  jogador.   O  importante  é  que  no  seu  todo,  o  espaço  seja  coerente  e  que  qualquer  exagero  de  escala  não   seja  totalmente  improvável.   A   problemática   da   escala,   nos   objectos,   não   diz   respeito   apenas   à   questão   do   realismo,   mas   também  se  relaciona  com  a  affordance  —  no  mundo  real  a  forma  e  tamanho  dos  objectos  é  vista  em   relação  ao  tamanho  das  mãos,  considerando  e  percepcionando  segundo  a  sua  affordance  em  termos   da  sua  manipulação.   Mesmo   sendo   personagens   virtuais,   o   jogador   estabelece   uma   relação   idêntica   de   escala   e   tamanho   consigo   próprio.   Mesmo   em   jogos   na   primeira-­‐pessoa,   onde   não   se   vê   o   corpo   do   protagonista,  os  objectos  com  que  esse  personagem  pode  interagir  e  utilizar  devem  ter  uma  escala   adequada   para   ele   subconscientemente   identificar   essa   qualidade   de   affordance   neles,   tal   como   o   faz  no  mundo  real.   No  entanto,  certas  distorções  são  por  vezes  feitas  –  alguns  objectos  mais  relevantes  (como  chaves   ou   armas,   entre   outros   casos)   podem   ser   exagerados   ligeiramente   para   serem   mais   visíveis   (Figura   133).  

 

 

 

Figura  133  -­‐  Screenshots  de  Bioshock  Infinite  (2013)  mostrando  como  as  moedas  são  exageradas  em   tamanho  de  modo  a  serem  mais  visíveis  pelo  jogador.  

  A  manipulação  da  escala  poderá  igualmente  contribuir  para  o  impacto  dramático  do  espaço  sobre   o   espectador-­‐jogador.   Apesar   de   procurarem   sempre   manter   uma   proporção   adequada   da   escala   de   certos   elementos,   no   todo,   há   uma   tendência   para   criar   espaços   e   edifícios   de   escala   monumental  

144      

4  |  ARQUITECTURA  E  ESPAÇO  FICCIONAL  EM  VIDEOJOGOS     para  ter  um  maior  impacto  visual,  mais  interessante,  e  que  fascine  mais  o  jogador.     Para   ilustrar,   Dragon   Age:   Origins   (2009)   é   um   caso   carregado   de   locais   onde   a   construção   é   muito  grandiosa  e  monumental  em  comparação  às  personagens  (Figura  134).    

 

 

 

Figura  134  -­‐  Screenshots  de  Dragon  Age:  Origins  (2009)  de  alguns  locais  cujo  interior  possui  uma  escala   monumental.  

  Também   em   Bioshock   Infinite  (2013),  de  modo  geral,  parece  tudo  proporcional   às   personagens,   mas   a   grande   maioria   (senão   toda)   a   arquitectura   é   relativamente   grandiosa   –   possui   vários   pisos,   tornando-­‐se   todos   grandes   edifícios   que   contrastam   em   tamanho   com   a   personagem,   e   muito   locais   e  passagem  possuem  pés-­‐direitos  duplos  ou  triplos  (Figura  135).  

 

 

 

Figura  135  -­‐  Screenshots  de  Bioshock  Infinite  (2013)  de  alguns  locais  cujo  interior  possui  uma  escala   monumental.  

  Cor:   Em   Dragon   Age:   Origins   (2009)   utilizam-­‐se   simbologias   da   cor   na   criação   de   ambiências   diferentes:   os   templos   abandonados   ou   em   ruinas   têm   tons   verdes   ou   azuis.   O   verde   está   relacionado   com   a   Natureza   mas   também   com   o   que   é   estranho,   complexo   e/ou   com   um   poder   maléfico,  pois  na  idade  média  era  considerada  a  cor  do  diabo  (Pastoureau,  2009).   O   templo   abandonado   de   Haven   (Figura   136.a)   faz   parte   dum   local   envolto   em   mistério,   escondido  e  secreto,  com  um  carácter  predominante  religioso  e  de  culto.  A  cor  usada  é  o  azul  que,   para   além   de   conferir   tranquilidade,   está   relacionado   com   o   divino   e   o   metafísico   (céu),   como   com   o   mistério  e  o  sonho  (mar).   As  ruinas  de  Brecilian  (Figura  136.b)  situam-­‐se  no  meio  de  uma  floresta  e  são  também  um  local  

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ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

  onde   se   abrigam   lobisomens,   obviamente   conotados   com   o   mal   e   com   uma   mutação   do   Homem   em   direcção  ao  animal  e  portanto  tendo  uma  forte  ligação  telúrica.  É  utilizado  um  tom  esverdeado,  bege   e   castanho.   O   verde   e   o   castanho   têm   uma   conotação   telúrica   remetendo   para   o   terrestre   (terra,   rocha,  vegetação)  pelo  que  esta  iluminação  fora  destes  contextos  (da  natureza)  remetem  para  uma   sensação  de  desconforto,  desconfiança,  medo,  maldade,  ameaça  vinda  do  desconhecido  e  metafísico   de  certa  forma  oposto  à  metafísica  celeste.  

 

 

Figura  136  -­‐  Screenshots  do  interior  do  templo  de  Haven  e  do  interior  das  ruínas  de  Brecilina  em  Dragon   Age:  Origins  (2009)  

  Em  Bioshock  Infinite  (2013),  na  cena  inicial,  quando  entramos  na  cidade  de  Columbia,  as  cores  são   vibrantes,  iluminação  é  high-­‐key  e  difusa,  conferindo  uma  ambiência  cosmopolita  de  grande  riqueza   visual   e   arquitectónica,   e   de   grande   variedade   formal,   o   que   dá   ao   jogador   uma   noção   de   habitantes   felizes  e  de  vida  confortável  e  organizada  (Figura  137).       Quando   são   explorados   locais   deste   universo,   progredindo   ao   longo   da   história,   estes   vão-­‐se   tornando   mais   obscuros   e   tensos,   traduzindo   na   consciência   do   jogador   o   facto   de   que   este   universo   pode   não   ser   afinal   um   paraíso,   sendo   um   local   de   xenofobia   militante.   Utiliza-­‐se   uma   iluminação   low-­‐key   com   sombras   acentuadas   e   opacas   e   luz   muito   contrastada,   tingidos   de   roxo,   verde   ou   vermelho  (Figura  138).  Neste  último  caso  acentuando  o  conflito.  

 

 

 

Figura  137  -­‐  Screenshots  da  entrada  em  Columbia  em  Bioshock  Infinite  (2013),  onde  se  pode  verificar  uma   ambiência  agradável  com  a  iluminação  high-­‐key  e  cores  vibrantes.  

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4  |  ARQUITECTURA  E  ESPAÇO  FICCIONAL  EM  VIDEOJOGOS    

 

 

 

Figura  138  -­‐  Screenshots  de  algumas  ambiências  em  Bioshock  Infinite  (2013),  marcadas  por  uma  iluminação   low-­‐key  e/ou  cores  frias  ou  vermelhas  criando  ambiências  obscuras  e/ou  de  conflito.  

  Bioshock   Infinite   (2013)   utiliza   também   vários   elementos   que   remetem   para   a   mentalidade   americana  do  início  século  XX  e  o  patriotismo  americano  extremo.   Para   além   da   propaganda   encontrada   por   todos   os   espaços,   alguns   exemplos   de   simbolismo   encontram-­‐se  nas  estátuas  e  personagens  que  remetem  para  o  patriotismo  americano  recorrendo  à   imagem  dos  “Founding  Fathers”  e  da  bandeira  americana  (Figura  139.a  e  139.b)   Outro  caso  são  os  membros  da  “Fraternal  Order  of  the  Raven”  que  assemelham-­‐se  muito  ao  Ku   Klux   Klan   fisicamente   e   devido   a   também   defenderem   violentamente   a   ideia   de   “pureza   racial”   (Figura  140.c).  

 

 

 

Figura  139  -­‐  Screenshots  de  Bioshock  Infinite  (2013)  mostrando  alguns  elementos  e  personagens  que   possuem  um  forte  simbolismo  com  elementos  da  cultura  americana.    

  “Uma   metáfora   visual   pode   actuar   ao   nível   subconsciente,   enquanto   o   espectador   conscientemente   segue   o   enredo,   desenvolvimento   de   personagem   e   a   materialidade   do   design.   Essas   (...)   subconsciente[mente]   (...)   podem   transmitir   ideias,   conceitos   e   significado   na   narrativa”   (LoBrutto,  2002,  p.  46).   Para   todas   estas   metáforas   visuais   e   simbolismos   nas   ambiências   concorrem   não   só   o   cenário   físico,  mas  também  as  expressões  faciais  e  o  movimento  dos  personagens,  o  seu  diálogo,  a  expressão   e   tom   vocal,   o   uso   do   som   e   da   música,   a   iluminação,   o   ponto   de   vista   ou   perspectiva,   ângulos,   distâncias,  os  acessórios  e  os  figurinos.   Para  ilustrar,  olhando  para  diferentes  locais  (zonas  ou  cidades)  em  Dragon  Age  Origins  (2009)  e   em   Bioshock   Infinite   (2013)   (Figura   140),   cada   um   tem   cores,   contraste,   iluminação,   por   vezes   até     147    

ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

  arquitectura,  distintos  marcando  a  diferença  entre  cada  um  desses  lugares  –  cada  um  destes  locais   ganham  assim  uma  caracterização  muito  diferente  que  os  distingue.    

 

 

Figura  140  -­‐  Screenshots  de  algumas  de  ambiências  em  Bioshock  Infinite  (2013)  onde,  através  da   iluminação,  cor,  texturas,  arquitectura  e  escala,  o  espaço  ganha  efeitos  dramáticos  e  emocionais  muitos   distintos.  

  Dragon  Age:  Origins  (2009)   ilustra  bem  como  a  criação  de  ambiências  é  conseguida  através  das   características   da   Arquitectura,   do   usa   de   uma   escala   monumental   mas   também   através   do   uso   (e   simbolismos)   da   cor   e   da   iluminação.   O   caso   dos   templos,   ilustrados   anteriormente,   para   além   de   usarem  geralmente  cores  frias  (azul  e  verde)  –  que  dão  uma  sensação  calma  que  reforça  a  ideia  de   estarem   abandonado,   pois   também   os   outros   locais   habitados   deste   mundo   ficcional   geralmente   apresentam   cores   mais   quentes   –   também   têm   uma   iluminação   mais   difusa,   muitas   vezes   com   perspectiva  atmosférica,  pés  direitos  muito  altos.  Tudo  isto  contribui  para  uma  sensação  mais  mística   e  imponente  do  espaço  (Figura  141).  

 

 

Figura  141  -­‐  Screenshots  de  Dragon  Age:  Origins  (2009)  onde  aspectos  como  a  escala,  Iluminação  e   perspectiva  atmosférica  reforçam  a  sensação  mística  e  imponente  destes  espaços.  

  O  contexto  cultural  de  uma  ficção  é  igualmente  um  aspecto  de  grande  peso  para  a  caracterização   de  ambiências  e  o  revelar  de  uma  dimensão  vivencial  dos  personagens  e  espaço.   O  contexto  cultural  de  um  jogo  tem  a  ver  com  a  sua  cultura  no  sentido  antropológico:  crenças,  

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4  |  ARQUITECTURA  E  ESPAÇO  FICCIONAL  EM  VIDEOJOGOS     atitudes   e   valores   das   pessoas   que   o   habitam,   instituições   políticas   e   religiosas,   organização   social,   ou   seja,   a   maneira   como   essas   pessoas   vivem.   Estas   características   estão   reflectidas   nos   items   dos   jogos   (Figura   142):   roupa,   mobiliário,   arquitectura,   paisagem   e   outros   objectos   manufacturados   (Adams,  2010).   O   contexto   cultural   também   inclui   a   backstory   do   jogo.   Esta   é   a   história   imaginária,   grande   escala   ou  pequena,  que  precede  o  tempo  em  que  o  jogo  ocorre  estabelecendo  porque  é  que  a  cultura  do   mundo  do  jogo  é  como  é.  

 

 

Figura  142  -­‐  Screenshots  de  Assassin’s  Creed  II  (2009)  onde  a  Arquitectura,  vestuário  das  personagens,   objectos,  entre  outros,  tudo  remete  para  o  período  renascentista  sendo  esse  o  contexto  cultural  do  videojogo.  

 

3.4.  Construção  de  Ambiências  Visuais  e  Ficcionais     “Arquitectura  fornece  ao  episódio  cinemático  a  sua  ambiência,  e  os  significados  dos  eventos  são   projectados  [nela].  A  narrativa  cinemática  define  os  limites  da  realidade  vivida”  (Pallasmaa,  2001,  p.   35).   Deve-­‐se   compreender   o   ambiente   em   que   a   ficção   tem   lugar.   Os   locais   devem   revelar   informações  sobre  o  estatuto  do  ponto  de  vista  económico,  social,  moral  e  político  das  personagens.     Os  espaços  criados  devem  responder  a  interrogações  como:  Onde  é  que  eles  vivem?  Qual  é  o  seu   estilo   pessoal?   Como   eles   se   relacionam   a   seu   ambiente?   Qual   é   o   impacto   espaço   físico   nas   suas   vidas?  Como  pode  a  vida  interior  da  história  ser  colocado  em  um  ambiente  físico?  (LoBrutto,  2002).   Os   processos   de   construção   de   um   Espaço   Ficcional   é   em   muito   semelhante   ao   processo   arquitectónico   tradicional,   por   isso   a   arquitectura   surge   como   uma   das   principais   fontes   de   inspiração.      

  149    

ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

  3.4.1.  Desenhar  do  Espaço  Físico   O  desenho  de  um  espaço  físico  de  um  jogo  implica  o  seu  estudo  através  de  desenhos  conceptuais   (Figura  143),  de  múltiplos  elementos  visuais  do  jogo,  com  maior  cuidado  nos  mais  importantes.     Estes  elementos  são  edifícios,  veículos,  roupa,  armas,  mobiliário,  decoração,  artefactos  religiosos   ou  mágicos,  logos  ou  emblemas  (Figura  144  e  145)  (Adams,  2010).   Também  tem  de  ser  desenhado  o  mundo  natural  e  com  ele  a  natureza  e  fauna:  pássaros,  plantas,   terrenos,   céu,   clima,   entre   muitos   outros   aspectos   neste   mundo   natural,   tentando   sempre   traçar   um   mundo  rico  e  único  (Adams,  2010).   O   desenho   do   espaço   implica   também   pensar   na   luz   que   o   ilumina,   nos   materiais   e   texturas   de   que   é   constituído,   e   nos   elementos   das   artes   decorativas,   relacionados   e   embutidos   na   arquitectura,   no  propósito  das  divisórias  espaciais  (interiores  e  exteriores).     Devem  ainda  ser  considerados  os  sons  desse  mundo,  como  sejam  a  música,  sons  ambiente,  dos   artefactos,   a   língua,   dos   animais,   de   máquinas   e   veículos,   ou   seja   do   mundo   no   seu   todo   (Adams,   2010).  

 

 

Figura  143  -­‐  Concept  art  e  modelo  no  jogo  da  cidade  de  Denerim  em  Dragon  Age:  Origins  (2009).  

 

 

 

Figura  144  -­‐  Heráldica  de  Denerim  e  algumas  situações  nessa  cidade  onde  o  mesmo  símbolo  aparece,  em   Dragon  Age:  Origins  (2009).  

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4  |  ARQUITECTURA  E  ESPAÇO  FICCIONAL  EM  VIDEOJOGOS    

 

 

 

Figura  145  -­‐  Diversos  exemplos  de  Concept  Art  de  Assassin’s  Creed  II  (2009)  e  respectivos  modelos  no  jogo.  

  No   entanto,   o   desenho   do   espaço   físico   é   também   determinado   por   limitações   e   constrangimentos  técnicos  –  tempo  de  desenvolvimento  e  memória  e  espaço  do  disco  –  e  temporais.   No   mundo   real   o   indivíduo   pode   pegar   em   qualquer   objecto   portanto   num   jogo,   para   ser   realista,   dever-­‐se-­‐ia   poder   também,   mas   tal   não   é   prático   de   se   programar   num   ambiente   virtual   (Adams,   2010).   A  consequência  disto  é  que  quando  existe  no  jogo  um  objecto  em  que  o  jogador  pode  pegar,  este   sabe  que  esse  objecto  deve  ser  importante  ou  útil  por  algum  motivo.     3.4.2.  Fontes  de  Inspiração  e  Referências   Em   termos   de   fontes   de   inspiração   e   referências,   muitas   áreas   podem   constituir   fontes   de   material   cultural,   como   arte   e   arquitectura,   história   e   antropologia,   literatura   e   religião,   moda,   design  de  produto  e  movimentos  arquitectónicos  e  culturais  especialmente  (Adams,  2010).   Por  vezes  são  usadas  fontes  de  inspiração  e  referências  do  cinema,  uma  vez  que  nessas  narrativas   já  existe  um  trabalho  feito  de  visual  design,  e  atmosferas  já  criadas  e  reconhecíveis  pelo  público.  No   entanto,   usar   apenas   estas   fontes   poderá   trazer   problemas,   tornando-­‐as   em   clichés   e   pouco   imaginativas.   A   Arquitectura   surge   como   uma   das   principais   fontes   de   inspiração   nos   jogos,   para   os   seus   mundos,   pois   os   estilos   arquitectónicos   são   a   materialização   do   modo   de   vida   dos   habitantes,   da   sua   sociedade,  da  sua  organização,  da  sua  cultura,  dos  seus  hábitos,  da  sua  religião,  da  sua  organização   política,  e  tudo  o  que  caracteriza  a  sociedade  humana.   A  arquitectura  de  um  universo  ficcional  vai  portanto  falar  ao  jogador  para  o  período  histórico  e   cultura   que   ele   habita   (ou   habitou)   das   suas   crenças,   vida   ou   mentalidade.   A   esta   tem   de   ser     151    

ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

  adicionados,  todos  os  artefactos  criados  pelo  Homem  de  uma  época  ou  sociedade  que,  tendo  a  sua   componente  utilitária,  simbólica  e  artística,  também  caracterizam  um  lugar,  os  seus  habitantes,  e  o   seu  modo  de  vida.   Para  ilustrar,  em  Assassin’s  Creed  II  (2009),  sendo  uma  narrativa  histórica,  é  bem  notória  a  forte   inspiração   no   período   renascentista   (Figura   147),   desde   a   Arquitectura   toda   consistente   com   esse   movimento  arquitectónico,  ao  vestuário,  profissões  e  estabelecimentos.   Bioshock  Infinite  (2013),  por  seu  lado,  inspirou-­‐se  principalmente  no  contexto  das  tendências  dos   EUA  no  início  do  século  XX,  apesar  de  misturar  igualmente  referências  de  outros  períodos  históricos   em   diversos   elementos.   É   assim   uma   arquitectura   ecléctica,   que   privilegia   a   monumentalidade   e   espectáculo,  carregado  de  detalhes.   As   diversas   fontes   de   inspiração   encontram-­‐se   pela   sua   arquitectura,   mas   também   nos   veículos   (Zepelins),   nos   vestuário   e   maneirismos   dos   personagens,   propaganda   e   outros   elementos   visuais   do   espaço  cénico  (Figuras  148  e  149).  

 

 

Figura  147  -­‐  Catedral  de  Santa  Maria  del  Fiori  e  respectivo  modelo  virtual  em  Assassin’s  Creed  II  (2009)  

 

 

Figura  148  -­‐  Exposição  Universal  (Feira  Mundial  de  Chicago)  de  1893  e  screenshot  da  entrada  de  Columbia   em  Bioshock  Infinite  (2013).  

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4  |  ARQUITECTURA  E  ESPAÇO  FICCIONAL  EM  VIDEOJOGOS    

   

 

Figura  149  -­‐  Propaganda  americana  durante  a  2ª  guerra  mundial  e  propaganda  em  Bioshock  Infinite  (2013).  

  No  entanto,  por  vezes  são  usadas  características  formais  de  elementos  arquitectónicos  de  forma   decorativa,   para   adicionar   riqueza   visual,   mas   sem   corresponder   as   propriedades   técnicas   e   estruturais   desses   elementos.   Num   jogo   por   vezes   utilizam-­‐se   elementos   arquitectónicos   ou   artefactos   que   não   podem   ser   entendidos   à   luz   da   sociedade   retratada   mas   antes   na   lógica   do   enredo   do   jogo   e   na   sua   narrativa,   o   que   distancia   por   vezes   muito   dos   objectos   espectáveis   do   universo  desse  jogo  por  terem  sobretudo  um  papel  dramático  e  não  de  pertença  a  esse  universo.   Em   Dragon   Age:   Origins   (2009)   encontram-­‐se   vários   casos   que   ilustram   isto.   Entre   outros,   encontram-­‐se   os   casos   de   arcos   que   formalmente   remetem   para   o   movimento   gótico   mas   que   apenas   formam   janelas   fechadas,   arcos   separados   ou   incompletos   que   aparecem   sem   qualquer   aparente  função  de  suporte  (Figura  150).    

 

 

Figura  150  -­‐  Screenshots  de  Dragon  Age:  Origins  (2009)  de  alguns  casos  em  que  elementos  arquitectónicos   são  utilizados  apenas  de  forma  decorativa  e  com  um  papel  dramático.  

  Por  último,  há  que  voltar  a  referir  a  ideia  de   variatio  delectat,  ou  seja,  é  a  variedade  que  ‘deleita’,   argumentado   por   Gombrich   (2002).   Isto   é   muito   importante   nos   jogos   porque   para   além   de   procurarem  alcançar  um  “realismo”  (em  termos  de  autenticidade),  eles  têm  igualmente  que  fascinar.    “Quando   os   pintores   estão   a   trabalhar   com   objectos   reais,   o   seu   objectivo   nunca   é   evocar   o   objecto   em   si,   mas   criar   na   tela   um   espectáculo   que   é   suficiente   para   si   próprio”   (Merleau-­‐Ponty,     153    

ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

  2004,  p.  96).    

3.5.  Autenticidade,  Coerência  e  Credibilidade    “Os   jogos   não   precisam   de   um   elevado   grau   de   realismo,   precisam   é   de   ter   um   lógica   interna   coerente  e  consistente”  (Konzack,  2006).  A  intenção  é  ter  autenticidade.   Lars   Konzack   identifica   três   níveis   interligados   que   constituem   um   mundo   ficcional   e   que   pretendem  proporcionar  uma  experiência  completa  e  total  (Konzack,  2006):   –   Nível   filosófico:   O   autor   deve   criar   mitologias,   religiões   e   filosofias   do   mundo,   sabendo   que   diferentes  culturas  terão  diferentes  perspectivas  sobre  este  mundo  e  poderão  ser  influenciadas  por   diferentes  fontes  de  sabedoria.   –   Nível   épico:   O   autor   deve   construir   um   mundo   secundário   com   uma   geografia   e   objectos   baseados  nos  aspectos  do  nível  filosófico,  o  que  moldará  esse  mundo  historicamente.   –   Nível   ingénuo:   Dentro   da   sua   subcriação,   o   autor   cria   simples   narrativas,   que   no   entanto   se   devem   relacionar   com   narrativas   de   proporções   épicas   e,   nesse   sentido,   devem   relacionar-­‐se   com   as   culturas,  mitologias,  religiões  e  filosofias  desse  mundo  secundário.   O  desenho  de  espaços  ficcionais  em  videojogos  raramente  se  preocupa  com  alcançar  uma  cópia   exacta   de   um   dado   local,   mas   antes   de   alcançar   a   sua   substituição   da   realidades   que   conhecemos   para  uma  outra  “realidade”  que  sintamos  como  autentica,  coerente,  credível,  original  e  única.   A  procura  por  construir  espaços  ficcionais  “realistas”  não  é  uma  questão  de  copiar  exactamente   um  dado  local  –  “o  problema  é  substituir  a  realidade  por  outra  verdade;  a  verdade  da  arte  que  é  mais   persuasiva  e  não  entra  em  conflito  com  o  estilo  geral  do  filme”  (Barsacq,  1976,  p.  125).   Não  se  trata  portanto  de  uma  simples  síntese  de  elementos  estereotipados,  mas  a  sua  aplicação   no  contexto  de  outra  realidade  que  é  a  do  argumento,  dos  ambientes  pretendidos,  e  dos  requisitos   de   realização,   numa   composição   que   seja   no   entanto   uma   expressão   artística   por   si   própria,   fruto   de   um  impulso  interno  poético  e  humano  (Barsacq,  1976),  e  que  pareça  independente  e  autónoma  em   relação  aos  requisitos  citados.   Vários   aspectos   trabalham   em   conjunto   para   criar   um   mundo   ficcional   com   autenticidade   e   coerência,   tais   como   o   contexto   cultural,   o   desenho   do   espaço   físico,   bem   como   as   fontes   de   inspiração  e  referências  culturais,  que  já  se  abordaram  anteriormente.   Quando  um  videojogo  é  situado  num  determinado  contexto  histórico  e  cultural,  ou  pelo  menos   154      

4  |  ARQUITECTURA  E  ESPAÇO  FICCIONAL  EM  VIDEOJOGOS     utiliza   elementos   visuais   característicos   desses,   delimita   imediatamente   o   conjunto   de   elementos   que  criam  o  seu  design  de  produção  e  concept  art.     No   contexto   de   coerência   e   autenticidade,   isto   significa   que,   para   ilustrar,   escolhendo   uma   arquitectura  medieval  fará  pouco  sentido  a  inclusão  de  objectos,  artefactos,  vestuários,  entre  outros,   de   um   visual   claramente   futurista   –   a   coerência   é   o   aspecto   mais   importante   para   criar   credibilidade   numa  ficção.  Quando  ela  é  credível,  o  espectador  acredita  nela  como  realista.   Existem  dois  caminhos  para  criar  autenticidade:   –  Através  de  elementos  de  inspirações  de  diferentes  épocas  e  culturas,  criando  autenticidade  pela   complexidade   e   riqueza   dos   elementos   visuais   utilizados   procurando   conjugá-­‐los   de   forma   a   criar   uma  nova  identidade  diversa  de  qualquer  das  que  o  jogador  conhece.  Este  caso  pretende  criar  um   novo  universo  ficcional  através  da  conjugação  de  várias  influências.   –   Através   da   escolha   de   uma   única   época   histórica   e   cultural   como   referência,   recolher   e   multiplicar  elementos  dessa  referência,  sendo-­‐lhe  o  mais  fiel  possível  em  todos  os  seus  elementos.   Pretende-­‐se  nesta  abordagem  imitar  e  fazer  sentir  uma  época,  civilização  e  cultura  determinadas.   Assassin’s   Creed   II   (2009)   é   um   perfeito   exemplo   de   coerência   e   autenticidade   criada   pelo   segundo   caminho.   No   entanto   há   que   ter   em   conta   que   este   caso   é   um   videojogo   histórico,   que   aborda   acontecimentos   históricos   reais,   e   em   que   portanto   se   procurou   intensionalmente   ser   o   mais   historicamente  correcto  quanto  possível  (Figura  151).  

 

 

 

Figura  151  –  Screenshots  de  Assassin’s  Creed  II  (2009),  ilustrando  a  criação  de  credibilidade  através  de   imitação  duma  época  histórica  e  cultural,  neste  caso  é  criado  uma  vivência  única  pelo  plot.  

  No   entanto,   videojogos   de   carácter   marcadamente   fantástico,   como   os   casos   de   Dragon   Age:   Origins  (2009)  e  Bioshock  Infinite  (2013),  conseguem  levar  o  jogador  a  crer  na  sua  ficção  como  tendo   autenticidade,  ao  terem  todo  um  estilo  visual  rico  criando  assim  a  sua  própria  identidade  –  ou  seja   criam   autenticidade   através   do   primeiro   caminho   mencionado.   Um   aspecto   relevante   neste   tópico   é   então  também  o  grau  de  detalhe  existente  nesses  espaços  e  objectos.   Bioshock  Infinite  (2013)  mistura  elementos  de  referências  e  fontes  de  inspiração  de  várias  épocas.     155    

ESPAÇOS  ARQUITECTÓNICOS  EM  NARRATIVAS  INTERACTIVAS  E  VIRTUAIS   –  Seu  papel,  condicionamentos  e  representação  –  

  Apesar  de  representarem  um  universo  ficcional  com  vários  características  inexistente  no  mundo  real,   o  mundo  total  torna-­‐se  credível  pela  sua  complexidade  e  riqueza  de  estilos  e  elementos  visuais  que   lhe  conferem  uma  identidade  própria  e  portanto  autenticidade  (Figura  152).    

 

   

Figura  152  –  Screenshots  de  Bioshock  Infinite  (2013),  ilustrando  a  criação  de  credibilidade  através  de   elementos  de  inspirações  de  diferentes  épocas  e  culturas  criando  assim  uma  identidade  própria  e  única.  

  Ambientes   virtuais   com   muito   pouco   detalhe   e   fraca   modelação   de   formas   e   texturas   tende   a   ser   considerado   pouco   realista   ou   autêntico,   caindo   mais   na   figuração   e   realçando   o   carácter   artificial.   Por  outro  lado,  um  exagero  de  detalhe  desnecessário  poderá  prejudicar  a  experiência  e  imersão  do   jogador  ao  causar  cansaço  visual.   Também,   o   tipo   de   câmara,   a   maneira   como   o   jogador   se   move   no   mundo,   e   motivos   relacionados  com  a  narrativa  e  gameplay  influenciam  o  nível  de  detalhe  –  se  surgirem  personagens   relevantes  ou  demasiados  visíveis  por  algum  motivo,  torna-­‐se  necessário  que  sejam  modeladas  com   algum   detalhe.   Se   aparecerem   de   fugida   não   se   justifica   que   tenham   muito   detalhe,   pois   nestes   casos  não  existirá  sequer  tempo  suficiente  para  o  jogador  absorver  esses  detalhes  (Adams,  2010).    

3.6.  O  Espaço  Ficcional  e  a  sua  Dimensão  Existencial  e  Experiencial   O   espaço   cénico   está   inseparavelmente   interligado   com   as   personagens   que   o   habitam   e   nele   agem,   e   assim   com   a   acção   e   narrativa   que   lá   ocorrem,   pois   ”as   personagens,   eventos   e   arquitectura   interagem  e  designam-­‐se  uns  aos  outros”  (Pallasmaa,  2001,  p.  23).   O   espaço   cénico   é   onde   decorre   a   acção,   portanto   ele   serve   como   fundo   ou   suporte   para   a   mesma.   Para   isso   necessitam   de   concorrer   para   a   representação   e   caracterização   da   ambiência   e   contextos  das  várias  cenas  e  etapas  da  ficção.   O   espaço   é   a   “concha”   onde   habita   o   indivíduo.   No   caso   de   um   espaço   ficcional   é   então   onde   habitam  os  personagens.  Ele  cerca  e  envolve  e  suporta  tudo  o  que  a  personagem  faz  e  é.  Por  isso  são  

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4  |  ARQUITECTURA  E  ESPAÇO  FICCIONAL  EM  VIDEOJOGOS     inseparáveis.  Não  se  consegue  retirar  a  vida  duma  pessoa  do  espaço  –  o  contexto  –  onde  ela  habita  e   existe.   Consequentemente  o  espaço  é  também  indivisível  da  acção,  uma  vez  que  a  acção  é  efectuada  e   transmitida  pelos  personagens:  “A  acção  pode  determinar  o  design  dos  lugares  e  do  tempo  em  que   decorre.   Inversamente,   este   design   pode   contribuir   para   a   caracterização   da   acção”   (Carpinteira,   2011,  p.  16).   O  espaço  cénico  está  então  invariavelmente  carregado  da  personalidade  e  vida  dos  personagens   que   nele   existem   (Barsaqc,   1976),   revelando   destas   o   seu   estatuto,   gostos,   hábitos,   expectativas,   atitude  e  estado  de  espírito,  estilo  de  vida,  personalidade,  ou  seja,  toda  uma  dimensão  vivencial.  É   por   isso   necessário   ter   em   conta   a   psicologia   e   comportamento   daqueles   que   se   pretende   que   habitam   o   espaço.   Este   torna-­‐se   assim   um   elemento   narrativo   do   argumento   e   das   personagens,   por   si  mesmo.   No   entanto,   os   diversos   espaços   –   lugares   –   estão   relacionados   com   a   acção,   cena   a   cena,   revelando   sobre   as   personagens   e   o   seu   evoluir   ao   longo   da   narrativa:   o   seu   estatuto,   gostos,   hábitos,   expectativas,   atitude,   estado   de   espírito,   estilo   de   vida,   personalidade,   em   suma,   a   dimensão  vivencial  dos  habitantes  desse  mundo  (Figura  110).   "Um   cenário   (...)   para   ser   bom   tem   de   actuar.   (...)   Deve   apresentar   a   personagem   antes   de   ele   ter   aparecido.   Devem   indicar   a   sua   posição   social,   gostos,   hábitos,   estilo   de   vida   e   personalidade.   Os   cenários  devem  ser  intimamente  ligados  com  a  acção"  (Carpinteira,  2011,  p.  126).    “Não   consigo   imaginar   qualquer   padrão   de   eventos   sem   imaginar   um   lugar   onde   estão   a   acontecer”  (Alexander,  1979,  p.69).   Acção   e   Espaço   são   inseparáveis,   pois   os   eventos   não   podem   ser   separados   do   espaço   em   que   ocorrem.  O  mundo  humano  é  composto  tanto  da  natureza  e  dos  seus  fenómenos,  como  também,  e   principalmente,  da  humanização  de  espaços  e  objectos  –  marcas  da  existência  do  indivíduo.     “O   interesse   do   homem   no   espaço   tem   raízes   existenciais.   Ela   decorre   da   necessidade   de   compreender   as   relações   vitais   no   seu   ambiente,   para   trazer   significado   e   ordem   a   um   mundo   de   eventos  e  acções”  (Norberg-­‐Schulz,  1971,  p.  9).   Por   isso   cada   lugar,   ou   espaço,   adquire   o   seu   carácter,   e   ganha   significado,   por   esses   eventos   que   lá   ocorrem   (Alexander,   1979).   Então   o   espaço   ficcional   tem   de   ser   pensado   e   construído   considerando  as  condições  e  eventos  que  o  criaram.    

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  Tanto   a   Arquitectura   como   o   Cinema   –   e   agora   também   os   videojogos   –   criam   “cenas   experienciais  de  situações  de  vida”  (Pallasmaa,  2001,  p.  13).     É   no   espaço   que   o   individuo   “experiencia   eventos   significantes   da   [sua]   existência”   (Norberg-­‐ Schulz,  1971).  Por  associação,  o  jogador  através  da  personagem  também  experiencia  a  sua  existência   no  mundo  ficcional.   Este   espaço   ficcional,   tal   como   na   Arquitectura   tradicionalmente   pensada   (física),   constitui   um   enquadramento  da  existência  humana  (Pallasmaa,  2001).  De  facto,  o  espaço  cénico  e  da  ficção  não  é   apenas   “aquilo   que   não   mexe”.   Ele   é   um   mundo   que   vibra   com   sinais   de   vida   própria,   efeito   da   natureza   e   dos   seus   habitantes,   criando   estados   de   espírito,   emoções   ou   sentimentos   no   espectador   desde   melancolia,   alegria,   terror,   humor,   entre   tantos   outros.   Mesmo   sendo   um   espaço   ficcional   e   virtual,  ele  deve  comunicar  um  sentido  de  lugar.     O   Espaço   arquitectónico   é   portanto   a   concretização   do   espaço   existencial   do   homem   –   ”a   estruturação   de   lugar,   espaço,   situação,   escala   e   iluminação   características   da   Arquitectura   –   a   definição   da   existência   humana   –   infiltra-­‐se   inevitavelmente   em   cada   expressão   cinematográfica”   (Pallasmaa,  2001,  p.  20).                

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CONCLUSÃO O  espaço  e  a  arquitectura  constituem  o  suporte  onde  acontecem  todas  as  vivências  do  Homem.  É   onde   ele   habita,   age   e   interage,   onde   ama   e   odeia,   onde   socializa   e   trabalha.   Por   isso   qualquer   outra   Arte   ou   Narrativas   onde   se   desenvolvam   simulações   da   vida   e   existência   do   Homem   (cinema,   videojogos,  animação),  não  conseguem  deixar  de  estar  assentes  no  espaço  e  na  Arquitectura.   Nos  videojogos  -­‐  como  no  cinema  ou  na  animação  -­‐  também  se  habita  um  espaço  existencial,  uma   vez  que  o  jogador  nele  “mergulha”,  nessa  realidade  induzida,  e  neste  sentido  nele  “existe”:  o  jogador   é  compelido  a  vivenciar  realidades,  espaços,  enredos  e  personagens,  que  criam  situações  em  que  se   vê   pessoalmente   envolvido   e   com   as   quais   vai   interagir.   Esta   imersão   leva-­‐o   a   planear   e   executar   acções   em   resposta   a   desafios   que   se   colocam   nessas   ficções,   numa   plena   aceitação   destas   vivências   como  se  fossem  do  seu  mundo  existencial.   Quando  se  cria  um  espaço,  deixa  de  se  ser  simples  utilizadores  dos  espaços  tal  como  existem  para   se  passar  a  ser  um  modelador  de  espaços,  passando  a  existir  um  acto  criativo,  onde  de  certa  forma   se  quer  exprimir  a  forma  de  viver  e  ver  o  mundo  pelo  Homem.   Os   espaços   expressivos   ou   artísticos   constituem-­‐se   nesta   criação   de   espaços,   que   ocorrem   ao   nível  do  espaço  enquanto  adaptação  a  nós  próprios  do  espaço  existencial,  recriando-­‐o.   Na   criação   destas   narrativas   virtuais,   existe   nelas   a   atitude   de   criar   um   espaço   expressivo   ou   artístico,  de  definir  a  estrutura  de  mundos  de  ficção,  mas  que  não  obstante  continuam  a  ser  criados  e   vividos  à  imagem  do  Homem,  mantendo-­‐se  como  Imago  Mundi.        

 

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