Estratégias corporativas de marca: considerações a partir do estudo de caso Volkswagen

June 15, 2017 | Autor: Diego Maggi | Categoria: Economic Sociology, Brand Management, Branding
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Estratégias corporativas de marca: considerações a partir do estudo de  caso Volkswagen1    Diego Moreira Maggi 2  Orientador: Prof. Dr. José Ricardo Ramalho    Resumo  Este  trabalho  tem  por  base  uma  pesquisa  recentemente  iniciada no âmbito do “Grupo  de  Pesquisa  Desenvolvimento,  Trabalho e Ambiente” (DTA) da Universidade Federal do Rio  de  Janeiro  (UFRJ),  cujo  objetivo  é  analisar  as  estratégias  corporativas  de marca, tendo como  estudo  de  caso  a  empresa  Volkswagen.  As  marcas,  enquanto  estratégia  de  identificação  e  diferenciação  de  produtos,  não  são  invenção  do  capitalismo,  mas  certamente  nele  ganharam  importância..  Com  os  processos  de  reestruturação  produtiva  da  segunda  metade  do  século  XX,  as  marcas  ganham  centralidade  nos  processos  de  distinção  social,  formam  um  ativo  simbólico  das  grandes  corporações  e  delimitam  estratégias  comerciais  e  produtivas  ao exigir  coerência  com  as  expectativas  dos  consumidores.  Tendo  em  vista  o  valor  socialmente  atribuído  ao  automóvel  e   a  importância  da  indústria  automobilística  para  a  economia  global,  nosso  objetivo  será  fazer  algumas  considerações  iniciais  sobre  a  questão,  articulando­as com  a trajetória da empresa citada.    Palavras­chave: ​ marcas, estratégias corporativas, Volkswagen.       

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 Trabalho apresentado no GT Desenvolvimento, Trabalho e Meio Ambiente do IV Seminário Fluminense de  Sociologia, realizado entre os dias 10 e 12 de novembro de 2015, na cidade de Niterói.    2   Bacharel  em  Ciências   Sociais  pela  Universidade  Federal  Fluminense  e  Mestrando  no  Programa   de  Pós­graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGSA/UFRJ). 

Introdução    As  marcas  são  signos  capazes  de  remeter  a  qualidades,  locais,  pessoas,  empresas,  ou  até  mesmo  a  valores  sociais.  Trata­se  de  um  fenômeno conhecido desde a Antiguidade, onde  artesãos  inscreviam  selos,  siglas  ou  símbolos  nos produtos, de maneira a atestar sua origem e  qualidade.  Apesar   de  ter  ganhado  importância  com  a  revolução  industrial,  foi  a  partir  da  segunda  metade  do  século   XX  que  as  marcas foram alcançando  novos patamares de inserção  na  vida  social.  “Grande  parte  das  pessoas  não  sabe  qual  é  a  marca  do  detergente  que  usa,  embora  resista  em tomar um refrigerante, ou uma cerveja,  que não seja da marca que prefere”  (NORBERTO,  2004,  p.204).  Hoje,  elas  são  centrais  tanto  para  os  processos  de  distinção  social e de constituição identidades, quanto para os processos de acumulação do capital.  Este  trabalho  representa  um  primeiro  esforço  analítico  de   uma  pesquisa  em  andamento,  orientada  pelo  Prof.  Dr.  José  Ricardo  Ramalho  no  âmbito  do  Grupo de Pesquisa  Desenvolvimento,  Trabalho  e  Ambiente  (DTA)  do  Programa  de  Pós­Graduação  em  Sociologia  e  Antropologia  da  Universidade  Federal  do  Rio  de  Janeiro  (PPGSA/UFRJ).  O  objetivo  da  pesquisa  é  analisar  como  as  marcas delimitam e moldam estratégias comerciais e  produtivas  das  corporações,  tendo  como  estudo  de  caso  o  Grupo  Volkswagen.  Além  da  importância  da   indústria   automobilística  para  a  economia  global,  a  escolha  desse  caso  se  justifica  pela  importância  que o automóvel teve no processo que elevou as marcas ao nível de  importância  que   hoje  conhecemos,  tal  como  veremos  mais  a  frente.   O  automóvel  é  uma  das  principais  mercadorias  submetidas  à  apreciação  de  marca  e  participa  intensamente  dos  processos  de  constituição  de  identidades.  Podemos  dizer,  inclusive,  que  ele  se  tornou  uma  espécie  de  símbolo  do  avanço  das  forças  produtivas  capitalistas.  Nesse  contexto,  o  Grupo  Volkswagen  é  uma  das  maiores  corporações  do  setor.  Até  o  momento  de  escrita  deste  trabalho, ela era a maior montadora do mundo, superando a liderança da Toyota.3       

 

 G1. ​ Volkswagen toma o lugar da Toyota como maior montadora do mund​ o. Disponível em:  http://g1.globo.com/carros/noticia/2015/07/volkswagen­toma­lugar­da­toyota­como­maior­montadora­do­mund o.html​ . Acessado em: ago. 2015.  3

Considerações sobre a relação entre as dimensões simbólica e material    As  marcas  não  somente   atestam  a  qualidade  dos  produtos,  como  também  vendem  experiências,  estilos  de  vida,  status  social,  e  até  mesmo  sonhos  que  são  materializados  nos  produtos.  Ou seja, o que elas põem em  discussão é a existência de uma dimensão imaterial do  valor​ .  Karl  Marx,  ao  conceitualizar  a  mercadoria  –  “uma  coisa  que,  por  suas  propriedades,  satisfaz  necessidades  humanas  seja  qual  for  a  natureza,  a  origem  delas,  provenham  do  estômago  ou  da  ​ fantasia​ ”  (MARX,  1994  [1867],  p.41;  grifo  nosso)  –  concebe  que  seu  valor  de  uso  pode  corresponder  à  satisfação  de  necessidades  imateriais. Porém, essa utilidade seria  “determinada  pelas  propriedades  materialmente  inerentes  à  mercadoria”  (Op.cit.,  p.42).  A  noção  de  uma  imaterialidade  do  valor  diz  respeito,  na  teoria  marxiana,  ao  fenômeno  do  fetichismo:    Há   uma  relação  física  entre  coisas  físicas.  Mas, a forma  mercadoria  e  a  relação de  valor  entre  os  produtos   do  trabalho,  a  qual caracteriza  essa forma,  nada  tem  a  ver  com  a  natureza  física  desses  produtos   nem   com  as   relações  materiais  dela  decorrentes.  Uma relação  social  definida entre  os homens que assume, a  seus  olhos,  a  forma  fantasmagórica  de  uma  relação  entre  coisas.  Para  encontrar  uma  símile,   temos  de  recorrer  à  região  nebulosa  da  crença.  Aí,  os  produtos  do  cérebro  humano  parecem  dotados  de  vida  própria,  figuras autônomas que mantém relações  entre si e  com  os  seres  humanos.  (...)  Chamo  a  isto  de  fetichismo, que  está  sempre  grudado  aos produtos do trabalho, quando são gerados como mercadorias. (Op.cit., p.81) 

  O  fetiche  seria  uma  espécie  de  véu  que  não  permite  aos   homens  ver  os  produtos  enquanto  aparência  material  de  seu  próprio  trabalho.  Lançados  para  a  troca  enquanto  mercadorias,  esses  produtos  de  trabalho  humano  são  postos  em  relação  direta  entre  si  e  igualados  em  termos  de  valor. “A conversão dos objetos  úteis em valores é, como a linguagem, um produto  social  dos  homens”  (Op.cit.,  p.81).  Desvelar  o  véu  seria  importante,  mas,  como  bem  aponta  Ulrich  Ermann  (2008),  analisar  as  marcas  enquanto  objeto  de  práticas  econômicas  reais  em  vez  de  fantasmagorias  (irreais)  nos  permite  compreender  melhor  os  processos  produtivos  e  borrar a fronteira entre as dimensões material e simbólica do valor.  Alguns  autores,  como  Pierre  Bourdieu  a  respeito  da  distinção  social,  priorizam  em  suas  análises  a  potencialidade  dos  agentes  sociais  em  atribuir  valores  estéticos  e  simbólicos  ao  consumo.  Por  outro  lado,  abordagens  utilitaristas  se  resumem ou priorizam características  técnicas,  ou  seja,  carros  mais  potentes  seriam  mais  úteis  que  carros  menos  potentes;  suas  análises  focam  no  potencial  da  inovação  tecnológica  para  a  acumulação  de  capital.  Na 

pesquisa  em  questão,  busco  seguir  um  terceiro  caminho  ao  concordar  com  a  proposta  de  Elaine  Norberto:  “a  luta  social  pela  constituição  de  identidades   não  se  reduz  ao  mundo  dos  objetos,  mas  passa  necessariamente  por  eles”  (NORBERTO,  2004,  p.208).  Podemos  dizer  então  que  as  corporações  fazem  uma  produção  simbólica  que  se  incorpora  às  características  concretas dos produtos.  Os  trabalhos  sobre  as  relações  sociotécnicas  acrescentam  elementos  importantes  à  discussão.  Wieber  Bijker  e   Trevor  Pinch  (2012)  nos  mostram  através  da  análise  do  desenvolvimento  da  bicicleta  como  as  inovações  tecnológicas  acompanham  necessariamente  a  identificação  das  características  desejadas  por um grupo social potencialmente consumidor,  como  conforto,  potência,  segurança,  ​ design  etc.  Há  também  uma  disputa  em  torno  da  interpretação   dessas  inovações,  como  no  caso  dos  pneus  de  borracha,  primeiramente  apresentados  como  artigo   de  segurança  e depois associados à velocidade. Ou seja, a utilidade  dos  produtos  não  diz  respeito  unicamente  às  suas  características  materiais,  mas  passa  necessariamente  por  processos  de  significação  social,  nos  quais  participam   produtores  e  consumidores.  Ademais,  Michel  Callon  (2012),  em  sua  análise  do  desenvolvimento do carro  elétrico,  aponta  que  essas  características  desejadas   são  intrínsecas  aos  estilos  de  vida,  o  que  exige  que  funcionários  de  corporações  façam  análises  de  processos  de  distinção  social,  aproximando­os  da  figura  do  sociólogo.   Uma  empresa  automobilística  pode  identificar,  por  exemplo,  um  potencial  nicho  de  mercado  de  homens  jovens de classe média que valorizam a  aventura,  o  que  vai  exigir  carros  com  motores  potentes,  tração  nas  quatro  rodas,  espaço para  pranchas  de  surf,  ​ design  arrojado,  etc.  Um  carro  para  famílias,   por  outro  lado,  costuma  ser  pensado  em  consonância  com  espaço  interno, ​ airbags​ , freios ABS, e outros acessórios, como  as  recentes  câmeras  dos  carros  Volkswagen  que  permitem  que  os  motoristas  vejam,  através  do  painel,  seus  filhos  nos  assentos  traseiros.  Todos  esses  elementos  devem  ser  bem  orquestrados em peças publicitárias que dialoguem com o público­alvo.       

 

Um pouco de história: a crise do modelo fordista    Durante  a  primeira  metade  do  século  XX,  a  marca  não  foi  explorada  da  mesma  maneira  que  atualmente.  A  principal  estratégia  das  corporações  era  a  produção  de  mercadorias  padronizadas,  de  maneira  a  alcançar  o  maior  número  de consumidores possível.  Henry  Ford  foi  um  expoente  desse  modelo:  em  1914,  influenciado  pela  perspectiva  racionalizante  e  utilitária  da  produção,  concebeu  um   automóvel  a  ser  produzido  em  massa  e  vendido  ao  menor  preço  possível.   “Um  automóvel  Ford  deveria  ser  uma  espécie  de  denominador  social  comum”  (NORBERTO,  2004,  p.204).  Com  esse  objetivo,  traçou  uma  estratégia  produtiva  a  partir  das  ideias  de  ​ administração  científica  de  Frederick   W.  Taylor:  linha  de  montagem,  separação  entre  trabalho  intelectual  e  manual,  fragmentação  do  trabalho  em  tarefas  repetitivas  e  rigidamente  controladas pelo tempo, trabalhadores especializados em  uma  tarefa  desqualificante,  etc.  Essa  estratégia  permitiu  o  barateamento  dos  custos  de  produção  e  o  aumento  na  produtividade,  que  eram  condições  necessárias  à  produção  massificada  de  veículos  padronizados  e  mais baratos. Esse modelo de produção, denominado  fordismo,  ficou estampado no imaginário popular através de representações do trabalhador na  esteira de produção, como no filme ​ Tempos Modernos​ , de Charles Chaplin.  Como  aponta  Alain  Lipietz  (1998),  economista  da  Escola  de  Regulação,  o  fordismo  adequava  crescimento  da  produtividade  –  proveniente  das  técnicas  de  produção  e  do  investimento  em  maquinário  –  com  consumo  de  massa.  O  Estado  teria  desempenhado  um  papel  importante  em   seu  desenvolvimento,  principalmente  a  partir  dos  anos  1930,  graças  a  implementação  de  políticas  de  aumento  real  do  salário  mínimo  e  de  um  sistema  de  previdência, que fortaleciam o consumo.  A  partir  dos  anos  1950,  as  empresas  passaram  a  experimentar  uma  intensificação  da  competição  proporcionada  pela  recuperação  econômica  da  Europa  Ocidental  e  do  Japão  no  pós­guerra.  A  massificação  de  produtos  padronizados  passou  a  ser  uma  desvantagem  frente  aos  ​ designs  inovadores  e  à  reputação  de  alta  qualidade  dos  produtos  europeus  e  japoneses  (KAPLINSKY,  1998,  p.25).  O modelo fordista passou então a entrar em crise.  Uma hipótese  da  pesquisa  é  que  nesse  momento   as  marcas  começaram  a  ganhar  importância nos processos  de  acumulação   de  capital.  David  Harvey  (1989)  aponta  nessa  direção  ao  analisar  o  papel  da  publicidade:   

Estas  últimas  [despesas  de  publicidade]  tiveram  um  marcado  crescimento a  partir  dos   anos  60,  consumindo  proporções  cada  vez  maiores  dos   orçamentos  corporativos,  porque,  num  mundo  altamente  competitivo,  não  são apenas produtos,  mas  a  própria  imagem  corporativa  que  tem  caráter  essencial,  não  somente  em  termos  de  marketing  como   no  tocante  a  levantar  capital,  realizar  fusões  e  obter  vantagens  no campo  da produção  do conhecimento,  das  políticas governamentais e  da promoção dos valores culturais. (HARVEY, 1989, p.152). 

  Importante  ressaltar   que  a  publicidade  por  si  só  não  engendra  a construção de marca,  apesar  de  ter  um  papel  importante.  Tal  como  abordado  acima,  a  produção  simbólica  veiculada  pelas  estratégias  comunicacionais  das  empresas  precisa,  por  um  lado,  vir  acompanhada  de  qualidades  materiais  nos  produtos;  por  outro,  ela  fornece   elementos  de  significação dessas qualidades.   A  crise  do  modelo  fordista  alcançou  seu  ápice  em  1973,  quando  países  da  Organização  dos  Países  Exportadores  de  Petróleo  (OPEP)  decidiram  pela  elevação  do  preço  do  barril  de  petróleo,  levando  ao  aumento dos custos de produção. As políticas de amparo do  Estado  de  Bem­Estar,  no  que  se   refere  à  seguridade  social   e  à  capacidade  de  impressão  de  moeda,  impediram  o  efeito  “bola  de  neve”,  como  no  colapso  de  1929.  Em  consequência,  a  crise  ganhou  forma   de  “estagflação”  (estagnação  econômica e aumento da inflação). Frente a  esse  cenário,  a  resposta  das  grandes corporações ganhou forma no processo de reestruturação  das  atividades  produtivas,  a  partir  da  inserção  de  novas  tecnologias,  flexibilização  das  relações  de   trabalho,  terceirização  de  atividades,  produção  enxuta,  diversificação   da  produção,  etc  (RAMALHO,  SANTANA,  2004).  Recursos  materiais  e  humanos  foram  cada  vez  mais  alocados  nos  processos  de  controle  de  informações,  de  identificação  de  novos  mercados,  de  concepção  de  produtos  diferenciados,  e  de  desenvolvimento  de  estratégias  de  marcas.  Ulrich  Ermann  (2008)  assinala  que  o  termo  “consumer  capitalism”  vem  sendo  utilizado  para   denominar  um  novo  modelo  de  capitalismo,  que  teria  emergido  a  partir  dos  anos  1990.  Nele,  os  consumidores  estariam desempenhando um papel mais ativo, alterando a  relação  entre  produção  e  consumo.  As  marcas,  nesse  modelo,  teriam  como  principal  função,  não  mais  demarcar  a  origem  do  produto  de  modo  a  se  proteger  de  imitação,  mas “inventar e  construir  identidades  e  estilos  de  vida”  (ERMANN,  2008,  p.1; tradução nossa). O novo lema  das  corporações  seria  “Brand,  not  products!”.  De  fato,  os  anos  1990  significaram  a  consolidação  de um outro patamar de importância das marcas,  mas é importante ter em mente  que  esse  momento  coroa  um  processo  em  curso  desde  o  começo  da  crise do modelo fordista 

nos  anos  1950.  Independente  do  momento  exato  desse  salto,  é  fácil  constatar  que,  hoje,  as  marcas  formam  um  ativo  simbólico   das  grandes  corporações  e  delimitam  estratégias  comerciais e até mesmo produtivas ao exigir coerência  com as expectativas dos consumidores  (NORBERTO, 2004).     Considerações sobre o Grupo Volkswagen    A  alemã  Volkswagen  foi   criada  em  1937,  em  um  contexto  em  que  poucos  alemães  tinham  acesso  a  um  automóvel.  Sua  criação  foi  fruto  do  interesse  do  governo  nazista  em  produzir  um  carro   acessível  às  famílias  médias  alemãs,  inspirado  no  modelo  T  da  Ford,   nos  Estados  Unidos.  O  logo  da  empresa  ainda  hoje  utilizado,  com  as  letras  V  e  W  dentro  de  um  círculo,  foi  criada  por  Franz  Xaver  Reimspieß,  um  ​ designer  da  empresa   Porshe.  O  primeiro  esforço  em  produzir  o  carro  popular  desejado  ganhou  forma  no  KdF­Wagen  (Figura  1),  desenvolvido  por  Ferdinand  Porshe  e  cujo  nome  foi  cunhado  pelo  próprio  Adolf  Hittler.4  Porém,  com  o  início  da  guerra,  a  fábrica  da  empresa  foi  redirecionada  para  fabricação  de  automóveis de combate. 

Figura 1: Hittler observa uma miniatura do modelo KdF­Wagen.  Fonte: http://www.bbc.com/news/business­34358783 

 

 VOLKSWAGEN AG. ​ History​ . Disponível em:  http://www.volkswagenag.com/content/vwcorp/content/en/the_group/history.html  Acessado em: out. 2015.     4

Após  a  Segunda  Guerra  Mundial,  a  fábrica  da  Volkswagen  ficou  sob  administração  do  governo  britânico.  Nesse   período,  ela  foi  utilizada  basicamente  para  reparos  de  automóveis  e  para  fabricação  em  pequenas  quantidades   encomendadas.  Em  1949,  a empresa  foi  repassada  ao  governo  alemão.  O  KdF­Wagen  foi  o  embrião  do  que  se  tornou  o  modelo  Beetle,  conhecido  no  Brasil  como  Fusca,  e  suas  vendas  cresceram  gradualmente.  A  Volkswagen passou então a ser símbolo da recuperação econômica alemã.5  Em  1955,  a  empresa  abriu   subsidiária  nos  Estados  Unidos  e  as  vendas  do  Beetle  cresceram  dramaticamente.  Como  parte  da  estratégia  de  inserção  no  mercado  norte­americano,  a  Volkswagen  of  America,  junto  à  agência  de  publicidade  Doyle  Dane  Bernbach,  lançou  campanhas  que  ganharam  grande  popularidade  a  partir  de  1959,  como  a  Think  Small  ​ (Figura  2),  que  chegou  a  ser  eleita  a  melhor  de  todos  os  tempos  pela  revista  Advertising  Age6.  Ao  final   de  1972,  16  milhões  de  Beetles  haviam  sido  produzidos,  superando  o  recorde  do  modelo  T  da  Ford.7  Como  a  própria  Volkswagen  afirma:  “The  charming, honest advertising became part of the charm and honesty of the car”.8  Uma  análise  das  peças  publicitárias  demonstra  como  o  Beetle  e  a  Kombi  (também  conhecido  como  Type  2,  ou  Bully)  eram  os  grandes  produtos  da  empresa.  Nesse  primeiro  momento,  a  publicidade  era  parte  da  estratégia  de  consolidação  da  Volkswagen  enquanto  marca  de  automóveis  baratos  e  eficientes.  Ou  seja,  a  marca  ainda  era  objeto  de  estratégia de  diferenciação  de  qualidade.  A  partir  de  1973,  porém,  as  vendas  do  Beetle  passam  a cair. Em  resposta,  a  empresa  lança  uma  nova  geração  de  carros:  Passat,  Scirocco,  Golf,  e  Polo.  Tal  movimento  aponta  para  a  pressão  das  concorrentes  norte­americanas  e  japonesas  em  lançamentos  de  carros  de  ​ designs    inovadores,  o  que  exigiu  redirecionamento   da  gestão  da  marca.     

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 Idem.   ADVERTISING AGE. ​ Ad Age Advertising Century: Top 100 Campaigns​ . Disponível em:  http://adage.com/article/special­report­the­advertising­century/ad­age­advertising­century­top­100­advertising­c ampaigns/140150/​ . Acessado em: out. 2015.    7  AUTOEVOLUTION. Volkswagen Brand History. Disponível em:  http://www.autoevolution.com/volkswagen/history/​ . Acessado em: out. 2015.    8  VOLKSWAGEN. ​ Remember those great Volkswagen ads?​ . Disponível em: ​ http://www.greatvwads.com/​ .  Acessado em: out. 2015.    6

Figura 2: Campanha publicitária ​ Think Small​  (1959) 

  Texto do anúncio [tradução nossa]:   Pense pequeno.  Nosso pequeno carro já não é mais uma novidade assim tão grande.  Umas dúzias de estudantes já não tentam mais se espremer dentro dele.  O sujeito do posto de gasolina já não pergunta aonde é que se põe a gasolina.  Ninguém nem encara nosso formato.  De  fato,  algumas  pessoas que  dirigem  nosso  pequeno  ​ flivver  [carro  popular] nem pensam mais que 32  milhas por galão é extraordinário.  Ou usar 1/4 de litro de óleo em vez de 5 litros.  Ou nunca mais precisar de anti­congelante.  Ou rodar 40 mil  milhas num único conjunto de pneus.  Isto  acontece porque,  depois  que  você  se  acostuma  a  algumas  de  nossas  economias, você  nunca mais  pensa nelas.  Exceto  quando  você  consegue  estacionar  em  uma  pequena vaga.  Ou  renova seu  pequeno seguro.  Ou  paga uma pequena conta de oficina.  Ou troca o seu antigo VW por um novo.  Pense nisso.      

Nos  últimos  anos,  a  Volkswagen  vem  buscando  se   consolidar  como  uma  marca  ecologicamente  sustentável  a  partir  da  combinação  entre  potência,  eficiência  energética  e  baixa  emissão  de  gases  poluentes.  Porém,  em  2015,  a  empresa  foi  denunciada  pela  Environmental  Protection  Agency  (EPA)  dos  Estados  Unidos  por  instalar  um  software  em  seus  veículos  que  seriam  capazes  de  detectar  as  condições  de  testes  federais  e,  partir  disso,  controlar  artificialmente  a  emissão  de  gases,  diferentemente  das  condições  de  uso  normal.  Essa  prática  nos  abre  margem  para  pensar  a  fraude  como  componente  constitutivo  das  estratégias corporativas (SANTOS, 2015).    Conclusões (iniciais)    No  momento  atual  da  pesquisa  em  andamento,  podemos  apontar  que  a  marca  vivenciou  um  salto  de  patamar, adentrando em nossas vidas de maneira que não se observava  na  primeira  metade  do  século  XX.  Acreditamos  que  esse  processo  foi  constitutivo  da  reestruturação  capitalista  vivenciada  após  a  crise  do  modelo  fordista,  a  partir  da  intensificação do ambiente competitivo após a Segunda Guerra Mundial.  As  marcas,  enquanto  estratégia de diferenciação de produtos, passou de mera atestado  de  origem  e  qualidade  para  símbolos  de  ​ status  e  estilos  de  vida.  Isso  abre  margem  para  refletirmos  a  respeito  de  uma  dimensão  simbólica  na  construção  de  ​ valor​ .  Se  essa  questão  não  é  exatamente  uma  novidade,  o  interessante  é  a  maneira  como  as  corporações  “adaptam  essa  observação  de  um  modo  reflexivo  em  suas  práticas”  (ERMANN,  2008,  p.2).  Ou  seja, a  produção  simbólica  na  marca  faz  parte  integrante  das  estratégias  corporativas  justamente  porque  elas  compreenderem  sua  potencialidade.  Essa  questão  foi  pouco  abordada  nos  trabalhos  de  sociologia   do   trabalho,  e  a  pesquisa  em  andamento  busca  dar  uma  contribuição  nessa discussão.  A  Volkswagen  AG  nos  fornece  um  ótimo  exemplo  do  manejo  dessas  estratégias,  desde  o  uso  da publicidade na  inserção no mercado norte­americano até a atual construção de  uma  marca  ecologicamente  sustentável  marcada  pelo  uso  de  fraudes.  A  continuidade  da  análise  de  suas  estratégias  corporativas  promete  abrir  a  “caixa  preta”  pela  qual  uma  marca  global como essa se apresenta.     

Referências bibliográficas    BIJKER,  Wiebe;  PINCH,  Trevor.  “The  Social  construction  of  facts  and  artifacts:   or  how  the  Sociology  of  Science  and  the  Sociology  of  Technology  Might  benefit  each  other”.  In:  BIJKER,  Wiebe;  HUGHES,  Thomas;  PINCH,  Trevor  (orgs.).   ​ The   Social  Contruction  of  Technological  Systems:  new  directions   in  the  Sociology and History of Technology. The MIT Press,  Cambridge  &  London, 2012, pp. 11­44.    CALLON,  Michel.  “El  proceso  de  construcción  de  la   sociedade.  El  estudio  de  la  tecnología  como  herramienta  para  el  análisis  sociológico”.  In:  DOMÈNECH,  Miquel;  TIRADO,  Francisco  Javier  (orgs.).  ​ Sociología  simétrica:  Ensayos  sobre  ciência,  tecnologia  y  sociedade.  Gedisa  Editorial,  Barcelona, 1998, pp. 143­170.    COE,  Neil;  DICKEN,  Peter;  HENDERSON,  Jeffrey;  HESS,  Martin;  YEUNG,  Henry.  ​ Redes  de  produção  globais  e  a  análise   do  desenvolvimento  econômico​ .  Rio  de Janeiro:  Revista  Pós  Ciências  Sociais, v.8, n.15, pp. 143­170, 2001.    ERMANN,  U.  ​ Consumer  capitalism  and  brand  fetishism​ :  The  case  of  fashion  brands  in  Bulgaria.  Brands and Branding Geographie​ s​ , n. 1995, p. 107–124, 2008.     HARVEY, David. ​ Condição Pós­Moderna​ . São Paulo: Edições Loyola, 1989.    LIPIETZ,  Alain. ​ Miragens e  Milagres​ :  Problemas  da industrialização no Terceiro Mundo. São Paulo:   Nobel, 1988.    KAPLINSKY, R.  ​ Globalisation,  industrialisation  and  sustainable growth:  the pursuit of the nth rent​ .  IDS Discussion Paper, v. 365, p. 1–43, 1998.     KUMAR, Krishan. ​ Da Sociedade Pós­Industrial à Pós­Moderna​ . Rio de Janeiro: Zahar, 1997..    NOBERTO,  Elaine. ​ Estratégias corporativas de  marcas e  estratégias  sociais  de diferenciação:  uma  análise  a partir do  automóvel​ .  São  Paulo: Tempo  Social,  revista de  sociologia da USP, v.16, n.2, pp.  203­223.    SANTOS, Rodrigo. Volkswagen: “você conhece, você confia!”. Racionalidade econômica e fraude  como estratégia corporativa. Disponível em:  http://www.dmtemdebate.com.br/volkswagen­voce­conhece­voce­confia­racionalidade­economica­e­f raude­como­estrategia­corporativa/​ . Acessado em: out. 2015.    RAMALHO,  José  Ricardo;  SANTANA,  Marcos  Aurélio.   ​ Sociologia  do  trabalho  no  mundo  contemporâneo​ . Rio de Janeiro: Zahar, 2004. 

   

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