ESTADO E PARADIPLOMACIA: A POSIÇÃO DO BRASIL E DA ARGENTINA À COOPERAÇÃO DESCENTRALIZADA

July 26, 2017 | Autor: Leonardo Mercher | Categoria: Argentina, Brazil, Paradiplomacy
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ISSN da publicação: ISSN 2175-6880 (Online)

Anais do Evento 2011 Volume 4 Trabalhos apresentados no Grupo de Trabalho 04 Política Internacional, Política Externa e Migrações Internacionais

Coordenadores: Prof. Dr. Alexsandro Eugenio Pereira (UFPR) Prof. Dr. Márcio de Oliveira (UFPR) Ariane de Oliveira Saraiva Rene Alfonso Castro Berardi Ementa: O GT reunirá trabalhos centrados em temas de relações internacionais contemporâneas, com ênfase nos estudos de segurança internacional, processos de integração regional, análises de política externa, estudos de política externa em perspectiva comparada e migrações internacionais. O GT também pretende reunir trabalhos que discutam avanços recentes nas teorias das relações internacionais e nas teorias explicativas do fenômeno das migrações internacionais, bem como a aplicação desses avanços no desenvolvimento de análises sobre temas contemporâneos da política internacional.

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ESTADO E PARADIPLOMACIA: A POSIÇÃO DO BRASIL E DA ARGENTINA À COOPERAÇÃO DESCENTRALIZADA Leonardo Mercher1 Resumo Nos anos 1990 a América do Sul presenciou o crescimento da atuação subnacional e o surgimento de redes de cooperação entre poderes locais. Brasil e Argentina tiveram que absorver esses novos processos transnacionais e, como Estados, buscaram se reestruturar internamente. Enquanto que no Brasil o Poder Executivo tomou iniciativas que conflitaram com a Constituição Federal – criando situações paradiplomáticas – a Argentina, promoveu reformas constitucionais que diferenciaram sua relação com seus entes locais. Entretanto, ainda que em processos políticos diferentes, ambos os Estados analisados defendem a atuação subnacional, como visto no Protocolo 23 Fronteiriço e na institucionalização da Rede Municipal de Mercocidades. Analisando brevemente a evolução dos processos políticos descentralizados, em ambos os Estados, durante as décadas de 1980 a 2000, pôde-se chegar ao resultado final deste artigo onde as vantagens e os desafios transnacionais acabam por aproximar Argentina e Brasil na esfera das dinâmicas subnacionais.

Introdução

O sistema internacional viu surgir nos últimos trinta anos um conjunto de temas e atores que trouxeram novas propostas às relações internacionais. Dentre eles surgiam os atores subnacionais; governos locais que, do seio de seus Estados, passaram a coordenar atuações transnacionais, paralelas às agendas de política externa de seus governos nacionais. Esses novos atores internacionais – de caráter misto (SALOMÓN, 2007, p.103), por terem soberanias compartilhadas entre o local e o nacional–, rapidamente ganharam espaço e reconhecimento por parte da sociedade internacional. No final da década de 1980, no cenário sul-americano, a inclusão do tema às decisões nacionais ganharia força, principalmente após o reconhecimento, registrado no Protocolo 23 – Fronteiriço (PF23) de 1988, pelo Brasil e pela Argentina. Inseridos e se mostrando interessados em vários temas dentro das relações internacionais, os governos locais – como distritos, cidades, governos estaduais, províncias e núcleos regionais – começaram a introduzir no sistema internacional suas agendas e tantas novas possibilidades de atuação, como na cooperação descentralizada. Através do surgimento de redes cooperativas entre vários governos subnacionais – 1

Mestrando em Ciência Política pela Universidade Federal do Paraná. Graduado e Especialista em Relações Internacionais.

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nas esferas econômicas, política e cultural –, fez-se com que, tanto o Brasil como a Argentina se sensibilizassem com o novo tema, iniciando mudanças em suas estruturas nacionais. Conscientes desse novo processo, Argentina e Brasil, cada qual à sua maneira, tentaram se relacionar de forma efetiva com seus entes federados que iam às relações internacionais paralelamente à agenda nacional. Por transpassarem as fronteiras políticas do Estado, os governos argentino e brasileiro tiveram que, ao mesmo tempo buscar harmonizar a defesa dos interesses locais envolvidos, como criar uma malha de normas e institucionalizações que evitassem a pulverização de suas identidades como unidades políticas nacionais eficientes – Estado-Nação – junto ao sistema internacional. Sabe-se que o cenário internacional, no final do século XX, foi marcado pelos processos de globalização que promoveram “uma transformação parcial, mas profunda na organização territorial” (SASSEN, 2004, p.375). Esse cenário, em especial no caso argentino, impulsionaria o interesse à aceitação da paradiplomacia2 como fonte de ganhos locais ao nacional. Nesse mesmo período, 1980-2000, é possível classificar as ações de ambos os Estados analisados, tanto por ações individuais – de caráter nacional – como as cooperativas – acordos bilaterais e institucionalizações internacionais, como no Mercado Comum do Sul (MERCOSUL). Enquanto que nas ações cooperativas estatais, Argentina e Brasil, buscavam normatizar e orientar a atuação de seus entes subnacionais para maximizarem os ganhos em processos determinados, como na integração regional, as ações individuais ou autônomas, quase sempre se basearam em situações internas distintas. A proximidade geopolítica permitiu uma ação em conjunto por ambos à paradiplomacia na região, mas as realidades e características específicas de cada Estado envolvido ditaram ritmos próprios às reformas estruturais que vieram ocorrendo desde então. A necessidade de adaptação estrutural das máquinas públicas – responsáveis pela elaboração das políticas externas – e bem como da estrutura jurídica nacional – responsável pelo equilíbrio entre as esferas de poder – veio, sobretudo, em 1988 quando Brasil e Argentina assinaram bilateralmente o Protocolo 23 - Fronteiriço. Reconhecendo a incorporação de Estados, Províncias, Intendências e Municípios fronteiriços, de ambos os países, em um processo de integração bilateral democrática, o “PF23 torna-se o primeiro” (SENHORAS, 2009, p.2) reconhecimento 2

Atuação externa local paralela à atuação externa nacional, quase sempre de caráter conflituoso com a estrutura jurídica do Estado (SALOMÓN, 2007, p.100).

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dessas esferas locais sul-americanas, em âmbito internacional, pela Argentina e pelo Brasil. O Protocolo trouxe o comprometimento, por parte dos governos nacionais, na defesa e na promoção da atuação subnacional, ainda que ligada à otimização da integração regional. Logo posto em prática, o Protocolo 23 viu somou-se ao advento do MERCOSUL (1991) que, jutos, ampliaram o reconhecimento e, consequentemente, a atuação e o número de novos atores locais na esfera internacional. Os dois governos se utilizaram dos fluxos transfronteiriços, que já ocorriam, para selar uma nova fase de reaproximação entre as políticas de desenvolvimento regional. A abertura gradual à cooperação descentralizada no continente também trouxe reformas e redirecionamentos da estrutura política nacional junto aos órgãos ligados à política externa, como na Cancillería argentina ou no Itamaraty do Brasil. Todavia, ainda assim, as mudanças seguiram caminhos paralelos, mas distintos que devem ser analisados para compreender a atual situação subnacional na região. Ao observarem possíveis benefícios à atuação de seus governos locais, ambos os países passaram a compartilhar entre si acordos bilaterais que, nos anos 1990, sustentaram institucionalizações em um nível internacional mais amplo, como visto na criação da Rede Municipal de Mercocidades e em sua incorporação ao MERCOSUL no ano de 1995. Brasil e Argentina entraram no século XXI como atores estatais que reconhecem, apoiam e cooperam com esses novos atores de suas esferas subnacionais. Entretanto, em ambos os casos, a questão da legitimidade legal interna ainda traz debates acerca da autonomia desses atores, da posição e da credibilidade administrativa dos Estados e mantendo, em especial, no caso brasileiro da classificação de paradiplomacia inconstitucional.

Argentina, algumas reformas ao reconhecimento

A formação da Argentina, “feita pelas treze províncias iniciais e governadas, cada uma, por suas instituições” (LUNA, 1995, p.52), traz consigo uma estruturação politica e de identidade nacional interna que influenciará no curso da aceitação da autonomia reivindicada pelas políticas subnacionais. Se no século XIX e parte do século XX a Argentina fora marcada pelos desentendimentos políticos entre as esferas do poder regional, no final do século XX, principalmente levada pelos interesses econômicos –

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sob a ótica do desenvolvimento comum – e pela redemocratização, a Argentina torna-se um Estado cuja condução da política externa compromete-se, mais uma vez, em atender às necessidades de toda a federação, incluindo em sua nova Constituição Nacional (1994), o reconhecimento das agendas locais. Com o período da Guerra Fria, o cenário doméstico presenciou períodos ditatoriais que afastaram, temporariamente, o caráter federalista-democrático na tomada de decisões. Todavia, com a redemocratização, um grande número de reformas foi implantado para adaptar a Argentina ao novo cenário neoliberal globalizado. Devido à globalização, processos de integração e a crescente demanda externa por cooperação descentralizada fizeram com que o governo nacional argentino se visse, não apenas diante de um novo cenário internacional, mas também diante de movimentos transfronteiriços; transpassando a estrutura nacional política, econômica, cultural e jurídica. Com o reconhecimento da paradiplomacia na Argentina, no final dos anos 1980, iniciou-se o processo de adaptação3 do Estado ao tema; primeiramente pela consciência da existência dessa nova dinâmica, prevista já no Protocolo 23 Fronteiriço de 1988; posteriormente pela concepção administrativa, através de reformas públicas internas na estrutura política do Estado, atingindo tanto a Cancillería como a Constituição Nacional. A Cancillería argentina, órgão responsável pela consultoria internacional do Poder Executivo, encontrava-se no centro das pressões entre as demandas externas – por parcerias descentralizadas – e o interesse interno dos governos locais – em ir até elas. Como resposta às pressões subnacionais, o governo central4 incentivou amplos debates estruturais que, em 1992, resultaram na primeira reestruturação significativa do Estado ao tema; a criação da Subsecretaria de Relaciones Institucionales (SRI). A SRI surge com a função, segundo o Decreto n.1190 M133, pelo Poder Executivo Nacional a 10 de julho de 1992; de assistir, instrumentar e efetuar a coordenação entre o Ministério de Relações Exteriores e Culto, junto a órgãos e autoridades dos distintos Poderes do Estado, no âmbito nacional, provençal, municipal, entre regiões e instituições intermediárias. Como instrumento intermediador dos interesses nacionais e locais, a SRI 3

Em 1992, mediante a criação da Pasta Diretora de Assuntos Federais, o governo argentino interfere e inclui aos assuntos da Cancillería o movimento subnacional (MIRANDA, 2005, p.4). 4 Governo central seria a somatória dos três poderes; Executivo, Legislativo e Judiciário, bem como as normas e instituições que os estruturam.

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passou a institucionalizar internamente a autonomia de interesses dos governos e das juntas regionais. A sua quarta pasta diretora5 de Assuntos Federais ficou responsável, em 1992, pela organização das políticas públicas que visassem fortalecer e desenvolver os governos municipais, bem como os provençais. Sendo a pasta diretora ligada à SRI que, por sua vez estava ligada à Cancillería, rapidamente os assuntos locais foram percebidos com maior intensidade pelo governo central em sua formulação de políticas exteriores. A SRI torna-se a materialização do reconhecimento pelo governo nacional de uma competência interna importante, vinda das esferas regionais e locais. Mas algumas dificuldades permaneciam, como reclamações de que a diplomacia nacional, assim como no Brasil, não dava conta de assimilar diretamente todos os interesses e atuações locais, ampliando a burocracia e forçando situações paradiplomáticas. Em 1999, com a mudança no governo federal – de Carlos Menem, 1989-1999, para o de Fernando de La Rúa, 1999-2001 – a situação subnacional ainda era frágil e a movimentação interna desses governos locais resultou na reformulação da SRI, que buscou ampliar, mais uma vez, a defesa dos interesses subnacionais. Um dos objetivos firmados pela SRI defendia; Formular programas e projetos que contribuam para o fortalecimento das gestões que, ao nível da política exterior, sejam realizadas por autoridades nacionais, provençais ou municipais; tratando-se de organismos centralizados ou descentralizados; ou instituições intermediárias e a todos os demais destinados a canalizar sua participação na elaboração e execução de temas pertinentes à firmação de acordos ou convênios internacionais (COLACRAI, 2004, p.323).

Além de abrir espaço dentro da política interna, junto ao governo central, a SRI também passava a assessorá-los e a dar-lhes assistência na esfera internacional. Desde 1994, quando ocorre a reforma constitucional argentina, viu-se a preocupação em institucionalizar e apoiar essas novas relações de caráter transnacional. Todavia, o interesse argentino na atuação externa não era uma regra comum, nem todas as cidades e províncias enxergavam nas relações internacionais um caminho para solucionar questões internas. Porém, com as mudanças novos interessados começaram a surgir. Os governos subnacionais, que já atuavam de forma internacional ou demonstravam esse interesse, passaram a contar com o apoio do Estado; já alguns daqueles que desconheciam essa possibilidade passaram a ser incentivados a fazer o mesmo. Uma das explicações para a ampliação desta dinâmica e de tantas outras

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A SRI era composta por quatro pastas diretoras; Assuntos Nacionais, Assuntos Parlamentares, Organizações Intermediárias e Assuntos Federais.

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modificações jurídicas, durante os anos 1990, poderia estar no conceito de diplomacia econômica6 e em sua tentativa de maximizar os ganhos através da atuação nacional somada às locais. No governo de Carlos Menem, 1989-1999, viu-se uma busca pela inserção da Argentina num cenário internacional em transição, onde os objetivos econômicos se sobrepunham aos políticos (FERRER, 2006, p.261). O Estado, também influenciado pelo período neoliberal, irá tentar se colocar apenas como um mediador entre pressões internas e externas (COLACRAI, 2004, p.321), atuando através de medidas que estimulariam uma maior inserção da economia argentina na economia mundial (Ibidem). Se por um lado ocorriam mudanças estruturais no Poder Executivo Nacional, por outro a estrutura jurídica presenciou a reforma constitucional, em 1994, que propôs uma adaptação legal da máquina estatal ao tema. Seguindo exemplos ocorridos na Bélgica e Canadá, a Argentina oficializou no texto do Artigo 124, reformado da Constituição Nacional a admissão dos seguintes termos; “As províncias poderão também celebrar convênios internacionais quando estes não forem incompatíveis com a política exterior da Nação [...]” (SÁNCHEZ, 2004, p.359). Tendo em seu histórico o reconhecimento de uma autonomia parcial à Buenos Aires, desde as constituições do século XIX, essas reformas jurídicas não se desenvolveram em um campo tão desconhecido. O cenário dos anos 1990 exigiu eficiência do Estado argentino que saia de um período ditatorial e de uma economia mais protecionista. Em suas novas políticas econômicas, ao lidar com tantas variáveis e possibilidades no mercado internacional, o governo central via-se seduzido a otimizar seus ganhos pela ampliação das frentes diplomáticas e comerciais. Assim, o governo nacional argentino preocupou-se em dar maior liberdade e legitimidade aos seus agentes econômicos; empresas, investidores, e também aos governos subnacionais, para que esses pudessem alavancar, cada qual em seu campo de atuação e competência, o desenvolvimento econômico adotado. Após a reforma na Constituição em 1994, “recai nas províncias a responsabilidade de afrontar funções em áreas que ate pouco tempo estavam centralizadas” (COLACRAI, 2004, p.324), como a obtenção de investimentos, financiamentos e demais acordos com atores internacionais que auxiliariam no desenvolvimento regional.

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No novo cenário do final do século XX, alguns Estados, como a Argentina, poderiam ser enquadrados, segundo a descrição de Woolkock, nessa diplomacia econômica, onde; “a economia internacional ocuparia cada vez mais espaço dentro da diplomacia nacional” (BAYNE, 2004, p4).

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Pode-se dizer que muito do reconhecimento da ação paradiplomática e sua institucionalização foi sustentada pelo interesse econômico do governo central que se somava à demanda internacional pela cooperação descentralizada em diversos setores. O Estado decidiu atualizar-se e adaptar-se a essa realidade através de modificações e reformas estruturais, tanto na criação de agências, instituições internas e externas, como nas reformas jurídicas ocorridas nos anos 1990, no Poder Executivo e em sua Constituição Nacional. Saindo de um regime político e econômico centralizado, a sociedade e seus representantes nas esferas locais e regionais participaram ativamente nos novos processos democráticos que reforçaram o caráter federalista argentino, proporcionando maior rapidez na absorção e no apoio à atuação subnacional nas últimas décadas. Entretanto, surgiram novos conflitos; os federativos. Constituições provençais se chocavam com a nacional. Mas essa situação apenas demonstra que, se ainda falta um longo caminho de diálogo e negociações entre o governo central e seus entes federados, a situação paradiplomática na Argentina já conseguiu, juridicamente, dar espaço para que os governos locais possam dialogar autonomamente e exigindo o respeito às suas soberanias como atores territoriais e com soberania política.

Brasil, paradiplomacia e algumas adaptações

Em seu surgimento como Estado, o Brasil manteve sua herança estrutural portuguesa centralizadora que, se inicialmente fora a garantia da estabilidade política e da unidade territorial, ao longo das repúblicas, a união federalista, continuou em uma estrutura cujo governo central interveio fortemente nos interesses regionais em nome de uma unidade nacional. Das ditaduras militares, nos séculos XIX e XX, passando por regimes, como no Estado Novo, a autonomia dos governos locais sempre fora marcada por intervenções que se diziam atender aos interesses nacionais, como em políticas fiscais e de desenvolvimento. Todavia, a rigidez do aparelho estatal e o “monopólio” (RODRIGUES, 2004, p.444) do governo central sobre as políticas subnacionais se refletiram em dificuldades encontradas, na década de 1990, pelas iniciativas de reformas, fosse por parte dos governos locais, fosse pela própria atuação do Poder Executivo sensível ao tema.

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Juridicamente, nas relações exteriores o governo central sempre se manteve responsável em defender e representar todos os interesses nacionais, de forma verticalizada e não muito diferente de seus vizinhos. Se o papel do governo central, no século XIX e boa parte do XX, era o de responder sozinho às dinâmicas externas, em algumas décadas o cenário interno, assim como ocorrera na Argentina, viu uma crescente de atuações e de interesses locais junto ao governo central para que este reconhecesse a autonomia de seus entes federados como atores internacionais. No Brasil, ainda nos anos 1980, esses novos atores questionaram o peso da verticalidade do poder central e, em alguns casos, a inflexibilidade do sistema nacional para com seus interesses, como feito pelas cidades ao criarem a Rede Municipal de Mercocidades, em 1995, e pelas cidades globais7 – Rio de Janeiro e São Paulo – ao iniciarem suas atualizações de identidade internacional. A grande percepção brasileira de que a política externa deveria ser exclusivamente responsabilizada em sua formulação pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE), pelo Poder Executivo Nacional ou pelo Chefe de Estado, se consolidou por se fazer presente em tantos regimes. As mudanças ocorridas ao longo dos anos 1980 e 1990 foram significativas, mas não foram capazes de resolver todas as situações paradiplomáticas, principalmente por não contarem com reformas jurídicas e estruturais mais amplas. A baixa flexibilidade do Estado brasileiro em legitimar esse novo processo passou a atravancar o desenvolvimento dessa nova frente diplomática que ainda se encontram em situações irregulares8 (VIGEVANI, 2005, p.29). Todavia, o Poder Executivo, percebendo que poderia ser interpretado como uma incapacidade política administrativa pela sociedade internacional – sobretudo por existirem bons exemplos no continente de adaptações – vem tentando, junto ao Ministério das Relações Exteriores e o das Cidades, adaptar-se para positivar a cooperação descentralizada de seus entes federados e minimizar os conflitos internos. Além de acordos paralelos, entre atores locais brasileiros e outros internacionais, o sistema internacional também pressionou a estrutura do Estado brasileiro ao demonstrar que era possível – e quase que necessário – se adaptar aos movimentos subnacionais, evitando conflitos institucionais, jurídicos ou de imagem política. 7

“A economia global necessitava ser produzida, reproduzida, servida e financiada e as cidades globais são lugares estratégicos para essas funções especializadas” (SASSEN, 2004, p.375). 8 No caso brasileiro, a demanda reprimida por atuação local na esfera internacional ganha pressão nos anos 1990. Ao se realizar, esta entra em conflito com as normas jurídicas nacionais que, por sua vez, gera um conflito entra as ações reformistas dos últimos governos nacionais com a Constituição Federal de 1988.

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Bélgica e Flandres, Canadá e Quebec, e a própria Argentina se tornaram exemplos de Estados que buscavam essa adaptação para que a atuação de seus governos locais não criassem conflitos externos com os nacionais. Entretanto, a complexidade de interesses no Brasil não vem propriamente de conflitos étnico-culturais ou políticohistóricos, como no caso belga ou no canadense, mas sim pela grande extensão territorial – que multiplicam as necessidades e interesses específicos de cada região – e bem como pelo suposto distanciamento burocrático entre o poder nacional e a realidade local. Prefeituras e governos estaduais brasileiros, principalmente nos anos 1990 e 2000, sentiram ainda o crescimento da cobrança social pela busca de soluções a problemas e necessidades locais. Como um país continental, multicultural e em desenvolvimento, o Brasil acaba por ser constituído de áreas socioeconômicas diferenciadas, levando os governos locais a se sensibilizarem com suas realidades e a buscarem defender diretamente os seus interesses e os de suas populações, tanto internamente junto ao Estado, como indo a outros atores no exterior. Dentro das novas agendas globais se fortaleceu também a ideia de mobilização em redes sociais pelo mundo. Pressionando seus governos e representantes, indivíduos em sociedades organizadas puderam atuar em conjunto nas relações internacionais. Realidades próximas socialmente, porém distantes geograficamente, permitiram trocas de experiências em gestões públicas locais, como entre Curitiba e a cidade-capital Dili, no Timor Leste (RODRIGUES, 2004, p.454). Em alguns casos, a cooperação internacional mostrou-se mais vantajosa aos interesses das sociedades locais que, através de fóruns e outras grandes mobilizações, contribuíram na construção de identidades locais internacionais. Alguns exemplos podem ser encontrados também na mobilização da sociedade e dos governos locais de cidades como Rio de Janeiro (Ibidem, p.445) e Porto Alegre (SALOMÓN, 2007, p.110) que, dentro das esferas do meio-ambiente, desenvolvimento sustentável, direitos humanos e liberdade cultural fomentaram eventos internacionais, como a ECO-92, Um-Habitat e o Fórum Socioeconômico que positivaram suas imagens e ampliaram o reconhecimento internacional de suas afinidades políticas e possibilidades cooperativas. Algumas mudanças advindas com a Constituição de 1988, como a estrutura fiscal dos repasses aos entes federados, trouxe uma maior autonomia de planejamento nas políticas locais. Entretanto, quando se analisa o planejamento

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externo, muitos conflitos entre os três poderes republicanos, em especial entre o Executivo e o Judiciário, dificultam ou pelo menos descreditam a eficiência do governo central diante de seus governos subnacionais, podendo chegar até a sociedade internacional. De fato, como já mencionado, as situações ilegais, irregulares ou paradiplomáticas não impedem a atuação descentralizada, mas coloca em questionamento a própria eficiência do Estado em se organizar contemporaneamente aos novos processos políticos do cenário internacional. A Constituição continua a afirmar que é de competência do governo central estabelecer vínculos ou acordos com outros Estados e Organizações Internacionais. Assim, a demanda pela paradiplomacia no Brasil gera uma movimentação que foge do alcance do Estado. A atuação paralela pode até ser preocupante para alguns Estados, já que, em uma visão mais conservadora, a atuação de atores intranacionais poderia ser compreendida como “uma perigosa aberração. Aqui, o pressuposto chave é de que o principal requisito na condução da política externa é a coerência, e isso, por sua vez, exige forte controle central” (HOCKING, 2004, p.81). Na esfera institucional, cabível ao Poder Executivo, vê-se algumas mudanças que, se por um lado permitem interpretar como apoio à cooperação descentralizada, por outro a sua atuação intensifica os agraves de competências junto aos demais poderes que compõem o governo central brasileiro. Sendo o Itamaraty um órgão consultivo do Poder Executivo, sua reestruturação, nas três últimas décadas, apontaram uma direção favorável sobre as situações paradiplomáticas. Em 1986, 1987 e nos anos 1990 “o Ministério de Relações Exteriores teve que responder e se adaptar ao novo cenário de globalização” (RIVAROLA, 2008, p.29) que ampliou as frentes diplomáticas, as agendas, as dinâmicas transfronteiriças e seus atores. O Itamaraty, principalmente após a redemocratização política, nos anos 1980, viu-se frente a uma realidade, cada vez mais intensa, de atuações locais na esfera internacional (VIGEVANI, 2005, p.29) que resultaram em algumas reformas. A concepção de ser o único instrumento abaixo do Chefe de Estado a gozar de autonomia interna para elaborar políticas externas em nome de uma diplomacia oficial (Ibidem, p.28) pode ter contribuído com a sensação inicial de distanciamento da realidade local e de sua eficiência ao tentar representar a diversidade dos governos e das questões locais na esfera internacional. Tendo os governos locais preferindo as medidas autônomas de suas agendas externas – em detrimento da burocracia verticalizada que

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os distanciava do Itamaraty –, o MRE buscou, em suas primeiras reformas, reverter esse quadro paradiplomático direcionando a atuação descentralizada para a integração regional com os Estados vizinhos. Entretanto, pressões externas ao Cone Sul também continuaram a incentivar a ida desses governos ao cenário internacional. Enquanto que na Argentina, as reformas por aceitação desses novos atores se vincularia fortemente ao peso da diplomacia econômica, no Brasil, as reformas tinham que lidar com interesses diversos9, tanto de seus governos subnacionais, como de outros estrangeiros. Essa situação dificultava uma reforma que coordenasse os interesses locais ao nacional do governo central. Na segunda metade dos anos 1990, já no governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-200), o Estado brasileiro demonstra entender que a participação na paradiplomacia de seus entes federados não estava limitada apenas à integração regional. Em 1997, com a criação da Assessoria de Relações Federativas, e mais tarde, em 21 de junho de 2003, com a Assessoria Especial de Assuntos Federativos e Parlamentares, marcaram o despertar do governo para a complexidade da situação;

Tal política, cujo objetivo está, sobretudo em melhor captar os interesses das unidades da federação na formulação da política externa, provocou a instalação de escritórios do Itamaraty em estados ou em regiões do país. Ao mesmo tempo em que se busca fazer com que os interesses dos entes federados sejam contemplados na concepção da política externa nacional, acompanha-se mais de perto suas iniciativas externas. [...] O estabelecimento de uma diplomacia federativa teria o objetivo de suprir a demanda das unidades federadas em matéria de atuação externa, ao encampar os interesses das referidas unidades e fazê-los sentir na atuação externa do Estado federal – não se admitindo, assim, a atuação externa direta das unidades federadas (PRAZERES, 2004, pp.300-301).

A preocupação com a paradiplomacia e a atuação dos governos subnacionais brasileiros no cenário internacional despertou a necessidade do governo central de reconhecer o que de fato ocorria. Todavia, possibilidades de uma mudança, como uma Emenda Constitucional, seguindo exemplos do Canadá ou até mesmo da Argentina, permanecem distantes do presente; “essa possibilidade mostra-se remota por ainda não haver no meio político o debate necessário sobre o tema a motivar uma alteração constitucional” (PRAZERES, 2004, p.301). Mesmo que essa seja considerada uma das

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A diversidade de cidades, recursos e possibilidades econômicas, políticas e culturais ampliaram os interesses e a intensidade nas dinâmicas com outros atores internacionais. A intensidade pela quantidade seria um dos diferenciais ao caso brasileiro em relação ao argentino. Enquanto que na Argentina predominou a pressão interna ao Estado, especialmente nas áreas econômicas e comerciais, no Brasil havia um equilíbrio entre os interesses econômicos, políticos e culturais à cooperação externa.

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melhores opções para ampliar e garantir legibilidade à atuação dos atores subnacionais brasileiros, o conflito entre norma e fato, provavelmente, persistirá por mais tempo, cabendo aos governos subnacionais forçarem essa abertura – assim como já o fazem – mostrando o quão podem contribuir, a nível local, para o bem-estar nacional.

Argentina, Brasil e a esfera subnacional

Após as mudanças no cenário internacional, nos anos 1980 e 1990, Brasil e Argentina viram-se diante de um novo fluxo de dinâmicas que partiam de seus governos internos. Através de processos individuais, tanto o Brasil como a Argentina buscaram promover as reformas necessárias, respeitando suas características nacionais e percepções estruturais do corpo estatal. Se a Argentina tentou manter um caráter mais federativo, flexibilizando a atuação subnacional e criando alguns conflitos entre constituições locais e a nacional, o Brasil adotou inicialmente a ideia de apoiar seus entes federados no que dizia respeito à integração regional que, rapidamente mostrouse um espaço reduzido e com dificuldades em absorver todos os interesses e ações descentralizadas. Em 1993, o Protocolo 23 - Fronteiriço, recebe o Anexo III onde os dois governos nacionais conferiram uma continuidade no trabalho de coordenação entre o Ministério de Relações Exteriores (Itamaraty), o Ministério de Relações Exteriores, Comércio Internacional e Culto (Cancillería), a Comissão de Comércio Exterior do Nordeste Argentino (CRECENEA/Litoral) e o Conselho de Desenvolvimento do Extremo Sul (CODESUL). O PF23, juntamente com a cooperação entre esses complexos regionais no Cone Sul, marca o desenvolvimento das redes de cooperação descentralizadas que, em 1995, serviriam de modelo para a criação, juntamente com a Rede de Eurocidades, da Rede Municipal de Mercocidades. Após o PF23, muitos governos subnacionais buscaram uma ligação com seus governos centrais para ampliarem sua legitimidade, bem como terem voz nas tomadas de decisão, como dentro do território demarcado pelo MERCOSUL. No ano de 1994 o MERCOSUL passava por sua institucionalização com o Protocolo de Ouro Preto e já no ano seguinte institucionalizou o tema. A concepção de subsidiariedade, ou seja, delegar a ação àquele que a executará melhor, dominava

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o discurso subnacional diante das negociações com os governos centrais. Os Estados deveriam dar voz aos seus entes, para que estes pudessem participar das decisões e assim assumir responsabilidades. A subsidiariedade foi clamada, sobretudo, por atores brasileiros, visto que na argentina o nível de autonomia, desde 1994, já se encontrava em uma posição um pouco mais real. Como já visto, governos subnacionais argentinos foram reconhecidos pelo governo central a atuarem internacionalmente, na Constituição Nacional de 1994, desde que esses não entrassem em contradições com os interesses nacionais. Entretanto, os conflitos também vieram, principalmente após iniciativas locais de modificações em suas constituições provençais;

Como reafirmara, os governos provençais se reservaram todas as competências que não foram delegadas ao Governo Federal na Constituição, o que foi entendido como a consagração implícita do principio de subsidiariedade [...] principio este pela qual as autoridades superiores não devem fazer o que os níveis inferiores podem fazer melhor, é um principio constitucional implícito para interpretar as relações entre diferentes níveis de governo (SANCHEZ, 2004, p.351).

Aquelas províncias que não adotaram jurisdição própria às políticas fiscais e na gestão internacional autônoma, tornaram-se passivas das leis constitucionais nacionais, consequentemente mais vulneráveis a qualquer tipo de atitude centralizadora por parte do Estado. A realidade, dada à existência dos textos constitucionais nacionais e provençais, contrasta com uma realidade na qual “o federalismo argentino sofre certos limitadores que distorcem o exercício harmônico dos ordenamentos jurídicos” (SANCHEZ, 2004, p.352) que produzem arbitragens entre as esferas locais e federal. Mas, diferenciando do Brasil, esses conflitos ocorrem exatamente pelo exercício da autonomia legal local diante de políticas nacionais. Ainda que muito próximo da Argentina, a realidade dos entes federados no Brasil possuem autonomia reduzida, cuja personalidade jurídica se limita ao direito público interno. Diferentemente da Argentina, estados e municípios brasileiros não possuem a possibilidade jurídica de irem às relações internacionais. Se na Argentina os governos locais tem essa possibilidade, de utilizarem de suas diplomacias – e conseguirem, até mesmo, se chocarem com o governo central – no Brasil a própria autonomia já é geradora de conflitos. Todavia, o que ainda se vê, em ambos os casos, é a contínua repetição de arbitragens jurídicas que podem fragilizar a estrutura estatal. Já no processo de integração regional, muitas vezes os governos centrais atuam de forma a apoiar e incentivar o aumento na participação de seus entes. “Em

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alguns casos, como o brasileiro, embora a constituição nacional apresente rígidos obstáculos à atuação internacional de seus entes federados, essa atividade, no entanto, é tolerada - e mesmo monitorada - pelo governo central” (MARIANO, 2004, p.23). No mesmo ano em

que se reforma a Constituição argentina e institucionaliza-se o MERCOSUL, tem-se a Declaração de Assunção e a formação das Mercocidades, fortalecendo a demanda por parte dos governos subnacionais em serem integrados ao processo decisório do bloco. No Brasil, nos anos 1990, após a significativa melhoria democrática pela Constituição de 1988, o advento do neoliberalismo e também do MERCOSUL, o caso nacional mostrou-se, até certo ponto, positivo à ampliação da participação subnacional. O próprio Itamaraty ilustrou essa preocupação em suas reformas nos anos 1990 e 2000, sobretudo com a criação de agencias de apoio aos governos subnacionais brasileiros, como a criação do Escritório de Representação do Ministério de Relações Exteriores no Estado do Rio Grande do Sul (ERESUL), em 1995.

No caso da Argentina pós-reforma constitucional de 1994, os temas do desenvolvimento foram atribuídos às províncias. Também no Brasil, o momento de transição estratégica iniciado pelo governo federal a partir da década de 1990 – [...] materializado, dentre outras iniciativas pelos processos de desregulamentação e privatização – exigiu algum tipo de ação por parte dos governos subnacionais, a fim de garantir sua própria sobrevivência numa situação econômica adversa. A prática da guerra fiscal, envolvendo acirrada competição entre estados e municípios brasileiros [...] inscreve-se perfeitamente nesse contexto (MARIANO, 2004, p.31).

Pode-se observar que não apenas interesses internos e demandas externas afetaram e afetam as características da atuação subnacional nesses dois países. O próprio comportamento do Brasil e da Argentina, seus governos centrais, por iniciativas diversas como fiscais e de integração, ao longo das décadas de 1980 e 1990, contribuíram no caminho e na direção que seus governos locais seguiram e no atual processo subnacional. Ainda que a composição jurídica nacional de ambos deixe, como já visto, muitas atuações subnacionais em conflitos ou na irregularidade, o Poder Executivo tem demonstrado ser sensível ao tema. Ao tentarem caminhar lado a lado com a evolução subnacional de seus entes e demais atores externos, os governos argentino e brasileiro demonstram uma disposição favorável às dinâmicas desses novos atores locais e internacionais.

Considerações finais

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Enquanto que na Argentina, o conflito entre as constituições provençais e a nacional, em determinados casos, levam a uma paradiplomacia arbitrária, no Brasil, onde os entes federados só estão dotados de autonomia e personalidade jurídica apenas no direito público interno, o que se vê também é uma constante arbitragem, tanto por parte da atuação dos entes federados, que vão ao meio externo, quanto pelo próprio governo central, ao dar apoio e reconhecimento em determinadas competências, como na integração regional. Tanto no Brasil quanto na Argentina ainda não há uma estrutura jurídica que acabe com essas irregularidades, já que a paradiplomacia ainda continua existindo com ou sem absorção pela máquina do Estado. Ainda que existam arbitragens jurídicas entre constituições nacionais e provençais, ainda que leve tempo para a adaptação dos dois atores aos seus entes federados e ao novo sistema, ainda que as partes possam atuar inadequadamente, é fato que os governos subnacionais tornam-se mais numerosos neste mundo globalizado onde se dinamiza as relações internacionais contemporâneas. As atuações descentralizadas acontecem com ou sem o aval dos governos centrais, mas apoiar e conseguir normatizar-se seria ampliar a eficiência do Estado diante dos atuais processos transnacionais. A subsidiariedade torna-se fundamental nas relações entre os governos centrais e seus entes federados - sem ela, não há dialogo entre as partes e todo o processo de reconhecimento e institucionalização acaba sem legitimidade. Delegar a ação aos atores subnacionais na solução de problemas locais diminui processos burocráticos e podem ampliar o bem-estar nacional. Entretanto, para isso, caberia ao Estado reconhecer as competências locais e regionais através de suas estruturas jurídica e institucional, pois esses já demonstraram ser bons vetores às soluções de várias questões em suas esferas de atuação. Pelo caso brasileiro viu-se uma postura centralizadora por parte do governo central – em especial pela rigidez de diálogos entre o Executivo, Legislativo e o Judiciário sobre o tema – que acaba por gerar um aumento das irregularidades que, consequentemente, poderão sim criar uma situação delicada entre os interesses nacionais e locais no meio externo. Já no caso argentino, o reconhecimento jurídico nacional deu sim abertura para que a atuação ocorresse. Entretanto, sem uma coordenação federativa que buscasse o equilíbrio entre as esferas governamentais,

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surgiram conflitos administrativos diferentes do caso brasileiro; não entre atuação e constituição, mas sim entre constituições. A cooperação e a troca de experiências entre os Estados argentino e brasileiro pode ser um caminho a equilibrar a autonomia local e a integridade política nacional sem desarmonias no Cone Sul. Acordos iniciais, ainda que também limitados por temáticas como a integração, deram as bases para o debate e o reconhecimento dessa situação, cada vez mais complexa, em que os Estados buscam organizar junto às suas noções de interesses nacionais. Demonstrando capacidades positivas ao atuarem em conjunto – como visto no Protocolo 23 - Fronteiriço e na institucionalização pelo MERCOSUL das Mercocidades –, Argentina e Brasil decidiram compartilhar limites, mas também criar possibilidades em que esses novos atores possam somar seus ganhos locais ao bem-estar da região.

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