Estudo de imersão nas narrativas dos jogos eletrônicos The Last of Us e Heavy Rain

June 3, 2017 | Autor: Fabiana Guerra | Categoria: Video Games, Digital Games, Immersion, Games Studies, Jogos eletrônicos, Imersão
Share Embed


Descrição do Produto

III Congresso Internacional Red INAV / V Encontro Ibero-americano de Narrativas Audiovisuais III Congreso Internacional Red INAV / V Encuentro Iberoamericano de Narrativas Audiovisuales Universidade Estadual Paulista – Unesp, Bauru, Brasil, 28 a 30 de março de 2016.

Estudo de imersão nas narrativas dos jogos eletrônicos The Last of Us e Heavy Rain1 Fabiana Guerra2 Genio Nascimento3 Universidade Anhembi Morumbi

Resumo O objetivo deste artigo é compreender os atributos essenciais dos jogos eletrônicos com base no campo dos game studies, definindo possíveis elementos comuns aos mais narrativos, e estabelecendo ferramentas que possibilitem a identificação de estruturas que possam influenciar na imersão e engajamento nesses jogos, com base na sua narrativa e estrutura. Palavras-chave Jogos eletrônicos; game studies; estruturas narrativas; imersão.

Introdução Dentro do campo dos game studies é possível verificar um grande número de análises de jogos eletrônicos com base em sua estrutura constitutiva, que pode ser representada, por exemplo, pelos fatores como as regras, ficção e a mecânica do jogo. Essas análises se confundem dentro dos campos da narratologia e da ludologia4 que fornecem dados partindo de princípios distintos, fato que dificulta o estabelecimento de uma descrição única que estabeleça as características distintas de cada jogo eletrônico. Dentro do campo ficcional dos jogos existe um enorme potencial narrativo a ser explorado, que pode aumentar a experiência do jogador em relação aos seus aspectos mais perceptivos, como estímulos visuais e emocionais. O foco desse estudo é verificar o quanto a narrativa, a mecânica do jogo e as regras, juntas, podem constituir uma narrativa mais imersiva nos jogos eletrônicos e quanto a 1

Trabalho apresentado no GT 13 – Plataformas audiovisuais e ambientes convergentes, no III Congresso Internacional Red INAV. 2

Mestranda em Comunicação Audiovisual pela Universidade Anhembi Morumbi.

3

Mestrando em Comunicação Audiovisual pela Universidade Anhembi Morumbi.

4

A visão de narratologia é que jogos devem ser entendidos como formas inovadoras de narrativa e, portanto, podem ser estudados usando as teorias da narrativa (Murray, 1997; Atkins, 2003). A posição da ludologia é que os jogos devem ser entendidos em seus próprios termos. Ludologistas propõem que o estudo de jogos deve se relacionar a análise dos sistemas formais e abstratos ao qual eles se descrevem.

III Congresso Internacional Red INAV / V Encontro Ibero-americano de Narrativas Audiovisuais III Congreso Internacional Red INAV / V Encuentro Iberoamericano de Narrativas Audiovisuales Universidade Estadual Paulista – Unesp, Bauru, Brasil, 28 a 30 de março de 2016.

narrativa se relaciona a um engajamento menor, ou maior, por parte do jogador. Para fazer esse estudo, utilizaremos dois jogos narrativos com mecânicas diferentes: The Last of Us e Heavy Rain.

A narrativa nos jogos eletrônicos Como podemos contar uma história partir de um jogo eletrônico? A resposta aparentemente não está apenas na narrativa, mas também na estrutura de design do jogo em si. Percebemos que esse é um ponto fundamental a ser estudado. Isso porque a narrativa precisa girar em torno da natureza interativa do meio, precisamos considerar sua materialidade. Vamos comparar a narrativa escrita ao cinema, considerando que literatura pode ser caracterizada por meio de palavras, vamos representa-la por acontecimentos ao longo do tempo, já o cinema trata com imagens e áudios, portanto além da “história” adicionamos uma segunda dimensão na compreensão do espectador: o audiovisual.

A experiência audiovisual no cinema é uma nova esfera de possibilidades de expressões. Se o audiovisual do cinema permitiu a entrada de um eixo bidimensional, e uma maior experiência sensorial, podemos considerar que os jogos eletrônicos, adicionam um eixo tridimensional, possibilitando um terceiro fator importante que é a interação.

III Congresso Internacional Red INAV / V Encontro Ibero-americano de Narrativas Audiovisuais III Congreso Internacional Red INAV / V Encuentro Iberoamericano de Narrativas Audiovisuales Universidade Estadual Paulista – Unesp, Bauru, Brasil, 28 a 30 de março de 2016.

O agenciamento ou agência é um conceito utilizado por Janet Murray para se referir aos resultados gerados por ações em ambientes interativos. Segundo MURRAY (2003, p.127), “agência é a capacidade gratificante de realizar ações significativas e ver os resultados de nossas decisões e escolhas”. É um processo que exige o esforço do usuário em participar, e tem como resposta uma atualização do jogo a partir dos comandos executados pelo jogador.

Há a oportunidade de assumir as motivações e emoções de um personagem com a interatividade. A experiência da narrativa está presente quando jogamos como protagonistas. Descobrimos, de forma ativa características da história, e não através da lente de um cinegrafista, poderíamos deduzir que a profundidade da narrativa nos jogos eletrônicos tem caráter de experimentação.

As narrativas imersivas em The Last of Us e Heavy Rain The Last of Us é um jogo do subgênero survival horror5, onde a ação acontece em terceira pessoa, o jogo se passa em um Estados Unidos pósapocalíptico, e conta a história dos sobreviventes Joel e Ellie e como eles, juntos, sobreviveram em sua jornada para o oeste, através do que restou do país, para

5

Survival horror é um subgênero de jogos de videogame do gênero ação/aventura, no qual o tema é terror e sobrevivência. O principal objetivo do jogo é sobreviver a fatos inicialmente incompreendidos e misteriosos e, ao longo do jogo, descobrir os detalhes, desvendar os mistérios da história que muitas vezes é totalmente desconhecida e achar soluções para os diversos quebracabeças apresentados.

III Congresso Internacional Red INAV / V Encontro Ibero-americano de Narrativas Audiovisuais III Congreso Internacional Red INAV / V Encuentro Iberoamericano de Narrativas Audiovisuales Universidade Estadual Paulista – Unesp, Bauru, Brasil, 28 a 30 de março de 2016.

encontrar uma possível cura para a praga de fungos que tem dizimado a raça humana.

Fig. 1 –Cena do jogo The Last of Us (imagem retirada do site wiki.com)

Em “The Last of Us”, durante o desenrolar da trama narrativa, vamos aos poucos ficando próximos do protagonista de maneira tão intensa, que mesmo não tendo poder de decisão em momentos críticos da história, a imersão é notória. A narrativa se mostra de uma maneira que não poderia ser igual em uma experiência cinematográfica, como espectador (passivo) o fato do jogador se apropriar de seu avatar6 e ser o interator da narrativa, se envolvendo com questões como paternidade, ética, perda, entre outros sentimentos, o conecta com a trama de maneira emocional, mesmo ele sabendo que há um caminho préprogramado para o personagem. Veja o que Murray coloca sobre o jogador como interator: Umas das principais questões levantadas pela prática da agência narrativa é: até que ponto somos autores da obra que vivenciamos? Alguns argumentam que um interator numa história digital... é o 6

Avatar é uma manifestação corporal de um ser imortal segundo a religião hindu, por vezes até do Ser Supremo. A palavra “Avatar” se tornou popular entre os meios de comunicação e informática devido às figuras que são criadas à imagem e semelhança do usuário, permitindo sua "personalização" no interior das máquinas e telas de computador.

III Congresso Internacional Red INAV / V Encontro Ibero-americano de Narrativas Audiovisuais III Congreso Internacional Red INAV / V Encuentro Iberoamericano de Narrativas Audiovisuales Universidade Estadual Paulista – Unesp, Bauru, Brasil, 28 a 30 de março de 2016.

autor da história. Essa é uma afirmação enganosa. Há uma distinção entre encenar um papel criativo dentro de um ambiente autoral e ser autor do próprio ambiente. Mas os interatores podem apenas atuar dentro das possibilidades estabelecidas quando da escritura e da programação de tais meios. (MURRAY, Janet H., 2003, p. 149)

Podemos dizer que é uma ilusão o jogador sentir que pode agir de maneira a alterar a história. Na verdade, ele pode. Mas desde que isso esteja programado no desenho do jogo. O ponto é que, apesar disso, e mesmo com a consciência disso, o jogador se envolve e imerge na narrativa. O sentido de imersão no jogo, ou de estar “presente”, está diretamente ligado ao jogador exercendo o papel de interator. Ou seja, exercitando sua “agência” no jogo. Esse ponto de vista é defendido por diversos autores. Vejamos como MACHADO define o sentido de imersão e agência: O termo imersão foi introduzido recentemente nas áreas de realidade virtual e vídeo game para se referir ao modo peculiar como o sujeito “entra” ou “mergulha” dentro das imagens e sons gerados pelo computador. Agenciamento (agency), por sua vez, é o termo que os povos de língua inglesa utilizam para designar a sensação experimentada por um interator de que uma ação significante é resultado de sua decisão ou escolha. Nos meios digitais (videogames, realidade virtual, ambientes colaborativos baseados em rede etc.) nós nos defrontamos o tempo todo com um mundo que é dinamicamente alterado pela nossa participação. (MACHADO, Arlindo, 2002)

Apesar dessa definição de agência feita por MACHADO, ele defende que a agência está condicionada a programação pensada pelo game designer, e que, o “agir” está limitado a condições técnicas da inteligência artificial. Agenciar é, portanto, experimentar um evento como o seu agente, como aquele que age dentro do evento e como o elemento em função do qual o próprio evento acontece. Mas essa participação dinâmica, como vimos acima, não indica que o interator é senhor absoluto dos acontecimentos. Ele só pode fazer o que o programa permite ou o que a máquina prevê como possibilidade de ocorrência (a menos que estejamos diante de um programa aberto e o interator seja capaz de intervir no próprio âmbito da programação). (MACHADO, Arlindo, 2002)

III Congresso Internacional Red INAV / V Encontro Ibero-americano de Narrativas Audiovisuais III Congreso Internacional Red INAV / V Encuentro Iberoamericano de Narrativas Audiovisuales Universidade Estadual Paulista – Unesp, Bauru, Brasil, 28 a 30 de março de 2016.

Voltando ao jogo The Last of Us, podemos notar que a narrativa nele é tão envolvente e os elementos de jogo tão discretos que o jogador não se importa com a linearidade imposta pelo gameplay7. A tela de jogo é extremamente limpa e livre de interferências. Percebemos que o personagem está ferido apenas por alterações de cor: uma borda avermelhada surge piscando. E mesmo o menu de itens faz uma relação à busca de elementos em uma mochila, tentando ao máximo aproximar o jogador de seu avatar.

Fig. 2 – Cena do jogo Heavy Rain - inventário (imagem retirada do site goleftgaming.wordpress.com)

Do ponto de vista de Aarseth, que analisa o jogo através de satélites e kernels fixos ou variáveis para determinar se estamos em um terreno onde a narrativa se sobressai em relação à mecânica e as regras, podemos dizer que The Last of Us é um jogo com kernel inicial e final fixos e satélites sequenciais fixos também. Ou seja, de acordo com Aarseth, o jogo acontece linearmente e a exploração permitida não interfere na ordem dos fatos narrados. Buscando um jogo, onde a narrativa é “multicursal” para comparar com o anterior, analisaremos Heavy Rain, um jogo que possui apenas o kernel inicial fixo, e muitos satélites variáveis. Mesmo seu final pode mudar de acordo com as escolhas feitas pelo jogador no caminho narrativo.

7

Jogabilidade (em inglês, gameplay ou playability) é um termo na indústria de jogos eletrônicos que inclui todas as experiências do jogador durante a sua interação com os sistemas de um jogo, especialmente jogos formais, e que descreve a facilidade na qual o jogo pode ser jogado, a quantidade de vezes que ele pode ser completado ou a sua duração.

III Congresso Internacional Red INAV / V Encontro Ibero-americano de Narrativas Audiovisuais III Congreso Internacional Red INAV / V Encuentro Iberoamericano de Narrativas Audiovisuales Universidade Estadual Paulista – Unesp, Bauru, Brasil, 28 a 30 de março de 2016.

O que podemos perceber logo no início é que o gameplay desse jogo é bem mais lento e com comandos que não são da experiência comum do jogador. Ou seja, o jogador não possui affordance8 com os comandos. Mesmo porque esse foi um dos primeiros jogos desenvolvidos para ser jogado com o dispositivo Move, que substitui o tradicional controle. Mesmo assim, é possível jogar com o controle comum, mas com o esforço de aprender comandos que misturam apertar botões, com movimentos de colocar o controle para cima e para baixo, girar e ainda imprimir leveza ou rapidez a esses movimentos.

Fig. 3 – Controle Movie do console Playstation 3 (imagem retirada do site ibyte.com.br)

Fig. 4 – Comandos e Cena do jogo Heavy Rain (imagem retirada do site analisedegames. blogspot.com) 8

Affordance - é a qualidade de um objeto que permite ao indivíduo identificar sua funcionalidade sem a necessidade de prévia explicação, o que ocorre intuitivamente ou baseado em experiências anteriores. Quanto maior for a affordance de um objeto, melhor será a identificação de seu uso.

III Congresso Internacional Red INAV / V Encontro Ibero-americano de Narrativas Audiovisuais III Congreso Internacional Red INAV / V Encuentro Iberoamericano de Narrativas Audiovisuales Universidade Estadual Paulista – Unesp, Bauru, Brasil, 28 a 30 de março de 2016.

Heavy Rain é um thriller psicológico com características cinematográficas desenvolvido pela Quantic Dream9 exclusivamente para o PlayStation 310. O jogo gira em torno de uma trama sofisticada com fortes segmentos narrativos que explora uma complexa proposta moral. Você assume o papel de vários personagens com diferentes origens, motivações e habilidades em um mundo onde cada decisão do jogador afeta o que seguirá. O jogo se concentra em quatro diferentes personagens; Ethan Mars, um pai e principal protagonista; Scott Shelby, detetive particular; Norman Jayden, um agente do FBI e, finalmente, Madison Paige, uma fotojornalista. Eles são personagens muito diferentes e não se conhecem no início do jogo, mas são todos ligados pois, todos têm interesse no principal antagonista, o assassino do Origami. No jogo, podemos controlar vários personagens durante o desenrolar da trama. E, muitas vezes, o jogador não tem a possibilidade de tentar de novo caso falhe. O fato de não conseguir executar uma ação leva a narrativa para outro caminho e altera o desenrolar da trama. A quantidade de finais possíveis é controversa: em alguns sites de spoiler encontramos 17 possíveis desfechos, enquanto alguns artigos acadêmicos defendem que o jogo pode ultrapassar 23 finais. Mas o fato é que durante as primeiras ações no jogo, o jogador percebe que precisará ser mais atento e tomar decisões mais cautelosas ao longo do desenrolar da trama. Caso contrário, a narrativa o levará a um caminho sem volta, no qual ele não poderá salvar Shaun ou descobrir quem é o assassino. Nesse ponto, vale a pena explicar quem é Shaun. Acredito que o grande motivador no jogo seja a relação que o jogador estabelece com o avatar no engajamento de salvar Shaun de uma morte por afogamento, imprimida por um psicopata desconhecido, que em muitos trechos do jogo, pensamos ser o próprio pai. Outro fator que leva o jogador a ir até o fim – e talvez voltar a jogar -, é descobrir se o assassino é um dos personagens principais do jogo. 9

Quantic Dream é uma desenvolvedora de jogos eletrônicos sediada em Paris, França, fundada em 1997. A empresa também fornece serviços de captura de movimento para a indústria do cinema e de jogos. 10

O PlayStation 3 (oficialmente abreviado como PS3) é o terceiro console de videogame produzido pela Sony Computer Entertainment e o sucessor do PlayStation 2 como parte da série PlayStation. O PlayStation 3 compete contra o Xbox 360 e o Nintendo Wii como parte da sétima geração de consoles de videogame.

III Congresso Internacional Red INAV / V Encontro Ibero-americano de Narrativas Audiovisuais III Congreso Internacional Red INAV / V Encuentro Iberoamericano de Narrativas Audiovisuales Universidade Estadual Paulista – Unesp, Bauru, Brasil, 28 a 30 de março de 2016.

Shaun é filho de Ethan, personagem principal, no Kernel inicial do jogo, que não se altera independente do desdobramento. Ethan perde um dos filhos gêmeos em um acidente de carro do qual ele próprio fica seis meses em coma. Após o acidente, Ethan se separa da esposa Grace e passa a ter a guarda compartilhada de Shaun, que se tornou uma criança deprimida e apática. Seu relacionamento com Ethan é frio e distante. Após dois anos do acidente, Ethan tem alguns blackouts e passa por acompanhamento psicológico para entender seu quadro. Durante um desses apagões, o filho Shaun desaparece e ele se vê às voltas com um origami e instruções para salvar o filho. O assassino do origami costuma dar a oportunidade da pessoa mais próxima a criança raptada se colocar em situações extremas para salvar quem ama. A partir desse ponto, a narrativa se torna mais intensa e envolvente e o jogador mais tentado a continuar para salvar a criança, e claro descobrir quem é o assassino. Há relatos de jogadores que desistiram de continuar antes desse momento do jogo. Acreditamos que este ponto é o divisor da narrativa e do gameplay. Nesse momento, a mecânica do jogo já foi compreendida e o jogador já se familiarizou com as formas de interação, tendo a probabilidade de muito mais acertos do que erros no manuseio dos botões e interface. Além disso, há um gatilho motivador na história e o mistério e a ação se intensificam. É nesse momento, que temos um real engajamento e o jogador passa realmente a ser o interator da narrativa. O sentido de presença aumenta no jogo à medida que o jogador se sente responsável pelos desdobramentos, imergindo cada vez mais na história. A autora Ryan classifica imersão como sendo: “a experiência através da qual um mundo fictício adquire a presença de uma realidade autônoma e independente de linguagem, populada por seres humanos vivos” (RYAN, 2001, p. 15).

E ainda: “aprender um mundo como real é sentir-se inserido nele, ser capaz de interagir fisicamente com ele, e ter o poder de modificar tal ambiente. A conjunção de imersão e interatividade leva a um efeito conhecido como telepresença” (RYAN, 1994, apud KLASTRUP, 2003a, p. 295).

III Congresso Internacional Red INAV / V Encontro Ibero-americano de Narrativas Audiovisuais III Congreso Internacional Red INAV / V Encuentro Iberoamericano de Narrativas Audiovisuales Universidade Estadual Paulista – Unesp, Bauru, Brasil, 28 a 30 de março de 2016.

Jasper Juul, na tentativa de definir o que é jogo em um modelo clássico, o separou em três partes distintas, o jogo como sistema, o jogador e o jogo e por fim, o jogador e o resto do mundo, podemos simplificar essas três separações como: jogo, jogador e mundo.  O jogo pode ser definido por premissas, as regras, todas as ações do jogo que não sofrem qualquer influência do jogador;  O jogador pode ser definido pelas relações estabelecidas entre o jogador e o jogo, suas decisões e a sequência do jogo com base nelas;  O mundo se define pela forma como influência o jogador e vice-versa. De acordo com o autor: Um jogo é um sistema baseado em regras com resultados variáveis e quantificáveis, onde diferentes resultados geram diferentes valores, o jogador exerce esforço e influência a ordem do resultado, e o jogador se sente emocionalmente ligado ao resultado, e as consequências das atividades são negociáveis. (JUUL, Jasper, 2005, p. 36)

Percebemos nitidamente essa separação que Juul faz no jogo Heavy Rain. As regras do jogo estão diretamente ligadas às mecânicas, onde o jogador ao acertar a sequência de botões, os gestos ou a leveza e velocidade na manipulação do controle pode ter sucesso ou não. E aí temos uma variação de resultados. E cada qual leva a um determinado caminho, gerando diferentes valores ou resultados, como citado acima. O interator age no sentido de salvar Shaun da morte. Nesse caso, o jogador se engaja e tem êxito se aproximando da história e se colocando no papel do pai da criança. O jogador exerce, então, esforço e influência na ordem do resultado, já que o jogo dá essa possibilidade disponibilizando vários satélites em torno da narrativa. E, notoriamente, o jogador se sente emocionalmente ligado, já que a narrativa envolve o jogador com questões morais e psicológicas. Ryan defende que é difícil ter imersão em torno de uma interface carregada de elementos, que a todo momento quebram o sentido de presença e dificultam a suspensão de descrença. Veja o que Ryan coloca em entrevista realizada por Júlia Pessôa:

III Congresso Internacional Red INAV / V Encontro Ibero-americano de Narrativas Audiovisuais III Congreso Internacional Red INAV / V Encuentro Iberoamericano de Narrativas Audiovisuales Universidade Estadual Paulista – Unesp, Bauru, Brasil, 28 a 30 de março de 2016.

Júlia Pessôa: Você uma vez mencionou que um dos problemas centrais em textos interativos é que o fluxo da narrativa é interrompido toda vez que o leitor tem que fazer uma escolha. Em alguns games, isto parece não acontecer, já que as escolhas acabam diluídas no gameplay. (Ao mesmo tempo, os jogos em que as escolhas têm de ser feitas por acesso a menus e recursos do tipo parecem ter o mesmo problema que os textos interativos). Você concorda com isso? Por quê? Ryan: Concordo totalmente. Em games, há um fluxo de atividade que promove a imersão do jogador no mundo do jogo. Mas há muitas interrupções: por exemplo, toda vez que o jogador tem que escolher uma nova arma, pesquisar em seu mapa, verificar missões pendentes, etc, ele deve acessar um menu. Mas nos games, isso é “naturalizado”, como alguém que procura um objeto em sua bagagem, por assim dizer. Na narrativa de hipertexto, por outro lado, a atividade de clicar é externo ao mundo da história, e por isso provoca muito mais distração. Além de ser antiimersiva.

Em Heavy Rain, a interface é extremamente carregada e a todo o momento aparecem balões com opções de seleção para o jogador escolher. Mas a narrativa e o game design estão tão bem desenhados que isso é irrelevante. Os planos de câmera, as expressões dos personagens, o mistério imprimido na narrativa, a sensação de responsabilidade em agir pelos personagens torna a experiência tão fascinante que, como Ryan disse na entrevista mostrada acima, o manuseio da interface fica natural e incorporado à narrativa.

CONCLUSÃO Podemos verificar que os dois jogos são imersivos, porém cada qual com uma dinâmica diferente. E que apesar da interface e do excesso de comandos serem um fator que pode atrapalhar a imersão, em muitos casos isso não acontece. A própria narrativa, se bem desenhada e aplicada de forma a motivar o jogador, apoia o sentido de presença e coloca o jogador como interator. E que apesar de o jogo não ser multicursal, ou não apresentar um mundo aberto e cheio de possibilidades, isso não quer dizer que ele é menos narrativo. Ou que seu gameplay predomina em relação à narrativa. Ou seja, a partir desse estudo, aparecem diversos pontos que podem futuramente ser explorados. A intenção é

III Congresso Internacional Red INAV / V Encontro Ibero-americano de Narrativas Audiovisuais III Congreso Internacional Red INAV / V Encuentro Iberoamericano de Narrativas Audiovisuales Universidade Estadual Paulista – Unesp, Bauru, Brasil, 28 a 30 de março de 2016.

que, a partir daqui, seja possível verificar eventuais pontos estruturais da narrativa desses dois jogos que se assemelham e/ou se diferenciam, mapeando melhor suas estruturas técnicas e narrativas.

REFERÊNCIAS AARSETH, Espen. A narrative Theory of Games. In: Foundations of Digital Games Conference Proceedings, 2012, p. 129-133. AARSETH, Espen. Cybertext: Perspectives on Ergodic Literature. Baltimore: The John Hopkins University Press, 1997. ANDRADE, Luiz Adolfo de; FALCÃO, Thiago (Eds.). Realidade Sintética: Jogos Eletrônicos, Comunicação e Experiência Social. São Paulo: Scortecci, 2012. FRASCA, Gonzalo. “Simulation versus Narrative, Introduction to Ludology”. In: The VideoGame Theory Reader. Routledge, NY e London: Wolf & Perron, 2003. JUUL, Jesper. Half-Real. Video Games between Real Rules and Fictional Worlds. Cambridge: The MIT Press, 2009. PERLIN, Ken, “Can There Be a Form between a Game and a Story?” In: First Person, New Media as Story, Performance and Game. Cambridge, Mass.: MIT Press, 2004. RYAN, Marie-Laurie. Avatars of story. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2006. MURRAY, Janet H., Hamlet no Holodeck – o futuro da narrativa no ciberespaço, UNESP, Itaú Cultural, São Paulo, 2003 MACHADO, Arlindo. Regimes de Imersão e Modos de Agenciamento. INTERCOM – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Salvador/BA – 2002. KLASTRUP, Lisbeth. Towards a Poetics of Virtual Worlds. Tese de Doutorado apresentada à IT University of Copenhagen. Copenhague, 2003a. PESSÔA, Júlia, Videogames por uma poética da interatividade Entrevista com MarieLaure Ryan. Artigo publicado na Revista Lumina - Revista do Programa de Pósgraduação em Comunicação Universidade Federal de Juiz de Fora / UFJF, 2010.

SITES VISITADOS

III Congresso Internacional Red INAV / V Encontro Ibero-americano de Narrativas Audiovisuais III Congreso Internacional Red INAV / V Encuentro Iberoamericano de Narrativas Audiovisuales Universidade Estadual Paulista – Unesp, Bauru, Brasil, 28 a 30 de março de 2016.

Wikia Wikia Júlia Pessôa Game Studies < https://en.wikipedia.org/wiki/Game_studies> Avatar Gameplay < https://pt.wikipedia.org/wiki/Jogabilidade>

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.