Estadão Noite #40 - Amigos de lejos

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QUARTA-FEIRA, 27.05.2015

FABRÍCIO H. CHAGAS BASTOS* Amigos de lejos

A

o longo do século XX, a América Latina produziu dois modelos claros de desenvolvimento, opostos e frutos contínuos do desenvolvimento histórico da região: a industrialização por substituição de importações (ISI), motor do desenvolvimento na região durante os anos 1960 e 1980, e o neoliberalismo, gerado pelas experiências chilenas nos primeiros anos da ditadura de Pinochet. A chegada das esquerdas ao poder no início dos 2000 promoveu mudanças, que mais podem ser chamadas de uma combinação de ambos - ou um afastamento mútuo sobre suas premissas básicas. Dilma Rousseff fez uma escala na Cidade do México para encontrar seu colega Enrique Peña Nieto, com uma pauta eminentemente comercial, e tentando promover a revitalização das relações Brasil-México, frias já faz algum tempo. Apesar da cordialidade, a distância que separa os dois mais proeminentes países latino-americanos é imensa, política e economicamente. O desinteresse entre

brasileiros e mexicanos é mútuo, e uma das poucas pontes de contato (comercial) foi posta em xeque nos últimos anos: os acordos para o setor automotivo sofreram com medidas protecionistas de lado a lado. À diferença do México, o Brasil adotou desde pelo menos a década de 1960 a autonomia como fio condutor de sua estratégia de inserção internacional, variando o tipo de autonomia almejada de acordo com os interesses ora em voga. Dilma Rousseff, ao diminuir drasticamente a intensidade da atuação brasileira no mundo em comparação com seus antecessores, acabou por moldar uma estratégia de autonomia por inércia. Decadente, mas ainda autônoma em sua essência. O caso mexicano é peculiar. O movimento de aproximação ‘quase carnal’ do país em direção aos Estados Unidos (parafraseando a expressão do ex-chanceler argentino Guido Di Tella), o que chamamos de atrelamento, se mostrou como a única estratégia de inserção internacional do país. O que há é uma resignação profunda sobre a condição de vizinho da potência global e das consequências derivadas. Podemos materializar a estratégia mexicana na célebre frase de Porfírio Díaz: “Pobre México. Tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos”. O desafio dos presidentes é tentar estabelecer uma agenda que suprima a desconfiança mexicana para com a influência política brasileira no mundo e na América Latina. E ao mesmo tempo que possa indicar ao mercado

QUARTA-FEIRA, 27.05.2015

brasileiro que a virada mexicana para a América Latina e a Ásia com os mega-acordos de liberalização comercial (Aliança do Pacífico e o Acordo Trans-Pacífico) não é uma tentativa de reeditar a Área de Livre-Comércio das Américas (por mais que as elites econômicas brasileiras agora defendam uma maior liberdade comercial ante as políticas protecionistas do governo Dilma). Mesmo consideradas potências ou mercados emergentes, Brasil e México limitam seus objetivos e conformam sua atuação no mundo mirando apenas interesses nacionais (ao invés de assumirem posições em assuntos globais) e utilizando pequenas brechas na estrutura internacional, ou, quando muito, aproveitando quase im-

provisadamente os benefícios trazidos por uma conjuntura internacional favorável - comportamento típico de Estados periféricos. A narrativa criada do que se pode avaliar hoje se fundamenta mais em crenças do que em realidade. Dito de outro modo, a ideia de salto de um país de status médio no sistema internacional a uma posição de ator relevante na tomada de decisões da governança global não se sustenta.

FABRÍCIO H. CHAGAS BASTOS, DOUTOR PELA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, É PESQUISADOR DO NÚCLEO DE PESQUISA EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA USP. E-MAIL: [email protected]

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