Esquecer: estratégia para (re)produção da identidade nacional

September 30, 2017 | Autor: Celeste Fortes | Categoria: Memory Studies
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Esquecer: estratégia para (re)produção da identidade nacional. Celeste Fortes Antropóloga As nações constroem-se a partir de um conjunto de estratégias, tendo em vista a realização e (re) produção de uma nação positiva. Para muitas, como é o caso de Cabo Verde, as estratégias passam pela emigração, educação e pelo esquecimento. Falemos do esquecimento. Todas as nações convivem com episódios marcantes, que funcionam como princípios organizadores temporais e espaciais das suas gentes e das suas agendas de construção identitária. Estes episódios localizam estrategicamente a nação perante os outros, redimensionando o quadro das relações entre o Nós e os Outros. Por conseguinte, os processos de construção identitária enquanto nação fazem-se a partir de jogos que exigem posicionamentos perante estes Outros e que na maioria das vezes geram ou são gerados a partir de contextos de conflitos. Neste jogo há um apelo à construção de memórias colectivas, por um lado porque alguns momentos biográficos deste processo, que é continuo, estão lá, localizados temporalmente no passado, por outro lado estas memórias quase que têm o papel de organizar o processo de construção futura. Conhecer os processos de construção destas memórias, testar a importância que a nação hoje dá às suas memórias como mecanismos de construção identitária, avaliar as resistências e as contra-resistências em relação à memoria, são exercícios que levantam várias questões, centrais para a análise do próprio processo de construção da identidade nacional. Existe uma política de esquecimento em Cabo Verde? Ela é consciente? Se sim, quais são as suas consequências para hoje e para amanhã? Se sim, o que foi esquecido? Que critérios foram usados para estabelecer acontecimentos e pessoas a serem fixadas na nossa memória colectiva? Como justificar a negação de outros para que entrassem nos nossos reportórios da memorização? Responder a estas questões implica desde logo assumir que as estratégias são

colectivas, isto é, que a participação acaba por ser de todos, mas que a intensidade desta é desigual, porque todos não possuem os mesmos recursos e interesses. Na verdade poderemos estar frente a participantes que assumem mais activamente o papel de produtores das memórias enquanto que outros, sem dominarem todos os requisitos exigidos pela máquina de produção, ficam apenas com o papel de reprodutores. Se neste enredo temos cúmplices também temos vítimas. É que produzir memórias é um projecto politico, de visibilidade de algumas vozes e de silenciamento de outros. Poder-se-á dizer que num jogo de escolhas, escrever e contar a história de uma nação implica que certos acontecimentos e pessoas não mereçam, em determinado tempo, o lugar de actores e figuras da produção da nação e da sua identidade. Com efeito, esta leitura das estratégias nos permite, por exemplo, analisar os processos de inclusão e de exclusão, de construção de figuras de referências e identificação das vítimas do esquecimento, num jogo entre exacerbação e amnésia colectiva e aqueles que têm poder de dirigir esta máquina da memorização. As vítimas de esquecimento tornam-se ausentes na história, não encontram espaço de pertença na memória colectiva nacional, as suas vozes são secundarizadas, caladas, subjugadas a uma zona escondida. Em concreto, Cabo Verde e os cabo-verdianos, nesta politica do esquecimento, “distraem-se” de três factos importantes. Uma sociedade que esquece não consegue se projectar, sobretudo no contexto global, já que precisa de referências históricas para se posicionar nesta arena de relações e de competições como os Outros. O esquecimento é uma estratégia que muitas vezes cria fissuras inter-geracionais, deixando um espaço de desencontro, entre os projectos que cada geração tem para o país. Dar voz a todos, permitindo que todos sejam sujeitos, facilita a construção de uma sociedade democrática e o exercício de honestidade identitária. Jornal A Nação Nº380/ Ano VII / De 11 a 17 de Dezembro de 2014.

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