Estamos todos de mau humor

June 29, 2017 | Autor: F. Chagas-Bastos | Categoria: Brazil, Brazilian Politics, Brasil
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TERÇA-FEIRA, 27.05.2014

FABRÍCIO H. CHAGAS BASTOS* Estamos todos de mau humor

F

altam 16 dias para a Copa do Mundo e há um desconforto crescente. Espalha-se silenciosamente um sentimento de que tudo beira o caos, de que os valores encareceram abrupta e absurdamente nos últimos meses e, como se não fosse suficiente, começa a percorrer o imaginário tupiniquim a ideia de que o legado do mundial ao Brasil é um profundo abismo. O caminho percorrido parece ser o que segue. O sentimento gelado de desgosto deixou o sofá da sala em junho de 2013, quando muitos dos que foram às ruas não sabiam bem contra o que reclamavam - ou acreditavam saber -, quando gritavam ao vento palavras de ordem contra a “corrupção”, “a favor da saúde” ou por “serviços públicos no padrão Fifa”. Adiante, foi alimentado diligentemente por uma resposta imediata da classe política, que ante a cena de centenas subindo às lajes do Congresso e os milhares que ocuparam a Avenida Rio Branco no Rio de Janeiro, recor-

reu a um simples e bem formatado apelo a sua própria sobrevivência. Quando a presidente Dilma foi à TV para anunciar os cinco pactos - responsabilidade fiscal, reforma política, saúde, transporte, e educação -, falou por dez minutos e não disse nada de concreto. Não só o Planalto, mas também a oposição não fez mais que se esconder atrás de sua já crônica falta de propostas e respostas aos desafios do País. Somemos a isso dois fatos recentes. No último mês as polícias do Ceará e de Pernambuco entraram em greve, espalhando a anarquia pelas ruas das capitais daqueles Estados. O País assistiu atônito a saques e pessoas correndo para voltarem para casa em pleno meio do dia. Mais, paralisações de cobradores e motoristas de ônibus em São Paulo e no Rio de Janeiro levaram o trânsito das duas maiores cidades do mundo ao completo caos. Afora o oportunismo político e interesses classistas que motivaram as paralisações, é inegável que o Estado brasileiro perdeu a capacidade de prover minimamente aquilo que é essencial a sua própria existência: governo. O sentimento de desgoverno chegou “ao nível da rua”, atingiu em cheio o cidadão comum, de classe média, que antes assistia aos protestos pela TV. O melhor termômetro para medir o mau humor são as ruas do País. Os que foram ouvidos pela pesquisa realizada pelo IBOPE entre 15 e 19 de maio últimos dizem que nós brasileiros (65%) queremos que o próximo presiden-

TERÇA-FEIRA, 27.05.2014

te “mude totalmente ou muita coisa no governo do País” e que essa mudança seja feita com outro presidente que não Dilma (67%). No entanto, alguns acreditam que melhor que ouvir de cada um a causa de seu mau humor, seja entender diretamente das ruas de um maio pré-Copa, que em outros tempos já estariam enfeitadas e hoje padecem vazias, que a população entendeu o financiamento de estádios e outras obras de infraestrutura - antes prometidos pela CBF como sendo exclusivamente privados - como motivo fundamental de seu mau humor. O que vivemos na bica de começar o mundial é algo como uma marcha dos elefantes que seguram a linha do horizonte, ameaçando partir para um outro mundo após 13 de julho e derrubar o Brasil num buraco sem fundo de legados inúteis, dinheiro que escoou pelo ralo e monumentos ao futebol feitos “para gringo ver”.

É por isso que estamos de mau humor? Ou por um desconforto generalizado com uma polarização artificial na política? Pela necessidade de maior participação nas decisões que nos afetam o dia a dia? A Copa Mundo, a Olimpíada, e até nós mesmos (ao curso de algumas décadas) acabamos, mas esse mau humor artificial ou real, acaba como acabaram os protestos em junho do ano passado? Ele é suficiente para motivar mudanças profundas na sociedade que vão além de quatro anos, que vão além da próxima eleição? Parece ser a primeira vez que a Copa vai ser jogada fora dos estádios, em outubro.

FABRÍCIO H. CHAGAS BASTOS É É PESQUISADOR DO NÚCLEO DE PESQUISA EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (NUPRI/USP) E DOUTORANDO EM INTEGRAÇÃO DA AMÉRICA LATINA PELA MESMA UNIVERSIDADE

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