Estado sem catequese
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Estado sem catequese É por conta do discurso preconceituoso e homofóbico de gente como o pastor que a violência contra cidadãos LGBTI alcançou níveis intoleráveis
20/02/2016 - 11h03 Marianna Chaves, Fernanda Barretto e Rogerio Koscheck, O Globo
Causaram enorme espanto as mais recentes declarações do ex-secretário de Assistência Social e Direitos Humanos do RJ, um pastor evangélico, sobre a homossexualidade e as uniões homoafetivas.
O pastor-secretário, ao ser instado a se pronunciar sobre a crise financeira que assola o Rio de Janeiro, atacou — sem nenhum pudor ou constrangimento — uma das principais bandeiras da própria pasta, afirmando-se contrário ao casamento homoafetivo.
Não satisfeito, comparou a homossexualidade a doenças como Aids e câncer para concluir que tal condição seria passível de cura, através de um milagre de Deus.
Os médicos encarregados da revisão da Classificação Internacional de Doenças, em 1995, chegaram à conclusão de que não existiam sinais que legitimassem considerar a homossexualidade como patologia ou mesmo como sintoma, sendo somente uma manifestação do ser humano.
Era inaceitável que, um secretário de Direitos Humanos, afirmasse de forma institucional que uma orientação sexual — seja ela qual for — seria uma doença suscetível à melhora por meio de milagres, quando a ciência médica já enterrou tal ideia há muito.
A ONU, na Resolução 17/19, explicitamente considerou os direitos LGBTI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Transgêneros e Intersexo) como direitos humanos e decretou que o país que não zelar pelos seus cidadãos LGBTI estará desrespeitando os tratados internacionais de direitos humanos e outros documentos internacionais.
Além do não reconhecimento de direitos humanos, assistia-se na prática política do pastor e exsecretário reiteradas afrontas ao princípio da laicidade em seus discursos, sempre pautados por princípios religiosos.
A pregação bíblica, como amparo argumentativo, termina por vilipendiar o indispensável uso da
!
razão nas discussões públicas. É preciso ver a questão da laicidade estatal numa lógica que é consagrada até na Bíblia Sagrada: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” (Marcos 12: 17). Assim, é preciso desvincular a regulamentação de direitos civis de doutrinas religiosas, até porque há um consenso monolítico anti-LGBTI nas maiores religiões do mundo.
É por conta do discurso preconceituoso e homofóbico de gente como o pastor que a violência contra cidadãos LGBTI alcançou níveis intoleráveis. Em 2014, foram registradas 326 mortes de pessoas LGBTI no Brasil, um aumento de 4% em relação a 2013, segundo o Grupo Gay da Bahia, com base em ocorrências policiais nos estados.
De acordo com entidades de defesa dos direitos humanos, o número está subestimado. Pesquisa da Universidade de Columbia mostra que o discurso de ódio contra homossexuais faz com que adolescentes LGBTI sejam cinco vezes mais propensos a tentar suicídio do que jovens heterossexuais.
Assim, era inconcebível que estivesse à frente daquela secretaria uma pessoa que não reconhecia os direitos LGBTI e ainda maculava a orientação homossexual com a pecha de doença, afrontando os princípios constitucionais da igualdade, da não discriminação e da dignidade humana, desacatando diversos instrumentos internacionais, além da própria Constituição.
Após a manifestações oficiais da OAB, da Associação Brasileira de Famílias Homoafetivas e da sociedade civil, o governador Luiz Fernando Pezão exonerou o pastor, que foi substituído por Paulo Melo. Espera-se que, desta vez, a indicação tenha sido refletida e que o novo secretário vista a camisa dos direitos humanos, promovendo a isonomia e travando uma batalha contra a discriminação dos grupos socialmente vulneráveis.
Marianna Chaves, Fernanda Barretto e Rogerio Koscheck são, respectivamente, conselheiras jurídicas e presidente da Associação Brasileira de Famílias Homoafetivas
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