ESTADO VERSUS RELIGIÃO: AS PERSPECTIVAS LIBERAIS DE RAWLS E HABERMAS E OS ARGUMENTOS RELIGIOSOS E NÃO-RELIGIOSOS NA ESFERA PÚBLICA

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Julio Tomé

ESTADO VERSUS RELIGIÃO: AS PERSPECTIVAS LIBERAIS DE RAWLS E HABERMAS E OS ARGUMENTOS RELIGIOSOS E NÃO-RELIGIOSOS NA ESFERA PÚBLICA

Trabalho de Conclusão de Curso submetido ao Programa de Graduação em Filosofia da Universidade Federal de Santa Catarina para obtenção do Grau de Bacharel em Filosofia. Orientador: Prof. Dr. Delamar José Volpato Dutra.

Florianópolis 2015

Julio Tomé

ESTADO VERSUS RELIGIÃO: AS PERSPECTIVAS LIBERAIS DE RAWLS E HABERMAS E OS ARGUMENTOS RELIGIOSOS E NÃO-RELIGIOSOS NA ESFERA PÚBLICA

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado para obtenção do Título de “Bacharel em Filosofia” e aprovado em sua forma final pelo Programa de Graduação em Filosofia. Florianópolis, __ de _____________ de 2015.

________________________ Prof. Dr. Celso Reni Braida Coordenador do Curso Banca Examinadora:

________________________ Prof. Dr. Delamar José Volpato Dutra Orientador Universidade Federal de Santa Catarina

________________________ Prof. Dr. Denilson Luís Werle Universidade Federal de Santa Catarina

________________________ Profª. Drª. Marta Nunes da Costa Universidade Federal de Santa Catarina

AGRADECIMENTOS Primeiramente, agradeço aos meus pais, porque desde meu nascimento até os dias de hoje eles sempre estiveram ao meu lado e, mesmo com todas as dificuldades, me apoiaram, me cercaram de afeto, carinho e amor. Agradeço ao Seo João e a Dona Vininha por terem me ensinado o valor da educação e a velha máxima de que “uma pessoa sem educação não é nada”. Enfim, agradeço aos meus pais por serem quem são, e por terem me educado da melhor maneira possível, maneira esta que não consigo transpor para esta folha sem que se perca, por incapacidade de expressar em palavras, um tanto da real admiração que sinto por eles. Faço também referência ao meu irmão, Juliano Tomé, que mesmo longe, segue sendo uma das pessoas mais importante da minha vida. Agradeço também aos meus amigos que, por mais clichê que seja, realmente são a família que escolhemos em vida. Agradeço desde os amigos que fiz durante minha infância e adolescência e que cresceram comigo na Pinheira, até os mais recentes oriundos do meu período de graduação na UFSC. Cito aqui meus amigos que desde o verão de 2005 estão em minha vida: Ronaldo Vasconcellos Filho, Diogo e Hugo Silveira, Helena Mello, Eduardo Eckert, Bruna Lunardi, pelos dez anos de amizade. Assim como os amigos: Ana Carolina Coan, Andrea Menconi, Bruna Pasinato, Carol Decs, Clarissa Lima, Diego Warmling, Eduardo de Borba, Erisson Silva, Felipe Scurato, Fernando Lima, Iago Mello Batistela, Ismael Bagatoli, Lucas Capra, Marina Pain, Rafael Lemos, Thatá Marcolino, Vinicius Marinheiro, Vinicius Mund, por, de alguma forma, estarem em minha vida. A vocês um muito obrigado e até o próximo bar! Agradeço, principalmente, aos amigos Moises Marçal, Thaise Dias Alves, Joanne Simon Flausino, Izauria Zardo, Igor Tavares, pelas conversas de filosofia, pelos bares e aventuras em Florianópolis, Curitiba, Psicodália etc., torcendo para que cada vez mais possamos viver coisas juntos em nossas vidas, e que nossos objetivos se realizem. À grande amiga Camila Añez agradeço por todo o companheirismo ao longo desses anos, e por ter me ajudado no meu desenvolvimento acadêmico e pessoal, assim como ao grande Deus (vulgo Marcelo Fistarol) por todas as correções, conversas, vinhos e cervejas divididos ao longo desses quatro anos. Não poderia deixar de agradecer neste momento a todos os professores do Departamento de Filosofia da UFSC pela excelente formação que tive em minha graduação.

Agradeço, em especial, ao professor Luís Felipe Bellintani Ribeiro, por, em um primeiro momento, ter sido a figura que fez com que eu não desistisse do curso, e aos professores da área de Filosofia Política e Ética, nas figuras dos professores Alessandro Pinzani, Denilson Werle, Maria de Lourdes e Marta Nunes da Costa, por suas excelentes aulas. Finalmente, agradeço ao professor Delamar José Volpato Dutra que, desde 2013, está me orientando em projetos PIBIC/CNPq, onde tive meu maior desenvolvimento filosófico, principalmente naquilo que tange a fazer pesquisas filosóficas, e que culminou neste Trabalho de Conclusão de Curso. Enfim, agradeço a todas as pessoas que me ajudaram a chegar até esse momento, e que me ajudaram manter a calma e o foco, no decorrer do desenvolvimento deste Trabalho de Conclusão de Curso.

O mundo que eu desejaria ver seria livre da virulência das hostilidades grupais e capaz de perceber que a felicidade de todos deve derivar da cooperação, e não da rivalidade. Eu desejaria ver um mundo em que a educação se destinasse à liberdade mental, e não ao aprisionamento da mente dos jovens em uma armadura rígida de dogmas calculados para protegê-los, ao longo da vida, dos golpes de evidencias tendenciosos. O mundo precisa de corações abertos e mentes abertas, e isso não pode derivar de sistemas rígidos, sejam eles velhos ou novos. Bertrand Russell

RESUMO Neste trabalho pretende-se apresentar as concepções liberais de John Rawls e Jürgen Habermas sobre a relação Estado e Religião na esfera pública de uma sociedade democrática constitucional. Para tanto, apresenta-se as teorias de Habermas e Rawls, sobre a ótica da questão de como uma sociedade democrática que, ao assumir a perspectiva política liberal, aceita múltiplas concepções de bem e planos de vida racionais que são irreconciliáveis entre si e que podem regulamentar o convivo dos cidadãos religiosos de diferentes credos, assim como, a relação entre religiosos e não-religiosos (seculares, ateus, agnósticos) e suas justificações políticas na esfera pública. Assume-se a perspectiva de que o Estado deva ser neutro e laico, i.e., que não possa assumir uma religião como oficial, e tenta-se, a partir dessa premissa, responder ao questionamento por meio dos escritos rawlsianos e habermasianos expondo os pontos em comum e divergentes das duas teóricas filosóficas. Também questiona-se neste trabalho se, a partir do momento em que um Estado legisla sobre assuntos como aborto, eutanásia, casamento homoafetivo e adoção de crianças por parte de casais homoafetivos, i.e., sobre as concepções de bem das pessoas, proibindo essas práticas, este Estado não estaria perdendo sua neutralidade e laicidade. Assume-se, então, que o Estado não deveria proibir determinadas práticas sobre o ponto de vista político, mas reconhece-se também que há uma linha muito tênue entre Estado Laico e “laicicista” que proíbe os símbolos e discursos religiosos na esfera pública, e que, tanto a perspectiva “proibicionista”, quanto a “laicicistas” não são ideais em uma democracia. Palavras-chave: Esfera Pública. Estado. Religião. Habermas. Rawls.

LISTA DE ABREVIATURAS EPB EPP LGBTs

Esfera pública burguesa Esfera pública política Movimento social que luta pelas causas das pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Transgêneros e Travestis

SUMÁRIO 1 2

INTRODUÇÃO ................................................................................ 15 RAWLS: JUSTIFICAÇÃO PÚBLICA E TOLERÂNCIA ENTRE DOUTRINAS ABRANGENTES ..................................................... 17 2.1 A IDEIA DE RAZÃO PÚBLICA ...................................................... 17 2.2 A JUSTIFICAÇÃO PÚBLICA .......................................................... 25 2.3 TOLERÂNCIA E DOUTRINAS ABRANGENTES E RAZOÁVEIS .. ............................................................................................................ 28 2.4 CONSENSO SOBREPOSTO E MODUS VIVENDI ........................ 322 3 HABERMAS: A RELIGIÃO NA ESFERA PÚBLICA QUE CONSOME CULTURA E O USO PÚBLICO DA RAZÃO ....... 377 3.1 A DISCUSSÃO PÚBLICA MEDIANTE RAZÕES NA ESFERA PÚBLICA BURGUESA E A SUA DECADÊNCIA ......................... 38 3.2 HABERMAS E A RELIGIÃO NA ESFERA PÚBLICA ................ 522 4 RAWLS VERSUS HABERMAS: A QUESTÃO DA LIBERDADE E O CONVIVIO ENTRE OS CIDADÃOS DA SOCIEDADE PÓSSECULAR ......................................................................................... 67 4.1 O PROCESSO DE SECULARIZAÇÃO: A RELAÇÃO ENTRE OS CIDADÃOS RELIGIOSOS E SECULARES EM HABERMAS ...... 69 4.2 JOHN RAWLS E A QUESTÃO DA LIBERDADE .......................... 78 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................... 87 REFERÊNCIAS........................................................................................ 91

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INTRODUÇÃO

Dada a perspectiva de uma sociedade que é democrática, constitucional e liberal, tenta-se, neste trabalho, traçar um paralelo entre os pensamentos de Jürgen Habermas e John Rawls acerca do papel da religião na esfera pública. Assume-se alguns pressupostos como, por exemplo, que nesta sociedade é plausível que as pessoas tenham liberdade de associação e de pensamento, assim como liberdade de credo e de expressão, e que elas possam assumir concepções de vida e de bem e escolherem os seus valores éticos e, por se tratar de uma sociedade democrática, essas escolhas nada implicam na perspectiva cidadã das pessoas, i.e., elas não ganham privilégios ou ônus políticos por serem dessa ou daquela religião, por defenderem este ou aquele valor moral, assim como podem mudar quantas vezes acharem necessário (e quando acharem necessário) suas perspectivas, e podem justificar, quando julgarem necessário, na esfera pública seus posicionamentos acerca do “mundo”. Colocadas essas primeiras condições, reconhece-se que não é bem assim que funcionam as sociedades, de modo geral, no século XXI, nem que esses pressupostos possam ser aceitos de maneira tão fácil sem que antes, em alguns casos, certas ponderações e explicações sejam dadas. Portanto, acredita-se que esse é um tema importante para um debate filosófico contemporâneo, onde analisam-se as perspectivas de como, em uma sociedade liberal, regulada por uma constituição onde vigora um regime democrático, as religiões possam se apresentar como uma alternativa de forma de vida, que pode auxiliar tanto seus membros, quanto seus nãosmembros e, principalmente, como pode-se pensar o convívio entre os cidadãos que assumem diferentes crenças, valores morais, concepções de bem etc. Para tanto, neste trabalho utiliza-se as perspectivas teóricas de John Rawls e Jürgen Habermas que, se não são os dois mais importantes filósofos políticos do século XX, estão entre os mais importantes, com seus pensamentos ecoando até hoje dentro da academia e fora dela. Em se tratando de um trabalho de cunho filosófico, foca-se na exposição conceitual destes filósofos e seus comentadores, visando uma leitura filosófico-política e jusfilosófica de cunho descritivo referente à relação Estado/Religião na sociedade “pós-secular”1 deste início de século. Escolheu-se os filósofos Jürgen Habermas e John Rawls como principais referências teóricas para o desenvolvimento deste estudo, pois 1

Este termo será melhor explicitado no segundo capítulo deste estudo.

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ambos tratam de forma significativa o tema da religião na esfera pública em suas obras. Mesmo sendo eles dois autores liberais (políticos), isso não impede que tenham divergências conceituais e teóricas acerca do debate aqui proposto, fazendo com que este trabalho ganhe um importante arranjo conceitual e tenha uma base sólida para seu desenvolvimento e para as discussões sobre Estado e Religião. Como explicitado por Habermas em sua obra Entre Naturalismo e Religião, deseja-se neste estudo pesquisar sobre: [...] até que ponto a separação entre Igreja e Estado, a qual é requerida pela constituição, pode influenciar o papel, a ser desempenhado pelas tradições e comunidades religiosas, na esfera pública política e na sociedade civil, portanto, na formação política da opinião e da vontade dos cidadãos? [...]. (HABERMAS, 2007, p. 134).

Para tanto, divide-se este trabalho em três capítulos. No primeiro capítulo, procura-se trazer as primeiras considerações rawlsianas acerca da discussão Estado/Religião em uma sociedade democrática constitucional onde vive-se sob o preceito de um Estado laico e da neutralidade estatal naquilo que tange às considerações religiosas dos cidadãos. Assumindo, assim, a perspectiva liberal. No segundo capítulo, pretende-se apresentar as considerações de Habermas referentes ao papel da religião na esfera pública, onde já se apresentarão algumas diferenças em relação ao pensamento de John Rawls. Tenta-se nesse capítulo, devido à vasta quantidade de publicações habermasianas, tomar os principais textos de Habermas que tratam sobre a religião e o convívio entre cidadãos de credos diferentes, assim como a relação entre religiosos e não religiosos, na esfera pública das sociedades que se desenvolveram com o sistema capitalista. No derradeiro capítulo, apresenta-se algumas considerações acerca dos pensamentos de Habermas e Rawls referentes a aspectos não trabalhados anteriormente, considerando também o que foi apresentado nos dois primeiros capítulos. Lembra-se que, por se tratar de uma pesquisa filosófica e não das ciências humanas e sociais aplicadas, como um todo, dá-se uma demasiada atenção aos debates conceituais e às explicações e implicações destes.

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RAWLS: JUSTIFICAÇÃO PÚBLICA E TOLERÂNCIA ENTRE DOUTRINAS ABRANGENTES

Neste primeiro capítulo, tem-se como objetivo apresentar e discutir os principais conceitos rawlsianos referentes à discussão sobre a relação Estado/Religião no seio de uma sociedade democrática. Para tanto, serão apresentados, junto aos conceitos, algumas interpretações e problematizações desses conceitos, buscando-se, além de apresentar uma explicitação coerente das principais ideias rawlsianas, levantar os principais temas que esse trabalho deseja abordar em seu desenvolvimento. Este primeiro capítulo será dividido em quatro seções, sendo a primeira a responsável por apresentar a ideia de razão pública no pensamento de John Rawls. Já na segunda seção, tem-se como objetivo abordar a questão da justificativa pública, onde o questionamento central é como as pessoas dentro de uma doutrina abrangente podem justificar suas ações, posicionamentos etc., sendo elas membros da sociedade, e pessoas livres e iguais com concepções de bem, sem que isso gere conflitos entre a visão individual e a sociedade democrática? A terceira seção apresentará o conceito de doutrinas abrangentes e razoáveis, onde primeiro serão apresentadas as concepções de razoável e racional, no pensamento rawlsiano, assim como a ideia de tolerância, principalmente naquilo que tange às relações entre doutrinas/sociedade. Na última seção, será explicado um conceito chave para o entendimento deste trabalho, que é o conceito de consenso sobreposto para as doutrinas abrangentes. 2.1

A IDEIA DE RAZÃO PÚBLICA

Nesta seção tem-se como objetivo principal descrever a ideia de razão pública no pensamento de John Rawls, para tanto, será utilizada como base teórica a conferência VI do Liberalismo Político e a Ideia de Razão Pública Revisitada, assim como o parágrafo 26 do livro Justiça como Equidade, apresentando, por meio desses textos, os principais conceitos ligados à ideia de razão pública em John Rawls, que serão de fundamental importância para o desenvolvimento deste trabalho. Assim como textos de comentadores do pensamento rawlsiano. Dando início a esta seção, afirma-se que, para John Rawls, “[...] a razão pública é a característica de um povo democrático: é a razão de seus cidadãos, daqueles que compartilham o status quo da cidadania igual.”

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(RAWLS, 2000b, p. 261). A razão pública não é uma razão jurídica, e tem como seu objetivo o bem público, sendo uma concepção ideal de cidadania de um sistema democrático constitucional que mostra como as coisas devem ser, i.e., um ideal a ser alcançado em uma sociedade democrática, e entendida como pública, em três sentidos: [...] enquanto a razão dos cidadãos como tais, é a razão do público; seu objeto é o bem do público e as questões de justiça fundamental; e sua natureza e conceitos são públicos, sendo determinados pelos ideais e princípios expressos pela concepção de justiça política da sociedade e conduzindo à vista de todos sobre essa base. (RAWLS, 2000b, p. 262).

A razão pública é para Rawls, em um primeiro momento, a razão de cidadãos livres e iguais2 que exercem um poder político final e agem coercitivamente uns sobre os outros para promulgar leis e emendar sua constituição. Porém há limites impostos à razão pública3, implicando que as discussões acerca desta acabam resumidas às questões de “elementos constitucionais essenciais” e “questões de justiça básica”4. O que permite afirmar, que: [...] somente valores políticos devem resolver questões fundamentais tais como: quem tem direito a voto, ou que religiões devem ser toleradas, ou a quem se deve assegurar igualdade eqüitativa de oportunidades, ou ter propriedades. [...]. (RAWLS, 2000b, p. 263).

Para Rawls, é democraticamente aceitável, e preferível, uma pluralidade de doutrinas abrangentes razoáveis e conflitantes, religiosas e filosóficas. Devendo ocorrer uma mudança da estrutura argumentativa, i.e.,

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A concepção de que os cidadãos são livres e iguais remete a uma concepção política, cujo conteúdo referencia as liberdades e os direitos fundamentais dos cidadãos de uma Democracia. Donde, então, suas liberdades e igualdades devem ser compreendidas na linguagem da cultura política pública. 3 Onde estabelece-se a distinção entre visões inclusiva e exclusiva da razão pública, sendo que a primeira afirma que as doutrinas abrangentes não podem ter suas razões introduzidas na razão pública. A segunda permite que se apresente os valores políticos das doutrinas abrangentes, desde que isso fortaleça o ideal de razão pública. 4 Importante salientar que os elementos constitucionais essenciais e as questões básicas de justiça são o conteúdo das questões fundamentais de uma sociedade democrática com cooperação equitativa, como é afirmado por Feldens (2012, p. 66-67).

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as argumentações não partiriam das doutrinas abrangentes, mas argumentarse-ia por meio de uma ideia politicamente razoável. A razão pública não são as reflexões e deliberações pessoais dos cidadãos sobre questões políticas, assim como reflexões de Igrejas, universidades etc., mas sim a ideia de razão pública tem a ver com as relações governo/cidadão e cidadão/cidadão, sendo que, em conformidade com o pensamento de John Rawls, acredita-se que todas as formas de argumentação (não-públicas) devem conter certos elementos comuns, tais como: princípios de inferência e regras de evidência; incorporação dos conceitos fundamentais de julgamento, onde incluem-se os padrões de correção e critérios de verdade, levando-se em conta as especificidades que as associações e os indivíduos possam ter. Para Rawls, os critérios e métodos das razões públicas de associações dependem, em parte, de como se entende a natureza delas e as condições por meio das quais elas buscam seus fins. A ideia de razão pública é introduzida para que assim consiga-se que cada cidadão, à sua maneira, possa endossar publicamente, à luz de sua própria razão, uma justificação pública de elementos constitucionais essenciais ou de questões de justiça básicas que estarão em discussão. Isso significa que as razões deveriam incluir-se entre valores políticos expressos por uma concepção política de justiça, onde, pensando na cooperação equitativa das pessoas, que são livres e iguais, deve-se, então, justificar o uso do poder político coercitivo e coletivo, por meio da razão pública. Os valores políticos de uma concepção política da justiça como equidade são definidos da seguinte maneira: i) os valores de justiça política, que inscrevem-se entre os princípios de justiça para a estrutura básica. Estes são, por exemplo, os valores de liberdade política e igualdade civil etc.; ii) valores da razão pública escritos nas diretrizes de discussão pública, além das etapas necessárias, por meio das quais se garante que a discussão seja livre e pública. Nesse ponto reflete-se um ideal de cidadania, onde o desejo de decidir as questões de políticas fundamentais implicará em reconhecer os outros como livres, iguais, razoáveis e racionais. Uma concepção política de justiça tem três características principais. A primeira diz respeito ao seu objetivo; sendo uma concepção moral com objetivo para as instituições políticas, sociais e econômicas. Sendo esta aplicada às estruturas básicas. Estrutura básicas são as principais instituições políticas, sociais e econômicas de uma sociedade, e a forma como essas se combinam em forma de um sistema de cooperação social.

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[...] Portanto, o foco inicial de uma concepção política de justiça é a estrutura das instituições básicas e os princípios, critérios e preceitos que se aplicam a ela, bem como a forma pela qual essas normas devem estar expressas no caráter e nas atitudes dos membros da sociedade que realizem seus ideais. (RAWLS, 2000b, p. 54).

A segunda característica de uma concepção política de justiça diz respeito ao modo de apresentação, i.e., uma concepção política de justiça autossustentada, não sendo apresentada como uma doutrina abrangente. Para Rawls, deve-se fazer a distinção entre a forma pela qual uma concepção política é apresentada e o fato dela fazer parte ou ser derivada de uma doutrina abrangente. Uma concepção política é uma parte construtiva essencial, que se encaixa em várias doutrinas abrangentes razoáveis subsistentes na sociedade que ela própria regula. Uma concepção política difere de uma concepção moral e tenta elaborar uma concepção razoável somente para as estruturas básicas sem se envolver com doutrinas específicas. A terceira característica de uma concepção política de justiça é que seu conteúdo é expresso por meio de certas idéias fundamentais, vistas como implícitas na cultura política de uma sociedade democrática. Essa cultura pública compreende as instituições políticas de um regime constitucional e as tradições públicas de interpretação. [...]. (RAWLS, 2000b, p. 56).

A justiça como equidade rawlsiana tem a ideia de sociedade como um sistema de igual cooperação; de cidadãos livres e iguais; onde que para a sociedade ser bem-ordenada, ela deve ser ordenada por uma concepção política de justiça. Para Rawls, o ideal de razão pública governa a forma como os cidadãos devem escolher votar quando estão em jogo questões fundamentais, onde há distinção entre como o ideal da razão pública se aplica aos cidadãos e às autoridades estatais. O que implica que a razão pública afeta diretamente os legisladores e os executivos de uma sociedade em suas atividades públicas. Para Rawls, é necessário que uma pessoa, no fórum político público, cumpra sempre as exigências de justificação, sendo que há culturas de fundo, que são aquelas doutrinas abrangentes religiosas, filosóficas etc., que são

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asseguradas por uma estrutura de Direito, sendo que se faz necessário discutilas, mas essas doutrinas não podem ser levadas em conta pela razão pública. Para tanto, Rawls caracteriza o princípio liberal da legitimidade da seguinte forma: [...] o exercício do poder político é próprio e, por isso, justificável somente quando exercido de acordo com uma constituição cujos elementos essenciais se pode razoavelmente esperar que todos os cidadãos endossem, à luz de princípios e ideais aceitáveis para eles enquanto razoáveis e racionais. (RAWLS, 2000b, p. 266).

O exercício do poder político deve ser legítimo, e o ideal de cidadania impõe o dever moral de que os cidadãos expliquem quais princípios e políticas fundamentais eles defendem e em quais votam, de forma que são sustentados pelos valores políticos da razão pública, e “[...] esse dever também implica a disposição de ouvir os outros, e uma equanimidade para decidir quando é razoável que se façam ajustes para conciliar os próprios pontos de vistas com os dos outros.” (RAWLS, 2000b, p. 266). Sendo que, no pensamento de Rawls, os cidadãos defendem o ideal de razão pública em virtude de suas próprias doutrinas razoáveis. Sabe-se que uma pessoa pode votar conforme suas preferências e interesses sociais e econômicos, sendo que a democracia é governo da maioria. Ou então, uma pessoa também pode votar em prol daquilo que acredita ser verdadeiro, sem levar em conta as razões públicas. Mas, por meio de votos com essas ‘justificativas’, não se reconhece o dever de civilidade e nem são respeitados os limites da razão pública sobre assuntos acerca de elementos essências básicos e questões de justiça. O voto tem como objetivo, então, segundo Ralws, o bem comum como na ideia do Contrato Social de Rousseau. Sendo que “[...] os cidadãos devem exercer seu poder político baseado em princípios e ideias públicas de justiça, e isso caracteriza o princípio liberal de legitimidade. [...]” (SILVEIRA, 2009, p. 68). A ideia de legitimidade política está baseada no critério de reciprocidade5 e significa que exercer o poder político é votar naquilo que se acredita, e que se consegue justificar por meio de boas razões, levando em 5

“[...] o critério de reciprocidade exige que, quando esses termos são propostos como os termos de cooperação justa mais razoáveis, quem propõe pense também que é ao menos razoável que os outros aceitem como cidadãos livres e iguais, não dominados, nem manipulados ou sob a pressão de uma posição política ou social inferior.”. (RAWLS, 2004, p. 180).

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consideração se os outros cidadãos aceitariam razoavelmente essa razão (motivo pelo qual se assume determinado ponto) ou não. E “[...] para serem razoáveis, as concepções políticas devem justificar apenas constituições que satisfaçam esse princípio” (RAWLS, 2004, p. 281). Chega-se, assim, a um ideal de civilidade pública e, a partir de então, a argumentação será feita dentro dos limites estabelecidos pelo princípio de legitimidade nas discussões referentes a assuntos ligados aos elementos constitucionais essenciais e questões de justiça básica. “Em suma, a razão pública é a forma de argumentação apropriada para os cidadãos iguais que, como um corpo coletivo, impõem normas uns aos outros apoiados em sanções do poder estatal. [...]" (RAWLS, 2003, p. 230). Já quanto à razão apropriada para indivíduos e associações no interior da sociedade, essa Rawls chamará de razão não-pública, i.e., um guia para as decisões pessoais e associativas. Deste modo, para Rawls, há razões públicas e não-públicas, sendo que, diferentemente das razões não-públicas, existe apenas uma razão pública. As razões não-públicas são todos os tipos de associações, tais como igrejas, universidades etc. Esses órgãos devem agir de forma razoável e responsável, e argumentação é pública no que diz respeito a seus membros, e não-pública em relação à sociedade. O que se pode deduzir é que essas associações são pertencentes a ‘cultura de fundo’ e não podem, por meio de seus dogmas, imporem suas visões particulares como leis. O poder não-público é livremente aceito, como, por exemplo, no caso da autoridade que uma determinada igreja exercerá sobre algum indivíduo. Sendo a liberdade de consciência e de pensamento a responsável pela escolha de determinada religião e não a de outra; e o direito de escolher a religião com a qual se ‘concorda’ está assegurado via direitos e liberdades constitucionais fundamentais. Já os valores políticos da razão pública são concretizados em instituições políticas e as caracterizam, sendo que esse é um valor político apenas quando sua forma social é política, i.e., é concretizada em partes das estruturas básicas e das instituições políticas e sociais, portanto, as concepções políticas da razão pública devem ser completas. [...] Isso significa que cada concepção deve expressar princípios, padrões e ideais, juntamente com diretrizes de investigação, de tal modo que os valores por ela explicitados possam ser adequadamente ordenados ou unidos de modo que esses valores sozinhos ofereçam respostas razoáveis a todas, ou quase todas, as

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perguntas que envolvem elementos constitucionais essenciais ou questões de justiça básica. [...]. (RAWLS, 2004, p. 190).

Para Rawls, o ordenamento de valores políticos é feito dentro da própria concepção política, diferentemente das doutrinas abrangentes. Os valores políticos não podem ser vistos separadamente e distantes um dos outros ou de qualquer contexto definido. Esses valores podem ser vistos como razoáveis na razão pública, já que as estruturas institucionais estão visíveis e expostas a erros. Como afirmado, os valores políticos liberais, i.e., de uma concepção política da justiça como equidade, no caso rawlsiano, são de dois tipos, sendo que o desejo (ideal) da teoria de Rawls é que o conteúdo substantivo e as diretrizes de indagação fossem completos, ao ponto de que somente esses valores respondessem pública e razoavelmente a todas as questões que envolvessem os elementos constitucionais básicos e as questões de justiça. Desse modo, as diretrizes e os critérios de razão públicos devem ser adotados na posição original. Não há razão pela qual uma pessoa, ou uma associação, possa usar o poder estatal para decidir elementos constitucionais essências conforme deseja sua doutrina abrangente. A posição original é o Estado de Natureza dos contratualistas clássicos. Na teoria rawlsiana, as pessoas, vistas enquanto “partes”, não saberiam sua posição na sociedade, classe e status social. Elas não conheceriam sua sorte na distribuição de riquezas e habilidades, inteligência, força e coisas semelhantes. Nem mesmo conheceriam suas concepções de bem e propensões psicológicas particulares. Elas estariam sob o “véu de ignorância” e, por meio deste véu, escolheriam os princípios de justiça. Para Rawls, escolher os princípios sob o véu de ignorância garantiria que nenhuma pessoa (ou classe) fosse favorecida ou desfavorecida, pois todos estariam na mesma posição, com as mesmas informações. Sendo que: “[...] uma vez que todos estão numa situação semelhante e ninguém pode designar princípios para favorecer sua condição particular, os princípios da justiça são resultados de um consenso ou ajuste eqüitativo. [...]” (RAWLS, 2000c, p. 13). Isso é, [...] a posição original deve abstrair as contingências do mundo social e não ser afetada por elas é que as condições de um acordo eqüitativo sobre os princípios de justiça política entre pessoas livres e iguais deve eliminar as vantagens de barganha que surgem inevitavelmente nas instituições de base de qualquer

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sociedade, em função de tendências sociais, históricas e naturais cumulativas [...]. (RAWLS, 2000b, p. 66).

Segundo o pensamento rawlsiano, em um regime constitucional democrático exige-se que cada cidadão aceite as obrigações da lei legítima. Não se deve ter como esperança a mudança da constituição para que assim uma doutrina abrangente seja hegemônica, seja ela religiosa ou não-religiosa. E “[...] conservar tais esperanças e objetivos seria incompatível com a ideia de liberdades básicas iguais para todos os cidadãos livres e iguais.” (RAWLS, 2004, p. 198). Sendo uma constituição democrática a lei mais alta, baseada nos princípios e expressando o ideal político de um povo que se governa de certa maneira, e a razão pública o que articula esse ideal de governabilidade. Os mais céticos em relação à teoria rawlsiana podem levantar o questionamento de como uma pessoa irá conseguir conciliar suas visões enquanto cidadã de uma sociedade democrática e enquanto seguidora de uma doutrina abrangente. Mas, para Rawls, esse questionamento acerca da dificuldade de conciliação de pensamento enquanto visão individual, e de membro de uma sociedade democrática, responde-se da seguinte maneira: [...] a resposta encontra-se na compreensão e aceitação da doutrina religiosa ou não-religiosa de que, não há nenhuma outra maneira de assegurar imparcialmente a liberdade dos seus seguidores compatível com as liberdades iguais de outros cidadãos livres e iguais razoáveis. Ao endossar um regime democrático constitucional, uma doutrina religiosa pode dizer que tais são os limites que Deus impõe a nossa liberdade; uma doutrina não-religiosa irá expressar-se de outra maneira. Mas, em cada caso, essas doutrinas formulam de maneiras diferentes o modo como a liberdade de consciência e o princípio de tolerância podem ser coerentes com igual justiça para todos os cidadãos em uma sociedade democrática razoável. [...]. (RAWLS, 2004, p. 198 - 199).

Um ponto central do liberalismo político é o fato de que os cidadãos livres e iguais afirmem concomitantemente suas doutrinas abrangentes e suas concepções políticas, pois, “[...] buscamos uma base de justificação pública compartilhável por todos os cidadãos da sociedade, dar justificativa a pessoas e grupos particulares aqui e ali, até que todos sejam abrangidos, não concorre para nosso objetivo.” (RAWLS, 2004, p. 225).

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2.2

A JUSTIFICAÇÃO PÚBLICA

Na primeira seção, por vezes, foi invocado o conceito de justificação pública, mas sem as explicações necessárias que este conceito necessita para o entendimento deste trabalho. Nesta seção, portanto, será discutido o conceito de justificação pública em John Rawls, por meio, principalmente, do §9 do livro Justiça como Equidade. A justificação pública é uma ideia fundamental na teoria rawlsiana e, por meio dela, as noções de equilíbrio reflexivo, consenso sobreposto6 e razão pública livre estão relacionadas. A noção de equilíbrio reflexivo parte do pressuposto de que as pessoas são livres e iguais e de que os cidadãos são capazes de razão (teórica e prática) e senso de justiça. Onde: “[...] o senso de justiça (como forma de sensibilidade moral) envolve uma faculdade intelectual, já que seu exercício na elaboração de juízos convoca as faculdades da razão, imaginação e julgamento.” (RAWLS, 2003, p. 41). A ideia de justificação pública tem como objetivo definir a ideia de justificação de uma maneira apropriada a uma concepção política de justiça numa sociedade democrática com o pluralismo razoável. Nela está contida a ideia de sociedade bem-ordenada, pois ela precisa ser uma concepção de justiça publicamente reconhecida, sendo que há três características que a fazem ser uma concepção pública de justiça: i) é uma concepção moral, mas elaborada para um objeto específico, e não se aplica diretamente a associações e grupos da sociedade; ii) onde sua aceitação não implica em aceitar uma doutrina abrangente específica; iii) e, na medida do possível, restringe-se às ideias fundamentais habituais ou implícitas na cultura política pública de uma sociedade democrática, e isso é um fato das sociedade democráticas. Na ideia fundamental de sociedade da justiça como equidade, os cidadãos são livres e iguais e; uma sociedade bem-ordenada isso significa que ela é uma sociedade efetivamente regulada por uma concepção de política e pública de justiça. Ser uma sociedade bem-ordenada é: ser uma sociedade na qual cada indivíduo aceita e sabe que os outros também aceitam os mesmos princípios de justiça (concepção de justiça publicamente reconhecida); todos reconhecem que a estrutura básica da sociedade está em concordância com os seus princípios (regulação efetiva); e há um senso efetivo comum de justiça que vai de acordo com as instituições básicas. Criase, assim, um ponto de vista comum. Sendo esse ponto de vista, para Rawls: 6

Esse conceito será melhor explorado na seção 1.4 deste estudo.

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[...] uma característica essencial de uma sociedade bem-ordenada é que sua concepção pública de justiça política estabelece uma base comum a partir da qual os cidadãos justificam, uns para os outros, seus juízos políticos: cada um coopera, política e socialmente, com os restantes em termos aceitos por todos como justos. É esse o significado da justificação pública. (RAWLS, 2003, p. 38).

Para Rawls, é por meio da razão pública que se tenta convencer os cidadãos que discordam de certos posicionamentos, justificando-os (os posicionamentos) em juízos políticos. Para tanto, utiliza-se de raciocínios e inferências condizentes com as questões políticas fundamentais, podendo recorrer a crenças, valores políticos etc., que os outros (cidadãos) também aceitem, pois: [...] Quando os cidadãos deliberam, eles trocam pontos de vista, debatem e defendem as razões apresentadas para fundamentar determinados juízos e decisões sobre questões políticas fundamentais. Eles supõem que suas opiniões e juízos políticos podem ser revisados pela discussão com outros cidadãos; e, portanto, opiniões e juízos não são simplesmente o resultado fixo de interesses privados ou não políticos existentes antes da deliberação. É neste ponto que a razão pública é crucial, pois ela caracteriza essa argumentação dos cidadãos no que diz respeito aos elementos essenciais da constituição e às questões de justiça básica. (WERLE, 2011, p. 202).

A justificação pública tem como um de seus objetivos, preservar as condições de cooperação equitativa, baseada no respeito mútuo entre os cidadãos livres e iguais. Sendo necessário um acordo de juízos sobre elementos constitucionais essenciais, e quando esse acordo está ameaçado, tenta-se elaborar, por parte da filosofia política prática, uma concepção de justiça com a qual se consiga reduzir os desacordos. Na justiça como equidade, almeja-se colocar de lado as controvérsias religiosas e filosóficas e não se apoiar em qualquer cisão abrangente, pois, por meio das ideias fundamentais implícitas na cultura política, chega-se a uma base pública de justificação em que todos os cidadãos, razoáveis e racionais, possam endossar a partir de suas próprias doutrinas abrangentes.

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A concretização desse ideal gera o consenso sobreposto de doutrinas razoáveis, com uma concepção política assegurada no equilíbrio reflexivo. Sendo que os princípios de liberdade de consciência e tolerância devem ser sempre respeitados, pois são eles a base fundamental para que todas as doutrinas posam viver de forma harmoniosa em uma sociedade, democrática constitucional. Para Rawls, a razão certa do compromisso com o ideal democrático se dá quando os cidadãos das doutrinas religiosas e não-religiosas expressam suas ideias na visão ampla da cultura política pública. “[...] quando essas doutrinas aceitam o proviso e só entram no debate político, o compromisso com a democracia constitucional é manifestado publicamente. [...]”. (RAWLS, 2004, p. 202). Considerando que a visão ampla da cultura política pública, no pensamento de John Rawls, tem dois aspectos: i) doutrinas razoáveis podem ser introduzidas nas discussões políticas públicas por meio da razão pública adequada como proviso7, sendo que “[...] o proviso deve ser elaborado na prática e não pode ser governado por uma família clara de regras dadas de antemão. [...]” (RAWLS, 2004, p. 201), que sustentaram as visões introduzidas pelas doutrinas abrangentes; ii) pode haver razões positivadas para introduzir doutrinas abrangentes nas discussões políticas públicas. Para Rawls, se a democracia tem como objetivo a igualdade plena de todos os seus cidadãos, para consegui-lo ela deve fazer arranjos. No pensamento de Rawls, o STF8, no caso do Brasil, e a Supreme 9 Court , no caso dos Estados Unidos, por exemplo, são considerados casos exemplares de razão pública, que têm como aspecto exercer uma força e vitalidade em favor da razão pública no fórum público, interpretando a constituição de forma razoável, clara e efetiva. Onde é: [...] função dos juízes expressar as melhores interpretações da constituição, não podendo usar critérios pessoais para o julgamento, como doutrinas religiosas, filosóficas ou morais, apelando apenas para os valores políticos que fazem parte da concepção política de justiça [...]. (SILVEIRA, 2009, p. 71).

“[...] isto é, na tradução de razões não-públicas para razões públicas no caso dos cidadãos crentes introduzirem argumentos de origem religiosa na esfera pública política. Portanto, é preciso saber se ainda mantém-se como solução a separação entre fé e razão na política, ou se alguma forma de inclusivismo de conteúdos religiosos poderia ser possível, sob qual critério e qual concepção de justiça política poderia formular sua justificação.” (FREIRE, 2014, p. 110). 8 Superior Tribunal Federal. 9 Suprema Corte. 7

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No pensamento rawlsiano, têm-se a ideia de que a razão pública exige dos cidadãos que eles ajam de maneira tal que consigam equilibrar seus valores públicos razoáveis em casos específicos, seja os considerando sinceramente ou que os outros os vejam como razoáveis. Preocupando-se sempre com o dever de civilidade. “[...] A ideia do politicamente razoável é suficiente em si para os propósitos da razão pública quando as questões políticas básicas estão em jogo [...]” (RAWLS, 2004, p. 133). 2.3

TOLERÂNCIA RAZOÁVEIS

E

DOUTRINAS

ABRANGENTES

E

Nesta terceira seção do capítulo que abre este trabalho, tem-se como objetivo apresentar o pensamento rawlsiano sobre aquilo que seriam as doutrinas abrangentes e razoáveis, já citadas nas primeiras seções, porém sem a devida atenção que merecem para o desenvolvimento desse trabalho. Além de tratar de fazer uma breve exposição sobre o tema da tolerância. Entretanto, antes do aprofundamento nas relações das doutrinas, será apresentada a definição e diferenciação, utilizada por John Rawls, na segunda conferência do Liberalismo Político, sobre o racional e razoável, que é de fundamental importância para o entendimento do conteúdo desta seção. A distinção utilizada por Rawls, entre racional e razoável, remete, como é afirmado no texto da segunda conferência do Liberalismo Político, a ideia da teoria kantiana entre a distinção sobre o imperativo categórico e o hipotético, donde, o primeiro seria a representação da razão prática pura e o segundo da razão prática empírica. Sendo que John Rawls, então, atribui ao razoável um sentido mais estrito, associado à proporção e à sujeição à termos equitativos de cooperação social e ao racional; e reconhece os limites do juízo de aceitar as suas consequências. O razoável seria a razão prática pura. O racional a razão prática empírica. Saber que as pessoas são razoáveis naquilo que se refere aos outros, significa saber que elas estão dispostas a orientarem sua conduta por um princípio em que as pessoas podem raciocinar conjuntamente e, enquanto pessoas razoáveis, levaram em conta as consequências de suas ações sobre a felicidade dos outros. E ser razoável, não deriva ou se contrapõe ao racional, mas é incompatível com o egoísmo. As pessoas são razoáveis quando estão dispostas a propor princípios e critérios como termos equitativos de cooperação e a submeter-se voluntariamente a eles, considerando que os outros cidadãos também se comprometam. O razoável é quando uma regra pode ser (e é) justificável para todos. É um elemento da ideia de sociedade de cooperação equitativa. As

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pessoas razoáveis têm como fim em si mesmo um mundo social ao qual elas possam cooperar com os outros cidadãos em termos que todos possam aceitar. Onde a reciprocidade é, e serve, para que todos no mundo se beneficiem dela. Já a ideia de racional aplica-se a um agente único e unificado, que faz deliberações e julgamentos para buscar seus fins e interesses próprios. O racional é a forma pelo qual esses fins são adotados e promovidos, assim como a forma por meio da qual são priorizados. Os agentes racionais não se limitam ao cálculo meios/fins, nem se dedicam exclusivamente a seus interesses pessoais. “[...] todo interesse é um interesse pessoal (de um agente), mas nem todo interesse implica benefícios para a pessoa que o tem. [...]” (RAWLS, 2000b, p. 94). Os agentes racionais, para Rawls, não têm sensibilidade moral de engajamento na cooperação equitativa; mas isso não implica que o razoável seja por completo sensível às sensibilidades morais. Segundo o pensamento apresentado por John Rawls, a ideia de racional e razoável não derivam uma da outra; mas são noções complementares. E tanto o racional quanto o razoável são elementos da ideia fundamental de cooperação equitativa, cada um conectando-se com uma faculdade moral distinta. O razoável se conecta com a capacidade de ter um senso de justiça, já o racional com a capacidade de ter uma concepção de bem. “[...] Ambos trabalham em conjunto para especificar a ideia de termos equitativos de cooperação, levando-se em conta o tipo de cooperação social em questão, a natureza das partes e a posição de cada uma em relação à outra.” (RAWLS, 2000b, p. 96). O razoável é público, o racional não. É pelo razoável que se vê (e são vistos) os cidadãos como iguais no mundo, onde há a disposição de se propor ou aceitar termos equitativos de cooperação social uns com os outros. A razoabilidade é a disposição de elaboração de uma estrutura do mundo social público, estrutura essa que é razoável que se espere que seja endossada por todos, e que todos ajam conforme essa estrutura. “[...] Sem um mundo público estabelecido, o razoável pode ser suspenso e posto, em grande parte, junto com o racional, embora o razoável sempre vigore in foro interno [...]” (RAWLS, 2000b, p. 97). Ser razoável não é ser altruísta. Sendo que, em uma sociedade razoável, todos têm seus fins racionais, com disposição para proporem termos equitativos, tendo como pano de fundo uma virtude social essencial. No pensamento de Rawls: [...] é fundamental que os cidadãos se mostrem dispostos a serem razoáveis e racionais, isto é, que

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prefiram a maior quantidade de vantagens que os permita promover ao máximo seus interesses, que sejam conscientes de que a cooperação social torna possível uma vida melhor do que aquela que se possa pretender isoladamente, vivendo unicamente através de seus próprios esforços. (PINHEIRO, 2011, p. 5).

Dito isso, pode-se ir à parte central dessa seção, que é a apresentação do pensamento rawlsiano referente às doutrinas abrangentes e razoáveis, afirmando que as doutrinas abrangentes razoáveis têm três aspectos: i) são um exercício da razão teórica que diz respeitos às questões religiosas, filosóficas e morais, de forma mais ou menos consistente e coerente, organizando e caracterizando valores reconhecidos de forma que compatibiliza-os entre si, expressando uma visão de mundo inteligível; ii) mas, quando uma doutrina abrangente seleciona os valores que são considerados especialmente significativos e equilibra-os quando entram em conflito, torna-se também um exercício da razão prática; iii) que tem como característica ser uma doutrina abrangente razoável, que por mais que não seja fixa e inalterável, em geral se faz ou se baseia numa tradição de pensamento e/ou doutrina. Parte-se de um pressuposto que, coerentemente com uma sociedade democrática, afirma que nem todas as pessoas razoáveis têm a mesma doutrina abrangente. Sendo que a doutrina professada ou defendida por uma pessoa é apenas uma doutrina razoável entre tantas outras. E reconhece-se no liberalismo político que as doutrinas abrangentes não têm e nem podem ter qualquer pretensão em relação às pessoas em geral, apenas representam a visão que se tem daquela doutrina “X” ou “Y”, pois: [...] uma sociedade bem-ordenada não pode ter por fundamento crenças morais abrangentes, pois isso seria impossível nas sociedades democráticas atuais, caracterizadas pela pluralidade de concepções religiosas, filosóficas e morais. [...]. (FELDENS, 2012, p. 64).

Vive-se, então, em uma democracia constitucional, com um pluralismo razoável (ou pelo menos, assim se deveria viver), onde não existe uma base pública e compartilhada, por todos os cidadãos, de justificação por meio de suas doutrinas abrangentes. Assim sendo, as pessoas aceitam, então, o pluralismo razoável.

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Para Rawls, as pessoas conseguem ver os limites do juízo, e com isso colocam restrições àquilo que pode ser razoavelmente justificado, aceitando, assim, alguma forma de liberdade de consciência e autonomia. Donde tornase irrazoável quando se tem o poder político e, com isso, reprime-se outras doutrinas abrangentes razoáveis. Sendo que, para Rawls, não se pode (deve) empregar o poder coercitivo do Estado para decidir questões básicas de justiça ou elementos constitucionais conforme desejam os cidadãos de uma doutrina abrangente. Disto se segue que ser razoável é fazer parte de um ideal político de cidadania democrática, onde a razão pública está inclusa. "[...] O conteúdo desse ideal compreende aquilo que cidadãos livres e iguais podem razoavelmente exigir uns dos outros com respeito às suas visões abrangentes e razoáveis. [...]" (RAWLS, 2000b, p. 106). As diversas doutrinas abrangentes não são entendidas como um fato histórico que desaparecerá mais cedo ou mais tarde, mas sim como uma característica permanente da cultura pública das democracias (modernas). Onde um acordo público e efetivo baseado apenas em uma doutrina abrangente só pode ser mantido pelo uso tirânico do poder do Estado. Mas, parafraseando Pinheiro (2011, p. 3), para evitar o uso tirânico do poder, têmse a ideia de tolerância como, de um modo geral, podendo ser compreendida como o respeito que se tem com as diversas visões de mundo. Sabe-se que, por vezes, pode-se esperar que haja, em um sistema democrático, doutrinas as quais serão consideradas como irrazoáveis, intolerantes etc., onde, então, dá-se origem a uma outra discussão, que é: como, em uma sociedade democrática, pessoas razoáveis, tolerantes etc., relacionar-se-iam com pessoas pertencentes as doutrinas intolerantes? Como ser tolerante para com os intolerantes? A análise rawlsiana da tolerância para com os intolerantes dá-se de três formas: i) saber se uma doutrina intolerante tem algum direito se queixar por não ser tolerada; ii) em que condições as doutrinas (facções, na linguagem rawlsiana) tolerantes têm direito de não mais tolerar as intolerantes e; iii) quando as doutrinas tolerantes têm o direito de não mais tolerar doutrinas intolerantes, e quais os fins desse direito de ser exercido. No primeiro caso, Rawls afirma que a uma doutrina intolerante, pelo menos aparentemente, não tem o direito de se queixar quando uma liberdade igual lhe é negada. Para assumir esse ponto, parte-se da premissa de que uma pessoa não tem nenhum direito de questionar a conduta alheia que está de acordo com os princípios que justificam as ações para com os outros. Um exemplo disso ocorre no Brasil com o caso dos neonazistas, que não podem reivindicar tolerância por parte das doutrinas tolerantes, pois pregam

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condutas de ações que iriam (e vão) na contramão daquilo que se pregaria na escolha dos princípios da posição original rawlsiana, e daquilo que o Estado Brasileiro prega, i.e., a igualdade entre pessoas, independentemente de cor, descendência, classe social etc. Para Rawls, mesmo que as doutrinas tolerantes não possam se queixar de intolerância, essas não podem ser suprimidas pelos tolerantes. Ainda de acordo com Rawls, com a justificativa de defesa de uma constituição justa, as pessoas podem forçar os intolerantes a respeitarem a liberdade dos outros, já que seriam esses os princípios escolhidos na posição original. Segundo o pensamento de Rawls, a questão de tolerar os intolerantes é relacionada diretamente com a estabilidade de uma sociedade bemordenada, que é regulada pelos dois princípios de justiça, i.e., “[...] é a partir da posição original de cidadania igual que as pessoas aderem às várias associações religiosas, e é a partir dessa posição que elas devem conduzir as discussões entre si. [...]” (RAWLS, 2000c, p. 238). De acordo com Rawls, uma doutrina intolerante só pode ser restringida quando os tolerantes, de forma sincera e com a razão, acreditam que sua própria segurança, assim como das instituições de liberdade estão em perigo. Questiona-se, então: será que o que a bancada evangélica vem fazendo atualmente no Brasil, não é digno do título de ‘doutrina intolerante’, sendo necessária ser restringida para garantir a segurança das instituições democráticas brasileiras? Acredita-se que a resposta está na própria constituição, i.e., na laicidade do Estado brasileiro. Na separação entre Estado e religião. Importante salientar que a limitação da liberdade, para salvaguarda a liberdade das demais pessoas, não se faz em nome da maximização da liberdade, pois, “[...] as liberdades de alguns não são suprimidas simplesmente para possibilitar uma maior liberdade para os outros. [...]” (RAWLS, 2000c, p. 240). 2.4

CONSENSO SOBREPOSTO E MODUS VIVENDI

Dando início a esta seção, que tem como objetivo apresentar e discutir as definição e implicações dos conceitos de consenso sobreposto e modus vivendi, afirma-se que, para Rawls, o consenso sobreposto tem duas etapas, na primeira etapa a concepção política de justiça deve ser apresentada como uma concepção política independente que busca articular os valores que se aplicam, em especial, ao campo político delimitado pela estrutura básica da sociedade, na qual ainda não há o domínio do consenso na vida pública, e

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que os conteúdos primeiros de justiça não precisam, então, ser ajustados em função das reivindicações dos interesses políticos e sociais dominantes. Isso só virá a acontecer na segunda etapa. A segunda etapa é a responsável por expor a estabilidade da teoria, à luz do conteúdo dos princípios e ideias que são formulados na primeira etapa. Na segunda etapa, entra o consenso sobreposto, para tentar explicar, por meio da pluralidade de doutrinas abrangentes religiosas, filosóficas e morais opostas e divergentes entre si, que caracterizam uma sociedade democrática, que as instituições livres podem aí encontrar apoio necessário para durar. Para o filósofo estadunidense, no consenso sobreposto procura-se um consenso nas doutrinas abrangentes razoáveis, em que o pluralismo razoável tem um papel fundamental, sendo ele resultante do exercício livre da razão humana em condições de liberdade. Com a ideia de consenso sobreposto, assume-se a premissa de que o pluralismo razoável é uma condição permanente em uma sociedade democrática. Considerando que a diversidade de doutrinas religiosas filosóficas e morais é um aspecto permanente da cultura pública de uma sociedade democrática, e: [...] Nas condições políticas e sociais garantidas pelos direitos e liberdades básicos de instituições livres, pode surgir e perdurar uma grande diversidade de doutrinas abrangentes conflitantes e irreconciliáveis, mas razoáveis, caso já não existissem. [...]. (RAWLS, 2003, p. 47).

O consenso sobreposto faz parte de uma democracia constitucional, onde a concepção pública de justiça deve ser vista independe das doutrinas religiosas, filosóficas e morais abrangentes. Sendo que Rawls recusa a objeção de que o consenso sobreposto ser um modus vivendi10, que rejeita a esperança de uma comunidade política, pois essa comunidade política seria formada por uma única doutrina abrangente. O modus vivendi e o consenso sobreposto são diferentes, pois o consenso sobreposto é uma concepção moral que implica na concepção política de justiça endossada por meio da moral. O consenso sobreposto procura uma estabilidade. E isso significa que se uma determinada visão se torna dominante, os cidadãos que a apoiam não deixaram de apoiá-la, mas procura-se garantir que as pessoas de uma outra visão (minoritária) não sejam 10

Modus vivendi é uma forma prudente e sensata de se chegar a um equilíbrio, onde não é preferível a nenhum dos dois lados das de doutrinas ou visões de mundo violá-lo.

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prejudicadas. E, no consenso sobreposto, mesmo que ocorram mudanças na distribuição da influência do consenso, afirma John Rawls que isso não mudaria a capacidade do consenso se manter estável, o que difere ele do modus vivendi, que depende dos acasos e do equilíbrio de forças relativas. O consenso sobreposto chega até as ideias fundamentais a partir das quais a justiça como equidade é desenvolvida. Pressupõe-se, então, um acordo profundo acerca de como alcançar uma sociedade de cooperação equitativa, com indivíduos razoáveis e racionais, livres e iguais. O consenso sobreposto, para Rawls, é suficiente para a base mais razoável de unidade social que se possa alcançar. E tem como objetivo ‘evitar’ as doutrinas gerais e abrangentes, mas isso não implicaria em um ceticismo. Importante ressaltar que não se nega nenhuma visão filosófica, moral, religiosa etc., assim como teorias da verdade, valores, entre outras, pois uma concepção política de justiça não precisa ser indiferente em relação à verdade na filosofia, assim como o princípio de tolerância na religião. Deve-se, procurar uma base de justificação pública em que haja concordância e, então, acaba-se voltando para as ideias fundamentais que se compartilham por meio da cultura política. Rawls afirma que uma concepção política é apenas um guia para orientar a deliberação e a reflexão e disso se chega a um acordo político, pelo menos naquilo que tange aos elementos constitucionais essenciais e às questões de justiça. A concepção política de justiça protege os direitos fundamentais conhecidos e atribui a eles uma propriedade especial. “[...] Diante do pluralismo razoável, uma visão liberal retira da agenda política as questões que geram mais divergências, pois um conflito sério sobre elas solapa as bases da cooperação social.” (RAWLS, 2000b, p. 203). E os valores que disputam com a concepção política de justiça podem ser facilmente deixados de lado, pois eles entram em conflito com as próprias condições que possibilitam a cooperação equitativa com base no respeito mútuo. Quando o consenso sobreposto sustenta a concepção política, ele torna esta compatível com os valores religiosos, filosóficos e morais básicos. O pluralismo razoável identifica o papel fundamental dos valores políticos e descobre uma área de concordância suficientemente grande entre valores políticos e outros valores do consenso sobreposto razoável. A aceitação da concepção política apoia-se, então, na totalidade de razões especificadas no interior da doutrina abrangente adotada por cada cidadão. Onde cada visão abrangente relaciona-se à concepção política de modo diferente, mesmo que todas elas a endossem. É importante salientar que o consenso sobreposto não é um mero consenso de aceitação de certas autoridades, ou de certos arranjos

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institucionais baseados nos interesses privados de grupo, mas sim “[...] o apoio a concepção política vem de dentro delas próprias; cada qual reconhece os conceitos, princípios e virtudes dessa concepção como o conteúdo comum em que suas visões variadas coincidem. [...]” (RAWLS, 2003, p. 278). Para Rawls, a ideia de um consenso sobreposto deixa os cidadãos mais livres para irem mais longe, por exemplo, na busca de uma base de um acordo público de uma justificação pública, com suas próprias doutrinas gerais e abrangentes. Assim, uma concepção política de justiça, completa e amplia o movimento pró aceitação progressiva do princípio de tolerância e conduz, cada vez mais, ao Estado laico, bem como à liberdade de consciência dos cidadãos. Isso pode ter como significado que: “[...] autonomia completa dos cidadãos de uma democracia pode prender-se a uma concepção da filosofia política que seria, ela própria, autônoma e independente em relação as doutrinas gerais e abrangentes. [...]” (RAWLS, 2000a, p. 271). Antes de finalizar-se esta seção, salienta-se que, para Rawls, há quatro fatos gerias, a saber: i) A diversidade de doutrinas abrangentes filosóficas, religiosas e morais não é vista como uma contingência histórica, mas sim como um traço permanente da cultura pública democrática. Com isso, então, têm-se o pluralismo; ii) para que se tenha apenas uma doutrina abrangente filosófica, religiosa ou moral em uma sociedade, com apoio e adesão duradouros, precisa-se utilizar o poder estatal tirânico, i.e., contingentemente sempre haverá doutrinas abrangentes buscando espaço na sociedade, sendo que a única forma de impedir isso é por meio da utilização coercitiva do poder; iii) para que não se tenha uma sociedade dividida por doutrinas antagônicas e classes sociais hostis umas às outras, precisa-se de um regime democrático, onde se tem o apoio voluntário e livre de uma maioria substancial dos cidadãos politicamente ativos; iv) na cultura política de uma democracia mais ou menos estável, há certas ideias intuitivas fundamentais e, por meio delas, formula-se uma concepção política de justiça adaptada a um regime constitucional. “[...] É fundamental entender que os cidadãos podem endossar a concepção política de justiça por diferentes razões, sobretudo a partir de suas próprias doutrinas abrangentes ou concepções do bem. [...]” (WEBER, 2011, p. 138). Rawls, tem como objetivo um consenso sobreposto acerca de uma concepção política de justiça, mas sabe da dificuldade de se chegar a isso. Entretanto, ele apresenta a ideia do conceito de consenso constitucional11:

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Quando as visões dos cidadãos tornam-se abrangentes, o simples pluralismo passa a ser um pluralismo razoável, e assim chega-se ao consenso constitucional

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[...] Num consenso constitucional há concordância apenas sobre alguns direitos e liberdades políticas fundamentais e não sobre direitos e liberdades em geral. Há concordância sobre o direito de voto, a liberdade de expressão de associação, etc., mas certamente há divergência quanto ao seu conteúdo e limites. [...]. (WEBER, 2011, p. 141).

Quando os princípios liberais regulam instituições políticas básicas, eles satisfazem três requisitos de um consenso constitucional estável: i) havendo o pluralismo razoável, os princípios liberais fixam o conteúdo de certas liberdades e direitos fundamentais; ii) dados os conteúdos dos princípios, os princípios liberais podem ser aplicados seguindo as diretrizes habituais da indagação pública e as normas de verificação de evidencias, isso dentro do âmbito da razão pública; iii) o terceiro princípio depende dos dois anteriores: as instituições políticas básicas tendem a encorajar as virtudes cooperativas da vida política. Concluindo: no primeiro estágio do consenso constitucional, os princípios liberais de justiça, inicialmente aceitos com relutância como um modus vivendi e adotados numa constituição, tendem a alterar as doutrinas abrangentes dos cidadãos, de modo que estes aceitam pelo menos os princípios de uma constituição liberal. [...]. (RAWLS, 2000b, p. 210).

Finalmente, segue-se disto que, ao se chegar em um consenso constitucional, seguindo determinados passos, chega-se ao consenso sobreposto. No consenso sobreposto há um aprofundamento que requer que os princípios e ideias políticas tenham como base uma concepção política de justiça com ideias fundamentais de sociedade e pessoas definidas pela justiça como equidade; abarcando também os seus procedimentos democráticos e de estrutura básica como um todo e estabelecendo certos direitos substantivos que possam atender certas necessidades essenciais. Em uma ideia mais realista, o foco do consenso sobreposto é de uma classe de concepções liberais que variam dentro de um leque mais ou menos restritos. E implicam que diversas concepções políticas serão rivais e apoiadas por interesses e estratos políticos diferentes. Sendo que, quanto mais restrito o leque, mais específico o consenso.

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HABERMAS: A RELIGIÃO NA ESFERA PÚBLICA QUE CONSOME CULTURA E O USO PÚBLICO DA RAZÃO

Para que se possa falar do papel que a religião exerce na sociedade “pós-secular”, segundo o pensamento habermasiano, acredita-se ser necessário primeiro fazer algumas considerações referentes aos conceitos, esfera pública, sociedade civil, discussão pública mediante razões, esfera pública política, esfera pública burguesa etc., assim como o diagnóstico habermasiano da decadência da esfera pública que discutia política mediante razões e transformada em uma esfera pública que consome cultura. Para tanto, neste capítulo será apresentado o pensamento habermasiano, principalmente aquele desenvolvido em seus livros Mudança Estrutural da Esfera Pública, Direito e Democracia, Direito e Moral e no texto “Religião na esfera pública. Pressuposições cognitivas para o ‘uso público da razão’ de cidadãos seculares e religiosos” oriundo da obra Entre Naturalismo e Religião. O capítulo será dividido em duas seções. Na primeira seção será apresentada a discussão pública mediante razões na esfera pública burguesa que se transforma, posteriormente, em uma esfera pública de consumidores de informação no processo de decadência da esfera pública liberal “refeudalizada”. Primeiramente, tem-se uma esfera pública formada por um público leitor dividido em suas funções de cidadão e proprietário, nas suas funções públicas e privadas, mas que com a decadência da esfera pública e a ascensão do Estado de bem-estar social, transforma-se no consumidor apático das informações da cultura de massa. Cidadão esse que, quando se trata de política, apenas exerce seu “poder de cidadão” nos votos plebiscitários e eleições, i.e., não participa mais das discussões públicas mediante razões. Também serão explicitadas as considerações habermasianas do livro Direito e Democracia, referentes às discussões sobre os conceitos de esfera pública e sociedade civil. Na segunda seção, tendo como base o texto citado da obra Entre Naturalismo e Religião, expõe-se o pensamento habermasiano referente à discussão sobre como em uma sociedade democrática constitucional os cidadãos religiosos podem expressar suas visões de mundo politicamente, tendo em vista o fato do pluralismo de doutrinas e visões de mundo e o estabelecimento de uma formação política da opinião e da vontade. Apresenta-se também as objeções ao pensamento rawlsiano e as considerações habermasianas acerca do uso público da razão assim como sobre o princípio do discurso.

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3.1

A DISCUSSÃO PÚBLICA MEDIANTE RAZÕES NA ESFERA PÚBLICA BURGUESA E A SUA DECADÊNCIA

Nesta seção serão trabalhados os conceitos de esfera pública, opinião pública e discussão pública mediante razões, no pensamento de Jürgen Habermas, e com base no livro Mudança Estrutural da Esfera Pública. Posteriormente também serão apresentadas algumas considerações habermasianas da obra Direito e Democracia referentes aos conceitos de esfera pública, sociedade civil etc. Habermas, no §1 de Mudança Estrutural da Esfera Pública afirma que a “esfera pública” apresenta-se como uma esfera na medida em que o “domínio público” se contrapõe ao privado. O domínio público pode aparecer como esfera da “opinião pública”12 que, por vezes, contesta o poder público. Neste sentido, “utiliza-se o termo público em oposição ao conceito de sociedades fechadas, imputando-lhe a ideia de acessível a qualquer um. [...]” (ALMEIDA, 2009, p. 81). Sendo que a força da esfera pública se dá pelo padrão ideológico, e é vista como um princípio organizador da ordem política. Aqui já se apresenta um importante elemento deste trabalho, i.e., a “briga ideológica”13 pelo poder na esfera pública. A esfera pública, enquanto sentido de esfera do poder público (sentido moderno, para Habermas) traz consigo a consolidação do poder público como uma oposição palpável para os que são subordinados do Estado, pois são pessoas privadas, sem cargos públicos e que acabam excluídas da participação do poder público, no sentido estatal. Forma-se nesse processo a “sociedade civil” como um contraponto à autoridade do Estado. Já, no capitalismo mercantil, onde a economia tradicional transformase em economia política, reformulando a ordem política e social, e o segundo elemento das relações de troca do capitalismo inicial se desdobra em 12

Quando se forma a public opinion, oriunda da discussão pública, o público passa a ter condições de formar uma opinião fundamentada, e então, deve-se dar ao público meios para a formação de opinião, sendo que: “[...] a opinião pública se forma pela disputa de argumentos em torno de uma questão, e não acriticamente, por meio do commom sense, de modo ingênuo ou manipulado plebiscitariamente, no consentimento ou no voto em pessoa. [...]” (HABERMAS, 2014, p. 200). Somente a esfera pública pode-se assegurar a continuidade da discussão mediante razões, seja dentro ou fora do parlamento. Cabe salientar que a opinião pública não quer ser a limitação do poder, nem o próprio poder, ou a fonte dos poderes, e, embora a legislação seja constituída como poder, ela deve ser a emanação de um acordo racional, e não de uma vontade política. 13 Uma forma de analisar esta briga ideológica dá-se no “capitalismo inicial” do século XIII, quando surge um novo domínio de comunicação, sem ainda o elemento da publicidade, e também sem ser uma imprensa em sentido estrito, de levar a informação ao público em geral, mas que vende a informação de forma profissional para os comerciantes.

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imprensa14, tem-se o surgimento de uma esfera pública burguesa (EPB), que se desenvolve a partir do momento que o interesse público na esfera privada da sociedade civil começa a ser levado em consideração pelos súditos como uma esfera de seus próprios interesses, pois tornam-se dependentes das medidas da administração pública. A relação autoridade/súdito passa a ser vista pela ambivalência entre regulamentação pública e iniciativa privada, problematizando a zona em que o poder público mantém vínculo com as pessoas privadas, pois essa nova categoria de “burgueses” conduz a uma tensão entre “cidade” e “corte”, termos entendidos aqui como entre pessoas privadas (burgueses) e o poder público. Habermas define a EPB como: [...] a esfera de pessoas privadas que se reúnem em um público. Elas reivindicam imediatamente a esfera pública, regulamentada pela autoridade, contra o próprio poder público, de modo a debater com ele as regras universais das relações vigentes na esfera da circulação de mercadorias e de trabalho social – essencialmente privatizada, mas publicamente relevante. [...]. (HABERMAS, 2014, p. 135).

O medium do debate político se dá pela discussão pública mediante razões [das öffentliche Räsonnement]. Na EPB, são pessoas privadas que interagem entre si como um público, onde a autocompreensão da discussão pública mediante razões é derivada especificamente das experiências privadas originadas em vínculo com o público, da subjetividade da esfera intima da família conjugal. Como consequência disso tem-se o surgimento da privacidade (em sentido moderno). A partir do processo de formação de uma EPB, tem-se a formação na cidade uma esfera pública literária, que se encontra em cafés, salões, 14

Esta imprensa é censurada pelo poder público e privado (comerciantes), e as informações publicadas eram reduzidas a uma categoria residual do material de notícias disponíveis; entretanto, as informações publicadas a partir desse momento, são acessíveis de maneira ampla e universal. Tornam-se mercadoria. “[...] Por isso o noticiário profissional é submetido às mesmas leis do mercado, a cujo surgimento deve sua própria existência. [...]” (HABERMAS, 2014, p. 126). A imprensa também se torna interesse das autoridades públicas e, a partir do momento em que passou a ser posta a serviço da administração pública, isso fez com que os destinatários do poder público começassem a ser propriamente o “público” [publikum]. Habermas afirma que, quando se fala em público, nesse momento histórico, está se referindo aos “estamentos cultos” da sociedade, i.e., os “burgueses", e não ao “homem-comum”. Sendo que: “[...] essa camada de ‘burgueses’ é o verdadeiro portado do público, que desde do início é um público que lê. [...]” (HABERMAS, 2014, p. 129-130).

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sociedades comensais, oposicionistas à corte, e que, por meio dos intelectuais burgueses, lança críticas à forma residual de uma esfera pública decadente, onde a linha divisória entre Estado e sociedade separa a esfera pública do domínio do privado, sendo que o domínio público limita-se ao poder público. “[...] A esfera pública burguesa desenvolvida fundamenta-se na identidade fictícia das pessoas privadas reunidas em um público em seu duplo papel de proprietários e de meros seres humanos.” (HABERMAS, 2014, p. 182, [grifo do autor]). Entretanto, [...] esfera pública e esfera privada não estão desconectadas; pelo contrário, cada uma tem ressonância na outra. A esfera pública capta e realça as temáticas existentes na esfera privada, problematizando-as e trazendo-as para o debate público. A esfera privada, por sua vez, incorpora os debates e agrega informações que influenciam na vida cotidiana e possibilitam refletir sobre a mesma [...]. (LOSEKANN, 2009, p. 43).

O “grande público” na EPB era reduzido, se comparado à massa que era iletrada e estava pauperizada a ponto de não conseguir literatura, pois não tinha poder aquisitivo suficiente para participar do “mercado de bens culturais”, nem que fosse de uma forma modesta. Como resultado da “comercialização das relações culturais”, forma-se uma nova categoria social. O público passa a ser visto como “objeto” na literatura e nas artes, e, como consequência, tem-se um público que lê tendo a si mesmo como tema. Este grande público, segundo os critérios de sua origem social, que tematiza a si mesmo e busca o esclarecimento e o entendimento recíproco na discussão pública mediante razões entre pessoas privadas, com uma subjetividade especifica, originária da esfera da família conjugal patriarcal, acaba por se consolidar como o tipo dominante das camadas burguesas. Na esfera pública, que funciona politicamente, as forças que pretendem influenciar as decisões do poder estatal apelam para o público que discute mediante razões com o intuito de legitimar suas demandas perante esse fórum, e resolver os conflitos com o a participação do “público”. Mas é somente com a parlamentarização do poder estatal na Inglaterra que se faz da esfera pública, enquanto função política estabelecida, um órgão estatal. O parlamento torna-se órgão da mesma opinião pública que discute política mediante razões e adquire funções de controle político. Segundo o pensamento habermasiano, pela análise histórica do desenvolvimento do

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capitalismo como um todo, percebe que a esfera pública assume uma posição central na ordem política e o processo chega a um terreno provisório, em que a esfera pública torna-se o princípio organizador do Estado de direito burguês15 com uma forma de governo parlamentar. [...] o público de ‘seres humanos’ que discute mediante razões constitui-se no público de ‘cidadãos’, no qual ele se entende sobre os assuntos da ‘coletividade’. Essa esfera pública politicamente ativa torna-se, sob uma ‘constituição republicana’, o princípio organizador do Estado de direito liberal. [...]. (HABERMAS, 2014, p. 271).

Conforme o modo de produção capitalista se impõe, as relações sociais passam a ser medidas pelas relações de troca, onde as liberdades fundamentais do sistema privado de Direito articulam-se na categoria de capacidade jurídica universal e garantem o status jurídico de pessoa. Entretanto, nos primeiros momentos de formação de uma esfera pública (burguesa), os não-proprietários são excluídos do público de pessoas privadas que discutem política mediante razões, pois esse público é formado apenas por proprietários privados, cuja autonomia está ligada a circulação de mercadorias onde “[...] havia um fator que trazia unidade de interesses entre estas pessoas: a propriedade privada e a necessidade de sua manutenção. [...]” (LOSEKANN, 2009, p. 40). Nesse sentido, os não-proprietários são vistos também como não-cidadãos. Entretanto, nesse momento percebe-se que a ordem da livre concorrência não consegue cumprir sua promessa de acesso aberto a todos para a esfera pública política (EPP), pois não há igualdade de oportunidades para aquisição de propriedades privadas. A EPP mantém o status normativo de um órgão de automediação da sociedade civil, com um poder estatal que correspondam às suas necessidades, sendo que o seu pressuposto social “desdobrado” é um mercado com tendências a ser liberalizado, e faz da circulação na esfera da reprodução social com assuntos privados, o meio de completar a privatização da sociedade civil. No conflito de interesses de classe, o caráter do Estado de direito não é per se uma garantia de legislação, conforme as necessidades de circulação burguesa, onde o Estado de direito, como estado de direito burguês, estabelece a esfera pública politicamente ativa como órgão do Estado, 15

Habermas refere-se ao Estado de direito burguês no sentido material de uma constituição determinada politicamente. Conf.: nota 54 da página 223 de HABERMAS (2014).

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assegurando assim o vínculo institucional entre a lei e a “opinião pública”. E, por meio da institucionalização da esfera pública16 e de suas funções, pode-se falar em publicidade: “[...] os debates parlamentares sob a influência da opinião pública, o vínculo entre representantes e eleitores como partes de um único e mesmo público. [...]” (HABERMAS, 2014, p. 229-30). O acesso universal, da esfera institucionalizada pelo Estado de direito burguês, precisa que suas funções políticas sejam decididas de antemão pela estrutura da sociedade civil. Tem-se, então, uma esfera pública que pertence ao domínio privado e que tenciona a dicotomia sociedade/Estado, onde, conforme se dá a expansão econômica de mercado, surge a “esfera social” na qual a administração é baseada no poder estatal. “A esfera pública se refere, dessa forma, ao mundo do debate e da discussão livre sobre questões de interesse comum entre os cidadãos considerados iguais, política e moralmente.” (PERLATTO, 2012, p. 81). O Estado age de forma intervencionista para resolver os conflitos que não são mais resolvidos unicamente no interior da esfera privada. Assim, transpõe-se competências públicas para o âmbito do privado, e faz-se uma troca entre o poder estatal pelo poder social. Habermas chama esse processo de “dialética da socialização do Estado”, onde há uma progressiva estatização da sociedade, e destrói-se pouco a pouco a base da EPB. Nesse processo, o Estado não apenas amplia suas atividades dentro de suas antigas funções, como também ganha uma serie de novas funções. Para Habermas, por meio da esfera privada politicamente relevante da sociedade civil, que origina-se nesse processo, chega-se a uma esfera social repolitizada em que unificam-se a instituições estatais e sociais, e não diferencia-se mais o público e o privado. Nesse processo ocorre, também, a privatização do direito público e, nesse sentido, conforme a concentração de capital e o intervencionismo resultante do processo recíproco de socialização do Estado e de uma estatização da sociedade, surge uma nova esfera. Essa esfera não é puramente privada, nem genuinamente pública, e não está nem no domínio do direito privado, nem do público. Tanto a autonomia privada quanto a esfera íntima são reduzidas à esfera do consumo, onde pode-se interpretar que ser autônomo é poder escolher, entre outras coisas, pelo produto “X” ou “Y”. As funções das pessoas privadas são substituídas por garantias públicas de status, onde até mesmo a esfera da família perde sua força de interiorização pessoal, é menos reivindicada como agente primordial da sociedade e seus membros agora são 16

“Nesse momento, deve-se entender o termo esfera pública como esfera do poder político [...]”. (ALMEIDA, 2009, p. 86).

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vistos enquanto indivíduos, são, portanto, socializados pela sociedade, e a família perde seu caráter de proteção. Conforme as pessoas privadas se recolhem ao espaço de ação puramente “pessoal”, elas acabam por cair na influência de instâncias semipúblicas, sem a proteção de um espaço familiar, e tem-se um processo que Habermas chama de “refeudalização”, em que a discussão pública mediante razões empreendidas pelo público, também torna-se vítima. Na refeudalização da sociedade, as organizações buscam formar compromissos políticos com o Estado e entre si, deixando a esfera pública ao máximo possível excluída. Porém, há a necessidade do consentimento plebiscitário junto ao público mediatizado, onde, conforme será visto mais à frente neste trabalho, no processo de transformação do Estado de direito liberal burguês no Estado de bem-estar social, em geral, o imperativo da publicidade passa ser estendido a todas as organizações que agem de forma vinculativa ao Estado. É importante salientar que “[...] o conceito de publicidade dizia respeito à reconstrução analítica do processo histórico de gestação do social por meio da emergência de instituições de publicidade burguesas [...]” (MONTERO, 20009, p. 200). Sendo que, por meio da lei de mercado, a discussão pública, mediante razões, tende a se transformar em consumo, a privacidade ligada ao público é francamente invertida, implicando em uma “refuncionalização sociopsicológica” da relação originária entre o domínio da intimidade e a esfera pública literária, associada à mudança estrutural da própria família. Gerando, assim novas relações de dominação, onde a autonomia de pessoas privadas só pode ser realizada enquanto autonomia que advém das garantias públicas do status. Para Habermas, segundo o tipo ideal do burguês, previa-se que da esfera íntima ligada ao público se chegaria a esfera pública literária, mas, na verdade, tornou-se a porta de entrada para as forças sociais, no espaço interno da família conjugal mediante a esfera do consumo cultural, dos meios de comunicação de massa. Sendo que, o que hoje chama-se “tempo livre” em uma esfera autonomizada da profissão, era outrora chamado de esfera pública literária, ligada à subjetividade formada na esfera íntima da família burguesa. A esfera pública “massificada” torna-se fim em si mesma, por meio do comportamento de consumo, onde a imprensa, conforme maximiza suas vendas, despolitiza seus conteúdos e, historicamente, conforme o público leitor de jornal aumentava, a imprensa que discutia mediante razões ia perdendo influência. O público consumidor de cultura adquire uma dominação notável, afirma Habermas, em que a discussão mediante razões

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empreendida por um público leitor cede tendencialmente ao “intercâmbio de gostos e inclinações” dos consumidores, e o próprio discurso sobre o que é consumo, torna-se parte do consumo, i.e., algo “consumível”. [...] A esfera pública passa a ser entendida como lugar de disputa de interesses privados, com isso, fazendo com que se perca o núcleo de compreensão da noção de publicidade e do sentido comunicativo de opinião pública. Em suma, a mídia passa a atuar como usufrutuária da opinião pública, construindo opiniões individualizadas e assumindo o papel de legítimos representantes do então corrompido “interesse público”, converte-se assim a opinião pública em opinião publicada. (VOLPATO DUTRA; COUTO, 2012, p. 183).

Tem-se assim a inversão da relação original entre esfera íntima e esfera pública literária, pois a interioridade ligada à publicidade cede tendencialmente a uma reedificação ligada a esfera íntima. Com a troca do público que discutia cultura mediante razões para o público que consome cultura, perde-se a característica da discussão entre esfera pública literária e EPP. Sendo que a esfera pública acaba por assimilar funções de propaganda, onde, conforme pode ser implementada por um medium de influência política e econômica, torna-se mais apolítica no todo, privatiza-se em seu aspecto e, por meio do consumo da cultura, coloca-se a serviço da propaganda econômica e política. Enquanto havia uma imprensa que se desenvolvia a partir das discussões mediante razões empreendidas pelo público, a imprensa era uma espécie de mediador e amplificador, não era o mero transporte de informação nem um medium da cultura de consumo. Para Habermas a mediação da informação de interesse público é uma especificidade que corresponde aos meios de comunicação tradicionais. Eles são os responsáveis por esta catalisação de demandas de interesse público, sendo o produto disso a notícia. [...]. (VOLPATO DUTRA; COUTO, 2012, p. 193).

Entretanto, por meio do direito burguês e pela legalização de uma esfera pública politicamente ativa, a imprensa que discutia mediante razões torna-se uma empresa comercial, que tem seu lucro por meio da venda de

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anúncios enquanto mercadoria, tornando-se, assim, uma “empresa de economia privada voltada para o lucro”. A imprensa torna-se a porta de entrada de interesses privados privilegiados na esfera pública. A esfera pública modifica-se por meio do influxo de interesses privados, onde, conforme a esfera pública é monopolizada pela propaganda comercial, as pessoas privadas, enquanto proprietários, assumem o papel de público. A propaganda atribui ao seu objeto a autoridade de um objeto de “interesse público” onde o público de pessoas privadas forma “livremente” sua opinião. A tarefa principal é de formar um consenso junto ao público sobre determinado produto, pessoa, organização ou ideia, i.e., tem-se o processo de um consenso em uma opinião pública encenada, pois o consenso que é produzido não tem muito em comum com a opinião pública, com a “unanimidade” que seria produzida por um processo de esclarecimento. Tem-se aqui, em funcionamento, o processo de refeudalização da opinião pública. Segundo Habermas, na esfera pública politicamente ativa os conflitos poderiam ser resolvidos sobre uma base de interesses relativamente homogêneos, e levados ao parlamento com a pretensão de racionalidade e continuidade ao interior de um sistema de leis abstratas e gerais. Mas os interesses privados são obrigados a assumir uma forma política, pois na esfera pública os conflitos que mudaram a fundo a estrutura do comportamento político precisam ser resolvidos. Por um lado o domínio da esfera pública se ampliou, por outro, o ajuste de interesse continua subordinado à pretensão liberal dessa esfera pública. “Num Estado democrático de direito, todos têm iguais direitos de manifestar suas ideias privadas, independente dos fundamentos das mesmas. A opinião pública reina, mas não governa. [...]” (ALMEIDA, 2009, p. 131). Para que se se tenha a formação democrática da vontade e da opinião, deve-se criar uma estrutura internamente organizada que permita uma comunicação desimpedida e uma discussão pública mediante razões, entretanto, todas as instituições publicisticamente efetivas na EPP estão atreladas à publicidade e precisam de crítica e do controle, tanto como o exercício do poder [gewalt] político sobre a sociedade, pois a ideia de esfera pública só é realizável agora como uma racionalização que se volta para o exercício social e político do poder sob o controle reciproco de organizações rivais atreladas à própria esfera pública em sua estrutura interna, bem como no intercâmbio com o Estado e entre si. Apenas em proporção com o progresso dessa racionalização, pode-se formar novamente uma EPP.

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A crítica habermasiana à decadência da esfera pública, não se limita ao Estado liberal, mas também atinge o Estado de bem-estar social. Segundo Habermas, nesse Estado os interesses políticos dos cidadãos reduzem-se a reivindicações ligadas aos ramos profissionais, transferem-se as reivindicações para as grandes organizações e os votos redigidos aos partidos em eleições plebiscitárias, demonstrando a decadência da esfera pública enquanto esfera de participação de discussão mediante razões voltadas para o poder político. “[...] As disputas eleitorais não ocorrem mais no quadro de uma esfera pública assegurada institucionalmente a partir de uma prolongada disputa de opiniões.” (HABERMAS, 2014, p. 447). O pensamento de Habermas é que segundo a ideia de esfera pública, o voto deveria ser apenas um ato conclusivo de uma disputa permanente de argumentos e contraargumentos realizadas publicamente onde os membros da esfera pública, i.e., as pessoas privadas, participariam ativamente dessa disputa. Entretanto, os organizadores das eleições produzem uma esfera pública demonstrativa e manipulativa, e são aqueles que mais se afastam decisivamente de uma opinião pública formada nas discussões. Predomina a “imobilização” de grande parte do eleitorado e constata-se a destruição do contexto do público eleitor como “público”, sendo que, para a maioria dos cidadãos, as controvérsias políticas cotidianas passam, aparentemente, sem deixar rastro, passam imperceptíveis. Nesse processo de “apatia política”, os partidos querem para si os eleitores indecisos, sem opiniões políticas definidas, não esclarecendo-lhes suas propostas, mas sim pela adequação do consumidor apolítico. Os que organizam as eleições precisam do fim de um EPP autêntico e impulsionam o eleitorado para tal fim de forma consciente. Sendo que, a esfera pública desenvolvida de modo demonstrativo e manipulador, com o objetivo de conquistar os indecisos, é um processo de comunicação entre símbolos estabelecidos e motivos dados, onde são calculado, em termos de psicologia social, arranjados pela propaganda. A desproporção característica entre as funções que a esfera pública política efetivamente exerce hoje e aquelas que lhe são atribuídas segundo as necessidades objetivas de uma sociedade organizada democraticamente, na constelação modificada entre esfera pública e domínio privado, torna-se tangível onde a transformação do Estado de direto liberal, no assim chamado Estado de bem-estar social, é regulamentada explicitamente de modo normativo e muitas vezes é antecipada tanto pela letra como pelo

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espirito das instituições do direito constitucional. (HABERMAS, 2014, p. 464-465).

A transformação do Estado de direito liberal em Estado de bem-estar social não rompe com a tradição liberal. O Estado de bem-estar social é levado a configurar as condições sociais conforme o Estado torna-se portador da ordem social, e assegura uma instrução positiva da realização da justiça com a intervenção estatal. As garantias formais devem ser substituídas por garantias materiais, por meio da justiça distributiva, em que o Estado, com “obrigações sociais”, deve estar atento para que o equilíbrio de interesses produzido se mantenha no âmbito do interesse universal. As garantias jurídicas fundamentais apoiam-se na demarcação da esfera privada e de uma esfera pública politicamente ativa, completadas pelos direitos sociais fundamentais que satisfazem positivamente o efeito negativo do “modo automático”, demarcando domínios livres do Estado por meio de ajustes dos mecanismos sociais imanentes, que não são mais compensados por uma participação de igualdade de oportunidades, pois agora a participação é salvaguardada pelo Estado. Esse processo “dialético” é nítido, segundo Habermas, nos direitos liberais fundamentais. Em relação aos direitos fundamentais que garantem uma esfera pública politicamente ativa, é preciso demonstrar que eles devem ser interpretados de maneira positiva, com garantias de participação, caso devam poder preencher com todos os sentidos suas funções originárias, em geral, onde tem-se (ou deveria se ter) a liberdade pública de opinião, pois isso possibilita aos cidadãos uma participação em igualdade de oportunidades no processo de comunicação pública, sendo um compromisso institucional dos órgãos publicísticos em relação à ordem fundamental do Estado de direito democrático e social. Do mesmo, acredita-se serem válidas as liberdades religiosas no seio da esfera pública. Sendo que a liberdade de assembleia e associação precisa da garantia de configuração para assegurar aos cidadãos que eles participem na organização política realizando uma determinada tarefa e com uma correspondência na organização interna dessa estrutura. Para Habermas, a EPP do Estado de bem-estar social é marcada pela disputa entre a publicidade crítica com a publicidade organizada para fins manipuladores, em que saber até que ponto os poderes que agem na EPP podem ser efetivamente submetidos ao imperativo democrático da esfera pública remete à ideia de EPB, sobre a qual tem-se o pensamento de que se pode reduzir a um mínimo de conflitos estruturais, de interesses e as decisões burocráticas, que acabam por gerar um problema técnico e outro de cunho econômico para o Estado de bem-estar social resolver. Essas duas formas da

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publicidade competem na esfera pública, onde, a “opinião pública” é o destinatário de ambas, afirma Habermas. Nenhum dos dois aspectos da publicidade e da opinião pública estão em uma relação de norma e fato17, deste modo, deveria ocorrer uma reconciliação entre o padrão ideal de opinião pública com sua forma real. Porém, para tanto, tem-se que diferenciar as funções críticas e manipuladoras da publicidade. Habermas, posteriormente, em Direito e Democracia, afirma que a esfera pública (ou espaço público) é vista como um fenômeno social elementar do mesmo modo que a ação, o ator, o grupo ou a coletividade, e que a esfera pública não pode ser entendida como uma instituição ou organização, que não constitui uma estrutura normativa que seja capaz de diferenciar entre competências e papeis. Não é um sistema, pois se caracteriza por meio de horizontes abertos, permeáveis e descoláveis. [...] a esfera pública pode ser descrita como uma rede para a comunicação de conteúdos, tomadas de posição e opiniões; nela os fluxos comunicacionais são filtrados e sintetizados, a ponto de se condensarem em opiniões públicas enfeixadas em temas específicos. [...]. (HABERMAS, 1997b, p. 92, [grifo do autor]).

A esfera pública se reproduz por meio do agir comunicativo18, e está em sintonia com a compreensibilidade geral da prática comunicativa cotidiana. Naquilo que tange às questões politicamente relevantes, a esfera pública deixa a cargo do sistema político a elaboração especializada. O sucesso da opinião pública se verifica por meio de critérios formais do surgimento de uma opinião pública qualificada. A EPP tem que se formar a partir dos contextos comunicacionais das pessoas virtualmente atingidas, pois assim preenche sua função, que consiste em captar e tematizar os problemas da sociedade como um todo.

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Nem mesmo a publicidade crítica com seu destinatário é simplesmente uma norma. Pois, enquanto norma institucionalizada constitucionalmente, ela determina, de algum modo, uma parcela importante dos procedimentos, em que o exercício político do poder e o ajuste do poder estão factualmente vinculados. Entretanto, a forma concorrente da publicidade também junta de seu destinatário, não é de modo algum um mero ‘faktun’, pois é acompanhada de uma autocompreensão específica, e esta empresta elementos essenciais da publicidade adversária a sua. 18 Importante salientar que “O agir comunicativo não é o equivalente profano da ideia de eternidade nem se trata de uma teodiceia secularizada que englobaria a totalidade de aspectos das tradições religiosas sob a forma de síntese comunicativa superior. [...]”. (BAVARESCO; LIMA, p. 9).

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Na esfera pública, luta-se por influência19, sendo que essa nasce na esfera pública. E nessa luta leva-se em conta, também, a influência de pessoas e especialistas (i.e., da sociedade civil) que conquistaram sua influência por meio de esferas públicas especiais como, por exemplo, nas igrejas. Nas quais, segundo Habermas, a influência política que os atores obtêm sobre a comunicação pública tem que se apoiar na ressonância ou no assentimento de um público de leigos que possui os mesmos direitos. [...] O núcleo institucional da sociedade civil é formado por movimentos, associações e organizações sociais [fundações] não estatais e não econômicas. Essas instituições cristalizam os problemas e os transferem para a esfera pública. Apesar da mídia, a sociedade civil continua o espaço das pessoas privadas que podem se organizar para influenciar, cercar, o poder político, na busca de soluções para seus problemas. A sociedade civil alicerça-se nos direitos de expressão, reunião e associação. (VOLPATO DUTRA, 2006 p. 61).

O núcleo da sociedade civil forma uma espécie de associação que institucionaliza os discursos que podem resolver os problemas, virando questões de interesses geral na esfera pública. No pensamento habermasiano, a liberdade de opinião e de reunião definem espaço para associações livres que interferem na opinião pública; a liberdade de imprensa e o direito de exercer atividades publicitárias, garante a infraestrutura medial da comunicação pública; o sistema político conecta-se com a esfera pública e a sociedade civil, e esse entrelaçamento é garantido por meio do direito dos partidos de contribuir na formação da vontade política do povo e por meio do direito de voto, se sujeitos privados. O que, para Habermas, implica na afirmação de que as associações só podem afirmar sua autonomia e conservar sua espontaneidade quando apoiadas em pluralismo de formas de vida, subculturas e credos religiosos. E, como consequência, tem-se que a proteção da privacidade serve à incolumidade de domínios vitais privados que, no fim das contas, caracterizam uma zona inviolável da integridade pessoal e da formação de juízo e da consciência autônoma. Entretanto, as garantias dos

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A influência na esfera pública pode ser vista enquanto “briga ideológica”, i.e., os cidadãos, os grupos etc. lutam para que suas considerações e reivindicações sejam reconhecidas e adentrem na esfera pública.

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direitos fundamentais não conseguem proteger por si mesmas a esfera pública e a sociedade civil contra deformações. [...] Sem entrar no mérito das inúmeras explicações sociológicas das causas do pluralismo moderno, o fato é que ele significou uma ruptura cultural profunda na autocompreensão normativa e nas concepções de mundo das pessoas modernas, que exigiu, entre outras coisas, novas formas de reflexão prática sobre normas e valores e novos procedimentos de legitimação política das instituições e do poder. No contexto do pluralismo, desenvolveu-se um modo de justificação pós-metafísico segundo o qual as respostas às questões práticas já não podem mais se apoiar na concordância metafísica com uma natureza concebida teleologicamente ou numa fundamentação teísta de legitimação e de verdade prática, muito menos num ethos tradicional que perpassa a sociedade como um todo. Na ausência de um consenso substancial sobre valores, normas e princípios expresso numa imagem de mundo aceita e compartilhada por todos, o único critério de justificação das respostas às questões práticas (que pode funcionar como equivalente racional das fundamentações tradicionais) reside no consentimento racional de indivíduos autônomos, livres e iguais. [...]. (WERLE, 2013, p. 150)

Na esfera pública, os atores não podem exercer poder político apenas na influência mais ou menos discursiva de que são capazes de mover algo. Mas a influência precisa passar pelo filtro dos processos institucionalizados da formação democrática da opinião e da vontade, transformando-se em poder comunicativo, sendo que a soberania do povo não pode impor-se apenas por meio de discursos políticos informais, ela precisa atingir as deliberações de instituições democráticas da formação da opinião e da vontade. Desse modo, “a soberania popular (do povo) pressupõe a participação dos cidadãos na formação das normas, nas questões administrativas e também nas decisões judiciais. [...]” (OLIVEIRA, 2010, p. 66-67). A política é o destinatário de todos os problemas de integração não resolvidos e o poder comunicativo não gera formas de vida emancipadas, elas podem se formar em sequências de processos de democratização, mas sem intervenções exteriores.

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Para Habermas, o poder comunicativo (kommunikative Macht) é a chave explicativa da co-originalidade (equiprimordialidade) entre a soberania popular e o sistema de direitos. Este processo consiste em explicar: 1 º “por que o processo democrático é aceito como um processo legítimo de criação do direito (?); e 2 º) Por que a democracia e os direitos humanos estão integrados com a mesma primordialidade no processo constituinte (?). (FREIRE, 2014, p. 117).

A esfera pública se diferencia por níveis, conforme a densidade da comunicação, da complexidade organizacional e de seu alcance. Formam-se, então, três tipos de esfera pública: i) esfera pública episódica (bares, cafés); ii) da presença organizada (encontro de pais, reuniões de partidos, congressos religiosos); iii) abstrata, que é, segundo Habermas, produzida pela mídia (leitores, ouvintes, espectadores). Quanto mais o público for unido pelos meios de comunicação de massa, e incluir todos os membros de uma sociedade nacional, ou até mesmo contemporâneo, mais nítida será a diferença entre os papeis dos atores e dos espectadores. Ainda ocorre que os processos públicos de comunicação são mais isentos de distorções na medida em que estão entregues a uma sociedade civil oriunda do mundo da vida, no qual os atores políticos e sociais, como os partidos estabelecidos e as grandes organizações dotadas de interesses, que não precisam obter suas fontes de outro domínio, servem-se das “agencias de observação”, da pesquisa de opinião pública e do mercado. Tem-se o pressuposto que nas esferas públicas políticas, as relações de força modificam-se conforme a percepção de problemas sociais relevantes suscitam uma consciência de crise na periferia, onde, então, na medida em que o mundo da vida racionalizado favorece a formação de uma esfera pública liberal, que tem um grande apoio na sociedade civil, a autoridade do público que toma decisão se fortalece no decorrer das controvérsias públicas. Desse modo, a comunicação pública informal se movimenta, impedindo a concentração de massas doutrinadas e seduzíveis populisticamente de um lado, e de outro, reconduzem os potenciais críticos do público, auxiliando-os no exercício de influência político publicitária sobre a formação institucionalizada da opinião e da vontade.

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3.2

HABERMAS E A RELIGIÃO NA ESFERA PÚBLICA

Feitas as considerações acerca dos conceitos de esfera pública, sociedade civil etc., assim como o diagnóstico habermasiano da decadência da esfera pública, nesta seção serão apresentadas as considerações habermasianas acerca da religião na esfera pública que consome cultura e o papel do uso público da razão por meio dos cidadãos religiosos e seculares. Inicia-se esta seção com a afirmação de Araujo (2010, p. 51) de que “[...] a modernidade se caracteriza por uma extensão cada vez mais ampla do domínio do profano, uma tendência crescente à autonomia e uma maior reflexividade nas relações com os diferentes mundos [...]”. Reconhecendo que: As condições atuais de coexistência necessária de diferenças culturais tornaram mais aguda uma das principais características das sociedades modernas: a imposição da convivência em um mesmo espaço político de uma pluralidade de concepções de mundo e formas de vida [...]. (MONTERO, 2009, p. 205).

De acordo com Habermas, os Estados Unidos da América foram os pioneiros na questão de liberdade religiosa apoiada no respeito recíproco da liberdade de religião do outro, sendo que: [...] O grandioso artigo n° 16 da Bill of Rights proclamado na Virgínia, em 1776, constitui o primeiro documento de uma liberdade de religião garantida como um direito fundamental, que os cidadãos de uma comunidade democrática se concedem mutuamente independentemente dos limites estabelecidos pelas diferentes comunidades de fé. [...]. (HABERMAS, 2007, p. 133-34).

Pós-segunda-guerra, juntamente com a modernização social, houve uma onda de secularização na Europa, com exceção da Polônia e da Irlanda. E, ao que parece, conforme tinha-se, por um lado, “[...] as regulamentações liberais do aborto, com a recusa incondicional da tortura, com a equiparação das orientações sexuais e com a paridade de conúbios homossexuais e, em geral, com o acento nos direitos e não nos bens coletivos [...]” (HABERMAS, 2007, p. 131), por outro lado a importância das religiões no contexto político acabou aumentando. Tem-se no ocidente, por meio desse processo, que as orientações valorativas conflitantes – “Deus, os gays e as armas” – acabam

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se sobrepondo aos conflitos aparentemente mais sólidos. Habermas, então, questiona até que ponto a separação entre Igreja e Estado pode influenciar no papel a ser desempenhado pelas tradições e comunidades religiosas na EPP e na sociedade civil, portanto, na formação política da opinião e da vontade dos cidadãos. Será esse o ponto central desta seção. Habermas, em Direito e Democracia, afirma que a formação política da opinião e da vontade precisa esclarecer três questões: i) a possibilidade de harmonizar entre si preferências concorrentes, ponto que subjaz a formação do compromisso; ii) a questão ético-política da formação de identidade pessoal e dos ideais que realmente se deseja alimentar; iii) assim como, a questão prático-moral referente àquilo que se faz para buscar sobre o modo de agir para se ser justo. Recorda-se, como é explicitado por Habermas, em Direito e Moral/Estudos preliminares e complementares, que era típico das culturas jurídicas dos antigos impérios os seguintes pontos: i) o sistema jurídico tinha a cobertura de um sistema sagrado; ii) seu núcleo era formado por um direito burocrático em conformidade com as tradições jurídicas sagradas; iii) e davam cobertura para o direito consuetudinário. Já na Idade Média havia dois “sistemas jurídicos”. Enquanto de um lado o direito canônico da Igreja Católica reproduzia o direito romano clássico, do outro lado havia os direitos dos decretos imperiais e capitulares que se ligavam à ideia do Império Romano. O direito sagrado, i.e., da Igreja Católica, era visto enquanto “direito natural”, “divino”, e forneceu a moldura para a legitimação, no estado em que o soberano exerce seu poder profano. Entretanto, como observa Pinzani (2011): O direito moderno positivo se apresenta como uma ordem normativa que é justificada não – como o direito pré-moderno – pela autoridade carismática ou religiosa, mas somente apelando para um sistema coerente que possibilita a produção de normas segundo um procedimento exatamente determinado por regras precisas. (p. 141).

Como consequência, a autocompreensão do Estado de direito democrático forma-se por meio da tradição filosófica que apela exclusivamente para uma razão “natural”, i.e., de que os argumentos públicos, conforme suas pretensões, são acessíveis da mesma maneira a todas as pessoas. E com a ideia de uma razão humana comum constitui-se a base epistêmica para a justificação de um poder do Estado secular que independe

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de legitimações religiosas. Ao mesmo tempo, isso permite, segundo Habermas, pensar-se a separação entre Igreja e Estado ao nível institucional. “O direito fundamental da liberdade de consciência e de religião constitui a resposta política adequada aos desafios do pluralismo religioso. [...]” (HABERMAS, 2007, p. 136), sendo que, para uma garantia simétrica da liberdade religiosa, o caráter secular do Estado constitui uma condição necessária, mas não suficiente, pois, para Habermas, as próprias partes envolvidas têm que chegar a um acordo sobre a separação entre direito positivo e o exercício da religião da liberdade negativa onde ninguém é obrigado a seguir a religião do doutro. Sendo que a proteção do princípio de tolerância se dá por argumentos convincentes e aceitáveis, de modo igual, por todas as partes, pois, por meio da criação de regras equitativas pressupõese que os participantes aprendam a assumir as perspectivas uns dos outros. No Estado secular, o exercício do poder tem que ser transposto para uma base não mais religiosa, e a constituição democrática tem que preencher a lacuna de legitimação aberta pela neutralização do poder do Estado: [...] a neutralidade não é uma questão de ceticismo, e sim um princípio normativo que estipula as condições de justificação dos princípios políticos que não se refira às concepções controversas da vida boa, objeto de profunda divisão no contexto irremediavelmente pluralista da modernidade. [...]. (ARAUJO, 2010, p. 103).

É pela prática constituinte que se dá os direitos simétricos de cidadãos livres e iguais que se atribuem uns aos outros com a pretensão de regular sua convivência mutua. O processo democrático extrai sua força geradora de legitimação por meio da participação política simétrica dos cidadãos e da dimensão epistemológica de certas formas de uma disputa guiada discursivamente. Por meio desses dois componentes da legitimação as expetativas e os modos de pensar e comportar-se dos cidadãos são explicados, segundo Habermas, pois eles não podem simplesmente ser impostos pelo direito positivo20. Para Habermas: [...] os cidadãos devem respeitar-se reciprocamente como membros de sua respectiva comunidade política, 20

“Os processos de produção de legitimidade que tomam forma no plano das mediações linguísticas dependem, [...] da publicidade para estabilizar, ainda que provisoriamente, consensos a respeito dos sentidos das coisas e das intenções.” (MONTERO, 2009, p. 211).

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dotados de iguais direitos, apesar de seu dissenso em questões envolvendo convicções religiosas e visões de mundo; sobre esta base de uma solidariedade de cidadãos do Estado, eles devem procurar, quando se trata de questões disputadas, um entendimento mútuo motivado racionalmente, ou seja, eles são obrigados a apresentar uns aos outros, bons argumentos. [...]. (HABERMAS, 2007, p. 137).

A base para referência do uso público da razão só é obtida depois da diferenciação de uma associação de cidadãos livres e iguais que se determinam a si mesmos, que justificam, uns aos outros, seus posicionamentos políticos na base dos princípios constitucionais. Para Habermas, então: [...] iguais direitos políticos fundamentais para cada um resultam, pois, de uma juridificação simétrica da liberdade comunicativa de todos os membros do direito; e esta exige, por seu turno, uma formação discursiva da opinião e da vontade que possibilita um exercício da autonomia política através da assunção dos direitos dos cidadãos. (HABERMAS, 1997a, p. 164).

Dada a ideia de que os direitos humanos e o princípio de soberania do povo justificam a ideia do direito moderno, pois suas ideias vêm somar-se aos conteúdos que sobrevivem ao crivo da fundamentação pós-tradicionais. Tem-se a ideia de que os direitos humanos são a expressão de uma autodeterminação moral e a soberania do povo uma autorealização ética, temse como consequência disso que a interligação entre soberania do povo e os direitos humanos surgem da co-originalidade da autonomia política e da privada. Conforme o direito assegura a autonomia privada e a autonomia pública, o direito operacionaliza a tensão entre facticidade e validade. O direito conduz o arbítrio dos interesses dos sujeitos que se orientam pelos trilhos de leis contingentes, que tornam compatíveis iguais liberdades subjetivas de ação, por um lado e, por outro, o sistema mobiliza e reúne as liberdades comunicativas de civis que estão, supostamente, orientadas pela ideia de “bem comum” na prática da legislação. Isso faz com que, novamente, irrompa-se a tensão entre facticidade e validade, pois, à primeira vista, os direitos políticos fundamentais precisam institucionalizar o uso público das

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liberdades comunicativas na forma de direitos subjetivos. A consequência disso é que os direitos de comunicação e participação têm que ser formulados em uma linguagem que permite aos sujeitos autônomos escolherem se e como vão fazer uso deles. Com o conceito de poder comunicativo atinge-se apenas o surgimento de um poder político que estende-se ao emprego do poder administrativo e à concorrência pelo acesso ao sistema político. A constituição de um código de poder tem como significado que um sistema administrativo se orienta por autorizações que permitem decisões coletivamente obrigatórias, onde, para Habermas, deve-se considerar o direito como um medium por meio do qual o poder comunicativo se transforma em poder administrativo, no sentido de uma procuração no quadro de permissões legais. [...] O poder administrativo não deve reproduzir a si mesmo e sim, regenerar-se a partir da transformação do poder comunicativo. Em última instância, o Estado de direito deve regular essa transferência, [...] do ponto de vista sociológico, a ideia do estado de direito ilumina apenas o aspecto político da produção de um equilíbrio entre os três poderes de integração global da sociedade: dinheiro, poder administrativo e solidariedade. (HABERMAS, 1997a, p. 190).

O direito constitui um poder político e o contrário também é verdadeiro, segundo o pensamento habermasiano, gerando um nexo entre eles que abre a possibilidade de uma instrumentalização do direito para o emprego estratégico do poder. Porém, para gerar a ideia de um Estado de direito, exige-se uma organização do poder público que obriga o poder político a se legitimar pelo direito legitimamente instituído. Sendo que os códigos de direito e de poder precisam completar-se mutuamente para que, assim, possam preencher suas funções. No entanto, as relações de troca entre esses poderes se alimentam de uma normatização legítima do direito que é ligada à formação do poder comunicativo, o que implica em uma diferenciação do poder político. Para Habermas, no princípio de soberania popular o direito subjetivo à participação vai de encontro à possibilidade jurídico-objetivo de uma prática institucionalizada de autodeterminação dos cidadãos. Por meio desse princípio forma-se o espelho entre o sistema de direitos e a construção de um Estado de Direito que,

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[...] interpretado pela teoria do discurso (a), o princípio da soberania popular implica: (b) o princípio de ampla garantia do indivíduo, proporcionada através de uma justiça independente; (c) os princípios da legalidade da administração e do controle judicial e parlamentar da administração; (d) o princípio de separação entre sociedade e estado, que visa impedir que o poder social se transforme em poder administrativo sem passar antes pelo filtro da formação comunicativa do poder. (HABERMAS, 1997a, p. 212-3).

Segundo a teoria do discurso, o princípio da soberania do povo tem como significado que todo poder político é deduzido do poder comunicativo dos cidadãos. Assim sendo, exercício do poder político se legitima por meio das leis que os cidadãos criam para si mesmos, com a formação estruturada discursivamente da opinião e da vontade. Já, quando o poder de soberania popular é visto sob o ângulo do poder, ele exige a transmissão de competência legislativa para a totalidade dos cidadãos, pois são os únicos capazes de gerar o poder comunicativo de convicções comuns. Ali, as decisões fundamentadas e obrigatórias sobre políticas e leis exigem consultas e tomadas de decisão face to face, por um lado, e que nem todos os cidadãos possam se ‘unir’ no nível de interações simples e diretas, para uma prática exercitada em comum, por outro. Sendo a solução o princípio parlamentar da criação de corporações deliberativas representativas. A formação política da vontade visa uma legislação, pois ela interpreta e configura o sistema de direitos que os cidadãos reconhecem mutuamente por meio das leis, porque o poder organizado do Estado só pode ser organizado e dirigido por meio de leis. “[...] o procedimento democrático da legislação depende, por sua vez, de cidadãos ativos, cujas motivações não podem ser impostas juridicamente. [...]” (PINZANI, 2011, p. 140), pois as leis formam a base para pretensões jurídicas individuais, o que resulta na garantia dos caminhos do direito e do princípio da garantia de uma proteção jurídica individual ampla. Para Habermas, conforme tem-se o pressuposto do “proviso” rawlsiano, por meio do princípio de separação da Igreja com o Estado, os políticos e os funcionários estatais devem formular e justificar as leis, decisões judiciais etc., em uma linguagem acessível a todos os cidadãos. Porém, na EPP os cidadãos, os partidos políticos e candidatos, as organizações sociais e as igrejas não estão em uma reserva tão estrita. Aqui não se pode confundir os argumentos em prol de um papel político da religião

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que, por um lado são inconciliáveis com o caráter secular do Estado constitucional e, por outro, constituem objeções justificadas contra uma compreensão secularista da democracia e do Estado constitucional. O princípio da separação entre Igreja e Estado exige das instituições estatais rigor extremo no trato com as comunidades religiosas; parlamentos e tribunais, governo e administração ferem o mandamento da neutralidade a ser mantida quanto a visões de mundo quando privilegiam um dos lados em detrimento de um outro. De outro lado, no entanto, a exigência laicista de que o Estado deve (em consonância com a liberdade de religião) abster-se de toda política que apoia ou coloca limites à religião enquanto tal constitui uma interpretação por demais estreita desse princípio. Em que pese isso, a rejeição do secularismo não deve abrir as portas para revisões que venham a anular a separação entre Igreja e Estado. [...]. (HABERMAS, 2007, p. 140).

Segundo Habermas, pode-se criticar os posicionamentos rawlsianos não contra as premissas liberais, enquanto tais, mas sim, contra a determinação por demais estreita e secularista do papel político da religião no quadro de uma ordem liberal. “[...] Para Habermas a razão pública rawlsiana delimita a esfera pública, isto é, reduz a religião à dimensão privada, excluindo-a da esfera política [...]” (BAVARESCO; LIMA, p. 1). Os críticos de John Rawls apelam para exemplos históricos que exerceram política benéfica na defesa e implementação da democracia e dos direitos humanos por meio de igrejas e movimentos religiosos. Luther King é um desses exemplos. Entretanto, o engajamento civil dos religiosos ficaria comprometido, segundo mostra Habermas, se os grupos religiosos precisassem adotar o “proviso” rawlsiano e decidir, a cada passo, entre valores políticos e religiosos. O que para Habermas implicaria que o Estado liberal precisaria renunciar ao desejo de impor às igrejas e comunidades religiosas a censura que advém junto ao proviso, pois um Estado não pode impor aos cidadãos obrigações que não combinam com uma forma de existência religiosa quando os garante a liberdade religiosa. Contra o proviso rawlsiano, Habermas afirma que pode-se objetar que muitos cidadãos religiosos não poderiam concretizar a divisão artificial da sua própria consciência sem colocar em jogo sua própria existência piedosa. Há também a objeção que se refere ao papel integral (a posição) que a religião

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assume na vida das pessoas crentes, quando os cidadãos religiosos têm “[...] sua concepção de justiça, fundada na religião, lhes ensina o que é politicamente correto ou incorreto, de tal sorte que eles são incapazes de discernir entre razões seculares e razões 'pull'" (HABERMAS, 2007, p. 14445). Para Habermas, se aceita-se tal objeção, não se pode esperar que o Estado liberal que protege as formas de vida religiosas por meio do princípio de liberdade de religião possa esperar que todos os crentes fundamentem seus posicionamentos políticos deixando inteiramente de lado suas convicções religiosas ou metafisicas sobre o mundo.“[...] Tal exigência estrita só pode ser dirigida aos políticos que assumem mandatos públicos ou se candidatam a eles e que, por esse fato, são obrigados a adotar a neutralidade no que tange às visões de mundo.” (HABERMAS, 2007, p. 145). Lembra-se que: Entre as tarefas do Estado liberal encontra-se a proteção do princípio da igualdade cívica de seus cidadãos, sejam eles religiosos (gläubigen) ou nãoreligiosos (ungläubigen). Assim, é necessário que exista uma convicção por parte dos cidadãos de que o regime democrático esteja comprometido com a promoção de suas respectivas formas de vida. [...]. (FREIRE, 2014, p. 116).

Para Habermas, a neutralidade do exercício do poder constitui uma pressuposição institucional necessária para uma garantia simétrica da liberdade religiosa. Salienta-se que “[...] o significado correto de neutralidade liberal é de a de que os princípios políticos não devem favorecer ou promover nenhuma doutrina abrangente particular sujeita ao desacordo razoável entre os membros de uma sociedade. [...]” (ARAUJO, 2010, p. 105). É por meio do consenso constitucional que atinge-se o princípio de separação entre Igreja e Estado. Entretanto, Habermas afirma que a transposição do princípio de cunho institucional para posicionamentos de organizações e de cidadãos na EPP constitui uma generalização excessiva. O poder secular do Estado não implica para os cidadãos religiosos, em particular, obrigação pessoal e imediata de complementar suas convicções religiosas, publicamente exteriorizadas, e de traduzi-las por meio de equivalentes em uma linguagem acessível a todos. Para Habermas, o Estado liberal não pode obrigar os cidadãos religiosos a levarem a cabo, na EPP, uma separação estrita entre argumentos religiosos e não-religiosos, pois essa tarefa pode consistir um ataque à sua identidade nacional e, consequentemente, à neutralidade do Estado. O Estado

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liberal não pode transformar a separação institucional da Igreja e do Estado em uma sobrecarga mental e psicológica insuportável para os religiosos, entretanto, esses cidadãos devem reconhecer que o princípio do exercício político é neutro naquilo que se refere às visões de mundo e, como consequência, deve-se aceitar que na esfera pública formal, i.e., parlamentos, tribunais etc., só contem argumentos seculares21. No pensamento habermasiano, conforme os cidadãos religiosos participam de discussões públicas e reconhecem a “reserva de tradução institucional”, eles não precisam dividir suas identidades em partes privadas e públicas. Como consequência, tem-se que eles deveriam poder expressar e fundamentar suas convicções em uma linguagem religiosa mesmo quando não encontram tradução secular. “[...] Na esfera pública as controvérsias e as negociações culturais entre uma variedade de públicos em torno da validade de certas proposições têm lugar e se tornam visíveis [...]” (MONTERO, 2009, p. 213). Conforme os cidadãos religiosos [...] podem manifestar-se numa linguagem religiosa apenas sob a condição do reconhecimento da ‘ressalva de uma tradução institucional’, eles podem, apoiados na confiabilidade das traduções cooperativas de seus concidadãos, entender-se como participantes do processo de legislação, mesmo que os argumentos decisivos nesse processo sejam seculares. (HABERMAS, 2007, p. 148).

Segundo Habermas, o Estado liberal possui um interesse na liberação das vozes religiosas no âmbito da EPP, bem como na participação política de organizações religiosas. Não podendo desencorajar os crentes e as comunidades religiosas de se manifestarem de forma política, pois, ao fazer isso, o Estado liberal poderia estar privando a sociedade a recursos importantes para a criação do sentido. Habermas acredita que os crentes de outros credos, assim como os cidadãos seculares, podem aprender algo com as contribuições religiosas. Ao se tomar essa afirmação habermasiana e transportá-la para a EPP brasileira, vê-se que a única coisa que os cidadãos seculares ou de credos 21

Neste ponto, recomenda-se a leitura do texto de André Coelho intitulado Uso de argumentos religiosos na esfera judicial: exploração de uma hipótese a partir de Jürgen Habermas, Disponível em: . Acesso em: 15 jul. 2015.

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diferentes dos evangélicos pentecostais, da bancada evangélica, aprenderiam seria o ódio às minorias22, aos GLBT etc., mas mesmo assim, reconhece-se que realmente não se pode calar esses grupos, ou viver-se sobre um Estado “laicista” como é na França23, gerando assim um problema ao qual, por ora, não se tem uma resposta de imediato a ser dada, porém acredita-se que a solução possa ser encontrada na educação, i.e., por meio da interiorização dos fundamentos constitucionais de um Estado laico. Para Habermas, os limiares institucionais que se colocam entre uma EPP “selvagem” e as corporações estatais criam certos filtros que são cunhados para dar vazão a contribuições seculares. [...] No parlamento, por exemplo, a ordem agendada deve permitir ao presidente retirar da ordem do dia posicionamentos ou justificativas religiosas. Para não se perder os conteúdos de verdade de exteriorizações religiosas, é necessário, por isso, que a tradução já tenha ocorrido antes, no espaço pré-parlamentar, ou seja na própria esfera pública política. (HABERMAS, 2007, p. 149).

Neste trabalho de tradução, os cidadãos não-religiosos também participam, para que assim não se sobrecarregue os participantes religiosos do Estado. Os cidadãos de uma comunidade democrática devem fundamentar seus posicionamentos políticos recíprocos lançando mão de argumentos. Mesmo que esses cidadãos não passem por uma censura na EPP, as contribuições religiosas dependem de trabalhos cooperativos de tradução, pois, sem uma tradução bem-sucedida, o conteúdo das vozes religiosas não conseguiria entrar nas agendas e negociações das instituições do Estado, não podendo assim influenciar o processo político ulterior. Habermas reconhece que “[...] a abertura do parlamento para a disputa em torno de certezas da fé pode transformar o poder do Estado num agente de uma maioria religiosa, a qual impõe sua vontade ferindo o procedimento democrático” (HABERMAS, 2007, p. 151). Ele também reconhece que: [...] Durante o processo de formação política da opinião e da vontade, o poder da maioria transforma22

Conf.: . Acesso em: 15 jul. 2015. 23 Conf.: . Acesso em: 15 jul. 2015.

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se em repressão quando uma maioria que utiliza argumentos religiosos nega às minorias seculares ou aos que são de outras denominações a possibilidade de reproduzir discursivamente as justificações que lhe são devidas. O procedimento democrático extrai sua força de legitimação de seu próprio caráter deliberativo e da inclusão de todos os participantes; pois é sobre esse caráter que se fundamenta a suposição, fundamentada, dos resultados racionais in the long run (no longo prazo). (HABERMAS, 2007, p. 152).

Segundo Habermas, na perspectiva de uma democracia liberal, o poder político consegue disfarçar sua essência dominativa por meio de uma ligação juridicamente cogente aos princípios de exercícios do poder suscetíveis de um assentimento geral. Os conflitos existenciais sobre os valores entre comunidades de fé não se prestam a compromissos, eles só podem ser desamarrados por uma despolitização que lança mão de princípios constitucionais ante o pano de fundo de um consenso que se supõe ser comum. Para Habermas, sem um laço unificador de uma solidariedade, que não pode ser imposta por normas do direito, os cidadãos não conseguem se entender como participantes, e com os mesmos direitos, de uma prática comum que possibilita a formação da opinião e da vontade, onde os cidadãos devem uns aos outros argumentos que justifiquem seus posicionamentos políticos. Essa reciprocidade das expectativas dos cidadãos do Estado, diferencia uma comunidade liberal de uma comunidade segmentada por visões de mundo. Parece que a indiferença recíproca e a renúncia à reciprocidade se justificam pelo fato de o Estado liberal cair numa contradição quando imputa a todos os cidadãos, simetricamente, um etos político que distribui desigualmente entre eles o ônus cognitivo. A precedência institucional, bem como a ressalva da tradução que favorece os argumentos seculares, exige dos cidadãos religiosos uma operação de aprendizado e de adaptação, da qual os cidadãos seculares estão isentos. Em todo caso, a observação empírica parece confirmar que também no interior das igrejas se desenvolveu, durante muito tempo, um certo ressentimento contra a neutralidade do Estado [...]. Tais enfoques epistêmicos são, todavia, expressão de uma mentalidade já dada; eles não se deixam

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transformar, à semelhança dos motivos, em conteúdo de expectativas normativas ou de apelos políticos à virtude. Qualquer "dever ser" (Sollen) pressupõe sempre um "ser capaz de" (Kõnnen). As expectativas vinculadas ao papel da cidadania democrática diluemse no vazio quando não há uma correspondente mudança de mentalidade; e nesse caso, elas apenas despertam ressentimentos por parte daqueles que se sentem sobrecarregados e mal-compreendidos. (HABERMAS, 2007, p. 154-155).

Segundo Habermas, por meio do pluralismo religioso, da ascensão das ciências modernas, e da disseminação do direito positivo e da moral social profana, houve uma “modernização” da consciência religiosa, que vem desde a Reforma e do Iluminismo. Com isso, Habermas afirma que os cidadãos religiosos precisam: i) encontrar um enfoque epistêmico que seja aberto às visões de mundo e às religiões estranhas, que até então só conheciam por meio do intermédio do universo discursivo de suas religiões; ii) precisam também encontrar um enfoque epistêmico aberto ao sentido próprio do conhecimento secular e ao monopólio do saber dos especialistas, institucionalizados socialmente; iii) também precisam de um enfoque epistêmico para encarar os argumentos seculares que gozam de precedência na arena política. “Tal trabalho da auto-reflexão hermenêutica tem de ser realizado pelo ângulo de uma autopercepção religiosa. [...]” (HABERMAS, 2007, p. 156). Sob a luz de condições modernas da vida, os novos enfoques epistêmicos são aprendidos como resultados de uma reconstrução de verdades de fé transmitidas, que se tornam evidentes para os próprios participantes. Para Habermas: Enquanto os cidadãos seculares estiverem convencidos de que as tradições religiosas e as comunidades religiosas constituem apenas uma relíquia arcaica de sociedades pré-modernas, mantidas na sociedade atual, eles considerarão a liberdade de religião apenas como uma proteção cultural para espécies naturais em extinção [...]. (HABERMAS, 2007, p. 157).

Sendo assim, sob premissas normativas de um Estado constitucional e de um etos dos cidadãos do Estado democrático, admitir exteriorizações religiosas na EPP só passa a ser razoável quando se tem a exigência de que todos os cidadãos não excluam a possibilidade de um conteúdo cognitivo

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dessas contribuições. Para Habermas, essa ainda não é uma mentalidade autoevidente nas sociedades secularizados do ocidente. Tem-se, então, que: [...] a ética da cidadania, que se define pelas condições simétricas de participação numa prática comum de autodeterminação democrática, exige, por seu turno, atitudes epistêmicas mediante as quais as dissonâncias cognitivas sejam tratadas como desacordos razoáveis entre todos os indivíduos engajados em processos de aprendizagem complementares, de modo que, por exemplo, cidadãos seculares assumam as pressões adaptativas não menos custosas de habitarem um mundo pós-secular. [...]. (ARAUJO, 2010, p. 146).

A consciência secular de que se tem que viver em uma sociedade póssecular reflete-se filosoficamente na figura do pensamento pós-metafisico24. Sendo que, “Em tom pós-metafísico, a filosofia não pode mais desempenhar o papel de discurso fundacional, mas, sim, assumir seu lugar como uma das vozes que compõem a sinfonia dos discursos da sociedade democrática. [...]” (ZABATIERO, 2010, p. 21). No pensamento pós-metafisico, constitui-se uma contrapartida secular para a consciência religiosa que se fez reflexiva, e que delimita-se quando por meio de premissas agnósticas se abstém de emitir juízos sobre verdades religiosas em uma delimitação que diz respeito estritamente à questão de fé e saber; e contra uma concepção cientificista da razão e contra a exclusão das doutrinas religiosas da genealogia da razão. Em síntese, o pensamento pós-metafísico assume uma dupla atitude perante a religião, porquanto ele é agnóstico e está, ao mesmo tempo, disposto a aprender. Ele insiste na diferença entre certezas de fé e pretensões de validade contestáveis em público; abstém-se, porém, de adotar uma presunção racionalista, a qual o levaria a pretender decidir por si mesmo sobre o que é racional e o que não é nas doutrinas religiosas. Entretanto, os conteúdos dos quais a razão se apropria por tradução não constituem 24

Importante salientar que a Relação direito e moral é interpretada pela ideia de um nível pósmetafisico, onde tanto as regras morais como as jurídicas diferenciam-se da eticidade tradicional, e colocam-se como dois diferentes tipos de normas de ação que, além de estarem lado a lado, completam-se. Pois, “[...] por um lado, o direito não pode contrariar a moral, e, por outro lado, não pode ser subordinado no sentido de a moral ser hierarquicamente superior. [...]” (VOLPATO DUTRA; LOIS, 2007, p. 242).

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necessariamente uma perda para a fé. Além disso, uma apologia da fé, elaborada com meios filosóficos, não é tarefa da filosofia, que continua agnóstica. [...]. (HABERMAS, 2007, p. 162).

Para Habermas, por meio do pensamento pós-metafisico adotado para tratar da religião, manifesta-se uma pressuposição cognitiva para a disposição de cooperação que se espera dos cidadãos seculares. Essa pressuposição corresponde ao enfoque epistêmico que os cidadãos seculares precisam assumir quando estão dispostos a aprender com contribuições de seus concidadãos religiosos, onde, conforme os casos, isso pode ser traduzido para uma linguagem acessível em geral. O uso público da razão introduzido por ele depender de pressuposições cognitivas tem consequências interessantes e discrepantes, que remetem ao fato de o Estado constitucional democrático representar uma forma de governo pretensiosa do ponto de vista epistêmico e sensível à verdade. Com a polarização das cosmovisões de uma comunidade que se divide em dois campos, demonstra-se que a integração política pode ser ameaçada a partir do momento que um número demasiado elevado de pessoas não conseguem atingir os standards do uso público da razão. Como consequência desse fato, o elemento preocupante fica centrado na ideia de que há “processos de aprendizagem complementares”. Habermas, relembra que “[...] A reflexivização da consciência religiosa, como também a superação auto-reflexiva da consciência secularista, é fruto de uma superação auto-reflexiva de enfoques epistêmicos. [...]” (HABERMAS, 2007, p. 164, [grifo do autor]). Dado que a teoria política não tem condições de saber se as mentalidades funcionalmente necessárias podem ser adquiridas pelo caminho do processo de aprendizagem, ela tem que reconhecer que sua concepção do uso público da razão, que fora fundada normativamente, continua sendo “questionada essencialmente” pelos próprios cidadãos. [...] Porquanto o Estado liberal só pode confrontar seus cidadãos com deveres que eles mesmos podem aceitar apoiados numa ‘compreensão perspicaz' (aus Einsicht) - e tal compreensão pressupõe que os enfoques epistêmicos necessários podem ser obtidos por meio de compreensão perspicaz, o que implica, por conseguinte, a possibilidade de serem ‘aprendidos’. (HABERMAS, 2007, p. 165, [grifo do autor]).

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Segundo Habermas, a constatação referente à teoria política não significa que os cidadãos ou filósofos consigam ou devam defender uma versão forte dos fundamentos liberais e republicanos do Estado democrático constitucional, entretanto, o discurso sobre a compreensão correta, e sobre a própria correção de uma ordem liberal em geral, e do etos dos cidadãos do Estado democrático em particular, atinge domínios nos quais os argumentos normativos não bastam por si mesmos. O mesmo vale para a questão epistemológica de fé e saber, que atinge elementos essenciais da compreensão que serve pano de fundo para a modernidade. Habermas responde ao questionamento “[..] Será que os cidadãos podem aceitar o liberalismo como sendo a única resposta correta para o pluralismo religioso?”, afirmando que para chegar a uma conclusão sobre esse ponto os cidadãos seculares e religiosos devem saber interpretar, cada um de seu modo, a relação entre fé e saber, “[...] porquanto tal interpretação prévia lhes abre a possibilidade de uma atitude auto-reflexiva e esclarecida na esfera pública política.” (HABERMAS, 2007, p. 167).

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RAWLS versus HABERMAS: A QUESTÃO DA LIBERDADE E O CONVIVIO ENTRE OS CIDADÃOS DA SOCIEDADE PÓSSECULAR

Apresentadas as perspectivas de John Rawls e Jürgen Habermas referentes ao papel da religião na esfera pública da sociedade pós-secular em um Estado de direito democrático constitucional, acha-se necessário fazer algumas considerações para distinguir os pensamentos de Habermas e Rawls para, posteriormente, apresentar os comentários finais referentes às teorias dos dois pensadores em voga neste trabalho. Como pôde ser visto nos dois primeiros capítulos, as perspectivas habermasiana e ralwsiana têm certos aspetos em comum como, por exemplo, tanto Rawls como Habermas reconhecem a necessidade de haver liberdade de pensamento e de associação, e que as opiniões divergentes sobre o “bem” é um fato comum da sociedade democrática que preza pelo pluralismo, onde não se pode impor uma visão de mundo, além do fato de que o Estado precisa ser neutro quanto a essas questões. Busca-se agora apresentar uma visão mais central quanto aos pontos de divergências entre as perspectivas habermasiana e rawlsiana. Como exemplo, tomam-se as considerações referentes àquilo que tange à discussão da tradução ou não, dos posicionamentos religiosos para argumentos seculares. Como fora apresentado no segundo capítulo, Habermas acredita ser um fardo pesado para os religiosos terem que traduzir seus posicionamentos políticos na esfera pública para uma linguagem secular, ou, como diria Rawls, para uma linguagem neutra e racional, enquanto o pensamento rawlsiano acredita ser necessário a tradução em uma sociedade democrática constitucional que não professa qualquer fé, garantido assim o Estado laico e as liberdades de associação, de livre pensamento etc., como foi exposto no primeiro capítulo deste estudo. O filósofo alemão, diferentemente do filósofo estadunidense, defende a não necessidade de tradução dos argumentos religiosos nas esferas públicas informais. Entretanto, como é apresentado por Habermas na sua obra Entre Naturalismo e Religião, os religiosos devem aceitar que na esfera pública formal só contam os argumentos seculares. Isto pode ser resumido da seguinte maneira: John Rawls defende que os religiosos, quando estão no meio de uma discussão sobre aquilo que deve ser aceito por todos os participantes da sociedade, não podem apresentar suas perspectivas na forma religiosa, eles precisam traduzir seus posicionamentos para uma linguagem

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neutra e racional, que possa ser aceita por todos, enquanto Habermas acha que somente as discussões na esfera formal é que precisam dessa tradução. Significaria então, por meio do que foi exposto, poder afirmar que tanto em John Rawls, quanto em Habermas, quando têm seus pensamentos “transportados” para a realidade política brasileira, nas discussões sobre casamento homoafetivo e adoção por parte de casais do mesmo sexo, como, por exemplo, os argumentos defendidos pela bancada evangélica, eles precisariam de uma tradução para uma linguagem secular, e não se poderia argumentar por meio dos preceitos bíblicos. Porém, quando a discussão não fosse na esfera pública formal, i.e., na câmara dos deputados, os religiosos poderiam, sem a necessidade de traduzir seus argumentos, defender seus pontos de vista contrários ao casamento homoafetivo e à adoção pelos casais formados por pessoas do mesmo sexo. Nesta discussão, o trabalho não assume nem a perspectiva de Rawls, da necessidade de tradução, nem a perspectiva habermasiana, um pouco mais frouxa com os religiosos. Apenas traz essas considerações, pois acredita-se ser importante botar esse tema em voga na esfera pública, pois, por meio da perspectiva dos Estados liberais, que assumem para a si a neutralidade referente à religião oficial e aos modos de vida, como é caso do Brasil, falta um debate mais claro sobre os temas “tabu”. Pensa-se neste estudo também como uma forma de chamar a atenção para que haja cada vez mais discussões nos campos filosóficos, das ciências sociais, antropológicos etc., referentes ao papel e às justificações dos posicionamentos religiosos e seculares nas sociedades democráticas pós-seculares. Defende-se neste trabalho que, mesmo que a maioria da população brasileira seja cristã, isso não pode significar que os crentes de outros credos, assim como ateus, agnósticos etc., tenham espaços políticos e jurídicos reduzidos, e que os cristãos possam impor suas crenças e visões de mundo, como vem acontecendo no Brasil por parte da bancada evangélica, situação em que simplesmente não há discussão pública e cada vez mais se faz necessária a juridificação da política, i.e., que assuntos do âmbito político estão precisando ser julgados pela justiça. Se aceita-se a perspectiva apresentada por Habermas, exposta na primeira seção do segundo capítulo deste estudo, de que a discussão pública política mediante o uso da razão deixou de existir dando lugar para uma esfera pública de um público consumidor de informações, por um lado podese ter o pensamento de que realmente não há mais nada que possa ser feito, talvez seja necessário aceitar o processo cada vez mais preciso da judicialização política para que não se tenha uma nova idade das trevas, mas

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pode-se também, por outro lado, ter uma perspectiva mais otimista, assumindo talvez a perspectiva habermasiana de Direito e Democracia que vê a sociedade civil como tendo seu núcleo formado por movimentos e associações que não são nem estatais e nem com interesses econômicos, mas que trabalham para influenciar o poder político nos problemas a serem enfrentados, debatidos etc., i.e., tem-se novamente a reconstrução de debate público. Sabe-se que a segunda perspectiva parece ser mais difícil, principalmente se for feita uma análise dos seis primeiros meses da nova legislatura brasileira. Porém, mesmo assim, não se acredita que a única solução é começar a “chorar sobre o leite derramado”, mas sim “enxugar o fogão” e repensar o processo. Sob esta perspectiva, não tão otimista, mas não de todo pessimista, parte-se para as duas últimas seções deste trabalho, que terão como objeto: i) na primeira seção continuar a trabalhar sobre as considerações referentes ao pensamento habermasiano acerca do papel da religião na esfera pública, onde olha-se por meio da visão de uma ética da solidariedade e do reconhecimento a relação dos cidadãos religiosos e não religiosos na sociedade pós-secular de cunho democrático e liberal; ii) enquanto na segunda seção traz-se considerações de John Rawls referentes à questão da liberdade, e uma defesa a esse conceito, pois acredita-se na defesa à liberdade “autônoma” dos cidadãos, para que esses possam escolher suas religiões, ou ausência dessas, em suas vidas, assim como suas concepções de vida e de bem, sem que assim anulem as concepções das outras pessoas. Este é o ponto central deste trabalho, i.e., como conciliar as perspectivas individuais e coletivas de vida que, mesmo que sejam completamente diferentes, deve haver certa harmonia no convívio entre pessoas e grupos que pensam completamente diferente entre si. 4.1

O PROCESSO DE SECULARIZAÇÃO: A RELAÇÃO ENTRE OS CIDADÃOS RELIGIOSOS E SECULARES EM HABERMAS

Feitas as considerações referentes à sociedade civil, à esfera pública e ao uso público da razão no pensamento habermasiano, nesta seção analisa-se o pensamento de Habermas sobre o papel da religião na sociedade “póssecular”, e a relação de convívio entre os cidadãos religiosos e não-religiosos. Sem mais delongas, afirma-se que, segundo Habermas, em Fé e Saber, por meio do avanço científico nas questões de engenharia genética, as discussões sobre valores ganhou uma nova força, mas em 2001 com a

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explosão das torres gêmeas, a tensão explodiu de um modo inteiramente diverso. Os ataques foram motivados por convicções religiosas, segundo palavras de Bin Laden e o testamento de Atta, expõe Habermas. Como consequência, a explosão das torres gêmeas fez com que os cidadãos expectadores daquele momento, vendo tudo ao vivo pela televisão, acabassem se inspirando por imagens bíblicas, onde a linguagem de vingança de Bush adquiriu um tom de velho testamento. Porém, mesmo assim, segundo Habermas, essa conexão invisível não levou os civis e religiosos a uma expressão simétrica de ódio, onde, nem mesmo todo o “patriotismo americano” implicou numa conclamação por um deslimite bélico do direito penal nacional. O fundamentalismo, apesar te der uma linguagem religiosa, é um fenômeno exclusivamente moderno, para Habermas, sendo que, em sua obra Entre Naturalismo e Religião, ele afirma que o fundamentalismo pode ser entendido como uma consequência do processo que envolve uma colonização violenta e uma descolonização malsucedida; da modernização capitalista vinda de fora que desencadeia as inseguranças sociais e rejeições culturais, quando em condições desfavoráveis. A assincronia entre os motivos e os meios dos terroristas do Estado islâmico é o que lhe chama a atenção. O que para o filósofo alemão é reflexo da assincronia entre cultura e sociedade dos países natais dos terroristas, devido a uma modernização acelerada e fortemente desenraizadora, como um reflexo do declínio das formas de vida tradicionais. E as mudanças advindas, sobre essa ótica, são interpretadas pelos religiosos como “desenraizamento”, e as religiões se afirmavam como tradição, entretanto, começam a perceber que haveriam dúvidas referentes a vitalidade daquilo que é apenas “tradicional”. Habermas afirma que a palavra “secularização” teve, em princípio, um significado jurídico de uma transferência compulsória dos bens da Igreja para o poder público secular. Significado que foi transmutado para o surgimento da modernidade cultural e social como um todo e que teve como consequência que as apreciações opostas têm sido associadas ao conceito de secularização, onde, por um lado se tem que os modos de pensar e as formas de vida religiosas são substituídos por equivalentes racionais (domesticação da autoridade eclesiástica); e por outro lado, as formas modernas de vida e pensamento são desacreditadas como bens furtados ilegitimamente (ato de apropriação ilícita). Segundo Habermas, por esses dois tem-se que o modelo de substituição é uma interpretação otimista e progressista para uma modernidade desencantada; enquanto a interpretação da apropriação forçada sugere a ruina de uma modernidade desamparada. Porém, as duas

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interpretações cometem o mesmo erro: “[...] elas consideram a secularização um jogo de soma zero entre, de um lado, as forças produtivas da ciência e da técnica, lideradas pelo capitalismo e, de outro, os poderes conservadores da religião e da Igreja. [...]” (HABERMAS, 2013, p. 6), e, por meio dessa interpretação, tem-se a ideia de que um só pode vencer à custa do outro, e isto, segundo as regras liberais de um jogo que favorece as forças motrizes da modernidade. Para Habermas, essa imagem não é adequada, pois não leva em conta o papel civilizador do senso comum (commonsense) democraticamente esclarecido e que funciona como um terceiro partido entre a ciência e a religião. Pois, “[...] este serve aos indivíduos como orientação para a vida cotidiana nos estados democráticos liberais. [...]” (PINZANI, 2009b, p. 121). Do ponto de vista do Estado liberal, para Habermas, só merecem o predicado razoável as comunidades que, por meio de seu próprio discernimento, renunciam à imposição violenta de suas verdades de fé, assim como à pressão militante sobre seus próprios membros e à manipulação para atentados suicidas. Esse discernimento, segundo o pensamento habermasiano, que vai de encontro ao de John Rawls, deve-se à tríplice reflexão dos fieis em sociedades pluralistas, que se dá do seguinte modo: i) a consciência religiosa tem de assimilar o encontro cognitivamente dissonante com outras confissões e religiões; ii) deve adaptar-se à autoridade das ciências, pois essas detêm o monopólio social do saber mundano; iii) devem adequar-se à premissa do Estado confessional em que se fundam sobre uma moral profana, sobre o pressuposto do Estado laico. Segundo Habermas, o impulso reflexivo é o trabalho reflexivo responsável por dar um passo a cada conflito que se desenvolve na esfera pública democrática. Para Habermas, conforme as questões existencialmente relevantes vão para a agenda política, os cidadãos, conforme trabalham as dissonâncias do conflito público de opiniões, têm a experiência do pluralismo de visões de mundo, onde, na medida em que eles aprendem a lidar com esse fato reconhecem o que significam, em uma sociedade “pós-metafisica”, as condições seculares da tomada de decisões que foram estabelecidas pela constituição. Pois, “[...] trata-se de uma sociedade pluralista, que já não dispõe de concepções éticas compartilhadas e já não pode apelar para a tradição na tentativa de justificar normas morais específicas [...]” (PINZANI, 2005, 362). Implicando que em um Estado neutro, no que diz respeito às visões de mundo, i.e., em um Estado laico, nos conflitos entre pretensões de saber e pretensões de fé, o Estado não toma qualquer decisão em favor desta ou daquela parte.

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Para Habermas, por mais que o senso comum deva ser esclarecido, as teorias científicas que penetram no mundo da vida deixam intacto no saber cotidiano naquilo que consiste a autocompreensão de pessoas capazes de falarem e agirem. O foco do que está em jogo no esclarecimento do senso comum pode ser visto no início do “desencantamento do mundo” de Weber, i.e., conforme a natureza se torna acessível à observação objetivante e à explicação casual, ela torna-se despersonalizada. “[...] A natureza pesquisada pela ciência escapa ao sistema social de relações entre pessoas vivas que agem e falam umas com as outras, atribuindo reciprocamente motivos e intenções. [...]” (HABERMAS, 2013, p. 9). O senso comum está entrelaçado com a consciência de pessoas que podem tomar iniciativas, cometer e corrigir erros, que afirmam sua estrutura perspectivística de forma muito própria e por meio da consciência de autonomia fundada na distância em relação a uma tradição religiosa de cujos conteúdos normativos as pessoas se nutrem. O senso comum democraticamente esclarecido mantém-se sobre bases que são aceitáveis não somente para membros de uma comunidade, diferentemente das religiões, entretanto, esse é o motivo apontado por Habermas, que faz o Estado liberal ser levado a uma secularização de uma mão única, que acaba por marginalizar a religião. Pois a liberdade religiosa tem como contrapartida uma pacificação do pluralismo das visões de mundo, cujos custos se mostram desiguais, segundo Habermas, pois o Estado liberal exige apenas que seus cidadãos compartilhem suas identidades em aspectos públicos e privados. Entretanto, os religiosos devem traduzir suas convicções para uma linguagem secular, frente a tentarem, por meio de argumentos, obter o consentimento da maioria. Sendo que, “[...] se as religiões desempenham um papel vital é desejável ou necessário que sigam fazendo-o. [...]” (PINZANI, 2014, p. 238). Mas para Habermas, a tentativa de argumentação voltada à aceitabilidade universal só não fará com que a religião seja excluída da esfera pública, caso o lado secular se mantenha sensível para a força da articulação religiosa. Então: [...] Habermas estabelece uma “cláusula de tradução institucional” – aplicável apenas à esfera pública formal dos parlamentos e dos tribunais, do governo e da administração, nos quais contam somente argumentos seculares – como solução mediadora entre o “separatismo” e o “integracionismo” na questão da religião na esfera pública, algo que se afigura necessário para uma garantia simétrica da liberdade de

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religião constitutiva do exercício democrático do poder político. [...]. (ARAUJO, 2011a, p. 47).

Porque os limites entre os argumentos religiosos e seculares são inevitavelmente fluidos, onde o estabelecimento de uma fronteira deve ser comprometido com uma tarefa cooperativa que exija de ambos aceitar a perspectiva do outro. Habermas que afirma que sem o reconhecimento do outro não existe amor, e que a liberdade não pode existir sem o reconhecimento recíproco. [...] Em outras palavras, a razão secularizada deve deixar a religião ser religião, mas esta última não pode pôr em questão os resultados das ciências, ainda que falíveis, e a idéia de uma igualdade de todos os seres humanos que exclui a discriminação contra mulheres, membros de outras confissões, ateus ou, simplesmente, pessoas que não compartilham os valores e as crenças da religião em questão e organizam sua vida com base em outros valores e outras visões do mundo e da vida. Em suma, se trata de exigir respeito recíproco entre crentes e pessoas “secularizadas”, por assim dizer. Isso exclui de antemão a possibilidade de que representantes de uma religião apelem para a verdade absoluta da sua visão do mundo para justificar qualquer tipo de discriminação contra indivíduos ou grupos [...]. (PINZANI, 2009a, p. 216).

Habermas, em Dialética da Secularização, afirma que sua pesquisa trata de: i) saber se o domínio político admite uma justificativa secular, não religiosa e pós-metafisica (caráter cognitivo); ii ) onde, mesmo admitindo essa legitimação, persiste a dúvida sob o aspecto emocional, i.e., a possibilidade de uma comunidade ideologicamente pluralista se estabilizar de maneira normativa, ultrapassando o modus vivendi, e chegando a um consenso sobreposto25 formal e limitado a procedimentos e princípios; iii) para Habermas, mesmo que se consiga responder esses pontos, a ordem 25

Na tradução para o português, encontra-se o termo “consenso de fundo”, mas prefere-se a utilização do termo “consenso sobreposto” para se assimilar ao pensamento rawlsiano facilitando a compreensão. Também é importante salientar que “[...] Habermas defende a tese de que o chamado consenso sobreposto só é possível com a adoção de um ponto de vista moral independente das (e anterior às) doutrinas abrangentes, que sirva de critério normativo para a identificação não arbitrária da razoabilidade das visões de mundo metafísicas e religiosas [...]” (ARAUJO, 2011a, p. 45).

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liberal da sociedade depende da solidariedade dos seus cidadãos, mas se a secularização da sociedade “sair dos trilhos”, as fontes dessa solidariedade podem virar escassas. Segundo Habermas, esse diagnóstico não pode ser pura e simplesmente descartado, mas também não se pode chegar a uma conclusão definitiva por meio dele; iv) Habermas, então, diz que pretende defender a secularização cultural e social enquanto um processo de aprendizagem dupla que obriga, tanto as tradições “iluministas”, quanto as religiosas, a refletirem sobre seus limites; v) donde, então, precisa-se responder, quanto às sociedades pós-seculares, quais orientações cognitivas e expectativas normativas o Estado liberal precisa exigir de seus cidadãos em um relacionamento mutuo. Isso se dá porque se tem, por um lado, a afirmação de que a consciência religiosa viu-se coagida a aceitar processos de adaptação, por toda religião ser uma “visão de mundo” ou “doutrina razoável” podendo reivindicar autoridade de estruturar forma de vida como um todo. Por outro lado, com a pressão da secularização do conhecimento, a religião se viu obrigada a desistir dessa pretensão ao monopólio interpretativo e abrangente de vida, sendo que o papel do membro da comunidade se diferencia do papel do cidadão. Pelo Estado liberal não poder ter uma integração política restrita a um mero modus vivendi, a diferenciação das condições de membro não pode ficar esgotada numa simples adaptação cognitiva do etos religioso às leis imposta pela sociedade secular. Para Habermas, nesse ponto “[...] é necessário que a ordem jurídica universalista e a moral igualitária da sociedade sejam de tal maneira conectadas internamente ao etos da comunidade e que um elemento decorra consistentemente do outro. [...]” (HABERMAS; RATZINGER, 2007, p. 54). Pois, “[...] A sociedade secular não pode renunciar ao importante recurso de criação de sentido representado pela religião. O que se espera é que ambas as partes assumam reciprocamente uma a perspectiva da outra [...]” (PINZANI, 2009b, p. 121). A partir da comprovação de que o processo democrático justifica uma presunção de aceitabilidade racional dos resultados e; que a institucionalização jurídica do processo de criação democrática do direito exige a garantia, tanto dos direitos básicos liberais, quanto dos direitos políticos, simultaneamente, explica-se o porquê de o processo democrático ser aceito como um processo legítimo de criação de direito e porque a democracia e os direitos humanos estão interligados no processo constituinte. Para Habermas, um poder de Estado constituído está juridificado até o âmago e, com isso, faz-se necessário que o direito perpasse o poder político de uma maneira total e completa. Sendo que no Estado constitucional não existe mais

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um sujeito de domínio que possa se alimentar de alguma substancia préjurídica. Segundo Habermas, não sobra nenhuma lacuna deixada pela soberania pré-constitucional que precise ser preenchida. Para Habermas, a constituição do Estado liberal basta por si mesma para se legitimar, e isso se dá, pois ela dispõe de um acervo cognitivo de argumentos que independe das tradições religiosas e metafísicas. Mas a dúvida permanece no ponto de vista motivacional, pois “[...] Habermas admite a importância das bases pré-políticas da motivação dos cidadãos, a qual se encontra amplamente vinculada aos valores de doutrinas abrangentes religiosas [...]” (SOUZA, 2009, p. 256) e afirma que os pressupostos normativos do Estado são mais exigentes em relação ao papel dos cidadãos enquanto autores do direito, do que em relação aos cidadãos enquanto destinatários do direito. É importante lembrar-se que: [...] na nossa sociedade complexa e pluralista, o direito constitui a esfera na qual os indivíduos chegam a formular visões compartilhadas deles mesmos como sujeitos agentes – definindo-se justamente titulares de direitos e deveres e estabelecendo assim uma certa identidade comum [...]. (PINZANI, 2005, p. 363).

Entretanto, segundo Habermas, dos destinatários espera-se apenas que não ultrapassem os limites legais, i.e., que obedeçam as leis obrigatórias de liberdade, enquanto dos autores espera-se que exerçam ativamente seus direitos de comunicação e participação, tendo em vista o bem comum. Sendo que é essencial para a sobrevivência da democracia que as virtudes políticas sejam cobradas, pois elas fazem parte da socialização e da familiarização com as práticas e os modos de pensar de uma cultura política liberal. Para Habermas, os motivos que levam os cidadãos a participarem da formação da opinião e da vontade políticas nutrem-se de projetos éticos e de formas culturais de vida, mas isso não significa ignorar que as práticas democráticas se desenvolvem também sua própria dinâmica política. Sendo que o Estado democrático de direito não garante apenas as liberdades negativas, mas quando permite as liberdades comunicativas, para Habermas, está incentivando a participação dos cidadãos nos debates públicos sobre temas que dizem respeito a todos. Uma prática comunicativa, originária do próprio processo democrático, que só pode ser exercida em comum e na qual se discute o verdadeiro entendimento da constituição, é o “vínculo unificador” que, segundo o pensamento habermasiano, estaria faltando.

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Para Habermas, precisa-se misturar os princípios de justiça nas tramas de valores culturais, pois só assim qualquer solidariedade abstrata juridicamente intermediada pode surgir, sendo que as convicções morais e o consenso mundial em forma de indignação moral sobre as violações massivas dos direitos humanos resultarão, no máximo, na formação de uma integração muito tênue dos membros de uma sociedade mundial politicamente constituída. A natureza secular da sociedade não apresenta nenhuma deficiência interna, seja referente ao sistema político em si e que possa pôr em risco a autoestabilização sob o ponto de vista cognitivo ou motivacional. Porém, isso não impede que haja o enfraquecimento do vínculo democrático, esgotando a solidariedade de que o Estado democrático depende. O que, nesse caso, implicaria na situação visada por Böckenförde26, que teria como consequência que as esferas privadas estão cada vez mais sendo pensadas para a obediência de mecanismos de ação voltados para o sucesso e para as próprias preferências, gerando assim um processo de individualização com pressupostos meritocráticos, onde cada pessoa é responsável por seu sucesso, e deixa-se de olhar para a história e circunstâncias sociais e culturais e; ao mesmo tempo encolhe-se o âmbito do sujeito a imposições de legitimação pública. Perde-se a função de formação democrática da opinião e da vontade, aumentando assim o processo de “privatismo” do cidadão. Porém, Habermas entende a secularização da sociedade como um processo comum de aprendizagem, onde ambos lados têm condições de levar a sério em público, as respectivas contribuições para temas controversos. “[...] A verbalização do sagrado traduz uma laicização racional do vínculo social primitivo na força ilocucionária da linguagem profana, cuja autoridade está ligada à força nãocoerciva, motivada racionalmente, do melhor argumento [...]” (ARAUJO, 2009a, p. 236). [...] o que vale como “melhor argumento” depende do fato da aceitabilidade racional de afirmações questionáveis estar fundada, em última instância, na ligação entre “bons argumentos” e idealizações

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Tem-se a transformação dos cidadãos de sociedade liberais prósperas e pacíficas em mônadas isoladas que usam entre si seus direitos subjetivos apenas como armas. Sendo que, assim, começa-se a evidenciar um esgotamento da solidariedade cidadã, quando começam aparecer no contexto maior de um dinamismo político descontrolado que envolve a economia e a sociedade mundial. Mercados que não podem ser democratizados assumem progressivamente funções de regulação em áreas da vida que haviam sido mantidas coesas de maneira normativa, seja politicamente ou de formas pré-políticas de comunicação.

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(contrafáticas) da situação cognitiva que os participantes tem de assumir na condição de participantes de discursos práticos racionais. [...]. (WERLE, 2009, p. 276).

Segundo Habermas, quando se dá às religiões a possibilidade de exercerem, por meio da esfera pública política, suas próprias influências sobre a sociedade como um todo, a expectativa normativa com a qual a comunidade religiosa se vê confrontada pelo Estado liberal confunde-se com seus próprios interesses. Entretanto, não se pode acabar com os espaços religiosos na esfera pública, como então, resolver a problemática das expectativas? “[...] A posição de Habermas sobre o papel da religião na esfera pública pode ser vista como um convite à prudência e à compreensão recíproca - e verossimilmente [...]” (PINZANI, 2009a, p. 213). Para Habermas, a neutralidade ideológica do poder do Estado, que é o responsável por garantir as mesmas liberdades éticas para todos os cidadãos, tendo como pano de fundo a noção de Estado laico, é algo incompatível com a generalização de uma visão de mundo secularizada, sendo que o papel dos cidadãos secularizados não os permitem, nem em princípio, contestarem o potencial de verdade das visões religiosas de mundo, nem negar aos concidadãos religiosos o direito de contribuírem para os debates públicos servindo-se de uma linguagem religiosa. Segundo o pensamento habermasiano, então, “[...] uma cultura política liberal pode até esperar dos cidadãos secularizados que participem de esforços para traduzir as contribuições relevantes em linguagem religiosa para uma linguagem que seja acessível publicamente.” (HABERMAS; RATZINGER, 2007, p. 57). A concepção de tolerância de sociedades pluralistas de constituição liberal, no pensamento de Habermas, não exige apenas dos crentes que entendam que precisam contar com a continuidade de um dissenso, mas também exige-se esse posicionamento dos descrentes no relacionamento com os religiosos. O que implica que o cidadão, sem tino para a religião, recebe uma convocação, que para Habermas não é nada trivial, para determinar de maneira autocrítica a relação entre fé e conhecimento na base do conhecimento geral do mundo. Donde, para ser “sensata”, a expectativa não pode simplesmente convencionar as convicções religiosas com um status epistêmico como sendo pura e simplesmente irracionais, na perspectiva do conhecimento secular-profano. Entretanto, nesse ponto questiona-se Habermas acerca da neutralidade do Estado. Não no sentido de que os seculares estão impondo que os

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religiosos deixem de lado suas crenças na esfera pública. Mas sim, no sentido de que há uma série de regalias para os cidadãos religiosos, dadas pelo Estado. Como exemplo: [...] argumentos religiosos são utilizados na esfera pública ocidental justamente ou para opor-se à realização da plena igualdade entre indivíduos, como no caso do reconhecimento dos casais de fato (inclusive dos casais homossexuais), ou para justificar privilégios – isto é, para justificar o tratamento desigual de crentes e não crentes em prol dos primeiros (como no caso de as igrejas cristãs poderem discriminar ou demitir seus empregados por causa do seu gênero, da sua crença religiosa ou da sua orientação sexual, enquanto qualquer outra empresa ou empregador não pode fazer isso; ou como no caso da presença em tribunais, salas de aula e outros espaços públicos de crucifixos; ou como no caso da isenção das aulas de educação física ou até de música para meninas de religião islâmica nas escolas europeias). [...] (PINZANI, 2014, p. 241).

Finaliza-se esta seção afirmando que a relação seculares/religiosos na esfera pública é muito mais problemática do que se poderia esperar de uma sociedade que tem como pressuposto a igualdade (formal) entre pessoas, religiões etc., entretanto, acredita-se que as liberdades, tanto de religiosos, quanto de seculares, deve ser preservada, e o Estado não pode fingir ser neutro, enquanto privilegia concepções de vida, como no caso do Brasil, que tem um Estado que proíbe o aborto, a eutanásia, mas garante com o pressuposto que “Estado laico”, que não se ensine gênero nas escolas, ou que se permita o ensino do criacionismo em instituições religiosas. 4.2

JOHN RAWLS E A QUESTÃO DA LIBERDADE

Nesta seção será feita a exposição e apreciação do conceito de liberdade no pensamento de John Rawls e, por meio de algumas considerações referentes à discussão Estado/Religião, é que se levará em conta a argumentação utilizada no primeiro capítulo, referente a como as religiões se “comportariam” dentro de uma sociedade democrática, que assume a premissa do pluralismo de doutrinas abrangentes, garantindo a liberdade de consciência e associação às pessoas, assim como o direito de

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expressão das religiões, e será defendido o conceito de liberdade rawlsiano como uma alternativa à crise político-jurídica originada pela relação conturbada entre Estado/Religião, no atual momento político brasileiro. Inicia-se esta seção apresentando algumas ideias referentes ao conceito de liberdade no pensamento de John Rawls. A ideia de liberdade, para Rawls, de forma resumida, é: “[...] esta ou aquela pessoa (ou pessoas) está (ou não está) livre desta ou daquela restrição (ou conjunto de restrições) para fazer (ou não fazer) isto ou aquilo.”. (RAWLS, 2000c, p. 219). Quando a liberdade está associada a termos legais (i.e., às leis), significa afirmar que a liberdade é certa estrutura de instituições, um sistema de normas públicas que definem direitos e deveres, onde, seguindo esse pensamento, pode-se afirmar que as pessoas têm liberdades para fazerem algumas coisas quando estão livres de certas restrições que levam a agir de determinado modo ou não, e quando sua ação (ou não) está protegida contra a interferência de outras pessoas, i.e., ela é livre para agir de forma x sem interferência externa. Haverá, então, aquilo que será denominado de liberdades básicas, sendo que essas são, para Rawls, um sistema único, vistas como um todo, em que, em condições razoavelmente favoráveis, há sempre um modo de definir essas liberdades, permitindo suas aplicações principais simultaneamente, e pressupõe-se que sejam percebidas claramente se um instituto legal de uma lei realmente restringe ou regula uma determinada liberdade básica. As liberdades básicas iguais tendem a entrar em conflito entre si, onde, então, as regras institucionais que as especificam devem ser ajustadas, garantindo assim que cada liberdade se encaixe em um esquema coerente de liberdades. [...] A especificação das liberdades definidas pelos princípios de justiça, na ótica da justiça como equidade, são, desse modo, amparadas e protegidas no âmbito de um sistema jurídico, como direitos constitucionais, por meio do estado de direito, que é o resultado da aplicação da justiça formal ao sistema jurídico. (VOLPATO DUTRA; ROHLING, 2011, p. 71).

Rawls afirma, em Justiça como Equidade, que em sua Teoria da Justiça ele cometeu um grave erro, no que diz respeito às análises das liberdades básicas, pois, segundo ele afirma, são propostos dois critérios diferentes e conflitantes, além de insatisfatórios. Entretanto, ele faz a correção em Justiça como Equidade, afirmando que:

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[...] As liberdades básicas e sua prioridade devem garantir igualmente para todos os cidadãos as condições sociais essenciais para o desenvolvimento adequado e o exercício pleno e informado de suas duas faculdades morais naquilo que referimos como os dois casos fundamentais (§13.4) [...]. (RAWLS, 2003, p. 158).

Rawls entende, por exemplo, as liberdades de associação, de consciência etc., como sendo liberdades fundamentais. E, se em algum momento chega-se a negar a liberdade de consciência, as pessoas são levadas a um impasse que, para ser solucionado, deve-se argumentar, por meio da defesa de que as liberdades fundamentais são uma família da concepção de justiça que é coerente, viável e compatível com as visões e convicções do regime democrático. Como o próprio Rawls afirma, pode-se chegar ao pensamento de que quando as doutrinas abrangentes, como, por exemplo, as defendidas pela bancada evangélica dos cristãos fundamentalistas, rejeitam as ideias de razão pública e democracia deliberativa, com a afirmação de que suas religiões (e o direito a tal) podem ser negados em uma democracia constitucional organizado de forma tal, i.e., pelo Estado laico que respeita o pluralismo de ideias e doutrinas, isto pode ser (e é) interpretado de forma com que esses argumentos não possam ser levados em conta, pois acredita-se na importância da existência de doutrinas abrangentes irreconciliáveis entre si, garantido assim o direito às liberdades básicas de associação e pensamento, ao direito a consciência etc. Lembra-se aqui que, segundo o pensamento rawlsiano, o fato de que doutrinas abrangentes não são contingências históricas, mas sim fatos de uma sociedade democrática constitucional que privilegia a formação moral, religiosa e filosófica de seus cidadãos, dandolhes oportunidades de livre associação, pensamento etc., que são compatíveis com os valores democráticos. Sendo que, Quem defende a laicidade entendida como atitude neutra do Estado perante as religiões, não está afirmando uma visão do mundo laica ou laicista, mas simplesmente a exigência de criar um espaço público neutro para que os indivíduos possam livremente exercer sua liberdade de crença ou sua liberdade de não crer em nenhuma religião. É claro que os defensores da laicidade possuem suas próprias visões do mundo (suas concepções abrangentes do bem, para usar a linguagem

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de Rawls) e é claro que a neutralidade do Estado é um elemento destas visões. Contudo, esta neutralidade possui um caráter meramente formal, ou seja, diz respeito a regras gerais de convivência pacífica entre indivíduos com visões do mundo diferentes e até opostas. Por isso, não pode ser colocada no mesmo nível dos elementos substantivos das visões do mundo (religiosas ou não). (PINZANI, 2014, p. 256-7).

Como consequência, tem-se que os argumentos levantados pelos grupos religiosos fundamentalistas, nesse sentido, que são invocados principalmente quando se trata de votações sobre assuntos, como casamento homoafetivo e adoção por parte de casais de mesmo sexo, eutanásia, aborto etc., como se vê na política brasileira, pois vão diretamente em contraposição a suas visões de mundo, devem ser considerados como irrazoáveis, pois “[...] Afirmar que o religiosamente verdadeiro ou filosoficamente verdadeiro suplanta o politicamente razoável [...]” (RAWLS, 2004, p. 233). Isso faz da doutrina cristã, defendida pela bancada evangélica fundamentalista, uma doutrina politicamente irrazoável. E isto basta ao liberalismo político. Pois, a capacidade de refletir e deliberar sobre capacidades intelectuais reforçam a liberdade de consciência, pois assim garante-se a liberdade de procura, mudança etc., de pensamento, da crença, sem nenhum ônus ‘legal’ à pessoa. Sendo que essa crença pode ser religiosa, filosófica ou moral, donde se incorporam ideais e virtudes correspondentes aos desejos da pessoa. E não há uma avaliação política ou social das concepções de bem, por isso pode-se ter uma fé, sem ser refletida. O importante é preservar a liberdade, para que, se necessário, possa-se refletir, e até mesmo mudar de credo. Há, então, três argumentos a favor da liberdade de consciência: i) concepções de bem são consideradas como dadas e enraizadas; ii) havendo pluralidade de concepções; iii) e, se reconhece o fato de serem inegociáveis e o reconhecimento da liberdade de consciência pelo véu de ignorância. Ainda, os princípios de garantias das liberdades fundamentais são argumentados, também, de três formas: i) vantagem para todas as concepções de bem, e concepção de justiça mais estável é de justiça especificada pelos princípios de justiça; ii) a importância do autorrespeito; iii) e uma sociedade bem-ordenada. Para Rawls, a liberdade de consciência é limitada pelo interesse geral na segurança e ordens públicas, em que essa limitação não implica que os interesses públicos sejam superiores aos religiosos e morais, nem que os fatos religiosos sejam indiferentes, ou até mesmo que o Estado suprima convicções

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religiosas que sejam conflitantes com assuntos públicos. Com isso, então, o Estado deve agir como agente dos cidadãos, com o objetivo de satisfazer as exigências de sua concepção comum de justiça, onde o que há não é um Estado leigo com competências ilimitadas, tendo como dever garantir as condições de igual liberdade religiosa e moral. As liberdades fundamentais são iguais para todos os cidadãos. Onde: “[...] a ideia é de combinar as liberdades fundamentais iguais e com um princípio que objetive regular certos bens primários vistos como polivalentes para promover nossos fins. [...]” (RAWLS, 2000b, p. 382). A combinação é avaliada e consegue-se uma concepção viável de justiça que harmonize com as convicções refletidas. Mas antes, precisa-se tratar as liberdades políticas de forma especial. Para Rawls, as liberdades políticas iguais e a liberdade de pensamento devem assegurar a aplicação dos princípios de justiça de forma livre e beminformada, por meio do exercício pleno e efetivo do senso de justiça. Para tanto, precisa-se de um regime democrático (representativo) e proteções às liberdades de expressão política, de imprensa, reunião e congêneres. Motivos que esse trabalho endossa, mas se preocupa em questionar: como fazer para que os cidadãos percebam que certos discursos não devem ser levados a sério e aceitos numa democracia? Ou todos os discursos devem ser aceitos? Liberdade de imprensa, mas controle econômico de concessões públicas? Bem, as liberdades políticas e de pensamento fazem parte de um procedimento político justo. Sendo que a constituição é vista como um procedimento político justo que incorpora as liberdades políticas iguais e procura assegurar seu valor equitativo, e os processos de decisão política devem ficar abertos a todos em uma base aproximadamente igual, garantindo a liberdade de pensamento. Para Rawls, as liberdades fundamentais associadas à capacidade de se ter uma concepção de bem, devem ser respeitadas e, para tanto, devem ser realizadas restrições constitucionais adicionais contra a violação da igual liberdade de consciência e associação. Em situação de posição original, a igual liberdade de consciência é o único princípio que as pessoas reconhecem. Reconhecem, pois não podem correr o risco de sua liberdade seja solapada por outra, i.e., de que haja uma doutrina dominante que persiga ou elimine outras doutrinas, impedindo assim, a liberdade de consciência de um determinado grupo de pessoas Para Rawls, a liberdade religiosa e moral é consequência do princípio de liberdade igual, onde, pela prioridade desse princípio, a única forma de se negar as liberdades iguais é de evitar injustiças ou haver uma perda de

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liberdade que seja ainda maior. A restrição não argumentará apoiando-se em doutrinas filosóficas ou metafísicas especificas. Rawls afirma que: “[...] a limitação da liberdade só se justifica quando for necessária para a própria liberdade, para impedir uma incursão contra a liberdade que seria ainda pior.” (RAWLS, 2000c, p. 233). Sendo que a eliminação de liberdade, quando defendia pelos religiosos, baseada em princípios teológicos ou em questões de fé, nenhuma argumentação em prol dessa eliminação de liberdade será possível, i.e., por exemplo, as religiões cristãs não podem argumentar pela proibição das religiões de matriz africana no Brasil, pois, ao fazerem isso, estariam se baseando em questões de fé e não estariam respeitando a liberdade de consciência e de associação, de credo etc. É importante lembrar que as religiões de matriz africanas, diferentemente de grupos neonazistas, por exemplo, não são grupos intolerantes que não merecem ser tolerados, como fora apresentado na terceira seção do primeiro capítulo deste estudo. Para Rawls, restringir ou suprimir a livre expressão política sempre implica em ao menos uma suspensão parcial da democracia. Para que liberdades fundamentais sejam ‘suspensas’, deve-se estar em meio a uma crise constitucional. Mas uma constituição bem organizada tem procedimentos democráticos com os quais consegue lidar com situações de emergência, pois a prioridade de liberdade uma livre expressão que não pode ser restringida. De fato, pode-se dizer que as liberdades que se encerram na liberdade política igual, tal qual Rawls a conceitua, não são apenas um meio: elas, reforçando nos cidadãos o senso de seu próprio valor, ampliando suas sensibilidades intelectuais e morais, lançam a base de uma noção de dever e de obrigação – no marco do dever natural de justiça e do princípio da equidade –, crucial para que as principais instituições sociais justas, entre as quais o direito, sejam efetivamente estáveis. (VOLPATO DUTRA; ROHLING, 2011, p. 72).

A liberdade política mais abrangente é estabelecida por meio de uma constituição, a qual usa-se o procedimento da regra de maioria simples nas decisões políticas significativas que não estão em conflito com a constituição. Por meio do pensamento rawlsiano, tem-se a afirmação de que, quanto mais a constituição limita a abrangência ou a autoridade da maioria, menos extensiva é a liberdade política igual. E, ainda, quando há desigualdades nas liberdades políticas, essas devem se justificar para as pessoas que estão na

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desvantagem, assim como na questão dos bens sociais primários, e isso vale especialmente para a liberdade. Implicando que, para justificar essa desigualdade, ela deve ser aceita pelos menos favorecidos no sentido de assim se conseguir proteger suas outras liberdades. As liberdades fundamentais são inalienáveis. Rawls explica isso por meio do pensamento de Montesquieu, para quem as liberdades fundamentais de cada cidadão são uma parte da liberdade pública, e isso implica que, em um Estado democrático, essas liberdades fazem parte da soberania. Sendo assim, aceitar a ideia de razão pública e seu princípio de legitimidade não significa aceitar determinada concepção liberal de justiça em seus mínimos detalhes, dos princípios que definem seus conteúdos. Com isso, na linguagem deste trabalho, pode-se afirmar, então, que uma Igreja (seja católica, evangélica, hinduísta etc.) pode decidir, por meio da razão não-pública, que, por exemplo, seus membros não possam ser homossexuais, ou então, que as mulheres convertidas àquela crença não têm o direito de abortar, mas não podem impor essas decisões as outras pessoas da sociedade que não são membros dessas religiões, ou então, que seus posicionamentos sejam convertidos em leis, pois, não há uma base de justificação pública. Os religiosos, enquanto pessoas livres e conscientes, podem se sujeitar à autoridade religiosa, de forma a não questionar os pronunciamentos dessa autoridade, e não haverá qualquer tipo de proibição a isso, pois assim garante-se a liberdade de pensamento, de associação, de consciência etc. Entretanto, quando em um regime constitucional uma pessoa cristã faz a seguinte afirmação: "fora da igreja não há salvação", como consequência, o regime constitucional não pode ser aceito e deve-se viver sob um domínio teocrático. Por exemplo, para Rawls, deve ser dada uma resposta, que partindo do liberalismo político, afirmar-se-ia que a doutrina cristã defendida pela pessoa em voga, e seu regime teocrático não são razoáveis. Pois: "[...] propõe utilizar poder político do público - poder em que todos os cidadãos têm parte igual - por meio da força para impor uma visão que afeta os elementos constitucionais essenciais sobre a qual muitos cidadãos, na qualidade de pessoas razoáveis, tendem a divergir de maneira inflexível, dado o que denominamos limites do juízo. (RAWLS, 2003, p. 261-2).

Sendo que:

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[...] para a ideia de liberalismo político é vital que possamos sem nenhuma inconsistência afirmar que não seria razoável usar o poder político para impor nossas visões religiosas, filosóficas ou morais abrangentes, as quais, é claro, temos que afirmar como verdadeiras ou razoáveis (ou como não insensatas). (RAWLS, 2003, p. 262).

Pode-se, então, levando em consideração o pensamento de John Rawls, afirmar que a bancada evangélica dos fundamentalistas utiliza-se do poder político público para defender ideias de uma doutrina não-razoável. E essa prática está fazendo com que direitos fundamentais de pessoas, pertencentes aos grupos de minorias (e que vão contrariamente aos preceitos cristãos fundamentalistas) não sejam respeitados, gerando assim um crise jurídico-política de legitimidade e de liberdade. Finaliza-se esta seção fazendo uma apologia ao conceito de liberdade rawlsiano, pois é visto como uma perspectiva plausível frente às constatações políticas naquilo que tange ao debate Estado/Religião na esfera pública nacional.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Chega-se ao fim deste trabalho, porém, antes é importante tecer alguns comentários finais: i) este trabalho não se propõe defensor da exclusão das Religiões das sociedades democráticas e reconhece essas como legítimas em uma sociedade plural; ii) neste trabalho, a defesa do conceito de Estado laico pode ser considerada como fundamental para a sua interpretação, assim como, procura-se defender o pluralismo religioso e a autonomia dos cidadãos do Estado; iii) procura-se, neste trabalho, apresentar os pensamentos de Habermas e Rawls da forma mais fidedigna possível, procurando explicitar sempre que possível os conceitos utilizados pelos filósofos, assim como os conceitos expostos nas leituras secundárias, desenvolvendo-se como um trabalho filosófico com rigor analítico, porém, que ao mesmo tempo é pensado enquanto um trabalho de filosofia social, i.e., que não trate meramente do debate conceitual, mas que possa servir de alguma forma para a sociedade. Que não seja estritamente um trabalho acadêmico. Feitas essas observações, e considerando que se explicitou nos três capítulos do corpo deste trabalho, acha-se importante também comentar que ao analisar o pensamento de Habermas e Rawls, referente à questão Estado/Religião em uma sociedade democrática constitucional liberal, chega-se ao fim com mais dúvidas do que respostas, diferentemente do que se esperaria de um trabalho de conclusão de curso. Uma possível explicação se dá porque ao se apresentar o pensamento rawlsiano, constatou-se que, para o filósofo estadunidense, o conceito de razão pública visa o bem público onde, dado o fato do pluralismo de doutrinas, fato típico de uma sociedade democrática, a questão da justificação pública torna-se latente, sendo necessário que haja um respeito às liberdades de associação, pensamento, crença etc., e também que haja tolerância entre as religiões e doutrinas morais e seus membros, assim como com as pessoas sem crenças religiosas. Entretanto, o fato de Rawls defender a tradução da linguagem religiosa para uma linguagem “comum” a todos os membros da sociedade, pode ser vista como uma afronta aos princípios democráticos da sociedade. Pois assim estar-se-ia colocando um “fardo pesado demais nas costas dos religiosos”, como afirma Habermas. Tem-se, então, por meio do pensamento de Habermas, a objeção sobre o conceito do proviso, objeção esta a qual não se opõe neste trabalho, pois, como foi expresso, o Estado deve ser neutro (i.e., laico) nas questões relativas à fé, e não pode professar nenhuma religião como sendo a oficial, assim como não pode privilegiar uma determinada concepção de vida boa em detrimento de outra.

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Dado este fato, Jürgen Habermas afirma que em uma sociedade que discute política mediante razões não se pode excluir os religiosos desse processo, e não se pode pedir para que esses traduzam suas linguagens para uma linguagem secular, na esfera pública informal. Habermas reconhece, por exemplo, que na esfera pública formal, em locais como a câmara dos deputados, deve haver a tradução, quando possível, dos argumentos, entretanto, na esfera pública informal os religiosos podem desfilar suas visões de mundo sem traduzi-las. Em um primeiro momento, tende-se a concordar com Habermas, que realmente o pensamento de John Rawls seja exigente demais com os cidadãos religiosos e brando com os não-religiosos. Todavia, por nem tudo ser “preto no branco”, e haver “50 tons de cinza”, reconhece-se também que, ao não pedir a tradução dos argumentos religiosos na esfera pública, pode-se ter como consequência o surgimento de alguns fatores indesejados em uma democracia como, por exemplo, o ódio aos grupos minoritários, como os dos LGBTs, que sofrem um preconceito institucionalizado chamado “liberdade religiosa”. Fazendo com que este trabalho esteja “em cima do muro” na questão da traduzibilidade. Recorda-se que os religiosos, por vezes, argumentam contra o casamento igualitário, que reconhece os casais de mesmo sexo também como instituição familiar, com os mesmos direitos dos casais heterossexuais, utilizando-se de passagens bíblicas, assim como outrora fizeram com os escravos, com as mulheres etc., onde, então, tem-se como consequência que em países como o Brasil, com uma clara maioria de pessoas religiosas, cristãs, os direitos fundamentais das minorias são desrespeitados em nome de uma suposta liberdade religiosa, e o Estado, que deveria ser neutro, acaba privilegiando uma visão de mundo. E, ao por permitir que os religiosos profiram suas visões de mundo sem traduzi-las, por vezes, agridem grupos minoritários, configurando até mesmo crime de ódio, alegando eles que apenas estão proferindo suas opiniões. Lembra-se aqui, que hoje no Brasil, assim como nos Estados Unidos atualmente, o casamento paritário é resultado de um processo jurídico e não político. Os Estados Unidos têm um caso emblemático, pois há pouco o estado de Indiana aprovou uma lei que permite que estabelecimentos possam expulsar casais gays de suas dependências alegando liberdade religiosa27. Questiona-se, então: É aceitável em uma democracia que se expulse pessoas de um estabelecimento comercial em nome da liberdade religiosa? É

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aceitável que se possa cometer crime de ódio sob a alegação de liberdade de expressão e/ou liberdade religiosa? Remete-se também ao caso do direito ao aborto e à eutanásia, que podem ter suas proibições vistas como uma quebra do conceito de Estado laico, no Brasil, pois assim se está privilegiando uma visão de mundo em detrimento de outra. É bem verdade que nesse ponto se tem uma “faca de dois gumes”, pois aqui os religiosos também poderiam argumentar que a permissibilidade do aborto, por exemplo, estaria privilegiando uma concepção de vida, em detrimento da visão cristã. E que com isso, perder-seia também a neutralidade do Estado. Entretanto, nesse ponto, afirma-se que com a permissibilidade da prática abortiva, a visão de mundo religiosa estaria garantida, i.e., as mulheres cristãs teriam seus direitos garantidos de não fazerem o aborto, elas não seriam obrigadas a tal ato. Enquanto com a proibição tem-se que as mulheres não-cristã, que desejam abortar, têm suas visões de mundo afetadas de forma direta e prática, pois elas não podem praticar o abortamento no Brasil. Constata-se que, com a proibição, uma visão de mundo está sendo privilegiada em detrimento de outra, enquanto, com a permissibilidade, não ocorre tal fato. Finaliza-se este trabalho com mais dúvidas do que certezas, como já dito, e isto é bem verdade, pois questiona-se: como seria a neutralidade estatal frente às visões de mundo? É possível um Estado realmente ser neutro nas questões religiosas? É possível que em uma sociedade plural haja uma harmonia estatal tão grande que consiga organizar as diferentes visões de mundo sem prejudicar ou privilegiar uma ou outra? Reconhece-se que as religiões, como instituições importantes de em uma sociedade democrática constitucional liberal, assim como a liberdade à não crença, onde afirma-se que proibir a prática religiosa, ou até mesmo pedir a tradução de seus argumentos para uma linguagem neutra e racional, pode ser algo problemático. Entretanto, constata-se que há problemas em ambos os casos. Termina-se este trabalho, então, afirmando que talvez precise-se de uma melhor delimitação entre o que é competência do Estado e o que é de competência das Religiões e das doutrinas abrangentes, assim como uma regulamentação por parte do Estado que seja mais eficaz na separação entre Estado/Religião, mas que não o leve a cair em um laicicismo, tal como na França. Há muito o que se discutir referente a esta problemática, e espera-se que esse trabalho tenha exposto tal ponto, de forma clara e concisa.

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